agenda dos cidadãos - jornalismo e participação cívica nos media portugueses

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Agenda Dos Cidadãos - Jornalismo e Participação Cívica Nos Media Portugueses

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    Joo Carlos Correia (Coord.)Joo Canavilhas

    Jos Ricardo CarvalheiroGil Baptista Ferreira

    Ricardo MoraisJoo Carlos Sousa

    Joo Nuno Sardinha (Designer do Projecto)

    Agenda dos Cidados:jornalismo e participao cvica nos media portugueses

    memria de um projecto

    LabCom Books 2014

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    Livros LabComCovilh, UBI, LabCom, Livros LabComwww.livroslabcom.ubi.pt

    SRIEPesquisas em ComunicaoDIREOJos Ricardo CarvalheiroDESIGN DE CAPACristina LopesPAGINAOFilomena Matos

    ISBN978-989-654-187-3 (Papel)978-989-654-189-7 (pdf)978-989-654-188-0 (epub)DEPSITO LEGAL385608/14TIRAGEMPrint-on-demand

    TTULOAgenda dos Cidados: jornalismo e participao cvica nos mediaportugueses memria de um projectoAUTORESJoo Carlos Correia (Coord.), Joo Canavilhas, Jos Ricardo Carvalheiro, GilBaptista Ferreira, Ricardo Morais & Joo Carlos SousaJoo Nuno Sardinha (Designer do Projecto)ANO2014

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    ndice

    Introduo 1

    1 Enquadramento terico 71.1 As prticas jornalsticas e o compromisso dos cidados com a

    comunidade: o jornalismo pblico . . . . . . . . . . . . . . . 81.2 A imprensa regional e a introduo de prticas de jornalismo

    pblico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

    2 Enquadramento e desenho metodolgico 192.1 Anlise de Contedo dos Jornais . . . . . . . . . . . . . . . . 222.2 Inqurito aos Jornalistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 242.3 Entrevistas aos Directores dos Jornais . . . . . . . . . . . . . 262.4 Estudo de Opinio Longitudinal: Sondagens e Perodo Expe-

    rimental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 282.4.1 Constrangimentos na Identificao da agenda dos ci-

    dados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 332.5 Grupos de Foco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 342.6 O percurso metodolgico e as tcnicas de recolha de dados . . 36

    3 Apresentao dos principais resultados 393.1 As prticas de construo noticiosa dos jornais regionais . . . 403.2 Jornalistas, princpios e critrios de produo noticiosa . . . . 503.3 Entre as administraes e as redaces: o papel dos directores 633.4 Da agenda dos media agenda dos cidados . . . . . . . 70

    3.4.1 Identificao das questes de interesse coletivo: a agen-da dos cidados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

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    3.4.2 O desenvolvimento de trabalhos jornalsticos em fun-o da agenda dos cidados . . . . . . . . . . . . . 82

    3.4.3 A agenda ditada pelos interesses dos cidados e ostrabalhos jornalsticos: a percepo dos leitores . . . . 92

    3.5 A participao dos cidados no debate pblico: o caso da in-troduo de portagens nas SCUTS . . . . . . . . . . . . . . . 102

    Consideraes Finais 107

    Referncias bibliogrficas 113

    Anexos 119I Categorias de Anlise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120II Guio do Inqurito aos Jornalistas . . . . . . . . . . . . . . . . 132III Guio das Entrevistas aos Directores . . . . . . . . . . . . . . 139IV Guio da 1 Inquirio no Estudo de Opinio . . . . . . . . . . 141V Guio da 2 Inquirio no Estudo de Opinio . . . . . . . . . . 148VI Guio dos Grupos de Foco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154VII Prticas de construo noticiosa dos jornais regionais . . . . . 156VIII Jornalistas, princpios e critrios de produo noticiosa . . . . 160IX Transcrio das Entrevistas aos Directores . . . . . . . . . . . 165X A participao dos cidados no debate pblico: o caso da intro-

    duo de portagens nas SCUTS . . . . . . . . . . . . . . . . . 233

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    Introduo

    O campo do jornalismo tem vindo a ser atravessado, nas ltimas dcadas, porreflexes tericas e experincias que visam melhorar o relacionamento entreos pblicos e a vida comunitria, tentando incentivar esses mesmos pblicosa participar no debate das questes de interesse colectivo.

    Sob a influncia de elementos tericos projectados pela teoria da demo-cracia deliberativa, pela reflexo comunitarista e pela obra de John Deweye tambm das transformaes tecnolgicas que incentivam a interactividade,o jornalismo implica hoje uma referncia ao reforo da participao dos p-blicos na cidadania e ao papel que o jornalismo pode desenvolver no reforodessa participao (Dewey, 2004; Mesquita, 2003; Dahlgren & Sparks, 1991).

    Simultaneamente, o jornalismo pblico tem-se afirmado como um movi-mento que visa ultrapassar alguns contextos de crise que dificultaram o re-lacionamento entre o jornalismo e a vida cvica, nomeadamente a orientaoexclusivamente dirigida para o mercado, o reforo da tendncia conhecidapela fuso do entretenimento com a informao (infotainment), o incrementodas soft news, e a excessiva dependncia de fontes oficiais e de rotina.

    Neste contexto, o projecto Agenda dos Cidados: jornalismo e partici-pao cvica nos media portugueses1 surgiu com o objectivo fundamental de

    1 O projecto, com a referncia PTDC/CCI-JOR/098732/2008, foi financiado por fundosnacionais da Fundao para a Cincia e Tecnologia (FCT) atravs do Ministrio da Cincia,Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) e co-financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvi-mento Regional (FEDER) atravs do COMPETE-Programa Operacional Factores de Compe-titividade da Unio Europeia. Foi desenvolvido no Laboratrio de Comunicao e ContedosOnline (Labcom) da Universidade da Beira Interior (UBI) entre 22 de Maro de 2010 e 21de Maro de 2013, tendo como investigador responsvel o Professor Doutor Joo Carlos Fer-reira Correia e como equipa de investigao: Anabela Gradim Alves, Andreia Pinto Rendo,Catarina Rodrigues, Gil Baptista Ferreira, Joo canavilhas, Jos Ricardo Carvalheiro, Patrcio

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    identificar, fomentar e experimentar prticas jornalsticas que contribuam parareforar o compromisso dos cidados com a comunidade e a deliberao de-mocrtica na esfera pblica, numa perspectiva de fortalecimento da cidadania,seguindo o exemplo do chamado jornalismo pblico e, eventualmente, outrasformas de jornalismo comunitrio (Glasser, 1999; 2002).

    A ideia orientadora fundamental do projecto foi a anlise da possibilidadede substituir uma agenda determinada, maioritariamente, por definidores pri-mrios, por uma agenda em que tambm se desse visibilidade s questes deinteresse pblico identificadas pelos pblicos dos media (Charity, 1995).

    Procurando estudar prticas concretas de jornalismo pblico, na pers-pectiva de saber em que medida se traduzem num reforo efetivo da delibe-rao democrtica e da esfera pblica, o projecto colaborou com meios decomunicao social regionais a fim de implementar, testar e observar proce-dimentos orientados e influenciados por uma lgica similar praticada pelojornalismo pblico.

    No desenvolvimento da investigao seguiram-se assim duas grandes li-nhas orientadoras:

    a) Reflexo crtica sobre as relaes entre jornalismo, deliberao demo-crtica, esfera pblica e sociedade civil;

    b) Anlise das potencialidades do jornalismo pblico ou jornalismo c-vico nomeadamente atravs da aplicao de algumas destas potenciali-dades em colaborao com rgos de comunicao social regional numestudo de caso.

    A concretizao do primeiro eixo passou fundamentalmente por uma revi-so bibliogrfica e por um activo intercmbio de experincias com outros con-textos profissionais, acadmicos e culturais. A fim de se obterem consequn-cias prticas para o desempenho do Jornalismo Portugus e para o campocientfico dos Estudos Jornalsticos, foram ainda organizadas palestras e co-lquios, com destaque para o Encontro sobre Comunicao e Deliberao(2010), a International Conference Public Sphere Reconsidered (2011) eo gora Encontro sobre Media, Proximidade e Participao (2012). Os

    Costa, Susana Borges, Susana Sampaio Dias, Susana Salgado, Ricardo Morais, Joo CarlosSousa e Joo Nuno Sardinha.

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    livros publicados na sequncia destes encontros, com as contribuies dosmuitos investigadores, nacionais e internacionais, que marcaram presena,ajudaram na concretizao desta reflexo. Nesse sentido foram tambm apre-sentadas diversas comunicaes e elaborados vrios artigos pelos diferenteselementos que constituem a equipa do projecto.

    O segundo eixo, ao qual estava associada a componente do projecto maisdirigida para estudo de campo, implicou a adopo de procedimentos meto-dolgicos especficos e compreendeu as seguintes actividades:

    a) Contactar com rgos de comunicao social de implantao regionalde todo o pas;

    b) Proceder a um levantamento, junto desses rgos, das suas prticas deconstruo noticiosa;

    c) Promover, em conjunto com esses rgos, estudos de opinio e gruposde foco a fim de identificar as questes de interesse colectivo entendidasenquanto tais pelos cidados das respectivas reas de influncia;

    d) Usar os dados recolhidos para criar uma agenda ditada pelos interessesdos cidados, originando aquilo que pode ser designado por agenda docidado;

    e) Tentar mobilizar os cidados para a discusso em fruns pblicos dostemas considerados prioritrios nos estudos desenvolvidos;

    f) Promover o intercmbio com outras experincias similares em contex-tos regionais e nacionais diferentes.

    Considerados os principais objectivos e os procedimentos propostos paraa concretizao do projecto, importa realar que com este livro se pretendecriar uma memria do que foram trs anos de uma investigao singular anvel nacional e que procurou aplicar, no contexto regional, as potencialida-des decorrentes das prticas sugeridas pelas vrias tendncias do jornalismopblico. Estudou-se a organizao do trabalho, as estratgias, as prticas, osprofissionais e os processos de produo da informao bem como as ques-tes de interesse colectivo que mais preocupam os cidados e que no cabem

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    nas agendas dos meios de comunicao. Foram conduzidos inquritos, entre-vistas, estudos de opinio com sondagens telefnicas, focus goups, e assim,recolhido um conjunto de dados que permitiram conhecer melhor a realidadedos meios regionais e tentar responder s necessidades informativas dos cida-dos, desenvolvendo trabalhos jornalsticos em funo dos temas identificadospor estes como prioritrios.

    Estes dados e o conhecimento obtido so bem representativos da impor-tncia que o projecto desenvolvido tem no campo dos estudos jornalsticos emPortugal, na reflexo sobre o jornalismo pblico e na aplicao das suas prti-cas em diversos contextos culturais. Foi, tendo em conta a sua importncia eo que eles podem representar para futuras pesquisas nesta rea, que se decidiuapresentar a presente memria do projecto.

    Nesta memria do projecto Agenda dos Cidados: jornalismo e partici-pao cvica nos media portugueses optou-se por seguir a mesma estruturaque guiou toda a investigao, no apenas como forma de facilitar a exposio,mas tambm para auxiliar o leitor a colocar-se no papel dos investigadores. Olivro encontra-se assim organizado em trs partes distintas relacionadas entresi.

    Na primeira parte abordam-se os principais aspectos que compem o en-quadramento terico. O jornalismo pblico, enquanto movimento subja-cente a todo o projecto dado a conhecer ao leitor, a partir das suas razeshistricas e dos seus antecedentes intelectuais. O contexto social e poltico,os princpios em que se funda e as prticas que prope aplicar so expostasnas primeiras pginas. A aplicao deste novo jornalismo no contexto por-tugus e particularmente no seio da imprensa regional, as especificidades dasociedade portuguesa e as faculdades econmicas dos meios de comunicaosocial encerram o captulo inicial.

    A segunda parte desta memria inclui o enquadramento e o desenho me-todolgico sendo a que se explicam e justificam as tcnicas de recolha dedados utilizadas. Considera-se cada uma das fases do projecto, as diferentesabordagens metodolgicas e a articulao entre uma vertente quantitativa equalitativa. Esta segunda parte fundamental, uma vez que aqui so definidosos universos e corpus de anlise sem os quais no seria possvel compreenderos resultados que so apresentados na ltima parte do livro. Em cada ponto considerado um objecto de estudo e, a partir desse, expostos os dados que seentendeu serem mais relevantes.

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    O livro encerra com as concluses, as quais, no contexto particular desteprojecto, devem tambm ser entendidas como resultados de aprendizagensque funcionam como pistas para reflexes ulteriores. A natureza exploratriadesta investigao no contexto nacional contribuiu para que, no final, maisdo que respostas, se possam apresentar ensinamentos e at elementos que in-duzem ao levantamento de problemas novos no considerados no incio dainvestigao.

    Se h algo que o projecto ousou realizar foi sem dvida reflectir de formadetalhada e extensa sobre o jornalismo pblico, os seus limites e a sua apli-cabilidade em diversos contextos culturais, tendo em conta a diversidade derealidades manifestas nas vrias regies de Portugal Continental ao nvel daimprensa regional. Espera-se por isso que todo o esforo empreendido pelaequipa de investigao possa despoletar novos trabalhos, mas tambm, e so-bretudo, a iniciativa de correr riscos na investigao.

    Por fim, resta agradecer a todos os jornalistas, aos responsveis dos ttu-los de imprensa regional e aos leitores, a colaborao, uma vez que sem elesno teria sido possvel realizar todo o trabalho de campo. Agradece-se igual-mente todo o apoio prestado pelos elementos da Faculdade de Artes e Letrasda Universidade da Beira Interior na consecuo de todas as tarefas.

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    Captulo 1

    Enquadramento terico

    Em termos de enquadramento terico, o projecto Agenda dos Cidados: jor-nalismo e participao cvica nos media portugueses insere-se nos estudosjornalsticos e tem como ideia fundamental a possibilidade de criao de umaagenda menos determinada por definidores primrios e mais centrada nasquestes de interesse pblico (Charity, 1995). As prticas jornalsticas e aimportncia concedida ao pblico so desta forma aspectos centrais em todaa investigao.

    Para encontrar suporte terico para esta abordagem foi, pois, necessrioanalisar o jornalismo cvico enquanto movimento que faz referncia ao re-foro da participao dos pblicos na cidadania e ao papel do jornalismo noreforo dessa participao (Mesquita, 2003; Dahlgren & Sparks, 1991). Comodefinido pelos seus fundadores (Rosen, 1994; Merrit, 1998), surgiu por voltade 1990 nos Estados Unidos da Amrica e props-se, atravs dos meios decomunicao, operar uma mudana na relao entre os cidados e a vida p-blica.

    O reforo do compromisso dos cidados com a comunidade tambm umpapel normalmente atribudo imprensa regional. Assim, o principal objec-tivo da investigao passa pela identificao e promoo de prticas jornalsti-cas que contribuam para reforar o compromisso dos cidados com a comuni-dade, a abordagem terica tem necessariamente de centrar-se nas articulaespossveis entre jornalismo pblico e jornalismo regional.

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    Este captulo encontra-se neste sentido dividido em dois pontos. No pri-meiro consideram-se as razes histricas, os antecedentes intelectuais, o con-texto social e poltico subjacente emergncia do jornalismo pblico, aomesmo tempo que so identificados os princpios e as prticas que guiam estemovimento. No segundo ponto, considera-se a realidade portuguesa, os meiosde comunicao regionais e particularmente o papel atribudo imprensa re-gional. Considerando que o objectivo desta ltima tambm chegar perto doscidados, dos seus problemas, daquilo que os afecta dentro das comunidades,reflecte-se sobre a possibilidade das prticas do jornalismo pblico seremaplicadas no contexto da imprensa regional em Portugal.

    1.1 As prticas jornalsticas e o compromisso dos ci-dados com a comunidade: o jornalismo pblico

    A compreenso do movimento conhecido como jornalismo pblico no possvel sem que antes se analisem as razes e os antecedentes intelectuais, ocontexto histrico e poltico subjacente sua emergncia.

    Quanto s razes tericas e filosficas destacam-se os ideais associados aopensamento de John Dewey e as preocupaes levantadas por este nos anos20 e 30 sobre o papel dos media em democracia; as propostas da ComissoHutchins (1947) sobre a liberdade de imprensa; e as ideias desenvolvidas pelaTeoria da Responsabilidade Social (Traquina, 2003; Borges, 2009). A estespodem acrescentar-se as reflexes de pensadores deliberativos e comunitaris-tas particularmente influentes nos Estados Unidos (cf. Haas, 1977). Final-mente estes antecedentes podem considerar-se ligados influncia da teoriapoltica nos estudos da comunicao, particularmente atravs dos trabalhos deJames Carey, Hannah Arendt, Jrgen Habermas, entre outros (Borges, 2009,p. 95; Coleman, 2003, p. 60).

    Apesar da importncia que estes contributos tm para o movimento e paraa redefinio da funo social do jornalismo (Coleman, 2003 apud Borges,2009, p. 97), a verdade que durante vrios anos, estes no foram suficien-tes para que despontasse uma forma alternativa de exerccio desta actividadeprofissional. Apenas no final da dcada de 1980, que o movimento surgeentre editores e professores como uma reaco perda de credibilidade dosmedia, s baixas tiragens dos jornais, baixa participao poltica dos cida-

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    dos e, principalmente, incapacidade demonstrada pelos jornalistas nas elei-es americanas de 1988 de perceberem e reagirem s actuaes dos polticos(Costa, 2006).

    A campanha presidencial norte-americana de 1988 assim consideradaum evento que desencadeou o aparecimento do jornalismo pblico. No con-texto da cobertura meditica desta campanha, verificou-se que os meios decomunicao enfatizaram questes secundrias como os aspectos relaciona-dos com a vida pessoal dos candidatos e com as intrigas polticas, deixandode lado as questes de interesse pblico (Traquina, 2003; Borges, 2009).

    A primeira manifestao do jornalismo cvico nasceu da frustrao acer-ca da cobertura presidencial. Muitos acreditaram que os media foram trans-formados pelas tcticas de campanha negativa, obcecados com a cobertura dotipo corrida de cavalos e esquecidos em relao s questes julgadas impor-tantes pelos eleitores (Shepard, 1994 apud Traquina, 2003, p. 10).

    Esta actuao por parte dos meios de comunicao aumentou a insatisfa-o j instalada em relao aos princpios jornalsticos (Charity, 1995, p. 1),a qual resultava em simultneo de fenmenos como a crise de credibilidadedos media noticiosos e dos jornalistas, o declnio das tiragens e audincias, ea prevalncia cada vez maior de um jornalismo orientado para o mercado (cf.Borges, 2009, p. 96).

    neste contexto que surgem as primeiras experincias de jornalismo p-blico, que emergem assim associadas a uma tentativa de repensar o paradigmajornalstico. O movimento considerou que era preciso reanimar a vida pblicae que o jornalismo deveria desempenhar um papel nesse processo (Merritt,1998, p. xi). A funo social do jornalismo devia, pois, passar a ser enten-dida numa perspectiva mais alargada, cabendo-lhe dinamizar a conversaopblica (Carey, 1995, p. 382) e envolver o pblico nos assuntos que o afec-tam. O jornalismo pblico surge como a alternativa, mas no apenas de umponto de vista normativo, uma vez que prope linhas especficas de aco. Osseus principais impulsionadores no o definem de uma forma unvoca, masapresentam-no como uma ideia em aco (Rosen, 1999, p. 5) e portantopassvel de ser moldado e adaptado por cada uma das organizaes noticiosasque o adoptarem (cf. Borges, 2009, p. 96).

    A alterao da funo social do jornalismo implica tambm uma redefi-nio das prticas de produo noticiosa, nomeadamente com novas rotinas

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    profissionais dirigidas para a promoo da comunicao entre os cidados (cf.Borges, 2009, p. 97).

    A definio da agenda e a cobertura noticiosa, aspectos centrais no pro-cesso jornalstico, so ento reformuladas com o objectivo de permitir ummaior envolvimento da comunidade. Os meios de comunicao, consequen-temente, assumem um papel activo na promoo do debate e da deliberaoentre os cidados (cf. Borges, 2009, p. 97). A criao de uma agenda doscidados representa um dos principais exemplos da reorientao do trabalhojornalstico para o pblico que o movimento prope, e que adoptada pormuitos dos meios norte-americanos. Esta agenda implica a integrao dos as-suntos identificados como prioritrios pelos cidados; o tratamento noticiosoem profundidade desses temas; a criao de grupos de foco e de painis decidados para acompanhar e criticar o trabalho dos media; e a organizaode fruns para debater os assuntos e deliberar sobre possveis solues (cf.Borges, 2009, p. 97).

    Neste contexto foram muitos os projectos que procuraram renovar o jor-nalismo norte americano e contribuir para dinamizar a participao dos cida-dos na vida pblica. Utilizando diversas tcnicas de auscultao do pblico,as empresas ouviram os cidados para identificar sua agenda. Em alguns ca-sos, tornam-se parceiros activos na procura de solues para os problemas dacomunidade (Traquina, 2001, p. 176).

    No livro Jornalismo Cvico, Nelson Traquina e Mrio Mesquita reu-niram vrios relatos das experincias desenvolvidas na sociedade americana.Nomeadamente, citam o Columbus Ledger Enquirer, ttulo do grupo Knight-Ridder, que adoptou durante a campanha eleitoral um papel activo na ten-tativa de melhorar a qualidade de vida da comunidade destacando-se a reo-rientao que foi introduzida na produo noticiosa do jornal no sentido deidentificar os problemas que preocupavam a comunidade (Traquina, 2003, p.10); os dados recolhidos deram origem a um relatrio e foram publicados di-ariamente no jornal. O pequeno dirio The Wichita Eagle, o qual mudou assuas prticas relacionadas com a cobertura da campanha eleitoral, e o Peo-ple Project: Solving It Ourselves, que entrevistou residentes da comunidadee debateu as suas preocupaes nos rgos de comunicao que integravamo projecto. Desta forma, estas experincias pretendiam compreender as di-ferentes posies e ao mesmo tempo tentavam proporcionar solues para osproblemas, uma vez que os rgos de comunicao envolvidos indicavam, nas

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    suas pginas, uma lista das entidades e instituies que poderiam ser contac-tadas pelos cidados. As ideias dos cidados que de alguma forma tivessemcontribudo para resolver problemas eram depois destacadas pelo jornal (cf.Traquina, 2003, p. 11).

    No estado da Carolina do Norte o jornal Charlotte Observer, apoiado peloPoynter Institute, iniciou um projecto de jornalismo pblico com o objec-tivo de redefinir a cobertura noticiosa. Segundo o seu director A maior partedas pessoas envolvidas em campanhas polticas candidatos, estrategas e fre-quentemente jornalistas vem estas campanhas como uma corrida de cavaloscom a linha de chegada sendo o dia das eleies. Grande parte da coberturatradicional nos jornais de hoje foca-se na estratgia de levar um determinadocandidato a atravessar essa linha de chegada. Ns no Observer... acreditamosque a cobertura de temas e ideias, assim como da estratgia, essencial a umjornalismo poltico forte e significativo (apud Jr. Jackson, 2003, p. 120, it-lico e aspas do original). Neste contexto foi realizada uma sondagem aos ha-bitantes e identificadas problemticas que foram trabalhadas como a agendados cidados. Parte destes entrevistados participaram ainda num painel decidados que avaliou a cobertura feita pelo jornal durante a campanha de1996 (Traquina, 2003, p. 12).

    Estes projectos, desenvolvidos pelos jornais regionais norte-americanose referidos por Nelson Traquina e Mrio Mesquita, representam apenas umapequena parte, ainda que muito importante pelo pioneirismo da sua iniciativae abordagem, dos inmeros meios de comunicao que abraaram o movi-mento. No cabendo nesta memria a divulgao de todas as experincias,considera-se que as apresentadas permitem uma compreenso daquela que foia estratgia adoptada pelos rgos de comunicao na procura de renovaodo jornalismo atravs da dinamizao e mobilizao dos cidados para a par-ticipao na vida pblica.

    Utilizando diversas tcnicas de auscultao do pblico, como sondagensde opinio, grupos de foco, painis de cidados, town meetings, percebe-seque as empresas jornalsticas procuraram de uma forma geral ouvir os cida-dos com o intuito de identificar a sua agenda e em alguns casos em particularprocuraram mesmo ajudar a encontrar solues para os problemas da comu-nidade.

    Contudo, os autores realam que as mudanas no processo jornalsticoenquanto forma de melhorar a vida pblica no so fceis e implicam em

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    certas situaes transformaes de fundo. A mudana necessria no fcil.No se trata dos jornalistas fazerem algumas coisas de uma maneira diferente,ou fazer algumas coisas diferentes. fundamental, a adopo de um papelpara alm de dar notcias (Merritt, 1998, p. xii, traduo nossa).

    Neste sentido, o jornalismo pblico envolve mltiplas mudanas, co-meando desde logo por considerar que melhorar a vida pblica tambm fazparte do processo noticioso. O movimento implica tambm, segundo o jor-nalista Davis Merritt, que os jornalistas se tornem participantes justos navida pblica em vez de observadores desprendidos. (Participante justono significa envolvimento nos assuntos que cobrimos) (Merritt, 1998, p. 7,parnteses do original, traduo nossa).

    Tendo em conta as reservas suscitadas pela abundante produo terica epela pesquisa emprica, dever-se- ter em conta o seguinte:

    a) O jornalismo cvico ou pblico uma proposta realizada em 1988 nocontexto dos Estados Unidos;

    b) A apreciao das premissas do jornalismo pblico deu origem a vriascorrentes.

    c) Ao longo do texto usa-se por vezes a palavra jornalismo deliberativo.Este uso ainda no foi estabilizado e foi pioneiramente usado no m-bito do projecto (Correia, 2012). Refere-se sobretudo ao jornalismopblico que adopta uma posio de implementao de condies dedebate sem se comprometer com solues particulares.

    Apesar das mudanas necessrias para uma redefinio do jornalismo,muitas das prticas que fazem parte do seu papel tradicional continuavam aser entendidas como sendo vlidas. Assim, o papel de co de guarda que ine-vitavelmente nasce com a Primeira Emenda tem servido bem o jornalismo (ea democracia) (Merrrit, 1998, p. 29, parnteses do original, traduo nossa).Defende que o jornalismo no deve deixar de dar notcias.

    Percebe-se desta forma que o jornalismo pblico implica sobretudo dis-ponibilidade para mudar algumas prticas que afastaram a actividade jorna-lstica e os seus profissionais dos cidados e das suas preocupaes. Estasprticas esto relacionadas com a busca frentica de notcias, na postura c-nica para com a vida poltica, na dependncia excessiva das fontes oficiais, e

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    na desateno flagrante para com os cidados enquanto participantes activosna vida pblica (Traquina, 2003, p. 16).

    Enquanto movimento que procura reforar a cidadania, melhorando o de-bate pblico e revitalizando a vida pblica, o jornalismo pblico enfatizaa perspectiva comunitarista, ou seja, o bem comum como alternativa aos di-reitos individuais e a partir daqui que procura construir uma agenda doscidados. Esta identificao dos temas pblicos procura orientar as prticasjornalsticas para a resoluo dos problemas do quotidiano, aproximando ainformao da cidadania e edificando um jornalismo sustentado pela redes-coberta dos valores da comunidade (Camponez, 2002). O jornalismo no selimita desta forma a ser um mero observador, a ficar num plano exterior, maspelo contrrio tem de integrar a prpria comunidade e situar-se entre os cida-dos.

    no seguimento desta necessidade de conhecimento dos cidados e cons-truo de um jornalismo de proximidade que no projecto Agenda dos Cida-dos se analisam os rgos de comunicao regional. Mas ser que estes tma capacidade para acolher algumas das prticas do jornalismo pblico? Esta precisamente a questo que nos conduz ao segundo ponto deste captulo e reflexo sobre a possibilidade de o jornalismo pblico se renovar atravsdo jornalismo regional, ao procurar perceber o que interessa aos cidados, aoensinar a comunidade a resolver os seus problemas e ao revitalizar os debatescomo base da democracia.

    1.2 A imprensa regional e a introduo de prticas dejornalismo pblico

    Quando o projecto se props identificar, fomentar e experimentar prticas jor-nalsticas que contribussem para reforar o compromisso dos cidados coma comunidade, a imprensa regional configurou-se desde logo como o princi-pal meio a analisar. Ou seja, que caractersticas possui a imprensa regionalque faam dela um meio com potencialidades para se aplicarem prticas dejornalismo pblico?

    Numa perspectiva histrica percebe-se que a imprensa regional tem sidodefinida de diferentes maneiras. Na Lei de Imprensa de 1971 considera-se queela constituda pelas publicaes peridicas no dirias que tenham como

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    principal objectivo divulgar os interesses de uma localidade, circunscrio ad-ministrativa ou grupos de circunscries vizinhas (Decreto-Lei n. 5/71, de5 de Novembro). De acordo com este documento, promulgado em Novembrode 1971, a imprensa regional caracteriza-se pela periodicidade e pelo interesseem divulgar as questes das localidades. J em 1975, aps a ditadura e com oPerodo Revolucionrio em Curso (PREC), a nova lei de imprensa consignoua liberdade de expresso e o direito informao, mas tem tambm um en-tendimento diferente em relao ao que caracteriza a imprensa regional. Noartigo 2, ento definido que As publicaes peridicas podem ser de ex-panso nacional e regional, considerando-se de expanso nacional as que sopostas venda na generalidade do territrio (Decreto-Lei n. 85-C/75, de 26de Fevereiro). Nesta nova acepo, o que determina os ttulos de imprensaregional o seu local de venda.

    Vinte e quatro anos mais tarde, na ltima reviso da lei, as publicaesde mbito regional foram definidas no artigo 14 como aquelas que, pelo seucontedo e distribuio, se destinem predominantemente s comunidades re-gionais e locais (Decreto-Lei n. 2/99, de 13 de Janeiro), voltando a centrar asua ateno sobre a questo territorial. Esta dimenso foi tambm destacadano Estatuto de Imprensa Regional (1988), que no seu primeiro artigo salientoua proximidade geogrfica, mas tambm destacou a natureza dos contedos e aquesto da independncia das publicaes face aos poderes. Consideram-sede Imprensa Regional todas as publicaes peridicas de informao geral,conformes Lei de Imprensa, que se destinem predominantemente s respec-tivas comunidades regionais e locais, dediquem, de forma regular, mais demetade da sua superfcie redactorial a factos ou assuntos de ordem cultural,social, religiosa, econmica e poltica a elas respeitantes e no estejam de-pendentes, directamente ou por interposta pessoa, de qualquer poder poltico,inclusive o autrquico (Decreto-Lei n00/88, art.1, Estatuto da Imprensa Re-gional).

    A anlise da legislao portuguesa sobre a imprensa permitiu concluir queas publicaes regionais tm sido sobretudo definidas com base em trs di-menses: o aspecto territorial, o pblico a que se destinam e os contedos queveiculam. No entanto, inegvel que o factor geogrfico comum a todasas definies e por isso tambm que os diferentes autores que estudam estarealidade enfatizam esta dimenso. Apesar da nfase na dimenso territorial,Victor Amaral alerta para o facto de essa delimitao no significar que a im-

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    portncia do seu papel se circunscreva aos limites geogrficos da localidadeonde tem sede. Antes a sua dimenso social de proximidade a assuntos dessalocalidade que a leva a ser, cada vez mais, elo de ligao com as comunida-des longnquas de emigrantes que mantm interesse e curiosidade sobre o quese passa nas suas terras de origem (2006, p. 45). Aventuramo-nos, pois, atestar uma hiptese: ser que a imprensa regional tem virtualidades para anu-lar alguns dos efeitos indesejveis da massificao? Ser, por outro lado, queos novos media interactivos podem desempenhar um papel especificamentenovo no desenvolvimento das interaces verificadas no seio das comunida-des e espaos pblicos regionais, servindo, complementarmente, para ajudara ultrapassar anacronismos que ainda integram os media regionais tradicio-nais? (Correia, 1998, p. 155).

    Encontra-se portanto aqui aquela que pode ser considerada a primeira ra-zo para estudar a imprensa regional com intuito de nela experimentar prticasassociadas ao jornalismo pblico. Se este movimento se caracterizou e ca-racteriza ainda pela aproximao que tenta entre os cidados e a vida pblicaatravs do jornalismo, o facto de existir um tipo de imprensa cuja particula-ridade, como se viu, pela forma como definida, assenta na ideia de proxi-midade com as comunidades e os cidados, ento este campo constituiu-secomo o mais adequado para se introduzirem prticas que auscultem o pblicoe promovam o seu envolvimento no exerccio de uma cidadania activa.

    No entanto, se por definio a imprensa regional se assume como o prin-cipal espao onde estas prticas poderiam ser inseridas, a verdade que elaenfrenta hoje um conjunto de desafios com a diminuio dos leitores por umlado e a falta de anunciantes por outro (Santos, 2007), que obrigam a pensar,desde logo nas limitaes que poderiam surgir no momento de uma interven-o como aquela proposta pelo jornalismo pblico.

    Neste contexto, aquele que um dos princpios fundamentais deste tipode imprensa ao mesmo tempo aquele que representa na actual conjuntura,um maior risco. No mbito regional os jornalistas esto mais prximos dasinstituies, privam mais facilmente com os seus representantes em contextosinformais, alimentando uma relao para melhor acederem s informaes(Amaral, 2006, p. 40). A proximidade , todavia, a caracterstica que podecontribuir para uma prtica jornalstica menos activa, sob o ponto de vista daprocura de outras fontes, correspondendo a uma construo noticiosa maiori-tariamente agendada pela prpria esfera institucional (ibidem).

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    Por outro lado, acredita-se que a imprensa regional pode emergir enquantomeio capaz de revalorizar as prticas jornalsticas no sentido de se aproxi-mar do pblico, constituindo-se uma alternativa aos meios de comunicao demassa (Correia, 1998). Enquanto alternativa, a imprensa regional no estariapreocupada apenas em satisfazer as exigncias do mercado, tal como acon-tece com os grandes meios de comunicao, mas pelo contrrio estaria maisprxima dos cidados, dos seus problemas, assumindo dessa forma a prin-cipal funo do jornalismo, a de informar sobre os factos relevantes para ascomunidades.

    No entanto, a imprensa regional tambm funciona segundo as mesmas l-gicas da imprensa de mbito nacional, sobretudo num contexto de crise econ-mica como aquela que atravessa a sociedade. Numa altura em que as questesquanto sustentabilidade dos projectos de imprensa regional esto na ordemdo dia, com ttulos a encerrarem diariamente, e outros a serem integrados emgrandes grupos de comunicao, questiona-se a disponibilidade para a adop-o de projectos e prticas que implicam recursos, humanos e financeiros,nem sempre existentes.

    perante este cenrio que emergem as principais questes sobre a possibi-lidade de a imprensa regional, ainda que fundada sob o valor da proximidade,poder ser encarada como um meio capaz de implementar prticas concretas dejornalismo pblico, reforando assim a deliberao democrtica e a esferapblica.

    Neste sentido, e mesmo considerando que o movimento se afirmou nosEstados Unidos num contexto de crise de relacionamento entre jornalismo evida cvica, a verdade que contou com o apoio de instituies para a reno-vao do jornalismo e para a dinamizao da participao dos cidados. Estarealidade parece bem mais difcil de concretizar no contexto portugus, senofor pensada e estruturada a partir de projectos de investigao como o que deuorigem a este livro.

    Assim, de acordo com a orientao realista que deve acompanhar a adop-o de prticas de jornalismo pblico na imprensa regional, acredita-se que possvel, especialmente em cidades de pequena e mdia dimenso, servi-das pela imprensa regional colocar como hiptese o recurso a algumas dassugestes testadas, direccionadas por estas formas de jornalismo (Correia,Carvalheiro, Morais & Sousa, 2011, p. 465).

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    Foi conscientes das especificidades da realidade portuguesa, mas tambmprocurando sempre que possvel readaptar os mtodos e as prticas utiliza-das noutros contextos, que se decidiu avanar e se acreditou que era possveldesenvolver experincias num conjunto de jornais regionais. No se tratade pretender defender uma transposio automtica do Jornalismo cvico ele prprio um fenmeno diverso e multifacetado com diferentes graus desucesso na sua concretizao mas sim do desenvolvimento e da aplicaode algumas das suas caractersticas de acordo com algumas potencialidadesexistentes no universo da Imprensa Regional (ibidem).

    Nesse sentido, mantiveram-se algumas reservas sobre a identidade do jor-nalismo pblico. Constatou-se assim que este no uma caixa de ferramentasestabelecida mas que exige uma enorme flexibilidade na aplicao gradual demtodos cuja exequibilidade deve ser avaliada em funo de condies sociaisvariveis, designadamente cultura poltica, nveis de escolaridade dos pbli-cos, condies empresariais, etc. Por outro lado, a intensssima reflexo con-ceptual colocou a evidncia de numerosas abordagens possveis do jornalismopblico, tendo surgida a hiptese de referir a existncia de um jornalismo decontornos deliberativos por oposio a um jornalismo de inspirao comu-nitarista. O primeiro parece ser mais adequado s exigncia do jornalismocannico, pois continua a exigir distanciao. O segundo exige uma vincula-o comunitria. Todavia, nalguns casos a excessiva vinculao comunitriaque se torna um obstculo realizao de um jornalismo independente.

    Os resultados que se apresentam na terceira parte deste livro so a provado esforo empreendido e permitem afirmar com elevada certeza que poss-vel colaborar com meios de comunicao social regional a fim de implemen-tar e testar procedimentos orientados por uma lgica similar praticada pelojornalismo pblico.

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    Captulo 2

    Enquadramento e desenhometodolgico

    O projecto Agenda dos Cidados: jornalismo e participao cvica nos mediaportugueses, enquanto pesquisa na rea da comunicao e nos estudos jor-nalsticos procurou identificar, fomentar e experimentar prticas jornalsticasque contribussem para reforar o compromisso dos cidados com a comu-nidade e a deliberao democrtica na esfera pblica, numa perspectiva defortalecimento da cidadania.

    Na perspectiva de reforar o compromisso dos cidados com a comuni-dade, os rgos de comunicao social regional configuraram-se como o prin-cipal meio a analisar. Neste sentido, e tendo em conta o universo de rgosde comunicao de mbito regional, considerou-se que a imprensa regional,pelo facto de partilhar algumas das preocupaes do jornalismo pblico, no-meadamente o objectivo de chegar perto dos cidados, dos seus problemas,daquilo que os afecta dentro da comunidade onde se inserem, seria um meioque reunia condies para ser analisado nesta investigao.

    Numa primeira fase o projecto procedeu-se a um estudo de um conjuntode ttulos de imprensa regional, tendo em vista a seleco daqueles com quese iriam estabelecer parcerias para o desenvolvimento do estudo. O critriopara a escolha dos meios considerava a dimenso de Portugal Continental ea partir da procurava que cada distrito estivesse representado atravs de umttulo.

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    No entanto, nesta fase, e depois da proposta inicial ter sofrido alguns ajus-tamentos, nomeadamente em termos de financiamento, no foi possvel con-siderar para efeitos de anlise todos os ttulos inicialmente pensados. Nestesentido, por razes de economia oramental, tempo e recursos disponveisno foram includos todos os distritos do Continente, mas procedeu-se a umaseleco de distritos que englobassem as duas maiores cidades e que abran-gessem de forma razoavelmente equilibrada o Interior e o Litoral: Lisboa,Porto, Aveiro, Bragana, Coimbra, Castelo Branco, vora, Faro, Santarm,Viana do Castelo. Assim estavam representadas as duas reas Metropolita-nas, o Litoral Norte, o Interior Norte, o Interior Centro, o Litoral Centro, oAlentejo, o Ribatejo e o Algarve.

    No seguimento dos cortes j mencionados foi ento necessrio proceder auma avaliao criteriosa dos contactos com as redaces dos jornais espalha-dos por todo o pas. Se inicialmente se previam estudos em jornais de Lisboa,Porto, Aveiro, Coimbra, Castelo Branco, Bragana, vora, Faro, Santarm eViana do Castelo, apenas foi possvel o estudo de ttulos no Porto, Aveiro,Coimbra, Castelo Branco, Viseu, Leiria, Santarm e Faro1.

    A identificao dos ttulos de imprensa regional a estudar demorou, tendoem conta os diferentes aspectos j indicados, mais tempo do que o esperado,mas finalmente foi possvel estabelecer parcerias com nove jornais regionais:Jornal O Grande Porto; Jornal da Bairrada; Jornal do Centro; DirioAs Beiras; Jornal Regio de Leiria; Jornal do Fundo; Jornal O Riba-tejo; Jornal O Algarve; Jornal Vida Ribatejana.

    Seleccionadas as publicaes e estabelecidos os contactos estavam reuni-das as condies para se avanar no cumprimento das diferentes actividadesprevistas. Afastadas as pretenses de representatividade o estudo passou aenquadrar-se, em termos de investigao e desenho metodolgico, nos estu-dos de caso, ou seja, uma investigao emprica que investiga um fenmeno

    1 Os clculos estatsticos efectuados levaram a procurar um jornal regional na Regio daGrande Lisboa que tivesse uma dimenso comportvel em termos do custo financeiro dos tra-balhos de campo. Foi encontrado um jornal com estas caractersticas, o Vida Ribatejana, quecolaborou com o projecto, mas que viria a encerrar alguns meses mais tarde. Simultaneamentej tinha sido includo um jornal de Leiria que pelas suas caractersticas despertou consider-vel interesse por parte de toda a equipa. O jornal de Bragana foi substitudo por um jornalde Viseu havendo vastas reas de sobreposio em ambos. No que respeita ao Alentejo, oscontactos efetuados para identificar um parceiro com as caractersticas desejadas revelaram-seinfrutferos.

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    no seu ambiente natural, quando as fronteiras entre o fenmeno e o contextono so bem definidas (...) em que mltiplas fontes de evidncia so usadas(Yin, 1994, p. 13). Esta estratgia de pesquisa a mais adequada quandoqueremos saber o como e o porqu de acontecimentos actuais (contem-porary) sobre os quais o investigador tem pouco ou nenhum controlo (Yin,1994, p. 9, aspas no original).

    Neste projecto em particular, o estudo de caso desenvolvido tem como ca-racterstica o facto de se realizar em diferentes jornais ao mesmo tempo, sendopor isso um estudo de caso mltiplo ou design de caso mltiplo (Bogdan &Biklen, 1994; Yin, 1994). Esta abordagem metodolgica de investigao fun-ciona particularmente nestes casos, uma vez que procura compreender, explo-rar e descrever acontecimentos complexos (Yin, 1994; Coutinho & Chaves,2002). Trata-se de uma investigao (...) que se debrua deliberadamentesobre uma situao especfica que se supe ser nica ou especial, pelo menosem certos aspectos, procurando descobrir o que h nela de mais essencial e ca-racterstico e, desse modo, contribuir para a compreenso global de um certofenmeno de interesse (Ponte, 2006, p. 2).

    O estudo de caso normalmente enquadrado como uma abordagem deinvestigao no mbito dos planos qualitativos, uma vez que o investigadorest pessoalmente envolvido na investigao e procura sobretudo descrever osfenmenos. Contudo, a opo pelo estudo de caso pode-se inserir em qual-quer um dos paradigmas de investigao e por isso este deve ser entendido nombito dos planos de investigao de tipo misto (Coutinho & Chaves, 2002;Myers, 1997).

    No que diz respeito recolha de dados, num estudo de caso, pode recorrer-se a diferentes mtodos, sendo cada um escolhido de acordo com a tarefa a sercumprida (Bell, 1989). Tendo em conta esta abordagem mista, mas tambmas duas vertentes distintas deste projecto, foram adoptadas para a execuodas diferentes tarefas, metodologias e tcnicas diversas de recolha de dados.Se o conhecimento da produo da informao foi estudado com base na an-lise do contedo dos jornais, os inquritos aos jornalistas e as entrevistas aosdirectores, j a abordagem que genericamente se pode classificar como de co-nhecimento do pblico leitor, implicou o recurso a uma tcnica longitudinal,como o estudo de opinio, que se caracteriza por ser uma anlise em profun-didade, e ainda, realizao de grupos de foco.

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    Dedica-se assim esta segunda parte do relatrio exposio do percursometodolgico trilhado neste projecto, comeando com o enquadramento me-todolgico dos diferentes objectos de estudo e a opo por cada uma das tc-nicas de recolha de dados, salientando a dimenso qualitativa que se procurouconferir ao projecto no seu perodo final.

    2.1 Anlise de Contedo dos Jornais

    No primeiro momento do projecto a tcnica utilizada foi a anlise do con-tedo das publicaes e o objecto de estudo as peas noticiosas. Nesta faseprocurou-se caracterizar cada um dos jornais analisados em funo das tem-ticas privilegiadas, mas tambm conhecer outras dimenses do contedo daimprensa regional, como os gneros mais utilizados, as fontes e os critriosde seleco da informao. Foram as diferenas existentes na seleco e tra-tamento da informao nos diferentes jornais que guiaram os investigadoresao longo de toda a anlise, permitindo considerar que se conhece hoje melhora organizao e o funcionamento interno destes ttulos de imprensa regional.

    Recorreu-se anlise de contedo uma vez que esta engloba (...) umconjunto de tcnicas de anlise de comunicao que visam obter, por proce-dimentos sistemticos e objectivos de descrio do contedo das mensagens,indicadores (quantitativos ou no) que permitam a inferncia de conhecimen-tos relativos s condies de produo/recepo destas mensagens (Bardin,1979, p. 42). Dentro da anlise de contedo optou-se pela anlise quanti-tativa directa, ou seja, a contagem das respostas como estas aparecem. Poroutro lado, tambm se procurou obter por inferncia aquilo que se encon-trava subentendido, tendo-se recorrido anlise quantitativa indirecta (Sousa,2004). Esta tcnica permite tambm a interpretao entendida como captaode sentido do material avaliado. A anlise de contedo procurou assim, nocontexto deste estudo, identificar quais os temas escolhidos pelo jornal paraserem abordados, mas tambm inferir sobre o que os meios de comunicaosocial analisados oferecem ao seu pblico, procurando perceber as razes paraessas escolhas.

    O universo da anlise foi composto pelos nove jornais objecto de estudo,oito semanrios e um dirio: Jornal O Grande Porto; Jornal da Bairrada;Jornal do Centro; Jornal Regio de Leiria; Jornal do Fundo; Jornal O

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    Ribatejo; Jornal O Algarve; Jornal Vida Ribatejana; Dirio As Beiras.Em termos cronolgicos, foram recolhidas edies das nove publicaes noperodo compreendido entre o dia 1 de Fevereiro de 2010 e 31 de Maio domesmo ano, perfazendo um total de 17 semanas. A partir do universo foi cal-culado um subconjunto, isto , uma amostra representativa que inclusse noseu seio o conjunto de caractersticas que faziam parte dos elementos popula-cionais.

    Sendo o universo da presente anlise composto por nove publicaes, dasquais oito so semanais, e apenas uma diria, esta composio contribuiupara que a constituio da amostra tivesse em conta as diferenas entre os r-gos de comunicao. Por uma questo de representatividade do jornal diriona amostra, decidiu-se que esta seria constituda por seis edies, que repre-sentariam uma semana completa desta publicao, ou seja, todas as ediesestariam representadas amostra aleatria sistemtica. Por outro lado, poruma questo de uniformizao da amostra, decidiu-se analisar seis ediesdos jornais semanrios amostra aleatria simples. Assim, a partir de umarecolha inicial de 236 exemplares, durante um perodo de dezassete semanas,foi constituda uma amostra representativa de 54 exemplares, que correspon-deram anlise de 3602 peas.

    A recolha do corpus a analisar compreendeu dois momentos: primeiro fo-ram contactados os rgos de comunicao, solicitando o envio dos exempla-res, depois foram reunidas todas as publicaes e seleccionadas de acordo comos critrios de composio da amostra acima indicados. A anlise restringiu-se aos cadernos principais das publicaes da amostra, no se tendo includosuplementos ou outros cadernos dos jornais (Sousa, 2004). Por outro lado,tambm no foram analisadas as pginas de desporto, por se considerar queas peas presentes nesta seco no iriam ao encontro dos objectivos desteprojeto.

    Com o corpus recolhido procedeu-se anlise das peas jornalsticas combase em dois eixos principais: a forma, que incide sobre os aspectos da pu-blicao que no tm uma relao directa e imediata com os contedos publi-cados; o contedo, que incide sobre os aspectos da publicao com relaodirecta e imediata com os contedos publicados. Para operacionalizar cada

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    um dos eixos de anlise foram definidas categorias de anlise e indicadores(ver anexo I)2.

    2.2 Inqurito aos Jornalistas

    Como forma de complementar os dados recolhidos com a anlise de contedoconsiderou-se que seria fundamental uma abordagem junto dos profissionaisdo jornalismo3. Tendo os jornalistas como o novo objecto de estudo, no se-gundo momento de recolha de dados entendeu-se que a tcnica que melhorpermitia um aprofundamento das informaes j obtidas era o inqurito porquestionrio autoadministrado ou por aplicao directa. Raymond Quivy eLuc Van Campenhoudt referem, acerca desta tcnica, que consiste em colo-car a um conjunto de inquiridos, geralmente representativos de uma popula-o, uma srie de perguntas relativas situao social, profissional ou familiar,s suas opinies, sua atitude em relao a opes ou a questes humanas esociais (...) (2003, p. 188).

    Configurou-se como a mais pertinente porque , segundo os autores, amais utilizada em contextos em que se conhecem as caractersticas da po-pulao potencialmente inquirida, mas tambm por ser o procedimento quepretende captar um fenmeno especfico de determinada populao, isto ,conhecer a opinio e atitude perante certas circunstncias singulares da prticajornalstica (Quivy & Campenhoudt, 2003).

    Assim, se os primeiros dados permitiram caracterizar cada uma das publi-caes regionais e o seu processo de produo noticiosa, com esta inquirio

    2 Na definio das categorias de anlise e dos indicadores utilizaram-se as definies queJorge Pedro Sousa apresenta no livro Introduo anlise do Discurso Jornalstico Impresso:um guia para estudantes de graduao (2004), mas tambm as de Marisa Torres da Silva(2007) em relao s cartas dos leitores e de Estrela Serrano (2005) no que diz respeito assinatura, valorizao grfica, enquadramento, tom e ttulos das peas. A fiabilidade da codi-ficao foi aferida no incio da pesquisa, com um pr-teste em que se recorreu a uma amostraconstituda por 9 publicaes, uma por cada jornal que faz parte da presente pesquisa. Nestepr-teste foram analisadas 514 peas jornalsticas, dando desta forma uma mdia de 57,1 peaspara cada edio analisada.

    3 Nesta fase de transio dentro do projecto, entre tcnicas de recolha de dados, importareferir que dos nove jornais analisados no primeiro momento, apenas oito foram alvo de estudono momento seguinte, uma vez que o jornal Vida Ribatejana encerrou a sua actividade poucotempo depois do final da fase de anlise de contedo.

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    pretendia-se no apenas conhecer os jornalistas regionais, como tambm osprincpios e os critrios que os guiam na recolha da informao, na relaocom os deveres profissionais, com os leitores e com a regio em que o jornalse insere.

    A partir de uma populao alvo de 45 jornalistas, distribudos de formano uniforme pelos oito jornais, obtiveram-se respostas de 34 jornalistas, oque corresponde a uma taxa de resposta de 75,6%. No sendo um valor muitoextenso, tambm no um valor suficientemente reduzido de molde a permi-tir a execuo de um procedimento tcnico de ndole mais qualitativo e inten-sivo, como o caso da entrevista. Assim, optou-se pela aplicao desta tc-nica especfica, dado o carcter quer do objecto de anlise, quer dos prpriosobjectivos do projecto, apesar das limitaes associadas a este procedimentotcnico4.

    A aplicao do inqurito por questionrio foi realizada com o auxlio deuma ferramenta informtica, disponvel no Laboratrio de Comunicao On-line (Labcom), que permite a aplicao dos questionrios por email. Nestecorreio electrnico foi enviado um cdigo de acesso e juntamente um atalhoque permitia aos jornalistas aceder ao inqurito. O perodo de preenchimentodo inqurito iniciou-se, tal como estava programado, a 12 de Outubro, e encer-raria, de acordo com o definido, a 5 de Novembro. No entanto, como data doencerramento se verificava um reduzido valor de respostas ao referido inqu-rito, o mesmo perodo de aplicao foi prolongado, at ao seu encerramentodefinitivo no dia 28 de Novembro.

    Optou-se por criar perguntas com respostas fechadas, permitindo umamaior facilidade na anlise dos dados e sua interpretao, ao mesmo tempoque se pensou no tempo que os jornalistas poderiam despender para a res-posta aos inquritos e procurou-se que este fosse o mais reduzido possvel, nosentido de no perturbar o normal funcionamento do jornal. Nas respostas aalgumas perguntas utilizou-se a escala linear numrica, ou seja, distriburam-

    4 No sentido de colmatar qualquer deficincia ou impreciso realizou-se, entre os dias 20e 24 de Setembro, um pr-teste, no qual pudemos de forma bem clara concluir sobre a coe-rncia e inteligibilidade do inqurito. O pr-teste contou com a colaborao de 13 jornalistas,pertencentes a jornais regionais, que no constam na actual lista de publicaes parceiras doprojecto. Em termos de composio do corpo de questes do inqurito, apenas foi retirada altima questo, que alis tinha o objectivo muito preciso de conceder aos inquiridos um espaode resposta para crticas e sugestes em relao ao mesmo, mas que no foi utilizada.

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    se as respostas ao longo de um gradiente de intervalos iguais e lineares (veranexo II).

    2.3 Entrevistas aos Directores dos Jornais

    Se os jornalistas so os principais responsveis pela produo dos contedosj analisados, a verdade que grande parte da agenda e das decises assu-mida pelos directores das publicaes. Neste sentido, e na impossibilidadede recorrer ao mtodo etnogrfico, com observao nas prprias redaces,concretamente das relaes entre jornalistas e direco, considerou-se que asentrevistas aos directores permitiam apreender toda a dinmica e compreenderde forma global todo o processo jornalstico.

    As entrevistas so especialmente importantes no mbito dos estudos decaso, uma vez que estas so utilizadas para recolher dados descritivos nalinguagem do prprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuiti-vamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspetos domundo (Bogdan & Biklen, 1994, p. 134).

    A escolha desta tcnica teve em conta que os directores desempenhamuma dupla funo, por um lado junto das redaces, por outro na relao comas administraes dos prprios jornais. Por outro lado, procuraram perce-ber at que ponto existe uma predisposio para as publicaes substituremuma agenda determinada maioritariamente por definidores primrios, por umaagenda em que tambm se d visibilidade s questes de interesse pblicoidentificadas pelos pblicos dos media.

    Em termos orgnicos, o guio composto por quatro grandes grupos,servindo cada um dos quais determinados objectivos. Assim, para alm daconstruo do perfil dos directores, os restantes grupos do inqurito procura-ram que os entrevistados caracterizassem a imprensa regional, a relao destacom a regio e com os cidados, e ainda que manifestassem as suas opiniesem relao a um espao particular, as cartas dos leitores (ver anexo III).

    Foram assim realizadas seis entrevistas presencialmente a cada um dosdirectores das publicaes. A disjuno que se verifica entre o nmero depublicaes em anlise, oito, e o nmero de entrevistas efectuado, explica-se pelo facto de a direco de trs jornais, Jornal do Centro, Dirio AsBeiras e jornal O Algarve, ser no momento da realizao das entrevistas

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    responsabilidade de um s director, no mbito da pertena destes ttulos a umgrupo de comunicao social.

    A realizao de cinco, das seis entrevistas previstas, efectuou-se no dia14 de Janeiro de 2011, nas instalaes do Jornal da Bairrada, na localidadede Oliveira do Bairro, pelas 11h, tendo sido realizadas quatro entrevistas emsimultneo, e a quinta aps a realizao destas. Cada entrevista foi conduzidaindividualmente em quatro divises estanques pelos vrios elementos do pro-jecto. A sexta e ltima entrevista foi realizada no dia 2 de Fevereiro de 2011pelas 15h e o entrevistado foi o director do Jornal do Fundo. O motivo quedeterminou a realizao desta entrevista mais tarde, esteve relacionado comquestes logsticas, nomeadamente o facto de este ltimo jornal ser o nicodos oito que no pertence ao grupo Lena Comunicao5. Devemos tambmsalientar que pelo facto de se ter recorrido a quatro entrevistadores, bem comouma entrevista ter sido efectuada mais tarde, existe alguma disparidade notempo de realizao das mesmas, oscilando a durao das mesmas entre os 21minutos e os 45 minutos.

    Com a entrevista aos directores, encerrou-se a primeira vertente da inves-tigao, ou seja, percebeu-se como funciona todo o processo noticioso, desdea recolha de informao at a produo noticiosa por parte dos jornalistas.Estava-se portanto em condies de passar para uma nova fase do projeto emque, de acordo com a proposta inicial, se devia, juntamente com os jornaisregionais, promover estudos de opinio e grupos de foco com o objectivo deidentificar as questes de interesse colectivo entendidas enquanto tais peloscidados e usar esses dados para criar aquilo que podia ser designado poragenda do cidado.

    5 data da realizao das entrevistas todos os jornais que integravam o projecto, comexcepo do Jornal do Fundo, pertenciam ao Grupo Lena Comunicao. J depois de efectu-adas as entrevistas e a primeira inquirio, alguns dos jornais que integravam este grupo foramvendidos, pertencendo agora a outras entidades, o que tambm significou, em alguns casos, amudana de direco.

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    2.4 Estudo de Opinio Longitudinal: Sondagens e Pe-rodo Experimental

    Numa segunda fase do projecto optou-se por uma abordagem que visou o co-nhecimento do pblico leitor e que implicou tcnicas diferentes, mais direcci-onadas para a identificao dos temas considerados prioritrios pelos pblicose pela comunidade onde esto inseridos.

    O estudo de opinio configurou-se como a tcnica mais adequada paraauscultar um pblico to vasto como aquele que constitudo pelos leitoresdos jornais em anlise, mas tambm como aquele que melhor completava astcnicas j utilizadas e possibilitava dessa forma, compreender o caso no seutodo. Foi tambm por esta razo que se optou neste estudo pelo desenholongitudinal, uma vez que desta forma possvel analisar as variaes nascaratersticas dos mesmos elementos amostrais ao longo de um perodo detempo, ou seja, estudar a evoluo de determinados fenmenos sociais. Nombito do estudo longitudinal recorreu-se ao questionrio por telefone, umavez que esta tcnica de fcil implementao e pode ser administrada a umaamostra significativa da populao, tal como o conjunto de leitores a inquirir.

    De acordo com a proposta metodolgica inicial para a realizao do es-tudo de opinio procurou-se obter uma amostra representativa dos leitores decada um dos jornais presentes no projecto. Para isso foram analisados os da-dos relativos ao peso das assinaturas e ao peso da venda em banca para adistribuio dos diferentes jornais .

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    Grfico 1 Distribuio das vendas e das assinaturas dos jornais empercentagens

    Os dados resultam das bases de dados de cada um dos jornais, que foramcedidas de forma a que se conhecesse o universo para a partir deste se selecci-onar as amostras a inquirir. Em relao s vendas em banca, verificaram-se nodecorrer dos trabalhos vrias dificuldades decorrentes da impossibilidade deconfirmar os nmeros enviados em relao a este segmento de leitores, mastambm perante obstculos encontrados junto dos pontos de venda na tenta-tiva de contactar os respectivos compradores dos jornais.

    O projeto decidiu que em funo dos objectivos do projecto, nomeada-mente a concretizao das suas etapas dentro dos prazos previstos, mas tendotambm em conta que a maioria dos jornais sobretudo representado pelapercentagem de assinantes, a amostra a inquirir seria apenas constituda combase nos dados das assinaturas. Esta opo resulta no s das dificuldades jreferidas, mas tambm pelo facto de os dados em relao aos assinantes teremsido disponibilizados pelos jornais, o que contribuiu para a concretizao dasinquiries por telefone dentro dos prazos estabelecidos.

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    Tabela 1 Populao-alvo, amostragem e amostra

    Assim, partindo apenas do universo de assinantes de cada um dos jornais,e em funo dos objectivos do projecto, foram recolhidas oito amostras ale-atrias. Considerando aceitvel um erro amostral de 6%, para um nvel deconfiana de 94%, a amostra para cada um dos jornais consta da tabela, numtotal de inquiries que deviam atingir os 1366 leitores.

    Apenas foi possvel inquirir nesta primeira sondagem 1344 leitores, umavez que o jornal O Algarve e O Grande Porto, obtiveram simplesmente56 e 42 respostas respectivamente, quando seria expectvel a obteno de 77no primeiro caso e 43 no segundo. A diferena nos dados resulta por umlado das objeces levantadas pelos inquiridos, mas tambm de questes deordem tcnica como a impossibilidade de estabelecer o contacto com os lei-tores. No primeiro momento de inquirio o inqurito por telefone baseou-senum questionrio estruturado de 27 perguntas, abertas e fechadas (ver anexoIV). A primeira inquirio decorreu entre 11 de Maro e 8 de Abril de 2011 econtou com a participao de 21 entrevistadores que receberam treino espec-fico para a realizao deste estudo.

    Tendo em conta os resultados da primeira inquirio, com a identificaodos temas considerados prioritrios pelos pblicos e pela comunidade em queesto inseridos, os jornais foram desafiados a desenvolver trabalhos jornals-ticos em funo dos temas detectados como prioritrios pelos pblicos. Combase num relatrio que foi entregue a cada um dos directores dos jornais, estesdeviam proceder incluso de sugestes, temas e observaes, no sentido deinserir na linha editorial algum refinamento jornalstico, que fosse ao encon-tro das expectativas dos seus leitores. Esta fase, que se designou de perodoexperimental teve incio a 15 de Maio de 2011. No entanto, apenas trs das

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    oito publicaes iniciaram o perodo experimental desta data: O Ribatejo,Regio de Leiria e Jornal da Bairrada. Os atrasos verificados por parte dealguns jornais no arranque dos procedimentos solicitados implicou que o pe-rodo fosse reformulado. Tendo em conta que o Jornal do Fundo s iniciouo perodo a 12 de Junho de 2011 e o Jornal do Centro a 26 de Junho, alterou-se a data de encerramento deste perodo. Este foi alargado at 31 de Outubrode 2011 com o objetivo de permitir que no decorrer da investigao existisseum perodo comum no qual todos os jornais procedessem a alteraes.

    Neste sentido, elaborou-se uma grelha de anlise com vista a recolherdados em relao s mudanas efectuadas pelos jornais. As categorias e va-riveis que fizeram parte dessa grelha seguiram os mesmos critrios da anlisede contedo inicial e esto relacionadas com os seguintes aspectos: a identifi-cao das peas com o smbolo do projecto; o nmero de peas realizadas nombito do projecto; o tema das peas, de forma a conhecerem-se as temticasmais abordadas nos jornais, verificando a sua frequncia (medida na quanti-dade de peas e no espao ocupado); os gneros privilegiados no tratamentonoticioso pelos jornais; as chamadas primeira pgina; as personagens emcada pea; e o papel assumido pelas personagens.

    Com base nestas categorias procurou-se perceber qual o grau de partici-pao dos jornais nesta fase, ou seja, quais as alteraes que os jornais intro-duziram seguindo as sugestes dos leitores. Esta anlise permitiu assim, porum lado comparar os contedos efectivamente publicados pelos jornais comas sugestes apresentadas pelos leitores na primeira inquirio e, por outro, acomparao com a percepo dos leitores em relao s mudanas no segundomomento de inquirio.

    No segundo momento do estudo de opinio longitudinal foi consideradoo mesmo nmero de leitores da primeira sondagem, assumindo desde logo asredues verificadas no jornal O Algarve e O Grande Porto.

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    Grfico 2 Distribuio dos inquiridos por jornais nosdois momentos de inquirio

    Nesta fase, o nmero de inquiridos a responder ao questionrio diminuiufundamentalmente por duas ordens de razes: assinantes que faleceram noperodo que mediou as duas inquiries; aumento do nmero de leitores quese recusaram a responder ao inqurito, pelo facto de j terem sido contactadosuma vez e considerarem que no tinham nada a acrescentar. No sendo pos-svel inquirir a totalidade dos respondentes da primeira sondagem, a taxa deresposta atingiu os 84,38%, num total de 1134 leitores.

    As inquiries foram realizadas por 21 entrevistadores e decorreram en-tre 10 de Novembro e 2 de Dezembro de 2011 a partir de um questionrioestruturado de 19 perguntas fechadas, que procuravam perceber a percepoe mudana na opinio dos leitores antes e depois das alteraes introduzidaspelos jornais (anexo V).

    Realizou-se assim um estudo de opinio longitudinal o qual permitiu saberna sua primeira fase de que forma os cidados se sentem identificados com aagenda dos media e quais os temas considerados prioritrios pelos pblicosdos jornais; e, na segunda fase, medir a percepo dos pblicos em relao smodificaes introduzidas pelos jornais durante o perodo experimental.

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    2.4.1 Constrangimentos na Identificao da agenda dos cidados

    Como foi referido, o projecto efectuou um levantamento dos vrios rgosde comunicao social regional de todo o pas e a partir deste levantamentorealizou uma seleco, decidindo estudar as seguintes publicaes: GrandePorto, Jornal da Bairrada, Jornal do Centro, Dirio As Beiras, O Ri-batejo, Vida Ribatejana, Regio de Leiria, Jornal do Fundo e O Al-garve. A escolha de cada um destes jornais prendeu-se com a tentativa degarantir diversidade geogrfica, com jornais do Norte, do Centro, do Sul, doInterior e Litoral. Contudo, numa fase ainda inicial do projecto, aps a anliseaos contedos das publicaes, o jornal Vida Ribatejana, como foi referido,acabou por encerrar a sua actividade. O encerramento no constituiu um en-trave ao desenrolar do projecto, ainda que a ideia de diversidade tivesse sidoafectada.

    Aps a realizao da primeira sondagem, verificaram-se novas alteraesno grupo de jornais. Desta vez, as mudanas surgiram nos jornais GrandePorto, As Beiras, O Algarve e Jornal do Centro que mudaram de pro-priedade, decorrendo dessa mudana diversas transformaes ao nvel das di-reces e redaces. Estas alteraes de propriedade coincidiram com a rea-lizao de um perodo experimental em que os jornais deveriam incluir alte-raes nas suas prcticas noticiosas que reflectissem as opinies dos leitores,seguindo os resultados e sugestes recolhidas na primeira inquirio. Sendoeste um dos momentos mais importantes do projecto, insistiu-se com os jor-nais que atravessavam estas mudanas no sentido de seguirem com o planodelineado no mbito do projecto e procederem assim s alteraes nos seuscontedos de acordo com as opinies dos leitores.

    Os vrios contactos e reunies no resultaram em todos os jornais, no casodo jornal O Algarve pela alterao da sua natureza editorial, no Dirio AsBeiras por recusa da nova direco, no jornal Grande Porto por pura au-sncia de resposta. Apenas o Jornal do Centro manteve uma ligao activae disponvel ao projecto e seguiu com o plano de actividades previsto.

    Perante esta situao, o momento de inquirio seguinte ficaria reduzidoa apenas cinco jornais. Contudo, depois de se analisar todo o trajecto meto-dolgico percorrido e do qual constavam os jornais que entretanto deixaramde cumprir o plano de actividades, decidiu-se usar os dados dos leitores dosjornais O Algarve, Dirio As Beiras e O Grande Porto como grupo de

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    controlo em relao totalidade do projecto, isto , analisando o comporta-mento dos seus pblicos na segunda inquirio em face de alteraes que essespblicos julgam terem existido mas que efectivamente no se verificaram. Aopo pela inquirio destes leitores foi realizada seguindo a mesma estrat-gia adoptada nos estudos de controlo, ou seja, utilizando um grupo de controlopara comparar com um grupo experimental num teste de uma hiptese cau-sal6. Este conjunto de jornais no faz assim parte do perodo experimentalmas considerado na segunda inquirio enquanto grupo de controlo.

    A partir desta etapa de recolha de dados, a representao dos rgos deimprensa destacou-se justamente pelo facto de os mesmos ficarem mais cir-cunscritos regio centro. Desta forma assegurou-se a presena no estudo dejornais com influncia comprovada ao nvel das respectivas tiragens, audin-cias e circulao, apesar de ser evidente o prejuzo para a representatividadedo trabalho.

    2.5 Grupos de Foco

    O estudo de opinio longitudinal foi o primeiro passo dado na tentativa deconferir maior profundidade investigao. Neste contexto, depois de j seterem recolhido dados em relao aos assuntos que mais preocupavam as po-pulaes, considerou-se que uma das principais metas que a investigao sepropunha atingir, a mobilizao dos cidados para a discusso em fruns p-blicos, estava ainda por cumprir. Por outro lado, sentiu-se tambm a neces-sidade de aprofundar o estudo com uma tcnica que permitisse manter umequilbrio entre as dimenses quantitativas e qualitativas.

    A escolha dos grupos de foco enquanto tcnica metodolgica para encer-rar a recolha de dados no projecto surge assim como resultado do percursoterico-metodolgico empreendido e da necessidade de, uma vez mais, darvoz aos cidados para que estes criassem os seus prprios discursos, ou seja,tomassem conscincia e se integrassem numa aco colectiva de discusso.Enquanto tcnica, os grupos de foco inserem-se assim no mbito da meto-dologia qualitativa, uma vez que procuram registar a discusso de um grupo

    6 Assim, o grupo de controlo o grupo que foi alvo de todos os procedimentos de anlise,mas no de interveno. O grupo de controlo difere do grupo experimental precisamente pelaausncia de interveno nas variveis (Almeida & Freire, 1997).

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    de pessoas, privilegiando a observao e a interao entre os participantes eprocurando o sentido e a compreenso aprofundada dos fenmenos sociais(Morgan, 1997 apud Galego & Gomes, 2005, p. 177).

    Os grupos de foco surgem desta forma num contexto de promoo do de-bate, mas tambm como forma de perceber a disponibilidade dos cidadospara se mobilizarem em torno de problemas que os afectam diria e directa-mente. Assim, a temtica escolhida para os grupos de foco foi a introduo eimpacto do pagamento de portagens nas at ento SCUTS e na economia regi-onal. A escolha deste tema em particular, surge precisamente na linha de umaindicao que foi dada nos momentos de recolha de dados anteriores, em queos cidados identificaram esta questo como de interesse colectivo.

    Inicialmente pensou-se na realizao de trs grupos de foco, tendo emconta a localizao dos diferentes jornais e procurando criar trs eixos territo-riais: um no distrito de Castelo Branco, rea de actuao do Jornal do Fun-do; outro no eixo Coimbra-Viseu-Oliveira do Bairro, onde actuam o Jornalda Bairrada e o Jornal do Centro; e outro no eixo Leiria-Santarm, cap-tando as reas de influncia dos jornais Regio de Leiria e O Ribatejo7.Nesta proposta inicial os cidados seriam os nicos participantes dos gruposde discusso.

    A proposta foi discutida pelos elementos do projecto e depois de consi-derados os diferentes contributos acabou por se optar pela realizao de trsgrupos de foco, sendo que cada um deles teria diferentes participantes, ouseja, um grupo com cidados comuns das reas de influncia de cada jornal,um grupo com figuras pblicas, enquanto lderes de opinio representandoas reas de influncia das diferentes publicaes, e um grupo com os direc-tores ou chefes de redaco de cada um dos jornais objecto de estudo. Estaopo considerava a diversidade de participantes no espao pblico regionale ao mesmo tempo procurava compreender como o problema era percepcio-nado pelos diferentes actores. Aps a deciso de realizar os grupos de foco,consideraram-se como fundamentais as seguintes etapas: planeamento, recru-

    7 Na sequncia da opo tomada em relao ao estudo de opinio, consideraram-se igual-mente como participantes dos grupos de foco, apenas e s, os leitores e representantes dosjornais que fizeram parte do grupo experimental. Desta forma garantiu-se a presena das pu-blicaes que durante todo o projecto tiveram uma participao activa e se mostraram efecti-vamente interessadas em reflectir e analisar as potencialidades do jornalismo pblico e adoptaralgumas dessas potencialidades.

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    tamento de participantes e moderadores, elaborao do guio das entrevistas,anlise e interpretao de dados.

    Assim, na fase de planeamento contou-se com a colaborao dos respon-sveis dos jornais para importantes tarefas como o processo de seleco erecrutamento dos participantes. Considerando que a composio dos gruposdepende das particularidades de cada investigao, decidiu-se que cada umdos trs grupos seria composto por cinco elementos, ou seja, um represen-tante por cada jornal objecto de estudo, num total de quinze participantes.

    Contudo, no foi possvel garantir a presena de cinco elementos em todosos grupos, face disponibilidade demonstrada aps os contactos estabeleci-dos. Assim, no grupo dos cidados apenas quatro elementos confirmaram asua presena, bem como no grupo das figuras pblicas. Por sua vez, no grupodos representantes dos jornais foram sete os indivduos que garantiram a suaparticipao, situao derivada da dupla representao do Jornal da Bair-rada e O Ribatejo. Os trs grupos de foco tiveram lugar nas instalaes daUniversidade da Beira Interior no dia 21 de Abril de 2012 pelas 10h30, tendodecorrido em simultneo.

    2.6 O percurso metodolgico e as tcnicas de recolhade dados

    Recapitulando as tcnicas utilizadas e o percurso explorado at este momento,percebe-se que este se iniciou com a realizao de uma anlise de contedode cariz extensivo, seguido de uma inquirio aos jornalistas, atravs da apli-cao de um inqurito por questionrio, e da conduo de entrevistas juntodos directores das publicaes. Em termos de categorizao das tcnicas uti-lizadas e tendo em conta os diferentes objectos de estudo, sublinha-se que aprimeira e segunda so claramente de cariz quantitativo, por oposio s entre-vistas, que sublinham o carcter qualitativo dos dados obtidos, contribuindodesta forma para uma articulao entre os dois tipos de dados e permitindouma viso global sobre o funcionamento da imprensa regional, concretamentenas questes relacionadas com a produo noticiosa.

    Com a entrevista aos directores encerrou-se a primeira vertente da inves-tigao e podia-se ento passar para uma segunda fase do projecto, com umaabordagem centrada no pblico, mais direccionada para a recolha da opinio

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    dos leitores, dos temas considerados prioritrios pelos pblicos e pela comuni-dade onde esto inseridos. Neste sentido, entendeu-se que o estudo de opinioseria a tcnica mais adequada uma vez que desta forma se podiam analisar asvariaes nas caractersticas dos mesmos elementos amostrais ao longo deum perodo de tempo, ou seja, estudar a evoluo de determinados fenmenossociais. Analisou-se tambm a agenda dos media antes e depois de se reco-lherem as opinies dos leitores e as mesmas serem transmitidas aos jornais.

    Encerra-se esta segunda parte do relatrio salientando os diferentes mo-mentos de recolha de dados e como estes fizeram parte de um projecto deinvestigao que procurou compreender a realidade da imprensa regional e aspotencialidades de aplicao das prticas do jornalismo pblico numa pers-pectiva de conjunto, ou seja, considerando todos os espaos do campo jorna-lstico.

    Na terceira parte deste relatrio apresentam-se os principais resultados doprojecto que ajudam a identificar as prticas jornalsticas e que podem contri-buir para reforar o compromisso dos cidados com a comunidade, numa pers-pectiva de fortalecimento da cidadania. Na exposio dos resultados optou-sepor seguir a mesma estrutura adoptada no enquadramento e desenho metodo-lgico, mas que foi tambm aquela que guiou toda investigao.

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    Captulo 3

    Apresentao dos principaisresultados

    Depois de expostos em detalhe os procedimentos metodolgicos usados emtodos os momentos de recolha de dados e de se ter justificado a utilizaode cada tcnica, nesta terceira parte apresentam-se os principais resultados dainvestigao.

    Como j se teve oportunidade de referir anteriormente, a exposio se-gue a mesma estrutura que guiou a investigao e comea por isso com osdados que permitem conhecer as prticas de construo noticiosa dos jornaisregionais. No ponto seguinte identificado o perfil dos jornalistas regionaisinquiridos, mas tambm, os princpios e os critrios de produo noticiosa queos guiam na sua actividade profissional. O terceiro ponto diz respeito aos da-dos recolhidos com as entrevistas aos directores, considerados como actoresfundamentais na mediao entre as administraes e as redaces.

    Conhecidas as principais preocupaes dos leitores desenvolveu-se umaanlise dos trabalhos desenvolvidos pelos jornais e apresentam-se aquelas queforam as principais mudanas introduzidas. O estudo de opinio encerra comuma nova inquirio e os resultados apresentados indicam a percepo dos lei-tores em relao s alteraes nas publicaes, mas tambm novas sugestesdeixadas pelos leitores. No ltimo ponto expem-se sucintamente as con-cluses a que se chegou depois de terem sido realizados trs grupos de foco

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    subordinado a uma temtica indicada no estudo de opinio longitudinal: aintroduo de portagens nas SCUTS.

    O projecto, ao utilizar mltiplas fontes de dados, permitiu recolher umconjunto de informao que para ser apresentada na totalidade implicava apublicao de vrios volumes. Neste sentido, nos pontos seguintes encontram-se os dados que foram considerados como os mais importantes e permitemresumir cada uma das etapas da investigao.

    3.1 As prticas de construo noticiosa dos jornais re-gionais

    Na primeira fase do projecto procedeu-se a um levantamento junto dos jor-nais das suas prticas de construo noticiosa. Procurou-se assim caracterizarcada uma das publicaes da imprensa regional em funo dos temas predo-minantes que se encontravam nas suas pginas, bem como compreender asinformaes veiculadas e o tipo de discurso privilegiado.

    Nos 54 exemplares que fizeram parte da amostra foram analisadas umtotal de 3602 peas. As 6 edies do Jornal do Fundo que foram analisadasdetm no conjunto o maior nmero de peas (611; 17%) na anlise, seguidasdas edies do Jornal da Bairrada (518; 14%), Regio de Leiria (436;12%) e O Ribatejo (432; 12%). Os quatro jornais que, no conjunto, tmmais de metade (55%) das peas analisadas. Por sua vez, as edies do Jornaldo Centro apresentam o menor nmero de peas (253; 7%). Conhecida adistribuio das peas analisadas por jornais, passou-se de seguida aos dadosobtidos na primeira categoria de anlise, ou seja, a temtica.

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    Grfico 3 Tema principal das peas

    Os dados recolhidos permitiram observar que a Cultura o tema prin-cipal de 701 peas jornalsticas (19,5%), seguido da Poltica (571; 15,9%)e da Economia (480; 13,3%). Estas trs temticas so as mais abordadasno conjunto dos jornais, com 1702 peas. Existem jornais em que outras te-mticas surgem com maior nmero de peas, como o caso do Jornal daBairrada, em que o Associativismo que se apresenta como a principaltemtica (89 peas; 17,2% do total de peas do jornal); os casos do Jornaldo Centro (55 peas; 21,7% do total de peas do jornal) e O Algarve (61peas; 18,7% do total de peas do jornal), em que a Economia surge commaior nmero de peas, e o caso do Jornal Vida Ribatejana em que a Po-ltica o tema mais abordado (48 peas; 17,5% do total de peas do jornal)(ver tabela I anexo VII).

    Em termos genricos, o domnio cultural assumiu-se com um vincado pre-domnio. Este facto, observvel em 19,5% das peas, traduz-se numa fortepreponderncia de um jornalismo de agenda ou jornalismo de servio,caracterizado precisamente pelo seu carcter de informaes descritivas em

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    relao a servios e programao, contedos que alis poderiam constar deuma seco de agenda.

    Criaram-se ainda, para cada uma das dimenses temticas em apreo, v-rios indicadores que tornaram a anlise, mas tambm a prpria recolha dosdados, mais sistemtica e objectiva. Verificou-se que entre os assuntos quecabem dentro das temticas (ver tabela II, anexo VII), aquele que surge commais peas dentro da Poltica, so as questes relacionadas com o poderautrquico (281 peas; 48,9% das peas desta temtica), o que pode significarque as elites polticas dominam as estratgias que lhes permitem influenciar aagenda informativa, mas tambm que os prprios jornalistas encaram as fon-tes do campo da poltica em geral e dos rgos polticos e autrquicos emparticular, como fontes credveis que permitem assegurar as rotinas noticiosasdos jornais.

    Tabela 2 Nmero total de peas distribudas porgneros informativos e opinativos

    Gneros Jornalsticos Gneros N de peas PercentagemNotcia Breve 1537 42,7%

    Gneros Informativos Notcia 1460 40,5%Reportagem 48 1,3%Entrevista 108 3%Editorial 41 1,1%

    Coluna/Crnica 134 3,7%Gneros Opinativos Opinio 313 5,9%

    Cartas dos Leitores 61 1,7%Total de Peas 3602

    Analisando os gneros jornalsticos privilegiados para o tratamento dastemticas j indicadas, recolheram-se dados no que diz respeito ao tipo deinformao privilegiada pelos jornais, sobretudo peas dos gneros informa-tivos, com as breves a destacarem-se (1537; 48,7%), seguidas de perto pelasnotcias (1460; 46,3%).

    Cruzando as temticas com os gneros utilizados, a Cultura, enquantotemtica com maior nmero de peas, surgiu representada sobretudo atravsde gneros informativos (92,4%), nomeadamente notcias breves (54,6%), o

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    que enfatiza a percepo de que existe uma forte componente de agenda, so-bretudo nas seces de Cultura, e que exige os dados mnimos (o qu?,quem? e quando?), no se verificando, na maior parte dos casos, um aprofun-damento dos factos. J os temas da Poltica so privilegiados nos gnerosopinativos, concretamente nas crnicas (48; 34,3%) e nos artigos de opinio(68; 48,6%). O maior nmero de entrevistas tambm se verifica neste tema(29; 6,7%), o que pode evidenciar uma personalizao das questes polticas,mas tambm que os jornais procuram dar voz aos representantes dos podereslocais. As reportagens, enquanto gnero que permite maior aprofundamentodas temticas, so tambm privilegiadas para o tratamento das questes pol-ticas, econmicas e culturais (ver tabela XI e XII, anexo VII).

    Tabela 3 Nmero de peas distribudas por gnerosinformativos/opinativos e por jornais

    Jornais Gneros % Gneros % Total de %

    Informativos Opinativos Peas

    Jornal da Bairrada 484 13,4% 34 0,9% 518 14,3%

    Regio de Leiria 357 9,9% 79 2,2% 436 12,1%

    O Ribatejo 382 10,6% 50 1,4% 432 12%

    Grande Porto 304 8,4% 64 1,8% 368 10,2%

    Jornal do centro 186 5,2% 67 1,9% 253 7,1%

    O Algarve 281 7,8% 46 1,3% 327 9,1%

    Jornal do Fundo 548 15,2% 63 1,7% 611 16,9%

    Vida Ribatejana 257 7,2% 18 0,5% 275 7,7%

    Dirop das Beiras 354 9,8% 28 0,8% 382 10,6%

    Total de peas 3153 87,5% 449 12,5% 3602 100%

    Em relao aos jornais interessante verificar que o Jornal do Fundo,apresenta o maior nmero de peas analisadas no conjunto de todos os jornais,mas tambm entre os gneros informativos (611 peas em relao ao total,15,2% do gnero informativo). O jornal Regio de Leiria a publicaoque tem mais peas dos gneros opinativos (79 no conjunto de todas as peas,que representam dentro dos gneros opinativos, 2,2%). Destaca-se ainda oJornal do Centro como o ttulo que tem menos peas no total, mas ainda

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    44 Agenda dos Cidados: jornalismo e participao cvica nos media...

    assim um nmero significativo do gnero opinativo (1,9% no conjunto dosgneros opinativos).

    Olhando para a distribuio dos gneros informativos e opinativos dentrode cada jornal de forma individualizada, verifica-se ainda que nos jornaisVida Ribatejana, Jornal da Bairrada e Dirio As Beiras que essa di-ferena maior. J o Jornal do Centro a publicao onde os gnerosinformativos e opinativos mais se aproximam (ver tabela VII anexo VII).

    Aprofundando a anlise o Jornal do Fundo, que entre todas as publi-caes, pblica mais cart