alentejo - seara vocabular 09 - manel loendrero 2011
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Alentejo - Seara Vocabular 09 - baseada na obra de Luís Santa Maria, 'Memórias de Manel Loendrero', 2011, com crónicas iniciadas em 1982, no jornal de Moura 'A Planície'...TRANSCRIPT
ALENTEJO – uma SEARA VOCABULAR – 07
MEMÓRIAS DE MANEL LOENDRÊRO Luís Santa Maria
Chiado Editora, Julho de 2011 07 Loendrero
José Rabaça Gaspar – 2012 11
ALENTEJO – uma SEARA VOCABULAR – 07 – JRG 2012
2 Nota a abrir com dados da ‘Nota Prévia’ de Luís Santa Maria:
Luís Santa Maria (Luís Eduardo Perfeito Santa Maria) nasceu em 5 de Março de 1964, em Moura, licenciou-se em Engenharia Zootécnica, na Universidade de Évora, Mestrado em Lisboa, no Instituto superior de Agronomia e é professor na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Beja. “As ‘Memórias de Manel Loendrêro são histórias de ficção.”
Estas crónicas foram publicadas, no jornal de Moura, “Planície” ao longo dos anos 1982 – 1986. … Quando iniciou a publicação destas ‘memórias’, Luís tinha 18 anos e estávamos em 1 de Junho de 1982, quando a primeira crónica foi publicada! Escreve Luís: “…todas as crónicas são originais bebendo aqui e ali de um ou outro episódio baseado em factos verídicos, conforme os das crónicas publicadas em 01/09/1983, 15/02/1984 e 15/04/1987.” … e, como foram escritas para divertir, estas crónicas foram escritas ‘em função da pronúncia… dando atenção ao som e não à grafia’… e por fim dá-nos um glossário para ajudar os leitores. Assim, faço aqui a recolha deste glossário seguido de cinco crónicas que me foram cedidas pelo autor. Na publicação, sem índice, já contei, pelo menos, 34 saborosas crónicas, que, na minha opinião e parece que também na do autor, são para ser lidas em voz alta, para serem OUVIDAS… Ver – linguagem popular – http://www.cm-mirandela.pt/index.php?oid=3926
MEMÓRIAS DE MANEL LOENDRÊRO - Luís Santa Maria
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GLOSSÁRIO Abêsporas vespas mLondrero
Acariar juntar, reunir
Acomodar sossegar; aquietar
Agasturas vómitos; má-disposição
Ainda bem não de vez em quando
Albarda cobertura que se colocava sobre o dorso dos burros para auxílio no transporte das mais variadas cargas e smultanearnente proteger o dorso do animal; também servia de sela.
Alçará duvido; expressão de forte dúvida
Alcôfa cesto largo e maleável, de duas asas
Almareados enjoados; tontos
Amolado - "lixado"; tramado
Apêjoada pancada, pontapé, ou golpe, desferido com força
Arrabicha o fundo do carro (leito) tinha por baixo uma série de longarinas em madeira, das quais a central se prolongava aproximadamente meio metro para fora, na parte traseira, a arrabicha.
Armado em gala-peruas "armado em bom". O termo deriva da cópula dos galináceos (acto de galar); por vezes há galos que
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4 além das galinhas também querem galar as peruas, apesar de muito mais pequenos, daí a comparação
Arrematando refilando
Arremedar imitar
Arriba acima
Arrimar encostar; dar; bater
Atabafado fervido; a ferver
Atabão - tavoão tavoão; moscardo que usualmente parasita o gado
Atabicada completamente cheia
Atacado carregado (quando se refere a uma espingarda)
Aventar atirar; deitar fora
Ávondo versão alentejana de "ávonde"; significa basta, chega.
Azevia estalada; bofetão
Azuado tonto, com zumbidos nos ouvidos
Bajôlo pedra
Banhar nadar
Barranhão terrina grande de ir à mesa, aberta, usualmente
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em forma de alguidar, podendo ser de louça, barro ou esmalte
Barreno petardo; estouro; rebentamento
Barruntar perceber; pressentir; compreender
Bestas mulas
Bic-nic biquini
Birondas Beatas de cigarro
Bocana Parvo; estúpido
Bolego pedra pequena; calhau
Bolegada pedrada
Boletas bolotas
Bolo da amassadura bolo tradicional feito com massa de pão, banha e açúcar; por vezes também leva canela
Bombinho mangueira
Borrecheando bebendo, no sentido depreciativo
Brabia (o) bravia; selvagem
Burgau cascalho e areia grossa misturados
Cabedou coube
Cabranchi eufemismo para "cabrão"
Cachamorra o mesmo que cachaporra
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6 Cachaperna pernada de uma árvore
Cagaçal barulho
Cagaitas bocados de sujidade
Cagando azedas ir muito depressa. (Azedas ou erva azeda)
Caldeirão das migas utilizado como eufemismo de cabeça
Caliqueiragem de caliqueira; significa não prestar
Canifréu o m.q. canifró ou canicalho, isto é, cão pequeno
Capeia acto de capear, tourear com capa
Carafo equivalente a "caraças
Carámelêjos sem "tradução" rigorosa; diz-se das luzinhas que se vêem após se ter sido encandeado pelo solou por luzes fortes.
Carga de estoiro sova
Cascos por vezes usa-se em sentido figurado para não dizer "cornos"
Casquêlhos cacos
Cegueira cegueira; entusiasmo
Chamiço galho fino proveniente da poda de oliveiras ou azinheiras
Charôco vento frio e seco
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Chapada encosta
Charrôca parva
Charroquice parvoíce
Cheiral sítio; lugar longe indefinido
Chocolates o m. q. calmantes, isto é, copos de vinho
Chouriçada pancada, pontapé ou golpe, desferido com força
Chulice aquiIo a que agora se chama “curtIção”
Chumbar vernáculo para acto sexual
Churdeiro chão sujo molhado; sujidade extrema
Com elas todas na malhada
situação de desconfiança ou dúvida; incerteza; insegurança
Conchiro deriva de conho; usado como exclamação
Conho palavrão de origem espanhola para órgão genital feminino, mas aceitável na linguagem corrente do Alentejo; usado como exclamação
Corredoira corredoura; feira de gado
Debrucinado debruçado
Debrum bordo
De esgalha-bordão à pressa; a toda a velocidade
Depois de a agarrarmos a bebedeira, subentende-se
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8 Desalvorido desenfreado
Desbarrunto despesa
Desencasquiado limpo a fundo (tipo a escova e detergente).
Desmaginava (desmaginar)
não deixar de fazer; continuar a faze
EncalItro eucalipto
Ele não trigueirão expressão de negação
Embelguei embelgar é fazer o primeiro rego de uma lavoura, dando-lhe a orientação para que os regos que se seguem lhe fiquem paralelos e dispostos na folha da forma mais adequada às operações seguintes e à sementeira; mais simplesmente também significa ir; ex: embelguei por ali (fui por ali).
Embicar cair de bico: tropeçar; esbarrar
EmboJegaram-nos atIraram-nos bolegos
Enrodilhado feito numa rodilha (trapo velho)
Ens(c)igueirado cego de entusiasmo; muito entusiasmado
Esborreteado borrado
Esbrazeados em brasa; afogueados
Escalfas-te estafas-te; cansas-te
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Escarapantar espantar, assustar
Esfatachar esfarrapar
Esgumitar vomitar; (também se usa gumitar)
Espirolitar salpicar
Estercar fazer esterco; defecar
Estoiro pancada; pancadaria
Estralo estalo
Estramelos estaladas; sopapos
Estufego estrafego
Esturreira torreira; calor
Farrajo de pão fatia grossa de pão
Fazer metetes fazer caretas e trejeitos
Feijões desnoitados feijões que ficam de um dia para o outro
Flit um dos primeiros mata-moscas em "spray"
Flitar aplicar Flit; qualquer aplicação em "spray" passou a dizer-se "tlitar" ainda que fosse de outro produto qualquer.
Foêrada pancada desferida com foêro.; também se utiliza quando se quer descrever uma pancada ou pontapé violentos.
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10 Foêro varapau usado nos carros de parelha (de duas
mulas); eram utilizados vários, dispostos à vertical em tomo do carro para servir de antepara e segurar carradas a granel de trigo, palha ou feno
Frangalho bocado grande de pão ou de outro alimento
Gazeando chorando
Gorpelha alcova grande
Gumitado vomitado
Inquietar O mesmo que irritar
Ir às sortes Ir à inspecção militar
Jardim Jaleco Jardim Zoológico
Jogo da pata jogo tradicional muito popular entre as crianças de antigamente. Consistia basicamente em tentar lançar um pequeno pau (a pata) para dentro de um circulo que era defendido pelo outro jogador, que com o auxílio de um bastão rebatia a pata para o mais longe possível. Digamos que era uma espécie de baseball.
Lançar no contexto de uma discussão significa passar ao
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confronto físico.
Lavaredas labaredas
Lavrar de atravessado discórdia; conversa ou acção em que as coisas não estão nos confor1es; adaptado dos trabalhos da lavoura quando esta não ia de acordo com o perfil do terreno
Lazeira fome
Macacoa ataque; colapso
Macetada murro muito forte, como se fosse dado com uma maceta.
Macho macho da mula; não se emprega o termo "mulo"
Magrechenhito magrinho
Mais valia umas botas expressão de desapontamento
Malazenga doença
Malhada abrigo rústico para gado nornllilmente feito de mato, mas a que se podem juntar outros materiais
Malucates maluco
Mandongo manhoso
Manuais Meloais; sing. manual
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12 Marafar zangar; irritar
Méchira eufemismo para "merda"
Menréis mil réis; um escudo
Moenga porcaria; chatice
Moiral guardador de gado; embora os tennos "pastor", "vaqueiro" e outros, também sejam utilizados, muitas vezes resume-se tudo ao tenno "moiral": moiral das vacas, moiral das cabras, etc.
Mover abortar
Muideiras chatices; aborrecimentos
Munilha protecção que se colocava no pescoço do burro ou da mula, para o proteger da canga; usava-se a expressão "Assim para munilhas porque para albardas não chega" em alusão aos albardeiros que à falta de material suficiente para fazer uma albarda, faziam uma munilha; serve como expressão de desapontamento, abreviada apenas como "assim para munilhas!”
Mum mui; muito
Murraça porcaria; sujidade; embora por vezes tronbém se
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aplique a chuva miudinha
Na estoira a toda a velocidade
Nalgadas - nalgásios açoites. Também se usa "nalgásios"
Não queiram tomar da bacina
"Não queiram tomar da vacina"; por comparação com os miúdos que não queriam levar as vacinas quando a vacinação se tornou obrigatória e que faziam grandes birras. “Ah não queres tomar da bacina? Tens que a tomar!". Normalmente o assunto resolvia-se com umas nalgadas.
Obrar de esguicho fazer cocó de esguicho; diarreia…
O mesmo que a burra ganhou em Maio
em Maio (Primavera) é a época de reprodução dos equídeos...
Para a magana da mana para longe
Pateado pisado; espezinhado
Patêrada paulada
Patilhames patilhas grandes
Penalti copo de vinho, grande
Pepinada pancada, pontapé, ou golpe, desferido com força
Pescar à lapa pescar à mão, nos buracos (lapas) das rochas
Pinaça cambalhota mal enrolada
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14 Plengana terrina redonda de esmalte, barro ou porcelana,
de ir à mesa.
Plenganada de plengana
Poêjada pancada, pontapé, ou golpe, desferido com força
Pólvaróu polvorosa
Por mor de por causa de; no Alentejo converteu-se em "por monde".
Porquêra porcaria
Prantar pôr
Punhada pancada com o punho; soco
Quartelhas cubículos para alojamento de porcos
Ramejo ir ao ramejo: ir roubar fruta e hortaliça às hortas
Rento-me marimbo-me; estou-me nas tintas
Rijeza frio
Ripando umas laricas que já nem lhe víamos o rêgo
passando umas fomes que já não víamos a direito
Ronseando termo que pode servir dois fins opostos dependendo do contexto: pode querer dizer chegar (veio-se ronseando cá para ao pé), ou
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partir (foi-se ronseando).
Sebatelha estalada; sopapo
Só me dás fezes só me dás trabalhos, arrelias, preocupações.
Sopas de assobio prato típico com temperos vários (alho, cebola, pimento, tomate), sopas de pão, um ovo (quando havia) e bocadinhos de toucinho; reza a história que estas sopas ganharam este nome, porque não tendo mais nada para dar de comer aos filhos, um homem fez um refogado a que acrescentou os bocadinhos de toucinho e as sopas de pão; chamou-lhe "sopas de assobio" porque quando os filhos encontrassem um bocadinho de toucinho no prato deviam assobiar
Survelheta estalada; sopapo
Talocada pancada
Tanchar cravar; espetar; também se usa "estanchar"
Tarantas vespas de origem africana que chegaram ao Alentejo não se sabe bem como
Tarimbeco objecto imprestável ou de má qualidade
Tarraço objecto imprestável ou de má qualidade
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16 Tarranadas torroadas; acto de atirar um torrão de terra
Tóu contracção de "testou" ou "testó"; expressão utilizada para enxotar os cães
Trilhar magoar, aleijar
Tronqueirão tronco grande
Tronga palavra insultuosa, sempre dirigida no feminino e sem definição precisa
Trujia coisas imprestáveis, para deitar fora;tralha
Truve trouxe
Vai de asa vai ferida de asa
Vai-te balhando vai-te bailando; expressão de desaprovação ou mesmo de desprezo
Venda taberna
Volta voltada
Zurragada golpe desferido com zurrague
Zurrague chicote
Zurrêra fumaceira
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MEMÓRIAS DE MANUEL LOENDRÊRO
1 MEMÓRIAS DE MANUEL LOENDRÊRO 1 - in A PLANÍCIE, 15/02/83
1. (sem título) - in A PLANÍCIE, 15/02/83 – ‘O de Lisboa’ digo eu… (ver p. 37)
Vinha ê uma vez pá vila a cavalo no burro pa fazê o avio, condo óvi atrás de mim um altemoven de esgalha bordão por a estrada adiente.
Passô por mim ca força toda... Tamein si nã passassi más valia uma botas e condo
começô a subiri a barrêra do ôto lado da estrada, dê um estralo e começô às panderêtas até que se parô. "olhó! - pensi eu - já está escangalhado". Fui lá ó pei pa
vê o que tinha acontecido. Tava o home olhando pa um pineu. Prigunti-lhe donde ele
era e disse quera de Lisboa.
Pá, tá tudo dito - pensi eu. Vinha-me imbora condo o vi priparado pa mudá o pineu
mas volti pa trás, porque vi o baboso, que nã tinha gêto ninhum páquilo.
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18 Dexi-me do burro, desviio e comeci a mudar a roda, mas vi logo caquilo nã era só do
pineu. Espoji-me no chão e espreti pa debaxo do carro pa vê o qué caquela moenga
tinha e vi o enxo e a jente, tudo entrotado.
Condo ia alivantar-me vi o home mexendo num ninho d'abêsporas.
- Que bichos são estes? - preguntou eli.
- Nã mexa nisso! Nã as trilhe! - Griti-lhe eu. Tá bem dexa!
Foi mêmo o quele foi fazeri. As abêsporas alivanteram voio e hôve uma que le deu uma nicada nos bêços cu fez dar um berro, ôtra foi-se ó burro. O burro assim cas viu
zunindo de roda das orelhas, escarampatô-se e esgalhô fugindo por a chapada
arriba. Ê rasgui fugindo atrás deli pó apanhari. Daí a podaço condo volti todo
esbrazeado, tava o ôtro cum lenço nos bêços quêxando-se.
- Vocei é mesmo enchaparrado - Disse-leu. - Atã vocei nã sabe que na se pode
mexeri num ninho d'asbesporas? E vá lá teve sorti, porque se fossem tarantas...
Ati o burro a uma arve e fui veri so home tinha os beços munto enchados. Hei mãe! Tava com umas beçoletas que pareciom o bebrum dum penico! Atão o bocana nã
queria pôr pomada naquilo?! Lá o convenci a pori lama nos bêços porque pá picada
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na há melhori. Condo tava cos beços enlameados, disse-le cu melhor era vir com
migo à vila à busca dum mecânico. Montô-se, em cima do burro e lá fomos. O
engraçado é que condo chigámos e me desmonti, olhi pa trás e ele nã estava lá. Devi ter escorregado da albarda, porque eles sabem andari de cu tremido, mas de burro,
anda cá se queres... Já não volti pa trás, porque tinha de fazê o avio à minha Bia e
despois fechavam as loges. Tóoouuuu!
M.L.
Nota de JRG: O mau estado das fotocópias que me foram fornecidas para a
transcrição destas "Memórias", muitas vezes não me permitiram, possivelmente, uma transcrição correcta dos termos usados e grafados pelo autor, do que peço
desculpa, e estou pronto para qualquer emenda a qualquer momento, esperando
entretanto que o autor se decida apresentá-las ele próprio e sob a sua vigilância.
Pela autorização verbal, que me concedeu de as poder usar nest' aminhaTEIAnaREDE, os meus melhores agradecimentos: JoRaGa.
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MEMÓRIAS DE MANUEL LOENDRÊRO 2 - in A PLANÍCIE, 15/06/83
2 – (sem título) - in A PLANÍCIE, 15/06/83 - A Pega, digo eu…( ver p. 75)
Um demingo, lá no Taquale havia movemento que nunca más acabava: O Grupo de agarradores lá do monti ia pegar à aldêa. Ê eró cabo dêlis pa gandes aflições da
minha bia, mas êle a mim pôco m'empotava qu'ela tivesse mêdo ô não, porqueê cá
nã tinha mêdo nunhum. Ó despois de se termos trajado, lá formos agenti a caminho
da aldêa. Nós, os agarradores, todos com grandis patilhâmes e alguns de bigote; Távamos tôdos munto calmos: só nos tremiom os joêlhos, as mãos, o coração dava
saltos que nem um coelho bravo prendido poruma pata, e távamos fumando que
nem umas bêstas, mas távamos calmos. Távamos era desejando pulare p'ra cima
dos cornos dos bichos. Távamos comé que se diz?... Xitados. É isso conho!
Chigámos l'á à aldêa, e dexi-me da relota e fui veri sus bichos já tinhom chigado.
- Já! - Arrespondê-me o campino - Tã aleim!
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Fui lá a esprêt'á-los, e condo os vi tã prêtos até os cabêlos do pêto se me puseron
brancos. Ma nã foi mêdo. Fiqui foi admirado co ma côr dêlis. Até luziom! Traziom
terra no lombo e tudo.
- Olhem rapazis! - dissê òs do mê grupo - Os bichos, é tudo prêto que nem caravão!
- Ê que maaaus! Mas assim é qué boum!
- Tão com mêdo? - Virámes-se tôdos, e démos de trombas co grupo de Val Picote
que tamein vinha pegari.
- O mêdo ga genti teim é o que le sobra a vocêis! - Dissê fechando os olhos uma
migalhimha.
- Atão mas tu julgas c'agenti têmos tante mêdo c'até nos sobra?
- Nã julgo! Tenho a certeza!
Boum, êle já tava atabafado comigo, ê tamein já nã o podia vêri e nã tardô munto
cos dôs grupos não tivessem enleados à pazada.
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22 Boum, ma lá começô a corrida e cabedô à genti fazere a premêra pega. Abri-se a
porta do curro e de lá saíu uma vaca mertolenga.
- Ah mas isto é qu'ei? é isto que voceis vã pegari? - Diziom os de Val Picote no gôzo,
é que tinha havido um engano e tinhom soltado um cabresto em vez dum boi. Por
fim lá soltarom o bicho qu'era, e condo os de Val Picote o virom começarom a gozari
dezendo qu'era dos encarnados que nã faziom mal ninhum. Mas condo o bicho dê ali umas corridas e le saíu o póu do lombo e ficô aleim prêto, calô-se tudo.
- Levom gande sova! - Deziom os ôtros. E a genti calados. O cavalêro levô aleim
fazendo o trabalho deli e condo chigô ó fim pediu más um ferro.
- Sai daí piolhoso! - Gritames-le a genti - Pôste feio tanchando ferros no bicho!
Boum, o cavalêro saíu e a seguiri vêi o capinha armado em boum.
- Vô-me aí a ti patei-te tôdo! - Gritô-le o Zei Alacrau. atei que chegô a altura d'agenti
se meter-mos lá drento. O nosso grupo era case tôdo fêto por jogadoris do Taquale.
Chigui ó mêi do relvado do terreno... carafo! Chigui ó mêi d'arena e brindi ó pessoali
que tava na bancada. Aperalti-me todo e lá fui ê derêto ó bicho.
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- Eh prêêêto! Eh biiicho! - continui fazendo barulho mas o boi ná'via mêi de se
voltari. Até quê lá ia ó mêi da praça cond'êli me viu e vei drêto a mim que parcia
mêmo um'altometôra.
(Continua no próximo número)
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MEMÓRIAS DE MANUEL LOENDRÊRO 3 - in A PLANÍCIE, sem data legível - 1983?
3. (sem título 3 - in A PLANÍCIE, data ilegível ) - Tornêo em Lesboa, digo eu – (ver p.
47 do livro, 01704/1983)
Uma vez, chigô ò Taquali um gajo com um jornali, onde vinha dezendo que s'ia fazeri
em Lesboa, um tornêo entre piquenos clubis, pa ver se descobriom novos jogadoris.
- Já tá - Disseu - Sagenti já formos ficamos todos convocados.
Começamos atão a tratari das coisas pá viage. Premêro viémos a moira pa alugari
uma carrêra e condo iamos chigando à parage das caminetes queim éi ca gente vêi?
A enquipa dos Trigues do Alvarrão, que tinhom ganhado a taça à genti com uma
manchêa de ciganices.
- Qué que vêim fazeri? - Préguntamos.
- o cagente queri. Porquêi?
- Porque sim! Vá!!!
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- Boum. Já que querem saberi - disse o capitã delis em ar de gozo - viémos alugari
uma caminete pa irmos a Lesboa.
- Ê o quêi? Quem vai é a genti!
Boum, começamos a lavrari d'atravessado, até que s'alançámos uns ós ôtros pôs
antão. Condo acabámos com aquilo, fomos a falari cu home das caminetes e ele
podiu munto denhêro pá viage. Ora nem a genti nem os do Alvarrão podiamos pagari
a nã ser que se juntássomos. Mas coma genti na se chupava, teve mau pa se decedir. Até que resolvemos ir mêmo com elis que nã tinhamos ôtro remédio. Condo
se montámos na caminete dêxámos o lado da soalhêra pó dos Alvarrão. Forom à
esturrêra o caminho entêro. Condo chigámos ó Cento Destágio ô lá ó quer aquilo iom
esbrazeados até má não! e a gente rinde-se. O pió foi que nã criom receber a genti, porque nã le tinhômos dito nada antis. De manêras que tivémos de dromir na
caminete nessa nôte, e só no ôtro dia é c'arranjarom cartos à genti. O Cento
D'estágio, foi o sítio onde ê comi a comida más mal fêta da minha vida! De manheim,
em vez de nos darem pã com lenguiça ô tôchinho e uma punicada de cafêi, derom-nos lête e pã torrado com marmelada. A genti nem le tocámos. Ò almoço quisemos
açorda, derom-nos pêxe. Ò jantari, quisémos uns fêjanitos com orelha de porco,
derom-nos frango com batatas. Boum, lá comêmos porque tinhômos passado o dia
entêro em fraqueza ripando umas laricas que já nem le viômos o rêgo. Tevémos lá
uma semana e todos s'admirarom munto cagente porquem vez de se peorcuparmos com trênos e o tornêo, passássemos os dias entêros espojados debaxo das arves
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26 fumando, e bobendo vinho. Até porqu'iamos jogari com uma enquipa alemôa, quêles
tinhom trazido pa jogari com as enquipas todas, e a que tivesse jogadores milhores,
é qu'ia jogari contró Benfica e o Sport. Chigô o dia do jôgo, e nunca más m'esqueço daquilo que senti, condo pisi a premêra vez um campo arrelvadu, era cá uma
macieza nos péis! ê dantes só tinha jogado em campos cheios de bajôlos - foi atão
que repairi cu Cara de Cinoira, tava arrancando a erva pra brento dum saco, pa dá òs
coelhos lá no monti. Condo eli acabô, lá se preparámos todos, ia começá o jôgo.
(continua… ver livro pp. 48 - 50)
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MEMÓRIAS DE MANUEL LOENDRÊRO 4 - in A PLANÍCIE (data - 1983?)
4 – (sem título) 1/2/1983 - A Excursão, digo eu…
Uma vez lá no Taquali alembrasmos-se de fazê uma eiscursão.
- Vamos a Lisboa ver os Giròlmos! - Disse o Abel Tengirina.
- Nã sinhoira. Vamos ó Algarvi! - Disse o Zéi Alacrau.
- E porquê ó Algarvi e nã ós Girólmos?
- Porque no Algarvi podes banhari e nos Girólmos nã podes.
Fomos atão ó Algarvi. Pensámos em iri no tractori do Cara de Cinoira mas levava
munto tempo. De manêras c'acabámos por alugari uma Carrera, que sempre era
melhó estamporte. Por o caminho fomes-se todos devertindo menos a minha Bia, que se farto de gumitari.
- Tu vês más algueim gumitari? - Prêgunti-leu - Ês mêmo charrôca!
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Fomos ralhando os dois o caminho todo. Por fim chigámos à praia ô lá o quera
aquilo. Ê fiqui parvo! Ê sabia cu mari era uma rebéra grandi, mas assim tamém não! Atã e aqueli podaço d'arali? E arêa boa! O Cara de Cinoira até enche uma saca pa
fazê um raboco lá pá malhada dos porcos. Atã e o gentio? E os altemóvens? Erom
por demais.
Lá se despimos até ficarmos só com as calças, e fomos a enterrar um agarrafão do
Cartaxo lá adiente, drento d'água.
Foi atão que vimos uns bocanas a jogari à bola. Fizemos uma enquipa contra elis pa mostra como se joga. Eles olhavam pá gente e riom-se, nã sê porquêi. Sairom elis.
Hôve um que fintô o Zei Alacrau, e já eli ia atrás deli pa lhe dá uma foêrada, condo ê
le dissi:
- Dêxó comigo Zéi! - O ôtro, julgava que mia fintari, mas ê di-le uma pupinda nas
canelas cu fiz dá 2 voltas no ari. Parcia um piã d'Alvito.
-Se calha, cuidavas que passavas não? - Disse-leu.
MEMÓRIAS DE MANEL LOENDRÊRO - Luís Santa Maria
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Daí a podaço numa jogada dagenti o guardaredis delis ia a sairi ós peis do Cara de
Cinoira, e eli fez-le um truqui dos deli: Dêtô-le um punhado d'arêa pós olhos e marco
o golo. Elis disserom logo que já nã criom joga mais.
- Voceis nã querem jogar e a gente vamos pa drento d'água.
- Bora! - Gritámos fugindo.
Mal entrámos n'água diz o Zéi:
- Eh! A água é salgada!
- Ah! Éi agora!
- Não? Atã porvem lá. Pusemes-se tôdos a provari a água.
- Qué lá saberi! Banho na mêma.
Mal tínhamos começado a banhari aparece um gajo a dizeri:
- Os senhores nã podem tomar banho hoji. Nã vêem a bandêra virmelhe?
ALENTEJO – uma SEARA VOCABULAR – 07 – JRG 2012
30 - Atã e condo é que se podi?
- Condo estiver verde.
- Atã prantem lá uma bandêra verdi! Essa é boa!
- Ê banho memo porque quero - Disse o Cara de Cinoira e abalô lá mais pó mei do pego.
Ora enleô-se nas ondas, tiveram cu ir vescar de barco. E éli banhava beim. Despois
tiverem cu fazê gumitá a água e arrespiração bocaboca, com o salva vidas dando-le bêjos nos bêços. Aquilo era memo nojento, carafo!
…
A minha Bia e as ôtras, andarom até horas d'almoço mulhando-se inté às curvas das
pernas. Despois almoçámos, bobemos uns escolates valentis e tivemos a tarde
entêra cantando à alentejana na praia até o soli se pôri é que se viemos imbora.
O pió desse dia é candámos todos uma mancheia de tempo com as costas e o pêto
empolados até más não.
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MEMÓRIAS DE MANUEL LOENDRÊRO 5 - in A PLANÍCIE (data - 1983?)
5 (Sem título) – 15/5/1983 - A Escola, digo eu…
Conde era rapazinho p'aí com uns 7 ò 8 anos, a minha mãe disse-me quê tinha d'ir
pà escola aprende a ler e a escreveri.
-Nã quero!- Griti eu - Se me chegom a tanchar na escola fujo de casa!
Com'a minha mãe pa estas coisas era mais má c'uma dôr de barriga, dê-me um
estramelo nas ventas que me fez ver as estrelas 3 dias pa lá do solposto. De
manêras que na ganhi nada com a torada que fiz e acabarom por me pôri na escola da Dfesa. Lá ia ê todos dias mais os ôtos do mê tamanho a péi até à escola. E erom
uns quilómetros valentis! E ódespois tinhamos que passar a ponte do Ardile adonde
ficávamos banhando o maior parte das vezis. Encontê andi à escola, nã hôve nem
um dia (nem um diazinho sequer), quê chigasse a horas. Todos dias levava uma
carga de estoiro e nã me desmanginava. O pió de tudo era a passage da ponti: ó iamos pescar à lapa ó íamos banhari, e escola... visteza! A pressôra préguntava ondé
ca gente tinha andado e a gente dezia sempri:
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32 -Fomos ós ninhos, m'sôra!
No fim ela dava dez réguadas a cada um, e mandava-nos pó canto de castigo. Êramos sempe os mesmos: ê, o Zéi Alacrou e o Cara de Cinoira. Desde piquininos
c'andámos sempe juntos!
Uma vez (esta nunca mais me esqueci), no entervalo armámos uma garreia, e condo a pressôra foi lá ròbámos o sino leváme-so ò Ardile e tanchámos com eli no fundo do
Pego dos Marmelêros. Ódespois abalámos cada um pa sê chêral lá pa longi; de
manêras que condo a perssôra quis meter a genti na sala teve c'andar fugindo por
aquelis cabeços, chamando a genti. Eh que torada! Já nã hôve escola nesse dia qu'ela nã conseguiu apanhar nengueim. O pió foi no dia a seguiri quela dê uma sova
de réguadas na gente todos, e ódespois fez preguntas. Condo chigô a minha vez,
quis saber quem é que tinha sido o premêro Rei de Portugali.
-Sê lá eu! Algum pante-minêro!
-Levas dez réguadas!
-Qu'é lá saberi! Nã me doiem!
-Batê-me ca força toda e passô ò Cara de Cinoira.
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-D. Dinis! - Responde eli. Mái estoiro, A seguir foi o Zéi Alacrau.
-Ê cá nã fui!
Eh! A pressôra chamô-le tudo! Dê-le uma mã cheia de réguadas co Zéi até arroto a
pirum seco ódespois fez-nos um ditado. Condo o corregiu, disse quê era o que linha tido menos erros. Fiquei todo babado.
- Atã e contos tive msõra?
-Quatorze!
-Sóu?! Eh! A última vez que fizemos o ditado, tive alguns dezanovi. Tô a ficá boum!
Levi quatr'anos pa fazè a sigunda classi, e dezia sempe ó mê pai que passava, todos os anos de manêras quele julgava quê já andava na quarta.
-Atâ e este ano? Passas? - Préguntô-me eli.
-Tá um becado malote!
-Tá um becado malote? Atã mas que conversa é essa? Tarei quir a falar ca pressôra ?
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Ei céu! Esconfique até as unhas dos péis se me puserom brancas! O mê pai chigô lá à
escola e préguntô que tal ia eu. A pressôra disse quê nã era munto mau, mas naqueli ano não devia passari.
-Tameim! A quarta classi é uma migalhinha puxada!
Quarta classi? Condo ela lhe dissi quê só andava na sigunda, ele dê um pulo até às
nuves. Parecia que le tinha picado um atabão! Picô o burro drêto ô Taquali com
vontadis de me esfolar vivo, ma condo lá chigô, já ê tinha fugido. Ora Boum! Andi
fugido alguns dois dias, ma memo assim nã me livri da sova. E foi por casa destas capeias que só acabi a 4ª classi com alguns dezassete anos. Nota – é provável que a digitalização destas transcrições, que foram feitas a partir dos recortes dos jornais e já um pouco deteriorados, não coincida com as crónicas publicadas na livro, e foram revistas pelo autor. Aqui fica a minha nota, com um ABRAÇO ao Luís – o ‘Manel Loendrêro’, JRG
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trabalho realizado
por @ JORAGA
Vale de Milhaços, Corroios, Seixal
2012
JORAGA
JORAGA
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07 – Loendrero
Corroios - www.joraga.net - 2012
José Rabaça Gaspar