album storias di mindjeris completo

Upload: bazakamg

Post on 10-Feb-2018

226 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    1/62

    Storias di Mindjeris

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    2/62

    Storias di Mindjeris

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    3/62

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    4/62

    3

    ndice

    04 ...As mulheres da minha Terra

    08 ........ Maria Leonor Barbosa

    10 ........ Dina Ado

    12 ........ Maria Rosa

    14 ........ Eneida Marta

    16 ........ Aissatu Djal

    18 ........ Edna Landim

    20 ........ Ana Vaz

    22 ........ Sbado Vaz

    24 ........ Elizete Borja

    26 ........ Sanu Man

    28 ........ Augusta Henriques

    30 ........ Zinha Vaz32 ........ Tamara Silva

    34 ........ Tabo Silva

    36 ........ Fatu Sanh

    38 ........ Leila Lima

    40 ........ Tamara C

    42 ........ Magda Fernanda

    44 ........ Belisa Oliveira46 ........ Nina Pereira

    48 ........ Tarcnia Jumpi

    50 ........ Naty Cuno

    52 ........ Rosa Monteiro

    54 ........ Guie NDjai

    56 ........ Cantussa Lopes

    59 ...Glossrio de Kriol

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    5/62

    4

    As mulheres

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    6/62

    5

    da minha TerraSou filha de Elsa Katar Madi e de Quinzinho

    Moreira. Neta de Non Barbosa, enfermeira, e

    da falecida Queta Vieira. Queta de Aliu Katar

    Madi. Non, Non de Nna, Nna de Farim,

    que vivia em Belm. Assim se apresentam asmulheres da Guin, pas em que mais signifi-cativo do que o quem somos o de quem

    somos, pois a identificao colectiva maisimportante que a individual. Isto no retira aindividualidade a cada um, apenas acrescentahistria sua existncia enquanto tal.Pretende-se neste lbum de Histrias de Vida, aapresentao individual de mulheres guineen-ses, numa procura de conhecimento e valo-rizao das diversas experincias e percursos,entendidos como fontes de aprendizagem e de

    inspirao. A singularidade de cada mulher,permite-nos chegar ao colectivo, fazendo usodas micro-histriaspara a construo de Hist-rias de Vida de Mulheres da Guin. com prazer que escrevo esta Introdua, sen-do eu uma dessas mulheres e sendo, principal-mente, o resultado das suas vidas.Como muitas mulheres entrevistadas, a minhavida contm episdios de migrao, de separa-

    o e de reencontro. Reencontro com os meuse reencontro com a Guin. Com base nas expe-rincias e vivncias destas mulheres, de formasimblica, podemos dizer que as mulheres gui-neenses vivem com pelo menos trs panos aolongo das suas vidas:

    - O panopreto, opanu di pintie o legs.

    O pano preto, como cantou Z Carlos Schwarz(mindjeris di panu preto), o pano do prantoe da dor, dor de corpo e dor da alma, deriva-do de partidas, separaes, do abandono peloscompanheiros e da despedida e ausncia dosfamiliares. sofrimento causado pelo desespe-ro, pela carncia de bens e a procura quotidia-

    na de alternativas. Esta dor tambm causadapela instabilidade e pelas dificuldades que tmimpedido o regresso dos filhos Guin. elatambm, a provocadora de nostalgia sofrida, daexaltao do passado quando comparado com opresente...e vice-versa.O segundo pano,panu di pinti, que emborano seja tradio de todas as culturas guine-enses, pode ser simbolicamente visto como o

    pano Real da Guin, porque opanu di pintio pano do bambaram, onde as mes trazem osfilhos s costas, sendo assim o pano da unio eda maternidade. Com padres normalmente decor neutra (os padres e as cores dependem dotipo de cerimnias), este pano marcado pelosimbolismo, pela fora e pela tradio. Forada Mulher Grandee esperana da Padida. Estepano o pano do regresso Guin, pois aqui se

    enquadram as cerimnias tradicionais que le-vam muitas migrantes a regressar ao pas natal,para no ferir os antepassados e para proteger eiluminar o caminho dos seus descendentes.Por fim o pano legs, apelador dos sentidos,alegre e por vezes brejeiro. O legs representao quotidiano e o social. Ele prazer e comuni-cao, vaidade e feminilidade. O legs festa egargalhada. o pano com o qual comunicamos

    na dispora, que vestimos quando nos quere-mos sentir prximos di tera. O deambular, os

    corpos apertados, coloridos e adornados pelolegs so a chama ardente da seduo e da afri-canidade.Os trs panos em conjunto simbolizam a vida

    e as suas diferentes fases. Assim como as fasesda vida podem-se fundir e confundir, os panostambm podem ser usados juntos e de vriasmaneiras.A capacidade de substituio dos panos e a suautilizao psicolgica em determinadas situ-aes pode significar a garantia de sobrevivnciapara muitas mulheres. As mulheres da Guinso sobreviventes natas do jogo da vida. So

    engenheiras por natureza, aquelas que se for-maram na procura de solues quotidianas paraos desafios dos tempos.Mas tambm podem ser ameaadoras, sabota-doras e vingativas. Mulheres de sangue quentee lngua de faca. Que tudo fazem para protegeros seus, como mes leoas, perante o inimigo.A migrao poucas vezes trouxe paz mulherguineense. Normalmente o destino das mi-

    grantes apimentado por mais desafios, querpessoais, quer profissionais. Mas aquilo quemais pesa na migrao, para as nossas mulhe-res, a educao e acompanhamento dos filhosnoutros contextos que no o seu original. Numespao aonde elas tambm se tentam adaptar.Porqu um lbum de histrias de vida de mu-lheres guineenses? Porque so histrias devalncia, de sobrevivncia e de esperana. De

    guineenses porque procuramos mulheres decultura e experincia diversa, assim como omosaico tnico da Guin-Bissau. Mulheres pa-pis, manjacas, fulas, bijags, mancanhas, entreoutras, que so sobretudo guineenses pois amiscigenao tocou a todas - e acima de tudomulheres.

    Joacine Katar Moreira

    Consultora do Projecto/Investigadora

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    7/62

    6

    S Mulher to Mulher

    Mulher da Guinsorriso suspicazpaz e sossegoem corpo fmea

    Na hora do kufentuno rufar do macaruna kasabilibertas amore orquestras

    sinfnicas risadas- s mulher crescendode mansinhos mulherto mulher!Tony Tcheka in Guin, Sabura que di, 2008

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    8/62

    As entrevistas aqui apresentadas foram realizadas entre Dezembro de 2008 e Maio de 2009,entre Bissau, as Ilhas Bijags e a regio da Grande Lisboa. Foram entrevistadas mulheresde todas as idades, profisses e origens sociais, cumprindo um objectivo de ser o maistransversal comunidade das mulheres guineenses em Bissau e das migrantes em Portugal.Em itlico optmos por manter algumas das ricas expresses em crioulo, cujo significado

    pode ser verificado no Glossrio final. A abrir cada entrevista, um excerto de poemas deTony Tcheka - das suas obras Noites de Insnia na Terra Adormecida(1996) e Guin,Sabura que di(2008) - que gentilmente nos cedeu to belas palavras

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    9/62

    8

    O meu pai chamava-se Ral Teixeira Barbo-sa, de Cabo Verde, a minha me era guineense,Angelina Correia Seabra, mais conhecida porNna. Conheceram-se quando o meu pai veiopara a Guin-Bissau trabalhar e tiveram quatrofilhos. Mas tenho mais irmos, quer da parte domeu pai quer da parte da me.Nasci em 1944 na terra da minha me, em Fa-rim, na regio de Oio.

    A minha me foi uma mulher sem igual, criouos filhos, os sobrinhos, os netos... A casa delaestava sempre cheia de gente. Ela era uma mu-lher muito rigorosa, dava uma educao anti-ga! Mas era muito amada e respeitada por nstodos. No sabia ler nem escrever, mas ns sdescobrimos isso mais tarde, num dia que repa-ramos que ela tinha segurado o livro ao contr-rio, a fingir que estava a ler. Ns todos fomos

    escola, ela sempre nos incentivou a estudar.Foi na escola, aos 16 anos, que conheci o meuprimeiro marido, o Quim di nha Rosa ou Jo-aquim Moreira, um professor, filho de paiscabo-verdianos. Os meus pais no queriameste namoro, com um homem mais velho, porisso tiraram-me da escola e levaram-me paraFajonquito. Mas o Quim foi atrs de mim edisse aos meus pais que at podiam levar-me

    para o Inferno, que ele ia l e casava comigo!E casmo-nos, a 31 de Maio de 1961 e tivemosdois filhos. O primeiro, Ral Pedro, nasceu a 1de Maio de 1962. No cenrio da guerra colonial

    Maria Leonor Barbosa, 64 anos

    fui para a terra da minha me para ter o meusegundo filho, o Quinzinho, que acabou pornascer no meio dos bombardeamentos de umimportante ataque colonial, sem condies, semhospital, sem mdicos. Foi muito difcil, a mi-nha me nem queria acreditar quando comeceia sentir as dores de parto, porque estvamosescondidas e tnhamos de baixar-nos por causados bombardeamentos intensivos. O Quinzinho

    no chorou logo quando nasceu e ficamos preo-cupadas... o cordo umbilical estava enrolado nopescoo dele. Quando chorou foi uma alegriaenorme! Foi em Farim a 1 de Fevereiro de 1964.Eu agarrei no meu beb e apanhei um daquelesavies militares, que chamvamos Dacotas,primeiro para Bissau, depois para Bele, onde omeu marido era chefe de posto.Acho que isto me incentivou a ser enfermeira.

    Em 1969, quando me separei do meu marido,fui para Bissau com as crianas e comecei a es-tudar Enfermagem enquanto trabalhava na f-brica Bambi. No me esqueo que o meu pai foipreso pela PIDE nessa altura, porque foi umadas situaes mais aflitivas que a nossa famliapassou.Conheci depois o Ulisses Monteiro, pai dosmeus outros trs filhos, o Hamilton, que nasceu

    em 1972, a Rosita de 1974 e o Vladmir, o meucod, que nasceu em 1977. Ns no nos chega-mos a casar... eu queria ser independente, j ti-nha tido uma m experincia e no queria casarmais. O Ulisses acabaria por casar mais tardecom outra mulher e separmo-nos. Mas somosmuito amigos.

    Em 1972 comecei a trabalhar no Hospital deBissau e na Cruz Vermelha. A minha paixo erae a pediatria, onde trabalhei durante 17 anos.Em 1986 fiz um estgio em Portugal, na oncolo-gia do Hospital de Santa Maria, na Maternida-de Alfredo da Costa e ainda no Centro de Sadede Benfica.Na Guin trabalhei tambm com os curandei-ros, eu ia resgatar pessoas que estavam muito

    doentes para lev-las para o hospital crianascom sarampo, por exemplo. Foi por isso que fuiuma das responsveis pela cimeira promovidapelo Ministrio da Sade, numa tentativa deencontrar entendimento entre mdicos e curan-deiros, em Bula, nos anos 80. Em 2004 eu aindadirigia o centro de preveno de VIH-SIDAnum bairro de Bissau.Tive oportunidade de ficar em Portugal, a tra-

    balhar e viver, mas eu optei por ficar sempre emBissau a cuidar da minha me at ela morrerem 1999. Parece que cuido bem das pessoas.Depois disso foi o meu prprio pai que veio deCabo Verde s para que eu tratasse dele at sua morte. S em 2006 aceitei vir para Portugale s pela grande insistncia dos meus filhos enetos.O meu marido e companheiro de h quase trin-

    ta anos, Marcos Gia, veio comigo para Portu-gal, mas foi agora para Frana ter com os filhose ambos aproveitamos para passar tempo com afamlia, que durante tanto tempo no pudemosapreciar devido distncia.

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    10/62

    De longeentre as sete colinas

    vejo-temulher-grande

    sofredorae meiga

    Imagino-te

    suavecomo quem diz amor(T. Tcheka, 2008, Guin)

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    11/62

    10

    Nasci c na Guin-Bissau e j vou a caminhodos 40, considero que a minha principal funo ser me e o resto fao com muito gosto. Soufilha de pais guineenses, j perdi o meu pai, aminha me analfabeta mas muito inteligenteporque me instruiu - tenho que dar graas a elapelo que tenho e Guin-Bissau tambm. Estu-dei, fiz o liceu, no tive acesso bolsa de estudomas sempre fui uma pessoa que arranja alterna-

    tivas para a vida no devemos ficar paradas.Entrei para a Rdio Nacional e tive formao de

    jornalismo, estive 2 ou 3 anos como estagiriae ao mesmo tempo fui estudando o Ingls e oFrancs. Quando abriram vagas para a embai-

    xada dos EUA decidi concorrer e fui seleccio-nada, comecei a trabalhar como recepcionistada embaixada em 1989. Pouco depois abriu ateleviso nacional, chamaram-me e eu comecei

    a trabalhar em part-time a apresentar o noti-cirio das nove e as ltimas notcias. Como osistema americano permite a auto-formao, fuisubindo de posto gradualmente na embaixada ehoje sou assistente snior do embaixador. S mefaltam quatro cadeiras para terminar o curso deDireito e tenho este hotel Ruby com o meu ir-mo - comemos com 2 quartos, hoje temos 23e mais 24 em construo.

    No meio disto tudo, eu ainda agradeo ao Flo-ra Gomes por poder ser actriz nos filmes dele,trabalhei nos filmes Os olhos azuis de Yonta eNha Fala, entre outros. Arranjo energia paraisto tudo porque eu acho que uma caracte-rstica dos guineenses: somos poucos, milho emeio, por isso temos que conseguir fazer muitascoisas ao mesmo tempo. Eu sinto-me triste como que se passa no meu pas, mas sou optimista.

    Dina Ado, 39 anos

    As dificuldades com que as mulheres se depa-ram baseiam-se no nvel de desenvolvimento decada pas, aqui e no mundo inteiro. Ns temosque lutar pelos nossos direitos. Existem muitasmulheres com valor, muito valor e que podemcompetir com os homens mas posicionam-sesempre atrs. Mas existem tambm aquelas queno tm mesmo oportunidades, tambm devidos nossas religies. A religio e a tradio tm

    muito peso.Eu nunca senti discriminao, porque nuncaaceitei isso. Eu sempre lutei para fazer tudo oque podia, mesmo no emprego, no desporto eu pratiquei desporto, eu pratiquei basquete-bol e fui campe nacional de tnis mesmo noteatro, na msica e com os amigos. Eu termineio meu primeiro casamento por incompatibi-lidade de carcter, com esta maneira de ver a

    vida. Mas h muitas mulheres discriminadas.O julgamento da nossa sociedade mais pesadoque o julgamento judicial - se formos ao inte-rior do pas as mulheres submetem-se porqueso honradas quando so submissas. Porqueexistem leis tradicionais que dizem que os pro-blemas devem ser resolvidos no seio da famlia,no devem sair para fora. Ento, as mulherestm medo: no acedem escola, no tm mui-

    tos conhecimentos e no tm meios econmi-cos e financeiros. necessrio um trabalho defundo, sensibilizar as pessoas e inform-las so-bre os seus direitos. Uma mulher que denunciaum abuso, um maltrato, s vezes banida dasociedade... Mas isto est a mudar! Uma coisaque eu gosto muito de ver o movimento dos

    jovens a irem para a faculdade e a sarem, um

    movimento que me d muita esperana. Porqueeu sei que este povo muito civilizado, bastavermos como vota, de forma muito civilizada.Os nossos polticos que tm de ter menos am-bio individual e mais fora.Antigamente, na Guin-Bissau, as mulheresficavam em casa, tomavam conta dos filhos efaziam todos os trabalhos domsticos. Mas hojeem dia ns tambm trabalhamos, voltamos a

    casa e cuidamos da casa. Uma mulher com umcerto nvel de educao no fica presa ao traba-lho de casa, eu e o meu marido, por exemplo,partilhamos tudo, ele tambm me ouve, ajuda-me a cuidar do meu filho e ajuda-me a cozi-nhar. No sou uma mulher submissa e assim que deve ser. Mas de vez em quando, gosto defazer uma comida para o meu marido, faz parteda minha cultura, da minha tradio. A boa tra-

    dio sempre fica.Eu gosto muito de viajar, porque como umauniversidade aberta, pois conheces culturas di-ferentes, instrumentos para poderes viver nesteMundo. Os jovens hoje so mais versteis, jpensam no desenvolvimento, j pensam nasnovas tecnologias, j tm uma abordagem maisharmnica. Mas ainda assim, eu vejo um cres-cimento em termos culturais muito negativo,

    reflectido, por exemplo, nestes concursos deMiss. Porque Miss uma referncia de cadapas e a beleza de uma mulher muita coisa:tem de ter boa cabea, conhecer, estudar, saberfalar, saber lidar com as pessoas... E eu digoPorque que vocs tm que copiar o conceitode beleza europeu? Uma mulher africana umamulher j com o seu corpito, com a sua des-culpem o termo - rabadinha, no uma pessoa

    magra, magra, magra Para mim estes concur-sos no tm base.

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    12/62

    I dia nobudi padidaku na bin o novo dia,da mulher-me,que se aproxima(T. Tcheka, 1996, Nta i Ke?)

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    13/62

    12

    Sou Maria Rosa Pereira da Rosa, mais conheci-da por Maria Rosa Rosa ou Necas. Nasci numaboa famlia, muito humilde, que me transmi-tiu bons valores e me deu uma boa educao. pena que hoje na Guin tenhamos uma ima-gem muito degradada daquilo que somos, por-que continuam a existir boas famlias.Para estudar, tive de ir viver para a casa de umtio meu e da minha av em Bissau porque os

    meus pais viviam na Pontaem Quinhamel e lno havia escolas, como em muitos outros stiosdo pas. Aos 14 anos fui para Portugal. Estudeinum colgio em Santarm e depois fui paraLisboa, onde estudei Agronomia at ao 3 oano.Interrompi o curso, vim para Bissau em 1973 ecasei-me. Dois anos depois voltaria para Lisboapara acabar o curso. Naqueles 2 anos que inter-rompi para o casamento deu-se o 25 de Abril

    em Portugal e eu estive a dar aulas em Bissau.Foi uma altura muito importante, muito alegre!Eu era jovem, tive muita actividade no s pro-fissional mas tambm ao nvel social, mesmoaqui na Ponta. Por isso sou muito conhecidaaqui em Quinhamel, gosto muito da populao.Costumo dizer que eu sou da praa, mas como corao aqui na Ponta. Os meus filhos e osmeus sobrinhos tambm adoram estar aqui.

    Entretanto fui acabar o curso em Portugal e de-pois regressei Guin. Trabalhei no Ministrioda Indstria e depois dirigi a Fbrica de Leite, queproduzia tambm a famosa cerveja Pampa, com onome da nossa rainha africana. Depois de algumtempo afastei-me do Estado e comecei a trabalhardirectamente com o meu marido na actividadecomercial, tivemos uma loja muito bonita masque com a Guerra de 98 se desfez... Entretanto, eu

    e o meu marido comprmos uma empresa queera do Estado, uma propriedade agrcola e a em-presa que dinamizamos at agora.

    Maria Rosa, 55 anos

    Houve um perodo muito difcil da nossa vida,quando o Estado se apoderou de toda a activi-dade comercial e os privados, como ns, ficaramum bocado mutilados. Naquela altura era comas tortas e com os pudins que eu fazia que con-seguia pagar ao pessoal todo e sustentar a casa,porque muito pouco da nossa actividade entrava.A que se v a caracterstica da mulher guine-ense, pois ela que est a sustentar a economia

    da Guin, que a chefe de famlia, que manda osmidos para a escola, que paga a alimentao, ovesturio, enfim... porque a vida no pode parar.Os meus pais a partir de uma determinada ida-de precisaram de ajuda e eu comecei a cuidartambm da Ponta, que hoje tem o nome domeu pai, Vtor Robalo, que faleceu h um anoatrs. Um dos trabalhos que fazemos aqui e emtoda a Guin a campanha de caju, mas feliz-

    mente as pessoas esto a virar-se para outrasculturas tradicionais como o arroz ( necess-rio recuperar as nossas bolanhas), a mancarra,a mandioca e mesmo a cultura hortcola. Hoje,boa parte das biderasj vende produto produzi-do localmente. H algum regresso terra.Eu sinto-me mesmo uma tpica mulher daGuin-Bissau, muito cedo fui para Portugalmas em nenhuma ocasio deixei de ser mulher

    guineense. Uma mulher muito activa e que me acima de tudo - at temos uma expressoAmi i padida di dus mama, porque realmente amulher guineense no se considera s me doseu prprio filho, considera-se me das outrascrianas, das outras pessoas, ela no egosta.A casa do guineense uma casa grande, aquelacasa dos antepassados, vem uma visita e aco-lhida, h um problema de famlia e retorna-se

    Casa Grande. No caso de morte na Casa Gran-de que se faz toda a cerimnia. O guineense de uma abertura muito grande, no consegue

    ver-se encurralado numa famlia pequena.Eu no vou dizer que o guineense se tornouindividualista, mas h uma tendncia, de algumtempo para c, de um grupo poltico ou outro,de nortear os sentimentos e de conduzir ao in-dividualismo. Outrora todas as etnias na Guinconviviam de uma forma s, hoje h uma ten-dncia de sobreposio, a minha etnia tem deser a maior e comea a haver uma diviso que

    vai culminar nas aspiraes polticas. Hoje hpartidos que se regem s por isso, o que muitomau porque quebra aquilo que a Guin de facto: uma Casa Grande, onde toda esta diversidadetnica era vivida de uma forma positiva e issovia-se nos nossos Carnavais. Hoje a tendnciaest a ser outra, mas eu quero crer que o bemnunca vai ser vencido pelo mal.Uma das grandes dificuldades das mulheres

    guineenses a independncia econmica, que ascondiciona, as torna submissas. Mas quero crerque a mulher guineense hoje tomou conta dasituao e ela prpria que se lana procurado seu ganha-po para no depender nem dehomem nem de outras pessoas. Eu propriamen-te nunca me senti discriminada mas fao partede uma camada privilegiada que cedo se liber-tou, sou uma mulher livre, dona de si prpria.

    Vejo esta nova gerao guineense com muitaesperana misturada com alguma tristeza, poisno soubemos criar condies para uma parteda juventude que est apanhada por este pro-blema da droga, por exemplo. Mas sei que os

    jovens querem ser diferentes porque compreen-deram o mal do passado. Quando forem donosde si prprios, quando puderem decidir aquiloque querem e no depender da deciso de ter-

    ceiros, sero livres e a Guin tambm. Ns nopodemos ter medo da nossa casa e eu no tenhomedo da Guin.

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    14/62

    Ami i padida

    di dus mama(provrbio guineense)

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    15/62

    14

    Sou Eneida Marta, nascida e criada na Guin-Bis-sau. Dos dois aos quatro anos vivi em Angola comos meus pais, depois deu-se a fatalidade de elesse separarem e voltei para a Guin com a minhame. Fui uma criana normal, muito feliz e muitotraquina. Costumo brincar e dizer que dou graasa Deus por nenhum dos meus filhos terem-mesado na traquinice, porque fui mesmo daquelascrianas que davam trabalho. Se eu no andas-se pancada durante uma semana ficava doente,aquilo no era normal. Hoje, graas a Deus, souuma pessoa melhor nesse aspecto, j no ando pancada, j converso, sou apologista de uma boaconversa. A educao que eu dei aos meus filhos a que eu gostaria de ter tido, porque eu e a minhame, at hoje, no nos sentamos para conversarLembro-me que aos fins-de-semana ia para casado meu av, coisa que eu adorava. Chegava a casa,punha a mochila e ficava no porto de casa es-

    pera que o meu av chegasse, j reconhecia o somda carrinha dele e mal o ouvia gritava, chegou opap! Na casa dele, no Bairro da Ajuda, era li-berdade total. Eu era a neta dos olhos dele, entofazia o que bem me apetecia, ou melhor, as coisasque eu no fazia em casa da minha me, como an-dar descala, porque ela era mesmo muito dura eno me deixava muito vontade.Lembro-me de faltar escola para ir ver os toca-choroou quando havia festas do fanadu. Desde

    muito pequena o movimento cultural mexia co-migo, seja ele positivo ou negativo, como o casodo fanadu- hoje eu sei o que que acontecia nasbarracas onde eu no podia entrar e eu acho umabarbaridade indescritvel. Mas em criana eu nopodia ouvir um tambor que eu arranjava logomaneira de l estar. Podia voltar a casa e levar umatareia mas tinha de estar l!Depois a minha me veio para Portugal com os

    meus irmos, porque um deles precisava de cui-dados mdicos e como eu estava a acabar o anofiquei com os avs. Como no queria vir paraPortugal, sempre que me mandavam Embaixada

    saber do Visto dizia que ainda no estava prontoat que um dia o meu av disse no, espera a,essa historia est muito mal contada! e ele vai embaixada Foi logo tirar a passagem e disse-mevais amanh!. Isso desabou tudo.Claro que tinha que vir, era menor. Vim paraPortugal em 1989 com o intuito de continuar aestudar e continuar a fazer atletismo, pois eu naGuin jogava futebol 11, fazia atletismo, corria 100metros, 200 metros, da que muita gente quandosoube que eu era cantora no acreditaram, porqueeu era maria-rapaz na altura.Desde os 4 anos, que eu me lembro, que queriaser policia ou cantora! Por isso quando ouvi falarque estavam a fazer inscries para polcia, fuilogo inscrever-me, comearam com um batalhode exames mdicos e a descubri que estava grvi-da e o sonho de ser polcia ficou adormecido. Fuiviver com o pai dos meus filhos, com quem estive

    casada durante dez anos.Na altura em que passava na televiso o concursoCantigas da Rua quis experimentar o meu outrosonho. Inscrevi-me e fiz o casting, mas quandome telefonaram a dizer que tinha sido seleccio-nada, fiquei com medo e no fui! O meu amigoDalau depois apresentou-me o Juca Delgado numconcerto, uma daquelas coincidncias da vida edisse ao Juca olha, ela tem boa voz, eu acho que adevias ouvir. Um dia encontrei-me com o Juca no

    comboio e ele convidou-me para o projecto Jun-tos pela Guin, fomos naquele momento parao estdio gravar. Comeamos depois a trabalhar

    juntos e acabamos por fazer a maqueta do NStria, que foi o meu primeiro disco, embora te-nha sido repertrio escolhido pela editora. Depoisgravamos mais dois trabalhos e comecei a entrarpor onde eu queria, at que tive a oportunidadede gravar o Lpe Kai com uma editora francesa,

    e realmente este o meu disco, o disco que tem aminha cara, a minha identidade.A partir da a Eneida Marta comea a explodir nomundo e agora s vou fazer discos que tenham a

    ver realmente comigo e com a minha Guin, coma msica de raiz guineense. Eu quando estou naGuin sou outra pessoa, l eu me encontro. Eucostumo dizer que no sou feliz na Europa, vousobrevivendo. Ainda no voltei para a Guin porcausa da minha carreira.Posso dizer que sou uma mulher guineense tra-dicional urbana. De um modo geral, as mulheresguineenses so espontneas, so alegres, gostamde viver e tm muita personalidade! Eu gosto deser mulher e adoro ser me, adoro ser dona decasa, gosto de fazer comida, limpar a casa, cuidardos meus filhos e do meu marido, uma das coi-sas que me d grande prazer na vida. Agora, quan-do somos impedidas de fazer o que desejamos,isso diferente, h mulheres que no tm outraalternativa. No foi nada que nos tocasse porquea minha me sempre trabalhou, a minha mesempre fez a vida dela. Mas o homem j foi muito

    mais valorizado do que est a ser agora, eu achoque as mulheres a par e passo vo conquistando oseu espao e valor. O futuro da Guin a mulher,sem dvida! Eu acho os homens muito fracos, nsas mulheres no somos muito facilmente compra-das, por isso que eu acho que o futuro da Guin,no comando, na poltica, a mulher, no h outraforma. As mulheres que ponham essa fora cfora, mesmo que no sejam visveis como eu,de alguma forma mostrem a garra que tm. Ser

    submissa? Nunca!Em Portugal, eu acho que todos ns somos invis-veis. Por exemplo, a msica da Guin no conhe-cida aqui em Portugal, estranho no ? Eu nuncame senti discriminada porque eu nunca deixei.Uma vez no autocarro, eu ia a passar com sacose bati na perna de uma senhora e eu disse des-culpe minha senhora, ela responde esto aqui aestorvar e eu viro-me para a senhora e digo eu,

    a estorvar? A senhora que v para a sua terra!.Ento toda a gente no autocarro olha para mim ecomea-se a rir: quem est a mandar quem para asua terra? No dou oportunidade!

    Eneida Marta, 36 anos

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    16/62

    SOLTOtodas as vozessilabandoa pazcom acentos de liberdade(T. Tcheka, 1996, Silabar a Paz)

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    17/62

    16

    O meu pai muito importante para mim, eled-me muito apoio e s minhas irms e sempredeu muito apoio minha me - a ele no nada tradicional guineense.A famlia dele nem queria que ele casasse coma minha me, so muulmanos e a minha me crist. Ele funcionrio pblico, trabalha noMinistrio das Pescas. Apoia-nos muito, no ou-tro dia ouviu-me num debate na rdio e disse

    a minha filha, est indo bem, ele tem orgulhoem ns. A minha me, Maria Aniquela (presi-dente da AMBA - Associao das Mulheres doBairro Belm A) diz que eu sou, das minhas ir-ms, a que tem mais esprito associativo e gostade participar. Ela brinca a dizer que eu que avou substituir!

    J tinha participado noutras organizaes etransmiti a vontade aos colegas para nos organi-

    zarmos dentro da organizao me e fundamosa JAMBA, a Juventude da AMBA. A partir dacomeamos a dinamizar actividades dentro dacomunidade - capacitao cvica, o campo defrias com outros jovens e outras associaes,actividades desportivas e culturais e at estamosa fazer pequenos negcios como as rendas - e asensibilizar colegas a participarem.A minha me Aniquela no s um exemplo

    para mim, mas para as outras pessoas tambm,pela sua maneira de ser. A forma como capaci-tam as pessoas, faz com que as pessoas de foravenham e queiram logo entrar para a AMBAporque ela uma figura que faz as pessoas esta-rem mais perto da Associao. Eu acho que ela

    Aissatu Djal, 18 anos

    um exemplo tambm para todas as mulheresde Belm A.Ns as duas s vezes discutimos, at fazemoscomparaes das duas organizaes, o que quea JAMBA faz e o que que a AMBA faz: nsdevemos fazer isto, no deves meter a boca nonosso saco, porque o saco nosso! s vezes no fcil, mas eu gosto porque ela ajuda as pessoasa melhorarem e porque faz criticas construtivas.

    Isso que faz as pessoas crescerem.Estou no ltimo ano do liceu mas j fiz muitoscursos. Tive aulas de ingls, francs e tambmde informtica. Antes de ser a presidente da

    JAMBA eu era e sou ainda voluntria da Caritasde Bissau, trabalho com um grupo de inspiraocatlica na preveno de VIH-SIDA, por exem-plo em Bissor, a norte de Bissau.Eu quero ser mdica, quero estudar medicina

    aqui em Bissau. A Aniquela enfermeira noHospital Simo Mendes, mas nunca parou defazer cursos, de viajar em trabalho e uma mu-lher empenhada, que tambm pertence Redede Luta contra a Violncia de Gnero, a RELUV.H uma violncia que as pessoas no percebemo impacto, que a violncia entre namorados ea violncia domstica. Aqui no Bairro de BelmA existe e em grande nmero. At na rua h

    ameaas, violncias verbais e assim. Nos jovensh muita violncia entre namorados. por issoque estamos agora a fazer formao, capacitaodos jovens e tambm das mulheres e dos ho-mens mais velhos, para melhorar, no podemosdizer acabar, mas diminuir essas violncias.

    Aqui no bairro de Belm A no se fazem ceri-mnias de mutilao genital feminina. Nas es-colas as pessoas no falam muito destes assun-tos e as pessoas que j sofreram essa violnciano se costumam abrir - muito difcil fazer veresse tipo de violncia.O machismo talvez esteja a diminuir um pouco.V-se na escola que os homens no ficam bemquando uma menina mais destacada na tur-

    ma, ficam muito mal porque acham que s ohomem pode ser mais inteligente, s o homempode ocupar um lugar assim, isso muito mau!At nas associaes juvenis v-se menor nme-ro de liderana feminina, as meninas s ficamcomo secretrias, como vogais, s vezes noocupam nenhum lugar e presidentes h muitopoucas. Por isso eu acho que o processo longoe muito lento.

    Os homens aqui viram que eu sou dinmica,da maioria das meninas aqui eu sou a mais di-nmica e as pessoas incentivam-me. Eu j soua presidente da JAMBA e existem muitos ho-mens aqui, muitos jovens e meninas tambm.Isso uma prova de que foi com esforo e porisso que eu digo s meninas para se esforaremmais, uma maior participao efectiva vai contarmuito. Se nos destacarmos nas escolas e nas as-

    sociaes isso vai mudar depois a esfera poltica,porque comeando aqui que depois se chegamais alto. Comeando aqui podemos mudar apolitica e a economia da Guin.

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    18/62

    Tataruga kuma si pe i kurtuma i ta lebal tudu kau ki misti

    A tartaruga diz que as suas pernas so pequenasmas levam-na onde ela quer

    (provrbio guineense)

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    19/62

    18

    Eu nasci em Bissau e cresci com a minha fam-lia aqui mesmo, nesta casa no Bandim. A minhame herdou esta casa e alguns terrenos e, apesarde ser domstica, ela uma verdadeira empre-sria, aluga espaos aos comerciantes do merca-do ao lado da nossa casa.Quando tinha 7 anos, o meu tio, irmo da mi-nha me, achou que eu podia perder-me e queprecisava de mais acompanhamento. O meu

    tio cabo-verdiano, muito catlico e conser-vador, j o meu pai muulmano. Fui vivercom o meu tio para outro Bairro, ele era muitoexigente mas apoiava-me e eu fui estudando etendo boas notas. Ele convenceu-me a entrarem enfermagem e eu, mesmo no querendo aoprincpio, ganhei o gosto pelo curso. O meu tioinsistiu e eu fiz mais cursos, tirei ingls e tam-bm informtica.

    Comecei a trabalhar no Hospital de Quinha-mel, em Biombo, na minha rea de especia-lidade que sade materna, sou enfermeiraparteira, fiquei logo com a responsabilidade damaternidade no Hospital. H 10 meses atrstirei uma licena sem vencimento e fui traba-lhar com a ONG Effective Interventions, numprojecto de sade materno-infantil no Sul daGuin, para fazer consultas pr e ps natal, maisconsultas e vacinao s crianas dos 0 aos 12meses.

    Edna Landim, 34 anos

    Deparei-me com uma situao aflitiva: as mu-lheres no sabem as causas das doenas dascrianas, nem das diarreias, nem das febres. Etambm nada sabem das gravidezes, quais ossinais de perigo. Usam os tabus, acham que feitiaria, nada de mdicos. Muitas mulheresmorrem porque no tm transporte para sedeslocarem ao Hospital, muitas pensam queno precisam de ir ao mdico. Agora j come-

    am a saber e querem o nosso apoio e j come-am a ver resultados: levei o meu filho ao apoiode sade de base porque me lembrei do que medisseram e ele ficou bom. Esse apoio de sadede base existe em todas as tabankase dado porpessoas locais que tiveram formao bsica emsade materno-infantil.Os homens tambm j comeam a aparecer.Antes, as mulheres diziam que queriam parir,

    dar luz sozinhas, agora so os prprios ma-ridos que obrigam as mulheres a participaremdas formaes em sade e ir s consultas. Eusou um ponto de contacto pois alm dos conhe-cimentos de sade materno-infantil sou metadebeafadae metade cabo-verdiana, ento acabopor conseguir lidar com toda a gente, o que importante neste trabalho nas tabankas.H muita gente que faz fanadu, mas no sulfazem s escondidas, por causa da sensibiliza-o que fazemos sobre o fanadu. Uma mulherque faz fanaducorre srios riscos de sade. Aspessoas fazem fanadus meninas s escondidas, noite, ns tentamos saber mas eles negam, osvizinhos por vezes que nos alertam para estassituaes. So por vezes crianas de 3, 4 e 5 anosde idade, algumas morrem devido hemorra-gia.

    difcil pensar em igualdade de direitos para amulher no Sul At aqui, em Bissau, h muitoshomens que ouvem falar e dizem Vamos terigualdade de direitos? Isso que vamos verTemos igualdade formal com o homem, masigualdade de direitos no existe de todo. Nuncame senti discriminada no meu trabalho comomulher, no sei se o serei no futuro. Hoje emdia, os trabalhos que os homens fazem as mu-

    lheres tambm podem faz-los, mas alguns ho-mens no consideram isso, mesmo no Hospitalouvimos comentrios de outros colegas quedizem tu no consegues fazer isso e eu consigoou as mulheres agora so muito abusadas.Eu no sinto isso na minha vida pessoal, mas asminhas amigas com os seus maridos sim. Talvezpor isso ainda no casei, eu desejo ter filhos efamlia, mas agora estou dedicada ao trabalho.

    Eu gosto de trabalhar, gosto da minha profisso,mas tenho de fazer muito sacrifcio para memanter uma mulher independente. Eu pensoem namorar, mas primeiro o meu trabalho eem segundo o meu marido, porque se eu notrabalhar e depender do meu marido, ele noconseguiria fazer tudo o que desejo, porque avida difcil, por isso trabalharemos os dois.Quero ter filhos e casar, o desejo de quase to-das as mulheres.Tenho uma amiga que como uma irm, aFrancisca, que est a acabar enfermagem. Elapara mim tudo.

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    20/62

    no sossegodo teu corpo bronze

    que levita

    o amore eterniza a paixo(T. Tcheka, 1996, Fora de Paixo)

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    21/62

    20

    Nasci quase no mercado Bandim: a minha meia a caminho das compras quando entrou emtrabalho de parto, mas acabou por me ter noHospital Simo Mendes. Sou a primeira me-nina da famlia, tenho 4 irmos mais velhose uma irm e um irmo mais novo. A minhafamlia vivia no Bairro de Banco, em Bissau. Omeu pai cabo-verdiano, a famlia veio para aGuin quando ele tinha 11 anos, na poca das

    grandes fomes em Cabo Verde. Vieram para oleste da Guin. O meu pai deu l aulas, traba-lhou nos Correios e depois veio para Bissau,onde foi funcionrio da administrao colonial,no Banco Ultramarino mas tinha o sonho deser engenheiro electrotcnico, coisa que um dosfilhos hoje j !A minha me era oriunda de uma famlia mo-desta de Bolama, os meus avs eram padeiros e

    a infncia dela foi difcil, mas conseguiu estudare tornar-se enfermeira. Trabalhou no HospitalMilitar no final da guerra da independncia e osportugueses perguntaram-lhe depois se queriavir para Portugal. Conheceu o meu pai e no lheligou nenhuma pois ele era mulherengo. Maso meu pai apaixonou-se e a minha me - quechegou a ter um pedido de casamento de umportugus - optou por ficar em Bissau e acaba-ram por se casar.Com a independncia o meu pai foi discrimina-do por ser cabo-verdiano. Queriam tirar-lhe acasa (do Banco) mas depois as coisas ameniza-ram, pois precisavam dele no Banco. Ainda teve

    Ana Vaz, 30 anos

    grandes chatices, chegou a ser preso passadouns anos, pois houve um desfalque e acusaram-no injustamente o meu pai conseguiu sempremanter-se calmo, desdramatizar e tudo se escla-receu: ele at estava de frias na altura do desviodo dinheiro.Eu sou a primeira menina de muitos irmose isto pesou-me, porque a minha me sempretrabalhou muito e eu acabei por assumir muitas

    funes de me. A casa estava sempre cheia,nunca tive muito espao e talvez por isso sou t-mida e reservada: sinto-me sempre responsvelpor todos, isso bloqueou-me em alguns nveis. algo frequente nas famlias guineenses. Comoramos muitos irmos cada um tinha a sua ta-refa, mas as tarefas domsticas pesaram sempreem cima de mim e s depois tive a ajuda daminha irm mais nova, a Jacque. Eu no tinha

    muito tempo para brincar na rua como os co-legas do Bairro, que eram quase s rapazes - eutambm sempre fui um pouco maria-rapaz.Fui para o atletismo pois no gostava das aulasde Educao Fsica e nessa altura foi mesmodifcil. Fiquei toda contente por ter aprendido acozinhar e mal sabia o inferno que me esperava,pois a partir da era meu dever cozinhar! Ia paraas aulas, tinha de cozinhar para toda a famlia,depois tinha o atletismo do outro lado da cida-de, noite ainda tinha tarefas em casa Por issoeu nunca tive grandes notas at chegar ao Liceu.Como poderia?

    Na minha casa estavam todos habituados a issoe eu era aquela que o pai achava que no iriapara a faculdade. De alguma maneira, o meupai muito restrito, conservador, a minha me

    j foi contra as ideias dele ao trabalhar e teruma carreira - no fcil ser filha dele. Aos 17anos senti necessidade de provar as minhas ca-pacidades: fiz exame, entrei no Liceu Joo XIII eforam os anos mais difceis e mais maravilhosos

    ao mesmo tempo. Uma revoluo na vida, naamizade, em competio pelas melhores notasna escola.Estava a fazer o 12oano na escola portuguesae rebentou a guerra de 1998! Fugimos todospela Gmbia, cheguei a Portugal com os meusirmos e acabei por ficar muito tempo sem vol-tar a estudar. Comecei a trabalhar para ajudarem casa, no podia esperar pelo subsdio de

    refugiado, tinha os meus irmos para cuidar eentretanto um deles ia ser pai. Eu j nem sabiase queria ir para a Universidade, mas foi o meunamorado que me incentivou para eu estudar.Ns ramos amigos do tempo do Liceu JooXIII, ele veio para Portugal estudar medicina eacabmos por nos apaixonar.Decidi-me, terminei o 12oe fui fazer o cursode Comunicao Social. Foram quatro anos deestafa, a correr das aulas para o trabalho, maso Anaxore, o meu namorado, que me davanimo. Entretanto, acabei o curso, fiz estgiosmas no encontrava trabalho na rea e estou atrabalhar num Call Center Decidi no ficarpor aqui e estou a fazer mestrado no InstitutoSuperior de Economia e Gesto, em Desenvol-vimento e Cooperao.

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    22/62

    j no

    caibo nesta concha(T. Tcheka, 1996, Sonho de Emigrante)

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    23/62

    22

    Aqui nas ilhas Bijags onde trabalho h anos(com a ONG Tiniguena), havia uma cultura di-ferente da habitual cultura africana: as mulhe-res que mandavam. Elas que iam procuraros homens, construam as casas, faziam tudo.Mas com a entrada de muitos muulmanos quese refugiaram durante a guerra da independn-cia e casaram com Bijags, vieram mudar, aospoucos, a realidade dos Bijags. Por exemplo,

    agora j no visvel, tornou-se segredo, quan-do as mulheres vo procura dos homens. Maso fanaducontinua a ser diferente: aqui h fa-nadumasculino e feminino, mas de cerim-nia no fanadude corte. Fanadu Bijag ir aomato, ficar trs meses a comer, a educar e a co-nhecer a tradio, conhecer os velhos, respeitaros velhos, dar aos velhos de comer...Na Guin est na moda falar de gnero e di-reitos das mulheres. Dizer fcil Tens de seruma mulher de garra, uma mulher muito rebel-de! Se no, no tens espao, s te deixam o queno conseguem fazer ou as situaes mais com-plicadas. Mas quando chega o momento dasdecises, quem passa frente so os homens. por isso que as dirigentes mulheres tm aquelam fama, de que so agressivas. s vezes somosobrigadas, para que a nossa voz seja ouvida!Mas para ser mulher, para contribuir parao meu pas, no preciso ir ao Governo. Eusinto-me orgulhosa de estar aqui em Urok, nosBijags, a trabalhar como mulher e a contribuirpara o desenvolvimento da minha terra. Todasas mulheres podem, nos locais onde se encon-tram, aceitar desafios e criar o seu estatuto demulher.

    Eu nasci no leste do pas, onde no h gua, naZona de Bafat. Estudei at ao nono ano, tinha17 anos e pouca experincia. O meu primeironamorado era um homem que gostava muitode mulheres, mas naquela altura, eu era a santadele. Ento, ele aconselhava-me, ensinava-meMas quando eu fiz o quinto ano, apanhei a pri-meira gravidez. Ainda falei com o mdico masele disse Tu podes ter este filho e depois con-

    tinuas a estudar. Complicou-se a situao por-que o meu namorado foi engravidar outra moae depois, com medo dos meus pais e do pai daoutra moa que era um homem do Ministrioda Justia, fugiu para Portugal e deixou as duas!Eu fiquei com aquela gravidez, sem me e semmarido, pois a minha me morreu quando eutinha cinco anos. Sozinha com o meu pai e aminha irm mais velha, passei trs anos triste,sem conseguir estudar. Foi um primo meu quetinha possibilidades econmicas que me ajudoupsicologicamente. Depois da criana crescer euquis voltar a estudar.Apareceu um projecto de desenvolvimentorural com o Pepito (da ONG Aco para o De-senvolvimento), que investiu muito em mim: fizo curso de assistncia tcnica e trabalhei em as-pectos tcnicos da agricultura. Fui fazendo maisformaes e continuei a trabalhar, estive seismeses no Brasil, trs meses em Burquina-Faso.Eu vou ser sempre grata ao Pepito.

    Sbado Vaz, 43 anos

    Eu sou uma mulher de desafios e posso dizerhoje que consegui dar a volta minha vida, parasobreviver! Ento trabalhei, trabalhei at queapareceu um tcnico e comeamos a namorar.Como j tinha apanhado aquela pancada disse-lhe que no queria mais arriscar. Ele quis casar,ficmos onze anos juntos, tivemos dois filhos,um rapaz e uma menina. Aquela menina fale-ceu com nove anos. Teve uma crise de paludis-

    mo, eu estava fora a trabalhar e ela morreu...Ele tinha feito s curso mdio e queria fazer osuperior, ento combinamos que ele ia estudare quando voltasse eu tambm ia estudar emBraslia, onde eu queria fazer hortifruticultura.Ento ele foi para os Estados Unidos e pura esimplesmente j no quis voltar! At agora! Jcasou l e tudo, veio c s uma vez e estamos atratar dos documentos dos midos para iremestudar para os Estados Unidos.Ento estou divorciada h quatro anos e, atagora, sou me e sou pai. Est cada vez maiscomplicado, mas tenho dificuldade de casar denovo porque quero que os dois arranjem a suavida, para eu poder sonhar com aquele compro-misso. Porque eu tambm no sou mulher desolido, gosto de viver com uma pessoa, mesmoque no tenha nada, mas que goste de mim, oresto eu fao para mim mesma, gosto de traba-lhar!

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    24/62

    Mame/ sukundi/ si dur/ bas/ di kabas/fnkandadu/ na urdidja/ di kanseraA me escondeu a sua dor debaixo da cabaasoerguida sobre a rodilha do sofrimento(T. Tcheka, 1996, Dur di Mame Rosa)

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    25/62

    24

    Nasci em Farim, no Norte, mas sempre viviaqui em Bissau. De vez em quando viajo masvolto sempre para a minha terra.Eu era telefonista internacional e hoje sou re-formada mas continuo com as minhas activi-dades: na UDEMU Unio Democrtica dasMulheres do PAIGC, fundada por Amlcar Ca-bral, que sempre considerou as mulheres comoparceiras e em cada comisso de base mantinha

    a paridade: pelo menos 2 mulheres para cada 3homens. Continuo na AMAE, a Associao dasMulheres para a Actividade Econmica e que-ro abrir uma fbrica de gelo. Sou membro doPAIGC Sou uma mulher muito ocupada!Acho que comecei a lutar com 22 anos, quandoentrei na cena poltica, na clandestinidade como meu marido. As mulheres da Guin-Bissauso mulheres corajosas, fortes e decididas, lu-tam at vitria final! Ns todos fazemos pol-tica, as mulheres fazem poltica, mas as mulhe-res lutam pela paz, os que fazem confuso soos homens porque lutam por causa de poderA cadeira de reinado s uma e ns devemosapoiar seja quem for que tem a confiana dopovo. Seno a Guin-Bissau nunca mais vaiandar para a frente. E ns queremos andar paraa frente! Porque as mes, as mulheres, no voquerer nunca ver conflito no pas onde tm osfilhos, os irmos, os maridos.Porque, quando o pai morre, as crianas ficamao cuidado da me. E eu bem sei como : quan-do o meu marido morreu, fiquei sozinha comcinco filhos. Porque ele meteu-se na poltica efoi descoberto, a PIDE deu cabo dele. Eu luteimuito para aguentar a casa, quando saa do em-prego fazia filhoses, qualquer coisa, para vendere sustentar os meus filhos.

    Elizete Borja, 72 anos

    A situao da mulher piorou porque no hestabilidade. A mulher que se preocupa, amulher que vende para poder dar de comerl em casa, para manter os filhos na escola. Asmulheres tm capacidade de gerir, at melhordo que certos homens. H violncia domstica,mas nem todos os homens so violentos.Ns temos que exigir o direito de igualdade, emcasa e no trabalho. Na luta de libertao nacio-

    nal as mulheres mostraram a sua capacidade,porque que agora as mulheres no teriam odireito de ser dirigentes, de serem ministras, deserem directoras? Temos mulheres guineenses,quadros capazes de assumir essas funes. Oshomens guineenses so machistas. S se lem-bram de mulheres quando altura do trabalho.Mas quando para andar no carro com ar con-dicionado no se lembram das trabalhadoras.Durante a luta de libertao nacional no sefalava em etnias, Amlcar Cabral uniu todos osguineenses em torno da liberdade da Guin-Bissau, sem distino de raa, nem de sexo, nemde cor. Depois da abertura poltica, com a guer-ra, que essas distines comearam a crescer.Mas coisa que ns no devemos alimentar. Asmulheres so vtimas nessa situao de etniasem guerra.Outra coisa o fanadu, que prejudica as nossas

    jovens, algumas depois j no podem ter filhos,algumas ficam com deficincias. uma maneirade privatizar a mulher! H muitas mes que

    deixam as filhas irem ao fanaduporque no sa-bem qual a gravidade, mas se elas soubessemse calhar no deixavam. Se conseguirmos arran-

    jar um meio pacfico para tirarmos aquelas fa-cas s mulheres fanatecas, elas vo passar a viveroutra vida e as nossas jovens, em particular nastabankas, poderiam ir escola... A taxa de anal-fabetismo das mulheres est cada vez mais alta.Mesmo eu, tenho a minha quarta classe e, com

    a minha idade, eu gostaria de aprender mais.Uma jovem s com o fanadu, o que que elavai aprender? Vai ser ignorante para o restoda vida dela, no vai poder ir escola, no vaipoder estar com os colegas, com os companhei-rosTemos que entrar pelas tabankas, mobilizaras pessoas, sensibiliz-las. Mostrar-lhes por A+ B que essa prtica no ajuda, melhor ir escola do que ir ao fanadu, porque a meninavai aprender a ler, pode depois formar-se e seramanh uma boa governante para o nosso po-bre pas. Por exemplo, os beafadas antigamenteeram animistas como ospapis, como os man-

    jacos, como os balantas. Agora a maioria delesmudaram para religio muulmana. H at ou-tros pases vizinhos onde o fanaduj est a aca-bar, no Mali, por exemplo, j h mulheres livresdessas tradies. O Governo est com vontademas sozinho no pode, ns todos temos de aju-dar a resolver esse problema.Eu sou uma cigana africana, tenho muita mis-tura de raas.Eu quero pedir paz para esta Guin: para ser-mos unidos, para sermos cada vez mais irmos,sem ver a cor, a etnia ou tribo, ou o sexo todossomos guineenses!

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    26/62

    ma i lili ku n na frma

    kann yalsa pitusuma polon di bardadi

    I liI li propi

    ku faronpariaNa kabakasabi na bida sabi

    aqui, aqui que vamos fcar dep, de peito alto, como um poilo deverdade/ aqui, mesmo aqui, quea faronparia vai acabar e a tristeza

    vai virar alegria(T. Tcheka, 1996, Limarias na Kuri)

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    27/62

    26

    Sou do Sul, depois vim para Bissau, onde mecasaram. Comecei a vender para poder arran-jar terreno para construir a casa. Seguimos osusos e costumes tradicionais na nossa famliabeafada, mas estamos a reduzir por causa dosnovos conhecimentos e as pessoas viraram-semais para as vendas. Ns vamos a Guin-Cona-cri, Gmbia e Dacar buscar roupas para depoisvendermos em Bissau. Vendemos todo o tempo,mas na poca das chuvas poca do fanadu.Nem todos os costumes podem acabar. O n-mero de pessoas para o fanaduest a aumentarporque uma festa bonita, a medicina queagora diz que o fanadu mau. Mas ns, pessoasdo Sul, ns vamos ao fanadu. Eu pari normal-mente, tive 8 filhos, mas j morreram cinco. Eu que fiz o fanadus minhas filhas e nenhumateve problemas de parto. A nica que no foiao fanadufoi a minha filha portuguesa. Agora,o fanadu bom ou no? Digo a Deus que seest a fazer com que as pessoas morram, nsparamos. Mas temos de deixar com condies,porque precisamos de ter o que comer.Ns que fazemos fanadununca fomos aospa-

    pis, manjacos, balantasdizer-lhes para para-rem com o toca-tchur, de matar dez ou quinzevacas, aquela carne fica uma semana no choe eles vo cortando e vo comendo. Essa carnepodre tambm faz mal ou no? Mas se nosreunirmos como famlia, todos os guineenses,e pedirem que cada um deixe algumas prticas,todos vamos deixar se o nosso estado queracabar com o fanadu, podem chamar-nos com

    Sanu Man, 45 anos

    boas maneiras, conversamos at chegarmos aum entendimento, proponham outras condi-es, ns deixamos de faz-lo.O fanadu segredo! A explicao do fanadunoest no Alcoro, porque, por exemplo, as mu-lheres senegalesas no vo ao fanadu, conde-nam-no. Na Guin, Senegal, Conacri e Gmbiasomos todos muulmanos, mas s ns vamosao fanadu. Porque os senegaleses pediram commodos s mulheres para deixarem o fanadu. Oshomens da Guin no pedem, eles querem isso fora e as mulheres no gostam.As pessoas na Guin no respeitam as mulhe-res, porque ficam na rdio a dizer que o fanaduno presta, o fanadutraz a SIDA Enquantoeles esto na rdio ns vamos buscar palha parafazer as barracas de fanadu! No ano passadolevei a minha neta Kadi ao fanadu, ela est bemde sade. Vieram 503 pessoas, rapazes e rapa-rigas, cobramos 10 mil CFA por cada um. Du-rante trs meses demos comida, medicamentos,lugar onde dormir a 500 pessoas. No brinca-deira. Se quiseres tirar de l algum, difcil.Sobre o fanadualternativo, sem corte, se osmdicos o quiserem tudo bem. Mas fora nomudamos. As mulheres da (ONG) Sinin Mirano vieram explicar s pessoas, foram rdioe na televiso dizer para deixarmos o fanadu.Elas foram todas ao fanadu. Porque no vo casa de todas as fanatecas cumprimentar e pedirpara deixarmos o fanadu?

    A SIDA no est na barraca de fanadu, os ho-mens que vo para longe que trazem SIDA.H homens muulmanos com 5 ou 6 mulheres, demais. Mas se for uma mulher para um ho-mem no apanham SIDA. A rivalidade de duasmulheres casadas com o mesmo homem existeporque dentro de ns no gostamos, mas temosde aceitar. Somos trs com o meu marido, nogosto nada. Nunca o vimos escrito no Alcoro,mas dizem que o homem muulmano pode ca-sar com 4 mulheres.Os fulas fazem um fanadumais perigoso, elestapam tudo, para que o marido encontre a mu-lher virgem. Quando uma mulher vai ser dadaem casamento volta para a barraca de fanaduoutra vez.Ns no namorvamos com os nossos maridos,chamavam-nos quando tnhamos 13 anos ediziam-nos: este o teu marido! Agora namorasdois ou trs anos e depois que casas. Assimtambm o fanaduum dia pode acabar. O fana-duno violento, o casamento forado maisviolento e feito por todas as raas na Guin,at cristos. Quando via o homem grandequeme arranjaram, at perdia a fome e pensavacom este homem que me vo casar?!Para sair do Sul para Bissau, tive ajuda de umportugus, da nossa relao nasceu uma filha, aFtima. No me deixaram casar com o branco,porque no o conheciam e sabiam que ele iavoltar para a terra dele. Nunca mais o vi. Escreviuma carta antes de 7 de Junho (de 1998). A F-tima quer ir agora procurar o pai, mas o maridono deixa.

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    28/62

    Guins tu

    mulher-bidera

    em flas de insnia(T. Tcheka, 1996, Canto a Guin)

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    29/62

    28

    Nasci a 29 de Novembro de 1952, na ilha Formo-sa, no Arquiplago dos Bijags, onde o meu paiera comerciante. Formei-me em 1976 pelo Insti-tuto Superior de Servio Social de Lisboa. Tenhodois filhos mas divorciei-me muito cedo, quandoestava grvida do segundo filho, de maneira quecriei os meus filhos sozinha. Como mulher divor-ciada, senti dificuldade em impor autoridade nomeu espao territorial. Ainda por cima era umamulher mestia e jovem com crianas a cargo, t ive

    dificuldades em atingir o reconhecimento ima-ginem trabalhar na alfabetizao com uma equipaque veio das Foras Armadas logo depois da In-dependncia. Como era profissional rapidamentefui responsvel na minha rea de trabalho, masfoi difcil aceitarem a minha autoridade quandodepois fui directora do Departamento de Alfabe-tizao.No fcil conciliar o nosso papel de me com o

    nosso papel de esposa, de profissional, de cidade de mulher que ns somos tambm. Os meus fi-lhos foram criados entre as responsabilidades queeu tinha em casa e no trabalho. No um proble-ma da Guin-Bissau, um problema das mulhe-res num mundo em mudana, mas a dificuldademaior que ns no temos servios pblicos nosquais se possa confiar. a grande angstia de teruma criana doente trs dias seguidos e no sabero que se vai passar; confiar em mdicos que no

    tm meios de diagnstico; passar noites em bran-co num hospital sem condies sanitrias! Actu-almente tenho 56 anos, j tenho uma neta e o queme di mais ver que o hospital onde eu levavaos meus filhos est pior.Eu vivi a guerra de 1998 e tivemos de fugir todos.At hoje a instabilidade poltica e militar nosultrapassa. Este contexto de insegurana umaangstia acrescida para as mulheres, mas elas tm

    uma capacidade de resistncia incrvel, guardam acapacidade de rir, de projectar, de empurrar a vidapara a frente. No porto onde partimos para as

    Augusta Henriques, 56 anos

    ilhas Urok (onde a Tiniguena, a ONG que dirijo,trabalha), as mulheres esto l logo de manhzi-nha, a brigar pela sua vida, para alimentar a fam-lia. sempre um testemunho de coragem, v-lasa desembarcar com gua pelo peito, a criana scostas e ainda tm braos para agarrar a cargaEm termos da educao as mulheres so as gran-des sacrificadas, sistematicamente h sinais decorrupo, o sistema de ensino no avana, huma sensao de que as geraes esto a recuar

    no acesso ao progresso. Em termos de sade, te-nho famlias amigas que tm condies econmi-cas e intelectuais, mas que perderam os filhos porcausas que j no so aceitveis hoje, como umacrise de paludismo ou um problema no diagns-tico. Sentimo-nos impotentes. No que se refere justia, este um pas de impunidade onde aspessoas no podem esperar por nada. Eu criei osmeus filhos sozinha mas sempre que saa do pas

    eu tinha de ter a autorizao do pai deles, masnunca a justia trabalhou para que o pai se co-responsabilizasse pelos filhos na sua educao, nasua sade, na sua vida. H um longo caminho apercorrer.No posso dizer que a nossa sociedade exclui asmulheres porque ns temos oportunidades deemprego, temos mulheres em postos de deciso,temos mulheres que conduzem a famlia. Umalarga maioria da populao da Guin-Bissau

    alimentada graas ao trabalho das mulheres. A que nos falta a compreenso de que as conquistasdas mulheres so conquistas das sociedades.A nova gerao, a da minha filha, d-me muitaesperana mas tambm faz-nos muitas dores por-que vemo-las a passar pelos mesmos caminhospor que ns passmos. Que progressos nos direi-tos das mulheres, direitos prticos na sociedade?Lembro-me quando hesitei na minha vida pessoal

    em manter ou no o meu casamento, a minhame dizia-me eu aceitei que vocs fossem criadaslonge de mim para poderem ter formao e es-

    tarem livres para escolherem o vosso caminho, oque vocs me devem no terem que passar aqui-lo que eu passei para vocs poderem fazer essepercurso. Este Natal mandei para os meus ami-gos uma fotografia com as quatro geraes Seme-do Henriques: a minha me que tem 79 anos, euque tenho 56, a minha filha que tem 25 e a minhaneta que tem 2 anos. Quando vejo mulheres ves-tidas de burkha s 11h00 da manh no mercado,eu tenho receio pela minha neta, ser que ela vai

    ter que voltar a fazer os mesmos combates quens fizemos!?H um ditado em crioulo que dizGuin Bissaupadi s fidjo matchu: Guin-Bissau s tem filhosvares, no sentido mais machista, pois ao mnimoconflito para guerrear! Mas depois so as mu-lheres que tm que correr com as crianas s cos-tas, so elas que do luz no meio de combates,so elas que tm de alimentar os que l esto e...

    j chega disto!Porque as batalhas das mulheres conduzem auma sociedade mais justa, de mais paz, por issoa partilha de poder tambm a oportunidade naGuin-Bissau de fazermos cultura de paz. A cons-truo das governaes no pode ser apenas tra-tada com homens, preciso incluir as estratgiasfemininas na construo de paz na sua famlia,nas suas tabankas, na gesto e economia da casa ena educao dos filhos. tambm forma de lutar

    contra a cultura da violncia que ganha terreno,que encontra ingredientes favorveis nos lugaresonde h pobreza, onde h injustia A imigraoclandestina, o negcio da droga: quando as pesso-as no tm nada a perder esto dispostas a tudo.Por isso eu desejo para a minha neta, para asmulheres da Guin-Bissau, que possam ter paz econtinuem a ter a fibra para investir no futuro deforma a salvaguardar valores: o homem honra-

    do hoje uma espcie em extino e ns temosque trabalhar para repovoar a Guin-Bissau comhomens e mulheres honradas.

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    30/62

    Z h V

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    31/62

    30

    A minha vida poltica! Desde os 15, 16 anos queme envolvi na poltica. Nasci em 1952 em Bissaumas aos cinco anos fui para um colgio de freirasem Portugal, onde estava quando rebentou a guer-ra colonial. O meu pai foi preso pela PIDE e foiobrigado a ir para Angola e ns tivemos de voltarpara a Guin-Bissau pois no havia dinheiro parapagar os colgios. a que eu entro de cabea na poltica! Comeo adescobrir frica, o meu pas, comeo a namorar e

    conheo o meu primeiro marido, filho de comba-tentes e a que eu entro na clandestinidade e voupara a roda livre: aprendo crioulo, formamos asclulas da Zona Zero Nessa altura foi complicado,pois o governador Spnola deu uma relativa liberda-de (autodeterminao) e chegou a balanar a lutaQuando o meu pai volta de Angola e resolve le-var a famlia para Portugal, eu comeo a revolu-o: no vou! Fico com a minha av e a fazer omagistrio primrio, at que h ataque a Bissau eeu fujo para Portugal. Mas eu tinha comeado aconhecer esta minha cultura africana, a luta pelalibertao, o meu namorado Volto de frias e ficogrvida de propsito s para ficar c!Acabei o Magistrio Primrio e vivi com o meumarido e a beb. Entretanto d-se o 25 de Abril, aindependncia e, na ptica de trabalhar para re-voluo sou transferida para Bolama Bijags - umparaso - como Directora Regional de Educao,

    onde a Francisca Pereira era Governadora Regio-nal. Foi a que fui obrigada a assistir a um fuzila-mento - mataram muita gente naquela altura ens no podamos dizer nada Comeou aqui aminha rotura: era um regime de partido nico!Conto tudo no livro que estou a escrever.Vou para Cabo Verde dar aulas em 1976 e entro naclandestinidade assinando textos panfletrios como nome Aminata Sumai: juntei-me UPANGOe sou presa em Farim, durante quase 3 anos. Saio

    da priso em Maio de 1980, proibida de leccionar e a 14 de Novembro 1979, depois do golpe doNino a Lus Cabral, convidam-me para Ministra

    Zinha Vaz, 56 anos

    da Educao Recusei, pedi amnistia e fui paraPortugal recuperar a sade da priso.Tenho uma segunda filha e o governo fica es-candalizado por eu ficar em Portugal, o meu ma-rido volta para a Guin-Bissau e separamo-nos.Em1984 regresso a Bissau e como ainda no podiadar aulas fui trabalhar numa empresa de petrleo,onde fiz muita inovao nos recursos humanos cantina, assistncia mdica. Ao mesmo tempofiz um pouco de tudo para sustentar as minhas

    filhas: pastis de massa tenra noitinha, compreium txi, cultivei manga num terreno. Entretanto,comecei a namorar com o Jos, homem impecvelque nessa altura estava excludo do PAIGC - cas-mos em 1986 e tivemos uma filha em 1988.Eu tenho sangue poltico e estava revoltada commuita coisa. Ainda no h abertura poltica, a 17 deOutubro de 1986 tinha havido de novo fuzilamentos.Em 1990 vou trabalhar para o Brasil atravs do FNU-AP e quando regresso, em 1992, por Lisboa, junto-meao RGB Bafat (resistncia e clandestinidade, comHlder Vaz) ou seja, eu estava na clandestinidadecomo RGB e o meu marido Jos era na altura minis-tro! Claro que em 1994 quando h abertura polticaeu tinha de dar a cara pela RGB - o meu marido noqueria acreditar, eu sa de casa e voltei a fazer pastis!Entretanto, sou candidata a deputada e fui, naaltura, das poucas pessoas que ficaram em Bissauem 1998, na comisso de mediao do conflito. No

    governo de transio vou para a Cmara de Bissauonde consegui fazer muitas coisas, at um apoiopara ter computadores!Como professora conheci e apaixonei-me pelaGuin, senti na pele as necessidades que a Guintinha. Era necessrio fazer algo para as mulherese logo aps a abertura politica consegui ser umadas primeiras presidentes de uma organizao nogovernamental (ONG), a AMAE - Associao dasMulheres para as Actividades Econmicas. E no

    deixei de trabalhar nesta rea, como empresriae em busca de apoios para as minhas mulheres:agora sou Presidente da Bambar, uma instituio

    financeira de poupanas no-bancrias.O Governo convidou-me para ser Comissria darepresentao da Repblica da Guin-Bissau naEXPO 2010. Estou a ter aulas de ingls para mepreparar. Bato sempre na tecla que a mulher temque se formar e eu costumo dizer no quero queme dem o lugar, eu quero conquistar esse lugar,porque se os homens realmente nos derem, tiram-nos. Mas h muitas mulheres que so chefes defamlia hoje na Guin e nem tm tempo para cui-

    dar da formao ou da sade delas. Por isso quequando chega a altura a mulher fica nos lugaressubalternos, somos poucas dirigentes.Tenho muito respeito pela tradio e cultura dosoutros, mas costumo dizer que h coisas boas e hcoisas ms: h uma data de prticas nefastas nonosso pas que ainda no conseguimos terminar, ocaso da exciso (mutilao genital) feminina, o ca-samento forado, a prpria lei do aborto que aindano est aprovada na Guin mas que se pratica -temos que continuar essa luta.Tudo passa por falta de um certo controlo do Estado,hoje em democracia preciso que haja a lei. Mas preciso tambm que se criem condies, com muito

    jeito para no ferir a cultura de muitas etnias - por-que no fundo isso um grande negcio, as fanatecastm a tal faca que -lhes paga para praticar. O Institu-to da Mulher e da Criana est neste momento comum projecto e penso que vamos conseguir que elas

    entendam que isso no est no Alcoro e o prejuzoque isso leva s crianas na hora do parto e mais -penso que fomos muito infelizes h trs anos atrs,ferimos muitas sensibilidades, hoje j dialogamos e jparticipam muitas fanatecas nas conferncias.Eu tenho muita esperana na nova gerao e hojevm-se muitas enfermeiras, mdicas, advogadas...oproblema que estamos a viver em constante ins-tabilidade, o pas est completamente retalhado ens os polticos que estamos a dividir a Guin.

    Tenho vergonha daquilo que vamos deixar a essagerao. Continuo a lutar e nem posso parar, coma situao como est.

    Combati!

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    32/62

    Combati!Vivi!

    Senti

    a independncialogo ali

    (T. Tcheka, 1996, Ason)

    T Sil

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    33/62

    32

    Nasci em Bissau em 1981, vim para Lisboa em1998, estudar Direito, agora estou a acabar omestrado para ingressar na magistratura, por-que o que eu sempre quis fazer, ser juzaPenso regressar para a Guin, sempre foi o meudesejo, dar um contributo para o meu pas se-guir um rumo diferente - se a nossa gerao de-cidir ficar por c aquilo fica parado! No tenhoreceio porque eu acho que se cada um contri-buir um bocadinho, acabamos fazendo algumamudana - e a esperana est na nossa gerao,se dermos a volta e dissermos Ns podemos,ns conseguimos!Eu gosto de seguir regras, gosto de fazer comque as outras pessoas sigam regras e desde pe-quena sou assim, faz parte do meu feitio. Estouna rea jurdico-criminal e toda a gente diz quena Guin um bocadinho mais difcil ainda.Mas no me vou desviar do meu caminho s

    porque a Guin est nesta situao.Sei que h muitas mulheres guineenses deter-minadas como eu: a experincia na Associaode Estudantes Guineenses, com a Joacine e coma Tamara, que so jovens, mulheres, bonitas,determinadas, sabem o que querem e sabemo que melhor e o que menos bom para onosso pas. Se todas as mulheres como ns tra-balharem para o futuro da Guin, conseguimos

    dar a volta a essa mentalidade.Claro que h muitas mulheres que acham queno podem ajudar, porque tm aquela menta-lidade antiga que os homens so mais capazesdo que as mulheres - mas eu sei que consigofazer idntico ou mais do que eles. A minha av

    tambm pensa como eu: ela acha sempre queas mulheres mais velhas devem dar tambmo contributo, para depois as mais novas irem

    j com o caminho meio limpo. a garra dasmulheres da minha famlia - portanto, vamos luta!Para ser sincera eu no sou muito apologista docasamento! As pessoas perdem muito tempoa pensar no casamento, na vida do casal. Paramim assinar um papel ou viver com algum a mesma coisa - e por agora no faz parte dosmeus planos. Felizmente j se comea a perderessa tradio, graas a Deus, porque uma mu-lher consegue fazer muito mais do que pensarno casamento e ter filhos. Todas as mes so-nham ver a filha a entrar numa igreja com vue grinalda mas nem todas as filhas tm esse ob-

    jectivo. Acordo de manh, caso-me e pronto!Eu posso organizar a minha casa, normal, de

    jovem mulher profissional e os meus pais e avspodem visitar-me. Eu no sou contra casamen-to, de forma alguma. Mais tarde posso pensarnisso.Claro que partilho a opinio da minha me: nofaz sentido ter, na mesma casa, duas mulheresRespeitamos a experincia da minha av, cla-ro, eu cresci com ela e com a minha outra av, como se fossem irms! A famlia ali quase

    como se fosse uma nica famlia mas eu noera capaz de viver a mesma situao! Nem dpara imaginar que se continue a fazer a mesmacoisa de h quinhentos anos Para mim, noservia, prefiro algo s para mim, no partilhado.

    Eu fui educada de duas formas. Fui criada pelasminhas avs e pela minha tia que foi a minhame durante essa altura. Quando os meus paisregressaram em 2004, tive outra experiencia eacabei conciliando as duas coisas! Muita gentediz que eu sou mimada mas eu tenho a mi-nha personalidade! H coisas que no me di-zem nada e no fao, pronto! Cresci nesses doisambientes diferentes e graas a Deus construia minha personalidade a partir dali. Se um diapensar em ter filhos quero dar o que eu recebidas duas partes e deix-los construir a sua per-sonalidade e serem livres como eu sou!O meu pai sempre esteve ligado poltica e di-zem sempre que eu tenho isso em mim, porquesou determinada e quando quero uma coisaluto por ela. A poltica no uma coisa que euquero... Mas tambm no vou fugir a sete ps!Sou parecida com a minha me no que ela her-

    dou da minha av porque mesmo na poca delafazia a vida independentemente do marido. Asmulheres da minha famlia so independentes.Eu dou graas a Deus de ter uma famlia assimque, embora respeite as tradies, aceitaramsempre as diferenas.Os muulmanos so muito apegados s suastradies e qualquer interferncia uma amea-a J cresceram com aquela mentalidade que

    necessrio as mulheres fazerem isso (fanadu,poligamia). Mas os meus pais no so assim eeu pessoalmente no concordo nada, mas cla-ro que isso tem de ser um processo de apren-dizagem. Enquanto no aprenderem que ofanaduno benfico para a sade, assim comoa poligamia uma tradio que hoje j no fazsentido nunca se vai conseguir fazer com quedeixem de praticar estes actos.

    Tamara Silva, 27 anos

    Flur

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    34/62

    Fluriardi na misusega na mi

    pa n sedu bu solnin ku sol notisukuru iabri si mantun na lumiau kaminuFlor, arde em mim, sossega em mim,

    para que eu seja o teu sol, nem queanoitea, a escurido abre o seumanto, para eu te iluminar o caminho(T. Tcheka, 1996, Flur di Mi)

    T b Sil

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    35/62

    34

    Eu sou a me da Tamara Silva, a minha me Fatu Sanh. Nasci em Bissau, vivi sempre comos meus pais e os meus irmos, tive uma infn-cia maravilhosa. O meu pai tinha trs mulherese de todas nasceram vrios filhos. Nunca, nuncao meu pai fez diferena entre ns. Vivemos tofelizes, to felizes, que at agora continuamosunidos. O nosso pai j faleceu, h muito tempo,mas entre ns os irmos continuamos namesma. Criamos os nossos filhos e eles tambmvivem como irmos de pai e me e no apenascomo primos. Portanto estamos felizes em fa-mlia.A nica diferena que sentimos so as tarefasespecficas para as meninas e para rapazes, asmeninas ajudam as mes na cozinha e essas coi-sas. Os rapazes no faziam nada se no estudare passear. Mas amos todos escola juntosEu tentei criar as minhas filhas na mesma edu-

    cao. O meu filho caula, mais novo e onico homem da casa para alm do pai entocomo h mais mulheres, esses homens so maismimados!Portanto, eu vivi, estudei, fiz o liceu. Os meuspais deram-me todo o apoio, incentivaram-mena escola, nunca senti dificuldades. Eu encon-trei-me com o meu marido na escola, ramosda mesma turma - j convivemos h mais de

    32 anos. No princpio ramos apenas amigos,mas apareceu o namoro! Nessa altura o meupai j tinha falecido, s estava a viver com aminha me, que gostou do Paulo Silva desde oprimeiro dia, ele era j responsvel, estava a tra-balhar e a estudar. Era responsvel da juventudeda Guin-Bissau, eu tambm fazia parte, por-tanto estudvamos e trabalhvamos juntos.

    Casmos na Guin, tivemos o casamento tradi-cional. Depois apareceu a Tamara e a Lisiana edepois disso que fomos estudar. Tivemos bol-sa de estudo e fomos estudar na Rssia, eu fizmedicina, especialidade em obstetrcia. Vivi seisanos em Moscovo, casei oficialmente na UnioSovitica e no ltimo ano, nasceu o meu filho-te mais novo, o meu Quirilo no final do meucurso. Foi uma surpresa para o meu marido, sao 3oms lhe contei Vou te dar um filho e eledisse, um bocadinho triste Tabo, tu no vaisacabar o curso! E eu disse - No, no, eu vouacabar o curso. E foi assim, o meu menino nas-ceu dia 24 de Dezembro de 1992 em Moscovo eo meu marido em vez de ir para o hospital ficouem casa a festejar o nascimento! Depois dissoacabei o curso e voltmos para a Guin.Sempre desejei ter um filho homem mas noh diferena para ns, o meu marido sempre

    queria uma menina, ficmos assim felizes comos trs. Tenho duas filhas que eu gosto tanto,tanto, tanto Quero que essas minhas duasfilhas tenham uma casa, com os maridos, feli-zes. Mas eu no posso obrigar, agora dependedelas A Tamara que pensa de outra forma, aLisiana no.Eu no era capaz de viver da mesma manei-ra que a minha me, j so duas pocas muito

    diferentes. Eu no sou capaz de viver com duasmulheres na mesma casa Mesmo se hoje emdia ainda h mulheres que seguem essa tradiomuulmana. O meu marido s para mim!

    Eu sou muulmana mas no vivi profundamen-te na religio muulmana. O meu pai saiu domeio dos pais dele e teve sempre convivnciamista, eu nasci em Bissau. Portanto no estou la fundo para ver o que que eles fazem, o que que deixam de fazer Intervir na religio deuma pessoa uma coisa complicada. Portantono posso chegar na minha religio muulma-na e dizer olha: No podem fazer fanadu muito difcil dizer que isso vai acabar, na reli-gio muulmana. Porque eles no vo aceitar!Porque eu fiz medicina, eu sei porque que no bom. Mas a minha me nasceu naquele meiono sabe porquMas vai acabar sim! Nas mulheres como a Ta-mara, porque a Tamara sabe que a me dela muulmana, mas no est bem ligada quelascoisas. Eu acho que no deve ser feito nas me-ninas.

    Eu estou quase a sentir-me uma mulher reali-zada! Porque acompanhei as minhas filhas ataqui, estou em Portugal para lhes dar apoio,para elas poderem estudar. A minha filha maisnova vai tambm entrar para a universidade,vai fazer o cursinho dela e depois de acabar, vousentir-me uma mulher realizada. Daqui a umaninho j posso voltar para a Guin. Quero vol-tar para a Guin mesmo!

    Tabo Silva, 52 anos

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    36/62

    para que a fonte no sequee na mesma canoa navegarmoscomandando as ondasquebrando as correntesrefazendo a vida(T. Tcheka, 1996, Mea-Culpa)

    Fatu Sanh 74

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    37/62

    36

    com o marido, as pessoas dizem o fulano talgosta mais daquela mulher do que da outra, assim. Nos tratvamo-nos bem. A minha cum-bossa tinha-me como uma filha mais nova. Ela que me orientava. A noiva que ia feira, que lavava, que cozinhava e que passava a fer-ro, que fazia tudo. Depois de cozinhares quechamavas a dona da casa e dizias-lhe j estpronto! e ela servia e fazia a diviso de comidapara todos. Mas com amizade e alegria, sem

    raiva nem nada.Eu penso que bom ter uma neta como a Ta-mara Silva. A verdade para ser dita, se ela as-sim, ficamos muito contentes. Termos algumassim na Guin, com voz. Talvez assim a nossaterra melhore.Eu ouvi o que a Tamara disse sobre o casamen-to, mas da minha vontade, antes de eu morrer,queria v-la casada e com filhos. Se tu tens fi-

    lhos, sendo tu casada, gostarias que o teu filhotambm casasse, para que as pessoas partici-pem, assim como tu participas nos casamen-tos de filhos de outros, onde levam presentes ese apresentam. Para esses tambm verem isso.Mesmo se no presenciar os filhos delas, pelomenos quero assistir o casamento delas. Umamulher no pode ficar sem ser casada, no.Ento ela tambm no quer ter um filho, para

    lhe pegar ao colo e dizer este o meu filho?

    Sou filha de Ana Jao e de Djai Sanh. Nasci emBolama. Tenho 2 filhos, uma menina e um ra-paz. Cresci em Bissau com a minha me, o meupai e os meus irmos. H muita diferena na-quilo que foi a minha infncia e no que agoraa das minhas netas, so outros tempos. Nspassmos bem, no nos sentamos mal com osnossos pais. A educao era diferente. Ns fo-mos educadas a vender, a minha me tingia ospanos e ns amos vender e entregvamos-lhe o

    dinheiro. Sou a irm mais velha, quando fui ca-sar, o meu irmo mais novo substituiu-me.Casaram-me em Bissau. O homem que se in-teressou por mim, veio pedir a minha mo aomeu pai e minha me e levou-me para o Se-negal. Fiquei com o meu marido at engravi-dar do meu nico filho rapaz, quando estava deoito meses, vim para a Guin ter o beb. Masdepois, o pai do meu filho morreu. Fomos ao

    Senegal para o meu filho receber a herana dopai e regressmos para a Guin. Depois o pai daTabo quis-me. Casei-me e fiquei com ele. Vive-mos muito bem em casa, no nos faltava nada.ramos duas mulheres, a minha cumbossa maisvelha era a dona da casa, eu era a noiva. Ficmosassim. No queria um marido s para mim,partilhvamos o nosso marido sem problema.Se ramos duas, ramos duas, se fossemos trs,

    seramos trs. Cada uma no seu lugar. Quemviesse a ter mais fora, podia viver bem com omarido. Portanto, conforme uma pessoa est

    Fatu Sanh, 74 anos

    Todas as mulheres desejam ter um filho e teros netos. Se hoje me chamam av, se hoje estoucom as minhas netas, a brincar e a conversar,isso porqu? Porque so filhos da minha filha.Se ela acabar de estudar e encontrar o que querpara a vida dela, que arranje um rapaz para ca-sar. Se eu morrer, morro feliz.Perguntam-me sobre o fanadu: o fanadu umacoisa que ns encontramos quando nascemos,que existe desde os nossos bisavs e outros an-

    tepassados. Dizem que se no fores ao fanaduno podes entrar na Mesquita, que as tuas pre-ces e oraes no so atendidas; que por maisque te laves no ficas limpa. Os da Praa queesto a deixar de pratic-lo, mas aqueles dointerior fazem-no e vo fazer sempre. Por maisque se faa tudo, no conseguem acabar comisso. Mesmo na Guin, quando nos reunamospara discutir certos assuntos, quando comea-

    vam a falar de acabar com o fanadu, a reunioterminava, porque os muulmanos iam-seembora. Porque que no acabam com os Irs?No acabam com as cerimnias? Os catlicostm a sua cerimnia, outros levam o cabaz, enenhuma lei consegue impedi-los de fazer isso.Nem que sejas de pele clara, se fores papel, sete chamarem, vais at Guin levar o cabaz. Porisso os muulmanos perguntam-lhes se eles

    que vo acabar com o fanadu. Fanadu, no dehoje que se diz que mau, mas cada um com asua religio, porque como se ns tivssemosfeito um juramento.

    Bias bu ta

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    38/62

    as bu asibi dia di bai, ma bu ka tasibi dia di ribaNas viagens, sabe-se o dia da partida,mas nunca se sabe o dia de regresso.(provrbio guineense)

    Leila Lima 45 anos

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    39/62

    38

    Nasci em 1964, no auge da guerra colonial, emBuba. Os meus pais eram administrativos naGuin colonial mas depois o meu pai foi apa-nhado pela PIDE e preso na Ilha das Galinhas.No me esqueo que amos levar-lhe a comida priso. Foi um perodo traumatizante paramim.Quando o meu pai foi libertado fomos paraMansoa, onde estudei at 3oclasse. Depoisseria transferido para Bissau. Eu tenho trs ir-

    mos da parte da me e quatro da parte do pai.A dada altura a minha me adoeceu muito gra-vemente e teve de ser evacuada para Portugal,onde os mdicos a aconselharam a no voltarpara a Guin.Eu ia para Itlia estudar nessa altura, j tinhatudo preparado, mas depois tive de ir paraPortugal cuidar da minha me. s vezes pen-so como teria sido, se tivesse ido para Itlia...

    Acabei por ir viver com a minha me e o meunamorado, que era msico e j estava em Por-tugal ns tnhamos comeado a namorar emBissau, contra a vontade do meu pai. Fiz o cursode secretariado e comecei a trabalhar. Depoisfui viver para um quarto com o meu namoradoe lembro-me que foi uma experincia terrvel,at tinha de lavar a roupa mo, no tanque,coisa que em Bissau no fazia.

    A minha me depois foi para a Guin pedir odivrcio ao meu pai, que entretanto j tinha ou-tras mulheres e outros filhos. Eu fiquei em Por-tugal e em 1989 engravidei do meu nico filho,o Jorge, que tem o nome do pai e do meu ir-mo. Casei em Abril de 1990 sem muita convic-o e mais por fora dos pais. Gostava de no oter feito pois depois de casada tudo mudou, elemudou e depois no me queria dar o divrcio.Acabei por apanhar uma forte depresso que

    me deixou dependente dos amigos e da famlia.S em 2002 ele me viu to mal que aceitou dar-me o divrcio e eu fui logo para Bruxelas, para

    junto da minha irm, tentar recuperar o nimo.Desde a que eu que arco com todas as des-pesas, sem apoios de ningum. Tive vrios em-pregos, trabalhei na Embaixada do meu pas, nogrupo Sonae, mas em 2001 fui para a FundaoMrio Soares, por intermdio da minha prima

    Iva Cabral (filha de Amlcar Cabral), onde tra-balho at agora, no Arquivo Documental.Onde eu gostei muito de trabalhar foi na Expo98, no pavilho da Guin-Bissau, foi fantsticoe acabei por fazer muitos contactos e ganharbastante dinheiro a vender artesanato africa-no. Gostava muito de ter uma loja de produtosde artesanato, um sonho meu. Se tivesse umcompanheiro eu conseguiria fazer mais coisas

    Durante vrios anos fui me tambm da minhasobrinha Naina, que viveu connosco. Quando aminha irm a mandou buscar foi muito difcilpara mim e para o Jorge, separarmo-nos dela gostam-se como irmos. Foi nessa altura que o

    Jorge comeou a sofrer de epilepsia e isso impe-de-me de voltar para a Guin com receio de noter respostas em termos de sade.

    Estou em Portugal h 25 anos, sinto-me com-pletamente integrada. Mas sei que em geral amulher emigrante africana depara-se com mui-tas dificuldades, quer em termos de emprego edocumentao, quer para acompanhar a edu-cao dos filhos: so mulheres que acordam demadrugada para ir trabalhar, muitas vezes tmdois, trs trabalhos e s regressam noite paracasa. Muitas vezes so rejeitadas pela sociedadeportuguesa, h um racismo encoberto. Eu pes-

    soalmente s tive dificuldades em lidar com aspessoas, que so muito fechadas.Gostava muito de voltar para a minha terra, eul seria mais feliz. Tenho muitas saudades dosmeus familiares, dos meus amigos de infnciae acho que no voltaria a emigrar. Estive recen-temente na Guin para assistir a uma cerim-nia tradicional da minha famlia e foi muitomarcante. Mas h coisas que se mantm e no

    deviam: nunca estive de acordo com a mutila-o genital feminina, o fanadu, de que tantasmulheres e crianas da Guin-Bissau so alvo, terrvel. E o meu pas no tem estabilidadenenhuma Se fossem mulheres a comandar aGuin-Bissau, eu acho que seria uma soluo vi-vel porque at hoje foi sempre comandada porhomens e posso dizer que no deu em nada.As mulheres guineenses no hesitam em atra-

    vessar fronteiras em busca de algo melhor paraos seus. Elas so as minhas heronas. A minhaav materna, Clementina Cabral, foi uma mu-lher que me marcou muito, por ser uma mu-lher forte, uma mulher com garra para criar osfilhos, os netos, os bisnetos...

    Leila Lima, 45 anos

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    40/62

    Na luzdos teus olhosvejo Veneza

    que no conheo(T. Tcheka, 1996, Imerecimento)

    Tamara C 28 anos

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    41/62

    40

    Nasci em Bissau a 27 de Agosto de 1981. A

    minha me era parteira e foi transferida paraCantchungo, onde passei uns bons anos da mi-nha infncia. Quando eu tinha 4 anos a minhame foi estudar medicina para a Rssia comuma bolsa de estudos e at aos nove anos eu vivis com o meu pai. Para falar verdade, eu s melembrava que tinha uma me quando ouvia omeu pai chorar no Natal, porque no quotidianono sentia muito a sua falta.

    Na ausncia da minha me, o meu pai teveoutras relaes e tenho cinco irmos de outrame. Ele era manjacoe a minha me manca-nha. Quando a minha me viajou para a Rssiano sabia que estava grvida do meu irmo e sregressou definitivamente em 1991. No tempoque esteve fora, a minha me visitou-nos duasvezes deixava saudades e criava-me fortes la-os com ela. Eu j vivia com a minha av.

    S em 1993, j com a minha me na Guin, que os meus pais se casaram e depois tiveram oterceiro filho. Mas a partir de 1994 a vida da mi-nha famlia e a minha, mudou drasticamente. Aminha me partiu os ps e esteve em coma, noconseguia curar-se ela que gosta de ser muitocientfica, mesmo sendo mdica, chegou a re-correr aos curandeiros. Logo depois, o meu paifoi parar ao Hospital por causa de uma verruga

    (na Guin chamamos de mandita) e acaboupor ficar internado no Hospital, onde faleceude forma triste em 1997. Foi muito difcil paramim. Sinto muita dificuldade ainda em falarsobre isso.

    Tamara C, 28 anos

    Eu sempre gostei da escola. Fiz o jardim de in-

    fncia em Cantchungo numa escola de padres,depois quando fui para Bissau e andei na Escola19 de Setembro onde fiz a quarta classe. De-pois entrei para o Ciclo na Escola Salvador Al-lende, tenho muitos amigos que so desta altura.Era uma aluna muito irrequieta, estava semprena fila da frente e destacava-me tambm pelasnotas. Fui para o Liceu Kwame Nkruman ondeestudei at ao 9oano, que no cheguei a concluir

    por causa da guerra civil de 1998.Nessa altura, comecei a trabalhar na Cruz Ver-melha, a tentar fazer algo para ajudar as pessoasvtimas daquela situao. Finda a guerra, fuiestudar para uma escola privada para concluir o9oano e depois voltei para o Liceu onde estudeiat ao 11oano.S em 2003 vim para Portugal, na verdade vimpor motivos de sade, mas acabei por ficar por-

    que queria muito estudar. Sem documentos esem apoios, lutei muito para entrar na Univer-sidade e continuo a lutar porque no consigobolsa de estudos e tenho de trabalhar ao mesmotempo, para pagar a casa, a faculdade, e outrasdespesas. Mas no por isso que deixo de ar-riscar nos meus sonhos. Estou a tirar Gesto eAdministrao Pblica no ISCSP.Na minha famlia as mulheres sempre foram

    independentes, a minha me j trabalhavacomo enfermeira quando eu nasci. Na Guin-Bissau o nvel de desigualdade das mulheresdepende tambm da etnia a que pertencem.

    Por exemplo, eu tinha colegas meus da escola

    que viviam em casas grandes, com vrias mes.Lembro-me de saber de meninas da minhaescola que no eram de etnia muulmana efugiam para irem ao fanaducom as amigas edepois arrependiam-se. A minha me, que enfermeira, conta muitos casos de mulherescortadas no fanaduque tm hemorragias gra-ves no parto e que acabam por morrer. Tinhatambm muitas colegas que ficavam envergo-

    nhadas, traumatizadas, por terem passado pelofanadu. O prprio segredo, a cultura que secriou volta, transmite algo de muito negativoe traumatizante.Sou, claro, pela emancipao da mulher, mash coisas que acho que a mulher no deve per-der. Eu por exemplo, ainda sonho em entrar naIgreja de vu e grinalda! Temos tambm de sertolerantes com os homens em certos aspectos,

    mesmo para mantermos uma vida conjugalpacfica. Mas isso no significa que temos de sersubmissas!Eu estive sempre ligada ao Associativismo Ju-venil. Em Portugal fui membro da Direco daAssociao de Estudantes Guineenses e fizemosmuitas iniciativas interessantes. Sou dinmica egosto de ser independente. Agora estou a tirar acarta e j comprei um carro a uma amiga.

    A minha inteno acabar o curso e voltar paraexercer na Guin-Bissau. O meu sonho sergestora, eu gosto! Quero dar a minha contri-buio.Dizem que sou um bocadinho mandona desdepequenina, no gosto que mandem em mim...

    badjuda ku ta masa tchon sabi

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    42/62

    badjuda ku ta masa tchon sabitok i ta nhi-nhac

    sakudi kurpusuma pumba nobu

    ora ku i na nina bentu pa buaRapariga que caminha bonito/ ao ponto de fazernhic-nhac/ sacode o corpo, como pomba criana,

    quando embala e mima o vento para conseguir voar(T. Tcheka, 2008, Koti-Koti )

    Magda Fernanda, 37 anos

  • 7/22/2019 Album Storias Di Mindjeris Completo

    43/62

    42

    Magda Fernanda, 37 anos

    Nasci em Junho de 1971 em Bafat, vim para

    Bissau onde vivi at aos cinco anos. Depois vol-tei para Bafat, no leste do pas, onde passei ainfncia e adolescncia e estudei at ao 9 oanodo liceu. O meu pai filho de pai portugus eme Balanta da Guin-Bissau, a minha me filha de me cabo-verdiana e pai guineense.Lembro-me que no liceu faziam brincadeirasde mau gosto, por causa da minha cor mais cla-ra, me diziam s cabo-verdiana vai para Cabo

    Verde com Lus Cabral, vai embora, depois doNino ter dado o golpe de estado no Lus Cabral,o primeiro presidente.Vim para Bissau terminar o liceu, para casa deparentes e foi muito complicado: aqui todosestavam habituados a fazer s uma refeio pordia e eu tive de me adaptar. Conheci o meu ma-rido, Fernando Mota, de Bolama e ele ajudou-me muito no podia levar nada para casa dos

    parentes, seno f