alcida rita ramos - indigenismo de resultados

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SÉRIE ANTROPOLOGIA 100 INDIGENISMO DE RESULTADOS Alcida Rita Ramos Brasília 1990

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antropologia

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  • SRIE ANTROPOLOGIA

    100

    INDIGENISMO DE RESULTADOSAlcida Rita Ramos

    Braslia1990

  • 2INDIGENISMO DE RESULTADOS*

    Alcida Rita Ramos

    Introduo

    A discusso que se segue gira em torno de trs noes: etnicidade, cidadania,universalismo e do papel que desempenham no campo das relaes intertnicas no Brasil. Nopretendo ater-me a elas enquanto conceitos elaborados por disciplinas acadmicas como a cinciapoltica, a filosofia ou a histria, mas to somente observ-las "etnograficamente", ou seja, nomodo como so atualizadas no indigenismo. Este, por sua vez, visto como o elemento que, naprtica intertnica, opera como integrador dessa trade, atribuindo a cada uma das noes umsignificado prprio que contextualizado pelo embate entre a sociedade brasileira e os povosindgenas do pas.

    Para dar conta da complexidade do assunto, optei por discutir essas noes em parescontrastivos, embora admita uma certa artificialidade que, de resto, inevitvel pelo carter linearda nossa linguagem escrita. E' discutida a interao entre universalismo e cidadania, entrecidadania e etnicidade, e as trs no cenrio do indigenismo e das reivindicaes humanistas domovimento indgena brasileiro. Mas antes de entrar nessa discusso, quero fazer algunscomentrios sobre a problemtica do relativismo no contexto da questo dos direitos humanos.

    Universalidade e relativismo (1)

    Pela Declarao Universal dos Direitos do Homem, "todos os homens nascem livres eiguais em dignidade e direitos". Com esta declarao fica estabelecida a grande aporia enfrentadapor antroplogos e outros defensores do relativismo cultural. Pois, se, por um lado, ela nega oprincpio pelo qual muitos povos indgenas se declaram os escolhidos dentre todos os sereshumanos em detrimento dos demais, por outro lado, ela que com outras declaraes do mesmoestatuto vai fundamentar a defesa dos direitos indgenas perante as sociedades nacionais s quaisesto submetidas.

    A Europa, baseada na razo iluminista, legou ao mundo o que talvez seja o produto maisbem acabado do humanismo. Essa inspirao secular(2) da Declarao dos Direitos do Homemteve vrias verses, sendo que a vigente foi proclamada em dezembro de 1948, depois que aSegunda Guerra Mundial abriu ao mundo o espetculo macabro de racismo propiciado porgovernos fascistas, alis, tambm europeus. Os direitos universais do Homem surgiram ento"como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as naes". Esse Homem, semcara e sem especificidade cultural, exerce tais direitos enquanto indivduo e no enquantomembro de um grupo, sociedade ou nao, ou seja, "sem distino de qualquer espcie, seja deraa, cor, sexo, lngua, religio, opinio poltica ou de outra natureza, origem nacional ou social,

    * Trabalho a sair na Revista Tempo Brasileiro.

  • 3riqueza, nascimento, ou qualquer outra condio" (Artigo II, Pargrafo 1). Isto significa que,pairando acima da diversidade cultural, sobrepo~em-se normas que se querem aplicveis a todasas culturas.

    Em oposio a isso vem um outro preceito, tambm europeu de origem, tambmhumanista de vocao: o relativismo cultural, propondo que cada cultura soberana para ditarsuas prprias normas, imunes a julgamentos de valor, insubmissas a qualquer gabarito tico-moral, uma vez que no existem valores absolutos, desvinculados de uma matriz culturalespecfica. Impor a outrem valores supostamente universais , no fundo, um ato deetnocentrismo. Condenar o infanticdio, como praticado em algumas sociedades indgenas,porque fere o terceiro artigo da Declarao dos Direitos do Homem - "Todo homem tem direito vida, liberdade e segurana pessoal" - seria julgar outrem por valores ocidentais.

    O que nos diz o confronto dessas duas posies virtualmente contraditrias? Primeiro,que o Ocidente - e no s ele - capaz de gerar proposies to dspares que numa argumentaomais aprofundada acabam negando-se umas s outras. Isso no teria maiores conseqncias se,ao dominar outros povos, o Ocidente no os fizesse joguetes dessas contradies. Segundo, quelevada s ltimas conseqncias, cada uma dessas posies j abrigaria em si o perigo que elamesma quer erradicar: o humanismo extremo eliminaria o homem de carne e osso (condenandotoda prtica cultural que ferisse qualquer dos seus princpios individualistas); o relativismoextremo defenderia o indefensvel (amparando polticas do tipo soluo final, por exemplo).Obviamente, o universalismo absoluto seria to desastroso quanto o relativismo absoluto.Terceiro, que ambas as posies, para serem politicamente viveis e eticamente sensatas,precisam ser temperadas e transformadas no que Todorov chamou de "universalismo depercurso" e, por extenso, acrescento "relativismo de percurso" (ou "de resultados", ecoandoexpresso corrente na conjuntura nacional). Isto quer dizer dar-lhes o carter de estratgias maisdo que de postulados rgidos, cursos de ao mais do que modelos estanques a serem obedecidos,referir-se, enfim, "no ao contedo fixo de uma teoria do homem, mas necessidade de postularum horizonte comum aos interlocutores de um debate, se se quer que este sirva para algumacoisa" (Todorov 1989:427-28). A universalidade, continua Todorov, " um instrumento deanlise, um princpio regulador que permite o confronto fecundo das diferenas e seu contedono pode ser fixado: est sempre sujeito a reviso" (:428). O relativismo, arriscaria eu, uminstrumento de anlise, um princpio regulador que permite a comparao fecunda dassemelhanas, resguardando as diferenas, e seu contedo no pode ser diludo numa pulverizaode responsabilidades sociais e polticas: est sempre sujeito reflexo tica. O relativismo seria,pois, a poltica das diferenas possveis.

    Vistos dessa maneira, universalismo e relativismo perdem muito do carter decontradio que assumem em sua forma absoluta e adquirem dinamismo conceitual edesenvoltura prtica. De princpios ideolgicos radicais navegando em direes opostas, elespodem assumir o papel de recursos pragmticos a servio da resoluo de problemas concretosgerados pela incmoda convivncia de instncias em confronto, seno mesmo em conflito, comopodem ser, por exemplo, a cidadania e a especificidade tnica.

    Na verdade, no a universalidade do Homem igual em toda parte que o princpiouniversal, no sentido transcultural de recorrncia generalizada. Ao contrrio, muito maisdisseminado o etnocentrismo (do qual o patriotismo uma manifestao especfica)(3), ou seja,o sentimento de que a nossa prpria sociedade melhor do que qualquer outra. Quanto mais no

  • 4seja, esse sentimento que atua como mecanismo de auto-sustentao e autopreservao dequalquer grupo humano socialmente constitudo. A antropologia est repleta de exemplos domundo inteiro em que a auto-denominao de um povo sinnimo de ser humano; todos osdemais, no sendo assim denominados, no entram normalmente na categoria de "homens". Mas,nem por isso, esses povos se definem necessariamente - na verdade, muito raro - pelaeliminao dos outros; o que a experincia etnogrfica tem constatado que, ao contrrio, pelocontraste com a alteridade que a humanidade de muitos povos assegurada e reforada. Essefenmeno seria uma espcie de etnicismo-cum-relativismo. Em contraste com sociedadesnacionais como a brasileira, que tem insistido na negao das diferenas, mesmo que seja precisoelimin-las por decreto e transform-las sua prpria imagem, os povos indgenas tmdemonstrado uma vocao para o pluralismo e para a aceitao da diversidade cultural, o que noquer dizer ausncia de esteretipos, antagonismos e conflitos. Os outros podem no ser tohumanos, mas certamente tm todo direito de continuar a serem o que so; podem ser criticados,inferiorizados, guerreados, vencidos ou at ingeridos, como nos rituais canibalsticos dos antigospovos Tupinamb, mas nenhuma sociedade indgena do pas conhecida por ter como polticaextirpar as diferenas que a alteridade produz(4).

    O relativismo, no sentido de uma pragmtica das diferenas possveis, estaria maisproximamente associado etnicidade, uma vez que ele se define pela opo pelo direito diversidade humana e no pela universalidade de direitos. No jogo entre a atualizao douniversalismo, da cidadania e da etnicidade, ele desempenha um papel como que de moderador,matizando generalizaes e advogando o trnsito entre diferentes ethos e ticas.

    Vejamos agora como se relacionam universalismo e cidadania, cidadania e etnicidade euniversalismo e etnicidade no emaranhado poltico que a arena intertnica.

    Universalismo e cidadania

    No esprito dos princpios iluministas que os criaram, universalismo e cidadania fazemparte de uma nica voz. Apesar disso, ao serem postos em prtica, eles acabam por se separar e,em alguns casos, chegam mesmo a se contrapor e a gerar duas vozes distintas, na expresso deTodorov: a dos direitos universais do homem e a dos direitos do cidado enquanto membrolegtimo de um Estado-nao. Portanto, no por ambas serem eurocntricas que essas vozes sounssonas; dependendo das conjunturas histricas, elas tanto podem juntar-se em duetoharmonioso como separar-se em estridente cacofonia. Qualquer Estado tem a necessidade de sedistinguir dos demais: "um Estado no pode se permitir no fazer a diferena entre seus cidadose os estrangeiros, desde o instante em que ele impo~e a uns mas no aos outros certos deveres eque lhes outorga certos direitos" (Todorov 1989:277)(5). Alm disso, nos Estados totalitriosonde os meios de fora se sobrepo~em aos direitos de cidadania, a discrepncia entre cidadania euniversalismo fica ainda mais gritante.

    Se o universalismo leva ao individualismo, supremacia da Humanidade e hegemonia do Homem Genrico(6), a cidadania, efeito sociolgico da constituio do Estado-nao, pode conduzir ao seu reverso. Como afirma Benedict Anderson, "nenhuma nao seimagina coincidente com a espcie humana"(7). As razes que do substncia cidadania estosempre ligadas a experincias compartilhadas, sejam idioma, histria, territrio, governo,

  • 5religio, smbolos materiais e imateriais, seno mesmo alguma forma de esporte como o futebol.Mas, se o Estado-nao traz consigo a cidadania (ou ser vice-versa?), ele no forja,necessariamente - alis quase nunca(8) - uma uniformidade cultural que lhe garanta um percursohomogneo e tranqilo pela histria. O Estado, ao ditar normas de cidadania, o faz excluso dequem no partilhar daquelas experincias comuns.

    Ora, se os descompassos entre cidadania e universalismo, frutos de uma mesmatradio, surgem claramente a nvel da prtica do Estado-nao, no que toca as etnias que seconstituram ao longo de uma histria prpria e independente do Estado que as anexou, taiscontradies tornam-se ainda mais agudas. Surge, assim, uma terceira voz, a da etnicidade, que chamada a juntar-se orquestrao criada pela cidadania e pelo universalismo medida em queos grupos tnicos vo sendo conquistados pela expanso das sociedades dominantes.

    No caso do Brasil, do encontro das vozes do universalismo dos direitos humanos, dacidadania brasileira e da etnicidade dos povos indgenas vai aparecer uma quarta, a da prticaindigenista, naquele palco erguido pela conquista interna promovida pela nao e ativado pelosmais dspares pontos de vista e interesses de ordem tica, social e poltica. Ora em coro, ora emcontraponto, ora em completa dissonncia, essas quatro vozes vo compondo uma histria feitade fragmentos dispostos em mltiplas verses. Como em Rashomon, cada verso pode ser todiferente a ponto de ser irreconhecvel pelas demais e, no entanto, falando de um mesmoocorrido, esto ligadas entre si por um enredo que elas mesmas vo tecendo. Essa complexidadesimplesmente reflete o quo intricado o jogo de atores, posturas e interesses que se tocam e serepelem ao sabor das conjunturas deste pas que tem uma vocao pluritnica, mas uma carreiramonoltica. E' na arena do indigenismo que a multivocalidade do contato intertnico se apresentaa todo volume. E' a que o universalismo e a cidadania se mostram como linhas mestras ao longodas quais vm trilhando neste sculo os destinos dos povos indgenas no Brasil.

    Cidadania e especificidade tnica

    No Brasil, ou se brasileiro, ou se estrangeiro, ou se ndio. O estrangeiro pode entrarno rol dos cidados por um ato jurdico-burocrtico reveladoramente chamado de"naturalizao". Ao ndio no cabe naturalizar-se, pois ele j um "natural da terra"; cabe"emancipar-se", libertar-se do status ambguo de "relativamente incapaz", conforme reza oCdigo Civil do pas. A defesa de uma nao contra corpos estranhos - os estrangeiros -relativamente simples; basta apelar para sentimentos nacionalistas ou para os direitos exclusivosda sua cidadania. Mas, diferentemente desse mecanismo de defesa que muitas vezes se confundecom xenofobia, a conquista interna engendrada pela sociedade nacional sobre povos indgenascria uma problemtica bem mais complexa: os ndios no so estrangeiros; mas seriam cidados?E, se considerados cidados, que tipo de cidados seriam eles, que no comungam lngua,histria, smbolos, etc. com os nacionais, a no ser no contexto intertnico gerado pela prpriaconquista? O status especial legado aos ndios como efeito da sua conquista poltica ecolonizao cultural reveste-se de grande ambigidade, manifesta at mesmo na falta deunivocidade das respostas pergunta: os ndios so brasileiros? E ser brasileiro quernecessariamente dizer cidado? No, se considerarmos comentrios como o seguinte:

    "A emergncia de movimentos sociais diversos - mulheres, negros,

  • 6homossexuais, ecolgicos ... operrios, trabalhadores rurais - demonstram (sic)o quanto forte a busca poltica de um espao prprio, que reivindica adiferena e recusa a fatalidade de uma sujeio dissolvida em um tiponico"(9).

    "Ser o ndio um cidado brasileiro ... uma fico", diz Carlos Frederico Mars,advogado h muito empenhado na causa indgena. Isso porque, "para adquirir essa cidadania soobrigados a perder a sua identidade, deixar de ser ndio"(10). Poder-se-ia dizer que o simples fatode ter nascido em territrio brasileiro torna-o automaticamente cidado brasileiro, mas acidadania no se restringe contingncia do mero nascimento. Ela est ligada constituio denormas jurdicas, sociais, polticas e outras reguladas e executadas por um Estado soberano. Ora,os povos indgenas observam, em primeira instncia, normas que no somente no so do Estadobrasileiro, mas que podem mesmo contrari-las. No tendo uma organizao estatal e sendo-lhesnegado o status de naes pelos poderes brasileiros, sua posio mantida numa ambigidadeliminar que abre um vasto campo de interpretaes e experimentaess jurdicas. A condio de"relativamente incapaz" e a figura da tutela so dois exemplos disso. Declarando os ndiosrelativamente incapazes perante os direitos civis do Estado brasileiro, este mesmo Estadoassumiu o papel de tutor dos ndios at que alcancem a "maioridade" cvica e se "emancipem". Oque representa emancipar-se de uma condio tnica algo que a legislao brasileira nunca sepreocupou em esclarecer. At a Constituio de 1988, no se era ndio, estava-se ndio, comouma criana cujo destino inapelvel tornar-se adulta. A premissa, inabalada durante sculos, eraa de que os ndios, mais cedo ou mais tarde, deixariam de ser ndios para se tornarem brasileiroscomo quaisquer outros. Por essa premissa guiaram-se geraes de indigenistas, desde o PadreJos de Anchieta, passando pelo Marechal Rondon, at os ltimos espcimens que aindasobrevivem na decrpita FUNAI, a tutora dos ndios.

    Uma das caractersticas da cidadania ser temporalizada e territorializada. "O conceitode cidadania, como todo conceito jurdico, tem que ser entendido dentro de uma sociedadedeterminada e de uma poca determinada"(11). Mas essa territorializao, demarcada peloslimites geogrficos do Estado-nao, deixa dentro de si uma grande bolha de indiferenciao e deincerteza jurdica, para no dizer cultural. Para os povos indgenas, essa concepo de cidadaniarepercute de maneiras que, ao menos potencialmente, podem incorrer em grandes perigos. Umdeles sua relao com a terra: o Estado brasileiro nega aos povos indgenas a propriedade de seuterritrio, j que no existe no pas a figura jurdica da propriedade comunitria. Embora a posseseja dos ndios, a propriedade da Unio. Na lei, o usufruto exclusivo dos ndios aos recursosnaturais de suas terras est perfeitamente assegurado. Na prtica, os territrios indgenas sotomados como bens pblicos e notoriamente objeto de invases, usurpaes e outros tipos deabuso. Um outro perigo, j posto prova em diversas ocasies, a marginalizao social dosndios pela perda do direito sua especificidade cultural e tnica. As tentativas do governo paraemancip-los nos anos 70 e 80 foram malogradas por intensos protestos por parte de ndios e debrancos, mas, em circunstncias mais propcias, poderam ter-se concretizado. Armadilhas comoessa a cidadania pode preparar para os povos indgenas.

    Por outro lado, os ndios precisam do amparo legal da cidadania para poderemreivindicar seus direitos a terra, sade, educao, etc., direitos esses que s podem ser articuladosno espao social e poltico relevante, isto , no campo das relaes intertnicas. E' no confronto

  • 7com a sociedade nacional que a figura do cidado toma corpo e sentido para os ndios. Nointerior de suas etnias e sociedades, ter carteira de identidade e outros sinais de brasilidade perfeitamente irrelevante e dispensvel. Mas no o no seu confronto com a sociedade nacional.

    O que parece faltar na verso brasileira de cidadania e que no s faria sentido para ospovos indgenas mas lhes daria segurana tnica a noo de diferenciao legtima quetrouxesse igualdade de condies aos ndios, no pela semelhante (que, no caso, seria forada),mas pela equivalncia. Em suma, falta nessa territorializao estatal um espao tnico legitimadocomo tal, apropriado complexidade pluritnica do pas. Seria abrir espao para que os ndiosfossem cidados do Brasil nesse campo intertnico e, ao mesmo tempo, membros plenos de suasrespectivas sociedades. Mas, se alguns pases da Europa conseguiram chegar a uma soluosemelhante a essa, nada nos indica que o Brasil esteja prximo de faz-lo na lei e muito menos naprtica. E' certo que a Constituio de 1988, pela primeira vez na histria do pas, assume que serndio um estado legtimo e no uma condio temporria. Mas isso no significa conferir aosndios uma cidadania plena e muito menos dupla. Os ndios ainda so tutelados, ainda tm seusdireitos limitados, mesmo que dem todas as demonstraes de conhecimento cvico edesenvoltura na vida nacional. Por mais que a nova Constituio tenha avanado sobre asanteriores na questo indgena, ela ainda no exorcisou o fantasma da marginalizao que svezes atende pelo eufemismo de "emancipao".

    A quarta voz: o indigenismoO contexto das relaes intertnicas desnuda certas nuances que merecem ateno. Uma

    delas a interessante inverso que se percebe no uso da noo de cidadania por nacionais e porindgenas no Brasil. Enquanto para os primeiros ela , na ideologia nacional embora nem semprena prtica, uma decorrncia natural de se nascer e ser criado neste pas, para os segundos, acidadania um recurso para sobreviver em meio populao majoritria. Enquanto os brancosnaturalizam a cidadania, os ndios instrumentalizam-na. O que para estes natural, isto sim, asua especificidade tnica: uma vez Xavante, sempre Xavante. E justamente isso que o Estadobrasileiro tem insistido em tratar como condio temporria.

    Navegar pelos meandros da nao tem instrudo alguns grupos indgenas na arte deexplorar recursos a que muitos brancos no tm acesso: instncias jurdicas, meios decomunicao, o Congresso Nacional, organizaes no-governamentais nacionais einternacionais, grupos de poder (Igreja, militares, industriais). Os grupos indgenas mais bemsucedidos na arena poltica do contato intertnico so os que melhor tm feito o jogo do natural edo instrumental, manipulando essas categorias de maneira estratgica e pragmtica. Vejamosalguns dos palcos em que a polifonia da etnicidade-cidadania-universalismo tem sido encenadanos ltimos anos e onde o indigenismo opera como articulador na prtica da convivncia entreessas trs instncias.

    Mdia: o fascnio que os ndios tm exercido nos meios de comunicao tem garantido questo indgena no pas uma visibilidade que no deixa de ser surpreendente, se considerarmosque a populao indgena do Brasil a menor do continente em proporo populao nacional.Nenhum outro pas americano onde os povos indgenas so minorias demogrficas d-lhes tantaateno pblica quanto o Brasil. Percebendo a atrao que exercem na imprensa, os ndiosaprenderam a utiliz-la como amplificador de uma voz que o governo reluta em ouvir e para

  • 8quem os canais esto longe de ser competentes (em especial, a FUNAI). A mdia passou a ser umdos atores fundamentais na trama do indigenismo contemporneo. O ingrediente do exotismoraramente falta no tratamento que a imprensa d s questes indgenas. Mas, a exemplo do queocorreu com o prprio termo ndio que, ao ser apropriado como arma poltica pelos ndios perdeumuito de sua conotao pejorativa, tambm o exotismo instrumentalizado pelos indgenas que otransformam em chamariz da ateno dos brancos. No raro ver em Braslia grupos de ndios doNordeste, h muito tempo destitudos de seus smbolos tnicos materiais, aparecerem noCongresso Nacional enfeitados de penas, numa reproduo genrica do que seria o ndio original.O extico politizado na arena do pan-indigenismo, adquirindo conotaes por vezesinesperadas, como a aura de superstio que envolveu o uso de adereos indgenas por homenspblicos (12).

    Falados com forte sotaque (por exemplo, o Cacique Raoni) ou em impecvel portugusurbano (por exemplo, Marcos Terena), os discursos indgenas na arena indigenista revestem-se deum sincretismo poltico de rara perspiccia e habilidade, trazendo mensagens da sua alteridade eapropriando-se de smbolos e imagens caros aos sentimentos de nacionalidade e humanismo(Ramos 1988). Habilidade aprendida em relativamente pouco tempo - em muitos casos emmenos de duas dcadas - a retrica poltica do contato intertnico mistura num mesmo cadinhoideolgico ingredientes de etnicidade, de cidadania e de universalismo. Ainda reverberam algunsdos inflamados discursos do ex-deputado federal Mrio Juruna, quando unia povos indgenas e opovo brasileiro, igualados por um mesmo clima de opresso e misria. Por conta de alguns dessesdiscursos, intensamente explorados pelos meios de comunicao, ele quase teve cassado o seumandato no legislativo.

    Os Trs Poderes: Desde as aparies folclorizadas de Mrio Juruna empunhando seugravador e denunciando promessas vazias das autoridades do regime militar, s demonstraesmtuas de fora entre ndios e cpula da FUNAI, at a reunio de mais de 300 representantes depovos indgenas do Brasil inteiro na Praa dos Trs Poderes em Braslia, trazendo suapreocupao e solidariedade luta pela defesa dos Yanomami no final do governo Sarney, osndios tm marcado presena notvel nos corredores do poder. Alm de manifestaes de rua,repetidas delegaes de ndios e amigos brancos foram recebidas em audincia pelo presidente daRepblica, seja para reivindicar a desocupao por garimpeiros e demarcao imediata das terrasYanomami, seja para promover a criao da reserva Kaiap, por exemplo.

    Um dos momentos mais clamorosos dessa presena foi a participao de dezenas deKaiap e de outros grupos indgenas nas discusses relativas formulao da questo indgena naAssemblia Constituinte em 1987-88. Conspicuamente vestidos e adornados, com a sua merapresena fsica sempre ocupando as primeiras fileiras nas salas das comisses, esses ndiosexerceram uma presso direta e imediata sobre os legisladores, de maneira talvez no suplantadapelos outros inmeros movimentos sociais que inundaram o Congresso Nacional naqueles meses.A sua busca dos direitos de cidadania veio envolta numa exibio de etnicidade que se mostroualtamente eficaz. Graas sua alta visibilidade e ao trabalho incansvel de algumas entidadesprofissionais (por exemplo, a Associao Brasileira de Antropologia, o Centro Ecumnico deDocumentao e Informao, o Conselho Indigenista Missionrio, o Instituto de Estudos Scio-econmicos), a Constituio de 1988 produziu avanos significativos no que tange aos direitostnicos e humanos dos povos indgenas(13).

    No so apenas os poderes executivo e legislativo que esto na pauta dos atores do

  • 9indigenismo. O judicirio, principalmente atravs da Procuradoria Geral da Repblica, temservido causa indgena, mesmo antes da promulgao da Constituio de 1988 que lhe d umdestaque especial nas reivindicaes indgenas(14). Atualmente, com a criao de uma divisoespecial para tratar de assuntos indgenas, a Procuradoria passou a ser um dos mais fortesdefensores dos ndios dentro do Estado brasileiro. Longe de ser uma medida espontnea dogoverno, isso uma conquista poltica dos ndios e de seus aliados no campo do indigenismo.

    Entidades de apoio ao ndio: As chamadas ONGs (Organizaes No-governamentais),verdadeiros comutadores entre o universalismo e a cidadania, imprimem uma feio muitoprpria ao indigenismo brasileiro. Numa poca em que a voz do ndio era quase inaudvel na cenanacional, eram os grupos de apoio causa indgena que se expunham na frente de batalha dasreivindicaes de direitos, principalmente, durante os governos militares. Ao falarem em nomedos ndios, as entidades abriram importantssimos espaos no aparelho de Estado para aproblemtica indigenista. Mais tarde, a crescente burocratizao de suas atividades foiacompanhada de doaes de recursos, quase sempre vindos do exterior, destinados muitas vezesa promover a dinamizao de canais reivindicatrios, com a criao de centros de direitoindgena, a divulgao de documentos pelas comunidades, a promoo de encontros de lderesindgenas, a organizao de campanhas no pas e fora dele para esclarecimento do pblico sobreos problemas enfrentados pelos ndios(15). A relao dos indgenas com essas entidades basicamente a mesma que com as outras instncias: a sua utilizao pragmtica como um dosbens polticos sua disposio. Parece haver, por questo de convenincia, uma diviso social(ou seria tnica?) nessa instrumentalizao. Alguns grupos indgenas agregam-se mais a algumasentidades do que a outras. Em parte, isso se deve especializao de certas ONGs com relao areas indgenas. Por exemplo, o Centro de Trabalho Indigenista, com sede em So Paulo, tem-seconcentrado mais em projetos comunitrios entre os Krah de Gois e os Sater-Mau doAmazonas; a Comisso pela Criao do Parque Yanomami dedica-se exclusivamente a defenderos Yanomami. J o CEDI (Centro Ecumnico de Documentao e Informao) optou por umamplo espectro e cobre todo o territrio indgena nacional em seu gigantesco trabalho deproduo documental, desde livros, revista e mapas a fotos, filmes e vdeos. Mas, para alm daespecializao de tarefas, percebe-se uma tendncia criao de lealdades, principalmente, noque toca o Conselho Indigenista Missionrio. Poderamos mesmo dizer que os "ndios do CIMI"no se misturam com os ndios que se associam mais de perto a certas outras entidades, como aprpria Unio das Naes Indgenas, com sede tambm em So Paulo.

    Tradutoras da linguagem do universalismo para o idioma da cidadania, as ONGsinjetam no indigenismo no s recursos materiais, mas uma retrica libertria facilmentedigervel pelos ndios envolvidos no movimento pan-indgena. No foram poucas as vocaespoltico-civis despertadas entre os ndios pelo mpeto humanista das ONGs. Sem dvida elasimprimiram o timbre caracterstico da voz universalista no campo indigenista dos direitoshumanos, ainda que com pouca virtuosidade para modulaes e uma perceptvel tendncia aopurismo moral.

    A dissonante orquestrao dos direitos humanos no indigenismo

    O Estado brasileiro tem visto a sua questo indgena ser levada a foruns internacionais,

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    como a ONU, a OAB, o Tribunal Russell. Defende-se l fora, contestando acusaes de quebrade direitos humanos, evocando uma legislao que, por mais esclarecida que seja, no mais dasvezes, letra morta, e ataca aqui dentro com presses ou represlias contra aqueles que l fora odenunciaram. A Igreja, entidades de apoio ao ndio e alguns lderes indgenas j sentiram osefeitos de confrontar o nacionalismo brasileiro com o universalismo internacional. Esses efeitos,curiosamente, representam entraves ao exerccio dessa mesma cidadania, como o direito de ir evir (ndios proibidos de viajar ao exterior) ou de exercer a profisso (antroplogos expulsos deseu campo de trabalho). Aos olhos do Estado, em especial de seus segmentos militares, a questopassa a ser caracterizada como uma traio aos princpios patriticos da nao brasileira embenefcio de interesses estrangeiros, sempre espreita, prontos para investir contra a soberanianacional. O Estado v-se, pois, justificado em reincidir naquilo de que foi acusado, ou seja,infringir os direitos humanos de seus cidados.

    Um caso exemplar dessa reao defensiva do Estado foi o episdio que envolveu oantroplogo norte-americano radicado no Brasil, Darryll Posey, e dois ndios Kaiap. Retornandode uma viagem a Washington, depois de haverem colocado para os dirigentes do Banco Mundialos problemas que as comunidades do rio Xingu sofreriam com a construo de hidreltricas noestado do Par, os trs foram recebidos com uma ordem de enquadramento na lei dosestrangeiros. Enquanto Posey sofria verdadeiramente os efeitos dessa ameaa, a sociedadenacional divertia-se com o absurdo oficial de tomar ndios por estrangeiros. Editoriais de grandesjornais expunham a pouca perspiccia poltica e a curta acuidade intelectual dos responsveis poraquele tropeo. Levados a julgamento em Belm, os dois ndios tiveram como defesa maiscontundente o peso da sua comunidade inteira que da rua bradava gritos de guerra, exibia pinturacorporal, adereos de penas e passos de dana prprios de sua cultura, amplamente exibidos nohorrio nobre das cadeias de televiso. Por no estarem "decentemente vestidos", dezenas deKaiap foram barrados do recinto, mas a sua presena macia e etnicamente marcada foi fatordecisivo para o engavetamento de to esdrxulo processo.

    O Estado brasileiro, defensivo como tem se mostrado no que interpreta como ameaas segurana nacional (a questo indgena que, nos governos passados ficou sob a gide dosmilitares, ainda no se livrou totalmente dela), , no entanto, altamente sensvel opiniointernacional. Internamente, os dirigentes do pas, civis e militares, continuam defendendo umapostura explicitamente patritica, com recorrentes surtos de repdio ao que chamam de cobiaestrangeira e que, de fato, escondem seu desrespeito por direitos humanos principalmente depopulaes indgenas. Entretanto, na projeo de sua imagem externa, exibem uma legislao deque se orgulham como uma vitrina bem decorada, mas de pouco uso como guia prtico de ao.

    E' na encruzilhada dessas contradies que os ndios encontram o campo mais frtil paraensaiarem a sua verso do relativismo de percurso. Apropriando-se das diretrizes humanistas dasONGs e acionando os seus prprios recursos tnicos como instrumentos polticos, eles misturamplanos e dimenses que poucos brancos imaginariam ou ousariam. Ao assim fazerem, os ndiosconduzem-nos, antroplogos, a mais um exerccio de distanciamento e passamos a olhar o fixocomo se fosse mvel, ou melhor dizendo, a ver o mvel como no fixo. Levam-nos a relativizarconceitos que, pela carga ideolgica que receberam no campo minado dos interesses polticos,acabaram por se cristalizar em preceitos intocveis. Voltando discusso inicial, este o caso daabsolutizao do universalismo e do relativismo. Inocentes do peso dessa cristalizao, os ndiosesto livres para improvisar, inventar, experimentar com noes que para eles nada mais so do

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    que ferramentas a serem utilizadas conforme a necessidade do momento. Se nas suasreivindicaes for til lanar mo, ao mesmo tempo, do tnico-especfico, do local-nacional e douniversal-genrico, por que no, j que no esto presos a amarras ideolgicas que lhes tolham osmovimentos?

    E' pela observao das estratgias polticas dos ndios no contexto intertnico que oantroplogo consegue desnudar essas amarras e encarar conceitos como os que foram tratadosaqui por novos ngulos e descobrir-lhes outras dimenses. Aprende-se que na arena poltica do contato intertnico os direitos aos bens do Estado s podem ser garantidosaos ndios graas ao universalismo dos direitos do homem. O universalismo, enquanto estratgiade percurso, desse modo chamado a intermediar entre a razo da etnia e a razo da cidadania.Se tomarmos cidadania tambm como estratgia social e poltica e no como uma atribuionatural e monoltica, podemos dizer que por fora de serem homens que se deve reconhecer aosndios o direito de serem tambm cidados.Agradecimentos. Sou grata a Bruce Albert e Mariza Peirano por suas crticas sempreconstrutivas.

    NOTAS

    (1) Este tema tem recebido vrios tratamentos por cientistas sociais diversos. Ver, por exemplo,Jrgen Habermas (1989); Louis Dumont (1985); Clifford Geertz (1984) Luiz Eduardo Soares(1988 e s.d.). O artigo de Alison D. Renteln (1988) contm uma vasta bibliografia sobre oassunto.

    (2) A primeira "Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado" surgiu em 1789. Embora deinspirao norte-americana, aquela Amrica ainda era a Amrica dos Peregrinos, portanto,diretamente ligada aos ideais do Velho Mundo. Ver Dumont 1985:109-114.

    (3) Louis Dumont: "No holismo tradicional, a humanidade confunde-se com a sociedade dos ns,os estrangeiros so desvalorizados como, na melhor das hipteses, homens imperfeitos - e, alis,todo o patriotismo, mesmo moderno, est mais ou menos impregnado desse sentimento"(1985:127).

    (4) Em outra ocasio, tive a oportunidade de expandir esse tema, ao focalizar relaes intertribaisno Brasil (Ramos 1980).(5) Continua Todorov: "Nossos filsofos ignoram ... o conflito entre homem e cidado eimaginam que os Estados conduziro uma poltica que ser do interesse do universo - o que est,por assim dizer, excludo por definio. ... Pertencer humanidade no a mesma coisa quepertencer a uma nao ..., h mesmo entre as duas um conflito latente, que pode chegar a seraberto no dia em que formos obrigados a escolher entre os valores de uma e de outra. O homem,neste sentido da palavra, julgado a partir de princpios ticos; o comportamento do cidadoenfatiza-o de uma perspectiva poltica" (1989:286, 422).

    (6) Em sua tese sobre o individualismo ocidental, Louis Dumont traa-o a partir de uma crescente

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    hegemonia do campo econmico (1977).

    (7) Anderson seleciona a linguagem, especialmente escrita, como o principal catalizador para aformao e transformao de sentimentos nacionalistas (1983:16).

    (8) Anthony Smith (1981) segue os rastros da persistncia tnica ao longo da histria daformao dos Estados-naes europeus, demonstrando que o encaixe entre etnia e Estado, pormais estratgico que possa ser politicamente, to imperfeito que incapaz de superar adiversidade tnica interna a cada nao.

    (9) O comentrio de Maria Clia Pinheiro Machado Paoli que acrescenta: "Esta situao ... dequase ilegitimidade dos conflitos vividos pelos povos indgenas ao longo deste sculo, tambmpartilhada por vrios outros grupos de dominados na sociedade brasileira, embora,evidentemente, de modo diverso, como diversas so suas situaes de vida. Negros, mulheres,menores, velhos, trabalhadores da rea rural e urbana sem ocupao definida, desempregados eempregados instveis, empregadas domsticas, trabalhadores ambulantes - apenas para citaralgumas das situaes coletivas que definem a vida de pessoas na sociedade brasileira atual -apesar de todas as suas diferenas, tm em comum o fato do no reconhecimento legtimo de suaexistncia como identidade coletiva comum e atuante ou, o que quase a mesma coisa, o noreconhecimento de seus conflitos como politicamente relevantes no conjunto dos problemasnacionais" (1983:24, 25). Para alm da especificidade tnica, nem todos os brasileiros so de fatocidados. Ver tambm Dalmo Dallari (1983).

    (10) Continua Mars: "Enquanto o ndio mantiver sua identidade cultural, pertencer a umanao diferente da nao brasileira, ser Guarani, Nambikura, Yanomami, Patax etc., porquecada uma dessas naes tem suas normas fundamentais de funcionamento estabelecidas h maistempo do que as regras adotadas pela Constituio brasileira" (1983:50).

    (11) A definio do ndio enquanto cidado como os "demais brasileiros" "no deve ser entendidacomo mero gesto altrusta do Estado na busca da integrao do 'povo brasileiro', mas trata-se deno reconhecer as naes indgenas e seus territrios e, em conseqncia, impedir que as naesse autodeterminem e imponham o ritmo e os modos de desenvolvimento dentro de seusterritrios. Trata-se, na verdade, de no reconhecer o ndio como cidado brasileiro, mas suasterras como territrio brasileiro e ... a negao da existncia de naes indgenas capazes deatribuir cidadania a seus nacionais" (Mars 1983:44, 46-7). Sobre a problemtica daplurietnicidade, ver a coletnea organizada por Maybury-Lewis (1984).

    (12) Durante campanhas eleitorais e a Assemblia Constituinte, o coroamento de polticos comcocares tem sido associado a azares que se abateram ou podero abater-se sobre eles. Ver OCorreio Braziliense de 26 de setembro de 1989, exibindo cocares em cabeas famosas como a deLula, Ulysses Guimara~es, Collor de Mello, Mrio Andreazza, Costa Couto, Mrio Covas. Umachamada na primeira pgina anuncia: "Collor e Lula desafiam o cocar maldito".

    (13) Em seu texto Direitos Indgenas na Constituio Brasileira de 1988, o advogado Jlio M.G.

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    Gaiger comenta sobre as perdas e ganhos que a nova Constituio legou aos ndios. Entre seuscomentrios est um dos pontos mais relevantes: "As sociedades indgenas deixaram de serconsideradas culturas em extino, cujo destino inevitvel e desejvel seria sua incorporao chamada 'comunho nacional'. Ao contrrio, ficou amplamente assegurado o direito indgena alteridade cultural" (1989:8). (14) Diz o artigo 232: "Os ndios, suas comunidades e organizaes so partes legtimas paraingressar em juzo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministrio Pblico emtodos os atos do processo".

    (15) A burocratizao das ONGs e a construo de um modelo ideal de ndio no mercado de bensindigenistas tema de outro trabalho que redigi dentro da problemtica da construo doindigenismo no Brasil. Ver Ramos 1990.

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