agronomia / aluz y' i •• vem do...

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" AGRONOMIA y' / Aluz vem do Oriente Ibn AI Awan representa a paternidade árabe da ciência agronômica com seu livro de 1.500 páginas. Evaristo Miranda (*) N OS últimos 10 anos, o Oci- dente despertou brusca- mente para a existência e a importância do mundo árabe-muçulmano. Não só através da crise do petróleo, mas também pelas mudanças e transformações que vêm atingindo países como Irã, Egito, Afeganistão, Indonésia, etc. Nesse período também, pela primeira vez na história, o número de muçulmanos teria ultrapassa- do o de cristãos. Ao contrário do cristianismo, o Islã segue em fran- ca progressão geográfica, sobre- tudo na África negra e na Ásia. Essa série de acontecimentos vem sendo apresentada no Oci- dente com interpretações errô- neas, tendencíosas e paradoxais. Ao mesmo tempo em que são mostradas as profundas ligações econômicas do mundo ocidental com os países árabe-muçulmanos (petróleo, venda de armas, etc.), denuncia-se a imensa distância sócio-cultural que os separa. PRESENÇA ÁRABE No caso do Brasil, o segundo aspecto é lamentável. Além da importância e presença real e (*) Evaristo Eduardo de Miranda é agrônomo, doutor em Ecologia e coorde- nador do programa "avaliação dos recur- sos naturais e sócio-econômicos do trópi- co semi-árido", do CPATSAlEmbrapa, Pe- trolina, PE. As fotos que ilustram este artigo são da Tunísia. I ! , •• at u a I da imigra ç ão árabe- muçulmana no país, os brasileiros herdaram historicamente um grande legado da parte mediterrâ- nica dessa civilização. A visão na- cional da contribuição da cultura arabo-islâmica tem sido oculta e distorcida por silêncios e esterió- tipos. E não é de agora: isso acon- tece desde a reconquista da pe- nínsula ibérica pelos cristãos (a América foi descoberta no mesmo ano da retomada de Granada). A contribuição árabe foi mais marcante - sem dúvida - na agricultura. Basta ver a presença indelével dessa influência na ori- gem do nome de produtos agríco- las importantes como café, arroz, açúcar, laranja, algodão ... Ou em medidas associadas a eles - al- queire, arroba, almude. A civiliza- ção arabo-muçulmana tinha de- senvolvido uma agricultura prós- pera e de alto nível tecno,lógico em regiões áridas e semi-áridas. Não é fortuito que ela marque ainda hoje, com termos triviais, o mundo rural do Nordeste brasilei- ro: rês, gibão, açude, amofinar, cuscuz, ciranda, etc. Essa agricul- tura próspera resultava em grande parte da elaboração de novas téc- n i cas pelos agrônomos árabes, cujas obras são praticamente des- conhecidas no Brasil. Ibn AI Awan, por exemplo, é totalmente desconhecido dos agrônomos 22 JUNHO/82

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Page 1: AGRONOMIA / Aluz y' I •• vem do Orienteainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/179881/1/Raizes-v.8... · No caso do Brasil, o segundo aspecto é lamentável. Além da importância

" AGRONOMIAy'

/ Aluzvem doOriente

Ibn AI Awanrepresenta a paternidade

árabe da ciênciaagronômica com seu

livro de 1.500 páginas.

Evaristo Miranda (*)

NOS últimos 10 anos, o Oci-dente despertou brusca-mente para a existência ea importância do mundo

árabe-muçulmano. Não só atravésda crise do petróleo, mas tambémpelas mudanças e transformaçõesque vêm atingindo países comoIrã, Egito, Afeganistão, Indonésia,etc. Nesse período também, pelaprimeira vez na história, o númerode muçulmanos teria ultrapassa-do o de cristãos. Ao contrário docristianismo, o Islã segue em fran-ca progressão geográfica, sobre-tudo na África negra e na Ásia.

Essa série de acontecimentosvem sendo apresentada no Oci-dente com interpretações errô-neas, tendencíosas e paradoxais.Ao mesmo tempo em que sãomostradas as profundas ligaçõeseconômicas do mundo ocidentalcom os países árabe-muçulmanos(petróleo, venda de armas, etc.),denuncia-se a imensa distânciasócio-cultural que os separa.

PRESENÇA ÁRABE

No caso do Brasil, o segundoaspecto é lamentável. Além daimportância e presença real e

(*) Evaristo Eduardo de Miranda éagrônomo, doutor em Ecologia e coorde-nador do programa "avaliação dos recur-sos naturais e sócio-econômicos do trópi-co semi-árido", do CPATSAlEmbrapa, Pe-trolina, PE. As fotos que ilustram esteartigo são da Tunísia.

I !, ••

at u a I d a i m i g r a ç ã o á r a b e -muçulmana no país, os brasileirosherdaram historicamente umgrande legado da parte mediterrâ-nica dessa civilização. A visão na-cional da contribuição da culturaarabo-islâmica tem sido oculta edistorcida por silêncios e esterió-tipos. E não é de agora: isso acon-tece desde a reconquista da pe-nínsula ibérica pelos cristãos (aAmérica foi descoberta no mesmoano da retomada de Granada).

A contribuição árabe foi maismarcante - sem dúvida - naagricultura. Basta ver a presençaindelével dessa influência na ori-gem do nome de produtos agríco-las importantes como café, arroz,

açúcar, laranja, algodão ... Ou emmedidas associadas a eles - al-queire, arroba, almude. A civiliza-ção arabo-muçulmana tinha de-senvolvido uma agricultura prós-pera e de alto nível tecno,lógicoem regiões áridas e semi-áridas.Não é fortuito que ela marqueainda hoje, com termos triviais, omundo rural do Nordeste brasilei-ro: rês, gibão, açude, amofinar,cuscuz, ciranda, etc. Essa agricul-tura próspera resultava em grandeparte da elaboração de novas téc-n icas pelos agrônomos árabes,cujas obras são praticamente des-conhecidas no Brasil. Ibn AIAwan, por exemplo, é totalmentedesconhecido dos agrônomos

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Fri·Bibe, a natureza em forma de raçIo.

11III11111 II111~FRI·RIBE

Racoes, Concentrados e Minerais

FÁBRICA l/SEDE - PITANGUEIRAS. SP - FÁBRICA 2 - ANÁPOLlS. GO - FÁBRICA L1 - MACEIÓ. AL - DISTRIBUIDORES:SP. Aguaí. Araraquara. Batatais. Baurú, Bebedouro. Casa Branca. Cravinhos. Fartura. Gualra. Indiaporã. ttuverava,Leme. Macoca. Pirassununga. Ribeirão Preto. Socorro e Tambaú . MG.Alpin6polis,Araxá, Boa Esperança, Campos AI~o$, Carmo do Rio Claro, Cãssia, Formiga, Gulmarânea. Lavras, Oliveira, Pains, Paracatú, Paraguaçú, Passos, Patos de Minas,Perdlles, Poços de Caldas, Santo Antonio do Monte, Trés Corações, Três Pontas, Uberaba e Uberlandia . GO. Anápóds, Buriti Alegre, Golenézta, Goiéfnía, Goiás, Gurupi, Ipameri. Luz~nia, Mineiras. Pires do Rio, Porto Nacional, Ouirin6polis,

Rubiataba, Uruaçú e Vian6polis. MS. Barra do Garças. Campo Grande e Dourados. DF. Brasüia . BA. Salvador. AL. Maceió . CE. Fortaleza. AP. Macapá. PA. Belém.

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brasileiros. Considerado pai oupatrono da agronomia (o equiva-lente de Hipócrates para a medici-na), Ibn Awan foi um agrônomoárabe-andaluz que morreu em Se-vilha em 1145.

TEORIA CIENTIFICA

Numerosas obras de autoresgregos e latinos trataram parcial-mente de reunir os conhecimen-tos disponíveis sobre as técnicasagrícolas. Chegaram algumas ve-zes a alguma reflexão mais abstra-ta sobre o processo de geração eutilização da tecnologia agrícola.

I Entre os gregos, destacam-se He-

Isíodo ("Trabalho e Dias"), Aristó-teles ("História dos Animais"),

ITeófraste ("História das Plantas"),Erastósteno de Cirena ("Tratados

Ide Astronomia"), Aratos de Soles("Fenômeno") e Nicandro de Co-lofan ("Tériacos"). Entre os .latl-

I nos, convém citar Catão o Antigo

I("Da Agricultura"), Varron de Rea-ta ("Res Rusticae"), Cícero, Colu-meio e Virgílio ("Geórgicas").

Todavia, por mais importan-tes que sejam essas obras e so-bretudo a do cartaginês Magon(28 volumes), nenhuma pode ser

Iconsiderada como científica nosentido moderno do termo (como

I é o caso dos trabalhos de Ibn AI! Awan). Um dos grandes traços da

Iciência moderna é o experimen-tal. A partir daí, é tentador pensar

I que o pensamento empírico tenhaum papel importante, senão cru-cial, na gênese da ciência moder-na. Egípcios e babilônicos, entre-tanto, fizeram numerosas obser-vações em astronomia, por exem-plo, sem gerar uma ciência astro-

I nômica. Graças a certas receitasde cálculo, eles podiam "predi-zer" alguns fenômenos astronô-micos (eclipses, etc). Mas geral-mente os historiadores não admi-tem que essa astronomia tenhaengendrado, sensu stricto, algu-ma teoria astronômica.

BASES CRIADAS

o paradoxo fundamental éque a experiência não é nadaenquanto não dialeticamenteguiada, interpretada e sistemati-zada através de idéias teóricas(Thuillier, 1980). Na área de zoolo-gia e medicina, a Grécia antigaconheceu, através de Aristóteles e

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-(AGRONOMIA)I----------- --

Jarras e potes para irrIgação

Hipócrates, pesquisas realizadascom espírito experimental. Filóso-fos ou pensadores enamoradosda especulação intelectual, osgregos chegaram a imaginar vas-tos sistemas teóricos explicativos(Demócrito, Platão, Aristóteles,etc), sem confrontá-Ios com osfatos experimentais. Os fatoseram utilizados simplesmente co-mo confirmação da teoria (Lloyd,1979), cujo debate era levado deum modo distante e não-dialéticocom as experiências.

E em agronomia e geração detécnicas e tecnologias agrícolas?Somente a civilização arabo-islâmica criou as bases de umaciência agronômica, ultrapassan-do a simples acumulação de co-

I nhecimentos empíricos. Para isso,

combinou imensa experiênciaasiática com a riqueza e diversida-de do conhecimento mediterrâni-co. De fato, durante o longo perío-do de presença árabe na Europa,a agricultura mediterrânea conhe-ceu aperfeiçoamentos e comple-xificação sem precedentes.

JARDINS DE ENSAIOS

Uma das mais célebres figu-ras que contribuíram através dapesquisa agronômica a esse pro-g resso foi o ag rônomo árabe-andaluz Ibn AI Awan. A partir depráticas que integravam os co-nhecimentos locais e o know-howárabe, Ibn AI Awan forjou váriosconceitos agronômicos originais.E deu origem realmente à agrono-

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Cisterna para abastecer Kalruan, construfda há séculos

Comércio: jarras e potes

mia como ciência da observação eda experimentação. Ele abriuperspectivas para a elaboração deconceitos novos e a interpretaçãoracional das práticas correntes eempíricas, dominadas durantemuito tempo pelos ritos e supers-tições (Amami, 1977). Um exem-plo típico foram as experimenta-ções que ele realizou com diver-sas técnicas e instrumentos dearação. Elas deram à aração umabase material e racional, liberan-do-a dos sentidos místicos e so-brenaturais que a cercavam.

"O Livro da Agricultura", es-crito por Ibn AI Awan, é um verda-deiro tratado de agronomia comcerca de 1.500 páginas. É o resul-tado da leitura mais completa pos-sível dos autores gregos, latinos,

egípcios, caldeus, persas, etc.sustentada por experimentaçõesrealizadas na região de Granada eSevilha. As técnicas identificadasatravés de leitura, Ibn AI Alwanagregava os conhecimentos lo-cais. E, então, sem nenhum pre-conceito, testava-as nas residên-cias e palácios dos califas de Sevi-lha. Esse apoio necessário à expe-rimentação e teste de suas técni-cas fazia tais locais funcionaremcomo "jardins de ensaios" e "es-tações experimentais".

dução agrícola, particularmentecom relação à água. Desde suaépoca, Ibn AI Awan foi reconheci-do como verdadeiro pai da agro-nomia. Em sua obra "Prolegôme-nos", Ibn Khaldoun indica-o comoautor de um tratado de agriculturaque eliminou todas as prescriçõessupersticiosas e talismânicas dossistemas de cultivo. A obra de IbnAI Awan é composta de 35 capítu-los em três volumes. Eis alguns deseus tópicos principais:

No primeiro capítulo sobresolos, são identificados cerca de12 categorias de solos, cuja ori-gem é explicada pela desagrega-ção das rochas e sua decomposi-ção através da ação da água e docalor. As características que ser-vem para indicar uma boa terrasão minuciosamente descritas,assim como os métodos de recu-peração e melhoramento das ter-ras consideradas ruins ou inaptasà agricultura.

O segundo capítulo trata defertilizantes. Além de uma classifi-cação dos diversos tipos e dastécnicas possíveis para prepara-ção de diversos compostos orgâ-nicos, fornece indicações sobre autilização de margas e calcários.São analisadas as épocas maisconvenientes de aplicação de fer-tilizantes, e as árvores e plantasque se acomodam ou não aosdiversos tipos de fertilização. Ocapítulo terceiro é sobre irriga-ção, fala da água e de seus diver-sos tipos, sua adequação a cadatipo de planta. Trata-se ainda daconstrução de poços, do nivela-mento das terras e de várias técni-cas e métodos de irrigação (sub-mersão, quadros, potes, etc).

DIVISÃO PRÁTICA

FERTILIZANTES

Assim, os agrônomos andalu-zes atingiram um grande desen-volvimento no controle do mate-rial vegetal e dos fatores de pro-

É interessante notar, como in-dica Mullet, que a concepção dosorientais identifica a árvore comoum homem de cabeça para baixo.Na agricultura nabateana, a raiz eo tronco da árvore correspondiamà cabeça e tronco do homem, osramos aos braços e pernas (ovegetal tirava sua substância dofundo do solo). Plínio assimilava aárvore a um animal - a casca évista como a pele, etc. Os gregosatribuíam também uma alma ve-getativa às árvores. Muitas dessascrenças subsistem até hoje: plan-

RAíZES 25

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w--------------t AGRONOMIAtas que reagem à inveja, que pro-tegem a casa. Haviam tambémdivisões astrológicas das plantas:árvores da lua, solares ou sob ainfluência dos sete planetas.

Ibn AI Awan impõe uma divi-são prática e utilitária das árvores(frutíferas, forrageiras, que produ-zem madeira de qualidade, essên-cias, etc). Em muitos casos, eledistingue a reprodução sexuadanas árvores - o capítulo XIII desua obra se intitula "fecundaçãoartificial das árvores". Sua obratrata detalhadamente da culturade 151 espécies de árvores abor-dando minuciosamente técnicasde propagação, meios de multipli-cação, plantação, conduta, poda,enxertia e tratamentos fitossanitá-rios. O capítulo XVI trata da con-servação dos frutos e sementes:evoca desde os cuidados na co-lheita até as precauções recomen-dadas na conservação dos frutosfrescos ou secos. Depois, são in-dicadas várias técnicas que per-mitem transformar certos frutosnão-comestíveis em alimentos,sobretudo em caso de penúria.

MELOES, PEPINOS, ETC

Na parte de plantas têxteis, oalgodão, o linho e o hibiscus sãoestudados. No caso do algodão,Ibn AI Awan estuda particularmen-te o tipo herbáceo Gossipium her-baceum. L., mas fala também doalgodão arbóreo Gossipium viti-folium L. Sua descrição dos siste-mas produtivos de algodão foiespecialmente traduzida para ofrancês com o objetivo de orien-tar, nos fins do século XIX, acultura do algodão nas posses-sões francesas da África (Mullet,1977). Nessa mesma parte do li-vro, encontram-se observaçõessobre as culturas forrageiras eparticularmente sobre a alfafa(Medicago sativa L.).

Nas culturas de jardim, sãotratadas as plantas olerícolas,"verduras", plantas aromáticas eornamentais, plantas com aplica-ções farmacêuticas. Além disso,um vasto espaço é consagrado àscucurbitáceas: melões, melan-cias, abóboras e pepinos, dos ti-pos mais diversos. Muitas varieda-des eram serneadas em estufaspara a obtenção de melões preco-ces, por exemplo. Na obra, não

Entre tunlalanoe, 8 conqulste árabe

J

existe um só artigo sobre plantasolerícolas ou comestíveis que nãoindique vários procedimentos emodos de preparação culinária.Para cada cultura estudada, há odetalhamento do sistema de culti-vo, as naturezas de solo conve-nientes e dos diversos tipos defertilizantes apropriados. Mais:cada artigo é acompanhado deuma tentativa de sinonímia, muitoimportante no caso da família dasrosáceas, por exemplo.

CALENDÁRIO SOLAR

A P r e s e n ç a d a c a n a - d e-açúcar entre os vegetais cultiva-

I

dos na Espanha árabe forneceuma data precisa sobre a épocade sua introdução na Europa. Oscapítulos relativos aos cereais sãoos mais longos de sua obra. Sobreo tempo, as populações muçulma-nas seguem o calendário lunarcomo era utilizado no tempo deMahomet. O começo de cada anovaria todos os anos. Os trabalhosagrícolas organizados pelo calen-dário solar levaram Ibn AI Awan acompletar seu trabalho criandoseu calendário solar. No começode cada mês, são dados os nomesequivalentes dos meses latinos,sírios e mesmo persas. Seu calen-dário é acompanhado de observa-

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ções e prognósticos meteorológi-cos de dois tipos: para o dia se-guinte ou da manhã para a tarde epara vários dias ou meses. Ossinais precursores são classifica-dos entre os de primeira ordem eos secundários. Vários' tipos dechuvas são classificadas e o pará-grafo dedicado aos ventos descre-ve uma rosa de 16 ventos.

Na parte animal, com exceçãodos suínos, todos os animais do-mésticos são estudados segundouma lógica bastante constante:escolha dos animais, seleção, re-produção, estabulação, alimenta-ção e aspectos sanitários. Os ca-valos, paixão conhecida dos ára-bes, estão em um tomo inteiro(são três) da obra de Ibn AI Awan.Seleção, raças, reprodução, ali-mentação, educação, manejo, etc.Cento e onze enfermidades sãodescritas no capítulo XXXIII.

CONDiÇÕES HISTÓRICAS

A propósito, o título deste ca-pítulo merece ser citado: "Trata-mento de algumas das doenças

que sobrevêm aos cavalos nasdiversas partes do corpo. (...) Sin-tomas e diagnósticos para asdoenças; remédios. Esta parte daciência é a Medicina Veterinária".O grifo é de Ibn AI Awan. Já aúltima parte de seu livro sobreanimais trata de avicultura (umparágrafo é dedicado à incubaçãoartificial dos ovos) e no sentidoamplo (pombas, galinhas, pavões,patos :e gansos). O artigo 111docapítulo trata da fabricação defoie gras com o fígado de patos. Eo último artigo, que encerra otratado, é dedicado à apicultura.

A obra de Ibn AI Awan refleteas condições históricas que per-mitiram à agronomia andaluza umprogresso tal que iria marcar aagricultura européia até o séculoXIX. De fato, quando da expansãocolonial francesa na África, suasobras foram traduzidas para ofrancês e comentadas.

soa I dos fenômenos naturais, ba-seada na experimentação, conser-vou um caráter científico singular.Nesse sentido, é interessante no-tar que o progresso da agronomiaandaluza foi favorecido pelas con-dições sócio-econômicas e políti-cas caracterizadas pela descen-tralização regional dos poderesde decisão.

A proximidade entre gover-nantes e governados permitia umdesenvolvimento das técnicasagrícolas e das iniciativas locais.Era tradição que os micro-califasencorajassem as ciências e es-pecialmente as de caráter aplica-do como a agronomia. No Marro-cos, uma revista de agronomiaanáloga à "Bragantia" no Brasil,chama-se "AI Awamia". A obra deIbn AI Awan representa um exem-plo importante para os agrôno-mos de hoje, sobretudo os envol-vidos com pesquisa agropecuária.Além dos aspectos técnicos, elarevela a importância do contextosocial e político no processo degeração e adoção de tecnologiaagrícola.:Z ~.

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GOVERNANTES/GOVERNADOS

Ibn AI Awan morreu no ano1145. Mas sua interpretação pes-