agricultura familiar e pluriatividade

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 AGRICULTORES FAMILIARES E PL URIATIVIDADE: TIPOLOGIAS E POLÍTICAS Maria José Carneiro Introdução : alguns esclarecimentos metodológicos  A idéia de classificar e de construir tipologias que distingam e organizem a sociedade é tão antiga quanto a própria existência das sociedades humanas 1 . Como pr imeiro esforço de apreen são e compreensão do que es em Seu entorno o homem atri!ui sentido " realidade e ao aparente caos que o cerca esta!elecendo uma ordem entre os o!#etos e as pessoas. Contudo esse esforço de classi fica ção necessário " pró pria $id a soc ial que resulta em sistemas ar! itrariament e con str u%dos não se con fun de com a soc ieda de &'ur(heim e )auss *+,+-. o entanto é recorrente que os construtores destes sistemas o tomem como sendo a ppria realidade e que tais classific aç/es institucionalizadas se#am to madas como a realidade social. 0 importante ter em mente que as categorias classificatórias são construç/es da mente humana e como tal é produto da sociedade mas não têm uma relação causal imediata com a realidade o!ser$ada nem resulta o!rigatoriamente de uma necessidade ut ilit ári a &1é$i2Str auss *+3+-. Saindo do social para a interpretação teórica das socieades as tipologias ou classificaç/es nos termos de 4e!er apesar de não se refiram " realidade emp%rica são constru%das em conformidade com esta encontrando nas relaç/es sociais a matéria2prima para essas construç/es a!stratas. 0 importante enfatizar que em nenhum caso esse modelo pode ser reduzido a um con#unto de relaç/es sociais o!ser$á$eis em uma realidade dada &1é$i2Str auss *+,5-. 0 necessá rio !usc ar o significado dos fatos e das relaç/es sociais &de tra!alho por exemplo- na sua posição na totalidade que se apresentam de forma sistêmica de maneira que cada parte não pode ser entendida isoladamente da outra. esse sentido os princ%pios que sustentam uma ordem classificatória são em certa medida definidos ar!itrariamente pela sociedade dentro de um campo de disputa pol%tico2cultural de legitimação. Ao ser legitimada urna dada estruturação pode assumir o lugar da 6realidade6 e da 6$erdade6 do senso comum ou de um campo espec%fico de conhecimento. 7ssas duas caracter%sticas a ar!itrariedade da lógica de ordenação e a noção de sistema presentes em todo esforço de classificação são pontos de partidas fundamentais para a discussão e proposta de qualquer modelo de classificação.  A a!ordagem e interpretação da realidade pressup/e portanto a escolha de uma es truturaçã o teóri ca que irá definir os pri nc%pi os de ar ticula ção entre os componentes do sistema ou se#a a maneira como a!ordaremos um tal grupo uma dada sociedade. ão há uma estrutura ção mais verdadeira do que outra tratemos de alternati$as que irão orientar nosso olhar de maneira a enfatizar ou ao contrári o a menos pr ez ar det er minados aspectos da realidade. As 1  7ste artigo é parte de um texto intitulado 68ol%tica de 'esen$ol$imento e o 9o$o )undo :ural9 apres entado no Seminário 65 o$o :ural6 coordenad o pelo 8rof. ;osé <ra ziano da Sil$a que ocor reu no =.7. da >nicamp em março de *+++. Ag radeço a leitura cr %tica e as $aliosas contri!uiç/es de :o!erto )oreira e ;osé <raziano da Sil$a " $ersão original.

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AGRICULTORES FAMILIARES E PLURIATIVIDADE: TIPOLOGIAS E POLTICAS

AGRICULTORES FAMILIARES E PLURIATIVIDADE: TIPOLOGIAS E POLTICAS

Maria Jos Carneiro

Introduo: alguns esclarecimentos metodolgicos

A idia de classificar e de construir tipologias que distingam e organizem a sociedade to antiga quanto a prpria existncia das sociedades humanas. Como primeiro esforo de apreenso e compreenso do que est em Seu entorno, o homem atribui sentido realidade e ao aparente caos que o cerca estabelecendo uma ordem entre os objetos e as pessoas. Contudo, esse esforo de classificao, necessrio prpria vida social, que resulta em sistemas arbitrariamente construdos, no se confunde com a sociedade (Durkheim e Mauss, 1979). No entanto, recorrente que os construtores destes sistemas o tomem como sendo a prpria realidade, e que tais classificaes, institucionalizadas, sejam tomadas como a realidade social.

importante ter em mente que as categorias classificatrias so construes da mente humana e, como tal, produto da sociedade, mas no tm uma relao causal imediata com a realidade observada nem resulta obrigatoriamente, de uma necessidade utilitria (Lvi-Strauss, 1989). Saindo do social para a interpretao terica das socieades, as tipologias ou classificaes, nos termos de Weber, apesar de no se refiram realidade emprica, so construdas em conformidade com esta, encontrando nas relaes sociais a matria-prima para essas construes abstratas. importante enfatizar que, em nenhum caso, esse modelo pode ser reduzido a um conjunto de relaes sociais observveis em uma realidade dada (Lvi-Strauss, 1970). necessrio buscar o significado dos fatos e das relaes sociais (de trabalho, por exemplo) na sua posio na totalidade, j que se apresentam de forma sistmica, de maneira que cada parte no pode ser entendida isoladamente da outra.

Nesse sentido, os princpios que sustentam uma ordem classificatria so, em certa medida, definidos arbitrariamente pela sociedade dentro de um campo de disputa poltico-cultural de legitimao. Ao ser legitimada, urna dada estruturao pode assumir o lugar da "realidade" e da "verdade" do senso comum, ou de um campo especfico de conhecimento. Essas duas caractersticas, a arbitrariedade da lgica de ordenao e a noo de sistema, presentes em todo esforo de classificao, so pontos de partidas fundamentais para a discusso e proposta de qualquer modelo de classificao.

A abordagem e interpretao da realidade pressupe, portanto, a escolha de uma estruturao terica que ir definir os princpios de articulao entre os componentes do sistema, ou seja, a maneira como abordaremos um tal grupo, uma dada sociedade. No h uma estruturao mais verdadeira do que outra, tratemos de alternativas que iro orientar nosso olhar de maneira a enfatizar ou, ao contrrio, a menosprezar determinados aspectos da realidade. As classificaes servem, portanto, a determinadas ideologias, ou seja, a determinados interesses sobre o social, j que a essa forma de perceber a realidade encontram-se, normalmente associadas prticas e propostas de interveno. Aceitar a relatividade ideolgica de uma classificao tipolgica no significa, porm, abolir rigor conceptual e metodolgico mas estarmos atentos para os limites do conhecimento sobre a realidade. Nesse sentido, a melhor estruturao, ou o melhor modelo, seria aquele que sendo tambm o mais simples, d conta da explicao do conjunto dos fatos selecionados pela observao e, principalmente, seja capaz de legitimar-se como a melhor representao possvel da realidade.

Normalmente, os motivos que orientam uma ou outra escolha no so revelados, dando margem uma leitura positivista da abordagem terica como se a ela correspondesse realidade em si mesma e fosse portanto "mais verdadeira do que outra. Em um esforo de pesquisa preciso termos em mente que a cada tipo de escolha ganhamos e perdemos algum aspecto da capacidade ele compreenso da sociedade. Resta-nos definirmos com clareza e transparncia a nossa posio, ou seja, os interesses os objetivos que iro nortear nossa aproximao da realidade.

No que nos interessa particularmente neste estudo - a incorporao das atividades no agrcolas dinmica da agricultura familiar - caberia esclarecer que, da perspectiva relacional e holstica, o significado das atividades, no-agrcolas dever ser buscado na posio que elas ocupam no conjunto da economia familiar, levando-se em conta as estratgias familiares de reproduo social e, sobretudo, o contexto scio-econmico em que se insere.

Nesse sentido, a noo de pluriatividade no designa um fenmeno especfico, assim como o termo pluriativo no define uma nova categoria social no meio rural. Existem diferentes possibilidades de se associar a atividade no agrcola no interior da unidade familiar agrcola, que implica diversidade de significados que este tipo de combinao poder assumir na reproduo social e, conseqentemente, na posio de cada unidade familiar na estrutura social na agricultura. A pluriativdade, nesta perspectiva interpretativa, no um fato positivo, um tipo, e sim uma noo que designa um processo social plural, o que significa reconhecer processos pluriativos incorporadores de atividades no agrcolas como constitutivos da prpria dinmica social da agricultura familiar. Esta percepo da pluriatividade como um processo social nos capacita a perceber a coexistncia de processos sociais distintos, e at mesmo contraditrios, definidos pelo campo de possibilidade de realizao dos projetos familiares. Por campo de possibilidade entende-se o espao para formulao e implementao de projetos, no caso, definido pela combinao das condies scio-econinicas e fatores peculiares s unidades familiares, tais como: o capital cultural, o capital material, a fase do desenvolvimento do grupo domstico, composio etria e sexual dos membros da unidade familiar e posio dos indivduos que desenvolvem a atividade no agrcola na hierarquia familiar.

Nesses termos, a delimitao do objeto de estudo pela noo de pluriatividade, coisificada, ou positiva - ou ainda como um tipo ideal especfico - acabaria por desviar o foco de anlise para prticas ou atividades que, apreendidas de maneira isolada, no explicariam o fenmeno em curso. Na direo contrria a este tipo de abordagem, sustentamos que a complexidade do processo de transformao recente no mundo rural brasileiro, que se traduz em uma heterogeneidade das formas de organizao social e da produo, s pode ser entendida se orientarmos a anlise para as relaes entre os agentes sociais na dinmica de reproduo social.

Falar em agricultura familiar pluriativa, requer ainda incorporar a complexidade das relaes sociais que definem e redefinem a famlia. Nesta perspectiva, toma-se necessrio redefinir tambm o universo de observao, privilegiando-se a famlia, como unidade social, e no apenas como unidade de produo como normalmente tem sido considerada quando o assunto a agricultura familiar.

O pressuposto aqui o de que o ncleo farrliar o que d seritido de orientao (e de referncia) s relaes sociais. Ao mesmo tempo em que cria e reproduz valores socializados e inculcados nos indivduos, a famlia tambm supe um processo de individuao que pode negar, romper, modificar e, at mesmo recriar, valores num espao de negociao e de tenses. Nesse sentido, o ncleo familiar no pode ser concebido como uma estrutura rgida e cristalizada - de indivduos e valores - mas sim como uma estrutura flexvel, plstica, que pode incorporar novos valores e criar novas percepes e prticas. Em suma, aceitar esta noo de famlia e reconhecer a idia de dinmica fundamental para se evitar o risco de estabelecermos classificaes rgidas, de base morfolgica, que perdem justamente a capacidade de entender a insero das unidades familiares na economia e na sociedade, captando a sua flexibilidade e vulnerabilidade. No entanto, essa dinmica no pode ser entendida meramente como um conjunto de condies de ordem econmica, cultural e poltica que determinariam rigidamente o espao da agricultura familiar. Do nosso ponto de vista, necessrio levar em conta a dinmica interna, atribuda pelo prprio carter familiar da organizao social, que possibilita a essa forma social uma certa margem de autonomia na formulao das estratgias reprodutivas e na articulao com as condies externas. importante enfatizar que a idia de autonomia no implica a formulao consciente das estratgias a serem implementadas pelo grupo familiar nem a independncia em relao s condies internas. Mas, diferentemente do trabalhador assalariado, a unidade familiar de produo, por ser sustentada pela ntima relao entre relaes de trabalho e laos de parentesco, apresenta maior margem de negociao interna na elaborao de caminhos alternativos de reproduo social. nesse contexto que o recurso a prticas pluriativas deve ser entendido.

A unidade familiar, entidade eminentemente plstica e mutante, tem a capacidade de elaborar novas estratgias para se adaptar s condies econmicas e sociais. Esses rearranjos que, no raro, dialogam com a tradio -- rejeitando-a ou revalorizando-a - no se limitam ao plano das relaes observveis empiricamente e, repito, tambm no so frutos de uma deliberao individual. Novos valores podem ser formulados ou antigos valores serem resgatados (como a revalorizao da vida rural e da natureza ou como a noo de liberdade associada ao trabalho por conta prpria, por exemplo) na busca de respostas a crises familiares.

Rompendo com a abordagem morfolgica, prope-se construir uma tipologia voltada para a anlise dos processos sociais, centrada na identificao da lgica de reproduo social e nas de diferentes estratgias sociais implcitas. Trata-se, portanto, de dimensionar a capacidade especfica das unidades familiares em implementar trajetrias sociais ascendentes ou descendentes. A partir de ento, formular projetos que sejam adaptados s necessidades e potencialidades de cada unidade em particular.

A famlia como universo de observaoA deciso de privilegiar a unidade familiar como universo de anlise e no a unidade de produo, se justifica pelas seguintes razes:

1. A famlia desempenha a funo de agente integrador das relaes sociais que se desenvolvem no interior dos estabelecimentos de agricultura familiar;

2.A qualidade das relaes sociais que so integradas e integradoras da famlia agrcola muito diversa, mas nas interrelaes entre os domnios do parentesco - hierarquia e significados - e do trabalho que se encontram os principais sistemas de relaes que articulam e estruturam os indivduos na unidade familiar e na de produo. No entanto, importante ter em mente que a famlia - locus de produo e de reproduo de valores - integra relaes sociais cujos significados no podem ser reduzidos lgica do parentesco, racionalidade econmica ou diviso do trabalho. Entende-se que a unidade familiar no se limita ao grupo de pessoas formado por laos de aliana ou de consanginidade, mas que deve ser percebida como um valor (prximo a um "sentimento de identidade") que integra seus membros, dando sentido s suas relaes, e informa as estratgias coletivas e individuais.

A dificuldade de separar, em termos analticos, os princpios que orientam as relaes de trabalho e os laos de afetividade ou de solidariedade que conformam as unidades familiares j foi assinalada por diversos autores. A tendncia a se reduzir as relaes de trabalho aos laos de parentesco bastante comum nas anlises que privilegiam a unidade de produo como foco de observao e de compreenso, o que resulta, normalmente, na busca da funcionalidade econmica dos laos de parentesco, como se um sistema de relaes pudesse ser reduzido lgica do outro. Ao se limitar todos os demais princpios e regras que orientam a prtica social racionalidade econmica, reduz-se tambm a capacidade de captar as mltiplas racionalidades coexistentes no interior do universo familiar (Neves, 1993). Na inteno de evitar esse reducionismo, cabe ao pesquisador elaborar a distino analtica entre essas duas esferas do social e buscar, simultaneamente, a lgica que os une no interior do grupo domstico, sem diluir as diferena entre o que da produo e o que da famlia.

3.A escolha da unidade familiar (e no da unidade de produo familiar) como unidade de anlise permite identificar as relaes (de fora entre os agentes sociais situados diferentemente na esfera do parentt!sco ou da produo. Em um contexto de mudana, ser possvel, por exemplo, atravs de uma anlise qualitativa, identificar a influncia dos valores familiares sobre o comportamento dos indivduos em suas prticas econmicas fora da famlia, como o caso das prticas pluriativas (Cameiro, 1998).

Portanto, eleger a unidade familiar, ou o grupo domstico, como unidade de observao, revela-se um procedimento fundamental para a compreenso das transformaes recentes no campo brasileiro onde o aumento das atividades no-agrcolas, articuladas ou no agricultura, exige um maior grau de complexidade da anlise.

Sendo assim, importante considerar que a anlise das unidades familiares de produo agrcola deve contemplar dois aspectos: de um lado as relaes entre os indivduos e, de outro, os valores que do sentido a essas relaes, j que, como toda relao social, as relaes familiares (seja na esfera do parentesco seja na da produo) incluem uma parte ideal, de pensamento ou de representao, que informa as atitudes e comportamentos (Godelier, 1984 e Moreira, 1997). Tais valores conformam uma tradio que acionada na formulao das estratgias familiares orientando as escolhas coletivas e informando os projetos individuais possveis.

Agricultura familiar como conceitoA trajetria, ainda curta em termos temporais, do conceito de agricultura familiar, extensa em termos bibliogrficos expressando o intenso debate sobre as caractersticas empricas e o estatuto terico dessa "nova" categoria de anlise.

Apesar das divergncias quanto os princpios definidores, possivel reconhecer um consenso: por agricultura familiar entende-se, em termos gerais, uma unidade de produo onde trabalho, terra e famlia esto, intimamente relacionados. A partir desse ponto comum, as discordncias e nuances levantadas apontam para as limitaes dessa noo que acaba por englobar em um nico conceito uma grande variedade de agricultores, no sendo possvel reconhecer um referencial emprico homogneo (Moreira, 1998). Trata-se de uma noo ampla que inclui um grau de ambigidade elevado por integrar em um nico rtulo grupos sociais bastantes heterogneos e princpios definidores divergentes. Nesse sentido, no seria adequado identificar o agricultor familiar a uma classe social, como resultado de um processo de diferenciao social onde o termo agricultor familiar seria atribudo explorao modema, com base no trabalho familiar, orientada pela lgica empresarial capitalista, em oposio ao campons;. tido como uma categoria social do passado e no capitalista.

No se trata aqui de repetir o debate que se estendeu da dcada 70 at a atualidade sobre o carter capitalista ou no-capitalista das relaes familiares de produo. Porm cabe ressaltar, como diversos autores j enfatizaram, a complexidade do processo de diferenciao promovido pela intensificao da explorao capitalista na agricultura (e mesmo em contextos urbano-industriais), alertando para a diversidade inerente a esse processo, onde, na maioria das vezes, prevalece a coexistncia de tendncias contraditrias. Cabe reter que a expanso de formas capitalistas de produo na agricultura no conduz, obrigatoriamente, extino de unidades de produo familiares (pequenas ou mdias) nem sua transformao em uma nica forma de produo. Esta dinmica inclui uma diversidade de trajetrias que supe uma adaptao contraditria s novas condies de produo. Este processo de adaptao pode implicar a formulao de novas estratgias para formas de produo j estabelecidas ou simplesmente uma nova combinao dos mecanismos j existentes visando a manuteno seja da explorao agrcola, seja do patrimnio familiar ou seja a reproduo do grupo domstico. Nesse sentido, as anlises de processos sociais concretos no devem privilegiar uma outra tendncia mas dar conta da diversidade de possibilidades.

Sintetizando, podemos destacar algumas tendncias nas anlises da agricultura familiar.

1.Como j nos referimos acima, as anlises tm normalmente, privilegiado como unidade de observao as unidades de produo, centrando na relao entre o produtor e o mercado e nas suas condies de responder s suas demandas. A classificao feita levando em conta a capacidade de competitividade da unidade de produo que se traduz em taxas de rentabilidade e de produtividade alcanveis pela absoro de tecnologia e de saberes tidos como "modernos". J apontamos em outro lugar as implicaes do carter excludente desta anlise que acaba por selecionar como agricultores "viveis" um nmero reduzido de produtores que se enquadra nessa perspectiva produtivista, deixando de lado uma grande massa considerada, em termos oficiais, como "atrasada", "marginal" ou "perifrica" (Carneiro, 1997 e 98).

2.Predomina nas anlises centradas na unidade de produo um vis reducionista onde a lgica das relaes sociais em todos os demais domnios do social reduzida lgica do econmico, transformando o agricultor no hommo econmicus cujas atitudes seriam movidas exclusivamente pelas necessidades do processo produtivo objetivo e da sobrevivncia fsica. Como decorrncia desse tipo de abordagem surge a noo de agricultura de subsistncia em oposio agricultura integrada ao mercado, ou "capitalista". A associao entre subsistncia e autoconsumo j foi amplamente criticada mas no demais lembrar que no existe, hoje no pas, agricultor (ou campons) que no esteja vinculado ao mercado. Mesmo o seu consumo familiar e a sua produo tida como de "subsistncia" so parcialmente mercantilizados. A relao com o mercado no pode, portanto, servir de critrio classificatrio, a no ser em termos relacionais onde a natureza do vnculo com o mercado pode oferecer informaes sobre o tipo de estratgia das famlias no que diz respeito atividade agrcola.

3.Distinguindo-se da orientao acima, destaca-se a abordagem que orienta o foco de anlise para as dinmicas de reproduo social e econmica das unidades familiares a partir da noo de estratgias familiares formuladas para esse fim, levando em conta as relaes no especificamente econmica que interferem no funcionamento das unidades produtivas, sobretudo as de parentesco e as de ordem moral. Esse tipo de anlise parte da considerao da unidade produtiva e o mercado como domnios descontnuos valorizando a especificidade das relaes que a ocorrem, no entanto com o risco oposto, de reduzir vontade individual a responsabilidade pela estruturao das relaes sociais (Neves, 1993).

Agricultura familar e poltica pblica: o PronafO debate atual sobre a noo de agricultura familiar foi intensificado devido a um fato poltico: a,opo do govemo de eleger essa forma de produo agrcola como protagonista do desenvolvimento rural, baseando-se em anlises que atribuem agricultura familiar condies mais favorveis de competitividade quando comparada agricultura patronal no que se refere aos rendimentos fsicos obtidos e mesmo capacidade de empregar mo-de-obra (Veiga, 1994 e FAO-INCRA, 1994). Reconhece-se assim a potencialidade competitiva da produo agrcola familiar, e elege-se como pblico-alvo os agricultores chamados "em transio, ou seja aqueles que apresentariam potencialidade de serem transformados em "empresas familiares viveis", atravs da incorporao de tecnologia e de uma racionalidade econmica voltada para as demandas do mercado.

A capacidade competitiva da agricultura familiar e sua eficincia em determinados setores j foi demonstrada em vrios estudos (Wilkinson, 1997) e confirmada pelos prprios critrios de seleo do pblico meta do Pronaf (Programa Nacional de Apoio Agricultura Familiar).

Como enfatizamos acima, em termos conceituais, "agricultura familiar" ou "produo familiar" abrange uma gama variada de agricultores que vai desde a agricultura de subsistncia monocultura tecnificada, orientada exclusivamente para as demandas do mercado. No entanto, com o objetivo de compreender a implementao de polticas pblicas - como o caso da classificao de agricultores familiares em "viveis", "em transio", e "no-viveis", fundadora da perspectiva de interveno do Pronaf - cabe definir o tipo de agricultor familiar que ser beneficiado pelas limitadas verbas pblicas. Dentro desse contexto, devemos, inicialmente, esclarecer (e redefinir) os objetivos dessa poltica.

Uma viso naturalizada da agricultura familiar como "atrasada" mas "com potencialidade" tem levado formulao de propostas polticas que se limitam modernizao tecnolgica e ao acesso informao sobre o mercado e formas "modernas" de produo. Partindo da premissa de uma maior eficincia produtiva dessa forma de produo que no desenvolveu todo a sua potencialidade, orienta-se as propostas polticas ao segmento que apresenta melhores condies (materiais e subjetivas) de superar esse atraso. Esta abordagem que pressupe a integrao dessas unidades economia limitada apenas ao mercado, tem duas implicaes. Primeiro, exclui da participao na economia e na sociedade todo um segmento de pequenos agricultores considerados "sem potencialidade para o progresso". Segundo, associa a competitividade dos demais (os viveis) natureza intrnseca da agricultura familiar na medida em que esta forma de produo no incorporaria nem a renda da terra nem os lucros da produo. Portanto, ainda que seja exigido da agricultura familiar uma participao decisiva no desenvolvimento econmico do pas, as anlises no esclarecem qual seria a capacidade de apropriao do valor produzido pelos prprios produtores. Algumas anlises discordantes, tm demonstrado que os baixos custos propiciado pela agricultura familiar moderna no se devem, necessariamente, a uma maior eficincia produtiva ou a uma maior produtividade, da mesma maneira que no se pode atribuir esses baixos custos "irracionalidade econmica camponesa". Tanto em um caso, quanto em outro, estes baixos custos se devem tambm sua situao de proprietrio-trabalhador e trabalhador por conta prpria: " 'pequenos' na ordem competitiva. Os custos so baixos porque so 'pequenos' em mercados imperfeitos e, como tal, tm um espao social e econmico de integrao restringido" (Moreira, 1997).

Moreira chama a ateno ainda para a necessidade de se precisar a noo de competitividade para os mercados agrcolas. "Pode-se afirmar que os mercados poderiam ser considerados competitivos entre os produtores agrcolas. Mas se considerarmos que do outro lado do mercado esto grandes capitais - na esfera financeira, na esfera dos insumos industriais para o setor agrcola e na esfera da agroindstria, por exemplo-, esses mercados certamente no podero ser considerados competitivos" (Moreira, 1997).

Ora, essa questo de fundamental importncia para discutirmos a situao da agricultura familiar no desenvolvimento econmico do pas, Particularmente, no que se refere ao Pronaf.

Um desvio nos objetivos do Programa atribudo, em parte, escolha errada dos municpios a serem beneficiados pelo Pronaf-lnfra-estrutura (Abramovay e Veiga, 1998). A seleo de municpios com maior ndice de pobreza rural teria impedido que se atingisse a camada de agricultores mais preparada para desenvolver uma agricultura competitiva, portanto, resultando em um insucesso do poltica. Na interpretao desses autores, no lugar de selecionar os agricultores com capacidade de oferecer melhores garantias reais ao bancos e contrapartidas, alm de capacidade de desenvolver uma produo com base em critrios de eficincia definidos pela competitividade, acabou-se, por imposies de ordem poltica, selecionando-se os mais pobres, o que teria sido, em parte, a causa do desvio nos objetivos desejados: limitou-se possibilidade de se estimular a competitividade daqueles agricultores considerados "mais aptos" e no foi possvel integrar ao mercado, de maneira "eficiente", os agricultores pobres beneficiados.

Associando progresso tcnico ao aumento da capacidade produtiva e imagem do agricultor vivel, essa poltica assegura um enquadramento tcnico-ideolgico do agricultor familiar que se toma referncia para implementao de metas e, sobretudo, um critrio para a avaliao da eficcia das medidas adotadas e do desempenho do prprio agricultor.

Sustentada na imagem do "verdadeiro agricultor" - um profissional que seja capaz de sobreviver e reproduzir-se socialmente sustentado exclusivamente por uma nica atividade econmica - essa poltica de valorizao da agricultura familiar acaba por eleger um nico tipo de agricultor - identificado imagem de uma agricultura "modema", especializada -como o modelo do tipo de agricultura a ser estimulada no pas. Torna-se evidente uma percepo evolucionista (e dualista) de mudana social que ope a tradio modernidade. A "tradio", sempre identificada ao atraso, ao no competitivo, ao "irracional".

Pensar o agricultor como "um profissional como outro qualquer", significa enquadrar o agricultor em um padro calcado nos mesmos parmetros do trabalhador urbano. De fato implica negar, ou no levar na devida considerao, os componentes culturais dos estilos de vida dos agricultores familiares que normalmente se associam a prticas econmicas diversificadas (Carneiro, 1997).

Vemos que, ao centrar a atuao do Pronaf no estmulo conipetitividade, o governo estaria no apenas excluindo um grande contingente de produtores classificados como inviveis economicamente ou inadequados em termo da infraestrutura disponvel, como estaria tambm correndo o risco de desperdiar recursos. Os critrios de excluso so fortemente sustentados nas noes ideolgicas de "verdadeiro agricultor" e de "competitividade". Esto, portanto, excludos todos aqueles que, por motivos variados (natureza sazonal da atividade agrcola, impossibilidade de aproveitar, na produo, a totalidade de obra familiar disponvel, oferta de emprego na regio em situao mais favorvel, que a agricultura, redirecionamento dos projetos familiares ou individuais de forma a incorporar novos rendimentos e ampliar a capacidade de consumo, entre outros) so levados a desempenhar atividades no-agrcolas ou a exercer uma forma de agricultura que no seja orientada pelos padres de produtividade e de rentabilidade exigidos pelo modelo modernizador assumido pelo Pronaf.

Experincias de outro pases, sobretudo da Frana, que vive hoje o esgotamento de um modelo de modernizao agrcola semelhante, nos revelam que muitos estabelecimentos agrcolas foram "competentes" e "eficientes" ao desenvolverem um tipo de produo que no corresponde aos padres estabelecidos pela poltica modernizadora, demonstrando um excepcional capacidade de adaptao s novas exigncias. Por outro lado, um nmero expressivo de agricultores modernos enfrentam uma crise decorrente das dificuldades crescentes em manter as exigncias do mercado em uma situao de superproduo e, conseqentemente, de preos decrescentes dos produtos agrcolas. Essa crise se expressa no s em termos econmicos (relao entre custo da produo e preo do produto) mas tambm em termos sociais causada pela inexistncia de um sucessor (os filhos se recusando a seguir o mesmo padro de vida e de produo dos pais)

Neste sentido, instituir o "verdadeiro agricultor" como aquele que aufere a renda familiar quase exclusivamente da atividade agrcola implica excluir a possibilidade de combinar a agricultura com outras fontes de renda que, em alguns casos, so indispensveis continuidade da prpria atividade agrcola ou representam uma maneira de aumentar a capacidade de consumo, ou de se manter no campo em condies mnimas de cidadania.

Uma proposta alternativaA reconhecida heterogeneidade dos agricultores familiares a que nos referimos acima, tem sido constatada tambm em documentos oficiais do governo federal, o que mais uma evidncia de que elaborar uma tipologia para essa categoria ampla e genrica no tarefa simples; implica assumir, previamente, uma posio metodolgica o que, por sua vez, exige a reviso de algumas premissas aceitas de maneira naturalizada como verdades inquestionveis.

Em um esforo de sntese, indicaremos a seguir algumas premissas que orientam a nossa abordagem da noo de agricultura familiar.

1.Os agricultores familiares no constituem um grupo social homogneo. No correspondem, portanto, a uma classe social mas incluem uma diversidade social produzida pelas diferentes condies de produo a que esto submetidos, tais como: tamanho da propriedade, grau de emprego de tcnicos agrcolas, acesso a crditos; capital cultural [valores, saberes, tradio] e social [nmero e sexo dos filhos, rede de relaes sociais...] disponvel; relao com o mercado (Lamarche, 1993).

2.Agricultura familiar no sinnimo de trabalho familiar. O que distingue a maioria das formas sociais de produo como familiar o papel preponderante da famlia como estrutura fundamental de organizao da reproduo social atravs da formulao de estratgia (conscientes ou no) familiares e individuais que remetem diretamente transmisso do patrimnio material e cultural (a herana) e transmisso da explorao agrcola (a sucesso). No entanto, no so raras as unidades de produo agrcola sustentadas exclusivamente pelo trabalho do casal ou por apenas 1 dos membros do casal. A autonomizao dos membros da famlia em relao ao mercado de trabalho uma tendncia confirmada em diversos pases da Europa, na Frana sobretudo, e que vem se afirmando tambm no Brasil. No entanto, o grau de decomposio da unidade de produo familiar varivel.

.3.A forma de explorao agrcola familiar pressupe uma unidade de produo onde propriedade e trabalho esto intimamente ligados famlia. Como j foi apontado acima, essa identidade entre propriedade-trabalho-famlia no pode ser confundida com a identidade dos grupos formados pelo parentesco e pela produo. Eles se articulam, atravs de princpios oriundos da organizao familiar, mas a lgica das relaes sociais em uma esfera do social (a do parentesco, por exemplo) no pode ser reduzida da outra, assim como a composio do grupo de trabalho no corresponde composio do grupo familiar.

4.Por diversas razes, a agricultura, em algumas regies do pas, vem se tornando apenas um dos componentes da economia familiar, ainda que as estruturas da produo agrcola (propriedade da terra e dos meios de produo) permaneam ligadas ao ncleo familiar. No Estado do Rio de Janeiro e em algumas reas do Estado de So Paulo, por exemplo, as famlias rurais esto cada vez menos agrcolas no que diz respeito s atividades desempenhadas por seus membros.

5.O ressurgimento do recurso a prticas no-agrcolas integradas agricultura familiar um fenmeno que tanto pode apontar para uma contradio entre a individualizao da fora de trabalho e o carter coletivo da economia familiar como pode acarretar o resgate de laos de solidariedade intrafamiliares que se revelam fundamentais para a combinao do trabalho individual com os interesses coletivos representados pela famlia e expressos na unidade de produo familiar.

6.O carter familiar de produo no pode ser reduzido utilizao de mo-de-obra familiar. O recurso contratao do trabalho assalariado externo e o assalariamento de membros da unidade familiar fora do estabelecimento no so suficientes para afirmarmos a decomposio do carter familiar da unidade de produo. A total separao entre famlia e unidade de produo ocorreria quando as contradies entre o individual e o coletivo resultassem na preponderncia do primeiro sobre o segundo, ou seja, quando fosse rompido o comprometimento do indivduo com os interesses da propriedade e da explorao econmica que nela se realiza levando fragmentao da propriedade e extino dos laos valorativos ("valor famlia") que identificam a famlia propriedade - quando a terra passaria a ter valor somente como mercadoria.

7.Em termos conceituais, para ser mantido o carter familiar da produo exige-se a presena de, ao menos, um membro da famlia que combine as atividades de administrador da produo e de trabalhador. Normalmente, mas nem sempre, esse personagem ocupa as posies de chefe da famlia e chefe da unidade produtiva, integrando, de um lado, o parentesco ao trabalho e propriedade e, de outro, a produo ao consumo. No entanto, a necessidade de se distinguir a agricultura familiar da agricultura patronal, resulta na necessidade de se delimitar o nmero mximo de trabalhadores externos, assalariados, que comporta uma unidade de produo para se manter dentro da classificao de "familiar". Ainda que conscientes, pelo exposto acima, da arbitrariedade desse critrio, consideramos que, politicamente, o apoio financeiro ao agricultor familiar deve privilegiar aquele que no emprega mo-de-obra assalariada em carter permanente. No entanto, tendo em vista a diversidade regional, e a intensificao do processo de individuao dentro da famlia, com a conseqente transformao da famlia em unidade de rendimento - onde a gesto da unidade produtiva seria individualizada -, prudente incluir no pblico do Pronaf, famlias com um trabalhador contratado em carter permanente

8.O trabalho extra-agrcola executado por um ou vrios membros da unidade familiar pode desempenhar diferentes funes, de acordo com a lgica da dinmica de reproduo social da unidade familiar. A renda dele obtida tanto pode servir como complemento que refora e garante a reproduo da explorao agrcola como pode indicar uma estratgia de secundarizao da atividade agrcola na reproduo social. importante ter em mente que essas situaes, muitas vezes, so conjunturais podendo se transformar, de acordo com mudanas, nas condies de produo ,agrcola e no ciclo de vida domstico. O recurso ao trabalho no-agrcola no indica, por si s, a falncia da atividade agrcola mas aponta para a plasticidade dessa forma de produo familiar que no se enquadra nem nos moldes do agricultor-empresrio de ponta nem no padro da chamada agricultura "tradicional". justamente o carter familiar dessa forma de produo que lhe d maior capacidade de resistir a situaes crticas possibilitando a seus membros usufruir das condies favorveis do mercado de trabalho ou retomar a atividade agrcola em momentos de crise de desemprego.

9.A compreenso da situao da unidade de produo familiar no pode ficar restrita dinmica econmica (produtividade, rentabilidade, competitividade....). O significado dos prprios fatores econmicos pode ser dado por outras esferas do social j que a produo no ocorre em um vazio social, nem se resume a uma atividade isolada. A interdependncia das esferas sociais se traduz em uma multiplicidade de significados das relaes sociais que deve ser levada em conta na tentativa de se elaborar polticas voltadas para a ampliao da cidadania e melhoria das condies de vida. Nesses termos o contedo das relaes familiares na agricultura no pode ser generalizado como uma realidade naturalizada.

10. Alternativa metodolgica: no lugar de centrarmos a anlise na famlia como unidade de produo, o que a restringe aos aspectos tcnicos e econmicos do processo produtivo, devemos eleger como unidade de observao (e de interveno) a famlia como unidade social, isto que administra a reproduo social de seus membros em situaes materiais e culturais distintas. necessrio, portanto, levar em conta os aspectos culturais e o carter, simblico embutidos nas prticas sociais no interior do grupo familiar, conforme justificamos acima.

Uma tipologia possvelReconhecendo os limites de uma tipologia, necessrio que comecemos por eleger os critrios que mais se adaptem aos usos da classificao: os objetivos a que se prope e os interesses poltico-ideolgicos. Nesses termos, se quisermos elaborar instrumentos para ampliar a categoria dos beneficiados pela poltica pblica no sentido de incluir o maior nmero possvel daqueles que historicamente permaneceram margem do processo de produo de riquezas, devemos privilegiar aqueles que se encontram em situao de reproduo fsica e social ameaada.

Rompendo com a abordagem morfolgica prope-se construir uma tipologia voltada para a anlise dos processos sociais, centrada na identificao da lgica de reproduo social e nas diferentes estratgias sociais implcitas. Trata-se, portanto, de incorporar a idia de dinmica no exerccio classificatrio, tentando captar muito mais as tendncias que situaes cristalizadas. Dessa perspectiva, deve-se dimensionar as potencialidades das unidades familiares quanto a sua inverso diferenciada no mercado, o que deve ser resultado de estudos empricos regionalizados e centrados em dados qualitativos. A partir da possvel selecionar as categorias que sero privilegiadas por uma poltica de apoio agricultura familiar pautada na incluso de um maior nmero possvel de unidades e na melhoria da qualidade de vida dessas famlias para, ento, formular projetos que se adeqem s necessidades e potencialidades especficas de cada categoria de produtor.

AIguns autores tm entendido a pluriatividade como um produto da contradio gerada-pelo progresso tcnico cuja mecanizao transformou a atividade agrcola numa atividade individual, exercida pelo chefe, descaracterizando as unidades produtivas que deixariam de ser engajadas exclusivamente na agricultura (Lacombe, 1984).

Contrapondo a esse tipo de interpretao, sugerimos que o esforo classificatrio dos agricultores familiares deva levar em conta dois fatores: a tradio cultural, ou seja, a identidade com a terra e com a agricultura (o saber e os valores) e a trajetria das unidades familiares. A anlise desses fatores possibilitar identificar a tendncia ascendente ou descendente da trajetria familiar, e portanto as suas potencialidades, e o peso que a atividade agrcola desempenha nessa trajetria - j que o objetivo da poltica estimular a agricultura familiar -, seja qual for a categoria de agricultor familiar em que a famlia se enquadre.

Recuperando nossa postulao inicial sobre a pluriatividade como articulao de atividades no-agrcolas na dinmica da agricultura familiar, cumpre ento, em primeiro lugar, reconhecer uma agricultura familiar "pluriativa" e outra "no-pluriativa", ou seja, exclusivamente agrcola. Entre as do segundo tipo encontram-se as formas sociais que dedicam-se tanto monocultura como policultura; produtores totalmente integrados aos mercados agrcolas, como tambm aqueles que combinam a produo de autoconsumo com a produo mercantil. As formas exclusivamente agrcolas, nesse sentido, podem apresentar situaes de sucesso como de insucesso econmico e nveis diferenciados de bem estar social e cultural. Alm disso, a vivncia do sucesso econmico no significa, necessariamente, a vivncia de bem estar social e cultural, como pode ser o caso de um sucesso econmico, medido em termos de incremento de produtividade e renda, mas que esteja acompanhado de uma intensificao da explorao da fora de trabalho ou da destituio de laos de solidariedade e da desestruturao familiar. Todas essas formas podem ser enquadradas na categoria genrica de verdadeiro agricultor", no no sentido de terem "sucesso econmico" ou de serem "profissionais" mas no sentido de terem sua reproduo social - econmica e cultural - garantida pela produo agrcola.

As unidades pluriativas, por sua vez, tambm podem vivenciar situaes de sucesso ou de -insucesso econmico associadas a padres diferenciados de bem estar social e de integrao aos mercados (agrcolas e no agrcolas). Da mesma maneira que as de outro tipo, nessas formas pluriativas a atividade agrcola pode se aproximar tanto da monocultura como da policultura. O que importante reconhecer, nesses,.casos, que, seja por razes de ordem econmica, cultural ou ambas, a reproduo social incorpora atividades de setores distintos da economia, conformando o que alguns de ns temos denominado de "nova ruralidade" ou de "novo rural".

Introduzimos, assim, um critrio de classificao que associa uma performance econmica (sucesso ou insucesso em termos de produtividade) - mais impessoal, de aferio provida pelo mercado - e uma performance cultural-psicolgica (graus diferenciados de bem estar) - mais pessoal, de aferio provida por valores priorizados pelos indivduos e famlias, ou ainda pelos valores locais e regionais.

Construir classificaes e tipologias que envolvam estes dois elementos constitutivos implica reconhecer a obrigatoriedade de incorporar anlises qualitativas s anlises quantitativas. No que diz respeito combinao de atividades no-agrcolas agricultura familiar, somente uma anlise qualitativa poder oferecer elementos para respondermos a questo do lugar da pluriatividade na dinmica das unidades familiares na agricultura. Nesse sentido importante destacar que as categorias "atividade no agrcola" e "pluriatividade" exprimem uma ampla diversidade de possveis inseres nos mercados - comrcio, prestao de servios diversos, turismo, manufaturas, artesanatos, transformaes agroindustriais etc - que assumem significados distintos nas trajetrias familiares, impossveis de serem homogeneizados simplesmente pela sua magnitude econmica, como por exemplo, 20 % da renda familiar. As diferentes implicaes do recurso a prticas no-agrcolas podem expressar trajetrias sociais, culturais e econmicas variadas que afetam, de forma diferenciada, as dinmicas das formas sociais da agricultura familiar com efeitos sobre seus padres de bem estar social e cultural.

Caberia perguntar sobre os elementos propulsores da pluriati idade. Sem dvida, a queda da renda agrcola tem sido apontada como um desses elementos, no entanto, tambm verdade que este fenmeno bem mais ampIo do que o exerccio da pluriatividade. Em outras palavras, a insuficincia da renda oriunda da agricultura atinge um contingente de agricultores muito maior que aqueles que recorrem pluriatividade. Logo, a questo permanece: o que faz como que alguns se tomem (mesmo temporariamente) pluriativos e outros no? nesse aspecto que a tradio cultural, o saber fazer, a rede de sociabilidade - enfim, o patrimnio cultural - se colocam como elemento definidor do recurso s prticas no-agrcolas. As estratgias familiares vo depender, alm do capital econmico disponvel - e, obviamente, das condies do mercado (de trabalho, sobretudo) - do patrimnio familiar, ou seja, das capacidades (individuais e coletivas) existentes para enfrentar a situao de queda do rendimento familiar e, ento, inovar ou reinventar a tradio.

Por outro lado, necessrio considerar tambm que, nem sempre, as estratgias familiares so formuladas visando responder exclusivamente a determinaes de ordem econmica. Por exemplo, o esforo de manuteno de uma unidade produtiva agrcola que reconhecidamente invivel em termos econmicos, pode mobilizar estratgias familiares (pluriativas) motivadas pelo valor cultural expresso no patrimnio territorial e na atividade agrcola. Mas, importante ter em mente que a dinmica interna da unidade familiar agrcola no se realiza em um ambiente "harmonioso" onde o "bem coletivo" se impe ao individual. Essa dinmica resultado de um jogo de disputas e de negociaes que, no raro, resultam em conflitos e tenses que expressam as contradies cada vez mais presentes entre a individualizao crescente no interior da famlia e os interesses poderes familiares. Nesse contexto, importante avaliar os efeitos desse processo na transformao da unidade produtiva em unidade de rendimento e de conservao do patrimnio.

A tendncia individualizao do processo de produo agrcola introduzida pela mecanizao e pela combinao da atividade agrcola com outras fontes de renda marcante em vrios paises da Europa. No caso brasileiro, contudo, cabe um esforo de levantamento de dados qualitativos que nos permita dimensionar e qualificar o carter dessa "individualizao". Pois, experincias de campo pessoais nos indicam que os laos familiares no Brasil so muito mais fortes e presentes do que na Frana, por exemplo, fazendo com que grande parte dos familiares disponveis sejam acionados em determinadas fases do processo produtivo, mesmo em famlias onde a responsabilidade sobre a produo recai sobre apenas um membro. o carter familiar da produo, ai fortemente presente, que permite acionar irmos que j migraram para a cidade, noras e at mesmo suas empregadas domsticas, num esforo "coletivo" de dar conta das necessidades de mo-de-obra em determinadas fases do processo de produo. o carter familiar da propriedade e da produo que define esse trabalho como "ajuda" e permite lhe atribuir um sentido de remunerao distinto da do mercado. O nmero de trabalhadores sazonais empregados pelas unidades de produo, assim "individualizadas", vai depender justamente da dimenso dessa "ajuda" familiar.

Aps essas consideraes sobre a possibilidade de distinguir modos de conduzir a agricultura mas que no definem categorias de agricultores, nos, arriscamos, cientes de todos os limites inerentes a uma tipologia genrica, a propor dois cantinhos de classificao, como ponto de partida para estudos de detalhamento futuros.

Comearemos pela classificao das unidades familiares agrcolas segundo os princpios que orientam sua reproduo social. Caracterizando-se pela ntima relao entre trabalho, terra e famlia, a distino entre elas repousa sobre a maneira especfica de combinar as alternativas colocadas disposio, pelo contexto scio-econmico (condies extra-familiares) e pelo campo de possibilidades (condies internas famlia) especficos para realizarem suas escolhas e formularem suas estratgias particulares.

Seguindo esse recorte possvel reconhecer as seguintes categorias

1.Famlia agrcola de carter empresarial (ou o chamado, "verdadeiro agricultor"): cuja lgica de reproduo social determinada pela realizao de uma produo orientada para o mercado, obedecendo satisfao de ndices de rentabilidade e de produtividade crescentes; caracterizar-se por uma conjuno de fatores econmicos, tcnicos e uma situao patrimonial (e social) favorvel rentabilizao da explorao. Esses agricultores, beneficiados por uma situao favorvel no passado (capital patrimonial herdado, acesso a saberes tcnicos especficos, condies fsicas de produo etc...) lograram implementar trajetrias ascendentes pautadas no padro hegemnico de modernizao agrcola.

2.A famlia camponesa: cuja lgica da atividade agrcola no dada, em termos de prioridade, pela busca de taxa de Produtividade e de rentabilidade crescentes mas pelo esforo de manter a famlia em determinadas condies culturais e sociais, isto , a manuteno da propriedade familiar e da explorao agrcola. A famlia um valor que se impe produo embora seja indissocivel da propriedade e da explorao agrcola. A multiplicidade de estratgias individuais e familiares deriva das fracas condies de produo: recorre-se a vrios meios para manter a unidade de produo e garantir a reproduo social estruturalmente ameaada. O esforo de preservao do patrimnio territorial familiar se confunde, aqui,.com o exerccio da atividade agrcola ainda que esta, em muitos casos, no seja mais suficiente para a manuteno do grupo familiar.

3.A famlia agrcola "rurbana": no se orienta prioritariamente pelos padres produtivistas mas tambm se distingue da "famlia camponesa" apesar de resgatar alguns de seus valores e de expressar um forte vnculo com uma localidade particular. Esse modelo de famlia rural repousa sobre um sistema de valores prprios (em elaborao) que orienta a produo agrcola, no em funo do lucro e da produtividade crescentes, mas para a melhoria da qualidade de vida, sem deixar de considerar a realidade do mercado e, obviamente a capacidade de retomo em termos de rendimento. A diversificao da produo e das fontes de renda - o recurso pluriatividacie - so caractersticas dessa tipo de agricultura familiar. A identidade entre famlia e unidade de produo, tpica do modelo produtivista e da famlia camponesa, colocada em xeque com a prtica de atividades no-agrcolats inaugurando um movimento contraditrio onde a indlvidualizao da fora de trabalho convive com o carter unitrio da economia domstica. Essa nova forma de unidade familiar de produo agrcola se caracterizaria no mais pela organizao coletiva (familiar) do trabalho e do consumo, mas pela capacidade de gerar coletivamente o capital econmico, social e cultural visando a reproduo biolgica e social dos indivduos. Essa categoria de famlia rural estaria sendo engendrada pelos novos processos sociais no campo caracterizados pela diversificao das atividades econmicas e pela incapacidade da agricultura em prover renda suficiente para essas famlias se manterem em condies dignas de vida (Graziano da Silva e Del Gross, 1998). Em se tratando de uma categoria em formao e da atualidade dos processos sociais que a engendram, a sua definio carece de estudos mais aprofundados.

Como colocamos acima, a pluriatividade uma possibilidade que se apresenta para qualquer das categorias acima, mas sendo menos provvel de ser exercida pelo chamado "verdadeiro agricultor". Sendo assim, impossvel distinguir um tipo de famlia simplesmente pelo recurso atividade no agrcola ou pelo tempo de trabalho dedicado agricultura. Restaria identificar e compreender o significado (e o peso) das prticas no-agrcolas nas estratgias reprodutivas de cada tipo de famlia no sentido de reconhecer a tendrtcia de sua trajetria futura em relao agricultura e s demais opes de renda, o que exigiria um aprofundamento qualitativo da anlise dessas famlias.

Afora essas categorias de agricultores familiares reconhece-se outros tipos de famlias rurais relacionadas propriedade mas cujo tratbalho no familiar e nem sempre pautado pela atividade agrcola. Entre eles destacam-se os chamados neo-rurais que, desenvolvendo atividades produtivas agrcolas ou no, caracterizam-se pela ausncia de uma tradio assentada na atividade agrcola, pelo carter essencialmente mercantil da explorao econmica da propriedade (produtiva ou de servio) e pelo recurso mo-de-obra assalariada, assumindo o proprietrio a posio de mero administrador da produo (Giulianni, 1990).

Destacam-se ainda os recm-assentados rurais de oriqern urbana, para quem a relao com a terra uma alternativa s restries do mercado de trabalho urbano onde a baixa remunerao da mo-de-obra desqualificada e o crescente custo da reproduo social na cidade impulsionaram a migrao cidade-campo como uma alternativa s limitaes impostas sobrevivncia na cidade (Alentejano, 1997).

Para cada uma dessas categorias possvel estabelecer uma outra classificao baseada nas estratgias familiares associadas a graus diferenciados de compromisso com a atividade agrcola e com o patrimnio familiar podendo-se reconhecer trajetrias ascendentes ou descendentes. Entre essas estratgias destacam-se basicamente dois tipos: as que investem na manuteno da atividade principal agrcola e as que tendem a diminuir o peso da atividade agrcola na renda familiar reorientando o uso da propriedade e da mo-deobra familiar para outros setores. Em cada uma delas a atividade no-agrcola vai responder a necessidades distintas.

Entre as que tendem a secundarizar a atividade agrcola em funo da implementao de atividades no-agrcolas podemos distinguir, basicamente, trs estratgias:

1.Com a desvalorizao da produo agrcola, a propriedade familiar mantida seja como reserva de valor ou como bem simblico associado famlia, sem que a produo nela desenvolvida seja suficiente para manter os membros do grupo domstico. A pluriatividade permite preservar o funcionamento da explorao agrcola mesmo que esta no reverta em benefcios econmicos imediatos para a famlia. Seja pela rea reduzida da propriedade, seja pela ausncia de meios para intensificar a produo agrcola, a atividade agrcola secundarizada. A motivao ideolgica para manter a explorao agrcola est, normalmente, associada ao interesse em preservar o patrimnio familiar e uma identidade social sustentada na utilizao agrcola desse patrimnio, na maioria das vezes identificado figura do pai que mantido na agricultura graas ajuda financeira de filhos que j se estabeleceram em outros setores.

A partir de uma maior interao com valores urbanos decorrentes da unificao dos mercados econmico e simblico, uma nova transformao do sistema de referncia do mundo rural se produz. A insero individual crescente no mercado de trabalho e a intensificao da subordinao da famlia rural sociedade industrial, neutraliza o papel da famlia como instncia privilegiada de mediao entre o indivduo e a sociedade abrindo espao para estratgias concorrentes e antagnicas entre indivduo e famlia, acelerando o processo de individuao no interior da famlia e a transformao definitiva da terra em mercadoria. Assim, em situaes em que atividade agrcola meramente residual e tem a funo social de manter a residncia e a ocupao de membros da gerao mais velha, a tendncia de abandono da atividade produtiva aps a morte dos pais acarretando a fragmentao da propriedade familiar acompanhada normalmente de mudanas nas regras de transmisso da propriedade: a herana cede lugar a transaes de compra e venda entre os herdeiros. Observa-se a ruptura dos laos entre famlia, propriedade e trabalho com a conseqente perda da identificao da propriedade explorao agrcola, abrindo-se espao para novas utilizaes do patrimnio fundirio e para a elaborao de novas identidades sociais no meio rural.

2.Investir na formao educacional dos filhos visando ampliar sua capacidade de insero no mercado de trabalho, pode ser uma outra estratgia que mobilize a famlia agrcola a desativar ou secundarizar a produo agrcola buscando novas alternativas de,renda. Privilegiar a formao profissional dos filhos longe do meio agrcola pode ser uma opo que se insira numa trajetria de abandono, a curto termo, da propriedade como unidade de produo agrcola. Essa estratgia atinge particularmente os jovens que, liberados da responsabilidade de manter o funcionamento da unidade de produo, podem alcanar nveis de escolarizao mais elevados que outros jovens, cujos pais insistiram em preservar a explorao agrcola. Sob tais condies, contraditrias para a reproduo social da unidade familiar, a explorao agrcola toma-se desinteressante para os filhos de agricultores, inaugurando-se uma crise motivada pela ausncia de sucessor para o chefe da unidade produtiva e que pode acarretar o abandono do investimento familiar na explorao agrcola.

3.A diversificao do investimento econmico procurando setores mais rentveis, como o comrcio (Garcia Jr., 1989) ou a prestao de servios (pousadas, restaurantes, pesque e pague..) reconhecida como uma estratgia de ampliao da capacidade de capitalizao da propriedade que pode levar secundarizao da atividade agrcola enquanto durarem as condies favorveis para os outros investimentos ou ao abandono definitivo da atividade produtiva.

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Este artigo parte de um texto intitulado "Poltica de Desenvolvimento e o 'Novo Mundo Rural' apresentado no Seminrio "0 Novo Rural", coordenado pelo Prof. Jos Graziano da Silva, que ocorreu no I.E. da Unicamp em maro de 1999. Agradeo a leitura crtica e as valiosas contribuies de Roberto Moreira e Jos Graziano da Silva verso original.

S.j. Yanagisako reconhece a organizao social e a unidade de produo como duas esferas sociais independentes no interior da unidade familiar que obedecem a princpios de organizao distintos (Family and household. The analysis of domestic groups. Am. Rev. Antrhopol. 1979:161-205).

Para uma reviso do debate sobre as noes de "campesinato" e "agricultura familiar" ver Teixeira, V.L. Pluriatividade e agricultura familiar na regio serrana do Estado do Rio de Janeiro. Dissertao de Mestrado, CPDA/UFRRJ, 1998.

A categoria de agricultor familiar em transio corresponde a 2,5 milhes de estabelecimentos com uma rea mdia de 8 hectares e 3 pessoas ocupadas.

Para uma anlise mais detalhada deste processo na Frana ver Carneiro, 1998.

O Pronaf exige para ser beneficirio de seus crditos que no mnimo 80 % da renda familiar seja originada da atividade agropecuria.

Encontrariam-se nessa situao certas familias de agricultores do sul do pas, principalmente do Rio Grande do Sul.

Pensando em termos da operacionalizao de polticas pblicas, sugerimos que esses projetos sejam formulados pelos prprios agricultores com base em estudos qualitativos realizados por tcnicos especializados (preferencialmente, pesquisadores sociais de universidades ou de instituies de pesquisa competentes).

Agradeo a Roberto Moreira a valiosa contribuio na formulao sobre o carter da agricultura pluriativa e no pluriativa, que se segue.

Lembro aqui as difceis condies de reproduo enfrentadas por jovens agricultores franceses, celibatrios, que no encontram esposas que se submetam s condies de vida e de trabalho impostas pela modernizao agrcola (Carneiro, 1998).

Agradeo a Graziano da Silva a proposio desse questionamento que me levou a desenvolver a reflexo que se segue.

Cabe enfatizar que estamos falando em terrenos de categorias anilticas que devem ser tratadas como modelo tendo como matria prima as relaes sociais. As variveis classificatrias e os indicadores devem ser identificados a partir de estudos qualitativos que levem em conta as cartctersticas regionais, culturais e econmicas.

Cabe incluir a possibilidade de mudanas na direo dessas trajetrias que, por motivos internos e externos podem se transformar em descendentes.

Os riscos de se recorrer a essa categoria derivam de algumas interpretaes simplistas, j consolidadas, que reconheceim na categoria "campons" uma entidade universal, cristalizada em um momento histrico e associada ao "atraso" e "tradio" medievais.