agricultura familiar e desenvolvimento territorial - ricardo abramovay

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  • 7/25/2019 Agricultura familiar e Desenvolvimento territorial - Ricardo Abramovay

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    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    POLTICA DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL NOBRASIL: limites da concepo de ruralidade e de territrios rurais

    TERRITORIAL RURAL DEVELOPMENT POLICY IN BRASIL:

    limits of the conception of rurality and rural territorialAgripino Souza Coelho Neto

    Doutor em Geografia (UFF)Professor Assistente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB - Campus XI)

    [email protected]

    Resumo

    O propsito imediato deste texto realizar uma reflexo preliminar sobre o contedo da

    poltica territorial do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA), maisespecificamente, no que concerne a definio dos territrios rurais como categoriaque permitiu propor as delimitaes espaciais de operao do Programa Nacional deDesenvolvimento Sustentvel dos Territrios Rurais (PNDSTR). Para cumprir estaempreitada nos debruamos na realizao de uma sistematizao do debate sobre anoo de ruralidade no campo das humanidades, considerando sua centralidade parasubsidiar a tarefa proposta. Em linhas gerais, a anlise do contedo dos documentosoficiais aponta uma secundarizao da discusso sobre a ruralidade, o negligenciamentodas leituras que propugnam a conformao de novas ruralidades no territrio brasileiro eo limite da metodologia de delimitao dos territrios rurais.

    Palavras-chave: Relao campo-cidade. Ruralidade. Poltica de Desenvolvimento

    Territorial. Territrios Rurais. Brasil.

    Abstract

    The immediate purpose of this text is to conduct a preliminary reflection on the contentof the territorial policy of the Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA), morespecifically, regarding the definition of "rural territories" as a category that allowed usto propose the spatial operation delimitations of Programa Nacional deDesenvolvimento Sustentvel dos Territrios Rurais (PNDSTR). To fulfill thisendeavor we incline to the performance of sistematization of debate on the notion ofruralities in the humanities field, considering its centrality to subsidize the proposed

    task. In general, the content analysis of official documents points to a secondarization ofdiscussion about rurality, the neglect of readings that advocates the configuration ofnew ruralities in Brazilian territory and the limit of the methodology of delimitation of"rural territories."

    Keywords: Rural-urban relationship. Rurality. Territorial development policy. Ruralterritories. Brasil.

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    153Poltica de desenvolvimento territorial Agripino Souza Coelho Netorural no Brasil: limites da concepode ruralidade e de territrios rurais

    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    Introduo

    Interessa no mbito deste texto discutir a concepo de rural e ruralidade que

    apoia a poltica territorial do Governo Federal desde 2003, identificando as possveis

    correspondncias com as atuais interpretaes que vem sendo elaboradas no plano

    acadmico em funo das intensas transformaes que tm se efetivado no meio rural,

    amplamente difundidas nos estudos recentes, pois, considera-se como pressuposto, em

    concordncia com Lima (2005), que as representaes de urbano e rural se materializam

    nas prticas econmicas e polticas.

    A motivao e a inspirao para sua elaborao decorrem de duas constataes:

    de um lado, pelo recente acmulo (e retomada) das discusses sobre a relao campo-

    cidade, e por outro, pela centralidade que a noo de territrio rural ocupa numa poltica

    desta envergadura, cujos propsitos anunciam a inteno de promover o

    desenvolvimento rural brasileiro. Nesse sentido, talvez seja necessrio destacar que os

    esforos para a definio do rural passam tambm pela definio do urbano e vice-

    versa, colocados como realidades indissociveis no plano da interpretao, constatao

    marcante na maioria dos textos que se predispem ao desafio de definir a ruralidade.

    A relao campo-cidade um debate j tornado clssico, mas que parece ter

    encontrado renovado vigor nas ltimas duas dcadas, de modo mais destacado na

    Sociologia Rural, na Economia Rural e na Geografia Agrria. As questes que tm

    alimentado o debate buscam interrogar sobre o fim do rural ou de sua transmutao,

    assentado nas distines entre o rural e o urbano frente s transformaes engendradas

    pela industrializao e modernizao da agricultura, pelo avano das relaes

    capitalistas de trabalho no campo e, mais recentemente, pela intensidade adquirida pelo

    fenmeno da globalizao.

    Algumas interpretaes propugnam a preeminncia de uma sociedade urbano-

    industrial e, mais recentemente, ps-industrial, em substituio a uma sociedade agrria

    (todas elas com suas especficas conotaes e significados), produzindo para alguns a

    urbanizao do mundo rural e diluindo as antigas distines sustentadas numa

    perspectiva dual e dicotmica que opunha o campo cidade. H, no entanto, outros

    autores que se recusam a aceitar essa interpretao que se imps com muita fora,

    defendendo um olhar mais cauteloso sobre as mudanas que se produzem no mbito das

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    154Poltica de desenvolvimento territorial Agripino Souza Coelho Netorural no Brasil: limites da concepode ruralidade e de territrios rurais

    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    relaes entre o urbano e o rural, pois este ltimo teria sofrido alteraes, porm

    guardaria especificidades que no permitem decretar o seu fim, mas, a formao de uma

    espacialidade hbrida, produto do intercruzamento e da interao entre urbanidades eruralidades.

    O artigo est estruturado em dois movimentos: inicialmente, atravs de uma

    pesquisa bibliogrfica, empreende-se um esforo para construir um panorama das

    principais matrizes interpretativas sobre a relao campo-cidade, identificando os

    componentes que ajudam a pensar as nuanas que compem a ruralidade nos dias de hoje;

    o segundo movimento consiste na anlise dos principais documentos de referncia da

    aludida poltica governamental, identificando sua correspondncia com as interpretaes

    elaboradas sobre o assunto. Considerando o pressuposto de que as representaes deurbano e de rural se materializam nas prticas econmicas e polticas, entendemos que a

    compreenso da ruralidade central na execuo de uma poltica oficial que assume a

    denominao territrios rurais como parmetro de delimitao do espao de ao da

    poltica territorial. Ressalta-se que a anlise no se detm sobre a implantao, o

    funcionamento ou os resultados da Poltica de Desenvolvimento Territorial Rural, mas,

    debrua-se, exclusivamente, sobre os documentos oficiais publicados em 2005, que

    oferecem as bases conceituais e metodolgicas para a referida poltica.

    Os esquemas interpretativos sobre a relao campo-cidade

    Verifica-se certa unanimidade nos textos em indicar, em linhas gerais, duas

    grandes perspectivas interpretativas da relao campo-cidade. Assim o faz Marques

    (2002) quando reconhece a existncia de uma perspectiva dicotmica e de uma outra

    perspectiva denominada de continuum.

    Para a autora, a primeira pensa o campo em oposio cidade, enfatizando as

    diferenas que tornam esses espaos distintos entre si. A referncia principal seria o

    trabalho de Sorokin, Zimmerman e Galpin (1996), na dcada de 1930, no qual buscam

    explicitar as diferenas fundamentais entre o mundo rural e o urbano. Os elementos

    considerados pelos referidos autores demonstram o grau de sistematizao da proposta,

    que apesar de duramente criticada, representa um esforo de definio a partir de

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    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    variveis que nos parecem bastante operacionais para anlise emprica, conforme

    constata-se a seguir:

    (1) diferenas ocupacionais ou principais atividades em que se concentra apopulao economicamente ativa; (2) diferenas ambientais, estando a rearural mais dependente da natureza; (3) diferenas no tamanho da populao;(4) diferenas na densidade populacional; (5) diferenas na homogeneidade eheterogeneidade das populaes; (6) diferenas na diferenciao,estratificao e complexidade social; (7) diferenas na mobilidade social e (8)diferenas na direo da migrao (MARQUES, 2002, p. 100).

    Diversos textos ilustram os termos que dominaram essa perspectiva, concedendo

    elementos para a dualidade-dicotomia: o rural relacionado ao velho, ao tradicional, ao

    atrasado, ao passado, um espao perifrico onde se realiza atividades agrcolas; o

    urbano relacionado ao novo, ao moderno, ao adiantado, ao futuro, um espao centralonde se desenvolve atividades industriais, do comrcio e dos servios.

    Essas representaes sobre urbano e rural foram apropriadas como imagens pelo

    senso comum, invadindo o imaginrio social e produzindo preconceitos, ordens e

    comportamentos variados. Nas polticas pblicas, permitiu aes que pretenderam uma

    superao do rural, sua negao, tornando-o um espao cada vez mais urbano,

    modernizado, desenvolvido. Esse parece ser o entendimento do canadense Jean (2002).

    No entanto, o autor sinaliza tambm um novo contedo de preocupaes com a

    ruralidade que tem permitido repensar a ao poltica sobre os espaos rurais.

    Selon nous, le discours politique lepoque de la modernit naissance est undiscours qui va dans le sens des idologies dominantes de la ruralit. Il enrsulte un discours fortement modernisateur qui identifie une tche de ltat,celle de contribuer lamnagement rural. Avec le passage la modernitavance, le discours politique embote le pas dans le sillage du discourssocial et Il professe son intention de dvelopper des formules appropries dedveloppement durable des campagnes. La vellits de modernisation font

    place celles dune prservation des territoires et des communauts ruralesvues pratiquement comme des zones sinistres ou des espces em voie dedisparation ncessitant La sollicitude des pouvoirs publics pour assurer la

    prennit de ces milieus scio-conomiques fragiliss (JEAN, 2002, p. 16).

    A perspectiva do continuum, segundo Marques (2002), se origina na segunda

    metade do sculo XX, na esteira do avano da urbanizao e da industrializao da

    agricultura, anunciando maior integrao entre a cidade e o campo, mas de forma que o

    espao rural se aproxima da realidade urbana.

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    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    Candiotto e Corra (2008), em texto mais recente, assinalam uma variao

    interna nesta segunda perspectiva (do continuum), amparado nas anlises de Wanderley

    (2002). Assim, identifica uma vertente urbano-centrada fundada na homogeneizaoespacial e social que indicaria o fim do rural. A outra vertente, chamada de continuum

    rural-urbano, sinaliza uma integrao, continuidade e uma aproximao nas relaes

    entre os dois espaos, sem ignorar as particularidades e nem admitir o fim do rural.

    A leitura de Rua (2006), no obstante apresente um contedo no divergente com

    essa diviso, incorpora alguns elementos novos. O autor reconhece uma primeira

    perspectiva que denomina de abordagem clssica, centrada na ideia de urbanizao do

    rural, que poderamos, grosso modo, associar a primeira variao da perspectiva do

    continuum (urbano-centrada) indicada por Wanderley (2002). Na perspectiva de Rua(2006), estariam situadas as anlises de Lefebvre (1999, 2001) e a industrializao como

    promotora da urbanizao da sociedade (com toda a dificuldade de enquadramento do

    pensamento do autor sobre o assunto, admitido pelo prprio Rua), Santos (1993) e a

    urbanizao da sociedade e do territrio, Ianni (1996) e a dissoluo das fronteiras entre o

    urbano e o rural, e Graziano da Silva (1999) e as ideias de novo mundo rural e rurbano.

    Carneiro (1998), embora sem a explcita pretenso de classificao/enquadramento

    dos esquemas interpretativos que dirige o texto de Rua (2006), refora essa perspectiva, ao

    atribuir a Lefebvre (1999) e Mendras (1959) para a realidade europeia e Graziano da

    Silva (1999) e Ianni (1996) para a realidade brasileira a ideia de uma homogeneizao

    que reduziria a distino entre o rural e o urbano a um continuum dominado pela cena

    urbana (p. 53).

    A autora considera que a pujana do desenvolvimento capitalista nas dcadas de

    1960-70, apontava para um processo de dissoluo do agrrio, contudo, a crise do

    modelo produtivista nos anos 1980, sobretudo nos pases denominados desenvolvidos,

    tem gerado formas alternativas de reproduo social no campo, oferecendo elementos

    para o questionando desse esquema explicativo.

    a partir dessa compreenso que podemos considerar a segunda perspectiva

    apontada por Rua (2006), denominada de novas ruralidades, que em nossa apreciao,

    parece corresponder com a delimitao realizada por Wanderley (2002), da segunda

    variante da vertente do continuum rural-urbano. No enquadramento dos autores e de

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    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    suas ideias, ele se restringe a produo brasileira, destacando Carneiro (2002) e a

    multifuncionalidade e a pluriatividade como elementos das novas ruralidades, Moreira

    (2005) e a ruralidade como identidades mltiplas e abertas, Veiga (2004) e amanuteno da contradio urbano-rural aliada permanncia do rural e de suas

    especificidades, e por fim, Ricardo Abramovay (2000) e as especificidades do rural e

    suas novas relaes com o urbano.

    Para ilustrar a ideia de novas ruralidades recorremos ao entendimento de

    Carneiro (1998), defendendo a existncia de mudanas na realidade rural brasileira que

    se manifesta em dois fenmenos: na intensificao da pluriatividade, que no permite

    mais definir o rural exclusivamente pela atividade agrcola, em face do surgimento de

    outras atividades no-agrcolas, desenvolvidas ou no pela populao do campo; e pelacrescente busca de meios alternativos de vida no campo por pessoas oriundas da cidade,

    movimento tributrio do pensamento ecolgico e do questionamento da sociedade

    baseada na acelerao promovida pelo ritmo da industrializao. A autora se apia em

    Rambaud (1969) para afirmar que as mutaes engendradas na comunidade rural em

    decorrncia da intensificao das trocas com o urbano no provocam, necessariamente,

    uma descaracterizao do rural, pois,

    Mudanas de hbitos, costumes e mesmo de percepo de mundo, ocorremde maneira irregular, com graus e contedos diversificados, segundo osinteresses e a posio social dos atores, mas isso no implica uma rupturadecisiva no tempo nem no conjunto do sistema social (CARNEIRO, 1998, p.58).

    Admitir a existncia das duas perspectivas parece ser uma ortodoxia entre os

    autores que refletem sobre a relao campo-cidade e no apenas para pensar a realidade

    brasileira. Isso se verifica tambm no socilogo chileno Gomz (2001), quando

    distingue uma ruralidade tradicional de enfoque dicotmico, de uma nova ruralidade. O

    texto bastante esquemtico e procura sistematizar as principais abordagens sobre a

    relao campo-cidade, com um olhar especialmente dirigido a Amrica Latina.

    Na perspectiva da ruralidade tradicional, o campo se apresentava como atrasado

    e sem condies para oferecer bem-estar populao, condio assegurada apenas pela

    cidade. H uma concordncia com a posio de Marques (2002) situando os estudos de

    Sorokin, Zimmerman e Galpin (1996) nessa vertente, entretanto, Gomz (2001) traz

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    158Poltica de desenvolvimento territorial Agripino Souza Coelho Netorural no Brasil: limites da concepode ruralidade e de territrios rurais

    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    uma contribuio ao buscar em Tennies (1973), as origens do entendimento que

    sustentou a viso tradicional de ruralidade. Segundo Gomz (2001), Tennies

    reconhecia dois tipos de vontade, uma essencial, vinculada ao carter instintivo e naturaldos homens, prpria dos camponeses e artesos; e uma vontade arbitrria, produto da

    deliberao com fins precisos, prprio dos homens de negcios, cientistas e autoridades.

    Desses dois tipos de vontades, se originariam a comunidade, na qual predomina as

    tradies e a autossuficincia, a partir das vontades em um estgio primitivo e natural, e

    a sociedade, gerada pela especializao das pessoas e dos servios, do intercmbio em

    um mercado livre, considerado como ato social.

    Na perspectiva da nova ruralidade, Gomz (2001) inclui Edelmira Prez (2001)

    e a multifuncionalidade do territrio e o reconhecimento da pluriatividade, MariaWanderley (2002) e as particularidades histricas, sociais, culturais e ecolgicas do

    mundo rural, e por fim, Luis Llamb (1995) e o surgimento da nova ruralidade como

    produto da globalizao. O autor empreende um esforo de categorizao das anlises

    para a realidade latino-americana, mas numa direo distinta de Carneiro (1998) e Rua

    (2006), ele enquadra os estudos do professor da Universidade Estadual de Campinas,

    Graziano da Silva (1999), no bojo das concepes das novas ruralidades.

    Gomz (2001) prope uma nova ruralidade, baseada (1) na diversidade de

    atividades que se realizam e conformam o novo espao; (2) nas especificidades das

    relaes que se estabelecem no rural, relaes pessoais, de parentesco, e centradas na

    prolongada presena, que otorgan sentido a la identidad com el espacio a que las

    personas pertenecen y adquiere importancia la memria rural como expresin de la

    historia local (p. 22); (3) e no alcance do rural nas relaes que se desenvolvem com o

    urbano, promovendo uma integrao entre os dois espaos, pois, considera

    determinados espacios normalmente considerados como urbanos como parte de la

    ruralidad (p. 23)

    En otras palabras, se trata de espacios con una densidad relativamente baja,donde se realizan actividades tales como: la agricultura, florestal, ganadera,artesana, establecimientos dedicados a reparaciones, las industrias pequeasy medianas, pesca, la minera, extraccon, de los recursos naturales y turismorural. A su vez, se realizan servicios y otras actividades como La educacon,salud, gobierno local, transporte, comercio y deporto. Estas listas solo tienenel carter de ilustrativas sobre tipo de actividades a que se hace referencia yno son exhaustivas (GOMZ, 2001, p. 21).

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    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    Hay que destacar que los mercados de trabajo urbano y rural tienden aintegrarse y a terminar com la segmentacin que se observo em el pasado.Por um lado, se observa el hecho de que trabajadores y sus famlias quevivem em ciudades y trabajan em el campo, sea em forma permanente o

    temporal. Por el outro, se da el hecho que trabajadores y familiares que tienenresidncia em lo rural em las ciudades (GOMZ, 2001, p. 27).

    No entanto, Rua (2002) vai um pouco mais longe, e assume uma postura

    propositiva, indicando uma terceira perspectiva interpretativa, denominando-a de

    urbanidades no rural. O autor admite as transformaes que se verificam no rural,

    como nas anlises da perspectiva do continuum, mas defende que elas possuem outra

    natureza, logo, exigem outra direo do olhar. Ele aponta a insuficincia das abordagens

    anteriores. De um lado, o carter homogeneizador e simplificador da interpretao

    clssica, centrada na cidade, e por outro lado, o extremado peso colocado no rural pelosautores das novas ruralidades, pois, no seria possvel deixar de admitir a posio de

    comando do urbano na reestruturao espacial do mundo contemporneo.

    Procura-se apresentar/estudar o movimento de expanso das urbanidades nasreas rurais, compreendendo a presena do urbano lefebvriano nessas reascomo manifestao do processo geral de transformaes, pelo qual passa oespao, sem que isso se perceba como destruio do rural e sim como difusode urbanidades no rural integrando-se a novas ruralidades preconizadas

    por Maria Jos Carneiro, numa gestao de um espao hbrido produto denovas relaes que no podem ser explicadas apenas pelas concepestradicionais de urbano e rural (RUA, 2006, p. 57).

    Para o autor, as urbanidades no rural seriam todas as manifestaes do urbano

    em reas rurais sem que se trate esses espaos como formalmente urbanos (RUA,

    2006, p. 57). Ele faz questo de distinguir sua posio em relao a ideia de

    urbanizao do rural (da abordagem considerada clssica) que levaria a inevitvel

    perspectiva do fim do rural, pois, o que se verifica na atualidade so espaos rurais que

    no so urbanos, mas que apresentam outra natureza distinta do rural tradicional e do

    urbano. A proposta nos parece indicar um hibridismo na constituio do rural hoje, pois

    elementos materiais e imateriais do urbano interagem com os elementos do rural, ouseja, no haveria uma destruio do rural, substitudo pelo urbano, mas a conformao

    de uma nova espacialidade hbrida, produto da fuso entre ruralidades e urbanidades.

    Acreditamos que sua formulao, embora apresente um elemento novo no modo

    de olhar o rural, no se constitua propriamente num outro esquema explicativo, diante

    da aproximao com a perspectiva das novas ruralidades. O contedo do rural

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    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    proclamado pelo autor est presente na referida perspectiva, distintivo seria mesmo o

    alerta para a impossibilidade de uma viso rural-centrada em oposio viso urbano-

    centrada, limitao que parece imputar aos autores das novas ruralidades.

    A concepo de rural na poltica de territoriais rurais do MDA

    O primeiro movimento desta seo consiste na realizao de uma sucinta

    contextualizao das origens e diretrizes gerais da atual poltica de territrios rurais

    implantada pelo MDA, para em seguida empreendermos um esforo de identificao e

    discusso do conceito de rural que a orienta.

    O referido programa originou-se de uma linha de ao do Programa Nacional de

    Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) que destinava recursos para a

    construo de obras e aquisio de servios comunitrios, durante o perodo de 1997 a

    2002. A proposta trabalhava com a ideia de promoo do desenvolvimento, valorizando

    a escala municipal, instrumentalizado por uma gesto estruturada em Conselhos

    Municipais de Desenvolvimento Rural (CMDR). Embora tenha ocorrido uma

    apropriao poltica pelas prefeituras, verificaram-se alguns ganhos com a construo

    da representatividade das comunidades e produtores rurais, fomentando a criao de um

    espao de discusso entre os atores locais (DELGADO, et al., 2007).

    Com o advento do governo Lula (2003-2010), o programa ganha outra dimenso

    com a elaborao de um conjunto de diretrizes que passam a referenciar a poltica e a

    gesto territorial no Brasil, ampliando as fronteiras da pasta do Ministrio do

    Desenvolvimento Agrrio e da ao do governo central, tornando-se fundamento para

    atuao governamental num plano mais geral e, incorporado na esfera de atuao dos

    estados federados1.

    A concepo de poltica e gesto territorial que fundamenta o Programa

    Nacional de Desenvolvimento Sustentvel dos Territrios Rurais (PNDSTR) encontra-

    se centrada na construo de uma nova institucionalidade que recebe o nome de

    territrio, apoiando-se na ideia de promoo do desenvolvimento territorial, no

    estabelecimento do espao rural como foco de atuao, e da gesto social como

    princpio que pretende garantir o envolvimento da sociedade civil no processo de

    construo poltica. Nesta perspectiva suas diretrizes pressupem:

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    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    Criao de colegiados territoriais, compreendidos como espaos pblicos ou

    arenas decisrias, que se configuram como uma nova governana territorial

    (nova institucionalidade territorial);

    Criao de mecanismos de participao e de construo do protagonismo da

    sociedade civil, no sentido de fortalecer os processos de descentralizao

    poltica e estmulo autogesto dos territrios;

    Construo e fortalecimento de redes de articulao de atores, instituies e

    programas, para conduo do processo de planejamento e gesto das

    polticas territoriais.

    A formao dos territrios na poltica do governo federal tem como base osmunicpios. Os limites do recorte territorial se definem a partir da adeso ou sada dos

    municpios, dos respectivos colegiados ou conselhos territoriais. Os critrios de

    demarcao tm se conduzido pelas relaes polticas no interior do recorte espacial

    institudo como territrio e pelo sentimento de pertencimento e identificao a mesma

    realidade regional. Atualmente a Secretaria de Desenvolvimento Territorial,

    especialmente criada para coordenar a poltica territorial do MDA, identifica a

    existncia de 160 territrios rurais (40% na regio Nordeste), abrangendo 4.297

    municpios (24% na regio Nordeste), dados que demonstram a expresso, atualidade e

    relevncia do fenmeno para a sociedade brasileira2.

    O PNDSTR um componente da poltica governamental, elaborado e executado

    no mbito do MDA, que assume a ideia de desenvolvimento rural como um de seus

    propsitos. Partindo-se do pressuposto de que, uma poltica elaborada por um ministrio

    que tem o campo como espao referncia de sua atuao e que adota a denominao

    territrios rurais como parmetro de delimitao do espao de ao da poltica,

    possvel inferir que a noo de rural seja balizadora, exigindo a explicitao da

    compreenso que se tem sobre o termo como representao do real, aliada a uma leitura

    atual da realidade rural brasileira.

    A primeira constatao significativa nos documentos referenciais que orientam a

    poltica dos territrios rurais do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio a ausncia de

    uma bibliografia minimamente satisfatria que possa oferecer elementos para

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    162Poltica de desenvolvimento territorial Agripino Souza Coelho Netorural no Brasil: limites da concepode ruralidade e de territrios rurais

    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    compreenso do rural em sua complexidade, no sentido da construo de uma

    representao do rural que possa nortear a definio de polticas e aes. A maior parte

    dos documentos simplesmente no indica as referncias, a no ser como notas derodap. Apenas dois autores so mencionados, Jos Ely da Veiga e Ricardo Abramovay,

    isto , ignorando um grande nmero de pesquisas e autores que vm se debruando

    sobre o tema, empreendendo um esforo de compreender a ruralidade na atualidade.

    Essa constatao ajuda explicar a ausncia de uma definio de rural adotada

    pelo programa, o que no acontece com a definio do territrio, amplamente

    informada. Isso nos permite depreender que embora os territrios sejam adjetivados de

    rurais, a noo de rural no ocupou uma posio de importncia na construo dos

    referenciais dessa poltica, permitindo-nos elaborar algumas questes: qual arepresentao de rural/ruralidade adotada pelo PNDSTR? possvel definir uma

    poltica de desenvolvimento rural, anunciada como pretenso do programa se no est

    explicitada ou devidamente clara, a compreenso do que seja o rural?

    Nos documentos referenciais demonstra-se uma tmida inteno de definio dos

    territrios rurais, conforme verificamos na transcrio:

    So os territrios [...] onde os critrios multidimensionais que oscaracterizam, bem como os elementos mais marcantes que facilitam a coeso

    social, cultural e territorial, apresentam, explicita ou implicitamente, apredominncia de elementos rurais. Nestes territrios incluem-se osespaos urbanizados que compreendem pequenas e mdias cidades, vilase povoados(MDA, 2005a, p. 28, grifo nosso).

    Inicialmente, necessrio informar, que a transcrio acima equivale

    totalidade do texto de um dos tpicos do documento, intitulado Territrio Rural, e que

    pretensamente pretende defini-lo. O contedo apresentado no consegue dar conta do

    propsito, pois, no esclarece o que seriam os mencionados elementos rurais. Parece-

    nos que houve muito mais uma preocupao em informar que o urbano faz parte dos

    territrios rurais do que propriamente explicitar o que se entende por rural. Oselementos rurais so objeto apenas de uma nota de rodap, reproduzida a seguir:

    Ambiente natural pouco modificado e/ou parcialmente convertido aatividades agro-silvo-pastoris; baixa densidade demogrfica populaopequena; base na economia primria e seus encadeamentos secundrios etercirios; hbitos culturais e tradies tpicas no universo rural (MDA,2005a, p. 28, grifo nosso).

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    163Poltica de desenvolvimento territorial Agripino Souza Coelho Netorural no Brasil: limites da concepode ruralidade e de territrios rurais

    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    A nota de rodap, apndice da definio de territrios rurais, faz aluso a quatro

    elementos como expresso do rural. Primeiro, se remete ao rural romantizado, muito

    prximo da interpretao dicotmica, opondo rural-natural e urbano-artificial. Segundo,toma o rural como agrcola, ignorando as interpretaes que destacam o grau de interao

    e interdependncia e, poderamos dizer, a inseparabilidade entre os setores, dividindo-os

    de forma tradicional (primrio, secundrio e tercirio). Terceiro, prioriza variveis

    (densidade demogrfica e tamanho da populao) que, embora operacionais e funcionais,

    consideramos bastante limitadoras para expressar a complexidade e a diversidade do

    rural. O quarto elemento, mais uma vez, prevalece uma ausncia de clareza, pois no est

    colocado o que seriam os hbitos culturais e tradies tpicas do universo rural.

    Um trecho de outro documento publicado pelo MDA refora que a compreensode rural da poltica territorial se assemelha com o que Gomz (2001) denominou de

    ruralidade tradicional, ou o que Marques (2002) chamou de perspectiva dicotmica,

    uma vez que considera o campo como espaos consagrados produo primria.

    [...] territrio envolve, portanto, no somente os espaos consagrados produo primria os campos - mas tambm pequenas cidades eaglomerados populacionais e os agentes que so caractersticos dessesespaos (MDA, 2005c, p. 7-8, grifo nosso).

    Mesmo quando esboa uma perspectiva de no restringir o rural ao agrcola, no

    assume a complexidade e imbricao do funcionamento da economia hoje, que no nos

    permite distinguir de forma to simples e fcil os setores de atividades e suas inter-

    relaes socioeconmicas e espaciais, negligenciando as discusses das novas

    ruralidades, como a pluriatividade e multifuncionalidades, amplamente difundidas nos

    estudos de Carneiro (1998), Moreira (2005) e as urbanidades no rural proposta por

    Rua (2006), dentre outros.

    [...] o rural no se resume ao agrcola. Mais do que um setor econmico, oque define as reas rurais enquanto tal so as suas caractersticas espaciais:menor grau de artificializao do ambiente quando comparado com as reasurbanas, a menor densidade populacional, o maior peso dos fatores naturais(MDA, 2005b, p. 8, grifo nosso).

    Novamente se refora os elementos que j foram comentados anteriormente. A

    ruralidade no se define a partir de suas especificidades, porm, como um antagonismo

    ao urbano. Numa perspectiva bastante funcional e dicotmica, compara-se as variveis

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    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    escolhidas e separa-se o que urbano do que rural, como se essa distino fosse to

    evidente no domnio do emprico. No desconsideramos que tais elementos podem ser

    considerados para participar do esforo de definio da ruralidade, mas julgamosinsuficientes para uma aproximao com a realidade que se manifesta como rural hoje.

    Os documentos institucionais informam superficialmente a metodologia

    operacional adotada para delimitar os territrios rurais. O processo inicia com a

    caracterizao das microrregies geogrficas do Instituto Brasileiro de Geografia e

    Estatstica (IBGE), baseando-se, especificamente, nas variveis de densidade

    demogrfica e populao mdia para identificar as microrregies rurais:

    Caracterizao geral dos territrios rurais existentes, atravs da base de

    informaes secundrias, geopolticas e demogrficas do Instituto Brasileirode Geografia e Estatstica (IBGE), referente aos municpios e smicrorregies geogrficas do Brasil (MDA, 2005b, p 16).

    As microrregies rurais so aquelas que apresentam densidadedemogrfica menor do que 80 habitantes por km2e populao mdia pormunicpio at 50.000 habitantes(MDA, 2005a, p. 28, grifo nosso).

    O resultado da caracterizao das microrregies indica [...] de quais regionais

    devero se revelar os territrios rurais a serem trabalhados prioritariamente (MDA,

    2005a, p. 28-29). Assim, as microrregies so as bases espaciais para delimitar os

    territrios rurais, a partir da comparao das variveis elegidas aprioristicamente.Nessa perspectiva, primeira vista, os territrios rurais seriam divises do espao

    definidas a partir de critrios pr-estabelecidos, indicando muito mais uma

    regionalizao do espao para efetivao de uma poltica governamental.

    Nessa caracterizao so identificados trs grupos de territrios: osurbanos, os intermedirios e os rurais. Estes ltimosforam definidoscomo sendo aqueles que se identifiquem dentre microrregies geogrficasque apresentam densidade demogrfica menor que 80 habitantes/km2 epopulao mdia por municpio de at 50.000 habitantes(MDA, 2005b, p.16, grifo nosso).

    como se as regies, vistas como classe de rea3, produto de uma

    regionalizao, se transformassem em territrios como num passe de mgica,

    contrapondo a vasta literatura disponvel, que envidou esforos para discutir o territrio

    como conceito e apresentar leituras sobre as manifestaes das territorialidades. O

    mecanismo de delimitao dos territrios rurais parece indicar que esses territrios

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    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    podem ser construdos por decreto ou delimitados a partir de indicadores demogrficos.

    Fica explicito que a concepo adotada ignora o territrio como unidade emprica e a

    complexidade que condiciona seu processo de construo, como, por exemplo, aquesto dos limites/fronteiras e o sentimento de pertencimento, por expressarem

    relaes de poder e de identificao com o espao. Apesar do anncio de um segundo

    momento em que os atores devero validar a demarcao dos territrios, no se pode

    negar a complexidade das questes polticas e econmicas que influenciam esse

    processo.

    A revelao definitiva de cada territrio somente ocorrer quando suapopulao, atravs dos atores sociais, reconhea os seus elementoscaracterizadores da coeso social e territorial , durante, ou logo aps, oprocesso de construo da identidadee proposio de sua viso do futuro

    (MDA, 2005a, p. 29, grifo nosso).

    A demarcao dos territrios assume os limites municipais como parmetros,

    carregando junto os conflitos emancipatrios e o jogo de interesses polticos que se

    constituem na escala local. A construo da identidade como foi colocada parece um

    fenmeno temporal e espacialmente simples, que se concretizaria no decorrer do

    processo da implantao dessa poltica.

    A classificao dos territrios em urbanos, intermedirios (sic)e rurais, embora

    indique uma predominncia, indubitavelmente carregam os perigos das classificaes

    generalizadoras e fragmentadoras, pelo grau de dificuldade de separar realidades to

    imbricadas espacialmente. Embora reconhecendo as necessidades pragmticas da

    poltica e do planejamento governamental, esforos no sentido de re-significao dos

    mecanismos adotados devem ser tentados.

    Algumas consideraes

    A concepo do rural tratada de forma secundria nos documentos oficiais que

    orientam a execuo das polticas de implantao dos territrios rurais. A prioridade recaisobre a discusso de territrio, desenvolvimento territorial e gesto social, negligenciando

    uma noo que consideramos fundamental num programa de desenvolvimento rural que

    toma os territrios rurais como categoria operacional, portanto, assumindo o rural como

    parmetro de delimitao do espao de ao da poltica territorial do MDA.

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    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    Nos raros fragmentos em que ocorrem tentativas de apresentar uma conceituao

    de rural, constata-se um descompasso em relao s interpretaes mais recentes da

    ruralidade, expostas, sobretudo na concepo de novas ruralidades, trabalhadas porCarneiro (1998), Gomz (2001), Wanderley (2002) e Moreira (2005), e de urbanidades

    do rural, defendidas por Rua (2006).

    A compreenso do rural trabalhada numa perspectiva dicotmica que ainda

    concebe o rural em oposio ao urbano, como realidades excludentes. O rural est

    relacionado com o espao em que se desenvolvem atividades agrcolas e que no

    mximo possuem desdobramentos com a indstria e os servios.

    A ruralidade tomada como sinnimo de natureza, de espao no artificializado,

    distinto do urbano. Entretanto, o contedo da abordagem das novas ruralidades focalizaa relao campo-natureza-cidade a partir de outro prisma. Considera-se que a natureza

    se torna uma referncia para um novo estilo de vida, alternativo em relao acelerao

    da vida urbano-industrial. Portanto, ao invs de enfatizar a dicotomia rural/natural e

    urbano/artificial, destaca que esse fenmeno confere uma complexidade ao novo rural,

    com a presena de um contedo hbrido de urbanidade e ruralidade, uma vez que o rural

    que os agentes urbanos procuram, e por sua vez, participam da construo, no mais

    aquele rural tradicional. Esses agentes no podem prescindir de suas vivncias e

    saberes, construdos em sua relao com a cidade, nem, minimamente, do aparato

    tcnico que se encontra incorporado s suas prticas cotidianas.

    O mecanismo de delimitao dos territrios rurais, considerando como ponto

    de partida as microrregies geogrficas, baseando-se em variveis meramente

    demogrficas, estabelece uma classificao funcional semelhante regio como classe

    de rea, largamente utilizada pela geografia quantitativa, desconsiderando a

    complexidade dos fenmenos da territorialidade e da ruralidade. No nos parece

    prudente que no exerccio do planejamento governamental se ignore as discusses,

    teorizaes, interpretaes, crticas, sinalizaes e pistas que vm sendo desenvolvidas

    pelos pesquisadores/especialistas do assunto (e chega mesmo a ser bvio que se faa

    esse movimento), pois, as vises simplificadoras da realidade se colocam como ameaas

    para a interveno pblica, mutilando as possibilidades mais concretas e desejveis de

    transformao social quando se trata de uma poltica estatal.

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    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

    Notas________________________1 O Governo da Bahia tem incorporado a delimitao dos territrios do MDA (talvez em funo do

    alinhamento poltico-partidrio com o governo central) tornando-o base para o levantamento de dados epara a elaborao de polticas pblicas no estado da Bahia.2Dados quantitativos obtidos no http://www.mda.gov.br/sdt em 10 de agosto de 2008.3Discusso realizada por: DUARTE, A. C. Regionalizao: Consideraes Metodolgicas, Boletim deGeografia Teortica, v. 10, n. 20, Rio Claro, 1980; e CORRA, R. L. Regio e organizao espacial.So Paulo: tica, 1986.

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    Recebido em 30/11/2012Aceito para publicao em 13/06/2013.