agatha christie - o adversário secreto

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1915. O navio de passageiros RMS Lusitania acabara de ser torpedeado por forças alemãs. Seu fim era inevitável. A bordo, um homem misterioso deposita todas as suas fichas em uma jovem desconhecida, ao confiar-lhe documentos secretos. Certamente, ela teria maiores chances de sobreviver ao desastre, embarcando em um dos poucos botes salva-vidas restantes. Se os documentos caíssem nas mãos erradas, o futuro dos países aliados estaria comprometido.Alguns anos depois, Tuppence Cowley e Tommy Beresford, esse simpático casal de jovens amigos de infância, encontram-se por acaso na saída de uma estação de metrô. Desempregados, buscando a reinserção diante das dificuldades na vida do pós-guerra e ávidos por aventuras, decidem publicar um anúncio oferecendo seus serviços, “dispostos a fazer qualquer coisa”. O destino faz das suas e, antes mesmo de conseguirem veicular a mensagem, recebem um convite de um homem que ouviu a conversa inadvertidamente e acabam se envolvendo na busca dos documentos secretos perdidos no Lusitania. Seguindo as pistas, descobrem que os comprometedores documentos, após resistir ao famoso naufrágio, estariam nas mãos de uma moça chamada Jane Finn.Os jovens e inexperientes detetives, então contatados pelo serviço secreto britânico, partem no encalço da misteriosa moça com o dever de encontrá-la antes de mr. Brown, gênio criminoso que deseja utilizar os documentos para ampliar seu poder pelo mundo. Tommy e Tuppence, personagens dos mais instigantes e enérgicos de Agatha Christie, terão que usar tudo o que sabem para se antecipar a mr. Brown e sua assustadora onipresença.

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Paratodosaquelesquelevamumavidamonótona,naesperançadequepossamviveremsegundamãoosprazereseperigosdaaventura.

AgathaChristie

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tommyetuppence:umaintrodução

porJohnCurran

—Tommy,meuvelho!—Tuppence,minhavelhaamiga!

Esta troca de cumprimentos no romance O adversário secreto (1922)introduz aos leitores de Agatha Christie a dupla de detetives Tommy eTuppence Beresford. A conversa alegre e despreocupada dá o tom nãoapenasdolivromastambémdosfuturosromancesecontosdasérie,aindaque aqui a palavra “série” seja um tanto enganosa, pois ao contrário deHercule Poirot e miss Marple e seus extensos catálogos de casos, hásomente cinco títulos com Tommy e Tuppence, publicados de maneiraesparsaaolongodetodaacarreiraliteráriadeChristie:doistítulosemsuaprimeiradécadadeescritora,doisnaúltimaeumnafaseintermediária.Oadversáriosecreto foiosegundoromancepublicadoporChristie,aopassoqueoúltimoromancequeelaescreveu,Portaldodestino(1973),tambéméprotagonizadoporTommyeTuppence.EntreumeoutroháacoleçãodecontosSóciosnocrime(1929)eahistóriadeespionagemMouN?(1941),seguidaporumenormehiatoantesdosinistroUmpressentimentofunesto(1968).

Duplasdedetetivesformadaspormaridoemulhersãorelativamenterarasna ficção.DashielHammet criouNickeNoraCharlesemAceiadosacusados/Ohomemmagro(1934),únicaaventuradocasalemlivro,apesardameiadúziade filmesemqueforamrepresentadosnastelasdecinemaporWilliamPowelleMyrnaLoy.[1]PameJerryNorth,personagenscriadospor Richard e Frances Lockridge — que eram casados na vida real —,investigaram crimes em 26 romances. E embora muitos outrospersonagens sejam casados—o inspetor French, Gideon Fell, o inspetorAlleyn—,suasesposasnãosãoseusparceirosativosdeinvestigação.Mas

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TommyeTuppencesãoúnicosporqueseconhecem,secasamesetornampaiseavósaolongodecinquentaanossolucionandodecrimes.

Ao contrário de outros detetives ficcionais de Christie, Tommy eTuppenceBeresfordvãogradualmenteenvelhecendoaolongodasériedelivros,emborasejaprecisoadmitirquedopontodevistamatemáticoessacronologia não resiste a um exame mais minucioso. Quando os dois seconhecem em O adversário secreto, ambos são civis desmobilizados daPrimeiraGuerraMundial;emSóciosnocrime,estãocasadosesãodonosdeuma agência de detetives — ao final do livro Tuppence anuncia suagravidez. EmM ou N?, seus filhos estão envolvidos na Segunda GuerraMundial e mr. e mrs. Beresford contribuem com o esforço de guerracaçando espiões; emUm pressentimento funesto, já avós, investigam ummisteriosodesaparecimentonumasilo.Emsuaderradeiraaventura,Portaldodestino, TommyeTuppencedescobremahistória secretade suanovacasa.

Em muitos sentidos, Tuppence serviu de modelo para algumas dasprotagonistasfemininasqueChristiecriouao longodesuacarreira:AnneBeddingfeld emO homem do ternomarrom (1924), lady Eileen (Bundle)Brent em O segredo de Chimneys (1925) e O mistério dos sete relógios(1929), Emily Trefusis em O mistério de Sitafford (1931), lady FrancesDerwent em Por que não pediram a Evans? (1934) e Victoria Jones emAventura em Bagdá (1951). Todas essas heroínas exibem característicassemelhantes às de Tuppence: curiosidade infatigável, coragem eperspicácia,lealdadeinquestionávelesensodehumor;contudo,Tuppenceé única porque também se torna esposa e, mais tarde, mãe e avó. Aocontráriodemuitaspersonagens femininasque fazemasvezesdemeras“ajudantes”ou“assistentes”,TuppenceéumaparceiraqueatuaempédeigualdadecomTommyenãoselimitaaopapeldemulherindefesaàesperadequeohomem—maiscorajosoemaisinteligentequeela—asalvedasgarras de uma diabólica mente criminosa. Já no início de O adversáriosecreto, é Tuppence quem toma a iniciativa de rascunhar um anúncio dejornal, e é dela a súbita inspiração de acrescentar o intrigante adendo“Nenhumapropostasensataserárecusada”.Suapresençadeespíritolevaadupla à misteriosa entrevista inicial, e seu subsequente disfarce comocriadadomésticaéumsignificativotesteparaosnervos.Docomeçoaofim

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de O adversário secreto, Tuppence se arrisca tanto quanto Tommy e seexpõeàmesmadosedeperigosqueoprotagonistamasculino.

NoCapítulo1deOadversáriosecreto,Tuppenceédescritacomoumajovem que “não tinha a pretensão de ser uma beldade, mas haviapersonalidadeecharmenostraçospuerisdeseurostopequenino,comseuqueixoresolutoeolhosgrandes,cinzentos,enevoadosebemseparadosumdooutro, sob sobrancelhas retas enegras”. Já o rostodeTommy “eradeuma feiúra agradável — indefinível, ainda que sem sombra de dúvidativesse as feições de um cavalheiro e um esportista”. De maneira maissurpreendente,Tommytem“umacabeleiraruivaprimorosamentealisadapara trás”. Com essas descrições, Christie deliberadamente evitou osclichês dos ombros largos, cintura afilada, queixo bem delineado, rostodestemido e bronzeado de sol (para o herói) e talhe de sílfide, cabeloslongos e dourados, beleza estonteante e inocência onisciente (para aheroína), os atributos comuns dos personagens dos textos de ficção daépoca.

PodemosacreditaremTommyeTuppencejustamenteporqueelessãotão“comuns”.NoCapítulo22deOadversáriosecreto,oprimeiro-ministroeo enigmático mr. Carter discutem o caso e os dois protagonistas. Demaneira sucinta,mr. Carter descreve a dupla e o resultado é um retratobastante esmerado dos protagonistas: “Exteriormente, [Tommy] é o tipocomumdosjovensingleses,deboacompleiçãofísicaecabeça-dura.Élentonosprocessosmentais.Poroutrolado,éabsolutamenteimpossíveltirá-lodo rumo pormeio da imaginação. Não possui imaginação alguma—porissoédifícilenganá-lo.Eleélentopararesolverproblemas,equandoenfiaalgo na cabeça, não arreda pé e nuncamuda de opinião. Amoça é bemdiferente.Mais intuiçãoemenosbomsenso. Juntos, formamumbelopartrabalhandojuntos.Cadênciaevigor”.

Outro personagem da série que aparece pela primeira vez em OadversáriosecretoéAlbert,ohumildeascensoristaquetrabalhanoprédiode apartamentos South Audley Mansions quando o conhecemos.Exagerando judiciosamenteseupróprioenvolvimentocoma investigaçãode crimes e casosnefastos,Tuppence faz amizade comomeninoque, aolongo da aventura, se mostrará um inestimável aliado. Em sua apariçãoseguinte,emSóciosnocrime,Albertfazasvezesdeofficeboynaagênciade

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detetives e depois disso se torna parte permanente da famíliaBeresford,marcando presença em todos os romances, incluindo Portal do destino.Contudo,ésomenteemMouN?queficamossabendoqueseusobrenomeéBatt e que a essa altura ele arranjou uma esposa, cuja participação éindiretaesedáapenasnosbastidoresdatrama.AcontribuiçãodeAlbertemMouN?éumtantoesporádica,masemUmpressentimentofunestoeleestá firmemente instalado na casa dos Beresford no papel decozinheiro/mordomo/faz-tudo.

Quando fechou acordo para escrever O misterioso caso de Styles/ Aprimeira investigação de Poirot, Agatha Christie foi contratada paraproduzircincooutrostítulosparaaeditoraTheBodleyHead.Emoutubrode 1912, escreveu ao seu então editor, John Lane, indagando sobre aquantas andava o seu primeiro livro; na mesma carta, mencionou que“agora já terminei um segundo romance”. Portanto, essa carta permitelocalizar a composição de O adversário secreto três anos antes de suapublicação,oqueporsuavezestádeacordocomodiálogonoCapítulo1em que Tommy afirma ter sido desmobilizado “já faz dez longos ecansativosmeses”; seeledeixouoexércitono finalde1918, a referência“dezmesesdepois”situariaopersonagemnofinalde1919.

Em sua autobiografia, Christie discute a gênese do livro e descrevecomo, demaneira bastante semelhante ao que acontece com Tommy noprimeirocapítulodoromance,entreouviraumaconversanumacasadecháemqueduaspessoassentadasaumamesapróximafalavamsobrealguémdenomeJaneFish.Elacontinua:“Isso,pensei,poderiaserumbomcomeçoparaumahistória—umnomeouvidoaoacasonumacasadechá—umnome incomum, que qualquer pessoa, ao ouvi-lo, guardaria namemória.UmnomecomoJaneFish—outalvezJaneFinnfosseaindamelhor.Decidi-me por Jane Finn e imediatamente comecei a escrever. O primeiro títuloquedeifoiAalegreaventura—depoisOsjovensaventureiros—eporfimtornou-seOadversáriosecreto.”Onome“Osjovensaventureiros”ressurgenoanúnciodejornalnoCapítulo1ecaptaperfeitamentebemoespíritodolivroedeseusdoisprotagonistas.ChristievaialémeexplicaqueJohnLanenãogostoumuitodeOadversáriosecreto,poiseramuitodiferentedeseuprimeiro livro. Lane estava tão temeroso de um fracasso de vendas quedurante algum tempo decidiu não publicá-lo, mas por fim cedeu e a

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escritora recebeu a suntuosa soma de 50 libras pelos direitos depublicação.

AtramadeOadversáriosecreto temsuaorigemcercadequatroanosantes, durante um fato histórico verdadeiro, o naufrágio doLusitania emmaiode1915.OnaviozarparadeNovaYorknasemanaanteriorcomquasedoismilpassageiros(160delescidadãosnorte-americanos)e foiatingidoporum torpedoalemãoao largoda costada Irlanda.Morreramafogados1.200 passageiros, entre eles 120 estadunidenses. Apesar da alegaçãoalemãdequeoLusitaniacarregavaarmamentos,omundoficouultrajadopelo torpedeamento de um navio de passageiros, e essa indignaçãoacelerou a entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial(ironicamente, recentes investigaçõesmarítimas revelaramapresençademuniçãoabordo).QuandodapublicaçãodeOadversáriosecretoa infametragédia ainda estava fresca na consciência pública, e a breve cena deabertura a bordo da malfadada embarcação prende a atenção do leitor.Esse acontecimento aparentemente insignificante aciona uma série deeventosparaosquaisonossoheróieanossaheroínasãoatraídosantesmesmodesedaremcontadoqueestáacontecendo.

A história principal se passa alguns anos depois e tem início com oencontro fortuito de miss Prudence Cowley e mr. Thomas Beresford dolado de fora da (já há muito extinta) estação dometrô de Dover Street.Enquanto os dois amigos conversam, ficamos sabendo que ambosretornaramàvidacivileagoraestãosemteroquefazer.Vãoparaacasadechá Lyons’ Corner House (famosa rede também há muito extinta) e umcolocaooutroapardasúltimasnovidadesdesuasvidas.Ficamossabendoque se conhecem desde a infância e que se reencontraram durante aguerra, quandoTommy foi ferido e acabou internadonomesmohospitalondeTuppencetrabalhavacomovoluntária.

Tuppence é miss Prudence Cowley, a filha do arquidiácono Cowley(que faz uma breve aparição no desfecho deO adversário secreto), e é aquinta de sete filhos. A origem de seu apelido é obscura e nem mesmoPrudence sabe explicá-la ao certo. Eladeixou sua casa emSuffolk—nãoexatamente com relutância — para dar sua contribuição ao esforço deguerraeexerceudiversasfunçõestrabalhandoemhospitais.Antesdesuadesmobilização,Tuppencetambémfezasvezesdemotoristaefuncionária

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deumarepartiçãodogoverno.AhistóriadevidadeTommyéaindamaisbreve. Além de um tio rico que em certo momento estava ansioso paraadotá-lo, pouco se sabe sobre seus pais, ambos falecidos. No exército,Tommy chegou à patente de tenente e foi ferido em combate diversasvezes. Tommy e Tuppence estão ambos desempregados e quase semdinheiro.Tambéméumfatohistóricoqueoretornodemilharesdepessoasque haviam atuado como guarnição na Primeira Guerra Mundial causoudesempregoemmassaetornou-seumgraveproblemasocialeeconômico.

Além da narrativa leve e fluente, outra característica cativante deOadversáriosecretosãoosgracejosdosdoisprotagonistas.Odiálogodacenade abertura estabelece o tom que permeia o livro todo, mesmo quandoTommy e Tuppence estão em apuros. A conversa despreocupada deTuppencecommr.Whittington—“Ontemosenhormeouviudizerqueeutinhaaintençãodeviverdaminhasagacidade.Parece-mequeagoraacabodeprovarquepossuoalgumasagacidadeàscustasdaqualpossoviver!”—rivaliza com a atitude alegremente irresponsável de Tommydurante seucativeiro: “Só espero que o juiz não tenha posto o barrete preto —comentouTommy,frivolamente”.AmaneiracomquemaistardeTuppenceconquistaocoraçãoeamentedomeninoéumaobra-primadepsicologiaeencenação.

OselementosquecompõemOadversáriosecreto sãobastante típicosdo período — um detetive destemido (neste caso, dois detetivesdestemidos) travando uma batalha contra uma misteriosa e brilhantemente criminosa determinada a dominar o mundo, raptos covardes eresgates ousados, falsos telegramas e bilhetes forjados, disfarces e trocasde identidade. Nessamistura também há pitadas de outros ingredientes:um milionário, umestranho sanatório, um par de estrangeiros (isto é,qualquerumquesejadeforadaGrã-Bretanha)automaticamentesuspeitoseumamorteinexplicada.Apartirdesseselementos,queemlargamedidasão lugares-comuns, Christie constrói uma história de leitura agradável,com desdobramentos inesperados e originais e uma revelação— bem àmoda de Christie — no capítulo final. Neste suspense o misterioso mr.Browndesempenha omesmopapel dos assassinos não identificados dosdemaiswhodunits[2]deChristie—mr./mrs./missXesperandoparaserdesmascarado (a) no capítulo derradeiro. A autora também oculta a

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identidadedesseperigosovilãocomamesmadestrezacomqueesconderaseu primeiro assassino em O misterioso caso de Styles/ A primeirainvestigaçãodePoirot.

Alguns elementos do enredo do livro vêm à tona em históriasposterioresdeChristie:ainfiltraçãodeTommynareuniãonacasadeSohoprenunciaumacenasemelhantedeumlivropublicadoseteanosdepois,Omistério dos sete relógios; o sinistro sanatório reaparece numa outraaventura de Tommy e Tuppence, “O caso da moça desaparecida”, bemcomoemPorquenãopediramaEvans?,publicadobemmaistarde;papéisdeimportânciacrucialtambémaparecemnapeçaCafépretoenoconto“Oincrível roubo”. Além disso, a presença de personagens que fingem seroutraspessoas serãoumamarca constantena ficçãodeChristieao longodoscinquentaanosseguintes.AoutrasurpresaatémesmoparaosleitoresbeminformadosdeChristieéamençãofortuita(noCapítulo5)doinspetorJapp, habitual parceiro de Hercule Poirot. Ele já tinha aparecido em Omisterioso caso de styles/A primeira investigação de Poirot e continuariasendoumrelutanteadmiradordopequenobelgapormuitosanosecasosporvir.

Publicado em janeiro de 1922 no Reino Unido e meses depois nosEstados Unidos, O adversário secreto recebeu críticas promissoras. OLondonTimes considerou o livro “animadoramente original, a identidadedoarquicriminosoéhabilidosamentemantidaemsegredoatéo final”, aopasso que oDaily News julgou a trama “engenhosa e empolgante... umaleitura singularmente agradável”. O Saturday Review definiu o romancecomo“umaentusiasmantehistóriadeaventura, repletadeescapadasporum triz e muitas decepções caso [os leitores] tentem decifrar o enigmaantes que a autora esteja disposta a dar-lhes a pista. Uma históriaexcelente”. O Daily Chronicle resumiu o livro de uma maneira que,profeticamente,prefiguroumuitasdasresenhasvindouras: “Éumatramaexcelentee,comonós,o leitorvaiachar impossíveldeixaro livrode ladoenquantoomistérionãoforreveladoporcompleto”.

Esses veredictos foram animadores porque O adversário secretorepresentou uma completa guinada de estilo e ritmo em relação aoprimeiro livro de Christie.Na primeira década de sua carreira literária aautora estava em busca de uma fórmula que fosse adequada aos seus

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talentos.Emboraowhodunit fosse o tipode livro comque ela alcançariafamaefortuna,Christieescreveuapenasoutrosquatronosmesmosmoldesentre1920e1929:OmisteriosocasodeStyles/AprimeirainvestigaçãodePoirot,Assassinatono campodegolfe,OassassinatodeRogerAckroydeOmistériodotremazul.Entreumeoutro,elafoientremeandosuspensesqueenfatizavam mais a atividade física do que a cerebral — O adversáriosecreto,Ohomemdoternomarrom,OsquatrograndeseOmistériodosseterelógios—e coletâneasde contos— Poirot investiga, Sócios no crime—,seleçõesereuniõesdetextosjápublicadosanteriormente.

Nessa época omercado de contos era vasto e lucrativo, e as bancasviviamabarrotadascomumainfinidadederevistasdeficção.Apublicaçãoregulardeumcontoouumasériedehistóriasmantinhaonomedoautoremevidêncianaconsciênciadosleitorese,oqueeraaindamaisimportantepara os escritores, representava uma fonte de renda imediata. Muitosautoresdehistóriaspoliciaisfiguravamconstantementenaspáginasdeumsem-número de revistas disponíveis— Conan Doyle e Sherlock Holmes,ChestertonepadreBrown,Baileyemr.Fortune,HornungeRaffles—,eemmuitoscasosapublicaçãodeumanovahistóriadeumautor favoritoeraumaspecto enfatizado comoestratégiade venda: onomedo escritor e otítulo apareciam com grande destaque na capa. Durante essa décadaChristie escreveu um número enorme de contos para esse mercado; amaioriavoltariaaapareceremreuniõesdecontospublicadosaolongodosvinteanosseguintes.Assim,quaseimediatamenteapósaprimeiraapariçãodeTommyeTuppenceemvolume,asaventurasdaduplacontinuaramnoformatodecontos.

O segundo livro protagonizado por Tommy e Tuppence, Sócios nocrime, foi publicado em 1929. Agora casados e felizes, os Beresfordatendem a uma solicitação de mr. Carter — o mesmo de O adversáriosecreto—e assumemuma agência dedetetives—que a dupla, com suacostumeiramodéstia,batizade “DetetivesBrilhantesdeBlunt”.Abemdaverdade a agência não passa de uma fachada para a disseminação deinformações sigilosas, umavezque seuantigodono,mr.TheodoreBlunt,eraumespião.Aoassumiraagência,atarefadeTommyeTuppenceéficardeolhoseouvidosbemabertosafimdemantermr.Carterbeminformado.Embora essa subtrama venha à tona ao longo dos casos individuais que

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compõem o livro, nunca chega a configurar um motivo importante oumesmorelevanteparaasaventurasdocasal.Emsuamaiorparteoscasosqueadupla investiga sãoengenhososedivertidos,mas, comoumbônus,Tommy e Tuppence atacam cada caso usando o estilo de um famosodetetivedaépoca.

EmboraareuniãodecontostenhasidopublicadanoReinoUnidoemsetembrode1929,ashistóriasindividuaistinhamaparecidoatéseisanosantes, especialmente em The Sketch, a mesma revista em que um certoHerculePoirotfezsuaprimeiraapariçãonumconto.Comaexceçãode“Oálibiperfeito”,queveioalumeem1928,todososoutrostextossaíramem1923-24—emoutras palavras, umano apósOadversário secreto. Antesqueacoletâneadecontos fossepublicada,houveanecessidadedealgumtrabalho no sentido de reescrever e rearranjar as coisas. Assim, porexemplo, no Capítulo 1, quando Tuppence diz que “Tommy e Tuppenceestavamcasados,eseisanosdepoisaindaviviamjuntos”,esseperíododetempocorrespondeàpublicaçãodolivroenãodocontooriginal.

UmadasprincipaiscaracterísticasdeSóciosnocrimeéoelementodaparódia/pastiche. Essa ideia é fomentada por Tommy que, num esforçopara emular os grandes detetives da ficção, investe numa coleção dehistóriasdecrimeedecidesolucionarcadacasoàmaneiradeumdeseusheróis. Assim, “O caso da pérola rosa” é solucionado à moda de dr.Thorndyke,deR.AustinFreeman,umpioneironocampoda investigaçãocriminal.“Ocasodamoçadesaparecida”éumainvestigaçãoà laSherlockHolmes,edefatomaisdeumcasododetetivedeBakerStreetenvolviaabuscaporumapessoadesaparecida.Emboraseutomsejabemmaisleve,édifícil ler “O caso damoça desaparecida” sem pensar numa investigaçãomuitosemelhantedeHolmes,“OdesaparecimentodeladyFrancesCarfax”.Alguns dos personagens que são alvo de pastiche no livro já foramesquecidos pelo público leitor moderno, mas a maior parte dos fãs dehistóriaspoliciaisháde se lembrar comcarinhodeEdgarWallace, queéevocadoem“Oestalador”;opadreBrownvêmàmenteem“Ohomemnonevoeiro” (um dos melhores pastiches do livro), e Roger Sheringham,personagem criado por Anthony Berkeley, é emulado em “A filha doclérigo”.Opersistente inspetorFrench,odestruidordeálibis,é lembradoem“Oálibiperfeito”,aopassoqueoVelhonoCanto,criaçãodabaronesa

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Orczyecujomodusoperandieraestudarorelatodeumcrimeesolucioná-losemsequersairdesuamesanacasadechá,écaptadodemaneirahábilem“OmistériodeSunningdale”.Numaengenhosapeçadeautoparódia,oúltimo conto do volume traz um trabalho de investigação ao estilo dograndeHerculePoirot,em“Ohomemdeno16”,umareferênciadisfarçadaaOsquatrograndes.

MouN?foipublicadoem1941erepresentouumamudançacompletade ritmo, tanto para Christie como para Tommy e Tuppence.Inequivocamente ambientado na Segunda Guerra Mundial, foi escritodurante os primeiros dias do conflito. Christie alternou-se entre aelaboraçãodessaaventuradocasaldedetetiveseaescritadeumwhodunitbastantetradicional,Umcorponabiblioteca,oqueelaprópriaexplicouemsuaautobiografia:“Eutinhadecididoescreverdoislivrosaomesmotempo,jáqueumadasdificuldadesdeescreverumlivroéqueele,derepente,ficaestagnado”. Parece que a composição de duas obras totalmentecontrastantesajudouamanterofrescordeambas.

Os Beresford estãomais oumenos sem ter o que fazer, já que seusfilhos estão envolvidos na guerra e a comunicação entre eles é escassa ecautelosa. Tommy (e somente Tommy) atende a uma solicitação de umcertomr. Grant—na verdade umvelho aliado demr. Carter—e aceitaumamissão.Poucoimpressionada,Tuppenceresolveassumirasrédeasdasituação, e quando Tommy chega a seu destino (supostamente secreto),encontraaesposajádevidamenteinstaladaesobumanovaidentidade.Ocenário, umapensão à beira-mar, é um território tradicional nouniversoficcional de Christie, e apesar da forte presença de espiões, agentessecretos, códigos e subversivos disfarçados, a pergunta a ser respondidanãoéexatamente“Queméoassassino?”,massim“Queméoespiãogêniodocrime?”,aindaquecomsuacostumeiraengenhosidadeaautora incluaao mesmo tempo um misterioso assassinato e ofereça respostasinesperadaseperspicazesparacadaumdosenigmas.

Depois de um intervalo de mais de vinte e cinco anos, Umpressentimento funesto foi a penúltima aventuradadupla.No capítulodeaberturadolivroencontramosTommyeTuppencecomoumcasaldemeia-idadepapeandono cafédamanhã.Talvezporquea essa altura aprópriaChristiejáfosseseptuagenária,ospersonagensdolivrosãoemsuamaioria

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idosos.Tommyrecebeumacartadeumavelhatiaeocasalvaivisitá-lanoasilo. Lá Tuppence conhecemrs. Lancaster, senhora com quem tem umabizarra—e,pensandobem,sinistra—conversaacercadamortedeoutrosresidentesdoasilo.Numanovavisita,TommyeTuppencedescobremqueamrs. Lancaster foi tirada de lá às pressas por parentes misteriosos.Desconfiada,Tuppenceresolveinvestigar.

A conversa commrs. Lancaster também contém uma extraordináriasequência,queserepetedemaneiraquase idênticaemdoisoutros livrosde Christie sem ligação entre si. No Capítulo 2 de Um pressentimentofunesto,noCapítulo10deUmcrimeadormecido(1976)enoCapítulo4deO cavalo amarelo (1961), lemos sobre uma senhora idosa de cabelosbrancosqueenquantobebeumcopode leitediscorre sobreumacriançamortaatrásda lareira.Apergunta “Desculpe,masa coitadinhaé/era suafilha?” aparecenos três exemplos, embora apenas emUmpressentimentofunesto esse incidente tenhaalgumarelevânciaparaa trama;naverdade,“Acoitadinhaerasuafilha?”éotítulodeumdoscapítulos.Nosdoisoutroscasos a cena ocorre numa instituição psiquiátrica e não num asilo. Paradeixaracenaaindamaisbizarra,emcadaumdoscasosháumamençãoaumahora específica dodia (diferentes para cada caso).O enigmadeporque essa cena aparece em nada menos do que três títulos de AgathaChristie sem ligação entre si (um de miss Marple, um de Tommy eTuppenceeumautônomo)jamaisfoiexplicado.Pode-seapenassuporqueessaconversa,oualgumdiálogomuitoparecido, tenhadefatoacontecidooufoicontadoaChristie,deixandonaautoraumaimpressãotãoindelévelqueeladecidiuincluí-loemsuaficção.

ComomuitosoutroslivrosdoperíodotardiodeChristie,atramaeboapartedosdiálogosdeUmpressentimentofunesto sãorepetitivos,eapesardaspoderosascenasdeaberturaededesfecho,ficaaimpressãodequeumtrabalhomais impiedoso de edição teria ajudado. Contudo, a dedicatória“ParaosleitoresdesteedeoutrospaísesquemeperguntamsobreTommye Tuppence” serve como lembrete de que é bom encontrar de novo osBeresfordapósumhiatodeumquartodeséculo,masaindacom“oespíritoindômitodesempre”.

Portal do destino foi não apenas o último livro protagonizado porTommy e Tuppence, mas também o último livro que Agatha Christie

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escreveu.Aessaalturaelaestavacom83anos, eporcontadasuasaúdedebilitada é compreensível que os editores não lhe tenhampedido outrolivro.Masescreverseutradicional“ChristieparaoNatal”eraoqueAgathavinha fazendo nos últimos cinquenta anos e oitenta títulos, por isso erainevitável que começasse a escrever uma nova obra assim que a maisrecente chegavaàs livrarias.Abemdaverdadeas cadernetasdeChristiecontêm detalhadas anotações para o livro que ela estava planejando aseguir,masqueinfelizmentenãoseconcretizou.

Como muitos outros dos livros da fase final de Christie, Portal dodestino começa de maneira promissora. Às vésperas da aposentadoria ocasalBeresfordmuda-separaumanovacasa,ondeháumsótãocheiodevelhos livrosqueTuppencesepõeaorganizar.Emumdesses livros—Ailhadotesouro, deRobertLouisStevenson—eladescobreedecifraumamensagemcodificadaquesugerequeumassassinatofoicometidomuitosanosantes: “Marie Jordannãomorreudemortenatural... foiumdenós”.Essa estrutura é típica de Christie,mas a intrigante abertura é o aspectomais interessante do livro; apesar do subsequente assassinato e de umamalogradatentativadehomicídioaTuppence,ogrossodoromanceéumasérie de conversas nostálgicas. Na verdade, trata-se de uma jornada aopassado, tanto para a escritora como para o leitor. Muitos elementos dainfância feliz de Christie na casa de sua família, Ashfield, aparecem deforma maldisfarçada — os livros que ela leu, a cadeira de balanço, aaraucária no jardim, a estufa de plantas—, mas há poucos vestígios daengenhosa criadora de tramas do passado. Finalmente conhecemos osnetos dos Beresford, mas a cronologia das três gerações da família nãoresisteaumexamemaisminucioso.Porcausadorápidodeclíniodasaúdede Agatha Christie, nos três anos que se seguiram a Portal do destinomuitoslivrosecontosescritosduranteseusanosdeglória—OsprimeiroscasosdePoirot(1974),Caiopano(OúltimocasodePoirot),de1975,eUmcrimeadormecido(1976)—vieramalumeparaodeleitedeseupúbliconomundotodo.

EmboraonomedeAgathaChristieestejainextricavelmenteassociadoaowhodunit,Oadversáriosecreto,emmuitossentidosumahistóriaatípica,foi o primeiro livro da autora a ganhar uma adaptação para as telas decinema.Em1928foilançadoofilmemudoalemãoDieabentueurGmbH. É

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bastanteimprovávelqueAgathaotenhaassistido(oumesmoquesoubessede sua existência) porque somente nos últimos anos apareceram cópiasdessapelícula.Emborafosseumaproduçãoalemã,ofilmefoiestreladoporumaatrizinglesaeumatoritaliano,EveGreyeCarloAldini,nopapeldosintrépidosinvestigadores;apesardasóbviasrestrições,ofilmeémelhordoque se poderia imaginar. Em boa medida o filme segue o enredo doromance, embora no fim das contas o relacionamento de Tommy eTuppence não fique tão explicitado. Porém, como primeiro exemplo dointeresse internacional pela obra de Christie, é uma fascinante peça dahistóriadocinema.

Depoisdessaincursãocinematográfica,asériedeTommyeTuppencedefinhoupormuitosanosatéqueem1983atelevisãobritânicaadaptouacompilaçãodecontosSóciosnocrime,precedidadeumaversãoemlonga-metragemdeOadversáriosecreto—umaexuberantee fieladaptação(deduas horas de duração) estreladapor JamesWarwick e FrancescaAnnis,perfeitosnospapéis,etambémGeorgesBakercomomr.Whittington.MaistardeBakerficariafamosocomooinspetorWexford,personagemdeRuthRendell, mas já tinha feito o papel do inspetor Alleyin, criação de NgaioMarsh; também atuou na versão de Joan Hickson de O caso do HotelBertram (1987) e foi o primeiroNeville Strange na produção original deHoraZero(1956)noWestEndlondrino.OfilmeproduzidoparaatelevisãotambémtrazianoelencoHonorBlackmancomoaglamorosaesinistraRitaVandemeyer e Alec McCowan como o polido Peel Edgerton. Intitulada“Sóciosnocrime,deAgathaChristie”,asériededezepisódios—exibidanatelevisão britânica entre outubro de 1983 e janeiro de 1984— adaptoufielmenteamaiorpartedoscontosdolivro,emboratenhaomitidoemlargamedidaoelementodepastiche.Somentetrêshistóriasficaramdefora:“Aaventuradodesconhecidosinistro”,“Jogodecabra-cega”e“Ohomemdeno

16”.Seessasérietelevisivaébastanteconhecida,nemtodososleitoresde

Agatha Christie sabem que também existiu uma série de programasradiofônicosdabbcbaseadosemSóciosnocrimeetransmitidosentreabrilejulhode1953.AsérieeraprotagonizadaporRichardAttenboroughesuaesposanavidareal,SheilaSim,queàépocaatuavatambémnamontagemdapeçaA ratoeira, outra obradeChristie, então em cartaznoWestEnd.

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Embora não haja notícia da existência de cópias dessa série de rádio, osdetalhes disponíveis parecem indicar que todos os contos do livro foramadaptados,aindaquecomalgumasalteraçõesnostítulos.

Demodogeral,olegadodasaventurasdeTommyeTuppencenãoétãosignificativo quanto as séries de textos protagonizados por Marple ouPoirot.OscasosdosBeresfordnãotêmasmesmastramas intrincadas,asdeslumbrantesreviravoltaseosporvezeschocantesdesenlacesquesãoamarcaregistradada ficçãopolicialdeChristie.Talvezoscinco livroscomTommyeTuppencenemsequer continuassemsendopublicadoshoje emdianãofossepelacarreiradofamosodetivebelgadascélulascinzentasouaidosamoradoradovilarejodeSt.MaryMead.Entretanto,comosugereotítulo original do primeiro livro de Tommy e Tuppence, Os jovensaventureiros, as façanhas da dupla não devem ser levadasmuito a sério,mas sim apreciadas por aquilo que realmente são — alegres edespreocupadas travessuras. Pois, como define a própria Agatha ChristienadedicatóriadeOadversáriosecreto:“Paratodosaquelesquelevamumavida monótona, na esperança de que possam viver em segunda mão osprazereseperigosdaaventura”.

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prólogo

Eram duas da tarde do dia 7 de maio de 1915. O Lusitania tinha sidoatingidopordoistorpedosseguidoseafundavarapidamente,enquantoosbotes salva-vidas iam sendo descidos com a maior velocidade possível.Organizadas em fila, as mulheres e as crianças aguardavam sua vez.Algumas ainda se agarravam, desesperadas, aos maridos e aos pais; asmães apertavam os filhos contra o peito. Um pouco afastada daaglomeração,umamoçaestavasozinha.Muitojovem,nãodeviatermaisdedezoitoanos.Nãopareciaestarcommedoeolhavafixamenteparaafrente,comexpressãosériaeimperturbável.

—Comlicença...Aoouviravozmasculinaaoseulado,amoçateveumsobressaltoese

virou.Elajátinhareparadomaisdeumaveznodonodavozemmeioaospassageirosdaprimeiraclasse.Pairavasobreessehomemumasugestãodemistérioque instigara sua imaginação.Elenunca falava comninguém. Sealguém lhe dirigia a palavra, ele logo recusava o convite para entabularconversa. Além disso, tinha umamaneira nervosa de espiar por cima doombro,comumgolpedevistarápidoedesconfiado.

A moça percebeu que agora o homem em questão estavaextremamenteagitado.Haviapingosdesuoremsuatesta.Eraevidentequeestavadominadoporumpânicoesmagador.Entretanto,ajovemnãoachouquepareciaotipodehomemquetemeriaumencontrocomamorte!

—Poisnão.—Demodoinquiridor,osolhossériosdelaencontraramosdele.

Elesustentouoolhar,numaespéciedeindecisãodesesperada.—Temdeser!—ohomemmurmuroudesiparasi.—Sim!Éoúnico

jeito. — Ato contínuo, levantando a voz, perguntou abruptamente:— A

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senhoritaénorte-americana?—Sou.—Épatriota?Amoçacorou.—Acho que o senhor não tem o direito deme perguntar uma coisa

dessas!Éclaroquesou!— Não se ofenda. A senhorita não se ofenderia se soubesse quanta

coisaestáemjogo.Maseuprecisoconfiaremalguém—etemdeserumamulher.

—Porquê?—Porcausado“mulheresecriançasprimeiro”.—Ohomemolhouao

redorebaixouavoz:—Estoudepossedealgunspapéis—documentosdeextremaimportância—quepodemfazertodaadiferençaparaosAliadosnaguerra.Asenhoritacompreende?Estespapéistêmdesersalvos!Comasenhorita,aschancesserãomaiores.Aceitaficarcomeles?

Amoçaestendeuamão.—Espere,devoalertá-la.Talvezasenhoritaestejaemperigo,casoeu

tenha sido seguido. Não creio que tenha sido,mas nunca se sabe. Semeseguiram,asenhoritacorrerisco.Temacoragemparase incumbirdessatarefa?

Amoçasorriu.—Souperfeitamentecapazdecumpriressamissão.Eestouorgulhosa

detersidoaescolhida!Edepois,oquedevofazercomosdocumentos?—Leiacomatençãoos jornais!Voupublicarumanúncionaseçãode

anúnciospessoaisdoTheTimescomotítulo“Companheirodeviagem”.Sedepois de três dias não sair nada, bem, aí a senhorita saberá que estouliquidado. Leve o pacote à embaixada norte-americana e entreguepessoalmenteaoembaixador.Emmãos.Entendeu?

—Entendiperfeitamente.—Entãoseprepare,voumedespedir—eleapertouamãodamoça.—

Adeus.Boasorte—ohomemdisse,levantandoumpoucoavoz.Amoça fechouosdedosemvoltadopacotedeoleadoqueohomem

depositaranapalmadesuamão.O Lusitania ia a pique, agora ainda mais inclinado para estibordo.

Obedecendo a uma ordem sucinta de um oficial do navio, a moça deu

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algunspassosàfrenteafimdeocuparseulugarnobotesalva-vidas.

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1“jovensaventureirosltda.”

—Tommy,meuvelho!—Tuppence,minhavelhaamiga!Os dois jovens cumprimentaram-se com um abraço carinhoso e por

algunsinstantesbloquearamasaídadaestaçãodeDoverStreet.Oadjetivo“velho”eraenganoso.Somadas,semdúvidaasidadesdosdoisjovensnãochegariaaquarentaecincoanos.

— Simplesmente faz séculos que não vejo você— disse o rapaz.—Para onde está indo? Venha comer alguma coisa comigo. Já estamoscomeçando a atrair olhares tortos aqui, atrapalhando o caminho dessejeito.Vamosembora.

A moça concordou, e a dupla começou a descer a Dover Street emdireçãoaPiccadilly.

—Bem,eagora?Paraondeiremos?—perguntouTommy.A leve ansiedade disfarçada na sua voz não escapou aos ouvidos

astutos de miss Prudence Cowley, que por alguma razão misteriosa erachamada pelos amigos íntimos de “Tuppence”.[3] Sem rodeios, ela logodisparou:

—Tommy,vocêestáfalido!—Nada disso— ele se defendeu, demaneira pouco convincente.—

Estounadandoemdinheiro.— Você sempre foi um péssimo mentiroso — respondeu Tuppence

comseveridadenavoz—,emboracertaveztenhaconseguidoconvencerairmãGreenbankdequeomédicolhehaviareceitadocervejacomotônico,mastinhaseesquecidodepreencherareceita.Lembra?

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Tommytentouabafarumarisada.—Achoquesim!Avelha ficou furiosaquandodescobriu,nãoé?Não

que ela fossemá pessoa, a boa e velha freira Greenbank! Ótimo hospitalaquele—devetersidodesmobilizado,comotudomais,não?

Tuppencesuspirou.—Sim.Vocêtambém?Tommyfezquesimcomacabeça.—Hádoismeses.—Eagratificação?—insinuouTuppence.—Jágastei.—Oh,Tommy!—Não,minhaquerida, não foi em farrasnemem libertinagens!Não

tivetantasorte!Ocustodevida,hojeemdialevaravida,atémesmoamaiscomumemedíocre,é,eulheasseguro,seéquevocêaindanãosabe...

—Minha querida criança— interrompeuTuppence—, não há nadaqueeunãosaibaarespeitodocustodavida.AquiestamosnósnaLyons’,ecada um pagará a sua parte da conta. Assunto encerrado! — Tuppencetomouadianteiraecomeçouasubirasescadas.

Olugarestavalotado,eaduplazanzouaesmoàprocuradeumamesa;enquanto caminhavam de um lado para o outro, os dois amigos iamescutandotrechosefiaposdeconversas.

“Eaí—imaginevocê,elasesentouechorouquandoeudissequeelanãopoderiadejeitonenhumficarcomoapartamento.”“Erasimplesmenteumapechincha,minhacara! IgualzinhoàquelequeMabelLewistrouxedeParis...”

— A gente ouve sem querer cada coisa engraçada — murmurouTommy.—HojenaruapasseipordoissujeitosqueestavamfalandosobreumamulherchamadaJaneFinn.Jáouviufalarnessenome?

Porém,comonesseexatomomentoduassenhorasidosaslevantaram-seerecolheramseusembrulhos,Tuppencehabilmenteaboletou-senumadascadeirasvagas.

Tommypediu cháepãezinhosdoces.Tuppencepediucháe torradascommanteiga.

—E,porfavor,tenhaocuidadodetrazerocháembulesseparados—elaacrescentouaogarçom,emtomsevero.

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Tommy sentou-se de frente para a amiga. A cabeça descoberta dorapazrevelavaumacabeleiraruivaprimorosamentealisadaparatrás.Seurostoeradeumafeiúraagradável—indefinível,aindaquesemsombradedúvidativesseasfeiçõesdeumcavalheiroeumesportista.Vestiaumternomarrom bem cortado,mas que parecia estar, perigosamente, a ponto dedesfiar.

Ali sentados, os dois amigos formavam essencialmente um casal deaparênciamoderna.Tuppencenão tinhaapretensãodeserumabeldade,mas havia personalidade e charme nos traços pueris de seu rostopequenino,comseuqueixoresolutoeolhosgrandes,cinzentos,enevoadosebemseparadosumdooutro, sob sobrancelhas retasenegras. Sobreoscabelos curtos e negros ela usava um chapeuzinho verde-vivo de copaarredondadaesemaba,esuasaiaextremamentecurtaebastantesurradadeixavaentreverumpardebelosedelicadostornozelosforadocomum.Aaparência de Tuppence evidenciava um destemido esforço em nome daelegância.

Por fim chegou o chá; despertando de um instante de meditação,Tuppencedespejou-onaxícara.

— Bem, agora — disse Tommy, abocanhando um grande naco depãozinhodoce—vamoscolocarasnotíciasemdia.Lembre-sedequenãovejovocêdesdeaquelaocasiãonohospital,em1916.

— Muito bem — Tuppence serviu-se de uma torrada com umagenerosa porção de manteiga. — Biografia resumida de miss PrudenceCowley,aquintafilhadoarquidiáconoCowleydeLittlemissendell,Suffolk.Miss Cowley abandonou as delícias (e a enfadonha labuta) de sua vidadoméstica logo no começo da guerra e rumou para Londres, onde foitrabalhar num hospital para oficiais. Primeiro mês: lavou seiscentos equarentaeoitopratospordia.Segundomês:promovida,passouasecarossupracitados pratos. Terceiro mês: novamente promovida, agora paradescascar batatas. Quarto mês: promovida para fatiar os pães e passarmanteiga.Quintomês:promovidaparaoandardecima,ondecuidoudosafazeresdecriadadaenfermaria,munidadeesfregãoebalde.Sextomês:promovidapara servir àmesa. Sétimomês: graças à suaboaaparência epor conta de suas maneiras extraordinariamente refinadas, ganha apromoção para servir as irmãs! Oitavo mês: pequeno retrocesso na

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carreira: a irmã Bond comeu o ovo da irmã Westhaven! Tremendoalvoroço!Éevidentequeaculpaédacriadadaenfermaria!Nuncaédemaisrepreendercomrigoradesatençãoemassuntosdetamanhaimportância.Esfregão e balde outra vez! Como caem os poderosos![4] Nono mês:promovidaparavarrerasalasdaenfermaria,ondeencontraumamigodeinfância, o tenente Thomas Beresford (faça uma reverência, Tommy!), aquem não encontrava havia cinco longos anos. O encontro foi afetuoso!Décimo mês: repreendida pela enfermeira-chefe por ir ao cinema nacompanhia de um dos doentes, a saber, o anteriormente mencionadotenente Thomas Beresford. Décimo primeiro e décimo segundo meses:reintegrada às funções de copeira, com sucesso absoluto. No fim do anodeixaohospitalnofulgordaglória.Depoisdisso,atalentosamissCowleydirigiuumaperuadeentregademercadoriaseumcaminhãoefezasvezesde motorista para um general. O último foi o mais agradável. Era umgeneraltãojovem!

—Quemeraessesujeitinhoinconveniente?—perguntouTommy.—Absolutamenterepugnanteamaneiracomoessesmilitaresdealtapatenteiam de carro do Gabinete de Guerra para o Savoy e do Savoy para oGabinetedeGuerra![5]

— Agora já me esqueci do nome dele — confessou Tuppence. —Retomandooassunto,esseperíodofoi,emcertosentido,oápicedaminhacarreira. Depois ingressei numa repartição do governo. Lá dávamosinúmeras festas e agradáveis chás. Eu pretendia me tornar lavradora,motorista de ônibus e funcionária dos Correios e encerrarsatisfatoriamenteaminhacarreira,masaíveiooArmistício!Pormesesafio eu me aferrei com unhas e dentes ao emprego na repartição, mas,infelizmente, no fim das contas fui dispensada. Desde então estouprocurandoemprego.Éisso—agoraéasuavez.

— Na minha história não há tantas promoções, e há muito menosvariedade — disse Tommy, pesaroso. — Como você sabe, voltei para aFrança.DepoismemandaramparaaMesopotâmia,fuiferidopelasegundavez e hospitalizado lá mesmo. A seguir fiquei empacado no Egito até oArmistício;passeiumbomtempoláàtoae,comolhedisse,retorneiàvidacivil. Já fazdez longose cansativosmesesque tenhoprocurado trabalho!Nãohá emprego algum!Emesmo sehouvesse, quemme contrataria?De

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queeusirvo?Oqueeuentendodenegócios?Nada.Tuppencemeneouacabeça,tristemente.—Equantoàscolônias?—elasugeriu.Tommybalançouacabeça.—Creioqueeunãogostariadascolônias—etenhocertezaabsoluta

dequeelasnãogostariamdemim!—Temparentesricos?MaisumavezTommysacudiuacabeça.—Oh,Tommy,masnemumatia-avó?—Tenhoumvelhotioqueémaisoumenosendinheirado,masdenada

meadianta.—Porquenão?—Umavezelequismeadotar.Recusei.— Acho que me lembro de ter ouvido algo a respeito — disse

Tuppence,pausadamente.—Vocêrecusouporcausadesuamãe...Tommyenrubesceu.— Sim, teria sido uma deslealdade, uma brutal indelicadeza. Como

vocêsabe,eueratudoqueelatinha.Ovelhoaodiavaequeriameseparardela.Porpurorancor.

—Suamãejámorreu,não?—indagouTuppence,emtomsuave.Tommyfezquesimcomacabeça.Os grandes olhos cinzentos de Tuppence pareciam ter ficado

marejados.—Vocêéumbomsujeito,Tommy.Eusempresoubedisso.— Bobagem! — Tommy apressou-se em retrucar. — Bem, esta é a

minhasituação.Estouàbeiradodesespero.—Eutambém!Jáaguenteiomáximoquepude.Batiemmuitasportas.

Respondi a anúncios. Tentei todo tipo de coisa. Apertei o cinto eeconomizeiecorteigastos!Masdenadaadiantou.Vouvoltarparaacasadomeupai!

—Evocêquervoltar?—Claroquenãoquero!Dequeadiantasersentimental?Gostomuito

domeupai,aquemsoutremendamenteligada,masvocênãofazideiadafonte de aborrecimento que sou para ele! Ele tem aquela encantadora eantiquadavisãodemundovitorianaemqueusarsaiascurtasefumarsão

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coisasimorais.Vocêpodeimaginarapedranosapatoqueeusouparaele.Meupaideuumsuspirodealívioquandoaguerrametiroudelá.Vejabem,somosseteemcasa.Éterrível!Todooserviçodomésticoeasreuniõesdamamãe!Semprefuiaovelhanegra.Não,nãoquerovoltar,mas,oh,Tommy,oquemaispossofazer?

Tommy meneou a cabeça, abatido. Houve uma pausa, e depoisTuppencevociferou:

—Dinheiro,dinheiro,dinheiro!Pensoemdinheirodemanhã,àtardeeànoite!Talvezeutenhaumquêdemercenária,maséapuraverdade!

—Comigoéamesmacoisa—concordouTommy,amuado.— Também já pensei em todas as maneiras imagináveis de obter

dinheiro — continuou Tuppence. — Só existem três: herdar uma belafortuna, casar com alguémpodre de rico ou ganhar dinheiro. A primeiraestá fora de cogitação. Não tenho parentes velhos e ricos. Todos osparentes que tenho são velhotas recolhidas em asilos para senhorasdistintasedecadentes.Pelosimpelonão,costumosempreajudarasidosasa atravessar a rua e os cavalheiros anciãos a carregar suas compras, naesperançadedescobrirqueumdeleséummilionárioexcêntrico.Masatéhojenenhumdelesperguntoumeunome—emuitosnemsequerdisseram“Obrigado”.

Houveumapausa.— É claro — prosseguiu Tuppence — que o casamento é a minha

melhor chance. Quando eu era jovem, tomei a decisão de me casar pordinheiro.Qualquergarotacapazdepensarteriafeitoomesmoplano!Nãosou sentimental, você sabe— ela fez uma pausa.— Ora, você não podedizerquesousentimental—elaacrescentou,prontamente.

— Certamente que não — Tommy apressou-se em concordar. —Ninguémemsãconsciênciapensariaemassociarvocêaosentimentalismo.

—Nãoémuitogentildasuaparte—devolveuTuppence.—Massemdúvida sua intenção foi boa. Bem, é isso! Estou pronta e disposta, masnunca encontrei um ricaço! Todos os rapazes que conheço são mais oumenostãopés-rapadosquantoeu!

—Eotalgeneral?—indagouTommy.— Creio que em tempos de paz ele é dono de uma bicicletaria —

explicouTuppence.—Não,nadadisso!Ora,você,sim,poderiasecasarcom

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umamoçaendinheirada.—Estounomesmobarcoquevocê.Nãoconheçonenhuma.—Issonãoimporta.Vocêsemprepodeacabarconhecendouma.Jáeu,

sevejoumhomemdecasacodepelesaindodoRitz,nãopossocorreratéeleedizer:“Escuteaqui,osenhorérico.Eugostariadeconhecê-lo”.

—Vocêestásugerindoqueeu faça issocomtodamulher igualmenteemperiquitada?

—Não seja bobo. Você pode pisar de leve nos pés dela, ou pegar olenço dela do chão ou qualquer coisa parecida. Se ela perceber que vocêquerconhecê-la,ficarálisonjeadaeaítudoestaráencaminhado.

— Você superestima os meus encantos masculinos — murmurouTommy.

— Por outro lado — prosseguiu Tuppence —, o meu milionárioprovavelmente sairia correndo de mim! Não, o casamento é repleto dedificuldades.Resta-meapenasumaopção:ganhardinheiro.

—Játentamosfazerisso.Efracassamos—lembrouTommy.—Sim,tentamostodososmétodosortodoxos.Massuponhaqueagora

experimentemos métodos não convencionais. Tommy, sejamosaventureiros!

—Claro—respondeuTommy,animado.—Porondeagentecomeça?—Aíéqueestáa complicação.Seconseguíssemosalgumrenome,as

pessoasnoscontratariamparapraticarcrimesnolugardelas.— Que maravilha — comentou Tommy. — Especialmente vindo da

filhadeumclérigo!— A culpa moral seria de quem contratou o serviço, não nossa —

observouTuppence.—Vocêtemdeadmitirqueexisteumadiferençaentreroubarumcolardediamantesparasimesmoesercontratadoporalguémpararoubá-lo.

—Nãohaveriaamenordiferençasevocêfossepresa!—Talveznão.Maseunãoseriapresa.Souespertademais.—Amodéstia sempre foi o seupecadomais recorrente—observou

Tommy.—Nãomecritique.Olheaqui,Tommy,falandosério:vamosarregaçar

asmangas?Vamosformarumaparceriacomercial?—Fundarumaempresaderoubosdecolaresdediamantes?

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—Issofoisóumexemplo.Vamosabriruma—qualéapalavraqueseusanacontabilidade?

— Não sei. Nunca trabalhei na contabilidade, tampouco tive umcontador.

—Eu já tive algumaexperiênciana área,mas sempreenfiavaospéspelasmãoseanotavaoslançamentosdo“crédito”nacolunado“débito”evice-versa.Porissomemandaramparaoolhodarua.Ah,jásei:umajointventure,umaempresaconjunta!Parece-meumaexpressãoromânticaaserencontrada em meio a figuras mofadas e obsoletas. Tem um toqueelizabetano: fará as pessoas pensarem em galeões e dobrões espanhóis.Umaaventuraemconjunto!

—Fazernegóciossobonomede“JovensAventureirosLtda.”?Éessaasuaideia,Tuppence?

—Vocêtemodireitoderiràvontade,masaminhaimpressãoédequepodevalerapena.

— Como você pretende entrar em contato com os seus supostosclientes?

— Anúncios— respondeu Tuppence prontamente.— Você tem umpedaço de papel e um lápis? Parece-me que todos os homens semprecarregam essas coisas. Assim como nós, mulheres, temos sempre à mãogramposdecabeloeesponjasparaaplicarpódearroz.

Tommy entregou-lhe uma surrada caderneta verde, e Tuppencecomeçouaescreverfreneticamente.

—Paracomeçar:“Jovemoficial,duasvezesferidonaguerra...”.—Claroquenão.—Oh,tudobem,meucaroamigo.Maseulheasseguroqueessetipode

coisapoderiaamolecerocoraçãodealgumavelhotasolteirona,quetalvezdecidisseadotá-lo,eentãovocênemsequerteriaanecessidadedeserumjovemaventureiro.

—Nãoqueroseradotado.— Eu me esqueci que você tem preconceito contra isso. Estava só

pregandoumapeça emvocê!Os jornais andam cheios até a bordadessetipode coisa.Agora, ouça—que tal isto aqui? “Dois jovens aventureirosoferecemseusserviços.Dispostosafazerqualquercoisa,prontosparairdebom grado a qualquer lugar. A remuneração deve ser boa” (É melhor

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deixarmos issobemclarodesdeocomeço).Depoispodemosacrescentar:“Nenhuma proposta sensata será recusada” — como nos anúncios deapartamentosedemobília.

— Creio que qualquer proposta que nos oferecerem será bastanteinsensata!

—Tommy!Você é umgênio!Assim émuitomais chique: “Nenhumapropostainsensataserárecusada—searemuneraçãoforboa”.Quetal?

—Eunãomencionariaopagamento.Pareceansiedadeouganância...— Na situação em que me encontro, um anúncio seria incapaz de

traduzir o grau daminha ansiedade!Mas talvez você tenha razão. Agoravoulertudo:“Doisjovensaventureirosoferecemseusserviços.Dispostosafazer qualquer coisa, prontos para ir de bom grado a qualquer lugar. Aremuneraçãodeveserboa.Nenhumapropostainsensataserárecusada”.Oquevocêpensariaselesseumanúnciodessesnojornal?

—Quese tratadeumembuste,oudeumabrincadeirademaugostoescritaporumlunático.

— Não é nem de longe tão insano quanto o que li esta manhã, quecomeçavacomotítulode“Petúnia”eeraassinadoporumcerto“Garotão”.—Elaarrancouapáginadacadernetaeentregou-aaTommy.—Aquiestá.TheTimes,creioeu.RespostasparaaCaixaPostalnúmerotaletal.Calculoque vai custar cinco xelins. Tome aqui, meia coroa para cobrir a minhaparte.

Pensativo, Tommy segurou nas mãos o pedaço de papel. Seu rostoestavaafogueado,deumvermelhomaisintenso.

—Acoisaéseria?Vamostentardeverdade?—eleperguntou,porfim.—Hein,Tuppence?Sópeladiversão?

— Tommy, você é um bom companheiro, tem espírito esportivo! Eusabia que você toparia. Vamos fazer um brinde ao nosso sucesso.— Eladespejouosrestosdecháfrionasduasxícaras.

—Ànossaaventuraconjunta,equeprospere!—À“JovensAventureirosLtda.”!—brindouTommy.Pousaram as xícaras sobre a mesa e riram, hesitantes. Tuppence

levantou-se.—Tenhodevoltaràminhasuntuosasuítenapensão.— Talvez seja uma boa hora para eu passear perto do Ritz— disse

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Tommy, com um sorrisinho malicioso. — Onde nos encontraremos? Equando?

—Amanhã aomeio-dia. Na estação demetrô Piccadilly. O horário éadequadoparavocê?

— Sou senhor do meu próprio tempo — respondeu mr. Beresford,pomposamente.

—Atémais,então.—Atémais,minhaquerida.Os dois jovens partiram para rumos opostos. A pensão de Tuppence

situava-senumaáreabenevolamentechamadadeSouthernBelgravia.Paraeconomizar,elanãoquispegaroônibus.

Quandoajovemestavaameiocaminho,cruzandooParqueSt.James’,umavozdehomematrásdelaprovocou-lheumsobressalto.

—Comlicença—disseohomem.—Possoconversaruminstantecomasenhorita?

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2aofertademr.whittington

Tuppencevirou-serapidamente,masaspalavrasquepairavamnapontadesualínguaforamcontidas,porqueaaparênciaeasmaneirasdohomemnãoconfirmavamsuaprimeiraemaisnaturalsuposição.Elahesitou.Comoselesseospensamentosdamoça,ohomemapressou-seemdizer:

—Possoassegurarquenãotenhoaintençãodedesrespeitá-la.Tuppenceacreditounele.Aindaque,guiadapeloinstinto,desconfiasse

eantipatizassecomohomem,elaestavainclinadaaeximi-lodopropósitoparticularqueaprincípiolheatribuíra.Fitou-odacabeçaaospés.Eraumhomem grandalhão, sem barba, com um queixo pesado. Tinha olhospequenoseastutos,queteimavamemfugirdoolhardiretodeTuppence.

—Bem,oqueosenhordeseja?—perguntouela.Ohomemsorriu.—Ouviporacasopartedasuaconversacomaquelejovemcavalheiro

naLyons’.—Muitobem.Edaí?—Nada, a não ser pelo fato de que estou convencido de que talvez

possaser-lheútil.OutraconclusãoabriucaminhoàforçanamentedeTuppence.—Osenhormeseguiuatéaqui?—Tomeiessaliberdade.—Edequemaneiraosenhorjulgaquepossaserútilparamim?Com umamesura, o homem tirou um cartão do bolso e passou-o às

mãosdamoça.Tuppence segurou o cartão e examinou-o cuidadosamente. Leu a

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inscrição:“mr.EdwardWhittington”.Abaixodonome,aspalavras“Estônia,CompanhiadeArtigosdeVidro”eoendereçodeumescritórionacidade.Mr.Whittingtonretomouapalavra:

—Seasenhoritapudermefazerumavisitaamanhãàsonzehorasdamanhã,explicareiosdetalhesdaminhaproposta.

—Àsonzehoras?—perguntouTuppence,indecisa.—Àsonzehoras.Tuppencesedecidiu.—Muitobem.Estareilá.—Obrigado.Boanoite.Comumfloreio,ohomemergueuochapéu,virouascostaseseafastou.

Durante alguns minutos Tuppence ficou lá parada, fitando-odemoradamente.Depoisdeudeombroscomummovimentocurioso,comoodeumcãozinhoterriersesacudindo.

“Asaventurascomeçaram”,elamurmurouparasimesma.“Oqueseráqueessehomemquerqueeufaça?Mr.Whittington,hánosenhoralgoquenãomeagrada.Mas,poroutro lado,não tenhomedoalgumdosenhor.Ecomoeujádisseantes,esemdúvidavoltareiadizer,apequenaTuppencesabemuitobemcuidardesi,obrigada!”

E, com um breve e ágil meneio de cabeça, Tuppence retomou seucaminho compassadas largas e vigorosas. Entretanto, como resultadodenovas reflexões, desviou de rota e entrou numa agência dos correios. Ládentroponderouporalgunsinstantes,segurandonamãoumimpressodetelegrama. O pensamento de possíveis cinco xelins gastosdesnecessariamente impeliu-a à ação e ela resolveu correr o risco dedesperdiçarnovepence.

Desprezando a caneta pontuda e a tinta preta parecida commelaçofornecidaporumgovernocaridoso,TuppencesacouolápisdeTommy,quetinha ficado com ela, e rapidamente rabiscou: “Não publique o anúncio.Explicareiamanhã”.EndereçouotelegramaparaTommynoclubedequeele era sócio, e do qual dentro de ummês seria obrigado a se desligar amenosqueumafortunadogolpedesortelhepermitissepagaroquedeviaeficaremdiacomatesouraria.

—Talvezotelegramachegueatempo—murmurouTuppence.—Emtodocaso,valeapenatentar.

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Depoisdeentregarotelegramaaofuncionáriodooutroladodobalcão,ela se dirigiu às pressas para casa, parando apenas numa padaria paragastartrêspenceempãezinhos.

Mais tarde, em seu minúsculo cubículo no pavimento superior dapensão,Tuppencemastigavaospãezinhoserefletiasobreofuturo.Oqueseria a tal “Estônia, Companhia de Artigos de Vidro”, e por que diabosnecessitaria dos seus serviços? Um agradável tremor de emoção fezTuppence formigar. Em todo caso, a paróquia rural tinha mais uma vezficadoemsegundoplano.Oamanhãestavaplenodepossibilidades.

Nessa noite, Tuppence demorou a pegar no sono e, horas depois,quandoporfimconseguiudormir,sonhouquemr.Whittingtonainstruíaalavar uma pilha de peças de vidro da marca “Estônia”, que eraminexplicavelmenteparecidascompratosdehospital!

Faltavam cinco minutos para as onze quando Tuppence chegou aoconjunto de edifícios em que se situavam os escritórios da “Estônia,Companhia de Artigos de Vidro”. Chegar antes da hora marcada teriaparecidoexcessodeansiedade.PorissoTuppenceresolveucaminharatéofimdaruaevoltar.Eassimfez.Àsonzeemponto,irrompeunoedifício.A“Estônia” ficava no último andar. Havia um elevador, mas Tuppencepreferiusubirasescadas.

Já quase sem fôlego, parou diante de uma porta de vidro com umletreiropintado:“Estônia,CompanhiadeArtigosdeVidro”.

Tuppencebateu.Obedecendo aumavoz vindadedentro, ela girou amaçanetaeadentrouumaantessalapequenaebastantesuja.

Umsenhordemeia-idadelevantou-sedeumbancoaltoatrásdeumaescrivaninhapertodajanelaecaminhoucomexpressãocuriosanadireçãodeTuppence.

— Tenho uma reunião marcada com mr. Whittington — disseTuppence.

—Venhaporaqui,porfavor.—Elesedirigiuatéumaportadivisóriacoma inscrição“Particular”,bateu,depoisabriuaportaesepôsde lado,abrindocaminhoparaqueajovempassasse.

Mr. Whittington estava sentado atrás de uma mesa enorme eabarrotadadepapéis.Tuppencesentiuquesuaprimeiraimpressãoacercado homem se confirmava. Havia algo de errado em mr. Whittington. A

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combinaçãodesuavistosaprosperidadeeseusolhosvolúveisnãoeranadaagradável.

Elelevantouosolhosemeneouacabeça.—Entãoasenhoritaresolveuvir?Quebom.Sente-se,porfavor.Tuppence instalou-se numa cadeira de frente para ele. Nessamanhã

ela parecia especialmente pequena e acanhada. Sentou-se numa posturahumilde,deolhosbaixos,enquantomr.Whittingtonnãoparavaderemexere fuçar seus papéis. Por fim ele colocou-os de lado e inclinou-se sobre aescrivaninha.

— Agora, minha cara, vamos falar de negócios.— Seu rosto grandealargou-se num sorriso. — A senhorita quer trabalhar? Bem, tenho umtrabalho para lhe oferecer. O queme diz de receber agora cem libras deadiantamento, além de todas as despesas pagas? — Mr. Whittingtonrecostou-senacadeiraeenfiouospolegaresnascavasdocolete.

Tuppenceencarou-ocautelosamente.—Qualéanaturezadoserviço?—elaquissaber.—Trivial,puramentetrivial.Umaviagemagradável,sóisso.—Paraonde?Mr.Whittingtonabriuoutrosorriso.—Paris.— Oh!— exclamou Tuppence, pensativa. De si para si, ela disse: “É

claro que se meu pai ouvisse isso teria um ataque do coração! Mas dequalquermaneiranãovejomr.Whittingtonnopapeldeumimpostor.

— Sim — continuou Whittington. — O que poderia ser algo maisaprazível?Fazerorelógiovoltarnotempoalgunsanos—nãomuitos,estoucerto — e voltar a estudar num daqueles encantadores pensionnats dejeunesfillesqueexistememabundânciaemParis...

Tuppenceointerrompeu.—Umpensionnat?—Exatamente.OdemadameColombier,naAvenuedeNeuilly.Tuppence conhecia muito bem aquele nome. Nada poderia ser mais

distintoeseleto.Elatinhadiversasamigasnorte-americanasmatriculadasnaqueleinternato.Tuppencenuncahaviaestadotãointrigada.

—OsenhorquerqueeumematriculenocolégiointernodemadameColombier?Porquantotempo?

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—Issodepende.Trêsmeses,talvez.—Eissoétudo?Nãoháoutrascondições?—Absolutamentenenhumaoutra.Éclaroqueasenhoritairiaparalá

no papel de minha pupila e não poderia manter qualquer tipo decomunicação com as suas amigas. Devo pedir sigilo total durante esseperíodo.Apropósito,asenhoritaéinglesa,nãoé?

—Sim.—Masfalacomumligeirosotaquenorte-americano?— A minha melhor amiga no hospital é norte-americana. Creio que

pegueidelaessesotaque.Maslogopossomelivrardele.— Pelo contrário, talvez seja mais simples a senhorita passar por

norte-americana. O mais difícil será elaborar os detalhes da sua vidapregressanaInglaterra.Sim,estouconvictodequeissoseriamuitomelhor.Depois...

—Ummomento,mr.Whittington!O senhorpareceestar convencidodequejáaceiteisempestanejarasuaproposta.

Whittingtonpareceuterficadosurpreso.—Certamenteasenhoritanãoestápensandoemrecusar,está?Posso

assegurar que o internato de madame Colombier é um estabelecimentotradicionalíssimo, de primeira qualidade. E os termos são os maisgenerosos.

— Exatamente — concordou Tuppence. — É por isso mesmo. Ostermos são quase generosos demais, mr. Whittington. Não consigoentenderporquerazãovaleriaapenagastartantodinheirocomigo.

—Não?—perguntouWhittington,comvozsuave.—Bem,eulhedirei.Eu poderia, sem dúvida, conseguir outra pessoa por muito menos. Masestou disposto a pagar pelos serviços de uma jovem com inteligência epresençadeespíritosuficientesparadesempenharbemoseupapel,equetambémsejadiscretaobastanteparanãofazermuitasperguntas.

Tuppenceesboçouumsorriso.SentiuqueWhittingtonapresentaraumargumentoirrefutável.

—Há outra coisa. Até agora o senhor não fezmenção alguma amr.Beresford.Ondeéqueeleentra?

—Mr.Beresford?—Meu sócio—explicouTuppence, comdignidade.—O senhornos

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viujuntosontem.—Ah,sim.Lamento,masinfelizmentenãoprecisaremosdosserviços

dele.—Então, assunto encerrado!—Tuppence levantou-se.—Ou somos

nós dois ou é nenhum dos dois. Sintomuito, mas é assim que as coisasfuncionam.Tenhaumbomdia,mr.Whittington.

— Espere um momento. Vamos ver se é possível chegarmos a umacordo.Sente-se,miss...—Fezumapausa,olhando-acomarinterrogativo.

Tuppence sentiu uma pontada de remorso ao se lembrar doarquidiácono.Precipitadamente,agarrouoprimeironomequelhepassoupelacabeça.

— Jane Finn— ela respondeu às pressas; depois ficou em silêncio,boquiabertacomoefeitodessasduassimplespalavras.

Toda a simpatia havia sumido do rosto de Whittington, que agoraestavavermelhode fúria,asveiasda testasaltadas.Epor trásdisso tudohavia, à espreita, uma espécie de desalento incrédulo. Ele se debruçousobreamesaesibilou,encolerizado:

—Entãoesseéoseujoguinho?Emboravisivelmenteperplexa,Tuppencenãoperdeuacabeça.Ainda

quenãofizesseamenorideiadoqueWhittingtonqueriadizercomaquilo,ela era uma moça naturalmente perspicaz e julgou ser imprescindível“seguraraspontas”,comoelamesmacostumavadizer.

Whittingtonprosseguiu:— A senhorita estava brincando comigo o tempo todo, feito gato e

rato? Sabiadesdeo começooqueeuqueriaquea senhorita fizesse,masmesmo assim levou adiante a comédia. É isso, não é?—Whittington jáestavaseacalmando.Avermelhidãodesbotavaesumiadoseurosto.Comolharpenetrante,eleencarouamoça.—Queméqueandoudandocomalínguanosdentes?Rita?

Tuppencefezquenãocomacabeça.Nãosabiaaocertoatéquepontoseriacapazdesustentaraquelailusão,maspercebeuaimportânciadenãoarrastarparaahistóriaumaRitadesconhecida.

—Não— ela respondeu com a verdade pura e simples.—Rita nãosabecoisaalgumaameurespeito.

OsolhinhosdeWhittingtonaindafuzilavamTuppence.

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—Oquantoasenhoritasabe?—eledisparou.—Seimuitopouco—respondeuTuppence,contentepornotarquea

inquietaçãodeWhittingtontinhaaumentadoemvezdediminuir.Gabar-sedesabermuitacoisatalveztenhasuscitadodúvidasnamentedele.

—Mesmoassim—rosnouWhittington—,asenhoritasabiaobastanteparaviraquiesoltaressenome.

—Talvezsejaomeunomeverdadeiro—alegouTuppence.—Qual éaprobabilidadedequeexistamduas jovens comumnome

comoesse?— Ou pode ser que eu tenha encontrado esse nome por acaso —

continuouTuppence,inebriadacomosucessodedizeraverdade.Mr.Whittingtondeuumviolentosoconamesa.—Paredebrincadeiras!Oquantoasenhoritasabe?Equantodinheiro

asenhoritaquer?As seis últimas palavras mexeram muitíssimo com a imaginação de

Tuppence,especialmentedepoisdomagrocafédamanhãedojantaràbasede pãezinhos da noite da véspera. No momento ela fazia o papel deaventureira autônoma e independente e não de aventureira contratada aserviçodasordensalheias,masnãonegavaqueessaeraumapossibilidade.Empertigou-se na cadeira e sorriu com ar de quem tinha a situação sobcontrole.

—Meucaromr.Whittington,vamoscolocartodasascartasnamesa.E,por favor, não se enfureça tanto.Ontemo senhormeouviudizer que eutinhaaintençãodeviverdaminhasagacidade.Parece-mequeagoraacabode provar que possuo alguma sagacidade às custas da qual posso viver!Admito ter conhecimento de um certo nome, mas talvez o meuconhecimentotermineaí.

—Sim,etalveznão—vociferouWhittington.—Osenhorinsisteemmejulgarmal—disseTuppence,comumleve

suspiro.— Como eu disse antes, pare de brincadeiras e vamos direto ao

assunto!—berrouWhittington,furioso.—Asenhoritanãopodebancarainocentecomigo.Sabemuitomaisdoqueestádispostaaadmitir.

Por um momento Tuppence ficou em silêncio, a fim de admirar aprópriaastúcia;depoisfaloucomvozsuave:

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—Eunãogostariadecontradizê-lo,mr.Whittington.—Voltamosàmesmaperguntadesempre:quanto?Tuppence estava num dilema. Até aqui havia conseguido enganar

Whittington com pleno êxito; contudo, mencionar uma somaevidentemente impossível poderia levantar suspeitas. Uma ideia passoucomoumraioporseucérebro.

—Oqueosenhorachademepagarumpequenoadiantamentoagora,emaistardevoltamosadiscutiroassunto?

Whittingtoncravounelaumolharmedonho.—Ah,chantagem,é?Tuppenceabriuomaisdocesorriso.— Oh, não! É melhor dizermos “pagamento adiantado por serviços

prestados”,nãoé?Whittingtongrunhiu.—Vejabem—explicouTuppence,comdoçura.—Nãosoutão louca

assimpordinheiro!— A senhorita quase passa dos limites, isso sim — resmungou

Whittington, comuma espécie de admiração involuntária.—A senhoritame enganou completamente. Julguei que não passava de uma criancinhahumildee submissa, cuja inteligênciamaldaria contade servir aosmeusplanos.

— A vida é cheia de surpresas — filosofou Tuppence, em tommoralizante.

—Mesmoassim—continuouWhittington—,alguémandou falandomaisdoquedevia.AsenhoritadizquenãofoiRita.Entãofoi...?Sim,entre!

Depoisdebaterdiscretamenteàporta,ofuncionárioentrounasalaecolocousobreamesadopatrãoumafolhadepapel.

—Umrecadotelefônicoacabadechegarparaosenhor.Whittingtonagarrouopapeleleu.Suatestaseenrugou.—Tudobem,Brown.Vocêpodeir.O funcionáriosaiu, fechandoaportaatrásdesi.Whittingtonvirou-se

paraTuppence.—Volteaquiamanhãnomesmohorário.Estouocupadoagora.Tome

cinquentalibrasparacontinuarmos.RapidamenteWhittingtonseparouecontoualgumasnotaseentregou-

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asaTuppenceporcimadamesa;depoisselevantou,dandoaentenderqueestavaimpacienteparaqueelafosseembora.

A moça contou as cédulas, à maneira de um homem de negócios,guardou-asdentrodabolsaeselevantou.

—Tenhaumbomdia,mr.Whittington—eladespediu-sepolidamente.—Dequalquerforma,creioqueémelhordizerAurevoir.

— Exatamente. Au revoir! — Whittington parecia quase amável denovo, transformaçãoquesuscitouemTuppenceumvagopressentimento.—Aurevoir,minhaespertaeencantadorajovem!

Dominada por uma frenética empolgação, Tuppence desceu rápida ealegremente as escadas. De acordo com um relógio das vizinhanças,faltavamcincominutosparaomeio-dia.

—Vou fazer uma surpresa a Tommy!—murmurouTuppence, e fezsinalparachamarumtáxi.

Ocarroestacionoujuntoàentradadaestaçãodometrô,ondeTommyaesperava. De olhos arregalados, o rapaz correu para ajudar Tuppence adescer. Ela abriu um sorriso carinhoso e comentou, com uma ligeiraafetaçãonavoz:

— Pague o taxista, por favor, meu velho amigo! A menor nota quetenhoédecincolibras!

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3umrevés

O momento não foi triunfal como deveria ter sido. Para começar, osrecursos disponíveis nos bolsos de Tommy eram um tanto limitados. Nofim das contas a corrida foi paga: a dama contribuiu com dois pence; otaxista, ainda segurando nas mãos a sortida variedade de moedas, foiconvencido a seguir seu caminho depois de perguntar bruscamente aocavalheiroquantoeleachavaquelheestavadando.

— Creio que você deu dinheiro demais a ele, Tommy— comentouTuppence,comtominocente.—Achoqueelequerdevolverumpouco...

Talvez tenha sido essa última observação que levou omotorista a irembora.

— Bem — disse mr. Beresford, aliviado por finalmente poder darexpansãoaosseussentimentos—,porquediabosvocêpegouumtáxi?

— Fiquei com medo de me atrasar e deixar você esperando —respondeuTuppence,comdoçuranavoz.

— Ficou-com-medo-de-se-atrasar! Oh, meu Deus, eu desisto! —exclamoumr.Beresford!

— E é a mais pura verdade— continuou Tuppence, arregalando osolhos—queamenornotaqueeutenhoédecincolibras.

— Você atuou muito bem, minha velha amiga, mas mesmo assim osujeitonãosedeixouenganarnemporummomento!

—Não—concordouTuppence,pensativa,—elenãoacreditou.Essaéaparte curiosadedizer a verdade.Ninguémacredita. Foi oquedescobriestamanhã.Agora,vamosalmoçar.QuetaloSavoy?

Tommysorriudemodomalicioso.

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—QuetaloRitz?—Pensandobem, prefiro o Piccadilly. Émais perto.Não teremosde

pegaroutrotáxi.Vamos.—Poracaso issoéumanovamodalidadedehumor?Ouseucérebro

estáforadoseixos?—perguntouTommy.—Asuaúltimasuposiçãoéacorreta.Arranjeidinheiro,eochoquefoi

demais para mim! Para esse tipo específico de perturbação mental, ummédicoeminenterecomendaporçõesilimitadasdehorsd’oeuvre,lagostaàl’américaine,frangoàNewburgepêcheMelba!Vamosláfazerafesta!

—Tuppence,minhamenina,falandosério,oquerealmenteaconteceucomvocê?

—Oh,comovocêéincrédulo!—Tuppenceescancarouabolsa.—Olheaqui,eaqui,eaqui!

—Minhacara,nãosacudanoaressasnotasdeumalibra!—Nãosãonotasdeumalibra.Sãocincovezesmelhores,eestaaquié

dezvezesmelhor!Tommygemeu.—Devoestarbêbadosemsaber!Estousonhando,Tuppence,ouestou

realmentevendoumaenormequantidadedecédulasdecincolibrassendoagitadasdeumladoparaooutrodemaneiraperigosa?

—Sim,ó,rei!Agora,vocêvemalmoçarcomigo?—Ireiparaondevocêquiser.Masoquevocêandoufazendo?Assaltou

algumbanco?—Calma,tudoaseutempo.QuelugarhorrorosoéPiccadillyCircus!Há

um ônibus enorme vindo na nossa direção. Seria terrível se elematasseatropeladasasnotasdecincolibras!

— Que tal o salão de grelhados? — perguntou Tommy quandochegaram,sãosesalvos,àcalçadadooutroladodarua.

—Ooutroémaiscaro—objetouTuppence.— Isso é uma mera extravagância, uma perversidade desenfreada.

Vamosdescer.—Temcertezadequelápodereipedirtudoquequero?—Masquecardápioinsalubrevocêestáplanejandoagora?Éclaroque

pode,desdequesejasaudávelparavocê,pelomenos.— E agora me conte— disse Tommy, incapaz de segurar por mais

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temposuacuriosidaderepresada,assimquesesentarammajestosamenterodeadospelosmuitoshorsd’oeuvresdossonhosdeTuppence.

MissCowleyrelatoutudo.—Eapartecuriosa—elaconcluiu—équeeurealmente inventeio

nome JaneFinn!Nãoquisdaromeuverdadeironomeporcausadomeupobrepai,casoeumeenvolvaemalgumacoisaduvidosa.

— Talvez— disse Tommy, lentamente.—Mas você não inventou onome.

—Oquê?—Não.Fuieuquemfaloudessenome.Nãoselembradequeontemeu

disse que tinha ouvido dois sujeitos conversando sobre uma mulherchamada Jane Finn? Foi por isso que o nome lhe ocorreu assim de bate-pronto.Estavanapontadasualíngua.

—Éverdade.Agoramelembro.Queextraordinário!—Tuppenceficouemsilêncio.Derepente,despertou.—Tommy!

—Sim?—Comoeramosdoishomensquevocêencontrou?Tommyfranziuatesta,numesforçoparaselembrardaaparênciados

sujeitos.—Umdeleseragordoegrande.Rostosembarba.Acho.Eramoreno.—Éele—berrouTuppence,numgritoestridenteenadaelegante.—

ÉWhittington!Ecomoeraooutrohomem?—Nãomelembro.Nãorepareimuitonele.Naverdadefoiaestranheza

donomequemechamouaatenção.—E as pessoas dizem que coincidências não acontecem!—Feliz da

vida,TuppenceatacouseupêcheMelba.MasTommytinhaficadosisudo.—Tuppence,minhaamiga,aondeissovainoslevar?—Amaisdinheiro—respondeuamoça.— Disso eu sei. Você tem uma ideia fixa na cabeça. O que estou

querendodizeré,qualéopróximopasso?Comovocêvailevaradianteessabrincadeira?

—Oh!—Tuppencepousouacolher.—Vocêestácerto,Tommy,éumasituaçãoumtantoembaraçosa.

—Afinaldecontas,vocênãopoderáenganá-loparasempre.Maiscedo

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oumaistardevaiacabardandoumpassoemfalso.E,dequalquermaneira,nãotenhotantacertezadequesuacondutanãosejasuscetíveldeumaaçãojudicial:échantagem,vocêsabe.

— Besteira. Chantagem é quando você ameaça contar o que sabe amenosquerecebadinheiro.Ora,eunadapoderiacontarporquenaverdadenãoseidecoisaalguma.

Tommyfezummuxoxo,comarindeciso.— Bem, seja lá como for, o que nós vamos fazer? Hoje de manhã

Whittingtontevepressadeselivrardevocê,masdapróximavezvaiquerersaberalgomaisantesdedistribuirdinheiro.Elevaiquerersaberoquantovocêsabe,ondevocêobtevesuas informaçõesemuitasoutrascoisasquevocênãoterácondiçõesdedissimular.Oquevocêvaifazerarespeito?

Tuppenceenrugouatestaeficouséria.—Temosdepensar.Peçaumpoucodecaféturco,Tommy.Estimulao

cérebro.Ah,meucaro,comidemais!—Vocêseempanturrou,comeucomoumbispo!Eutambém,mascreio

que a minha escolha dos pratos foi mais sensata que a sua. — Para ogarçom:—Doiscafés,umturcoeumfrancês.

Tuppencebebericouo café comumardeprofunda reflexão;Tommytentoudirigir-lheapalavra,maslevouumabronca.

—Quieto.Estoupensando.—Valha-meDeus!—exclamouTommy,emergulhounosilêncio.—Jásei!—disseTuppence,porfim.—Tenhoumplano.Obviamenteo

quetemosdefazerédescobrirmaisarespeitodacoisatoda.Tommyaplaudiu.— Não zombe. Nossa única fonte de informações é Whittington.

Precisamossaberondeelemora,oqueelefaz—investigá-lo,literalmente!Masnãopossofazerissoporqueelemeconhece,masviuvocêapenasporumminutooudoisnaLyons’.Époucoprovávelqueoreconheça.Afinal,osrapazessãomuitoparecidosunscomosoutros.

— Repudio completamente esse comentário. Tenho certeza de quegraçasàsminhasfeiçõesagradáveiseàminhaaparênciaeumedestacarianomeiodequalquermultidão.

Tuppenceprosseguiu,calmamente:—Omeuplanoéo seguinte: irei sozinha,amanhã.Vouenganá-lode

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novo, assim como fiz hoje. Não importa que não consiga mais dinheiro.Essascinquentalibrasdevemduraralgunsdias.

—Ouatémais!— Você me espera do lado de fora, fica zanzando por ali. Por

precaução,quandoeusairnãovoufalarcomvocê,casoeleestejadeolho.Mas depois eu paro em algum lugar das proximidades e fico de tocaia;quandoelesairdoedifício,deixocairumlençoououtroobjeto,eaíésuavezdeentraremação.

—Eeuentroemaçãofazendooquê?—VocêsegueWhittington,éclaro,tolinho!Oqueachadaideia?—É o tipo de coisa que se lê em livros. Ameu ver, na vida real um

sujeitofazpapelderidículoláparadonaruadurantehorasafio,àtoa.Aspessoasvãocomeçaraseperguntarquaissãoasminhasintenções.

— Não no centro da cidade. Lá todo mundo está sempre muitoapressado.Omaisprováveléqueninguémnoteasuapresença.

—Éasegundavezquevocêfazessetipodecomentário.Tudobem,euperdoo você. De qualquer forma, vai ser divertido. O que pretende fazerestatarde?

— Bem— respondeu Tuppence, depois de refletir um pouco.— Eutinhapensadoemchapéus!Outalvezmeiasdeseda!Outalvez...

—Contenha-se—advertiuTommy.—Ascinquentalibrastêmlimite!Masaconteçaoqueacontecer,estanoitevamosjantar juntose iremosaoteatro.

—Certamente.O dia transcorreu agradável. A noite, mais ainda. De maneira

irrecuperável,duasdasnotasdecincolibrasagoratinhamchegadoaofimdesuaexistência.

Conformeocombinado,namanhãseguinteaduplaseencontrouesedirigiuaocentrodacidade.Tommyplantou-senacalçadadooutroladodaruaenquantoTuppenceentrounoedifício.

Apassos lentosTommycaminhouaté o fimda rua e voltou.Quandoestavaquasedefrenteparaoedifício,Tuppenceatravessoucorrendoarua.

—Tommy!—Sim.Oquehouve?—Olugarestáfechado.Ninguématende.

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—Queestranho.—Nãoé?Venhacomigo,vamostentarmaisumavez.Tommy seguiu a amiga. Quando passaram pelo terceiro andar, um

jovem funcionário saiu de um dos escritórios. O rapaz hesitou ummomento,depoissedirigiuaTuppence.

—EstãoprocurandoaCompanhiaEstônia?—Sim,porfavor.— Está fechada. Desde ontem à tarde. Pelo que disseram a empresa

faliu.Eumesmonunca tinhaouvidonadaa respeito.Masem todocasoasaladoescritórioestáparaalugar.

—Obr-brigada—gaguejouTuppence.—Suponhoqueo senhornãosaibaoendereçodemr.Whittington.

—Infelizmentenãosei.Elessaíramàspressas.—Muitoobrigado—agradeceuTommy.—Vamos,Tuppence.Mais uma vez desceram para a rua, onde se entreolharam com

expressãovazia,semsaberoquedizer.—Essanovidadearruinounossoplano—disseTommy,porfim.—Eeununcadesconfieidenada—lamentou-seTuppence.—Ânimo,minhaamiga,nãohavianadaquevocêpudessefazer.—Mas não pode ser!— Tuppence ergueu o pequeno queixo, numa

poseprovocadora.—Vocêpensaqueissoéofim?Sepensa,estáenganado.Éapenasocomeço!

—Ocomeçodoquê?—Da nossa aventura! Tommy, você não percebe? Se eles estão com

tantomedoapontodefugirdessejeito,éprovadequehámuitacoisaportrás dessa história de Jane Finn! Bem, vamos investigar a coisa a fundo.Vamospersegui-losepegá-los!Seremosdetetivesparavaler!

—Sim,masnãoháninguémaserseguido.—Não. Razão pela qual teremos de começar tudo de novo, do zero.

Empreste-meaquele tocode lápis.Obrigada.Espereumminuto... nãomeinterrompa.Pronto!—Tuppencedevolveuo lápiseexaminou,comolhardesatisfação,opedaçodepapelemquetinharabiscadoalgumaspalavras.

—Oqueéisso?—Umanúncio.—Aindaseinteressaporissodepoisdoquehouve?

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—Não,agoraédiferente—entregou-lheopedaçodepapel.Tommyleuemvozalta:“precisa-se de qualquer informação a respeito de Jane Finn.

EncaminharcorrespondênciaàJ.A.”

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4queméjanefinn?

O dia seguinte transcorreu devagar. Era necessário cortar gastos. Desdeque poupadas com cuidado, quarenta libras durariammuito. Por sorte otempo estava bom e “andar a pé é barato”, disse Tuppence. Um cinemaafastadodocentroproporcionou-lhesdivertimentoànoite.

Odiadedecepçãotinhasidoumaquarta-feira.Naquintaoanúnciofoidevidamentepublicado.NasextaascartasdeveriamcomeçarachegaraoendereçodeTommy.

Ele tinha dado sua palavra de honra de que não abriria acorrespondênciaqueporacasochegasse;ocombinadoeraquesedirigisseàNationalGallery,ondeasuacolegaoencontrariaàsdezemponto.

Nahoramarcada,Tuppencefoiaprimeiraachegar.Aboletou-senumapoltrona de veludo vermelho e contemplou com olhar vago as telas deTurneratéqueviuasilhuetafamiliarentrarnasala.

—Eentão?—Eentãotudobem—respondeumr.Beresford,espicaçandoaamiga.

—Qualéoseuquadrofavorito?—Nãosejaperverso.Veioalgumaresposta?Tommybalançoua cabeça comumamelancoliaprofundaeum tanto

exagerada.—Eunãoqueriadecepcioná-la,minhaboaamiga,dizendologodecara.

É uma pena. Dinheiro jogado fora— ele suspirou.— Entretanto, é issomesmo.Oanúnciosaiue...chegaramapenasduasrespostas!

—Tommy, vocêéperverso!—exclamouTuppence, quaseberrando.—Dê-meaquiascartas.Comovocêpodesertãomalvado?!

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— Cuidado com a sua linguagem, Tuppence, cuidado com a sualinguagem!AquinaNationalGalleryelessãomuitoexigentesedetalhistas.Estelugarédogoverno,vocêsabe.E,comoeujádisseantes,lembre-sedequesendoafilhadeumclérigo...

—Eudeveriaestarnopalco!—concluiuTuppence,bruscaemordaz.—Nãoéissoqueeupretendiadizer.Massevocêtemcertezadequejá

saboreou ao máximo a sensação de alegria após o desespero que eubenevolamentelheproporcioneidegraça,vamoscolocarnossascartasnamesa,porassimdizer.

Sem cerimônia, Tuppence arrancou dasmãos dele os dois preciososenvelopeseexaminou-oscomamaioratenção.

— Esta aqui é de papel espesso. Parece coisa de gente rica. Vamosdeixarporúltimoeabrirprimeiroooutro.

—Vocêtemrazão.Um,dois,três,já!O pequeno polegar de Tuppence rasgou o envelope e ela retirou o

conteúdo.

PrezadoSenhor,

Comreferênciaaoseuanúncionojornalmatutinodehoje,creioquepossoserdealgumavalia.Talvezosenhorpossavisitar-meamanhãnoendereçoacimaindicado,àsonzehorasdamanhã.

Atenciosamente,A.Carter

—CarshaltonTerrace,27—leuTuppence,mencionandooendereço.—Épela Gloucester Road. Se pegarmos ometrô, temos tempo de sobra parachegarlá.

—O plano de ação é o seguinte—Tommy tomou a palavra.— É aminhavezdeassumiraofensiva.Conduzidoàpresençademr.Carter,eleeeu trocaremos cumprimentos, como manda o figurino. Depois ele dirá“Sente-se, por favor, mr.—?”, ao que eu responderei prontamente e comfirmeza: “Edward Whittington!”. Depois disso, mr. Carter, a essa alturaarquejante e com o rosto afogueado, perguntará: “Quanto?”. Enfiando nobolso as habituais cinquenta libras de nossos honorários, eu mereencontrarei comvocênarua,marcharemosparaoendereçoseguinteerepetiremosacena.

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—Nãosejaabsurdo,Tommy!Agora,aoutracarta.Oh,estaédoRitz!—Cemlibrasemvezdecinquenta!—Vouler.

PrezadoSenhor,

Comreferênciaaoseuanúncio,eugostariamuitoquemefizesseumavisita,porvoltadahoradoalmoço.

Atenciosamente,JuliusP.Hersheimmer

—Rá!—exclamouTommy.—Seráqueeleéum“chucrute”?Ouapenasummilionário norte-americano de ascendência infeliz? Em todo caso, nós ovisitaremosnahoradoalmoço.Éumbomhorário, quase sempre resultaemalmoçográtis.

Tuppenceconcordoucomummeneiodecabeça.—Agoravamosvermr.Carter.Temosdenosapressar.Os dois amigos constataram que Carshalton Terrace era uma

irrepreensívelfieiradoqueTuppencechamoude“casascomaparênciadesenhorinhasrefinadas”.Tocaramacampainhanonúmero27,eumacriadaimpecável atendeu a porta. A mulher tinha um ar tão respeitável queTuppencesentiuumapertonocoração.AssimqueTommyperguntoupormr.Carteramulherosconduziuatéumpequenogabinetedoandartérreo,ondeosdeixouasós.Menosdeumminutodepois,entretanto,umaportaseabriueumhomemalto,comaparênciacansadaeumrostomagrodefalcãoentrounasaleta.

—SenhoresenhoritaJ.A.?—eledisse,comumsorrisoinegavelmentecativante.—Sentem-se,porfavor.

Eles obedeceram. O homem sentou-se numa cadeira de frente paraTuppence e olhou-a comum sorriso encorajador, emquehavia qualquercoisa que desarmou a moça e fez com que seu habitual desembaraço aabandonasse.

Uma vez que o anfitrião não parecia inclinado a iniciar a conversa,Tuppencefoiobrigadaacomeçar.

—Nósqueríamossaber,istoé,osenhorteriaabondadedenoscontaroquesabesobreJaneFinn?

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—JaneFinn?Ah!—mr.Carterpareceurefletir.—Bem,aquestãoé,oqueosenhoreasenhoritasabemsobreJaneFinn?

Tuppenceendireitou-senacadeira.—Nãoconsigoveroqueumacoisatemavercomaoutra.—Não?Mastem,podeacreditarquetem,sim—abriumaisumavez

umsorrisocansadoe continuou,em tompensativo.—E issonos trazdevoltaàpergunta:oqueosenhoreasenhoritasabemsobreJaneFinn?

JáqueTuppencesemantinhaemsilêncio,eleprosseguiu:—Ora,algumacoisadevemsaber,ounãoteriampublicadooanúncio,

certo?—mr.Carterinclinou-seumpoucoparaafrenteesuavozexaustaganhouummatizpersuasivo.—Suponhamosqueasenhoritameconte...

Havia na personalidade de mr. Carter algo de bastante magnético,atração de que com algum esforço Tuppence parecia ter conseguido sedesvencilharquandodisse:

—Nãopodemosfazerisso,nãoé,Tommy?Contudo,parasuasurpresa,seuamigonãoconfirmouessadeclaração.

Eleestavafitandoatentamentemr.Carter,equandoabriuabocaparafalarusouumtomrespeitosoquenãolheerahabitual.

—Eusuponhoqueopoucoquesabemosdenadalheservirá,senhor.Mas,mesmoassim,contaremosdebomgrado.

—Tommy!—gritouTuppence,surpresa.Mr. Carter girou bruscamente na cadeira. Com os olhos, fez uma

perguntasilenciosa.Tommyfezquesimcomacabeça.— Sim, senhor, eu o reconheci de imediato. Vi-o na França, quando

atuavaparaoServiçodeInteligência.Assimqueosenhorentrounestasala,eusoube...

Mr.Carterergueuamão.— Nada de nomes, por favor. Aqui sou conhecido como mr. Carter.

Aliás, esta é a casa daminha prima. Ela se dispõe ame emprestá-la nasocasiõesemquesetratadequestõesestritamenteextraoficiais.Muitobem,eagora—olhouparaorapazedepoisparaamoça—,qualdosdoismevaicontarahistória?

—Desembuche,Tuppence—ordenouTommy.—Alorotaésua.—Sim,mocinha,vamoslá,abraojogo.

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Tuppence obedeceu e contou a história toda, da criação da “JovensAventureirosLtda.”emdiante.

Retomandoseuaspectocansado,mr.Carterouviuemsilêncio.Vezououtrapassavaamãopelos lábios, comosequisesseesconderumsorriso.Quando a moça terminou seu relato, ele balançou a cabeça num gestosolene.

— Não é muito. Mas é sugestivo. Bastante sugestivo. Desculpem-medizeristo,masvejodiantedemimumaduplinhacuriosa.Nãosei,talvezosenhoreasenhoritasesaiammelhorqueosoutrosesejambem-sucedidosondeoutrosfracassaram...Acreditonasorte,sabem,sempreacreditei...

Fezumabrevepausa,depoiscontinuou:— Bem, o que dizer? O senhor e a senhorita estão em busca de

aventuras. Gostariam de trabalhar para mim? Tudo absolutamenteextraoficial,claro.Todasasdespesaspagaseummodestosaláriofixo.Quetal?

Com a boca entreaberta e os olhos cada vez mais arregalados,Tuppenceencarouohomem.

—Eoqueteríamosdefazer?—elaperguntou,esbaforida.Mr.Cartersorriu.—Simplesmentedar continuidadeaoestão fazendoagora.Encontrar

JaneFinn.—Sim,mas...queméJaneFinn?Mr.Cartermeneougravementeacabeça.—Sim,agoracreioquetêmodireitodesaber.Ele recostou-se na cadeira, cruzou as pernas, juntou as pontas dos

dedosecomeçouafalarnumtomdevozbaixoemonótono:— A diplomacia secreta (que, aliás, é quase sempre a pior saída

diplomática)não lhes interessaenãoédasuaalçada.Bastadizerquenoiníciode1915apareceuumcertodocumento.Eraaminutadeumacordosecreto,umtratado,sepreferirem.OdocumentoforaredigidonosEstadosUnidos, que à época era um país neutro, e estava pronto para receber aassinatura de vários representantes, por isso foi despachado para aInglaterra por um emissário especial, selecionado exclusivamente paraessa tarefa, um jovemchamadoDanvers. Esperava-seque amissão fossemantidanomaisabsolutosigilo,demodoqueinformaçãoalgumavazasse.

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Geralmente esse tipo de esperança termina em decepção. Há semprealguémquedácomalínguanosdentes!

“Danvers viajou para a Inglaterra a bordo do Lusitania, carregandoconsigo os preciosos papéis num pequeno pacote de oleado que traziajuntoàprópriapele.NessaviagemoLusitaniafoitorpedeadoeafundou.OnomedeDanvers estava incluído na lista dos passageiros desaparecidos.Por fimoseucadáverapareceunapraiae sua identidade foiatestadadeformainequívoca.Masopacotedeoleadotinhadesaparecido!

“A questão é a seguinte: alguém tirou os papéis de Danvers ou elepróprio os repassou a outra pessoa? Houve alguns incidentes quereforçaram a possibilidade desta última teoria. Depois que o torpedoatingiu o navio, nos breves momentos enquanto os botes iam sendobaixados,Danversfoivistoemconversacomumajovemnorte-americana.Ninguémchegouavê-loefetivamenteentregandooquequerque fosseàjovem,mas é possível que tenha feito isso. Parece-me bastante provávelque Danvers confiou os papéis a essa jovem por acreditar que, por sermulher,elateriamelhoreschancesdedesembarcarcomosdocumentosemsegurançaegarantirqueescapassemsãosesalvos.

“Masseissodefatoaconteceu,ondefoipararamoçaequefimeladeuaos papéis? Graças a informações recebidas dos Estados Unidos, parecebastanteprovávelqueDanversfoiseguidoduranteaviagem.Seráqueessatalmoçaestavamancomunadacomosinimigos?Ouseráqueelamesmafoiperseguida,caiunumaarmadilhaeacabousevendoforçadaaabrirmãodopreciosopacote?

“Demos início a um trabalho de investigação para descobrir oparadeiro da moça, o que se mostrou inesperadamente complicado. OnomedelaeraJaneFinneconstavadalistadossobreviventes,masajovempropriamenteditapareciahaversumidodafacedaTerra.Asaveriguaçõessobre seus antecedentes em quase nada ajudaram. Ela era órfã e tinhatrabalhadocomoprofessoraprimárianumapequenaescoladoOeste.EmseupassaporteconstavaqueestavaindoparaParis,ondetrabalharianumhospital.Elatinhaoferecidoseusserviçosdevoluntáriae,apósumatrocadecorrespondências,acabousendoaceita.AoveronomedeJaneFinnnalista dos sobreviventes do Lusitania o estafe do hospital ficou muitosurpreso,naturalmente,jáqueelanãodeuascarasafimdeassumiroseu

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postoetampoucoenviouqualquertipodenotícia.“Bem, fizemos todos os esforços ao nosso alcance para encontrar a

jovem—mastudoemvão.SeguimosorastodelaatéaIrlanda,masdepoisquepôsospésnaInglaterraJaneFinnnãodeumaissinaldevida.Ninguémseutilizoudaminutadotratado—oquepoderiatersidofeitocomamaiorfacilidade—,epor causadisso chegamosà conclusãodeque,no fimdascontas,Danvershaviadestruídoapapelada.Aguerraentrouemoutrafase,consequentementeoaspectodiplomáticotambémsemodificoueotratadojamais foi reescrito. Os boatos sobre a existência do documento foramenfaticamente negados. O desaparecimento de Jane Finn foi deixado deladoeahistóriatodacaiunoesquecimento.

Mr. Carter fez uma pausa e Tuppence aproveitou a brecha paraperguntar,impaciente:

— Mas por que essa história voltou de novo à tona? A guerra játerminou.

Mr.Carterreagiuretesandoocorpoemsinaldealerta.—Porqueparecequeospapéisnãoforamdestruídos,epodeserque

ressuscitemhojecomumnovoeletalsignificado.Tuppencefitou-ocomolhosfixos.Mr.Cartermeneouacabeça.—Sim,hácincoanosotratadoeraumaarmaemnossasmãos;hojeé

uma arma contra nós. Foi um gigantesco erro. Se os termos do acordoviessemapúblico,seriaumdesastre...Possivelmenteprovocariaumanovaguerra — mas não contra a Alemanha desta vez! É uma possibilidadebastanteremota,eeumesmonãoacreditoquesejaplausível,masofatoéquenão resta dúvida de que aquele documento compromete demaneiracabalalgunsdosnossosestadistas,quenomomentonãopodemdar-seaoluxodecairnodescréditodaopiniãopública.Seriaumpratocheioparaasaspirações políticas dos Trabalhistas, e na atual conjuntura um governoTrabalhistadesestabilizariagravementeocomérciobritânico,masessaéaminha opinião e isso não representa coisa alguma diante do verdadeiroperigo.”

O homem fez uma pausa no próprio discurso e depois retomou apalavradizendoemvozbaixa:

—Talvezosenhoreasenhoritatenhamouvidooulidoqueportrásdainquietaçãosindicalistaháumainfluênciabolcheviqueemação?

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Tuppencefezquesimcomacabeça.—Averdadeéaseguinte:oourobolcheviqueestásendodistribuído

nestepaíscomopropósitoespecíficodefomentarumarevolução.Eexisteumhomem,umhomemcujonomeverdadeiroaindanosédesconhecido,que vem agindo nas sombras para atingir os seus próprios objetivos. Osbolcheviquesestãoportrásdaagitaçãodossindicalistas,masessehomemestá por trás dos bolcheviques. Quem é ele? Não sabemos. Em todas asreferênciasaeleusa-seodespretensioso títulode “mr.Brown”.Masumacoisa é certa: ele é o maior criminoso da nossa época. Controla umaorganizaçãomaravilhosa.Amaiorpartedapropagandapacifistaduranteaguerrafoicriadaefinanciadaporele.Temespiõesportodaparte.

—Umalemãonaturalizado?—perguntouTommy.—Pelocontrário,tenhorazõesparaacreditarqueéumcidadãoinglês.

Ele foi partidário dos alemães, como teria sido pró-bôer.[6] Ainda nãosabemos o que ele pretende obter — talvez o poder supremo para simesmo, de uma forma sem precedentes na história da humanidade. Nãotemos pista alguma sobre sua verdadeira personalidade. Dizem que atémesmo os seus seguidores ignoram sua identidade. Todas as vezes queencontramosalgumindíciosobreele,algumapegada,constatamossempreque teve uma atuação secundária. Alguma outra pessoa assumia o papelprincipal.Masdepoisacabamosdescobrindoquehaviasemprealgumrelessubalterno, um criado ou um funcionário, agindo sorrateiramente emsegundo plano, despercebido, e também que o esquivo mr. Brown nosescaparamaisumavez.

—Oh!—Tuppencedeuumpulo.—Seráque...—Sim?—Eume lembrei de que no escritório demr.Whittington havia um

funcionário—elechamou-odeBrown.Osenhorporacasoacreditaque...Mr.Carterfezquesimcomacabeça,absorto.—Émuitoprovável.Umdetalhe curiosoéquegeralmenteonomeé

mencionado.Umaidiossincrasiadetemperamento.Asenhoritaécapazdedescrevê-lo?

—Naverdadenãopresteimuitaatenção.Eleeraumhomembastantecomum,igualaqualqueroutro.

Mr.Carterdeuumsuspirofatigado.

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— Essa é a descrição invariável de mr. Brown! Foi transmitir umrecado telefônico ao tal Whittington, não foi? A senhorita viu algumtelefonenaantessala?

Tuppencepensou:—Não,achoquenãovi.— Exatamente. Essa “mensagem” foi a maneira que mr. Brown

encontrou para comunicar uma ordem ao seu subordinado. Ele escutousecretamentetodaaconversa,éclaro.FoidepoisdissoqueWhittingtonlheentregouodinheiroepediuqueasenhoritavoltassenodiaseguinte?

Tuppenceconfirmoucomummeneiodecabeça.—Sim,semdúvidapercebe-seaíodedodemr.Brown!—mr.Carter

calou-se.—Bem,éisso,estãovendoquemvãoenfrentar?Talvezocérebrocriminoso mais astuto da nossa época. Não gosto nem um pouco disso,fiquemsabendo.Osenhoreasenhoritasãomuito jovens.Nãoqueroquenadalhesaconteça.

—Nadaacontecerá—garantiuTuppence,categórica.—Eucuidareidela,senhor—anunciouTommy.—Eeu cuidareidevocê—retrucouTuppence, ofendida comaquela

manifestaçãodemasculinidade.—Bem, então cuidemumdo outro—dissemr. Carter, sorrindo.—

Agora vamos voltar aos negócios. Há nessa minuta de tratado algo demisterioso que ainda não conseguimos compreender. Fomos ameaçadoscom o documento — em termos diretos e inequívocos. Os elementosrevolucionáriosdeclararamcomtodasasletrasqueopapelestáempoderdeles e que numdeterminadomomento pretendemdivulgá-lo. Por outrolado, é mais do que evidente que eles estão confusos e intrigados comrelação amuitas das cláusulas do tratado. O governo considera que nãopassa de um blefe da parte deles e, demaneira acertada ou equivocada,resolveuaferrar-seàpolíticadenegartudoveementemente.Eunãotenhotanta certeza. Aqui e ali pipocaram indícios, alusões indiscretas, queparecemindicarqueaameaçaéreal.Asituaçãoéaseguinte:écomoseelestivessemseapoderadodeumdocumentoincriminador,cujoconteúdo,noentanto, não eram capazes de decifrar por estar criptografado — massabemosqueaminutadotratadonãofoiescritaemlinguagemcifrada—,portanto os papéis não “colariam” e de nada serviriam. Mas há alguma

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coisa. É claro que até onde sabemos Jane Finn talvez esteja morta —emboranãoacreditenisso.Ocuriosoéqueelesestãotentandoobterdenósinformaçõessobreajovem!

—Oquê?— Sim. Apareceram uma ou duas coisinhas nesse sentido. E a sua

história,carasenhorita,confirmaaminhaideia.ElessabemqueestamosàprocuradeJaneFinn.Ora,elesvãoapresentarumaJaneFinninventadaporelesmesmos—num colégio interno de Paris, por exemplo.—Tuppencearquejou emr. Carter sorriu.— Ninguém faz amenor ideia de qual é aaparênciafísicadajovem,entãotudobem.Elaestámunidadeumahistóriafictíciaeaverdadeiratarefadelaéarrancardenósomáximopossíveldeinformações.Entendeuaideia?

— Então o senhor acredita — Tuppence fez uma pausa paracompreenderporcompletoasuposição—queeracomoJaneFinnqueelesqueriamqueeufosseaParis?

Mr.Carterabriuumsorrisomaisexaustoquenunca.—Euacreditoemcoincidências,sabe?—elerespondeu.

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5mr.juliusp.hersheimmer

—Bem—disseTuppence,recobrando-se—,parecequenãoháoutrojeito,éassimqueascoisasestãofadadasaacontecer.

Carterconcordoucomummeneiodecabeça.—Entendooqueasenhoritaquerdizer.Sousupersticioso.Acreditona

sorte, todo esse tipo de coisa. O destino parece tê-la escolhido para seenvolvernessahistória.

Tommynãoconseguiuconterumarisadinha.— Puxa vida! Não é de admirar que Whittington tenha ficado tão

empolgado quando Tuppence mencionou aquele nome! Eu teria tido amesma reação. Mas veja bem, mr. Carter, estamos roubando umaquantidade enorme do seu precioso tempo. O senhor tem algumainformaçãoconfidencialparanosfornecerantesquedemosoforadaqui?

— Creio que não. Os meus especialistas, trabalhando com os seusmétodosconvencionais,fracassaram.Osenhoreasenhoritasãocapazesderealizaressatarefacomumaboadosedeimaginaçãoementeaberta.Nãodesanimemsemesmoassimnãoobtiverembonsresultados.Emprimeirolugar,éprovávelqueascoisasseacelerem.

Tuppencefranziuatesta,comosenãotivessecompreendido.— Quando a senhorita se encontrou com Whittington, eles tinham

bastante tempo pela frente. Obtive informações de que o grande coupestava planejado para o início do próximo ano. Mas o governo estácogitandoumaaçãolegislativaparalidardemaneiraeficazcomaameaçade greve. Logo eles ficarão sabendo disso, se é que já não tomaramconhecimento, e é possível que precipitem as coisas e cheguem logo ao

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momentodecisivo.Éoqueespero.Quantomenostempoelestiveremparaamadurecer eburilar seusplanos,melhor.Queroapenasalertá-los,meusjovens, de que não dispõem demuito tempo, e que não há motivo paraficaremabatidossefracassarem.Emtodocaso,nãoéumamissãofácil.Issoétudo.

Tuppencelevantou-se.—Achoquedevemostratardosaspectospráticos.Emqueexatamente

podemoscontarcomosenhor,mr.Carter?Oslábiosdemr.Cartercrisparam-seligeiramente,maselerespondeu

demodosucinto:— Recursos financeiros dentro dos limites da sensatez, informações

detalhadas sobre qualquer questão e nenhum reconhecimentooficial. Emoutras palavras, o que estou dizendo é que, caso se metam em algumaencrencacomapolícia,nãopodereioficialmentelivrá-losdaenrascada.Osenhoreasenhoritaagirãoporcontaprópria.

Comarsolene,Tuppencemeneouacabeça.— Isso eu posso entender. Assim que eu tiver tempo para pensar,

redigireiumalistadascoisasqueprecisosaber.Agora,quantoaodinheiro...—Sim,missTuppence.Asenhoritaquerdizerquanto?—Não exatamente. Já temos o suficiente para começar,mas quando

precisarmosdemais...—Odinheiroestaráàsuaespera.— Sim, mas, sem dúvida não tenho a intenção de ser desrespeitosa

paracomogoverno,jáqueosenhorfazpartedele,masosenhorsabequeéum inferno e um desperdício de tempo lidar com a burocracia dasrepartições! E se tivermos de preencher e enviar um formulário azulapenaspara,trêsmesesdepois,recebermosdevoltaumformulárioverde,eassimpordiante,bem,issoseriaumatrasodevida,nãoémesmo?

Mr.Carterriuàsgargalhadas.— Não se preocupe, miss Tuppence. A senhorita encaminhará um

pedidopessoalamim,aqui,eodinheiro,emespécie,seráremetidoporviapostal.Quandoaosalário,oquemedizdetrezentaslibrasporano?Eumasomaigualparamr.Beresford,éclaro.

Tuppenceficouradiante.—Quemaravilha.O senhor émuito generoso. Adoro dinheiro! Farei

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umminuciosorelatóriodasnossasdespesas—odébitoeocrédito,osaldono lado direito e uma linha vermelha traçada na lateral, com os totaisembaixo.Naverdadeeuseifazertudoissodireitinho.

— Tenho certeza de que sabe. Muito bem, adeus e boa sorte paraambos.

Umminuto depois de apertarem asmãos demr. Carter, o rapaz e amoçadesceramcorrendoasescadasdono27daCarshaltonTerrace,comacabeçarodopiando.

—Tommy!Diga-meimediatamente,quemé“mr.Carter”?Tommymurmurouumnomenoouvidodaamiga.—Oh!—exclamouTuppence,impressionada.—Epossoassegurar,minhavelhaamiga,queéelemesmo!—Oh!—repetiuTuppenceeaseguiracrescentou,pensativa:—Gostei

dele, você também gostou? Na superfície ele parece tão cansado eenfastiado, mas dá para sentir que por baixo dessa aparência ele éigualzinho ao aço, com uma inteligência penetrante cujo brilho chega aofuscar.Oh!—eladeuumpulo.—Belisque-me,Tommy,belisque-me.Malpossoacreditarqueissosejareal!

Mr.Beresfordatendeuaopedido.—Ai!Jáchega!Sim,nãoestamossonhando!Temosumemprego!—Equeemprego!Aaventuracomeçouparavaler.— É mais respeitável do que o que eu pensei que seria — disse

Tuppence,pensativa.—Porsorteeunãosintoomesmodesejoardenteporcrimesquevocê

sente!Quehorassão?Vamosalmoçar—oh!Osdoistiveramomesmopensamentonomesmoinstante.Tommyfoio

primeiroadarnomeaosbois:—JuliusP.Hersheimmer!—Nãodissemosumapalavraamr.Carterarespeitodele.—Sim,maséquenãohaviamuitacoisaparadizer—pelomenosnão

atévermospessoalmenteohomem.Vamos,émelhorpegarmosumtáxi.—Agoraqueméqueestásendoextravagante?—Todasasdespesaspagas,lembre-sedisso.Entre.—Emtodocaso,causaremosmaiorimpactochegandodetáxi—disse

Tuppence, recostando-se luxuosamente no banco do carro. — Tenho

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certezadequechantagistasnuncachegamdeônibus!—Jádeixamosdeserchantagistas—observouTommy.— Não estou muito convencida de que eu tenha deixado de ser —

rebateuTuppence,comcertamelancolia.Chegando ao devido hotel, Tuppence e Tommyperguntarampormr.

Hersheimmereforamimediatamentelevadosàsuíte.Umavozimpacientegritou“Entre!”emrespostaàsbatidasdomensageiro,eorapazsepôsdeladoafimdeabrircaminhoparaadupla.

Mr. Julius P. Hersheimmer era bem mais jovem do que Tommy eTuppence haviam imaginado. Tuppence julgou que ele tinha uns trinta ecinco anos. Era de altura mediana e de uma compleição quadrada quecombinavacomoqueixo.Seurostoerabelicoso,massimpático.Nãohaviacomo lhe atribuir qualquer outra nacionalidade a não ser a norte-americana,emboraseusotaquefossebastanteleve.

—Receberammeubilhete?Sentem-seemecontemtudooquesabemsobreaminhaprima.

—Suaprima?—Sim.JaneFinn.—Elaésuaprima?—Meu pai era irmão damãe dela— explicoumeticulosamentemr.

Hersheimmer.—Oh!—exclamouTuppence.—Entãoosenhorsabeondeelaestá?—Não!—mr. Hersheimmer deu um violento e estrondoso soco na

mesa.—Diabosmecarreguemseeusei!Asenhoritasabe?— Publicamos o anúncio para receber informações, não para dar

informações—respondeuTuppence,emtomsevero.— Acho que me dei conta disso. Eu sei ler. Mas pensei que talvez

estivesseminteressadosnahistóriapregressadelaequesoubessemondeelaestáagora.

— Bem, não nos importaríamos de conhecer o passado dela —esclareceuTuppence,medindoaspalavras,cautelosa.

Mas de repente mr. Hersheimmer pareceu ter ficado bastantedesconfiado.

— Escutem uma coisa. Aqui não é a Sicília! Não quero saber deexigênciasderesgateenãomevenhamcomameaçasdecortarasorelhasdameninaseeumerecusarapagar.EstamosnasIlhasBritânicas,porisso

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vamospararcomgracinhas,casocontráriogritareichamandoaquelebeloefortepolicialbritânicoqueestouvendoalifora,emPiccadilly.

Tommyapressou-seemexplicar.— Nós não sequestramos a sua prima. Pelo contrário, estamos

tentandoencontrá-la.Fomoscontratadosparaisso.Mr.Hersheimmerrecostou-seemsuacadeira.—Coloquem-meapardetudo—eleexigiu,sucinto.Tommy acatou a exigência e fez um relato cauteloso do

desaparecimentodeJaneFinn,deixandobemclaraapossibilidadedequeajovem,semquerer,haviaseenvolvido“emalgumdramapolítico”.AludiuaTuppenceeasiprópriocomoumaduplade“investigadoresparticulares”contratados para descobrir o paradeiro da moça, e acrescentou que,portanto, ficariam muito contentes com qualquer detalhe que mr.Hersheimmerpudessefornecer.

Ocavalheiromeneouacabeçaemsinalaprovação.— Acho que está tudo muito direito. Fui apenas um bocadinho

precipitado.MasacontecequeLondresmedeixafurioso!Conheçoapenasaminha pequena, boa e velha Nova York. Então façam as perguntas eresponderei.

Por um instante essa declaração deixou os “Jovens Aventureiros”paralisados,masTuppence logo se refez e, corajosamente,mergulhou decabeça em sua tarefa, lançandomão de uma reminiscência recolhida dashistóriaspoliciais.

—Quando o senhor viu pela última vez a falec... a sua prima, querodizer?

—Eununcaavinavida—respondeumr.Hersheimmer.—Oquê?—indagouTommy,perplexo.Hersheimmervirou-separaorapaz.—Não,senhor.Comoeujádisse,meupaierairmãodamãedela,assim

comoo senhore esta jovempodemser irmãos—Tommynão corrigiu ateoriadohomemsobreoseurelacionamentocomTuppence—,masnemsempresederambem.EquandominhatiadecidiusecasarcomAmosFinn,umpobre professor nos cafundós doOeste,meu pai ficou louco da vida!Jurou que se conseguisse fazer fortuna — e ele parecia ter boasperspectivasdeêxito—,airmãnãoveriaumcentavodeseudinheiro.Bem,

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nofinaldascontasatiaJanefoiparaoOesteenuncamaistivemosnotíciasdela.

“Ovelhofezdinheiro.Mexeucompetróleo,feznegócioscomaço,lidouumpoucocomferrovias,epossoafirmarquedeixouWallStreetdeorelhaempé!—Fezumapausa.—Porfimele faleceu,nooutonopassado,eeufiqueirico.Poisbem,acreditamquefiqueicomaconsciênciapesada?Poisé,elaficavamartelandominhacabeçaeperguntando:“EasuatiaJane, láno Oeste?”. Issome deixou um bocado preocupado. Vejam, imaginei queAmosFinnnãotinhasedadobemnavida.Elenãoeraessetipodehomem.No fim das contas acabei contratando um sujeito para descobrir oparadeirodaminha tia.Resultado: ela já tinhamorrido,AmosFinn tinhamorrido,mas deixaramuma filha, Jane, que estava a bordo doLusitania,navio que foi torpedeado a caminho de Paris. Ela se salvou, masaparentemente deste lado do oceano ninguém teve notícias dela. Julgueique aqui ninguémestava sendomuito diligente nem se esforçando tantoassim para descobrir informações, por isso pensei em vir pessoalmentepara acelerar as coisas. Minha primeira providência foi telefonar para aScotland Yard e para o Almirantado. O Almirantado nem me deixouterminardefalar,foitãobruscoquequasemefezdesistir,masnaScotlandYard foram gentis, prometeramque realizariam investigações e inclusivemandaramumhomemhojedemanhãparabuscarumafotografiadeJane.VouaParisamanhã,apenasparaveroqueaprefeituraestáfazendo.Achoqueseeuinfernizá-losbastante,vãoacabarfazendoalgumacoisa!

A energia de mr. Hersheimmer era tremenda. Tommy e Tuppencecurvaram-sediantedela.

—Masagoramedigam—eleconcluiu—,estãoatrásdelaporalgummotivo específico? Desacato à autoridade ou a qualquer outra coisabritânica?Paraumajovemnorte-americanaaltivaasregraseregulamentosdo seu país em tempo de guerra podem parecer bastante enfadonhos, epodeserqueelatenhaserebelado.Seforesteocaso,esenestepaísexistesuborno,eupagoparalivrá-ladaenrascada.

Tuppencetranquilizou-o.—Tudo bem. Então podemos trabalhar juntos. Que tal almoçarmos?

Vamoscomeraquinoquartooudescemosaorestaurante?TuppenceexpressousuapreferênciapelaúltimaopçãoeJuliusacatou

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adecisão.AssimqueasostrasderamlugaraolinguadoàColbert,trouxeramum

cartãodevisitaaHersheimmer.—InspetorJapp,dodic,DepartamentodeInvestigaçõesCriminais.De

novoaScotlandYard.Maséoutrohomemdessavez.Oqueeleesperaqueeu conte que já não tenha dito para o outro sujeito? Tomara que nãotenhamperdidoafotografia.AcasadaquelefotógrafodoOestepegoufogoe todos os negativos foram destruídos— é a única cópia existente. Eu aconseguicomadiretoradocolégiodelá.

UmtemorsilenciosoinvadiuTuppence.—Osenhor,osenhorsabeonomedohomemqueveioprocurá-loesta

manhã?—Sim,sei.Não,nãosei.Ummomento.Estavanocartãodele.Oh,sei,

sim!InspetorBrown.Umsujeitocalmoedespretensioso.

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6umplanodecampanha

Seriamelhordescerumvéusobreoseventosdameiahoraseguinte.Bastadizer que na Scotland Yard ninguém conhecia o tal “inspetor Brown”. AfotografiadeJaneFinn,queteriasidodevalorinestimávelparaapolícianaprocura da moça desaparecida, perdera-se para sempre, de maneirairrecuperável.Maisumavez“mr.Brown”haviatriunfado.

O resultado imediato desse revés foi estabelecer um rapprochemententre Julius Hersheimmer e os Jovens Aventureiros. Todas as barreirasvieramabaixocomestrondo,eTommyeTuppencetiveramasensaçãodeque já conheciam aquele rapaz norte-americano por toda a vida.Abandonaramareticênciadiscretadoepíteto“investigadoresparticulares”erevelaramahistóriacompletadaempresaconjuntadeaventuras,aoqueorapazdeclarouqueestava“morrendoderir”.

Apósotérminodanarrativa,Hersheimmervoltou-separaTuppence.— A ideia que sempre tive das moças inglesas era a de que não

passavam de umas antiquadas. Retrógradas, emboloradas masencantadoras,sabe,commedodedarumpassonaruasemacompanhiadeum lacaio oudeuma tia velha e solteirona.Achoque eu é que estouumpoucoatrasado!

O desfecho dessas confidências foi que Tommy e Tuppence setransferiramdemalaecuiaparaoRitz,a fimde,comodefiniuTuppence,mantercontatocomoúnicoparentevivodeJaneFinn.—Enumasituaçãodessas—elaacrescentouemtomconfidencialaTommy—,ninguémhesitaemgastardinheiro!

Eninguémhesitou,oquefoiótimo.

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—Eagora—disseajovemnamanhãseguinteàmudançaparaoRitz—,aotrabalho!

Mr.BeresfordpôsdeladooDailyMail,queestavalendo,eaplaudiuaamiga comvigor um tanto desnecessário. Com toda a polidez domundo,Tuppencepediuqueeledeixassedeserumimbecil.

— Com mil diabos, Tommy, nós temos de fazer alguma coisa paramerecerodinheiro.

Tommysuspirou.—Sim, creioquenemmesmoobomevelhogovernovaiquerernos

sustentarnoRitzemeternaociosidade.—Portanto,comoeujádisseantes,temosdefazeralgumacoisa.—Tudobem—concordouTommy, abrindonovamente oDailyMail

—,váemfrenteefaça.Nãoimpedireivocê.—Sabedeumacoisa—continuouTuppence—,estivepensando.—

Elafoiinterrompidaporumanovasalvadepalmas.— Combina muito bem com você esse papel de ficar aí sentado

bancandooengraçadinho,Tommy,mas creioquenão fariamalalgumsevocêcolocasseseuminúsculocérebroparatrabalhartambém.

— Meu sindicato, Tuppence, meu sindicato! Não permite que eutrabalheantesdasonzedamanhã.

— Tommy, quer que eu jogue alguma coisa em cima de você? Éabsolutamente essencial que elaboremos sem demora um plano decampanha.

—Concordo,concordo!—Então,mãosàobra!Tommyfinalmenteabandonouojornal.— Tuppence, você tem algo da simplicidade dos intelectos

verdadeiramentegrandiosos.Podefalar.Soutodoouvidos.—Paracomeçodeconversa—disseTuppence,—oquetemoscomo

base,comopontodepartida?—Nada,absolutamentenada—respondeuTommy,todoalegre.— Errado! — Tuppence sacudiu energicamente um dedo no ar. —

Temosduaspistasdistintas.—Quaissãoelas?—Primeirapista:conhecemosummembrodaquadrilha.

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—Whittington?—Sim.Euoreconheceriaemqualquerlugar.—Hum—fezTommy,comardedúvida.—Eunãochamariaissode

pista.Vocênãosabeondeprocurá-lo,eachancedeencontrá-loporacasoédeumaemmil.

—Nãotenhotantacertezadisso—rebateuTuppence,pensativa.—Járepareiquequandoascoincidênciascomeçamaacontecerelascontinuamacontecendo da maneira mais extraordinária. Suponho que deve seralgumaleidanaturezaqueaindanãofoidescoberta.Contudo,comovocêdisse,nãopodemosnosfiarnisso.MasofatoéquehálugaresemLondresonde simplesmente todo mundo aparece, mais cedo ou mais tarde.PiccadillyCircus,porexemplo.Umadasminhasideiasémeposicionarláodia inteiro, todos os dias, munida de um tabuleiro de vendedora debandeirinhas.

—Equantoàsrefeições?—indagouopráticoTommy.—Homens!Oqueéquecomidatemavercomisso?— Tem muito a ver. Você acabou de tomar um formidável café da

manhã.Ninguémpossuiumapetitemelhorqueoseu,Tuppence,equandochegasse a hora do chá você começaria a comer as bandeirinhas, comalfinetese tudo.Mas,paraser sincero,nãobotomuita fénessasua ideia.TalvezWhittingtonnemestejamaisemLondres.

— Você tem razão. De todo modo, creio que a pista no 2 é maispromissora.

—Vamosouvi-la.— Não é grande coisa. Apenas um nome de batismo — Rita.

Whittingtonmencionou-onaqueledia.—Você tema intençãodepublicarum terceiroanúncio: “Procura-se

trapaceiraqueatendepelonomedeRita”?— Não. A minha intenção é raciocinar de maneira lógica. Aquele

homem, Danvers, foi seguido durante toda a viagem, não foi? E é maisprovávelqueoespiãotenhasidoumamulherenãoumhomem...

—Nãoseiporquê.—Tenhocertezaabsolutadequefoiumamulher,eumamulherbonita

—afirmouTuppence,calmamente.—Emquestõestécnicascomoessa,acatoasuadecisão—murmurou

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mr.Beresford.—Ora,eéóbvioqueessamulher,sejaelaquemfor,sesalvou.—Comovocêchegouaessaconclusão?—Seelanãosobreviveu,comoéquesaberiamqueJaneFinnficoucom

ospapéis?—Correto.Prossiga,Sherlock!—Bem, há umapequena chance, e admito que é uma probabilidade

remota,dequeatalmulherseja“Rita”.—Esefor?— Se for, temos de caçar os sobreviventes do Lusitania até a

encontrarmos.— Então a primeira coisa a fazer é arranjar uma lista dos

sobreviventes.—Játenhouma.Escreviumalongalistadascoisasqueeuqueriasaber

e enviei-a amr. Carter. Recebi a resposta hoje demanhã, e entre outrasinformações veio a relação oficial dos passageiros salvos do Lusitania. OquemedizdainteligênciadapequenaTuppence?

— Nota dez pela esperteza, nota zero pela modéstia. Mas a questãoprincipaléaseguinte:háalguma“Rita”nalista?

—Éexatamenteissoqueeunãosei—confessouTuppence.—Nãosabe?—Poisé,olheaqui—osdoisseinclinaramsobrealista.—Viusó,há

muitopoucosprenomes.Quasetodossãosobrenomesprecedidosde“mrs.”ou“miss”.

Tommyconcordoucomummeneiodecabeçaemurmurou,pensativo:—Issocomplicaascoisas.

Tuppence encolheu os ombros, na sua característica sacudidela decachorrinhoterrier.

—Bem,temosdeinvestigaracoisaafundo,éisso.ComeçaremoscomaáreadeLondres.Enquantoponhoochapéu,anoteosendereçosdetodasasmulheresqueresidememLondresearredores.

Cinco minutos mais tarde a dupla de jovens chegou a Piccadilly;segundos depois foram de táxi até “Os Loureiros”, no número 7 daGlendower Road, residência de mrs. Edgar Keith, senhora cujo nomefiguravanotopodalistadesetepessoasqueTommyhaviaanotadoemsua

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cadernetadeapontamentos.“Os Loureiros” era uma casa em frangalhos, afastada da rua, com

algunspoucosarbustosencardidosdefuligemqueajudavamaalimentarafantasia de que ali havia um jardim frontal. Tommy pagou o táxi eacompanhouTuppenceatéaporta.Quandoelaestavaprestesaapertarobotãodacampainha,elesegurouseubraço.

—Oquevocêvaidizer?— O que vou dizer? Ora, vou dizer... Ah, meu caro, sei lá! É muito

embaraçoso.—Foioquepensei—disseTommycomsatisfação.—Típicodeuma

mulher!Sãoincapazesdepreverascoisas!Agoraabraespaçoefiqueaínocantovendocomooshomenslidamcomasituação—etocouacampainha.Tuppenceseafastoueficouobservandoàdistância.

Umacriadadeaparênciadesleixada,comorostoextremamentesujoeumpardeolhosdesalinhados,atendeu.

Tommy já tinha sacado do bolso a caderneta de apontamentos e umlápis.

— Bom dia! — ele cumprimentou a criada com vivacidade e vozanimada.—SoudoConselhodoDistritodeHampstead.Onovoregistrodeeleitores.Mrs.EdgarKeithmoraaqui,não?

—Morasimsinhô—respondeuacriada.—Qualéoprimeironomedela?—perguntouTommy,como lápisa

postos.—Dapatroaminha?EleanorJane.—E-l-e-a-n-o-r—soletrouTommy.—Elatemfilhosoufilhasmaiores

devinteeumanos?—Numtemnãosinhô.—Obrigado—Tommy fechoua caderneta comumrápidoestalo.—

Tenhaumbomdia.— Pensei que o sinhô tinha vindo por causa do gás — a criada

declarou,enigmaticamente,efechouaporta.Tommyreuniu-seàsuacúmplice.—Viusó,Tuppence?—elecomentou.—Éumabrincadeiradecriança

paraamentemasculina.—Nãomeincomodoemadmitir isso, jáquevocêsesaiumuitobem.

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Eujamaisteriapensadoemlançarmãodeumaestratégiacomoessa.—Foiumaboapiada,não?Epodemosrepeti-laadlib,quantasvezes

quisermos.Nahoradoalmoçoojovemparatacoucomavidezseuspratosdebife

com batatas fritas numa obscura hospedaria. Tinham procurado umaGladysMaryeumatalMarjorie, ficaramfrustradoscomumamudançadeendereço e se viram obrigados a ouvir uma demorada palestra sobre osufrágiouniversal,feitaporumaexuberantesenhoranorte-americanacujoprenomeeraSadie.

— Ah! — soltou Tommy, sorvendo um longo gole de cerveja. — Jáestoumesentindomelhor.Quaissãoospróximosendereços?

Acadernetaestavasobreamesa,entreeleeajovem.Tuppenceabriu-aeleu:

— Mrs. Vandemeyer, South Audley Mansions, no 20. Miss Wheeler,ClapingtonRoad,no43,Battersea.Peloquemelembroelaéumadamadecompanhia, então provavelmente não estará em casa, e em todo casoparecedifícilquesejaquemprocuramos.

— Então está claro que a dama deMayfair deve ser nossa primeiraescala.

—Tommy,estoudesanimando.— Força, minha amiguinha. Sempre soubemos que era uma

possibilidaderemota.E,verdadesejadita,estamosapenascomeçando.Sedermoscomosburrosn’águaemLondres,temosànossafrenteumabelaviagempelaInglaterra,IrlandaeEscócia.

—Éverdade—concordouTuppence,sentindoqueseuânimoabatidosereavivava.—Ecomtodasasdespesaspagas!Mas,oh,Tommy,eugostomesmoquandoascoisasacontecemrapidamente.Atéagoratinhasidoumaaventuraapósaoutra,masestamanhãfoiumachateaçãoatrásdaoutra!

— Você precisa sufocar essa sua ânsia por sensações vulgares,Tuppence.Lembre-sedequesemr.Brownfortudoaquiloquedizemporaí,édeespantarqueatéagoranãonostenhamandadoparaamansãodosmortos.Estafraseéboa,possuiumsaborevidentementeliterário.

— A verdade é que você é mais presunçoso que eu, e com menosjustificativa para tanto! Ahã!Mas sem dúvida é estranho quemr. Brownainda não tenha lançado contra nós sua ira tenaz e funesta. Viu só?, eu

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também sei formular uma frase literária. Trilhamos, ilesos, o nossocaminho.

—Talvezelenosconsideretãoinsignificantesquenemvaleapenaseincomodarconosco—sugeriuorapaz,comsimplicidade,comentárioqueTuppencerecebeucomgrandedesagrado.

—Vocêéhorroroso,Tommy.Falacomosefôssemoszerosàesquerda.— Desculpe, Tuppence. O que eu quis dizer é que nós trabalhamos

como toupeiras no escuro, e que por isso ele nem sequer desconfia dosnossosplanosabomináveis.Haha!

— Ha, ha! — ecoou Tuppence, com uma gargalhada de aprovação,enquantoselevantava.

South Audley Mansions era um imponente edifício de apartamentospróximoàParkLane.Ono20ficavanosegundoandar.

AessaalturaTommyjáestavaversadonoassuntoe,demonstrandoadesenvoltura nascida da prática, repetiu de memória a fórmula para avelhota,maisparecidacomumagovernantadoqueumacriada,queabriuaporta.

—Primeironome?—Margaret.Tommysoletrou-o,masamulherointerrompeu.—Não,ég-u-e.— Ah, sim. Marguerite. À francesa, entendi — ele fez uma pausa e

depoisemendou,ousadamente:—EmnossoregistroconstavaonomeRitaVandemeyer,mascreioquedeveestarerrado.

— É como a maioria das pessoas costuma chamá-la, senhor, mas onomedelaéMarguerite.

—Muitoobrigado.Ésóisso.Tenhaumbomdia.Mal conseguindo conter sua empolgação, Tommy desceu voando os

degraus.Tuppenceoesperavaaopédaescada.—Vocêouviu?—Sim.Oh,Tommy!Tommy apertou o braço de Tuppence, num gesto de quem

compreendiaossentimentosdaamiga.—Eusei,minhaquerida.Estousentindoamesmacoisa.— É... é tão fascinante quando imaginamos as coisas, e depois elas

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realmenteacontecem!—exclamouTuppence,entusiasmadíssima.Ainda de mãos dadas, Tommy e Tuppence chegaram ao saguão da

entrada.Ouvirampassosnaescadaacimadeles,evozes.Derepente,paraacompletasurpresadeTommy,Tuppencearrastou-o

paraopequenonichoaoladodoelevador,ondeasombraeramaisdensa.—Masoquê...—Shhhh!Dois homens desceram a escada e saíram porta afora. A mão de

TuppenceapertoucommaisforçaobraçodeTommy.—Depressa,siga-os!Eunãomeatrevo.Talvezelemereconheça.Não

seiqueméooutrohomem,masomaisaltoéWhittington.

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7acasaemsoho

Whittington e o seu companheiro caminhavam num bom ritmo. Tommyiniciouimediatamentesuaperseguição,atempodevê-losdobraraesquinada rua. Com passadas vigorosas, logo conseguiu aproximar-se deles, equandochegouàesquinaadistânciajáseencurtarasensivelmente.Asruasestreitas de Mayfair estavam relativamente desertas, e Tommy julgouprudentecontentar-seemmantê-losaoalcancedavista.

EraumesportenovoparaTommy.Emboraestivessefamiliarizadocomos aspectos técnicos da leitura de um romance, jamais tinha tentado“seguir”alguém,procedimentoquenapráticalogolhepareceurepletodedificuldades.Suponha-se,porexemplo,queosdoishomenspegassemumtáxi. Nos livros, o perseguidor simplesmente entrava em outro táxi,prometia ao taxista um soberano[7]— ou seu equivalente moderno— etudo bem. Na vida real, Tommy anteviu que muito provavelmente nãohaveriaumsegundotáxi.Portanto,teriadecorrer.Oqueaconteceriaaumjovem correndo de maneira incessante e persistente pelas ruas deLondres?Numa ruaprincipal emovimentada ele atépoderia alimentar aesperança de criar a ilusão de que estava meramente tentando pegar oônibus. Entretanto, naquelas obscuras e aristocráticas ruelas secundáriaselenão tinha comoevitar a sensaçãodeque aqualquermomento algumpolicialintrometidopoderiapará-loafimdepedirexplicações.

NessemomentoospensamentosdeTommyforaminterrompidospelavisãodeumtáxicomabandeiraerguidaqueacabavadeviraraesquinadarua à frente. O rapaz prendeu a respiração. Será que os dois homensacenariamparachamarotáxi?

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Tommy deixou escapar um suspiro de alívio quando os sujeitosdeixaram o táxi passar. Eles seguiam uma trajetória em ziguezague, cujointuitoeralevá-losomaisrápidopossívelàOxfordStreet.Quandoporfimchegaramaessarua,prosseguiramnosentido leste.Tommyacelerouumpouco o passo. Aos poucos foi se acercando dos homens. Na calçadaabarrotada de gente era mínima a chance de que notassem suaaproximação,eorapazestavaansiosoparaouvirumaouduaspalavrasdaconversa.Masessaintençãofrustrou-seporcompleto:oshomensfalavamemvozbaixaeosruídosdotráfegoengoliramtotalmenteseudiálogo.

Pouco antes da estação de metrô da Bond Street os homensatravessaram a rua; despercebido e obstinado, Tommy seguia no seuencalço;porfimentraramnagrandeLyons’.Subiramaoprimeiroandaresentaram-seaumamesinhajuntoàjanela.Eratardeeolugarjánãoestavacheio. Tommy ocupou uma mesa ao lado da dos homens, sentando-seexatamenteatrásdeWhittingtondemodoanãoserreconhecido.Poroutrolado, tinhaplenavisãodosegundohomemeanalisou-ocomatenção.Eraumsujeito louro,comumrostomagroenadaagradável;Tommydeduziuque devia ser russo ou polonês. Provavelmente tinha cinquenta anos deidade,encolhiadeleveosombrosaofalareseusolhos,pequenoseastutos,eramirrequietos.

Tendo comidomuito bemno almoço, Tommy contentou-se empedirumatorradacomqueijoderretidoeumaxícaradecafé.Whittingtonpediuumalmoçosubstancialparasimesmoeparao seucompanheiro;depois,quandoagarçoneteseafastou,moveuacadeiraparamaispertodamesaecomeçouafalaremtomsérioeemvozbaixa.Ooutrohomemescutavacomatenção. Por mais que aguçasse os ouvidos, Tommy conseguia entenderapenasumaououtrapalavra;masemsuaessênciaaconversapareciaserumasériede instruçõesouordensqueograndalhãoestava transmitindoao companheiro e das quais ocasionalmente o homem louro pareciadiscordar.Whittingtondirigia-seaooutropelonomedeBóris.

Tommy captou diversas vezes a palavra “Irlanda” e também“propaganda”,mas nenhumamenção a Jane Finn. De súbito, durante uminstante de calmaria no burburinho do restaurante, o rapaz ouviu umafraseinteira.EraWhittingtonquemfalava.

— Ah, mas você não conhece Flossie. Ela é uma maravilha. Até um

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arcebispo juraria que ela era amãe dele. Ela sempre acerta na voz e nofundoissoéoprincipal.

Tommy não ouviu a resposta de Bóris, mas Whittington parece terfalado:“Éclaro,somentenumaemergência...”.

DepoisTommyperdeudenovoo fiodaconversa.Mas logodepoisasfrasestornaram-senítidasmaisumavez,eojovemaventureironãosabiaaocertoseeraporqueoshomenstinhamerguidoavozouseporqueseuspróprios ouvidos estavam ficando mais apurados. Mas sem dúvida duaspalavras, proferidas por Bóris, foram as que exerceram o efeito maisestimulantesobreoouvinte:“mr.Brown”.

Whittingtonpareceuprotestarcontraocompanheiro,queapenasriu.—Porquenão,meuamigo?Éumnomebastanterespeitável.Emuito

comum.Nãofoiporessemotivoqueeleoescolheu?Ah,eugostariademeencontrarcomele,commr.Brown.

Whittington respondeu comuma voz emque se percebia um timbremetálico,deaço:

—Quemsabe?Talvezvocêjáotenhaencontrado.—Bobagem!—retrucouooutro.—Issoéumahistorinhadecriança,

umafábulaparaapolícia.Sabeoquedigoamimmesmoàsvezes?QueeleéumafábulainventadapeloCírculoInternodosChefões,umfantasmaparanosamedrontar.Talvezsejaisso.

—Etalveznãoseja.— Eu fico pensando commeus botões... será possível que ele esteja

conosco e entre nós, desconhecido de todos com exceção de uns poucosescolhidos? Se for isso, ele guardamuito bem o seu segredo. E a ideia émuitoboa,sim.Nuncasabemos.Nósnosentreolhamos,eumdenósémr.Brown,masquem?Eledáordens,mas tambémasobedece.Entrenós,nomeiodenós.Eninguémsabequaldenóséele...

Com algum esforço o russo se livrou dos caprichos de sua fantasia.Consultouorelógiodepulso.

—Sim—disseWhittington.—Émelhorirmosembora.Chamou a garçonete e pediu a conta. Tommy fez omesmo, e poucos

minutosdepoisestavaseguindoosdoishomensescadaabaixo.Narua,Whittingtonfezsinalaumtáxieinstruiuomotoristaalevá-los

àestaçãodeWaterloo.

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Haviatáxisemabundância,eantesmesmoqueocarrodeWhittingtonsepusesseemmovimento,outrojáencostavaaomeio-fio,obedecendoaoacenoperemptóriodeTommy.

—Siga aquele táxi—ordenouo rapaz ao taxista.—Nãoopercadevista.

Ovelhomotoristanãomostrouomenorinteresse.Limitou-seasoltarumgrunhido e a abaixar a bandeirinha como sinal de “livre”. Durante otrajetonãohouveincidentes.OtáxideTommyparoujuntoàplataformadeembarquedaestaçãopoucodepoisdocarrodeWhittington.Tommyficouatrás de Whittington na fila da bilheteria. O homem comprou umapassagemindividualdeprimeiraclasseparaBournemouth,eTommyfezomesmo.AssimqueWhittingtonsaiudafila,Bórisolhouderelanceparaorelógiodaestaçãoedisse:

—Aindaécedo.Vocêaindatemquasemeiahora.AspalavrasdeBórissuscitaramoutralinhaderaciocínionamentede

Tommy. Estava claro que Whittington viajaria só, enquanto o outropermaneceriaemLondres.Portantocabiaaorapazescolherqualdosdoisseguiria.Obviamentenãoerapossívelseguiraambos,anãoserque...ComoBóris,Tommyconsultouorelógiodaestaçãoedepoisoquadrodehoráriosdos trens.O tremparaBournemouthpartiria às três emeia.Agora eramtrêsedez.WhittingtoneBóriszanzavamdeumladoparaooutroemfrenteao quiosque de venda de livros. Tommy lançou-lhes um olhar indeciso,depois entrou às pressas numa cabine telefônica adjacente. Não ousouperder tempo na tentativa de localizar Tuppence. Era provável que elaainda se encontrasse nas imediações de South Audley Mansions. Masrestava outro aliado. Ligou para o Ritz e pediu para falar com JuliusHersheimmer.Escutouumcliqueeumzumbido.Ah,sepelomenosojovemnorte-americanoestivessenoquarto!Depoisdemaisumclique,ouviudooutroladodalinhaum“Alôu!”numsotaqueinconfundível.

— É você, Hersheimmer? Beresford falando. Estou na estação deWaterloo.SeguiWhittingtoneoutrohomematéaqui.Nãohá tempoparaexplicações.WhittingtonestápartindoparaBournemouthagoraàs trêsemeia.Vocêconseguechegaraquiatéessahora?

Arespostafoitranquilizadora.—Claro.Voumeapressar.

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Com um suspiro de alívio, Tommy desligou e devolveu o fone aogancho. Confiava na energia e no poder de ação de Julius. Sentiuinstintivamentequeonorte-americanochegariaatempo.

WhittingtoneBórisaindaestavamnomesmolugaremqueeleoshaviadeixado. Se Bóris ficasse para assistir à partida do amigo, tudo bem.Pensativo,Tommyenfiouosdedosnosbolsos.Apesardetercartabranca,ainda não adquirira o hábito de sair por aí carregando uma somaconsideráveldedinheiro.A compradapassagemdeprimeira classeparaBournemouthohaviadeixadocomapenasalgunsxelinsnobolso.EsperavaqueJuliusviessemaisbemprovido.

Enquantoissoosminutosforampassando:trêsequinze,trêsevinte,três e vinte e sete. Já acreditava que Julius não chegaria a tempo. Três evinte e nove... Portas batiam. Tommy sentia que ondas geladas dedesespero percorriam seu corpo. Até que uma mão pousou sobre seuombro.

—Aquiestoueu,rapaz.Otráfegobritânicoéindescritível!Mostre-meimediatamenteosdoispilantras.

— Aquele ali é Whittington, o que está embarcando agora, aquelemorenoalto.Ooutro,comquemeleestáconversando,éotalestrangeiro.

—Jádeestoudeolhoneles.Qualdosdoiséomeualvo?Tommyjáhaviapensandonisso.—Temalgumdinheirocomvocê?Juliusbalançouacabeça,negativamente,eorostodeTommyperdeua

cor.—Creioquenãodevotermaisquetrezentosouquatrocentosdólares

comigonestemomento—explicouonorte-americano.Tommysoltouumaligeirainterjeiçãodealívio.— Ah,meu Deus, vocês,milionários! Não falam amesma língua das

pessoasnormais!Embarquenotrem.Aquiestáasuapassagem.VocêcuidadeWhittington.

—Deixe o patife comigo!—disse Julius em tom sombrio. O trem jácomeçava a semovimentarquandoeledeuum salto e sependurounumdosvagõesdepassageiros.—Atémais,Tommy.—Otremdeslizouestaçãoafora.

Tommy respirou fundo. O tal Bóris vinha caminhando ao longo da

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plataforma,nadireçãodele.Tommyabriupassagemedepoisretomoumaisumavezaperseguição.

DaestaçãodeWaterlooBóris foidemetrôatéPiccadillyCircus.De lásubiuapéaShaftesburyAvenueeporfimenveredounolabirintoderuelassórdidas dos arredores de Soho. Tommy seguiu-o a uma distânciaprudente.

Finalmentechegaramaumapequenapraçaemruínas,ondeascasastinham um aspecto sinistro em meio à imundície e à decadência doentorno.BórisolhouaoredoreTommybuscouabrigoescondendo-senumpórticobastanteoportuno.Olugarestavaquasedeserto.Eraumbecosemsaída e consequentemente nenhum veículo transitava por ali. Amaneirafurtivacomooestrangeiro tinhaolhadoaoredorestimuloua imaginaçãodeTommy.Do refúgionovãodaporta ele viuBóris subir osdegrausdeumacasadeaspectoparticularmente tenebrosoebateràportarepetidasvezes, comum ritmopeculiar. A porta foi aberta prontamente, o homemdisseumaouduaspalavrasparaoporteiroeentrou.Aportafoifechadadenovo.

NessemomentoTommyperdeuacabeça.Oqueeledeveriaterfeito,oque qualquer homem em sã consciência teria feito, era permanecerpacientemente onde estava e aguardar até que o homem saísse de novo.Mas o que ele fez contrariou totalmente o sereno bom senso que, via deregra,constituíaaprincipalcaracterísticadesuapersonalidade.Maistardeelediriaqueteveaimpressãodequealgumacoisapareciaterestaladoemseucérebro.Semuminstantesequerdereflexão,Tommytambémsubiuaescada,estacoudiantedaportaereproduziudamelhormaneiraquepôdeasbatidaspeculiares.

Alguém escancarou a porta com a mesma presteza de antes. Umhomemcomcaradepatifeecabelocortadomuitorentesurgiunovãodaporta.

—Poisnão?—elerosnou.SomentenesseinstanteTommycomeçouasedarcontadaloucuraque

estavacometendo.Masnãohesitou.Agarrou-seàsprimeiraspalavrasquelhevieramàmente.

—Mr.Brown?Parasuasurpresa,ohomemcomcaradevilãosepôsdelado.

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—Láemcima—eledisse,sacudindoopolegarporcimadoombro—,nosegundoandar,àsuaesquerda.

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8asaventurasdetommy

Emboraperplexocomaspalavrasdohomem,Tommynãohesitou.Sesuaaudácia o havia levado com sucesso até ali, era de esperar que o levasseainda mais longe. Em silêncio ele entrou na casa e começou a subir osdegrausdaescadaemviasdedesmoronar.Nointeriordorecintotudoeraumaimundíciesó,umasujeiraimpossíveldedescrever.Opapeldeparedeencardido, cujo desenho agora ninguém seria capaz de distinguir, pendiaemgrinaldasfrouxas.Emtodososcantoshaviamassascinzentasdeteiasdearanha.

Tommy avançou vagarosamente. Quando chegou a uma curva daescada, ouviu que o homem lá embaixo desaparecia num quarto dosfundos.Eraevidentequeosujeitonãohaviadesconfiadodenada.Iratéacasa e perguntar por mr. Brown parecia um procedimento normal enatural.

No alto da escadaria Tommy estacou para refletir sobre seu passoseguinte. À sua frente havia um corredor estreito, com portas que seabriamdosdoislados.Daportamaispróximavinhaummurmúrioabafadodevozes.Eraocômodoemqueohomemo instruíraaentrar.Masoquefascinou o olhar de Tommy foi um pequeno nicho imediatamente à suadireita, em parte oculto por uma cortina de veludo rasgada. O recantoficava diretamente de frente para a porta da esquerda e, devido ao seuângulo, também propiciava uma boa visão da parte superior da escada.Esse recesso era ideal como esconderijo para um ou, em caso deemergência, dois homens, pois media cerca de sessenta centímetros deprofundidade por noventa centímetros de largura. O nicho exerceu uma

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poderosaatraçãosobreTommy.Comasuamaneirahabitualderaciocinar,lentaefirme,Tommyponderousobreascoisaseconcluiuqueamençãoa“mr. Brown” não era uma referência a um indivíduo específico, masprovavelmente uma espécie de senha usada pela quadrilha. Graças aoempregofortuitodessaexpressão,Tommytiverasorteeconseguiuentrarna casa. Até agora ele não havia despertado suspeitas. Mas precisavadecidirrapidamenteoquefazeraseguir.

O rapaz cogitou a ideia de entrar com a cara e a coragem na sala àesquerdado corredor. Será que omero fato de ter conseguido acesso aointerior da casa era suficiente? Talvez exigissem uma nova senha ou atémesmo alguma prova de identidade. Era evidente que o porteiro nãoconheciapessoalmente todos osmembrosdaquadrilha,mas ali em cimapodiaserdiferente.Tommytinhaaimpressãodequeatéaquelemomentoa sorte o havia ajudado bastante, mas era bom não confiar demais emcoincidênciasfelizesnemabusardasorte.Entrarnaquelecômodoeraumperigo colossal. Não era sensato acreditar que ele seria capaz de bancarindefinidamenteseudisfarce;maiscedooumaistardeacabariasetraindoe, por conta de uma mera tolice, desperdiçaria uma oportunidadeimprescindível.

Lá embaixo alguém repetiu as batidas na porta; Tommy, que a essaaltura já tinhadecididooque fazer,deslizourapidamenteparadentrodorecessoe,comcautela,correudeforaaforaacortina,queoescondeuporcompleto.Opanovelhoestavasalpicadoderasgos,fendasefuros,quelhepropiciaram uma boa visibilidade. Ele observaria o desenrolar dosacontecimentose,nomomentoquejulgasseoportuno,poderiareunir-seaogrupo, baseando sua conduta no comportamento do homem recém-chegado.

Tommy desconhecia por completo o sujeito que subiu a escada apassoslevesefurtivos.Obviamentefaziapartedaescóriadasociedade.Atestasaliente,oqueixodecriminoso,abestialidadedosemblantecomoumtodoeramumanovidadeparaorapaz,emborasetratassedeumtipoqueaScotlandYardreconheceriadeimediato,sódeolhar.

Ohomempassourenteaonicho,respirandopesadamente.Estacounaportadefronteerepetiuosinaldasbatidas.Ládedentroumavozberroualgumacoisa,eatocontínuoohomemabriuaportaeentrou,permitindoa

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Tommy uma visão momentânea do interior da sala. Calculou que deviahaver quatro ou cinco indivíduos sentados em torno de uma compridamesaqueocupavaamaiorpartedoespaço,masasuaatençãosefixounumhomem alto, de cabelo cortado bem rente e uma barba curta e pontudacomoadeummarinheiro,sentadoàcabeceiradamesaetendodiantedesiuns papéis espalhados. Assim que o recém-chegado entrou esse homemolhou-o de relance e, com uma pronúncia correta mas curiosamenteacurada que chamou a atenção de Tommy, perguntou:—O seu número,camarada?

—Catorze,chefe—respondeuooutro,comvozrouca.—Correto.Aportasefechoudenovo.—Seessesujeitonãoéum“chucrute”,entãoeusouholandês!—disse

Tommyde sipara si.—E,maldito seja, comandandosistematicamenteoespetáculo, também.Como sempre. Por sortenão entrei na sala. Eu teriadadoumnúmeroerradoeaí seriaumaencrencadosdiabos!Não,omeulugaréaquimesmo.Opa,maisbatidasnaporta.

Onovovisitante eraum tipo totalmentediferentedoúltimo.TommyreconheceuneleummembrodoSinnFein,opartidonacionalistairlandês.Sem dúvida a organização demr. Brown tinha um vasto raio de ação. Ocriminoso comum, o bem-nascido cavalheiro irlandês, o russo pálido e oeficiente mestre de cerimônias alemão! Realmente um grupo estranho esinistro! Quem era o homem que segurava nas mãos os elos dessadesconhecidaebizarramentemultifacetadacorrente?

Comonovovisitanterepetiu-seexatamenteomesmoprocedimento.Abatidanaporta,aexigênciadeumnúmeroearesposta“Correto”.

Naportaláembaixo,duaspancadasserepetiramemrápidasucessão.O primeiro homem que entrou era totalmente desconhecido de Tommy,que julgou tratar-se de um funcionário de escritório. Era um sujeitosilenciosoemaltrapilho,dearinteligente.Osegundohomemeradaclasseoperária e Tommy teve a impressão de que seu rosto era vagamentefamiliar.

Três minutos depois chegou outro homem, de aspecto imponente eautoritário,trajandoroupasrequintadas,evidentementenascidoemberçoesplêndido. Mais uma vez Tommy julgou que aquele rosto não era

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desconhecido, mas no momento não conseguiu associar um nome aosujeito.

Depois da chegada desse último indivíduo houve uma longa espera.Concluindoqueareuniãoestavacompleta,Tommyjáestavaprestesasaircom toda a cautela de seu esconderijo quando novas pancadas à porta ofizeramvoltaràspressasparaorefúgio.

O último recém-chegado subiu as escadas em silêncio, com tantadiscriçãoqueTommysósedeucontadapresençadohomemquandoelejáestavaquaseaoseulado.

Era um homem pequeno,muito pálido, com um ar delicado e quasefeminino.Oângulodasmaçãsdorostodenunciavasuaascendênciaeslava,mas fora isso não havia qualquer outro sinal que indicasse suanacionalidade. Quando passou pelo refúgio de Tommy, o homem viroulentamente a cabeça. Seus olhos tinham um brilho estranho e pareciamqueimar a cortina; Tommymal podia acreditar que o homem não tinhanotadosuapresençaalie,semconseguirevitar,estremeceu.Nãoeraomaisimaginativodosrapazesingleses,porémfoiinevitávelaimpressãodequedaquele homem emanava uma força extraordinária. A criatura tinha umquêdeserpentevenenosa.

Um instante depois essa impressão se confirmou. O recém-chegadobateuàporta,damesmamaneiraquetodososoutroshaviamfeito,massuarecepçãofoimuitodiferente.Ohomemdebarbalevantou-se,gestoquefoiimitadoportodososdemais.Oalemãodeuumpassoàfrenteparaapertarasmãosdohomem.Ebateuoscalcanhares,aomodomilitar.

— É uma honra para nós— ele disse.— Uma tremenda honra. Eutemiaqueissofosseimpossível.

Ooutrorespondeunumavozbaixa,quetinhaalgodesibilante:— Houve dificuldades. Creio que não será mais possível. Mas uma

reuniãoéessencialparadefiniraminhadiretrizpolítica.Nadapossofazersem...Mr.Brown.Eleestáaqui?

O alemão respondeu com uma ligeira hesitação, e era perceptível aalteraçãonotimbredesuavoz:

—Recebemosumamensagem.Éimpossívelqueeleestejapresenteempessoa— e se calou, dando a curiosa impressão de que havia deixado afraseincompleta.

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Um lentíssimo sorriso se espalhou pelo rosto do outro homem, quefitouocírculodesemblantesinquietos.

—Ah!Compreendo.Lisobreosmétodosdele.Eleagenassombrasenãoconfiaemninguém.Mas,mesmoassim,épossívelqueeleestejaentrenós, agora... — olhou ao redor mais uma vez, e uma vez mais aquelaexpressão demedo se alastrou pelo rosto dos homens. Cadamembro dogrupopareciaencararovizinhocomdesconfiança.

Orussodeuumtapinhadelevenaface.—Assimseja.Continuemos.Aparentemente refeito, o alemão indicou o lugar que até então ele

vinhaocupandonacabeceiradamesa.Orussoapresentouobjeçõesaessaideia,masooutroinsistiu.

—Éoúnicolugarpossívelparao“NúmeroUm”.O“NúmeroCatorze”pode,porfavor,fecharaporta?

UminstantedepoisTommyseviumaisumavezencarandoospainéisdemadeira nua, e as vozes no interior da sala tinham voltado a ser ummero murmúrio indistinto. Tommy ficou inquieto. A conversa que eleentreouvirahaviainstigadosuacuriosidade.Elesabiaqueteriadedarumjeitodeouvirmais.

Da porta do andar térreo já não vinha ruído algum, e não pareciaprovável que o porteiro fosse subir a escada. Depois de escutaratentamente por um ou doisminutos, Tommypôs a cabeça para fora dacortina.Ocorredorestavadeserto.Orapazseagachouetirouossapatos;deixando-os atrás da cortina, caminhou de meias, devagar, ajoelhou-sejunto à porta fechada e encostou o ouvido. Para seu tremendo desgosto,nãoconseguiuescutarquasenada;apenasumapalavraaoacasoaquieali,quando alguém levantava a voz, o que serviu apenas para aguçar aindamaisasuacuriosidade.

Hesitante,olhouparaamaçanetadaporta.Seráqueeracapazdegirá-la aos poucos, de maneira tão suave e imperceptível que os homensreunidosládentronadanotassem?Orapazseconvenceudequeissoseriapossível, sim, desde que ele tivesse muito cuidado. Lentamente, Tommycomeçougiraramaçaneta,umafraçãodemilímetrodecadavez,contendoa respiração e com amais extrema cautela. Um poucomais—mais umpouquinho—issonuncachegaaofim?Ah!Porfimogiroestácompleto.

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Segurando a maçaneta, Tommy manteve-se imóvel por um ou doisminutos, depois respirou fundo e fez uma leve pressão forçando a portaparadentroa fimdeabriruma fresta.Aportanãosaiudo lugar.Tommyficou desnorteado. Se forçasse demais, era quase certo que a portarangeria. Esperou até que o murmúrio das vozes ficasse mais intenso earriscouumanovatentativa.Nadaaconteceu.Eleaumentouapressão.Seráque a porcaria de porta estava emperrada? Por fim, desesperado,empurrou-a com toda a força. Mas a porta permaneceu firme, e elefinalmente se deu conta da verdade. Estava trancada ou aferrolhada pordentro.

PorumoudoissegundosaindignaçãotomoucontadeTommy.—Maldição!Quegolpebaixo!Assimque sua fúria se amainou, Tommypreparou-se para encarar a

situação. Claro que a primeira coisa a fazer era devolver a maçaneta àposiçãooriginal.Seeleasoltassederepenteoshomensdentrodoquartocertamenteperceberiam;assim, comamesmapenosapaciência, inverteusua táticaanterior.Tudocorreubem,ecomumsuspirodealívioorapazpôs-se de pé. Havia no caráter de Tommy certa obstinação de buldogue,graças à qual ele demorava a admitir a derrota. Apesar do xeque-matemomentâneo, estava longe de abandonar o combate. Ainda pretendiaescutar o que estava sendo discutido na sala fechada. Se umplano tinhafracassado,eletinhadeencontraroutro.

Olhouaoredor.Numpontomaisadiantedocorredorhaviaoutraportaà esquerda. Dando passos silenciosos, ele deslizou até lá. Aguçou osouvidosporumoudoisinstantes,depoistentougiraramaçaneta.Aportacedeueeleentroufurtivamente.

No cômodo, que estava desocupado, havia mobília de quarto dedormir. Como tudo mais naquela casa, os móveis estavam caindo aospedaçoseasujeiraalieraaindamaisostensiva.

Mas o que interessou Tommy foi justamente o que ele esperavaencontrar ali: uma porta de comunicação entre os dois aposentos, àesquerda, junto à janela. Com todo cuidado, fechou a porta do corredoratrás de si, atravessou o cômodo até a outra porta e examinou-aatentamente.Estavatrancadacomumferrolhobastanteenferrujado,oqueindicava claramente que não já era usado havia um bom tempo. Com

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movimentossuavesparaumladoeparaooutro,Tommyconseguiupuxaroferrolho semproduzirmuito ruído.Depois repetiu asmanobrasde antescomamaçaneta—dessavezcomplenoêxito.Abriuaporta—apenasumaínfima fresta,mas o suficiente para ouvir o que se passava lá dentro.Doladointernodaportahaviaumaportièredeveludoqueoimpediadeveracena,mas ele conseguia reconhecer as vozes com uma razoável dose deprecisão.

Quem estava com a palavra era o partidário do Sinn Fein. A suamelodiosapronúnciairlandesaerainconfundível.

—Estátudomuitobem.Maséessencialquehajamaisdinheiro.Semdinheiro,semresultados!

Outravoz,queTommyjulgouseradeBóris,retrucou:—Vocêgarantequehaveráresultados?—Daquiaummês,umpoucomais,oupoucomenos,comoquiserem,

euasseguroquena Irlandahaveráumaondade terror tãomedonhaquevaiabalarosalicercesdoImpérioBritânico.

Seguiu-se uma pausa e depois Tommy ouviu o sotaque suave esibilantedo“NúmeroUm”:

—Bom!Vocêteráodinheiro.Bóris,cuidedisso.Bórisfezumapergunta:—Porintermédiodosirlandeses-americanosedemr.Potter,comode

costume?— Creio que vai dar tudo certo!— disse outra voz, com entonação

transatlântica.—Maseugostariadeobservar,aquieagora,queascoisasestão ficando um pouco difíceis. Já não há amesma simpatia de antes ecresceadisposiçãodedeixarqueosirlandesesresolvamosseusprópriosassuntosseminterferênciadosEstadosUnidos.

Tommy teve a sensação de que Bóris encolheu os ombros aoresponder:

— Que diferença isso faz, uma vez que o dinheiro vem dos EstadosUnidosapenasnominalmente?

—Amaiordificuldadeéodesembarquedamunição—respondeuopartidário do Sinn Fein. — O dinheiro é transportado com bastantefacilidade,graçasaonossocolegaaqui.

Outra voz, que Tommy imaginou ser a do homem alto com ar

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autoritárioecujorostolheparecerafamiliar,disse:—PensenossentimentosdeBelfast,seelesoescutarem!—Entãoissoestáresolvido—disseavozdetomsibilante.—Agora,

quantoàquestãodoempréstimoaumjornalinglês,vocêcuidoudetodososdetalhesacontento,Bóris?

—Creioquesim.—Quebom.Senecessário,Moscoufaráumdesmentidooficial.Houve uma pausa, e depois a voz cristalina do alemão rompeu o

silêncio:— Recebi instruções, de mr. Brown, para apresentar a vocês os

resumosdos informesdosdiversossindicatos.Odosmineirosébastantesatisfatório. Temos de atravancar as ferrovias. Talvez haja complicaçõescomaa.s.e.

Houve um longo silêncio, interrompido apenas pelo farfalhar dospapéis e uma ocasional palavra de explicação do alemão. Então Tommyouviulevespancadinhasdededostamborilandonamesa.

—Eadata,meuamigo?—perguntouo“NúmeroUm”.—Dia29.Orussopareceuponderar.—Émuitocedo.—Eusei.Masfoidecididopelosprincipais líderestrabalhistas,enão

podemos dar a impressão de que interferimos demais. Eles devemacreditarqueoshowésódeles.

Orussosoltouumalevegargalhada,comosetivesseachadodivertido.—Sim,sim—eledisse.—Issoéverdade.Elesnãodevemteramenor

noção de que nós os estamos utilizando para atingir os nossos própriosobjetivos. São homens honestos, e esse é o seu maior valor para nós. Écurioso, mas não se pode fazer uma revolução sem homens honestos. Oinstintodopopulachoéinfalível—fezumapausa,edepoisrepetiu,comose a frase agradasse seus ouvidos:— Toda revolução tem seus homenshonestos.Depoiselessãologodescartados.

Haviaemsuavozumainflexãosinistra.Oalemãoretomouapalavra.—Clymesdeve sairde cena.Ele éperspicazdemais e enxerga longe

demais.O“NúmeroCatorze”cuidarádisso.

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Seguiu-seummurmúriorouco.— Tudo bem, chefe — e depois de alguns instantes: — E se me

pegarem?—Vocêcontarácomosadvogadosmais talentososparaatuarnasua

defesa— respondeu calmamente o alemão.—Mas, por via das dúvidas,você usará luvas preparadas com as impressões digitais de um famosoarrombadorderesidências.Nãohámotivoparatermedo.

—Oh,nãoestoucommedo,chefe.Tudoemnomedacausa.Asruasvãoficarcheiasdesangue,éoquedizem—earrematoucomumrepugnanteprazer na voz: — Às vezes eu até sonho com isso. Um punhado dediamantesepérolasrolandonassarjetasparaquemquiserpegar!

Tommyouviuoarrastardeumacadeira.Eo“NúmeroUm”falou:—Então,estátudocombinado.Podemosteracertezadosucesso?—Eu...creioquesim—masoalemãofaloucomumaconfiançamenos

evidentedoqueeracostume.Derepenteavozdo“NúmeroUm”adquiriuumaentonaçãoperigosa:—Háalgodeerrado?—Nada,mas...—Masoquê?—Oslíderessindicalistas.Semeles,comoosenhordiz,nadapodemos

fazer.Seelesnãodeclararemagrevegeralnodia29...—Eporquenãofariamisso?— Como o senhor disse, eles são honestos. E, apesar de tudo que

fizemos para desacreditar o governo aos olhos deles, não estou certo deque no fundo eles ainda não insistam em possuir fé e confiança nosgovernantes.

—Mas...—Eusei.Ogovernonãoparadeabusardeles.Masdemaneiragerala

opinião pública pende para o lado do governo. Os trabalhadores não serebelamcontraopoderexecutivo.

Maisumavezosdedosdorussotamborilaramamesa.—Diretoaoponto,meuamigo.Recebiainformaçãodequeexisteum

certodocumentocujaexistêncianosgarantiriaoêxito.Éverdade.Seessedocumentofosseapresentadoaoslíderes,oresultadoseriaimediato.Elesodivulgariam por toda a Inglaterra e conclamariam a revolução sem

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hesitação.Ogovernoseriafinalmentederrubado,deumavezportodas.—Entãooquemaisvocêquer?—Odocumento—respondeuoalemão,curtoegrosso.—Ah!Nãoestáemseupoder?Masvocêsabeondeseencontra?—Não.—Alguémsabe?—Talvezumaúnicapessoa.Enemdissotemoscerteza.—Queméessapessoa?—Umamoça.Tommyprendeuarespiração.—Umamoça?—avozdo russoadquiriuum tomdedesprezo.—E

vocês não a obrigaram a falar? Na Rússia a gente sabe como fazer umamulherabrirobico.

—Essecasoédiferente—disseoalemão,emtomsombrio.—Diferentecomo?—calou-seporummomento,depoisperguntou:—

Ondeelaestáagora?—Amoça?—Sim.—Elaestá...MasTommynãoouviumaiscoisaalguma.Levouumaviolentapancada

nacabeça,etudomergulhounaescuridão.

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9tuppencevaitrabalharcomocriada

Quando Tommy partiu no encalço dos dois homens, Tuppence precisouapelarparatodaasuacapacidadedeautodomínioafimdeserefrearenãoacompanhá-lo. Contudo, ela se conteve da melhor maneira que pôde,consolando-se com a reflexão de que os acontecimentos haviamconfirmado o seu raciocínio. Sem dúvida os homens haviam saído doapartamento do segundo andar, e aquela frágil pista do nome “Rita”colocaramaisumavezosJovensAventureirosnorastodossequestradoresdeJaneFinn.

A pergunta era: o que fazer a seguir? Tuppence detestava a inação.Tommy estava bastante ocupado; impossibilitada de se juntar a ele, ajovem sentia-se incompleta, sem ter o que fazer. Ela refez seus passos evoltou ao saguão da entrada do edifício de apartamentos. Lá encontrouagora o menino que trabalhava como ascensorista, ocupado em polirutensíliosde latãoeassoviandoasmelodiasdamodacomumaboadosevigoreprecisão.

Assim que Tuppence entrou, o garoto olhou-a de relance. A moçaconservava certa qualidade pueril e travessa, razão pela qual sempre sedavabemcommeninospequenos.Eracomoseumvínculodesimpatiaseformasse instantaneamente. Ela ponderou que um aliado no campo doinimigo,porassimdizer,nãoeracoisaparasedesprezar.

— Oi,William— ela disse alegremente, com todo o bom humor domundo.—Estátudoficandobrilhante,hein?

Omeninosorriu.—Albert,senhorita—elecorrigiu.

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—Albert, então—disseTuppence.—Elaolhouao redor comardemistério, numa atitude propositalmente exagerada, calculada para queAlbert não deixasse de notar. Inclinou-se para o garoto e falou em vozbaixa:—Precisoconversarcomvocê,Albert.

Albert interrompeu o polimento dos utensílios e abriu um pouco aboca.

—Olhe aqui! Você sabe o que é isto?—emumgesto dramático elaabriuaabaesquerdadocasacoeexibiuumapequenainsígniaesmaltada.EramuitopoucoprovávelqueAlbert tivessealgumconhecimentodoquesignificava aquilo — se ele soubesse, teria sido fatal para os planos deTuppence, jáquea insígniaemquestãonãopassavadodistintivodeumaunidade militar local de treinamento criada pelo arquidiácono nosprimeirosdiasdaguerra.AsuapresençanocasacodeTuppencedevia-seaofatodequeumoudoisdiasanteselaautilizaraparaprenderflores.MasTuppence tinha olhos aguçados e notara que num dos bolsos de Alberthavia uma novela policial barata, e o fato de que os olhos do meninoimediatamente se arregalaram acabou por convencê-la de que sua táticatinhadadocertoequeopeixemorderaaisca.

—ForçaNorte-AmericanadeDetetives!—elasibilou.Albertcaiudireitinho.—MeuDeusdoCéu!—elemurmurou,emêxtase.Tuppence meneou a cabeça com ar de quem havia estabelecido um

entendimentoperfeito.— Sabe quem estou procurando? — ela perguntou com a maior

cordialidade.Aindadeslumbrado,Albertrespondeu,ansioso:—Alguémdosapartamentos?Tuppence fez que sim com a cabeça e apontou o polegar para as

escadas.—Número20.Chama-seVandemeyer.Vandemeyer!Ha!Ha!Albertenfiouamãonobolso.—Umacriminosa?—eleperguntou,esbaforido.— Uma criminosa? Eu diria que sim. Rita Rapina, é assim que ela é

chamadanosEstadosUnidos.—Rita Rapina— repetiu Albert, em delírio.—Oh, é igualzinho nos

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filmes!Eramesmo.Tuppenceeraumafrequentadoraassíduadocinema.—AAnniesempredissequeelanãovalenada—continuouomenino.—QueméAnnie?—perguntouTuppence.— A criada. Ela vai embora hoje. Muitas vezes a Annie me disse:

“Preste atenção no que eu digo, Albert, eu não me surpreenderia sequalquer dia destes a polícia aparecesse aqui atrás dela”. Como estáacontecendoagora.Maselaéumalindeza,nãoémesmo?

— Sim, ela é bonita — admitiu Tuppence, cautelosamente. — Issoservemuitobemparaosplanosdela, pode apostar.Apropósito, ela temusadoumasesmeraldas?

—Esmeraldas?Sãoumaspedrasverdes,nãoé?Tuppenceconcordoucomacabeça.—Éporissoqueestamosatrásdela.VocêconheceovelhoRysdale?Albertbalançoucabeça.—PeterB.Rysdale,oreidopetróleo?—Essenomemeparecemeiofamiliar.— As pedras eram dele. A mais refinada coleção de esmeraldas do

mundo.Valeummilhãodedólares!—Caramba!—Albertexclamou,emêxtase.—Cadavezseparecemais

comosfilmes.Tuppencesorriu,contentecomoêxitodosseusesforços.—Aindanãoconseguimosprovarparavaler.Masestamosatrásdela

— ela piscou demoradamente.— Agora acho que ela não vai conseguirescapar.

Albertsoltououtraexclamaçãodedeleite.—Tomecuidado,meufilho,nãodigaumapalavrasobreesseassunto

—disseTuppencesubitamente.—Nãoseiseeudeviacontaressascoisasavocê, mas nos Estados Unidos a gente conhece um rapaz esperto só deolhar.

—Nãovoudizerumasílaba—prometeuAlbert,ofegante.—Nãoháalgumacoisaqueeupossa fazer?Espiarumpouco,quemsabe, coisasdotipo?

Tuppencefingiurefletirsobreoassunto,depoisbalançouacabeça.— No momento, não, mas não me esquecerei de você, filho. E que

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históriaéessaquevocêmecontoudamoçaqueestáindoembora?—AAnnie?Comessapatroaéumentra-e-saidecriadas.ComoaAnnie

disse,hojeemdiaascriadassãogenteetêmdesertratadasdeacordo.Ecomoelaestáespalhandoamáfamadapatroa,nãoseráfácilarranjaroutracriada.

—Não?—disseTuppence,pensativa.—Ese...UmaideiaestavasurgindonamentedeTuppence.Elapensoudurante

umoudoisminutos,depoisbateudelevenoombrodeAlbert.—Olhesó,meufilho,tenhoumplano.Esevocêmencionassequetem

umajovemprimaouamigaquetalvezpossaocuparolugar?Sacou?—Claro!— respondeu Albert nomesmo instante.—Deixe isso por

minhaconta,senhorita,evouarmaroesquemaemdoistempos!—Quegaroto!—comentouTuppence comummeneiode cabeçade

aprovação.—Vocêpodedizerqueasuajovemprimaestáprontaparavirimediatamente.Avise-mee,sedertudocerto,chegareiamanhãàsonzeemponto.

—Ondedevoavisarasenhorita?—Ritz—respondeuTuppence,lacônica.—PelonomedeCowley.Albertolhou-acominveja.—Esseempregodedetetivedeveserbom.— Claro que é — confirmou Tuppence, com a voz arrastada —,

especialmentequandoovelhoRysdaleéquempagaasdespesas.Masnãofique triste, filho. Se essa história terminar bem, você já terá dado oprimeiropassoparaentrarnoramo.

ComessapromessaelasedespediudoseunovoaliadoeseafastouapassoslargosdeSouthAudleyMansions,bastantecontentecomotrabalhodamanhã.

Masnãohaviatempoaperder.TuppencevoltouimediatamenteaoRitze escreveu algumas breves palavras amr. Carter. Despachou o bilhete, euma vez que Tommy ainda tinha não regressado — o que não asurpreendia—,saiuparafazercompras,oque,comumintervaloparacháebolinhoscremosossortidos,amanteveocupadaatémuitodepoisdasseishoras, quando retornou ao hotel, esgotada mas satisfeita com as suasaquisições.Elahaviacomeçadonumalojaderoupasbaratas,depoispassoupor um ou dois brechós e terminou o seu dia num famoso cabeleireiro.

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Agora, na reclusão de seu quarto, a jovem desembrulhou sua últimacompradodia. Cincominutosdepois, sorriude contentamentodiantedesuaprópriaimagemrefletidanoespelho.Comumlápisdeolhoselatinhaalteradoligeiramentea linhadassobrancelhas,e isso,emconjuntocomanovaeluxuriantecabeleiranoaltodacabeça,transformoudetalmaneirasua fisionomia que ela se sentiu confiante de que nemmesmo se ficassefrenteafrentecomWhittingtoneleseriacapazdereconhecê-la.Elausariasapatoscomsaltosaltos,eatoucaeoaventalseriamdisfarcesaindamaisvaliosos. Por conta de sua experiência no hospital ela sabia que ospacientesquasenuncareconheciamumaenfermeirasemouniforme.

— Sim — disse Tuppence, meneando a cabeça diante do próprioreflexonoespelho.—Issovaidarcontadorecadodireitinho—depoiselaretomousuaaparêncianormal.

O jantar foi uma refeição solitária. Agora Tuppence estava bastantesurpresacomademoradeTommy. Julius tambémseausentara—oque,namentedajovem,eramaisfácildeexplicar.Asfrenéticas“atividadesdebusca” do norte-americano não se limitavam a Londres, e seus abruptossumiçoseapariçõeseramplenamenteaceitospelos“JovensAventureiros”como parte do trabalho diário. Era líquido e certo que Julius P.Hersheimmer partiria para Constantinopla num piscar de olhos seimaginasse que lá encontraria alguma pista do paradeiro da primadesaparecida. O vigoroso rapaz já conseguira infernizar a vida denumerosos homens da Scotland Yard, e a essa altura as telefonistas doAlmirantado já tinham aprendido a reconhecer e temer o seu familiar“Alôu!”. O homem cheio de energia passara três horas em Parisimportunando a prefeitura e voltara imbuído da ideia, possivelmenteinspiradaporalgumcansadooficial francês,dequeaverdadeirapistadomistérioseriaencontradanaIrlanda.

“Suponhoqueeleagorapartiuàspressaspara lá”,pensouTuppence.“Tudobem,masparamimissoéumachatice!Aquiestoueutransbordandodenovidadeseabsolutamenteninguémaquemcontar!Tommypodia termandadoumtelegrama.Ondeseráqueele foiparar?Dequalquer forma,certamentenão‘perdeuapista’,comodizem.Issomefazlembrar...”.EmissCowleyinterrompeuassuasmeditaçõesechamouummensageirodohotel.

Dez minutos depois a dama estava confortavelmente refestelada na

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cama,fumandocigarroseabsortanaleituraatentadeGarnabyWilliams,omenino detetive, livro, que, como outras novelas baratas de ficçãosensacionalistasemelodramáticas, tinhamandadocomprar.Ela julgava,ecom razão, que antes de tentar estreitar relações comAlbert omelhor afazereraseabastecercomumaboaprovisãodecorlocal.

Pelamanhã,recebeuumbilhetedemr.Carter:

PrezadamissTuppence,

Asenhoritacomeçoudemaneiraesplêndida,eeuaparabenizo.Creio,contudo,quedevomaisuma vez apontar os riscos a que a senhorita está se expondo, em especial se prosseguir nocaminho que indicou. Essas pessoas estão absolutamente desesperadas e são incapazes demisericórdia ou piedade. Parece-me que a senhorita provavelmente subestima o perigo,portantomaisumavezdevoalertá-ladequenãopossolheprometerproteção.Asenhoritajánosproporcionouinformaçõesvaliosas,esepreferirretirar-sedocasoagoraninguémpoderácensurá-la.Dequalquermodo,pensemuitobemantesdesedecidir.

Se,adespeitodasminhasadvertências,asenhoritaresolverlevarainvestigaçãoadiante,encontrará tudo arranjado. A senhoritamorou dois anos commissDufferin, damansãoTheParsonage,emLlanelly,aquemmrs.Vandemeyerpodepedirreferências.

Permite-meumaouduaspalavrasàguisadeconselho?Mantenha-sepróximadaverdadetantoquantopossível—issominimizaráoperigode“deslizes”.Sugiroqueseapresentecomoaquiloqueasenhoritadefatoé,umaex-voluntáriadovad,[8]queatuounaguerraeescolheuosserviços domésticos como profissão. Há muitas mulheres em idêntica situação no presentemomento.Issoexplicaráquaisquerincongruênciasnasuavozousuasmaneiras,oque,deoutromodo,despertariasuspeitas.

Qualquerquesejaasuadecisão,boasorte.

Seuamigosincero,Mr.Carter

Tuppenceficouempolgadíssima.Elaignorouasadvertênciasdemr.Carter.Confiavademaisemsimesmaparadarouvidosaconselhos.

Com alguma relutância, abandonou o plano de representar ointeressante papel que tinha inventado para si mesma. Embora nãoduvidasse de sua capacidade de encarnar por tempo indefinido umapersonagem,dispunhadebomsensoemdosesuficienteparareconheceraforçadosargumentosdemr.Carter.

Ainda não havia chegado recado algumde Tommy;mas demanhã ocarteiro trouxera um cartão-postal bastante sujo contendo três palavrasrabiscadas:“Estátudobem”.

Às dez emeia Tuppence examinou com orgulho um baú de folha de

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flandres meio surrado e amarrado com corda num arranjo artísticocontendo os seus novos pertences. Com um leve rubor ela tocou acampainha e pediu que colocassem o baú num táxi. Foi até a estação dePaddingtonedeixou-onoguarda-volumes.Depois,munidadeumamaletademão,encaminhou-separaa fortalezadotoaletefeminino.Dezminutosdepois, uma Tuppencemetamorfoseada saiu caminhando com gravidadeafetadadaestaçãoepegouumônibus.

PassavaumpoucodasonzehorasquandoTuppenceentroumaisumaveznosaguãodoSouthAudleyMansions.Albertestavadevigia,cumprindoassuasobrigaçõesdeformaumpoucoerrática.NãoreconheceuTuppencedeimediato.Quandopercebeuquemera,nãoconteveseuespanto.

—Macacosmemordamseeuareconheci!Suaroupaésupimpa!— Fico feliz que você tenha gostado — respondeu Tuppence com

modéstia.—Apropósito,sousuaprimaounãosou?— A sua voz também! — berrou o fascinado rapazinho. — Muito

inglesa!Não,eudissequeumamigomeuconheciaumamoça.AAnnienãogostoumuito.Resolveuficaraquihoje.Dizelaqueeraprafazerumfavor,masnaverdadeéprafalarmaldacasaepatroaprasenhorita.

—Queboamenina—disseTuppence.Albertnãopercebeuaironia.—Elaétodaestilosaedeixaapratarialustrosaqueéumabeleza.Mas,

cáentrenós, temummaugêniodosdiabos.A senhoritavai subiragora?Entrenoelevador.Número20,éisso?—eogarotodeuumapiscadela.

Tuppencerepreendeu-ocomumolharseveroeentrounoelevador.Aotocaracampainhanonúmero20elanotouqueosolhosdeAlbert

tinhamdescidoabaixodoníveldochão.Umamoçadearespertoabriuaporta.—Vimparatratardoemprego—disseTuppence.—Éumempregodetestável—disseajovemsemhesitação.—Abruxa

velhaéumarancorosa,viveimplicandocomtudo.Elameacusoudexeretarascartasdela.Eu!Masdepoisretirouaofensa.Nuncamaisdeixounadanocestodepapéis,elaqueimatudo.Elaéumafalsa,issosim.Usaboasroupas,mas não tem classe. A cozinheira sabe alguma coisa a respeito dela,masnãoabreobico,morredemedodela.Ecomoédesconfiada!Quandoflagraumacriadaconversandocomalguém, ficaemcima feitocarrapato!Posso

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assegurarque...Masoquequerque fossequeAnniepretendia contar,Tuppencenão

estava destinada a saber, pois nesse momento uma voz nítida, com umestranhotimbremetálico,chamou:

—Annie!Aespevitadamoçapuloucomosetivessetomadoumtiro.—Sim,senhora.—Comquemvocêestáfalando?—Éumamoçaqueveiotratardoemprego,senhora.—Entãotragaamoçaaqui.Imediatamente.—Sim,patroa.Tuppence foi conduzidaauma sala àdireitado longo corredor.Uma

mulher estava de pé junto à lareira. Já não era jovem, e a beleza queinegavelmente possuía havia agora endurecido e se tornado grosseira.Outrora, na mocidade, a mulher devia ter sido deslumbrante. Graças àcontribuiçãodeumartifícioembelezador,suacabeleiraouro-pálidodescia-lheemcaracóisatéopescoço;osolhos,deumazulpenetrante,pareciampossuiracapacidadedeperfuraraprópriaalmadapessoaqueelafitava.Aextraordinária delicadeza de sua figura era realçada pelo maravilhosovestido azul-escuro de cetim. Entretanto, apesar da sua graciosidadehipnótica e da beleza quase etérea do seu rosto, o interlocutor sentiainstintivamenteapresençadealgoopressivoeameaçador,umaespéciedeforçametálicaqueencontravaexpressãonotomdesuavozenaqualidadeperfurantedeseusolhos.

PelaprimeiravezTuppencesentiumedo.NãosentiratemoralgumnapresençadeWhittington,mas comaquelamulher eradiferente. Como seestivessehipnotizada, ela fitavaa longae cruel linhadabocavermelhaecurvilínea, emais umavez foi invadidaporuma sensaçãodepânico. Suahabitual autoconfiança a abandonou. Vagamente, sentiu que ludibriaraquelamulherseriamuitodiferentedeenganarWhittington.Lembrou-seda advertência de mr. Carter. De fato, aqui não poderia esperarmisericórdia.

Lutandoparadominarasensaçãodepânicoqueinsistiaqueelagirassesobreoscalcanharesefugissesemdemora,Tuppencesustentouoolhardadama,demaneirafirmeerespeitosa.

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Satisfeitacomoprimeiroeminuciosoexameaquesubmeteuajovem,mrs.Vandemeyerindicouumacadeira.

—Vocêpodesesentar.Comoficousabendoqueeuestavaprecisandodeumacriada?

— Por intermédio de um amigo que conhece o ascensorista desteprédio.Eleachouqueoempregopoderiaseradequadoparamim.

Maisumavezoolharderéptildamulherpareceutrespassá-la.—Vocêfalacomoumamoçadeboaeducação.Com bastante eloquência, Tuppence discorreu sobre a sua carreira

imaginária, de acordo com as linhas gerais sugeridas por mr. Carter.Enquanto fazia seu relato, teve a impressão de que a tensão de mrs.Vandemeyeriarelaxando.

—Compreendo—comentouporfimamulher.—Háalguémaquemeupossaescreverpedindoreferências?

—AúltimapatroacomquemmoreifoimissDufferin,damansãoTheParsonage,emLlanelly.Fiqueicomelapordoisanos.

— Então suponho que você pensou em vir para Londres com aintenção de ganhar mais dinheiro? Bem, isso não me importa. Pagareicinquenta ou sessenta libras, quanto você quiser. Pode começarimediatamente?

— Hoje mesmo, se a senhora quiser. O meu baú está na estação dePaddington.

—Vádetáxibuscá-lo,então.Otrabalhoaquiéfácil.Passoboapartedotempoforadecasa.Apropósito,qualéoseunome?

—PrudenceCooper.—Muitobem,Prudence.Vábuscarasuabagagem.Saireiparaalmoçar.

Acozinheiralhemostrarátudo.—Obrigada,patroa.Tuppenceretirou-se.AespertaAnniejánãoestavaàvista.Nosaguão

láembaixo,ummagníficoporteirohaviarelegadoAlbertaosegundoplano.Tuppence saiudoprédio com todaahumildadedomundoenemsequerolhouderelanceparaomenino.

Aaventuratinhacomeçado,maselasesentiamenosentusiasmadadoquepelamanhã. Passoupor suamente a ideiadeque se adesconhecidaJaneFinntinhacaídonasmãosdemrs.Vandemeyer,provavelmentesofreu

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umbocado.

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10entraemcenasirjamespeeledgerton

Tuppence não se mostrou nem um pouco desajeitada nos seus novosdeveres.As filhasdoarquidiáconoeramperitasem tarefasdomésticas.Etambém eram especialistas na arte de treinar uma “menina verde”, e oresultado inevitável era que, depois de devidamente treinada, a meninainexperienteemquestão iaemboraparaalgum lugaronde,graçasaoseurecém-adquiridoconhecimento,exigiaumaremuneraçãomaissubstancialdoquepermitiaamagrabolsadoarquidiácono.

Portanto,Tuppencenãotinhamotivopararecearqueaconsiderassemineficiente. A cozinheira de mrs. Vandemeyer a deixou intrigada. Eraevidente que a mulher tinha pavor da patroa. Tuppence especulou quetalvez a mulher a dominasse de alguma maneira, exercesse sobre elaalguma forma de controle. De resto, ela cozinhava como um chef, o queTuppence teve a oportunidadede julgarnaquelanoite.Mrs. Vandemeyeresperavaumconvidadoparaojantareanovacriadapreparouaelegantemesaparadois.Jáfaziaalgumaideiadequempoderiaserovisitante.Haviauma grande probabilidade de que talvez fosse Whittington. Embora sesentisse bastante confiante de que ele não a reconheceria, ficaria maiscontente se o convidado fosse um completo estranho. Contudo, não lherestavaoutracoisaanãoseresperarquetudodessecerto.

PoucodepoisdasoitodanoitesoouacampainhadaportadafrenteeTuppence, no íntimo um pouco inquieta, foi atender. Ficou aliviada aoconstatarqueovisitanteeraosegundodosdoishomensqueTommytinhaseincumbidodeseguir.

OhomemseapresentoucomocondeStepanov.Tuppenceoanuncioue

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mrs.Vandemeyersoltouumligeiromurmúriodesatisfaçãoaoseerguerdodivãemqueestavasentada.

—Éumprazervê-lo,BórisIvánovitch!—eladisse.—Oprazerémeu,madame!—inclinouocorpoparabeijaramãoda

dama.Tuppencevoltouparaacozinha.— Um tal de conde Stepanov, ou coisa parecida— ela comentou e,

fingindoumacuriosidadefrancaeingênua,perguntou—,queméele?—Umcavalheirorusso,creio.—Elevemaquicomfrequência?—Devezemquando.Porquevocêquersaber?—Imagineiquetalvezeleestivesseapaixonadopelapatroa,sóisso—

explicou Tuppence, acrescentando, com mau humor também fingido: —Nossa,comovocêestánervosa!

— Não estou muito tranquila com relação ao soufflé — justificou acozinheira.

“Você sabe de alguma coisa”, Tuppence pensou consigomesma,masemvozaltadisseapenas:

—Ponhonopratoagora?Prontinho.Enquanto servia àmesa, Tuppence tentou ouvir atentamente a tudo

queeradito.ElaselembravadequeaquelehomemeraumdosqueTommyestava seguindo da última vez que vira o amigo. Agora, embora nãoquisesse admitir, já estava começando a ficar preocupada com o sócio.Ondeestavaele?Porqueelanãohaviarecebidoumrecadosequer?Antesde sairdoRitz,Tuppencedeixara instruçõesparaqueenviassemporummensageiro especial todas as cartas ou mensagens a uma papelaria dasredondezas, aonde Albert ia com frequência. Sim, era verdade que faziaapenasumdiaqueelahaviaseseparadodeTommy—desdeamanhãdavéspera—,eagoratentavaseconvencerdequequalqueransiedadecomrelação ao amigo era absurda. Contudo, era estranho que ele não lhemandassenemumapalavra.

Pormais que aguçasse os ouvidos, a conversa não apresentava pistaalguma. Bóris emrs. Vandemeyer falavam sobre assuntos absolutamentebanais:aspeçasdeteatroaquetinhamassistido,novasdançaseasúltimasfofocasdasociedade.Apósojantardirigiram-separaominúsculoboudoir

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onde mrs. Vandemeyer, estirada no divã, pareceu mais perversamentelindaquenunca. Tuppence entrou levando café e licores e se retirou.Aosair,ouviuBórisperguntar:

—Elaénovaaqui,não?—Começouhoje.Aoutraeraumdemônio.Essaparecesercumpridora

desuasobrigações.Tuppence demorou-se um pouco mais junto à porta que,

propositalmente,deixaraentreaberta,eouviuohomemdizer:—Temcertezadequeelanãoofereceperigo?—Francamente,Bóris,suasdesconfiançassãoabsurdas.Creioqueela

é prima do porteiro do edifício, ou coisa que o valha. E ninguém sequersonha que eu tenha alguma ligação com o nosso... amigo comum, mr.Brown.

— Pelo amor de Deus, tome cuidado, Rita. Aquela porta não estáfechada.

—Ora,feche-a,então—gargalhouamulher.Tuppencesaiudaliàspressas.Elanãoousouseafastarmaisdapartedosfundosdacasa,mastiroua

mesae lavoua louça comazelosa rapidezadquiridanohospital.Depois,furtivamente,deslizoudenovoparaaportadoboudoir.Acozinheira,agoramais relaxada, ainda estava ocupada na cozinha e, se é que deu pelaausênciadaoutra,supôsqueacriadaestavaarrumandoascamas.

Quepena!Aconversanointeriordoaposentoagorasemantinhanumtom baixo demais para permitir que ela ouvisse algo. Tuppence não seatreveu a reabrir a porta, nem mesmo com toda a delicadeza. Mrs.Vandemeyer estava sentada quase de frente para a porta, e Tuppencerespeitavaopoderdeobservaçãodosolhosdelincedapatroa.

Entretanto,Tuppencesentiaqueseriaumbomnegócioouvirodiálogo.Se algo imprevisto tinha ocorrido, talvez ela pudesse ter notícias deTommy.Poralguns instanteselarefletiudesesperadamente;depoisoseurosto se iluminou. Avançando a passos rápidos pelo corredor, foi até oquartodemrs.Vandemeyer,quepossuíajanelõesqueseabriamparaumasacadaqueseestendiaportodoocomprimentodoapartamento.Tuppencepassoupelojanelãoe,semfazerruído,arrastou-seatéajaneladoboudoir— que, como ela já tinha previsto, estava entreaberta; dali era possível

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ouvirclaramenteasvozesdedentrodoaposento.Tuppence aguçou os ouvidos, mas não houve menção alguma que

pudesse ter relação com Tommy. Mrs. Vandemeyer e o russo pareciamdivergirsobrealgumaquestão,eporfimocondeexclamouamargamente:

— Com os seus persistentes descuidos, você acabará arruinando atodosnós!

—Bobagem!—riuamulher.—Amá famadotipocertoéomelhormeio de desarmar as suspeitas. Qualquer dia desses você vai acabarcompreendendoisso,talvezmaiscedodoquevocêpensa!

— Enquanto isso, você zanza para baixo e para cima com PeelEdgerton.QueétalveznãosomenteomaisfamosoadvogadodaInglaterra,mas um conselheiro real que tem como passatempo predileto acriminologia!Issoéumaloucura!

— Sei que a eloquência dele vem salvando muita gente da forca—alegoumrs.Vandemeyer, calmamente.—Oquemedizdisso?Talvezumdia eu também necessite dos serviços dele. Se isso acontecer, que sortecontarcomumamigodessesnacorte,ou talvezsejamelhor irdireitoaopontoedizernotribunal.

Bórislevantou-seecomeçouaandarapassoslargosdeumladoparaooutro.Estavamuitoagitado.

—Vocêéumamulherinteligente,Rita;mastambéméumatola!Deixe-seguiarpormim,esqueçaPeelEdgerton.

Mrs.Vandemeyerbalançousuavementeacabeça.—Creioquenão.—Vocêserecusa?—havianavozdorussoumtomsinistro.—Sim.—Então,porDeus—rosnouorusso.—Veremos.Masmrs.Vandemeyertambémsepôsdepé,comosolhoschamejantes.—Vocêseesquece,Bóris—disseela—,dequenãoprecisoprestar

contasaninguém.Sóreceboordensdemr.Brown.Desesperado,orussoagitouosbraçosnoar.—Você é impossível—elemurmurou.— Impossível! Talvez já seja

tardedemais.DizemquePeelEdgertonécapazdedescobrirumcriminosopelo cheiro! Como vamos saber o que há por trás do repentino interessedeleporvocê?Talvezelejádesconfiedealgumacoisa.Elesuspeita...

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Mrs.Vandemeyerolhou-ocomdesprezo.— Fique tranquilo, meu querido Bóris. Ele não desconfia de coisa

alguma.Ondeestáoseuhabitualcavalheirismo?Vocêpareceesquecerquesouconsideradaumamulherbonita.PossoassegurarqueissoétudooqueinteressaaPeelEdgerton.

Comardedúvida,Bórisbalançouacabeça.—Eleestudoucriminalística comonenhumoutrohomemnestepaís.

Vocêachaqueécapazdeenganá-lo?Mrs.Vandemeyerapertouosolhos.—Seeleétudoissoquevocêdiz,serádivertidoexperimentar!—DeusdoCéu,Rita...—Alémdisso—acrescentoumrs.Vandemeyer—,eleépodrederico.

Nãosoudasquedesprezamdinheiro.Os“nervosdaguerra”,[9]comovocêsabe,Bóris!

—Dinheiro,dinheiro!Esseésempreoperigocomvocê,Rita.Achoquevocêvenderiaatéaalmapordinheiro.Acredito— interrompeua fraseedepois, com voz baixa e sinistra, declarou lentamente —, às vezes euacreditoquevocênosvenderia!

Mrs.Vandemeyersorriueencolheuosombros.— O preço, em todo caso, teria que ser enorme— ela gracejou.—

Ninguém,anãoserummilionário,teriarecursossuficientesparamepagar.—Ah!—rosnouorusso.—Viusó?Eutinharazão.—MeucaroBóris,vocênãoentendeumapiada?—Erapiada?—Claro.—Entãotudoquepossodizeréqueoseusensodehumorébastante

peculiar,minhacaraRita.Mrs.Vandemeyersorriu.—Chegadediscussão,Bóris.Toqueacampainha.Vamosbeberalguma

coisa.Tuppence bateu em retirada. Parou um momento para se olhar no

enormeespelhodemrs.Vandemeyerecertificar-sedequetudoestavaemordemnasuaaparência.Depois,fingindosolenidade,atendeuaochamado.

Apesardeinteressante,aconversaqueelaouviratinhacomprovadodemaneirairrefutávelacumplicidadedeRitaeBóris,maslançavapoucaluz

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sobreaspreocupaçõesdomomento.Onomede JaneFinnnãohaviasidosequermencionado.

Na manhã seguinte, Tuppence trocou breves palavras com Albert esoube que não havia mensagens para ela na papelaria. Pareciainacreditável que Tommy, se é que estava tudo bem com ele, não lhemandara um recado sequer. Ela sentiu que uma mão fria como geloapertava seu coração... Será que...? Corajosamente, sufocou seus temores.De nada adiantava se preocupar. Em vez disso, agarrou a oportunidadeoferecidapormrs.Vandemeyer.

—Qualcostumaseroseudiadefolga,Prudence?—Geralmenteasexta-feiraémeudialivre,senhora.Mrs.Vandemeyerergueuassobrancelhas.—Ehojeésexta-feira!Massuponhoquevocênãopretendesairhoje,

jáquecomeçouaindaontem.—Euestavapensandoempedir-lheparasair,patroa.Mrs.Vandemeyerfitou-aporummomentoedepoissorriu.—EugostariaqueocondeStepanovpudesseouvirvocê.Ontemànoite

ele fez uma insinuação a seu respeito— o sorriso dela ficoumais largo,felino. — O seu pedido é bastante... típico. Estou satisfeita. Você nãoentendenadadisso,maspodesairhoje.Paramimnãofazdiferença,porquenãojantareiemcasa.

—Muitoobrigada,senhora.Tuppencesentiualívioquandoseviulivredapresençadamulher.Mais

uma vez admitiu que sentiamedo, um terrível pavor, da belamulher deolhoscruéis.

Tuppence estava polindo aleatoriamente a prataria quando foiinterrompida pelo som da campainha da porta da frente. Dessa vez ovisitante não era Whittington nem Bóris, mas um homem de aparênciaimpressionante.

Emboraapenasumpoucomaisaltoqueonormal,eledavaaimpressãode ser um homenzarrão. No rosto bem barbeado e primorosamenteinconstanteestavaestampadaumaexpressãodepodereforçamuitoacimadocomum.Ohomempareciairradiarmagnetismo.

PoralgunsinstantesTuppencehesitou,semsaberseohomemeraumatorouumadvogado,massuasdúvidas logosedissiparamassimqueele

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anunciouseunome:sirJamesPeelEdgerton.Agora ela o contemplou com renovado interesse. Então ali estava o

famosoadvogadoeconselheirodoreiparaassuntosdejustiça,cujonomeeraconhecidoemtodaaInglaterra!Elatinhaouvidodizerqueumdiaeletalvez se tornasse o primeiro-ministro. Era público e notório que ele jáhaviarecusadocargosemnomedesuaprofissão,preferindocontinuarnacondiçãodesimplesmembrodeumdistritoeleitoralescocês.

Pensativa, Tuppence voltou para a copa. O grande homem tinhacausadonelauma forte impressão. Ela compreendeu a agitaçãodeBóris.PeelEdgertonnãoseriaumhomemfácildeenganar.

CercadequinzeminutosdepoisacampainhatilintoueTuppencefoiaovestíbuloafimdeacompanharovisitanteatéasaída.Anteselaforaalvodeumolharperscrutadordapartedele.Agora,quandolhepassouàsmãosochapéu e a bengala, Tuppence percebeu que o homem a examinava dacabeçaaospés.Quandoacriadaabriuaportaesepôsdeladoparadeixarohomempassar,eleestacounovãodaporta.

—Nãofazmuitotempoqueasenhoritatrabalhacomocriada,faz?Atônita,Tuppence levantouosolhos.Noolhardohomemelaviuque

haviabondadeealgumaoutracoisa,maisdifícildedecifrar.ElemeneouacabeçacomoseTuppencetivesserespondido.—Ex-voluntáriadodaveemapurosfinanceiros,eusuponho?— Foi mrs. Vandemeyer quem lhe contou isso? — perguntou

Tuppence,desconfiada.—Não,minhacriança.Oseuolharmecontou.Oempregoaquiébom?—Muitobom,obrigada,senhor.— Ah, mas hoje em dia há muitos empregos bons. Às vezes uma

mudançanãofazmalaninguém.—Osenhorestáquerendodizer...?—Tuppenceiniciouumafrase,mas

sir James já estava na escada. Ele olhou para trás com uma expressãobondosaeperspicaz.

—Éapenasumasugestão—eledisse.—Sóisso.Tuppencevoltouparaacopa,maispensativaquenunca.

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11juliuscontaumahistória

Vestidaadequadamente,nahoramarcadaTuppencesaiuparaaproveitarasua“tardedefolga”.UmavezqueAlbertnãoestavadeserviço,ajovemfoipessoalmenteàpapelariaafimdeverificarsehaviachegadoalgumacoisapara ela. Cumprida essa tarefa, rumou para o Ritz, onde fez perguntas edescobriuqueTommyaindanãohaviaretornado.Eraarespostaqueelajáesperava,mas nem por isso deixou de sermais um prego no caixão dassuas esperanças. Tuppence resolveu apelar para mr. Carter: contou-lheonde e quando Tommy iniciara as suas buscas e pediu-lhe para fazeralgumacoisanosentidodeencontrarseuamigo.Aperspectivadecontarcom a ajuda de mr. Carter restituiu o ânimo de Tuppence, que depoisperguntou por Julius Hersheimmer. Foi informada de que o norte-americano tinha regressadoaohotel cercademeiahoraantes,mas saíraimediatamentedepois.

Tuppencesentiuquesuasforçassereavivavamaindamais.VerJuliusjá seria alguma coisa. Talvez ele pudesse formular um plano paradescobrirem juntos o que havia acontecido com Tommy. Ela escreveu obilheteamr.CarterenquantoestavasentadanasaladeestardeJulius,ejáestavaanotandooendereçonoenvelopequandoaportaseabriudechofre.

—Masquediabos!—praguejouJulius,masconteve-seabruptamente.— Perdão, miss Tuppence. Aqueles idiotas lá da recepção disseram queBeresford não estámais aqui— que não dá as caras desde quarta-feira.Issoéverdade?

Tuppencefezquesimcomacabeça.—Vocênãosabeondeeleestá?—elaperguntou,numfiapodevoz.

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— Eu? E como eu saberia? Maldição, não recebi uma única palavradele,emboratenhamandadoumtelegramaparaorapazontemdemanhã.

—Creioqueoseutelegramaestálánarecepção,intacto.—MascadêTommy?—Nãosei.Minhaesperançaeraquevocêsoubesse.—Acabeidedizerquenãorecebiumasópalavradele,desdequenos

separamosnaestaçãoferroviárianaquarta-feira.—Qualestação?—Waterloo.FerroviaLondonandSouthwestern.—Waterloo?—Tuppencefranziuatesta.—Sim,ué.Elenãolhecontounada?—Nãoovimais—explicouTuppence,impaciente.—Falemaissobre

aestação.Oquevocêsforamfazerlá?—Elemetelefonou.Pediuqueeufosseparaláomaisrápidopossível.

Dissequeestavanoencalçodedoispatifes.—Oh!—exclamouTuppence,arregalandoosolhos.—Sei.Continue.— Saí daqui às pressas. Beresford estava lá. Mostrou-me os dois

pilantras. Fiquei encarregado de seguir o grandalhão, o sujeito que vocêenganou.Tommymeentregouumapassagemememandouembarcarnumtrem.Eleinvestigariaooutrocanalha—Juliusfezumapausa.—Euachavaquevocêsabiadetudoisso.

—Julius—disseTuppence,comfirmeza.—Paredeandardeumladoparaooutro.Estouficandotonta.Sente-senaquelapoltronaeconte-meahistóriainteiracomomínimopossívelderodeiosecircuitosdepalavras.

Mr.Hersheimmerobedeceu.—Claro—disseele.—Porondedevocomeçar?—Deondevocêpartiu.Waterloo.—Bem— Julius iniciou seu relato.—Entrei numdos seus lindos e

antiquados vagões de primeira classe britânicos. O trem já estava emmovimento.Quandodeipormimumguardaveiomeinformar,comamaiorpolidez, que eu não estava no compartimento de fumantes. Oferecimeiodólaraeleeascoisassearranjaram.Saívasculhandoocorredoredeiumaespiadanovagãoseguinte.Whittingtonestavalá.Quandoviocanalha,coma sua cara gorda e lisa, e pensei na pobrezinha da Jane nas suas garras,fiqueifuriosoelamenteinãoestarcomumrevólvernamão.Teriadadoum

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jeitonele.“ChegamosaBournemouth.Whittingtontomouumtáxiedeuonome

deumhotel.Fizamesmacoisaechegamosaoendereçocomtrêsminutosdediferençaumdooutro.Ele reservouumquarto e eu, outro.Até agoraestavatudoumamoleza,semproblemas.Whittingtonnãotinhaamínimanoçãodequehaviaalguémnacoladele.Bem,eleficoulásentadonosaguãodohotel,lendojornaisetal,atéahoradojantar.Parecianãoterumpingodepressa.

“Comecei a pensar que ele não estava planejando nada demais, queviajaraapenaspormotivosdesaúde,masmelembreiqueohomemaindanão tinha trocado de roupa para o jantar, embora fosse um hotel deprimeira, por isso parecia bastante provável quemais tarde ele acabariasaindoparatratardoseuverdadeiroassunto.

“Ditoefeito.Porvoltadasnovedanoiteelesaiu.Atravessouacidadenumtáxi(aliás,quelugarlindo;assimqueeuencontrarJaneachoquevoulevá-la comigo para passar uma temporada lá), depois pagou a corrida esaiucaminhandoaolongodospinheirosnotopodopenhasco.Obviamenteeu fui atrás, certo?Caminhamos, talvez, porumameiahora.Ao longodocaminho há uma porção de casas de campo, mas aos poucos elas foramrareando,enofimchegamosaumaquepareciaseraúltimadetodas.Umcasarão,rodeadodepinhais.

“A noite estavamuito escura e a trilha que levava até a casa era umbreusó.Eupodiaouvirohomemàminhafrente,masnãopodiavê-lo.Tivede caminhar comamaior cautela a fimde evitarque elepercebessequeestava sendo seguido. Dobrei uma curva a tempo de vê-lo tocar acampainhaereceberpermissãoparaentrarnacasa.Pareiondeeuestava.Começou a chover e não demorou muito para que eu ficasse ensopado.Alémdisso,faziaumfrioderachar.

“Whittington não saiu da casa, e com o passar do tempo fui ficandoinquieto e comecei a perambular pelas redondezas. Todas as janelas doandar térreo estavam trancadas, mas no andar superior (a casa era umsobrado)noteiumajanelailuminada,cujascortinasnãoestavamfechadas.

“Bem, defronte a essa janela havia uma árvore, talvez a uns novemetros de distância da casa, e acabei tendo uma ideia: se eu subisse naárvore,teriaboaschancesdeenxergarointeriordocômodoiluminado.É

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claro que eu não tinha motivo para acreditar que Whittington seencontravajustamentenaquelecômodoenãoemalgumoutro—aliás,setivessedeapostar,diriaqueeleestavanumadassalasdevisitasdotérreo.Masachoqueeujáestavaentediadodeficartantotempodebaixodechuva,equalquer coisapareciamelhordoque ficar lá à toa.Por isso comecei asubir.

“Ah, mas não foi nada fácil! Por causa da chuva, os galhos estavambastanteescorregadios,eeumalconseguiafirmaropé.Masdepouquinhoempouquinho fuiconseguindoavançaratéque,por fim,chegueiaoníveldajanela.

“Masaífiqueidesapontado.Euestavamuitoàesquerda.Sóconseguiaolhardeesguelhaparaocômodo.Umpedaçodecortinaeumnacodepapeldeparedeeratudoqueeuenxergava.Bem,issodenadameservia,eeujáestava prestes a entregar os pontos e descer vergonhosamente quandoalguémsemoveunointeriordasalaelançousuasombranotrechinhodeparedeaoalcancedosmeusolhos—e,porDeus,eraWhittington!

“Depois disso omeu sangue ferveu. Eu simplesmente tinhade olhardentrodaquelecômodo.Cabiaamimdescobrircomo.Noteiquehaviaumgalho comprido que se desprendia da árvore e se projetava na direçãocerta,àdireita.Seeuconseguissemearrastaratéametadedele,problemaresolvido.Maseutinhaláminhasdúvidasseogalhoresistiriaaomeupeso.Decidi me arriscar. Com cautela, centímetro por centímetro, rastejei aolongodogalho,queestalouebalançoudeum jeitonadaagradável, e atéimaginei como seria a queda,mas consegui chegar são e salvo ao pontoondeeuqueriaestar.

“A sala era razoavelmente espaçosa, mobiliada de maneira frugal ehigiênica. No meio do cômodo havia uma mesa com uma luminária;Whittingtonestava sentadoàmesa,de frenteparamim.Conversava comumamulherqueusavaumuniformedeenfermeira,porsuavezsentadadecostasparamim,porissonãopudeverorostodela.Emboraaspersianasestivessemlevantadas,osvidrosdajanelaestavamfechados,demodoqueeu não conseguia ouvir uma só palavra do que diziam. AparentementeapenasWhittingtonfalavaeaenfermeiralimitava-seaescutar.Devezemquando ela meneava ou balançava a cabeça, como se estivesserespondendo‘sim’ou‘não’àsperguntasqueelefazia.Whittingtonparecia

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muitoenfático—umaouduasvezesbateucomopunhonamesa.Aessaalturaachuvajátinhaparadoeocéucomeçavaaclarearrepentinamente.

“PoucodepoistiveaimpressãodequeWhittingtonjátinhaacabadodedizertudooquequeriadizereaconversachegouaofim.Eleselevantou,eamulhertambém.Eleolhounadireçãodajanelaeperguntoualgumacoisaà enfermeira— creio que indagou se ainda estava chovendo. Ela chegoujuntodajanelaeolhouparafora.Nesseexatomomentoaluasurgiudetrásdasnuvens.Temiqueamulhermeavistasse,poisoluarmeiluminavaemcheio. Tentei recuar um pouco. O solavanco que dei foimuito forte paraaquelegalhovelhoepodre.Comumtremendoestrondoogalhofoiabaixo,ecomeleapessoadeJuliusP.Hersheimmer!

—Oh,Julius!—exclamouTuppence.—Queemocionante!Continue.— Bem, para a minha sorte aterrissei num providencial canteiro de

terramacia,maséclaroquefiqueiforadeação.Depoisdisso,acordeiemevi numa cama de hospital, ladeado por uma enfermeira (não aquela deWhittington) eumhomenzinhodebarbapreta e óculosde arosdeouro,comcarademédico.Quandoeuoencareieleesfregouasmãos,ergueuassobrancelhas e disse: “Ah!O nosso amiguinho está acordando. Excelente.Excelente”.

“Apliqueiovelhotruqueeperguntei: ‘Oqueaconteceu?Ondeestou?’,maseusabiamuitobemarespostaparaestaúltimapergunta.Aindanãotenhonenhumparafusosolto.‘Achoqueporenquantoissoétudo’,disseohomenzinho dispensando a enfermeira, que saiu rapidamente do quarto,nopassoligeiroebemtreinadotípicodasenfermeiras.Maspercebiqueaotransporaportaelemelançouumolhardeintensacuriosidade.

“Aquele olhar dela me deu uma ideia. ‘E então, doutor?’, eu disse, etenteimesentarnacama,masquandofizissosentiumatremendapontadanopédireito.‘Umapequenatorção’,explicouomédico.‘Nadadegrave.Emalgunsdiasosenhorestaránovinhoemfolha.’”

—Noteiquevocêestámancando—interrompeu-oTuppence.Juliusconcordoucomacabeçaecontinuou:— “Como isso aconteceu?”, perguntei de novo. Ele respondeu

secamente: “O senhor caiu, juntamente com uma considerável porção deumadasminhas árvores, sobre umdosmeus canteiros de flores, que eutinhaacabadodeplantar”.

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“Gosteidohomem.Elepareciatersensodehumor.Tivecertezadequepelo menos era um sujeito absolutamente honesto e decente. ‘Certo,doutor’,eudisse,‘lamentomuitopelaárvore,eéclaroqueosbulbosnovospara o seu canteiro de flores são por minha conta. Mas talvez o senhorqueira saber o que eu estava fazendo no seu jardim’. ‘Creio que os fatosexigemumaexplicação’,elerespondeu. ‘Bem,paracomeçareunãoestavaquerendoroubarnada’.

“Elesorriu.‘Foiaminhaprimeirateoria.Maslogomudeideideia.Umacoisa: o senhor é norte-americano, não é?’ Eu disse o meu nome. ‘E osenhor?’ ‘Meu nome é dr. Hall e, como o senhor sabe, estamos naminhaclínicaparticular.’

“Eunãosabia,masnãodeixeiqueelepercebesse.Simplesmentefiqueiagradecidopelainformação.Gosteidosujeitoesentiqueeleeraboagente,um sujeito honesto,mas não ia contar demão beijada a história inteira.Paracomeçodeconversa,seeufizesseissoelenãoteriaacreditado.

“Numafraçãodesegundo, inventeiumaconversa fiada. ‘Bem,doutor,estoumesentindoumtremendobobalhão,masprecisoqueosenhorsaibaque eu não quis dar uma de Bill Sikes’.[10] Depois continuei falando eresmungueialgumalorotaarespeitodeumamulher.Coloqueinomeiodaminha história um tutor severo, salpiquei um esgotamento nervoso dasupostanamoradaeporfimexpliqueiqueeuimaginavatervistoatalmoçadosmeusamoresentreospacientesdosanatório,daíasminhasaventurasnoturnas.

“Creio que era justamente a espécie de história que ele estavaesperando. ‘Um romance e tanto’, ele disse em tom amável assim queconcluímeu fantasiosorelato. ‘Agora,doutor’, continuei, ‘osenhorvaiserfrancocomigo?Está internadaaquino seu sanatório,ouo senhor já teveentreseuspacientesemalgummomento,umajovemchamadaJaneFinn?’Absorto,elerepetiuonome:‘JaneFinn?Não’.

“Fiqueidesolado,eachoquedemonstreimeudesgosto.‘Temcerteza?’,insisti. ‘Certeza absoluta, mr. Hersheimmer. É um nome incomum, eprovavelmenteeunãomeesqueceria.’

“Bem,omédicofoicategórico.Poralgunsmomentosfiqueisemsaberoquefazer.Minhabuscapareciaterchegadoaofim. ‘Bem,entãoé isso’,eudisse, por fim. ‘Mas agora há outra questão. Quando eu estava abraçado

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àquele maldito galho, julguei ter reconhecido um velho amigo meuconversando com uma das suas enfermeiras.’ Deliberadamente nãomencionei nome algum, porque é óbvio que talvezWhittington pudesseusar outro nome lá, mas o médico respondeu prontamente: ‘mr.Whittington,talvez?’‘Opróprio’,devolvi.‘Oqueeleestáfazendoaqui?Nãomedigaqueeletambémestácomosnervosforadoseixos!’

“O dr. Hall riu. ‘Não. Ele veio visitar uma dasminhas enfermeiras, aenfermeira Edith, que é sobrinha dele.’ ‘Ora, imagine só!’, exclamei. ‘Eleainda está aqui?’, ‘Não, voltou para a cidade quase que imediatamente’,‘Quepena!’,lamentei.‘Masquemsabeeupossafalarcomasobrinhadele—aenfermeiraEdith,osenhordissequeéesseonomedela?’

“Mas o médico balançou a cabeça. ‘Isso também será impossível. Aenfermeira Edith foi embora com uma paciente esta noite.’ ‘Parece queestoumesmonumamarédeazar’,comentei. ‘Osenhortemoendereçodemr. Whittington na cidade? Creio que eu gostaria de visitá-lo quandovoltar.’ ‘Nãoseiqualéoendereçodele.PossoescreveràenfermeiraEdithperguntando,seosenhorquiser.’Euoagradeci. ‘Masnãodigaquemestáinteressado em saber o endereço. Eu gostaria de fazer uma surpresinhaparameuamigo.’

“Era tudo o que eu podia fazer naquele momento. É claro que se ajovem era realmente sobrinha de Whittington, talvez fosse inteligentedemais para cair na armadilha, mas valia a pena tentar. A primeiraprovidênciaquetomeiaseguirfoidespacharumtelegramaparaBeresfordinformando-odaminhalocalização,contandoqueestavadecamacomumpétorcidoepedindoquefosseatélá,casonãoestivesseocupadodemais.Tive de ser cauteloso e escolher com cuidado as palavras. Contudo, nãorecebinotíciasdele,emeupé logosarou.Foiapenasummau jeito,enãoumatorçãodeverdade;assim,hojemedespedidobomdoutorzinho,pedique ele me avise tão logo receba notícias da enfermeira Edith, e volteiimediatamenteparaacidade.Masoquefoi,missTuppence?Asenhoraestátãopálida!

—ÉporcausadeTommy—respondeuTuppence.—Oqueseráqueaconteceucomele?

—Ânimo!Eledeveestarbem.Porquenãoestaria?Vejasó,eleestavaatrásdeumsujeitoestrangeiro.Talveztenhaviajadoparaalgumoutropaís

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—aPolônia,porexemplo.Tuppenceabanouacabeça.—Elenãoteriacomofazerissosempassaporteecoisasdotipo.Além

domais, depois disso eu vi o homem, o tal Bóris sei-lá-das-quantas. Elejantouontemcommrs.Vandemeyer.

—Mrs.quem?—Eumeesqueci.Éclaroquevocênadasabesobreisso.— Sou todo ouvidos— disse Julius, e lançoumão de sua expressão

favorita.—Ponha-meapardetudo.Ato contínuo Tuppence obedeceu e relatou os acontecimentos dos

últimosdoisdias.Juliusreagiucomassombroeadmiraçãodesmedidos.—Bravo!Muitobem!Essaéboa!Estouimaginandovocêcomocriada.

Vocêmemata de rir!— depois acrescentou, com seriedade:—Mas nãoestougostandodissonemumpouco,missTuppence,comcertezanão.Nãoexiste pessoa mais destemida que você, mas eu gostaria de vê-la longedessagente.Essescanalhascontraquemestamos lutandosãocapazesdematar,homemoumulher,paraelestantofaz.

— Acha que tenho medo? — perguntou Tuppence, indignada ecorajosamente sufocando a lembrança do brilho de aço do olhar demrs.Vandemeyer.

—Euacabeidedizerquevocêédestemidacomoodiabo.Masissonãoalteraosfatos.

—Oh,nãomeaborreça!—disseTuppence,comimpaciência.—VamospensarnoquepodeteracontecidocomTommy.Escreviamr.Carteraesserespeito—elaacrescentou,easeguirrelatouoconteúdodacarta.

Juliusmeneouacabeçanumgestocircunspecto.— Acho que foi uma boa ideia. Mas agora é hora de agir, de fazer

algumacoisa.—Oquepodemosfazer?—perguntouTuppence,recobrandooânimo.—CreioqueamelhorestratégiaéseguirorastodeBóris.Vocêdisse

queeleapareceunoapartamentodasuapatroa.Seráqueháchancedeopatifevoltarlá?

—Talvez.Paradizeraverdade,nãosei.—Entendo.Bem,achoquepossocolocarempráticaoseguinteplano:

comproumcarro,dosmaischiques,disfarço-medechofereficodetocaia

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lápertodoprédio.SeBórisderascarasvocêmefazumsinaleeusigoatrásdele.Oquemediz?

—Esplêndido,mastalvezeledemoresemanasparaaparecer.—Teremosdearriscar.Ficofelizquevocêtenhagostadodoplano—

Juliusselevantou.—Aondevocêvai?— Comprar o carro, ué — respondeu Julius, surpreso. — Qual é o

modeloquevocêprefere?Creioqueantesdofinaldessahistóriavocêteráaoportunidadededarumavoltinhanele.

— Oh! — Tuppence soltou uma tímida exclamação. — Eu gosto deRolls-Royces,mas...

— Tudo bem— concordou Julius.— Seu pedido é uma ordem. Voucomprarum.

—Masvocênãovaiconseguirumassimnahora—alertouTuppence.—Àsvezesaspessoasprecisamesperarséculos.

— O pequeno Julius aqui não precisa esperar — afirmou mr.Hersheimmer.—Nãosepreocupe.Voltareicomocarrodaquiameiahora.

Tuppenceselevantou.—Vocêé impressionante, Julius.Masnãopossoevitara sensaçãode

que esse plano é uma falsa esperança. Para falar a verdade estoudepositandoaminhaféemmr.Carter.

—Eunãofariaisso.—Porquê?—Éapenasumaideiaminha.—Oh,maseletemdefazeralgumacoisa.Nãohámaisninguémaquem

possamos recorrer. A propósito, eume esqueci de contar sobre um casoestranhoqueaconteceucomigoestamanhã.

EentãoelanarrouoencontrocomsirJamesPeelEdgerton.Juliusficouinteressado.

—Oquevocêachaqueessesujeitoquisdizer?—eleperguntou.—Nãoseiaocerto—respondeuTuppence,meditativa.—Mascreio

que, de umamaneira ambígua, legal, advocatícia, ele estava tentandomealertar.

—Eporqueelefariaisso?—Nãosei—confessouTuppence.—Maselemepareceuumhomem

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bondosoedeumainteligênciasimplesmenteimpressionante.Eubemquepoderiaprocurá-loecontar-lhetudo.

ParasurpresadeTuppence,Juliusopôs-seveementementeaessaideia.—Vejabem—disseele—,nãoqueremosadvogadosmetidosnessa

história.Essesujeitonãopodenosajudaremnada.— Pois eu acredito que ele pode, sim — rebateu Tuppence,

teimosamente.—Nempensenisso.Atélogo.Voltareiemmeiahora.Trinta e cinco minutos depois, Julius voltou. Pegou Tuppence pelo

braçoelevou-aatéajanela.—Láestáele!—Oh!—exclamouTuppencecomumanotadereverêncianavoz,ao

contemplaroenormeautomóvel.— Ele anda que é uma beleza, posso lhe assegurar — disse Julius,

desejosodeagradá-la.—Comofoiquevocêconseguiu?—perguntouTuppence,ofegante.—Ocarroestavasendodespachadoparaacasadealgumfigurão.—Eentão?—Eentãofuiatéacasadotalfigurão—explicouJulius.—Eudissea

ele que pelos meus cálculos um carro destes devia valer uns vinte mildólares.Depoiseudissequeseeleabrissemãodocarroeuestavadispostoapagarcinquentamildólares.

—Eentão?—disseTuppence,inebriada.—Eentão—respondeuJulius—eleabriumãodocarro,ora.Sóisso.

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12umamigoemapuros

A sexta-feira e o sábado passaram sem qualquer novidade. O apelo queTuppence fizera a mr. Carter recebeu uma resposta breve, em que elealegava que os Jovens Aventureiros haviam aceitado o trabalho por suacontaerisco,equenãofaltaramavisoseadvertênciasquantoaosperigosenvolvidos. Se alguma coisa tinha acontecido a Tommy, ele lamentavaprofundamente,masnadapodiafazer.

Que frieza de consolo.De qualquermaneira, semTommy a aventuraperdiaagraça,epelaprimeiravezTuppenceduvidoudotriunfo.Enquantoos amigos estiveram juntos ela jamais levantou qualquer suspeita comrelação ao infalível sucesso da missão. Embora estivesse acostumada atomarasrédeasdasituação,epormaisqueseorgulhassedesuaprópriaperspicácia,narealidadeTuppenceconfiavaemTommyecontavacomelemais do que ela própria imaginava. Sem a sensatez e a visão lúcida deTommy,semasegurançadeseubomsensoeafirmezadesuacapacidadedejulgamento,elasesentiacomoumnavioàderiva.EracuriosoqueJulius,sem dúvida muito mais inteligente que Tommy, não lhe propiciasse amesmasensaçãodeesteio.ElatinhaacusadoTommydeserumpessimista,eé claroqueele sempreviaasdesvantagensedificuldadesqueela,umainveteradaotimista,faziaquestãodeignorar,masmesmoassimTuppencefiava-senasopiniõesenoequilíbriodoamigo.Tommypodiaserlento,maseraumportoseguro.

Era como se, pela primeira vez, Tuppence percebesse a naturezasinistradamissãoemqueelaeoamigohaviamseengajadodemaneiratãoalegre e despreocupada. Tudo começara como uma página de romance.

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Agora que não havia mais glamour, a aventura se transformava numaterrívelrealidade.Tommy—eraaúnicacoisaqueimportava.MuitasvezesduranteodiaTuppencesufocararesolutamenteaslágrimas.“Suatola”,eladiziaasimesma,“nãolamente,éclaroquevocêgostadele,vocêoconhecedesde sempre, a vida inteira. Mas não há necessidade desentimentalismos.”

Nessemeio-tempoBórisnãovoltouadarsinaldevida.Nãoretornouao apartamento, e Julius e o automóvel esperavam em vão. Tuppenceentregou-seanovasreflexões.MesmoadmitindoaverdadedasobjeçõesdeJulius,elanãotinhadesistidointeiramentedaideiadeapelarparasirJamesPeelEdgerton.Naverdade, jáchegara inclusiveaprocuraroendereçodoadvogadonocatálogotelefônico.Seráquenaquelediaeletiveraaintençãodealertá-la?Emcasoafirmativo,porquê?Semdúvidaelatinhanomínimoo direito de pedir uma explicação. O homem a olhara com tantabenevolência! Talvez pudesse dizer algo acerca demrs. Vandemeyer queconduzisseaumapistasobreoparadeirodeTommy.

PorfimTuppencedecidiu,comsuahabitualsacudideladeombros,quevaliaapenatentar,eelatentaria.Natardededomingoelaestariadefolga.Encontraria Julius, convenceria o norte-americano a acatar seu ponto devistaejuntosenfrentariamoleãoemsuaprópriacaverna.

Quando chegou o dia, foi preciso recorrer a uma considerávelquantidade de argumentos para persuadir Julius, mas Tuppence semanteveirredutível.—Malnãovaifazer—elarepetiuinúmerasvezes.PorfimJuliuscedeueambosseguiramnocarroparaCarltonHouseTerrace.

Aporta foi abertaporummordomo impecável. Tuppence estavaumpouconervosa.Afinaldecontas,talvezfosseumdescaramentocolossaldesuaparte.DecidiunãoperguntarsesirJamesestava“emcasa”,masadotouumaatitudemaispessoal.

—Porfavor,tenhaafinezadeperguntarasirJamessepossofalarcomeleporalgunsinstantes.Trago-lheumaimportantemensagem.

Omordomoentrouevoltoupoucodepois.—SirJamesareceberá.Queiramacompanhar-me.Omordomo conduziu-os a uma sala nos fundos da casa que fazia as

vezes de biblioteca. A coleção de livros eramagnífica, e Tuppence notouqueumaparede inteira era forradade obras sobre crime e criminologia.

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Havia várias poltronas de couro macio e uma lareira antiquada. Junto àjanela, o dono da casa estava sentado a uma enorme escrivaninha comtampocorrediço,abarrotadadepapéis.

Eleselevantouquandoosvisitantesentraram.—Temumamensagemparamim?Ah!—elereconheceuTuppencee

abriuumsorriso.—Éasenhorita?Trouxeumrecadodemrs.Vandemeyer,suponho?

— Não exatamente — disse Tuppence. — Para falar a verdade,mencioneiamensagemapenasparamecertificardequeseriarecebida.Oh,porfalarnisso,esteémr.Hersheimmer,sirJamesPeelEdgerton.

—Muitoprazeremconhecê-lo—disseonorte-americano,estendendoamão.

—Sentem-se, por favor—pediusir James, e arrastouduas cadeirasparapertodaescrivaninha.

—SirJames—disseTuppence,indoaudaciosamentediretoaoassunto—,creioqueosenhorjulgaráqueéumterrívelatrevimentoapareceraquidestaforma.Porqueabemdaverdadetrata-sedealgoquenadatemavercom o senhor; além disso o senhor é uma pessoa muito importante, aopassoqueTommyeeusomosgentesemimportância—elafezumapausapararecobrarofôlego.

—Tommy?—indagousirJames,olhandoparaonorte-americano.—Não,esteéJulius—explicouTuppence.—Estoubastantenervosa,

e issoatrapalhaomeu relato.Oqueeu realmentequero saberéoqueosenhorquisdizercomaspalavrasquemedirigiudiasatrás.Osenhorquismealertarcontramrs.Vandemeyer,éisso?

—Minhaprezada jovem,peloqueme lembroeuapenasmencioneiofatodequeexistemempregosigualmentebonsemoutroslugares.

—Sim,eusei.Masfoiumaindireta,nãofoi?—Talvez—admitiusirJames,emtomsolene.—Bem,euquerosabermais.Querosaberporquerazãoosenhorfez

talinsinuação.AseriedadedamoçafezsirJamesrir.— E se a sua patroa mover um processo contra mim por calúnia e

difamação?—Claro—disseTuppence.—Seiqueosadvogadossãosempremuito

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cautelosos.Masnãopodemosfalarprimeiro“semjuízoporantecipação”edepoisdizeroquequeremos?

— Bem — disse sir James, ainda sorrindo —, “sem juízo porantecipação” eu afirmo que se tivesse uma irmã jovem, obrigada atrabalhar para ganhar a vida, eu não gostaria de vê-la a serviço demrs.Vandemeyer. Julguei que era minha incumbência dar a entender essaminhaopinião.Lánãoélugarparaumameninajovemeinexperiente.Issoétudooquepossolhedizer.

—Compreendo—disseTuppence,pensativa.—Muitoobrigada.Maso fato é quena realidade eu não sou inexperiente, sabe? Eu sabiamuitobem que ela não era uma boa pessoa quando fui para lá, e, a bem daverdade, é justamente por isso que fui— ela interrompeu-se ao notar oespanto e a confusão no rosto do advogado, e prosseguiu:— Creio quetalvezsejamelhorcontar-lhe todaahistória, sirJames.Tenhoa sensaçãode que se eu não lhe dissesse a verdade o senhor saberia num instante.Portanto, é melhor que saiba de tudo desde o início. O que você acha,Julius?

—Jáquevocêestádecidida,vá logoaos fatos—respondeuonorte-americano,queatéentãosemantiveraemsilêncio.

— Sim, conte-me tudo — pediu sir James. — Quero saber quem éTommy.

Encorajada, Tuppence desfiou sua história, que o advogado escutoucomprofundaatenção.

Assimqueajovemterminou,eledisse:— Muito interessante. Grande parte do que a senhorita está me

contando,minha filha, eu já sabia. Eumesmo formulei algumas teorias arespeito de Jane Finn. Até agora a senhorita e seus amigos saíram-seextraordinariamentebem,maséumapenaquemr.Carter—éassimqueoconhecem — tenha envolvido dois jovens tão despreparados num casodesse tipo.Aliás, ondeexatamenteentramr.Hersheimmernahistória?Asenhoritanãoesclareceuesseponto.

Juliusrespondeuporsimesmo.—SouprimodeJaneemprimeirograu—eleexplicou,encarandosem

seabalaroolharpenetrantedojurista.—Ah!

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—Oh, sir James— irrompeuTuppence—, o que o senhor achaqueaconteceuaTommy?

— Hum — o advogado se levantou da cadeira e começou a andarlentamente de um lado para o outro. — Quando a senhorita chegou euestavafazendoamala.PegariaotremnoturnorumoàEscóciaparapassaralguns dias pescando. Entretanto, há diversos tipos de pescaria. Estouinclinadoaquererverseconseguimosencontraroparadeirodoseujovemamigo.

—Oh!—Tuppenceuniuasmãos,emêxtase.—Aindaassim,comoeujádisse,élamentávelque...queCartertenha

envolvidoduascriançasnumcasodesses.Oh,nãoseofenda,miss...hã...?— Cowley. Prudence Cowley. Mas os meus amigos me chamam de

Tuppence.—Poisbem,vouchamá-lademissTuppence,então,jáqueestoucerto

dequesereiseuamigo.Nãoseofendacomigoporacharqueasenhoritaémuito jovem.A juventude é umdefeito do qual é bastante fácil se livrar.Agora,noquedizrespeitoaoseuamigoTommy...

—Sim—Tuppenceesfregavaasmãos.—Francamente,ocenárionãomeparecenadabomparaele.Eleandou

enfiandoonarizondenão foichamado.Dissonão tenhodúvida.Masnãopercaaesperança.

—Eosenhorvaimesmonosajudar?Viusó,Julius?Elenãoqueriaqueeuviesse—elaacrescentou,àguisadeexplicação.

—Hum—oadvogadosoltouummuxoxo, fuzilandoJuliuscomoutroolharafiado.—Eporquerazão?

—Imagineiquenãovaliaapenaincomodá-locomumahistorinhatãoinsignificantecomoessas.

—Sei—calou-seporummomento.—Essahistorinhainsignificante,como o senhor diz, tem ligações diretas com uma história de grandesproporções,muitomaiortalvezdoqueosenhoroumissTuppencepodemimaginar. Se o rapaz está vivo, talvez tenha informações muito valiosasparanosdar.Portanto,precisamosencontrá-lo.

— Sim, mas como?— perguntou Tuppence. — Já tentei pensar emtudo...

SirJamessorriu.

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—Entretanto,háumapessoamuitopróxima,aoalcancedamão,queprovavelmentesabeondeeleestáou,em todocaso,ondeéprovávelqueeleesteja.

—Quem?—perguntouTuppence,intrigada.—Mrs.Vandemeyer.—Sim,maselanuncanosdiria.—Ah,éaíqueeuentroemcena.Creioquetenhocondiçõesde fazer

comquemrs.Vandemeyermedigatudoqueeuquerosaber.—Como?—quissaberTuppence,arregalandoosolhos.—Oh,simplesmentefazendoperguntas—explicousirJames,comvoz

branda.—Éassimquesefaz,sabe?O advogado tamborilou os dedos namesa emais uma vezTuppence

sentiuointensopoderqueirradiavadele.—Eseelanãodisser?—perguntouJulius,derepente.—Creioquedirá.Tenhoumaouduascartasnamanga.Mesmoassim,

nopiordoscasoshásempreapossibilidadedeapelarparaosuborno.— Claro! E é aí que eu entro em cena! — berrou Julius, dando um

estrondosomurronamesa.—Osenhorpodecontarcomigo,senecessário,parapagaraelaummilhãodedólares!Sim,senhor,ummilhãodedólares!

SirJamessentou-seesubmeteuJuliusaumminuciosoescrutínio.Porfim,declarou:

—Mr.Hersheimmer,éumasomaetanto.— Mas creio que terá de ser. Para esse tipo de gente não se pode

oferecerumaninharia.— Pela taxa de câmbio atual, o valor que o senhor está sugerindo

ultrapassaduzentasecinquentamillibras.— Isso mesmo. Talvez o senhor pense que estou exagerando, mas

posso garantir esse dinheiro, e ainda tenho de sobra para pagar os seushonorários.

SirJamesenrubesceuumpouco.— Não há honorários, mr. Hersheimmer. Não sou um detetive

particular.—Desculpe.Creioquemeprecipiteiumpouco,masessaquestãodo

dinheiro vemme incomodando. Dias trás eu quis oferecer uma polpudarecompensaaquemtivesse informaçõessobre Jane,masasuaantiquada

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Scotland Yard me desaconselhou a fazer isso. Disseram que erainconvenienteeperigoso.

—Eprovavelmenteestavamcertos—comentousirJames,secamente.—MasnãosepreocupecomJulius—alegouTuppence.—Elenãoestá

brincando.Équesimplesmentetemdinheiroquenãoacabamais.— O meu velho fez uma bela fortuna — explicou Julius. — Agora,

vamosaoqueinteressa.Qualéasuaideia?SirJamesrefletiuporalgunsinstantes.— Não temos tempo a perder. Quanto mais cedo nos lançarmos ao

ataque,melhor.Virou-separaTuppence.—Sabesemrs.Vandemeyervaijantarforahoje?

—Sim,achoquesim,masnãodevevoltarmuitotarde.Casocontrárioterialevadoachavedotrinco.

—Bom.Ireivisitá-laàsdezhoras.Aquehorasasenhoritavoltará?—Entrenoveemeiaedezhoras,maspossovoltarmaiscedo.— Não por minha causa. Se a senhorita não permanecer fora até o

horário habitual, isso talvez desperte suspeitas. Volte às nove e meia.Chegarei às dez. Mr. Hersheimmer poderá esperar embaixo, talvez numtáxi.

— Ele comprou um Rolls-Royce novinho — disse Tuppence, comorgulhoportabela.

—Melhorainda.Seeuconseguirarrancardelaoendereço,poderemosir imediatamente, levando mrs. Vandemeyer conosco, se necessário.Entenderam?

— Sim — Tuppence deu um pulinho de alegria. — Oh, estou mesentindomuitomelhor!

—Nãocrieexpectativasdemais,missTuppence.Calma.Juliusvoltou-separaoadvogado.—Entãopossovirbuscá-lodecarroporvoltadasnoveemeia.Certo?—Talvezsejaomelhorplano.Assimnãoprecisaremosdedoiscarros

esperando.Agora,missTuppence,meuconselhoparaasenhoritaéquevásaborearumbomjantar,umjantarsuntuoso,entendeu?Etentenãopensardemaisnosacontecimentosfuturos.

O advogado apertou a mão dos visitantes, que no instante seguinteforamembora.

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—Ele não é um amor?—perguntou Tuppence, extasiada, enquantodescia,aospulinhos,aescadaria.—Oh,Julius,elenãoésimplesmenteumamor?

— Bem, admito que ele parece, sim, boa gente. E eu estava erradoquandodissequeseriainútilprocurá-lo.Masmediga,vamosvoltardiretoparaoRitz?

— Quero andar um pouco. Estou muito entusiasmada. Deixe-me noparque,porfavor.Anãoserquevocêqueiravircomigotambém.

Juliusbalançouacabeça.—Tenhodeabastecerocarroeenviarumoudoistelegramas.—Tudobem.EncontrovocênoRitz,àssete.Teremosdejantarláem

cima.Nãopossoservistanestes“trajesdefesta”.—Certo.VoupediraoFelixquemeajudeaescolhero cardápio.Um

maîtreetanto,aquelesujeito.Atélogo.TuppencecaminhouapassosvigorososnadireçãodolagoSerpentine

econsultouorelógio.Eramquaseseishoras.Lembrou-sedequenãotinhatomado chá, mas estava agitada demais para ter consciência da fome.Caminhou até Kensington Gardens e depois refez o mesmo caminho,devagar,sentindo-seinfinitamentemelhorgraçasaoarfrescoeoexercício.Não era tão fácil seguir o conselho de sir James e tirar da mente ospossíveiseventosdanoite.ÀmedidaqueseaproximavacadavezmaisdaesquinadoHydePark,atentaçãoderetornaraSouthAudleyMansionsfoificandoquaseirresistível.

Em todo caso, Tuppence concluiu, não faria nenhummal ir até lá eapenas olhar o edifício. Talvez assim ela conseguisse se resignar ànecessidadedeesperarcompaciênciaatéasdezhoras.

South Audley Mansions estava exatamente como sempre esteve,igualzinho. Tuppence não fazia a menor ideia do que ela esperavaencontrar,masavisãodasolidezdetijolosvermelhosdoedifícioamenizouum pouco a inquietação que tomava conta dela. Já estava prestes a darmeia-voltaquandoouviuumagudoassovioeviuofielAlbertsaircorrendodoprédionadireçãodela.

Tuppencefranziuatesta.Nãoestavanosplanoschamaraatençãoparaasuapresençanasvizinhanças,masAlbertchegoucomorostoafogueadodetantoentusiasmosufocado.

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—Senhorita,elavaiembora!—Quem?—perguntouTuppence,incisiva.— A criminosa. Rita Rapina. Mrs. Vandemeyer. Ela está fazendo as

malas,eacaboudememandarchamarumtáxi.—Oquê?—Tuppenceagarrouobraçodomenino.—Éverdade, senhorita.Acheiquea senhoritanãosoubessedenada

disso.—Albert,vocêéformidável!—berrouTuppence.—Senãofossevocê,

elateriaescapadodenós!OelogiofezAlbertenrubescerdealegria.—Nãohá tempoaperder—disseTuppence,atravessandoa rua.—

Tenhodedetê-la.Custeoquecustar,precisodarumjeitodesegurá-laaquiaté...—interrompeuaprópriafraseeperguntou:—Albert,háumtelefoneaqui,não?

Ogarotobalançouacabeça.—Quasetodososapartamentostêmoseuprópriotelefone,senhorita.

Masháumacabinenaesquina.—Corra imediatamente até lá, então, e ligue para oHotel Ritz. Peça

para falar com mr. Hersheimmer, e quando ele atender diga-lhe parabuscar sir James e virem imediatamente, porque mrs. Vandemeyer estátentando dar no pé. Se você não conseguir falar commr. Hersheimmer,ligueparasirJamesPeelEdgerton—onúmeroestánalistatelefônica—econteoqueestáacontecendo.Vocênãovaiesquecerosnomes,vai?

Albertrepetiuosnomes,comfacilidade.—Confieemmim,senhorita,vaidartudocerto.Maseasenhorita?Não

temmedodeenfrentarsozinhamrs.Vandemeyer?—Não,não,tudobem.Agoraváláetelefone.Rápido.Respirandofundo,Tuppenceentrounoedifícioesubiucorrendoatéa

portadonúmero20.Aindanão sabia comodetermrs.Vandemeyer até achegada dos dois homens, mas tinha de dar um jeito e seria obrigada arealizar sozinha essa tarefa. O que teria ocasionado essa partidaprecipitada?Seráquemrs.Vandemeyerestavadesconfiadadela?

Era inútil fazerespeculações.Tuppenceapertoucom firmezaobotãodacampainha.Talvezdescobrissealgumacoisacomacozinheira.

Nada aconteceu, e depois de alguns minutos de espera Tuppence

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apertoudenovoacampainha,dessavezsegurandoodedonobotão.Porfim ela ouviu ruídos de passos dentro do apartamento, e um instantedepoisaprópriamrs.Vandemeyerabriuaporta.Aoverajovemamulherergueuassobrancelhas.

—Você?—Tiveumadordedentes—esclareceuTuppence,comdesenvoltura.

—Porissoacheimelhorvoltarparacasaepassaranoitedescansando.Mrs.Vandemeyernadadisse,masabriu caminhoparaqueTuppence

entrassenocorredor.—Queazaroseu—amulherdisse,comfrieza.—Émelhorirparaa

cama.—Oh,nacozinhaestareibem,senhora.Acozinheira...—Acozinheirasaiu—dissemrs.Vandemeyer,numtomfuribundo.—

Mandei-asair.Assim,creioquevocêentendequeémelhorirparaacama.Desúbito,Tuppencesentiumedo.Nãogostounadadotomdevozde

mrs. Vandemeyer. Além disso, aos poucos a mulher foi encurralando ajovemnocorredor.Tuppenceestavaemapuros.

—Eunãoquero...Então,numpiscardeolhosTuppencesentiuabordadeumcanodeaço

frio tocar sua têmpora, e a voz de mrs. Vandemeyer ergueu-se, gélida eameaçadora:

—Suamalditaidiotazinha!Achaqueeunãosei?Não,nãoresponda.Sevocêlutarougritar,atiroemvocêcomoumcão!

Amulherpressionoucommaisforçaocanodeaçocontraatêmporadamenina.

—Agoraande,vamos—ordenoumrs.Vandemeyer.—Poraqui,entrenomeuquarto.Daquiaumminuto,depoisqueeutiveracabadocomvocê,vocêvaiparaacama,comoeumandei.Evocêdormirá—oh,sim,minhapequenaespiã,vocêvaidormirdireitinho!

Nessasúltimaspalavrashaviaumaespéciedehorrendaamabilidade,coisaqueemnadaagradouTuppence.Nomomentoelanadapodia fazer,por isso caminhou obedientemente para dentro do quarto de mrs.Vandemeyer,queotempotodomanteveapistolacoladaàtestadajovem.O quarto estava uma bagunça, um caos de roupas espalhadas por todaparte,umamalacheiaatéametadeeumacaixadechapéusabertanochão.

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Comesforço,Tuppenceserecompôs.Emboracomavoztrêmula,faloucomcoragem.

— Ora, vamos! Isso é ridículo. A senhora não pode atirar em mim.Todosnoedifícioouviriamobarulho.

—Eucorrereiorisco—respondeualegrementemrs.Vandemeyer.—Enquantovocênãotentargritarporsocorro,garantoquesemantémviva...e não acho que você vá fazer besteiras. Você é uma moça inteligente.Enganou-me direitinho. Eu não desconfiava nem um pouco de você! Porissonãotenhodúvidasdequevocêcompreendeperfeitamentebemquenaatualsituaçãoeuestouporcimaevocêestáporbaixo.Agora,sente-senacama. Ponha asmãos sobre a cabeça e, se você tem amor à vida, não semexa.

Tuppenceobedeceupassivamente. Seubomsenso lhediziaquenadamaisrestavafazeranãoseraceitarasituação.Segritassepedindosocorro,eramínima a probabilidade de que alguém a ouvisse,mas era enorme achance de quemrs. Vandemeyer atirasse nela à queima-roupa. Enquantoisso,cadaminutoqueelaconseguisseganharseriavalioso.

Mrs.Vandemeyercolocouorevólvernabordadolavatório,aoalcancedamão;aindafitandoTuppencecomolhosdelinceparaocasodeajovemtentaralgumacoisa,pegouumpequenofrascodecujoconteúdodespejouumpouconumcopoeencheu-odeágua.

—Oqueéisso?—perguntouTuppence,dechofre.—Umacoisaparafazervocêdormirprofundamente.Tuppenceempalideceuumpouco.—Vocêvaimeenvenenar?—elaperguntou,numfiapodevoz.—Talvez—respondeumrs.Vandemeyer,sorrindocomprazer.—Entãonãovoubeber—declarouTuppence,comfirmeza.—Prefiro

levar um tiro. Em todo caso, talvez alguém escute o estampido.Mas nãoqueromorreremsilêncio,comoumcordeiro.

Mrs.Vandemeyerbateuospésnochão.—Nãosejatola!Achamesmoqueeuqueroseracusadadeassassinato

e atrair o clamor público por justiça? Se você tem alguma inteligência,compreenderáqueenvenenarvocênãomeéconveniente. Istoaquiéumsonífero,nadamais.Vocêacordaráamanhãdemanhãsemproblemas.Eusimplesmentenãoqueromedaraotrabalhodeterdeamarrareamordaçar

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você. Essa é a alternativa—e vocênãovai gostarnemumpouco, possogarantir!Soubastanteviolentaquandoquero.Assim,sejaumaboamenina,bebaistoenãosofrerádanoalgum.

Em seu íntimo, Tuppence acreditou. Os argumentos que a mulherapresentou pareciam verdadeiros. O sonífero era um método simples eseguro de tirá-la momentaneamente do caminho. Contudo, a jovem nãoaceitoudebomgradoaideiadesedeixaradormecermansamentesemaomenostentarselibertar.Elatinhaasensaçãodequesemrs.Vandemeyerconseguisse escapar, sua última esperança de encontrar Tommy estariaperdidaparasempre.

Os processosmentais de Tuppence eram agora um turbilhão. Todasessas reflexões passaram comoum raio por suamente e, quando ela viuquetinhaumachance,bastanteproblemática,resolveuarriscartudonumesforçosupremo.

Tuppencecolocouempráticaseuplano:derepente,desaboudacamaecaiuajoelhadaaospésdemrs.Vandemeyere,emdesvario,agarrouabarradasaiadamulher.

—Eunãoacredito—elagemeu.—Éveneno,seiqueéveneno.Oh,nãome faça beber veneno— sua voz era agora um grito agudo—, nãomeobrigueabeberveneno!

Comocoponamão,mrs.Vandemeyerfranziuoslábioseolhou-acommenosprezodiantedaquelesúbitoataquededesatino.

— Levante-se, sua imbecil! Pare de dizer tolices. Não sei como tevecoragemparadesempenharessepapel.Levante-se,eujádisse.

MasTuppencecontinuouagarradaàmulher,gemendoesuspirando,eentremeava seus soluços com incoerentes apelos por misericórdia. Cadaminutoganhoeraumavantagem.Alémdisso,enquantorastejavapelochãoajovemfoiimperceptivelmentechegandomaispertodoseuobjetivo.

Mrs. Vandemeyer soltou uma violenta exclamação de impaciência e,comumpuxão,colocouTuppencedejoelhos.

—Bebalogodeumavez!—combrutalidade,apertouocopocontraoslábiosdajovem.

Tuppencesoltouumúltimogemidodedesespero.—Asenhorajuraqueissonãovaimefazermal?—elatentouganhar

tempo.

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—Éclaroquenãofarámalnenhum.Nãosejatola.—Asenhorajura?—Sim,sim—disseamulher,impaciente.—Juro.Tuppenceergueuamãoesquerda,trêmula,paraocopo.—Tudobem,então—abriuaboca,submissa.Mrs.Vandemeyerdeuumsuspirodealívio,eporumsegundobaixoua

guarda.Atocontínuo,rápidacomoumraio,Tuppencearremessouocopopara cima, com toda a força.O líquido se esparramoupelo rosto demrs.Vandemeyer e, aproveitando omomentâneo apuro damulher, Tuppenceestendeu a mão direita e agarrou o revólver da borda do lavatório. Ummomentodepoiselajátinhadadoumsaltoparatráseapontavaorevólverdiretamente para o peito demrs. Vandemeyer; amão que empunhava aarmanãodavaomenorsinaldefaltadefirmeza.

Nesse momento de vitória, Tuppence não conteve uma nadacavalheirescademonstraçãodearrogância.

—Agoraqueméqueestáporcimaequemestáporbaixo?—elasevangloriou,exultante.

O rosto de mrs. Vandemeyer se contraía de fúria. Por um minutoTuppencechegouapensarqueamulhersaltariaporcimadela,oqueteriacolocadoajovemnumdesagradáveldilema,jáqueelatinhasedecididoadispararorevólver.Todavia,comesforçomrs.Vandemeyersecontrolou,eporfimumsorrisolentoeperversoinsinuou-seemseurosto.

—Nofimdascontasvocênadatemdetola!Vocêsesaiubem,menina!Masvaipagarporisso—ah,sim,vaipagarporisso!Tenhoboamemória!

—Estousurpresaqueasenhoratenhasedeixadoenganarcomtantafacilidade—disseTuppence,comdesdém.—Achoumesmoquesouotipodegarotaquerolanochãoechoramingapedindomisericórdia?

— Talvez você tenha de fazer isso... um dia! — respondeu a outra,incisiva.

AmaneirafriaemalévoladamulhercausouumarrepionaespinhadeTuppence,masajovemnãosedeixouabalar.

—Quetalsenósduasnossentarmos?—elasugeriu,comsimpatia.—Essenossocomportamentoestáumpoucomelodramático.Não,na cama,não.Puxeumacadeiraalinamesa,issomesmo.Agoraeuvoumesentardefrenteparaasenhora,comorevolveràminhafrente,paraevitaracidentes.

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Esplêndido.Agora,vamosconversar.—Sobreoquê?—quissabermrs.Vandemeyer,comazedume.Por umminuto Tuppence fitou, pensativa, a mulher. Lembrou-se de

várias coisas.AspalavrasdeBóris—“Àsvezeseuacreditoquevocênosvenderia!”— e a resposta dela— “O preço, em todo caso, teria que serenorme”—,proferidaemtomdebrincadeira,éverdade,masseráquenãotinha um substrato de verdade? Muito antes, Whittington tinhaperguntado: “Quem é que andou dando com a língua nos dentes? Rita?”.SeriaRitaopontovulnerávelnaarmadurademr.Brown?

Encarando com firmeza o olhar da mulher, Tuppence respondeucalmamente:

—Dinheiro...Mrs. Vandemeyer teve um sobressalto. Ficou evidente que essa

respostafoiinesperada.—Oquevocêquerdizer?—Vouexplicar.Asenhoraacaboudedizerquetemboamemória.Uma

boamemórianãoétãoútilquantoumabolsacheiadedinheiro!Acreditoqueasenhoradevesentirumenormeprazerimaginandomileumacoisasterríveisparafazercomigo,masseráqueissoéprático?Avingançaéalgoinsatisfatório.Éoquetodosdizem.Masodinheiro—Tuppencerecorreuao seu preceito preferido —, bem, o dinheiro não tem nada deinsatisfatório,certo?

— Você acha que sou o tipo de mulher que vende os amigos? —rebateumrs.Vandemeyer,comdesprezo.

—Sim—Tuppencerespondeuprontamente—,seopreçoformuitobom.

—Algumasinsignificantescentenasdelibras,maisoumenos!—Não—rebateuTuppence.—Eudiria:cemmillibras!Seuespíritoeconômiconãopermitiuqueelamencionasseosmilhões

dedólaressugeridosporJulius.Orostodemrs.Vandemeyerfoitomadoporumjorroderubor.— O que você disse? — perguntou a mulher, cujos dedos fuçavam

nervosamente numbroche sobre umdos seios.Nesse instanteTuppencesoube que o peixe tinha mordido a isca, e pela primeira vez ela sentiuhorror do amor que ela própria sentia pelo dinheiro, o que lhe deu uma

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terrívelsensaçãodeafinidadecomamulheràsuafrente.—Cemmillibras—repetiuTuppence.Os olhos demrs. Vandemeyer perderam o brilho. Ela recostou-se na

cadeira.—Besteira!—Vocênãotemessedinheiro.—Não— admitiu Tuppence.— Eu não tenho.Mas conheço alguém

quetem.—Quemé?—Umamigomeu.—Deveserummilionário—observoumrs.Vandemeyer,incrédula.—Paradizeraverdade,éummilionário,sim.Umnorte-americano.Ele

pagará essa dinheirama sempestanejar. Acredite que estou fazendo umapropostaperfeitamentegenuína.

Mrs.Vandemeyerendireitou-senacadeira.— Estou inclinada a acreditar em você — declarou a mulher,

pausadamente.Durantealgunsinstantesasduasmulheresficaramemsilêncio,atéque

mrs.Vandemeyerergueuosolhos.—Eoqueeledesejasaber,esseseuamigo?Tuppence titubeou um pouco, mas era o dinheiro de Julius, e os

interessesdeledeveriamviremprimeirolugar.—ElequersaberondeestáJaneFinn—elarespondeu,ousadamente.Mrs.Vandemeyernãodeixoutranspareceromenorsinaldesurpresa.—Nãoseiaocertoondeelaestánopresentemomento—respondeu.—Masteriacomodescobrir?—Oh, sim— afirmoumrs. Vandemeyer, em tom despreocupado.—

Quantoaissonãohaveriadificuldadealguma.—Ehátambém—avozdeTuppenceestavaumpoucotrêmula—um

rapaz,umamigomeu.Receioquealgumacoisatenhaacontecidocomele,equeissosejaobradoseuamigoBóris.

—Qualéonomedele?—TommyBeresford.— Nunca ouvi falar. Mas perguntarei a Bóris. Ele me dirá tudo que

souber.— Obrigada — Tuppence sentiu-se tremendamente animada, e sua

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empolgação instigou-a a arriscarmanobrasmais audaciosas.— Hámaisumacoisa.

—Oqueé?Tuppenceinclinou-separaafrenteebaixouotomdevoz:—Quemémr.Brown?Os olhos irrequietos de Tuppence perceberam que de súbito o belo

rostodemrs.Vandemeyerempalideceu.Comesforçoamulhersecontroloue tentou retomar sua pose anterior,mas a tentativa resultounumameraparódia.

Elaencolheuosombros.—Vocênãosabemuitacoisaanossorespeitoseignoraofatodeque

ninguémsabequemémr.Brown...—Asenhorasabe—retrucouTuppence,calmamente.Maisumavezorostodamulherperdeuacor.—Evocêdizissocombaseemquê?— Não sei — disse a jovem, com toda sinceridade. — Mas tenho

certeza.Duranteumbomtempomrs.Vandemeyerficouemsilêncio,encarando

Tuppence.—Sim—por fim ela disse, comvoz rouca.—Eu sei. Euerabonita,

sabe?Muitobonita.—Aindaé—disseTuppence,comadmiração.Mrs.Vandemeyerbalançouacabeça.Deseusolhosdeumazulelétrico

irradiavaumbrilhoestranho.—Masnãobonitaobastante—eladisse,numavozsuaveeperigosa.

— Mas-não-bonita-o-bastante! E às vezes, nos últimos tempos, tenhosentidomedo...Éperigososaberdemais!—inclinouocorpoeestendeuosbraços sobre a mesa. — Jure que o meu nome não será envolvido, queninguémnuncaficarásabendo.

—Eujuro.E,depoisqueeleforpreso,asenhoraestarálivredeperigo.Umolharaterrorizadobrilhounorostodemrs.Vandemeyer.— Estarei? Estarei algum dia?— ela agarrou o braço de Tuppence.

Temcertezaquantoaodinheiro?—Certezaabsoluta.—Quandooreceberei?Nãopodehaverdemora.

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—Omeu amigo chegará daqui a pouco. Talvez ele tenha de enviartelegramasoucoisadotipo.Masserárápido—eleécheiodeenergia,comeleétiroequeda.

Agoramrs.Vandermeyertinhaumolharresoluto.—Euaceito.Éumagrandesomaemdinheiro,ealémdisso—abriuum

sorrisocurioso—nãoéinteligenteabandonarumamulhercomoeu!Por algum tempo ela continuou sorrindo, tamborilando de leve os

dedosnamesa.Derepente,teveumsobressalto,seurostoficoupálido.—Oquefoiisso?—Nãoouvinada.Mrs.Vandemeyerolhouatentamenteaoredor,apavorada.—Esealguémestavaescutando...—Bobagem.Quempoderiaestaraqui?— Às vezes até as paredes têm ouvidos — sussurrou a mulher. —

Estoucommuitomedo.Vocênãooconhece!— Pense nas cemmil libras— Tuppence tentou acalmá-la, com voz

doce.Mrs.Vandemeyerpassoualínguapeloslábiossecos.—Vocênãooconhece—elarepetiucomvozrouca.—Eleé...ah!Com um grito agudo de terror, ela ergueu-se de um salto. Sua mão

estendidaapontavaporcimadacabeçadeTuppence.Depoiselacambaleouedesabounochão,desmaiada.

Tuppencevirou-separaveroquehaviaassustadoamulher.No vão da porta estavam sir James Peel Edgerton e Julius

Hersheimmer.

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13avigília

Sir Jamespassouàspressaspor Juliuseagachou-separaacudiramulherdesfalecida.

—É o coração— decretou, contundente.— Ela deve ter levado umchoque ao nos ver assim de supetão. Conhaque, e rápido, caso contráriovamosperdê-la.

Juliuscorreuatéolavatório.—Aínão—disseTuppenceporcimadoombro.—Nacristaleirada

saladejantar,segundaportadocorredor.Sir James e Tuppence ergueram mrs. Vandemeyer e carregaram a

mulherparaacama.Derramaramáguanorostodela,massemresultado.Oadvogadomediuseupulso.

—Fracoeerrático—murmurou.—Esperoqueorapaztraga logooconhaque.

Nessemomento Juliusentroudenovonoquartomunidodeumcopomeiocheiodabebidaepassou-oàsmãosdesirJames.Tuppenceergueuacabeçadamulherenquantooadvogadotentouintroduziràforçaumpoucodoconhaqueentreoslábiosfechadosdela.Porfimamulherentreabriuosolhos.Tuppencelevouocopoàbocadela.

—Bebaisto.Mrs. Vandemeyer aquiesceu. O conhaque devolveu a cor às lívidas

maçãsdeseurostoerestituiusuasforçasdemodomaravilhoso.Elatentousesentar,mascaiuparatráscomumgemido,amãopendente.

—Éomeucoração—elamurmurou.—Émelhoreunãofalar.Deitou-sedecostas,comosolhosfechados.

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SirJamescontinuoumedindoopulsodamulherpormaisumminuto,depoissoltouamãoemeneouacabeça.

—Tudobem,agora.Elavaiviver.Os três se afastaram e ficaram conversando em voz baixa. Todos

tinham a consciência de certa sensação de anticlímax. Era evidente quequalquer plano de interrogar a dama naquelas condições estava fora decogitação.Nomomentoestavamperplexosenadapodiamfazer.

Tuppencerelatouquemrs.Vandemeyertinhadeclaradosuadisposiçãode desvendar a identidade de mr. Brown, e que também consentira emdescobrir e revelar a eles o paradeiro de Jane Finn. Julius parabenizou ajovem.

— Que beleza, miss Tuppence. Esplêndido! Creio que amanhã cedoessasenhoraestarátãointeressadanascemmillibrasquantoestavahoje.Nãohámotivoparapreocupação.Dequalquermodoelanãofalariaantesdeterodinheironamão!

Claroquehaviacertadosedebomsensonessaspalavras,eTuppencesentiu-semaisconfortada.

—Oqueosenhordizéverdade—concordousirJames,pensativo.—No entanto, devo confessar que algo não me sai da cabeça: como eugostaria quenão tivéssemos chegado e interrompido justamentenaquelemomento!Contudo,agorajánãoháremédio,éapenasquestãodeesperaratéoamanhecer.

Fitouafigurainertesobreacama.Mrs.Vandemeyerestavadeitadaematitudedecompletapassividade,osolhosfechados.Oadvogadobalançouacabeça.

— Bem — disse Tuppence, numa tentativa de parecer animada emelhoraroclima—,teremosdeesperaratéamanhãdemanhã,sóisso.Mascreioqueémelhornãosairmosdoapartamento.

—Esecolocássemosdeguardao talmenino inteligentedequevocênosfalou?

—Albert?Maseseelavoltarasietentarfugir?Albertnãoconseguiriadetê-la.

—Ameuverelanãovaiquererfugirdosdólaresprometidos.—Talvezqueira.Elamepareceuapavoradacomotal“mr.Brown”.—Oquê?Seráquetemmesmotantomedodele?

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—Sim. Ela olhou ao redor e chegou a dizer que até as paredes têmouvidos.

— Talvez ela estivesse falando de um ditafone — disse Julius, cominteresse.

—Miss Tuppence tem razão— disse sir James calmamente.—Nãodevemos sair do apartamento — e não apenas por causa de mrs.Vandemeyer.

Juliusencarouoadvogado.—O senhorachaqueele viria atrásdela?Emalgummomentoentre

agoraeamanhãdemanhã?Mascomoelepoderiasaber?— Está esquecendo a hipótese que o senhor mesmo sugeriu: um

ditafone — respondeu sir James secamente. — Estamos diante de umadversário terrível. Acredito que se agirmos com toda cautela há umachancemuitoboadequeelecaiadiretoemnossasmãos.Masnãopodemosnegligenciarnenhumaprecaução.Temosumatestemunhaimportante,maseladevesersalvaguardada.SugiroquemissTuppenceváparaacamaequeosenhoreeu,mr.Hersheimmer,nosrevezemosnavigília.

Tuppenceestavaprestes aprotestar,masacabouolhandode relancepara a cama e viu mrs. Vandemeyer de olhos semiabertos, com umaexpressão no rosto que era ummisto de temor emalevolência. A jovemficousempalavras.

PorummomentoTuppenceseperguntouseodesmaioeoataquedecoração não teriam sido um gigantesco embuste, mas lembrou-se dapalidezmortal, o quepraticamente anulava sua suposição.Quandoolhoudenovo,aexpressãodesapareceracomoquenumpassedemágica,emrs.Vandemeyer jazia inerte e imóvel comoantes. Porummomento a jovemimaginouquedeviatersonhado.Mesmoassim,decidiuficaralerta.

—Bem,creioqueémelhorsairmosdaqui—propôsJulius.Osoutrosacataramasugestão.MaisumavezsirJamesmediuopulso

demrs.Vandemeyer.—Perfeitamentesatisfatório—eledisseemvozbaixaparaTuppence.

—Depoisdeumaboanoitederepousoelaficaráboa.Ajovemhesitouummomentoaoladodacama.Estavaprofundamente

abalada pela intensidade da expressão que havia flagrado no rosto damulher. Mrs. Vandemeyer ergueu as pálpebras. Parecia fazer um grande

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esforçoparafalar.Tuppencecurvou-sesobreela.— Não saia — aparentemente sem forças para continuar, ela

murmurou algo que aos ouvidos de Tuppence soou como “com sono”.Depoisdissoelafezumanovatentativa.

Tuppence chegou aindamais perto da boca damulher, cuja voz nãopassavadeumsopro.

—Mr...Brown...—Avozemudeceu.Mas seus olhos semicerrados pareciam ainda enviar umamensagem

angustiada.Movidaporumimpulsorepentino,ajovemapressou-seemdizer:—Nãosaireidoapartamento.Ficareiaquidevigíliaanoiteinteira.Um lampejodealívio foi visível antesqueaspálpebras se fechassem

mais uma vez. Aparentemente mrs. Vandemeyer estava dormindo. Massuaspalavras suscitaramumnovodesassossegoemTuppence.Oqueelaquisdizercomaqueleínfimomurmúrio“mr.Brown”?Tuppenceseflagrouolhando nervosamente por cima do ombro. O enorme guarda-roupaavultava-secomaspectosinistrodiantedosseusolhos.Dentrodelehaviaespaçodesobraparaumhomemseesconder...Umpoucoenvergonhadadesimesma,Tuppenceabriuomóveleinspecionouseuinterior.Ninguém—éóbvio!Agachou-seeolhoudebaixodacama.Nãohaviaoutroesconderijopossível.

Tuppence deu sua característica sacudidela de ombros. Era absurdosucumbir assim aos nervos! Saiu devagar do quarto. Julius e sir Jamesestavamconversandoemvozbaixa.Ojuristavoltou-separaela.

—Tranqueaportaporfora,porfavor,missTuppence,etireachave.Ninguémdeveterachancedeentrarnessequarto.

AseriedadedessaspalavrasimpressionouTuppenceeJulius,eajovemsesentiumenosenvergonhadadeseu“ataquedenervos”.

Derepente,Juliusdisse:— Tuppence, aquele seu menino inteligente ainda está lá embaixo.

Achomelhoreudesceretranquilizá-lo.Umgarotoetanto,Tuppence.—Apropósito,comoentraramaqui?—indagouTuppencedesupetão.

—Eumeesquecideperguntar.— Bem, Albert contou-me tudo por telefone. Fui buscar sir James e

viemosparacáimediatamente.Omeninoestavadetocaia,ànossaespera,e

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um bocado preocupado com o que poderia ter acontecido com você. Eletinha tentado colar a orelha à porta do apartamento,mas não conseguiuouvirnada.Esugeriuquesubíssemospeloelevadordeserviçoemvezdetocar a campainha. Descemos, entramos na copa e encontramos você noquarto.Albertaindaestáláembaixo,edeveestarmalucodeansiedade—dizendoisso,Juliussaiuabruptamente.

— Agora,miss Tuppence— disse sir James—, a senhorita conheceesta casa melhor que eu. Onde sugere que improvisemos nossoalojamento?

Tuppencepensouporalgunsinstantes.— Creio que o boudoir de mrs. Vandemeyer seria o cômodo mais

confortável—eladisse,porfim.SirJamesolhouaoredor,aprovandoasugestão.—Éperfeito;eagora,minhacarajovem,váparaacamaedurmaum

pouco.Tuppencebalançouacabeça,resoluta.—Eunãoconseguiriadormir,sirJames.Sonhariaanoite inteiracom

mr.Brown!—Masasenhoritaficarácansadademais,minhafilha.—Não,nãovou.Prefiroficaracordada—falosério.Oadvogadonãoinsistiu.Julius reapareceu logo em seguida, depois de tranquilizar Albert e

recompensá-lo generosamente por seus serviços. Também tentou e nãoconseguiu convencer Tuppence a ir dormir, até que por fim, com ardecidido,disse:

— Em todo caso, você precisa comer alguma coisa imediatamente.Ondeficaadespensa?

Tuppenceensinou-lheocaminho,eminutosdepoisonorte-americanovoltoutrazendoumatortafriaetrêspratos.

Depois da refeição substanciosa, a jovem sentiu-se inclinada adesprezar suas fantasias de meia hora antes. A força da sedução dodinheironãotinhacomofalhar.

—E agora,miss Tuppence— disse sir James—, queremos ouvir assuasaventuras.

—Issomesmo—concordouJulius.

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Tuppence narrou as suas aventuras comumpouco de complacência.De tempos em tempos Julius soltava interjeições de admiração: —Excelente!—SirJamesouviuemsilêncioatéofinaldorelatoeentãosoltouum sossegado—Muito bem, miss Tuppence—, elogio que fez a jovemaventureiracorardesatisfação.

—Háumacoisanão ficouclaraparamim—disse Julius.—Porquemotivoelaqueriadarofora?

—Nãosei—confessouTuppence.SirJamesafagouoqueixo,pensativo.— O quarto estava uma bagunça. Isso dá a entender que ela não

premeditou sua partida. É quase como se ela tivesse recebido um avisorepentinodealguém.

—Demr.Brown,suponho—opinouJulius,emtomdezombaria.OolhardoadvogadosedetevesobreJuliusporumoudoisminutos.— Por que não? Lembre-se de que o senhor mesmo foi derrotado

categoricamenteporeleumavez.Juliuscorou,irritado.— Fico doido de raiva quando penso em como entreguei feito um

cordeirinhoafotografiadeJane.Deusmeu,seumdiaeuconseguirpôrasmãosdenovonaqueleretrato,voumeagarraraele—comoodiabo!

—Ébastanteremotaaprobabilidadedequeissovenhaaacontecer—dissesecamenteoadvogado.

—Achoqueosenhortemrazão—respondeuJuliuscomfranqueza.—E, de qualquer modo, é a Jane original que eu estou procurando. Ondeacreditaqueelapossaestar,sirJames?

Oadvogadobalançouacabeça.—Impossíveldizer.Mastenhoumaideiamuitoboadeondeelaesteve.—Tem?Onde?SirJamessorriu.— No cenário das suas aventuras noturnas, o sanatório de

Bournemouth.—Lá?Impossível.Euperguntei.—Não,meu caro, o senhor perguntou se uma pessoa chamada Jane

Finntinhaestadolá.Ora,seamoçafoidefatointernadanaquelaclínica,équasecertoqueteriausadoumnomefalso.

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—Bravo!Essafoiboa!—exclamouJulius.—Eununcatinhapensadonisso!

—Masébastanteóbvio—declarouooutro.— Talvez o médico também esteja metido na história — sugeriu

Tuppence.Juliusfezquenãocomacabeça.— Não creio nisso. Gostei dele logo de cara. Não, tenho certeza

absolutadequeeleéumsujeitohonesto.— Hall, o senhor disse? — perguntou sir James. — Isso é curioso,

realmentemuitocurioso.—Porquê?—quissaberTuppence.—Porquehojedemanhãeuo encontreipor acaso.Euo conheçohá

algunsanosejáestivemosjuntosemumpardeocasiõessociais,ehojepelamanhãtopeicomelenarua.EstavahospedadonoMetrópole,foioqueelemedisse.—Virou-separaJulius.—Elecomentoucomosenhorqueestavavindoparaacidade?

Juliusfezumsinalafirmativocomacabeça.—Écurioso—refletiusirJames.—Osenhornãomencionouonome

dele esta tarde, ou eu teria sugerido que fosse procurá-lo a fim de obtermaisinformações,levandoconsigoumcartãomeuàguisadeapresentação.

—Achoquesouumabestaquadrada—admitiuJuliuscomhumildadeforadocomum.—Eudeveriaterpensadonotruquedonomefalso.

—Comovocê teriacondiçãodepensarnoquequerque fossedepoisde desabar daquela árvore? — disse Tuppence. — Estou certa de quequalqueroutrapessoateriamorridonahora.

—Bem,creioqueagoraissonãoimporta—disseJulius.—Temosmrs.Vandemeyerpresaesobnossocontrole,eissoétudodequeprecisamos.

—Sim—disseTuppence,massemmuitaconvicçãonavoz.O pequeno grupo ficou em silêncio. Aos poucos a magia da noite

começouatomarcontadostrês.Ouviam-serepentinosestalosnosmóveis,imperceptíveissussurrosnascortinas.DerepenteTuppencedeuumpuloesepôsdepé,comumgrito.

— Não posso evitar! Sei que mr. Brown está em algum lugar noapartamento.Possosenti-loaqui.

—Ora,Tuppence, comoelepoderia estar aqui?Estaportadáparao

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vestíbulo.Ninguémpoderiaentrarpelaportadafrentesemquevíssemosououvíssemos.

—Nãopossoevitar.Sintoqueeleestáaqui!ElalançouumolharsuplicanteparasirJames,querespondeuemtom

sisudo:—Comtodoorespeitoeadevidaconsideraçãoporseussentimentos,

miss Tuppence (e também pelos meus, diga-se), não compreendo comopossaserhumanamentepossívelquealguémestejanesteapartamentosemonossoconhecimento.

Ajovemsesentiuumpoucomaisreconfortadacomessaspalavras.—Ficarsemdormirsempremecausaapreensão—elaconfessou.—Sim—dissesirJames.—Estamosnamesmasituaçãodaspessoas

reunidas numa sessão espírita. Se houvesse um médium presente aqui,talvezconseguíssemosresultadosadmiráveis.

— O senhor acredita em espiritismo? — perguntou Tuppence,arregalandoosolhos.

Oadvogadoencolheuosombros.—Adoutrinapossuialgumaverdade,semdúvida.Masamaiorparte

dasevidênciasetestemunhosnãoservirianumtribunal.As horas foram escoando. Com os primeiros e fracos clarões do

alvorecer, sir James abriu as cortinas. Contemplaram o que poucoslondrinos veem, a lenta ascensão do sol sobre a cidade adormecida. Decerta maneira, com a chegada da luz os temores e fantasias da noiteanteriorpareciamabsurdos.OânimodeTuppencevoltouaonormal.

—Viva!—eladisse.—Vaiserumdialindo.EencontraremosTommy.EJaneFinn.Etudoserámaravilhoso.Perguntareiamr.Cartersehácomoeuganharotítulode“dame”doImpério.

Às setehorasTuppence seofereceuparaprepararumpoucode chá.Voltoucomumabandejacontendoumbuleequatroxícaras.

—Paraqueméaoutraxícara?—perguntouJulius.—Paraaprisioneira,éclaro.Achoquepodemoschamá-laassim?— Servir chá para ela parece uma espécie de anticlímax da noite

passada—disseJulius,pensativo.—Sim,émesmo—admitiuTuppence.—Maslávoueu.Achomelhor

vocêsviremcomigo,paraocasodemrs.Vandemeyermeatacaroucoisado

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tipo.Nãoseicomquehumorelavaidespertar.SirJameseJuliusacompanharamTuppenceatéaporta.—Ondeestáachave?Ah,éclaro,estácomigo.Tuppenceenfiouachavenafechadura,girou-aedepoisestacou.—Esenofimdascontaselafugiu?—murmurou.—Totalmenteimpossível—respondeuJulius,tentandotranquilizá-la.SirJamesnadadisse.Tuppencerespiroufundoeentrou.Comumsuspirodealívio,viuque

mrs.Vandemeyerestavadeitadanacama.—Bomdia—disseajovem,alegremente.—Trouxeumpoucodechá

paraasenhora.Mrs. Vandemeyer não respondeu. Tuppence pousou a xícara sobre a

mesinhadecabeceiraeatravessouoquartoparaabrirascortinas.Quandovoltou, mrs. Vandemeyer continuava deitada, imóvel. Com um repentinoapertonocoração,Tuppencecorreuparaacama.Levantouumadasmãosda mulher e sentiu que estava fria feito gelo... Agora mrs. Vandemeyernuncamaisfalaria...

OgritodeTuppenceatraiuosdoishomens.Bastarampoucosinstantes.Mrs. Vandemeyer estava morta — já devia fazer algumas horas.Evidentementeelamorreraemplenosono.

—Queazar!Umacrueldade!—urrouJulius,desesperado.Oadvogadoestavamaiscalmo,masemseusolhoshaviaumestranho

brilho.—Seéquefoiazar—elecomentou.— O senhor não acha — mas, digamos, não, isso é totalmente

impossível—ninguémpoderiaterentradoaqui.—Não—admitiuoadvogado.—Nãovejocomoalguémpoderia ter

entrado. E, no entanto, ela está a ponto de trair mr. Brown e morre derepente.Serámeroacaso?

—Mascomo...—Sim,como?É issoquetemosdedescobrir.—SirJames ficou láde

pé,emsilêncio,afagandodelicadamenteoqueixo.—Temosdedescobrir—repetiu,emvozbaixa,eTuppencepensouque,seelafossemr.Brown,nãogostariadotomdaquelassimplespalavras.

Juliusolhouderelanceparaajanela.

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—Ajanelaestáaberta—reparou.—Achamque...Tuppencebalançouacabeça.—Asacadaseestendeapenasatéobudoar.Nósestávamoslá.—Elepodeterpassadodespercebido—sugeriuJulius.SirJames,porém,ointerrompeu.—Osmétodosdemr.Brownnãosãotãogrosseiros.Devemoschamar

ummédico,masantes:hánestequartoalgumacoisaquepossaserútilparanós?

Às pressas, revistaram o quarto. Um amontoado de restoschamuscados na grade da lareira indicava que na véspera da fuga mrs.Vandemeyer havia queimado papéis. Embora tenham feito uma buscatambémnosdemaisaposentosdacasa,nãosobraranadadeimportância.

—Háaquiloali—disseTuppencedesúbito,apontandoparaumcofrepequenoeantigoembutidonaparede.—Éparaguardarasjoias,creioeu,maspodeserquecontenhamaisalgumacoisa.

Achaveestavanafechadura;Juliusabriuaportadocofreeexaminouseuinterior,tarefaemquesedemorouumbomtempo.

—Eentão?—perguntouTuppence,impaciente.HouveuminstantedesilêncioantesqueJuliusrespondesse;eleretirou

acabeçadointeriordocofreefechouaporta.—Nada—disseonorte-americano.Emcincominutoschegouummédicojovemediligente,convocadocom

urgência.ReconheceusirJamesetratou-odeformarespeitosa.— Insuficiência cardíaca ou, possivelmente, uma overdose de algum

soporífero.—Aspirou o ar.—Aindaháno ambiente um forte cheirodecloral.

Tuppence lembrou-se do copo que ela tinha derrubado. E outropensamento fez com que se precipitasse para o lavatório. Encontrou opequenofrascodoqualmrs.Vandemeyertiraraalgumasgotas.

Anteso frascoaindatinhadois terçosdoconteúdo.Eagora—estavavazio.

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14umaconsulta

Para Tuppence nada foi mais surpreendente e desconcertante do que odesembaraçoeasimplicidadecomquetodaasituaçãosearranjou,graçasàatuaçãohabilidosadesirJames.Omédicoaceitousemcontestarateoriadequemrs.Vandemeyerhaviatomadoacidentalmenteumadoseexcessivadecloral. E duvidou da necessidade de uma investigação policial. Casohouvesseuminquérito,eleavisariasir James.Omédicoouviuorelatodequemrs.Vandemeyerestavadepartidaparaoexteriorejádispensaraoscriados. Sir James e os seus jovens amigos tinham ido visitá-la, ela foiacometida de um mal súbito e eles então resolveram passar a noite noapartamento, pois estavam receosos de deixá-la sozinha. Sabiam se elatinhaalgumparente?Não,massirJamesfezalusãoaoprocuradordemrs.Vandemeyer.

Pouco depois chegou uma enfermeira para se encarregar dasprovidências,eosoutrosforamemboradaqueleedifíciodemauagouro.

—Eagora?—perguntouJulius,comumgestodedesespero.—Achoqueestamosliquidadosdevez.

Absorto,sirJamesafagouoqueixo.—Não—elerespondeu,calmamente.—Aindaháapossibilidadede

queodr.Hallpossanosdizeralgumacoisa.—MeuDeus!Eutinhameesquecidodele.—Apossibilidadeémínima,masnempor issodevemosdesprezá-la.

CreioqueeujádissequeeleestáhospedadonoMetrópole.Sugiroquelhefaçamosumavisitaomaisrápidopossível.Quetaldepoisdeumbanhoeumcafédamanhã?

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Combinaram que Tuppence e Julius voltariam ao Ritz e depoisbuscariamdecarrosir James.Oplanejamentofoiseguidoàrisca,epoucodepois das onze horas o carro com os três estacionou em frente aoMetrópole. Perguntaram pelo dr. Hall e um mensageiro foi buscar ohóspede. Minutos depois o doutorzinho surgiu, caminhando a passosapressadosnadireçãodogrupo.

— Pode nos conceder alguns minutos do seu tempo, dr. Hall? —perguntousirJames,comtodasimpatia.—Permita-meapresentá-loamissCowley.Creioquemr.Hersheimmerosenhorjáconhece.

Umbrilhozombeteiro faiscounosolhosdomédicoquandoapertouamãodeJulius.

—Ah,sim,omeu jovemamigodoepisódiodaárvore!Otornozelo jáestábom,é?

—Creioqueestácuradograçasaoseuhabilidosotratamento,doutor.—Eoproblemacomocoração?Ah!Ah!—Aindaprocurando—respondeuJulius,curtoegrosso.— Indo direto ao ponto, podemos conversar com o senhor em

particular?—perguntousirJames.—Claro.Creioqueháaquiumasalaondenãoseremosincomodados.Omédico foià frenteeosoutrososeguiram.Sentaram-seeodoutor

fitousirJamescomolharinquiridor.—Dr.Hall,estoumuitoansiosoparaencontrarumacertajovem,como

propósitodeobterdelaumdepoimento.Tenhorazõesparasuporqueelajá esteve, em algum momento, internada numa casa de saúde emBournemouth. Espero não estar transgredindo a ética profissional ao lhefazerperguntassobreumapaciente.

—Suponhoquesetratadeumdepoimentoparafinsjudiciais?SirJameshesitouummomento;depoisrespondeu:—Sim.— Ficarei contente em fornecer qualquer informação que esteja ao

meualcance.Qualéonomedela?Mr.Hersheimmerjámeperguntousobreela,eumelembro.—Voltou-separaJulius.

—Onome—disse sir James, bruscamente—é irrelevante.Équasecertoqueelafoimandadaparaasuainstituiçãosobumnomefalso.Maseugostariadesaberseosenhortemalgumarelaçãopessoalcomumamulher

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chamadamrs.Vandemeyer.— Mrs. Vandemeyer, do South Audley Mansions, 20? Eu a conheço

vagamente.—Osenhornãoestáinformadosobreoqueaconteceu?—Aqueserefere?—Osenhornãosabequemrs.Vandemeyermorreu?—MeuDeus,eunãotinhaamenorideia!Quandoissoaconteceu?—Elatomouumaoverdosedecloralanoitepassada.—Depropósito?—Acidentalmente, supõe-se. Eunãoposso afirmar com certeza. Seja

comofor,elafoiencontradamortaestamanhã.—Muitotriste.Umamulherdebelezaextraordinária.Suponhoqueera

suaamiga,umavezqueosenhorestáapardetodosessespormenores.—Seidetodosospormenoresporque,bem,fuieuquemaencontrou

morta.—Émesmo?—omédicoteveumsobressalto.—Sim—respondeusirJamese,pensativo,alisouoqueixo.— São notícias bem tristes,mas perdoe-me por dizer que ainda não

entendi qual é a relação desse fato com a tal moça que o senhor estáprocurando.

—Arelaçãoéaseguinte:nãoéverdadequemrs.Vandemeyerconfiouaoscuidadosdosenhorumajovemparenta?

Juliusinclinou-separaafrente,ansioso.—Sim,éverdade—respondeuomédico,calmamente.—Sobonomede...?—JanetVandemeyer.Peloquesei,erasobrinhademrs.Vandemeyer.—Equandoelafoiinternada?—Sebemmelembro,emjunhooujulhode1915.—Eraumcasodeproblemamental?—Ajovemestáemseujuízoperfeito,seéaissoqueosenhorserefere.

Mrs. Vandemeyer disse-me que a sobrinha estava a bordo do Lusitaniaquando omalfadado navio naufragou, e em decorrência disso sofreu umseveroabaloemocional.

— Estamos no caminho certo, não?— sir James buscou o olhar doscompanheiros.

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—Comoeujádisse,souumabestaquadrada!—disseJulius.Omédicofitouostrêscomumaexpressãodecuriosidade.—Osenhormanifestouaintençãodeouvirumadeclaraçãodajovem.

Eseelanãotivercondiçõesdeprestarumdepoimento?—Oquê?Osenhoracaboudedizerqueelaestáemseujuízoperfeito.— E está. Entretanto, se o senhor deseja um depoimento acerca de

qualqueracontecimentoanteriora7demaiode1915,elanãoserácapazdeajudá-lo.

Perplexos,ostrêsolharamfixamenteparaohomenzinho,quemeneouacabeça,todocontente.

— É uma pena — declarou o médico. — É mesmo uma pena,especialmente porque, pelo que pude deduzir, o assunto é de grandeimportância.Masaverdadeéqueelanãoserácapazdedizercoisaalguma.

—Masporquê,homem?Maldição,porquê?O homenzinho lançou um olhar benevolente ao agitado rapaz norte-

americano.—PorqueJanetVandemeyersofredeumaperdatotaldamemória.—Oquê?—Issomesmo.Umcasointeressante,umcasomuitointeressante.Mas

não tão incomum como os senhores poderiam pensar. Há inúmerosparalelos, todosmuitoconhecidos.Éoprimeirocasodotipoquetivesobmeuscuidados,edevoadmitirqueoconsidereiabsolutamentefascinante.—Haviaqualquercoisademacabronasatisfaçãodohomenzinho.

—Eelanãoselembradenada—dissesirJamespausadamente.—Nadaanteriora7demaiode1915.Depoisdessadataamemóriada

jovemétãoboacomoasuaouaminha.—Qualé,então,aprimeiracoisadequeelaselembra?—Terdesembarcadocomossobreviventes.Tudoqueaconteceuantes

dissoéumvazio,umespaçoembranco.Elanãosabiaopróprionome,deonde tinha vindo ou onde estava. Ela não era capaz sequer de falar suapróprialínguamaterna.

—Mascertamentealgoassiméraro?—interveioJulius.—Não,meucarosenhor.Éabsolutamentenormalnascircunstâncias

em que ocorreu. Um violento choque no sistema nervoso. A perda damemóriaéumsintomaquesemanifestaquasesempredemaneiramuito

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semelhante. É óbvio que sugeri um especialista. Há em Paris um colegamuito bom— estuda casos dessa natureza—,masmrs. Vandemeyer seopôsàideia,portemerquegerassemuitapublicidade.

—Possoimaginar—dissesirJames,decaraamarrada.—Concordei comaopiniãodela.Esses casos sempre adquiremcerta

notoriedade. E a moça era muito jovem — dezenove anos, creio. Serialamentável que a sua enfermidade se transformasse em alvo decomentários e temade fofocas— isso talvez arruinasse seu futuro.Alémdisso,nãoexisteumtratamentoespecialparaessescasos.Tudoéapenasumaquestãodeesperar.

—Esperar?—Sim.Maiscedooumaistardeamemóriadelavoltará—demaneira

tãorepentinacomoseperdeu.Masprovavelmenteajovemesqueceráporcompletooperíodointermediárioeretomaráavidaapartirdopontoemqueparou:nonaufrágiodoLusitania.

—Equandoosenhoracreditaqueissovaiacontecer?Omédicoencolheuosombros.—Ah, isso não sei dizer. Às vezes é uma questão demeses,mas há

relatosdecasosque levaramvinteanos!Àsvezesoremédioéopacientelevaroutrochoque.Umrestauraoqueooutrodestruiu.

—Outrochoque,é?—perguntouJulius,pensativo.— Sim. Houve um caso no Colorado — o homenzinho começou a

tagarelar,numavozfluenteeumtantoentusiasmada.Juliusparecianãoestarescutando.Agora franziaa testa, absortonos

seusprópriospensamentos.Derepente,emergiudeseudevaneioedeuumsoco na mesa, com um estrondo tão violento que fez todos pularem, omédicomaisquetodos.

—Jásei!Doutor,eugostariadeouvirasuaopiniãoprofissionalsobreoplanoquevouexpor.SuponhamosqueJanecruzemaisumavezooceanoequeaconteçamasmesmascoisas.Osubmarino,onaufrágiodonavio,todomundocorrendoparaosbotes salva-vidas, e assimpordiante. Issodariacontadeprovocaro choqueda cura?Não seriaumbaquee tantono seusubconsciente (ou seja lá qual for o nome técnico), e esse solavanco nãofarianamesmahoratudovoltaraofuncionamentonormal?

—Umaespeculaçãomuito interessante,mr.Hersheimmer.Naminha

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opinião o procedimento teria pleno êxito. É pena que não hajapossibilidadedequeessascondiçõesserepitamcomoosenhorsugere.

— Talvez não por meios naturais, doutor. Mas estou falando deartifício.

—Artifício?—Sim,ora.Qualéadificuldade?Alugamosumnaviodelinharegular...—Umnavio de linha regular!—murmurouomédico, num fiapode

voz.—Contratamos alguns passageiros, alugamos um submarino—essa

deveseraúnicadificuldade,creioeu.Osgovernostendemaserumpoucomesquinhosquandosetratadesuasmáquinasdeguerra.Nãovendemaoprimeirointeressadoqueaparece.Mesmoassim,achoquesepodedarumjeito. Já ouviu falar da palavra “suborno”, senhor? Pois bem, o subornosempre dá conta do recado! Acredito que não haverá necessidade dedispararumtorpedodeverdade.Setodososnossospassageiroscorreremdeumladoparaooutro,acotovelando-seeberrandoaplenospulmõesqueo navio está indo a pique, isso deve ser o suficiente para uma joveminocentecomoJane.Nomomentoemquecolocaremnelaumaboiasalva-vidaseaempurraremparadentrodeumbote,enquantoumpunhadodebem ensaiados atores e atrizes fingem ataques histéricos no convés, ora,issodevefazercomqueelavolteaoexatopontoemqueseencontravaemmaiode1915.Oqueacharamdaslinhasgeraisdoplano?

Odr.HallolhouparaJulius.Emseuolhareraeloquentetudooqueeleeraincapazdeexpressarempalavrasnaquelemomento.

—Não—disse Julius,emrespostaaoolhardomédico.—Nãoestoulouco.Acoisaéperfeitamentepossível.NosEstadosUnidosfazemissotododianaproduçãodefilmes.Nuncaviramcolisõesdetrensnatela?Qualéadiferença entre comprar um trem e comprar um navio? É apenas umaquestãodeadquirirosacessóriosnecessários,emãosàobra!

Odr.Hallrecuperouavoz.— Mas e as despesas, meu caro senhor! — levantou a voz. — As

despesas!Seriamcolossais!—Dinheironãomepreocupanemumpouco—explicou Julius, sem

afetação.O dr. Hall dirigiu um olhar de apelo a sir James, que esboçou um

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sorriso.—Mr.Hersheimmerémuitorico,muitorico,mesmo.O olhar de relance do médico voltou para Julius, agora com uma

qualidadenovaesutil.Jánãooencaravacomoumrapazexcêntricocomohábitodedespencardasárvores.Nosolhosdodoutorvia-seagoraaatituderespeitosaconcedidaaoshomensverdadeiramenteabastados.

— O plano é extraordinário. Absolutamente extraordinário — elemurmurou. — O cinema, os filmes, é claro! Muito interessante. Receioapenas que aqui na Inglaterra ainda estejamos um pouco atrasados nosnossosmétodoscinematográficos.Eo senhorpretende realmente levaracabooseunotávelplano?

—Podeapostaratéoseuúltimodólarquesim.Omédicoacreditounele—oqueeraumahomenagemànacionalidade

do rapaz. Se fosse um inglês que tivesse sugerido coisa semelhante, odoutor teria sérias dúvidas em relação à sanidade mental do seuinterlocutor.

—Não posso garantir que isso vá curar a jovem— ele declarou.—Talvezsejamelhordeixarissobemclaro.

—Sim,tudobem—disseJulius.—Apenasmostre-meJaneedeixeorestoporminhaconta.

—Jane?— Miss Janet Vandemeyer, então. Podemos fazer um telefonema

interurbanoparaosanatóriopedindoqueamandemimediatamenteparacá;ouémelhorqueeupeguemeucarroévábuscá-la?

Omédicoencarou-ocomosolhosfixosdeespanto.—Desculpe,mr.Hersheimmer.Penseiqueosenhorhaviaentendido.—Entendidooquê?—QuemissVandemeyerjánãoestámaissobmeuscuidados.

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15tuppenceépedidaemcasamento

Juliusdeuumpulodacadeira.—Oquê?—Penseiqueosenhortivessecompreendido...—Quandoelapartiu?—Vejamos.Hoje é segunda-feira, não?Deve ter sido na quarta-feira

passada—hum,comcerteza—,sim,foinamesmanoiteemqueosenhor—hã—caiudaminhaárvore.

—Naquelanoite?Antesoudepois?— Deixe-me ver — oh, sim, depois. Recebemos uma mensagem

urgentíssima de mrs. Vandemeyer. A jovem e a enfermeira que cuidavadelapartiramnotremnoturno.

Juliusafundounacadeira.—AenfermeiraEdithfoiemboracomumapaciente,eumelembro—

elemurmurou.—MeuDeus,estivetãopertodela!Odr.Hallpareciadesnorteado.—Nãocompreendo.Ajovemnãoestácomatiadela,então?Tuppence balançou a cabeça. Ia abrir a boca para falar quando um

olhar de advertência de sir James fez com que mordesse a língua. Oadvogadoselevantou.

—Ficomuitoagradecidoaosenhor,dr.Hall.Muitoobrigadoportudooque o senhor nos contou. Infelizmente estamos de novo na posição deseguir o rasto demiss Vandemeyer. E a enfermeira que a acompanhou?Acasoosenhorsabeondeelaseencontra?

Omédicofezquenãocomacabeça.

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— Na verdade não recebemos notícias da enfermeira Edith. Euacreditavaqueela ficariacommissVandemeyerporalgumtempo.Masoquepodeteracontecido?Porcertoajovemnãofoiraptada,foi?

—Issoaindanãosesabe—dissesirJames,extremamentesério.Omédicohesitou.—Osenhorachaquedevoprocurarapolícia?—Não,não.Omaisprováveléqueajovemestejacomoutrosparentes.O médico não ficou muito satisfeito, mas viu que sir James estava

determinado a não dizer mais nada e compreendeu que tentar obtermaiores informações do famoso advogado e Conselheiro Real seriameraperdade tempo.Portanto,despediu-sedosvisitantesedesejou-lhes tudodebom.Ostrêsdeixaramohotele,poucosminutosdepois,pararamjuntoaocarroparaconversar.

— É de enlouquecer! — exclamou Tuppence. — Pensar que Juliuschegouaestarcomelasobomesmoteto,poralgumashoras.

—Souummalditoidiota—murmurouJulius,abatido.—Vocênão tinha comosaber—consolou-oTuppence.—Tinha?—

ElaapelouparasirJames.— Meu conselho é que a senhorita não se preocupe — disse o

advogado, com toda gentileza. — Não adianta chorar sobre o leitederramado,comoasenhoritabemsabe.

—Agrandequestãoé:oquefaremosagora?—acrescentouapráticaTuppence.

SirJamesencolheuosombros.— Podemos publicar um anúncio à procura da enfermeira que

acompanhouajovem.Éaúnicatáticaquepossosugerir,edevoconfessarquenãoesperoqueresulteemgrandecoisa.Deresto,nadamaispodemosfazer.

—Nada?—perguntouTuppence,desanimada.—ETommy?—Restatorcerpelomelhor—dissesirJames.—Oh,devemosmanter

aesperança.Entretanto,porcimadacabeçaabaixadadamoçaosolhosdoadvogado

encontraram os de Julius e sir James balançou a cabeça de modo quaseimperceptível.Juliuscompreendeu.Paraoadvogado,tratava-sedeumcasoperdido.Orapaznorte-americanofechouacara.Sir Jamessegurouamão

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deTuppence.—Asenhoritadevemeavisarsesurgirqualquerfatonovo.Ascartas

serãosempreencaminhadasparaondeeuestiver.Tuppenceencarou-o,confusa.—Osenhorvaiviajar?—Eujádisse.Nãoselembra?ParaaEscócia.—Sim,maseupenseique...Hesitou.SirJamesencolheuosombros.—Minha cara jovem, nada mais posso fazer, infelizmente. Todas as

nossas pistas se desmancharam no ar. Dou-lhe a minha palavra de quenadamaissepodefazer.Sesurgiralgumanovidade, ficareimuitofelizdelheoferecermeusconselhos.

Essas palavras causaram em Tuppence uma sensação deextraordináriadesolação.

— Acho que o senhor tem razão. De qualquer modo, agradeço-lhemuitoportentarnosajudar.Adeus!

Julius estava encostado no carro. Uma compaixão momentânea seestampounosolhosperspicazesdesirJamesquando contemplouo rostodesoladodajovem.

— Não fique tão desconsolada, miss Tuppence — ele disse em vozbaixa.—Lembre-sedequeasfériasnemsempresãoapenasdivertimento.Àsvezesservemtambémparatrabalharumpouco.

Alguma coisa no tom de voz do advogado fez com que Tuppencelevantasserepentinamenteosolhos.SirJamesmeneouacabeçaeabriuumsorriso.

—Não,nãodireimaisnada.Falardemaiséumgraveerro.Lembre-sedisso.Nuncadiga tudooque sabe,nemmesmoàpessoaquea senhoritamelhorconhece.Compreende?Adeus!

E se afastou a passos largos. Tuppence ficouparada contemplando oadvogado. Estava começando a compreender os métodos de sir James.Anteselejátinhafeitoumainsinuação,damesmamaneiradespreocupadae fortuita. Será que agora também tinha sido uma indireta? Qual seriaexatamente o sentido por trás daquelas breves palavras? Será que elequeriadaraentenderque,nofinaldascontas,nãoabandonaraocaso:que,emsegredo,continuariatrabalhandonainvestigaçãoenquanto...

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AsreflexõesdeTuppence foraminterrompidaspor Julius,queusouaexpressão“sobeaí”parapedirqueelaentrassenocarro.

— Você está me parecendo muito pensativa — observou o rapaz,dandopartidanoautomóvel.—Ovelhodissemaisalgumacoisa?

Tuppenceabriuimpulsivamenteabocaparafalar,masdepoistornouafechá-la.Aspalavrasde sir Jamesecoaramemseusouvidos: “Nuncadigatudooquesabe,nemmesmoàpessoaqueasenhoritamelhorconhece”.Enum átimo, como um relâmpago, ocorreu-lhe outra lembrança: Juliusdiantedocofrenoapartamento,aperguntadelaeosilênciodorapazantesderesponder:“Nada”.Seráquerealmentenãohavianada?Ouseráqueeletinha encontrado alguma coisa que quis guardar para si? Se ele podiapermitir-setalreserva,elatambém.

—Nadademais—respondeu.Elasentiu,maisdoqueviu,Juliuslançar-lheumolhardesoslaio.—Oquemedizdedarmosumavoltanoparque?—Sevocêquiser.Durante alguns minutos Tuppence e Julius ficaram em silêncio

enquantoocarrodeslizavasobasárvores.Faziaumdiabonito.Pairavanoarumaintensavibração,queencheuTuppencedeumarenovadaeuforia.

—Diga-me,missTuppence, achaquealgumdiaencontrarei Jane?—perguntou Julius, com voz desanimada. Era tão estranho ver nele umaatitude de abatimento que Tuppence se virou e encarou-o, surpresa. Elemeneouacabeça.

— Pois é. Estou ficando desalentado com relação ao caso. Hoje sirJamesnãomeofereceuamenoresperança,issodeuparaperceber;eunãogostodele—nemsempreasnossasopiniõescoincidem—,maseleéumbocado esperto, e acho que não entregaria os pontos se ainda houvessealgumapossibilidadedeêxito,nãoacha?

Tuppence se sentiu bastante desconfortável mas, aferrando-se àconvicção de que Julius havia escondido dela alguma coisa, manteve-sefirme.

— Ele sugeriu o anúncio para encontrarmos a enfermeira — elalembrou.

—Sim,mascomumtomde“esperançavã”navoz!Não.Jáestoufarto.EstouquasedecididoavoltarimediatamenteparaosEstadosUnidos.

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—Oh,não!—exclamouTuppence.—TemosdeencontrarTommy.—Pois é, eumeesquecideBeresford—disse Julius, arrependido.É

verdade.Temosdeencontrá-lo.Masdepois—bem,desdequecomeceiestaviagem eu tenho sonhado acordado— esses sonhos são uma “fria”. Voulargarmãodeles.Escute,missTuppence,háumacoisaqueeugostariadelheperguntar.

—Sim?—VocêeBeresford.Queháentrevocêsdois?— Não estou entendendo — retrucou Tuppence com dignidade,

acrescentando demodomuito incoerente:— E, em todo caso, você estáenganado!

—Vocêsnãotêmalgumtipodesentimentoafetuosoumpelooutro?— Claro que não— alegou Tuppence, com ternura.— Tommy e eu

somosamigos,nadamais.—Masachoquetodososcasaizinhosdenamorados jádisseramisso

emalgummomento—observouJulius.—Tolice!—vociferouTuppence.—Pareço o tipode garota que sai

poraíseapaixonandoportodososhomensqueencontra?—Não.Vocêpareceotipodegarotaporquemumpunhadodehomens

seapaixona!—Oh!—exclamouTuppence,bastanteperplexa.—Issofoiumelogio?— Claro. Agora vamos direto ao ponto. Suponha que a gente nunca

encontreBeresforde...e...—Tudobem,diga!Euconsigoencararosfatos.Vamossuporqueele—

tenhamorrido!Edaí?—Edepoisqueessahistóriatodaterminar.Oquevocêvaifazer?—Nãosei—respondeuTuppence,desolada.—Vocêficarianumasolidãodanada,tadinhadevocê.— Ficarei muito bem — exclamou Tuppence, com a sua habitual

indignaçãodiantedequalquerespéciedepiedade.—Equantoaocasamento?—perguntouJulius.—Qualéasuaopinião

sobreoassunto?—Umdiapretendomecasar,éclaro—replicouTuppence.—Istoé,

se...—Ela se calou, identificouummomentâneodesejodevoltaratrás, edepois,combravura,semantevefielaosseusprincípios—Seeuconseguir

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encontrar umhomemque seja rico o bastante para fazer valer a pena. Éfranqueza demais da minha parte, não acha? Acho que agora você medesprezaporisso.

— Jamais desprezo o instinto comercial— esclareceu Julius.— Quetipoespecíficovocêtememmente?

— Tipo? perguntou Tuppence, intrigada.— Você quer dizer alto oubaixo?

—Não.Tipodesalário,renda.—Oh,euaindanãopenseinisso.—Equantoamim?—Você?—Claro.—Oh,eunãopoderia!—Porquenão?—Estoudizendo,eunãopoderia.—Maisumavez:porquê?—Pareceriamuitoinjusto.—Nãovejoinjustiçaalguma.Estouapenaspedindoquevocêcoloque

ascartasnamesa,sóisso.Admirovocêimensamente,missTuppence,maisdo que qualquer outra garota que eu já tenha conhecido na vida. Você édanada de corajosa. Eu simplesmente adoraria proporcionar a você umavida agradável e de primeira. Diga que “sim” e a gente dámeia-volta nocarroevaidaquimesmoaumajoalheriachiqueresolveraquestãodoanel.

—Nãoposso—arquejouTuppence.—PorcausadeBeresford?—Não,não,não!—Então,porquê?Tuppencelimitou-seabalançarviolentamenteacabeça.—Nãoépossívelqueemsãconsciênciavocêesperealguémcommais

dólaresdoqueeutenho.—Oh,nãoéisso—ofegouTuppence,comumarisadaquasehistérica.

—Façoquestãodelheagradecermuitoetal,masachomelhordizer“não”.— Eu ficaria muito grato se você me fizesse o favor de pensar no

assuntoatéamanhã.—Éinútil.

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—Mesmoassim,pororavamosdeixarascoisasnopéemqueestão.—Muitobem—disseTuppence,meigamente.AmbosficaramemsilêncioatéchegaremaoRitz.Tuppence subiu para o seu quarto. Sentia-se moralmente esgotada

depoisdoconflitocomavigorosapersonalidadede Julius.Sentadadiantedoespelho,durantealgunsminutosfitouopróprioreflexo.

— Tola — Tuppence sussurrou por fim, fazendo uma careta. —Tolinha.Tudoquevocêquer—tudocomquevocêsempresonhou,evocêsoltaum“não” feitoumcordeirinho idiota.Éasuaúnicachance.Porquevocê não aproveita a oportunidade? Agarra? Arrebata e não solta nuncamais?Oquemaisvocêquer?

Comoemrespostaàssuasprópriasperguntas,osolhosdeTuppencepousaramsobreumapequenafotografiadeTommynumasurradamoldurasobre a penteadeira. Por um momento ela pelejou para manter oautocontrole, mas depois, abandonando todas as veleidades, apertou oretratocontraoslábioseirrompeunumataquedechoroconvulsivo.

—Oh, Tommy, Tommy!— ela soluçava.—Eu o amo tanto, e talveznuncamaisoveja...

DepoisdecincominutosTuppencesentou-se,assouonarizepuxouoscabelosparatrás.

— Então é isso— ela observou, com firmeza.— Vamos encarar defrente os fatos. Parece que me apaixonei... por um rapaz idiota queprovavelmentenãodáamínimaparamim—aquielafezumapausa.—Dequalquer maneira — ela retomou seu discurso, como se estivesseargumentandocomumoponente invisível—,nãoseioqueele sentepormim.Elenuncaousoudizercomtodasas letras.Eeusemprerechaceiossentimentos — e aqui estou eu, sendo a pessoa mais sentimental domundo.Comoasmulheressãoidiotas!Semprepenseiassim.Achoquevoudormir com a fotografia dele debaixo do travesseiro e sonhar com ele anoite inteira.Éhorrívelquandoa gente senteque foidesleal comnossosprópriosprincípios.

Tuppencebalançoutristementeacabeça,aopensarnasuaapostasia.—Não sei o que dizer a Julius, sinceramente. Oh, que idiota eu sou!

Terei que dizer alguma coisa. Ele é tão norte-americano e certinho, vaiinsistir que tem razão. Eume pergunto se ele encontroumesmo alguma

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coisanaquelecofre...AsreflexõesdeTuppencesedesviaramparaoutrorumo.Cuidadosae

persistentemente,elarevisouosacontecimentosdanoiteanterior.Decertomodo, pareciam ter estreita ligação com as enigmáticas palavras de sirJames...

Derepenteelateveumviolentosobressalto—seurostoperdeuacor.Fascinados e de pupilas dilatadas, seus olhos miravam no espelho suaprópriaimagem.

— Impossível! — ela murmurou. — Impossível! Devo estar ficandoloucasódepensarnumacoisadessas...

Monstruoso,masexplicariatudo...Depois de alguns momentos de reflexão, Tuppence se sentou e

escreveuumbilhete, ponderando cadapalavra.Por fimmeneoua cabeçaem sinal de satisfação e enfiou o papel num envelope, que endereçou aJulius. Enveredou-se corredor afora, foi até a sala de estar da suíte donorte-americanoebateuàporta.Comoelajáesperava,nãohavianinguém.Deixouoenvelopeemcimadamesa.

Quandovoltou,ummensageirodohotelaaguardavajuntoàportadoseuquarto.

—Telegramaparaasenhorita.Tuppencepegouotelegramadabandejaeabriu-ocomcuidado.Depois

soltouumgrito.OtelegramaeradeTommy!

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16novasaventurasdetommy

Deumaescuridãosalpicadadepunhaladas latejantesde fogo,Tommyfezforçapararecuperarossentidoseaospoucosvoltouparaavida.Quandoporfimabriuosolhos,nãotinhaconsciênciadecoisaalgumaanãoserdeumadorlancinantefustigandosuastêmporas.Reconheceuvagamentequese encontrava num ambiente desconhecido. Onde estava? O que tinhaacontecido? Piscou os olhos, sem forças. Aquele não era o seu quarto noRitz.Eporquediabossuacabeçadoíatanto?

— Maldição!— praguejou Tommy, tentando se sentar. Lembrou-se.EstavanaquelacasasinistraemSoho.Soltouumgemidoecaiupara trás.Através das pálpebras semicerradas, efetuou um cuidadosoreconhecimentodoambiente.

—Eleestávoltandoasi—observouumavozmuitopertodoouvidodeTommy.Deimediatoeleaidentificoucomoavozdobarbudoeeficientealemão e se manteve inerte, em atitude fingida. Compreendeu que serialamentável recuperar cedo demais os sentidos; e que enquanto a dor nacabeça não se tornassemenos aguda ele não teria a menor condição decoordenarasideias.Penosamente,tentouentenderoquetinhaacontecido.Era óbvio que enquanto Tommy estava à escuta atrás da porta alguémdevia ter se esgueirado por trás dele e o pusera a nocaute com umapancadanacabeça.Agoraquesabiamqueeleeraumespião,Tommyseriatratado comviolência, e depois acabariamcom ele semmuitas delongas.Semsombradedúvida,estavaemapuros.Ninguémsabiadeseuparadeiro,portanto de nada adiantava contar com auxílio exterior; agora dependiaunicamentedesuaprópriasagacidade.

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—Bom, lávamosnós—murmurouTommydesiparasi,erepetiuaimprecaçãoanterior:

—Maldição!—Dessavezconseguiusesentar.Umminutodepoisoalemãodeuumpassoà frente,colocouumcopo

nos lábios de Tommy e deu uma ordem sucinta: — Beba. — Tommyobedeceu e bebeu um gole tão potente que acabou engasgando, mas aomenosdesanuviouseucérebrodeformamaravilhosa.

Eleestavadeitadonumsofánasalaondeserealizaraareunião.Deumladoviuoalemãoedooutro,oporteiromal-encaradoqueodeixaraentrar.Osoutrosestavamreunidosaumapequenadistância.MasTommynotouafaltadeumrosto.Ohomemconhecidocomo“NúmeroUm” jánãoestavaentreobando.

—Sente-semelhor?—perguntouoalemãoaoretirarocopovazio.—Sim,obrigado—respondeuTommy,animado.— Ah, meu jovem amigo, sorte sua ter um crânio tão duro. O bom

Conrad aqui bateu com força. — Com um meneio de cabeça, indicou oporteirocarrancudo.

Ohomemsorriudemodomalicioso.Tommyfezforçaparaviraracabeça.—Oh,entãoseunomeéConrad,é?Achoqueadurezadomeucrânio

foi uma sorte para você também. Quando olho para a sua cara, quaselamento não ter contribuído para que você fosse bater um papo com ocarrasco.

Ohomemrosnoueobarbudo,comtodaacalmadomundo,disse:—Elenãocorreriaomínimoriscodisso.—Comoquiser—rebateuTommy.—Seiqueémodamenosprezara

polícia.Eumesmopoucoacreditonela.O rapaz semostrava imperturbável e aparentavaomaisaltograude

despreocupação.TommyBeresforderaumdessesjovensinglesesquenãose distinguem por nenhuma habilidade intelectual em especial, mas quemostramomelhordesiesesaemmuitobemquandoseveem“emapuros”.Nelescaemcomoumaluvaadesconfiançaeacautelainatas.Tommytinhaplenaconsciênciadequeasuaúnicaesperançade fugadependiaúnicaeexclusivamente da sua esperteza e, por trás da atitude indiferente, seucérebrofuncionavaatodovapor.

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Comseutomdevozglacialoalemãorecomeçouaconversa:—Temalgumacoisaadizerantesquenósmatemosvocêcomomerece

umespião?— Tenho ummonte de coisas a dizer— respondeu Tommy, com a

mesmacivilidadedeantes.—Vocênegaqueestavaescutandoatrásdaporta?—Não.Naverdade,devoatépedirdesculpas—maséqueaconversa

devocêsestavatãointeressantequesobrepujouosmeusescrúpulos.—Comofoiquevocêentrouaqui?—Graças ao prezado Conrad.—Tommy sorriu com ar de zombaria

para o homem. — Hesito em sugerir que vocês mandem para aaposentadoriaumempregadofiel,masaverdadeéquevocêsprecisamdeumcãodeguardamelhor.

Impotente,Conradresmungou,emburrado;quandoobarbudosevirouparaele,defendeu-sealegando:

—Eledisseasenha.Comoéqueeuiasaber?—Sim—Tommyseintrometeu.—Comoelepoderiasaber?Nãobote

aculpanocoitado.Oatoprecipitadodelemeproporcionouoprazerdevertodosvocêscaraacara.

Tommyesperavaquesuaspalavrascausassemalgumaperturbaçãonogrupo, mas o atento alemão acalmou, com um aceno de mão, seuscomparsas.

—Osmortosnãocontamhistórias—eledisse,calmamente.—Ah!—rebateuTommy.—Maseuaindanãoestoumorto!—Logoestará,meujovemamigo—anunciouoalemão.Dogrupobrotouummurmúriodeassentimento.O coração de Tommy bateu mais rápido, mas sua displicente

tranquilidadenãodeusinaisdeesmorecimento.—Creioquenão—orapazdeclarou,comfirmeza.—Eumeoponho

veementementeàideiademorrer.Tommy tinha conseguido deixar a todos intrigados, o que ficou

evidentepeloolharqueeleflagrounorostodoseucaptor.—Podenosdaralgumarazãoparanãomatarmosvocê?—perguntou

oalemão.—Muitas—respondeuTommy.—Escuteaqui.Vocêestámefazendo

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umaporçãodeperguntas.Sóparavariar,permitaqueeufaçaumaavocê.Porquenãomemataramantesqueeurecuperasseossentidos?

Oalemãohesitou,eTommytirouproveitodavantagemobtida.—Porquevocêsnãosabiamqualéaextensãodomeuconhecimento

sobrevocêseondeobtiveesseconhecimento.Sememataremagora,jamaissaberão.

MasnessepontoBórisnãoconseguiumaiscontersuasemoções.Deuumpassoàfrente,agitandoosbraçosnoar.

—Seuespiãodo inferno!—eleberrou.—Nãoteremosmisericórdiadevocê!Matem-no!Matem-no!

Ogrupoaplaudiuruidosamente.—Estáouvindo?—perguntouoalemão,deolhosfixosemTommy.—

Oquetemadizersobreisso?—O que eu tenho a dizer?— Tommy deu de ombros.— Bando de

imbecis. Eles que se façam algumas perguntinhas. Como foi que entreiaqui?Lembre-sedoquedisseobomevelhoConrad:entreicomaprópriasenha de vocês, não foi? Como é que descobri essa senha? Ora, você nãoachaquesubiaescadaporacasoefuidizendoaprimeirapalavraquemepassoupelacabeça,certo?

Tommy ficou contente com as palavras que encerraram sua fala.Lamentava apenas que Tuppence não estivesse presente para apreciar osabordeseudiscurso.

—Issoéverdade—dissederepenteooperário.—Camaradas,fomostraídos!

Houveumterrívelburburinho.Tommyabriuumsorrisode incentivoparaoshomens.

—Assim émelhor. Como vocês podem fazer direito seu trabalho senãousamacabeça?

—Vocêvaidizerqueméquenostraiu—declarouoalemão.—Masissonãovaisalvarsuapele,ah,não!Vocêvainoscontartudooquesabe.OBórisaquiconheceunsmétodosexcelentesparafazeraspessoasfalarem!

— Ora!— desdenhou Tommy, lutando para dominar uma sensaçãotremendamentedesagradávelnabocadoestômago.—Vocêsnãovãometorturaretambémnãovãomematar.

—Eporquenão?—quissaberBóris.

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—Porquematariamagalinhadosovosdeouro—respondeuTommy,tranquilo.

Houveummomentodesilêncio.Pareciaqueapersistenteserenidadede Tommy começava a triunfar. Os homens já não estavam tãoautoconfiantes. O homem maltrapilho encarava Tommy com olhospenetrantes.

— Ele está blefando, Bóris — disse o homem esfarrapado,placidamente.

Tommy sentiu ódio dele. Será que ele tinha percebido tudo e não sedeixouenganar?

Oalemãovoltou-secombrutalidadeparaTommy.—Oquevocêquerdizercomisso?— O que você acha que eu quero dizer? — esquivou-se Tommy,

enquanto,desesperado,escarafunchavaamenteàprocuradoquedizer.DerepenteBórisdeuumpassoàfrenteedesferiuummurronorosto

deTommy.—Fale,seuporcoinglês.Fale!—Nãoseexaltetanto,meubomamigo—disseTommy,calmamente.

—Essaé apior coisa emvocês, estrangeiros. São incapazesdemanter acalma. Agora eu pergunto: pareço estar preocupado com a mínimaprobabilidadedevocêsmematarem?

Esbanjando confiança, Tommy olhou ao redor, feliz pelo fato de queaqueles homens não podiam ouvir as insistentes batidas do seu coração,quedesmentiamsuaspalavras.

—Não—admitiuBórisporfim,zangado.—Nãoparece.“GraçasaDeuselenãoconseguelermeupensamento”,pensouTommy.

Emvozalta,continuouaproveitandosuavantagem:—Eporqueestoutãoconfiante? Porque sei de algo queme coloca em posição de propor umatroca.

—Umatroca?—ohomembarbudoolhou-ocomtodaatenção.—Sim—umatroca.Aminhavidaeminhaliberdadepor—Fezuma

pausa.—Oquê?Ogrupoavançou.Osilêncioeratãograndequeseriapossívelouviro

somdaquedadeumalfinetenochão.

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Tommyfaloupausadamente.—OspapéisqueDanverstrouxedosEstadosUnidosnoLusitania.Essaspalavrastiveramomesmoefeitodeumadescargaelétrica.Todos

selevantaram.Comumgestodamãooalemãoobrigou-osarecuar.Comorostovermelhodeirritação,inclinou-sesobreTommy.

—Himmel!Vocêestáempoderdospapéis,então?Commajestosacalma,Tommybalançouacabeça.—Sabeondeelesestão?—insistiuoalemão.MaisumavezTommyabanouacabeça.—Nãotenhoamenorideia.— Então... então — furioso e perplexo, o alemão não encontrou

palavras.Tommyolhouaoseuredor.Viufúriaeespantoemtodososrostos,mas

asuacalmaeautoconfiançahaviamdadoresultado:ninguémduvidavadequeportrásdesuaspalavrashaviaalgoescondido.

— Não sei onde estão os papéis, mas creio que posso encontrá-los.Tenhoumateoria.

—Besteira!Tommyergueuamãoesilenciouosbradosdedesgosto.—Chamodeteoria,mastenhoplenaconvicçãodosmeusfatos—fatos

que ninguém além de mim conhece. Em todo caso, o que vocês têm aperder?Seeuentregaravocêsospapéis,emtrocavocêsdevolvemaminhavidaeaminhaliberdade.Tratofeito?

—Eserecusarmos?—perguntoucalmamenteoalemão.Tommyreclinou-senosofá.— O dia 29 — ele disse, pensativo — é daqui a menos de uma

quinzena.Porummomentooalemãohesitou.Depois,fezumsinalaConrad.—Leve-oparaaoutrasala.Durante cinco minutos Tommy ficou sentado na cama do imundo

quarto ao lado. Seu coração pulsava violentamente. Tinha arriscado tudonaquelajogada.Oqueelesdecidiriam?

Nesseínterim,mesmoenquantoessaperguntatorturantecorroíaseuíntimo, Tommy falou com Conrad em tom petulante, enfurecendo orabugentoporteiroapontodelevá-loaterataquesdeloucurahomicida.

Porfimaportaseabriueoalemão,emtomautoritário,ordenouque

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Conradvoltasse.—Sóesperoqueo juiznãotenhapostoobarretepreto—comentou

Tommy, frivolamente.—Tudobem,Conrad,podemelevar.Oprisioneiroestánotribunal,cavalheiros.

Oalemãoestavamaisumavezsentadoatrásdamesa.FezumsinalaTommyparasesentaràsuafrente.

— Nós aceitamos — ele disse asperamente —, mas com algumascondições. Primeiro você nos entrega os papéis, depois está livre para irembora.

—Idiota!—exclamouTommy,comcandura.—Comovocêpensaquepossoprocurá-lossememantémaquiamarradopelaperna?

—Oquevocêquer,então?—Precisodaminhaliberdadeparacuidardascoisasdomeujeito.Oalemãoriu.— Acha que somos criancinhas para permitir que você saia daqui

deixandoapenasumalindahistóriacheiadepromessas?—Não—disse Tommy, pensativo.—Ainda que infinitamentemais

simples para mim, não acreditei que vocês fossem concordar com esseplano. Pois bem, temos de assumir um compromisso. Que tal se vocêsencarregarem Conrad deme vigiar? Ele é um sujeito leal, e tem punhosbastanterápidos.

— Preferimos que você permaneça aqui — alegou o alemão, comfrieza. — Um dos nossos homens cumprirá meticulosamente as suasinstruções. Se as ações forem complicadas, ele voltará aqui e fará umrelatórioeaívocêpoderálhedarnovasinstruções.

—Vocêestámedeixandodemãosatadas—queixou-seTommy.—Éum assunto muito delicado, e o outro sujeito provavelmente vai acabarfazendobesteira,eaíoqueserádemim?Nãoacreditoquealgumdevocêstenhaumpingodediscernimento.

Oalemãobateunamesa.—Essassãoascondições.Casocontrário,amorte!Tommyreclinou-senacadeira,exaustoeaborrecido.—Gostodoseuestilo.Rude,masatraente.Queassimseja,então.Mas

umacoisaéessencial:façoquestãodeverajovem.—Quejovem?

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—JaneFinn,éclaro.O alemão fitou-o com curiosidade por alguns minutos; depois,

pausadamente, como se escolhesse cada palavra com o maior cuidado,perguntou:

—Vocênãosabequeelanãotemcondiçõesdelhedizercoisaalguma?OsbatimentoscardíacosdeTommyaceleraram.Seráqueconseguiria

ficarfrenteafrentecomamoçaqueestavaprocurando?—Não vou pedir a ela queme diga coisa alguma— alegouTommy,

serenamente.—Querodizer,nãocomtodasasletras.—Entãoparaquequervê-la?Tommynãorespondeudeimediato,masporfimdisse:—Paraobservarorostodelaquandoeulhefizerumapergunta.Mais uma vez o alemão encarou-o com um olhar que Tommy não

compreendeudireito.—Elanãopoderáresponderàsuapergunta.— Isso não importa. Terei visto o rosto dela quando fizer minha

pergunta.— E acha que isso vai dizer a você alguma coisa? — Soltou uma

risadinhadesagradável.Maisdoquenunca,Tommysentiuquehaviaalgumfator que ele não compreendia. O alemão fitava-o com um olharperscrutador.— Eume pergunto se, no fim das contas, você sabe tantoquantoagenteimagina!—declarou,comvozsuave.

Tommysentiuqueasuaascendênciajánãotinhaamesmafirmezademomentosantes.Seudomíniodasituaçãotinhaafrouxadoumpouco.Masestava intrigado. Teria dito algo de errado? Deixou-se falar livremente esemmedo,seguindooimpulsodomomento.

— Talvez haja coisas de que vocês sabem e eu não. Nunca pretendiestarapardetodososdetalhesdoseunegócio.Domesmomodo,tambémtenho algumas cartas namanga que vocês ignoram. É isso que pretendousarameufavor.Danverseraumhomemdanadodeesperto.—Calou-se,comosehouvessefaladodemais.

Masorostodoalemãotinhaseiluminadoumpouco.— Danvers — ele murmurou. — Sei. Ficou em silêncio por alguns

instantes,depoisfezumsinalacionandoConrad.—Leve-o.Láparacima—vocêsabe.

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—Espereumpouco—protestouTommy.—Equantoàmoça?—Issotalvezsepossaarranjar.—Éfundamental.—Vamosver.Somenteumapessoapodedecidirisso.—Quem?—perguntouTommy.Massabiaaresposta.—Mr.Brown...—Podereivê-lo?—Talvez.—Vamos!—ordenouConrad,comaspereza.Tommy levantou-se, obediente. Assim que saíram da sala, seu

carcereiro fez sinal ordenando que ele subisse as escadas e seguiu-o deperto. No andar de cima Conrad abriu uma porta e Tommy entrou numpequenocômodo.Conradacendeuumbicodegásesaiu.Tommyouviuosomdachavesendogiradanafechadura.

Ojovemsepôsaexaminarseucárcere.Acelaeramenorqueasaladoandar de baixo, e em sua atmosfera havia algo singularmente abafadiço.Tommysedeucontadequenãoexistiamjanelas.Caminhoupelacela.Nasparedes, imundas como o resto da casa, viu pendurados quatro quadrostortos,representandocenasdoFausto.Margaridacomoestojodejoias,acenadaigreja,SiebelesuasfloreseFaustoeMefistófeles.Esteúltimofezcomquemr.BrownvoltasseàmentedeTommy.Naquelequartocerradoelacrado, com sua porta pesada e bloqueada, ele se sentiu apartado domundo,eopodersinistrodoarquicriminosopareceumaisreal.PormaisqueTommygritasse,ninguémoouviria.Aquelelugareraumtúmulo...

Comesforço,Tommyserecompôs.Afundou-senacamaeentregou-seàreflexão.Suacabeçadoíaterrivelmente;alémdisso,estavacomfome.Osilênciodolugareradesalentador.

— De qualquer maneira— disse Tommy de si para si, tentando sereanimar—verei o chefão, omisteriosomr.Brown, e comumpoucodesortenoblefe,vereitambémamisteriosaJaneFinn.Depoisdisso...

DepoisdissoTommyfoiobrigadoaadmitirqueasperspectivaseramsombrias.

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17annette

Osproblemasdofuturo,porém,logoempalideceramdiantedosproblemasdo presente, dos quais o mais imediato e urgente era a fome. Tommypossuíaumapetite sadio e vigoroso.Opratodebife combatatasqueelehavia comido no almoço agora parecia pertencer a outra década. Compesar,admitiuofatodequenãoseriabem-sucedidonumagrevedefome.

Zanzouaesmopelacela.Umaouduasvezesabriumãodadignidadeeesmurrouaporta.Masninguématendeuaosseuschamados.

— Vão para o inferno! — vociferou Tommy, indignado. — Não épossívelquequeirammematardefome—passouporsuamenteumnovotemor,dequeaqueletalvezfosseumdos“métodosexcelentes”defazerumprisioneiro falar atribuídos a Bóris. Mas, refletindo melhor, descartou aideia.

— Isso é coisa daquele brutamontes mal-encarado do Conrad —concluiu.—Estáaíumsujeitinhocomquemeuadorariaacertarascontasqualquerdiadesses.Issoéressentimentodapartedele.Tenhocerteza.

Meditações subsequentes produziram em Tommy a sensação de queseriaextremamenteagradávelacertarumapancadabemdadanacabeçadeovo de Conrad e arrebentá-la. O rapaz afagou com delicadeza a própriacabeçaesedeixoulevarpeloprazerdaimaginação.Porfim,teveumaideiabrilhante.Porquenãoconvertera imaginaçãoemrealidade?SemdúvidaConraderaomoradordacasa.Osoutros,comapossívelexceçãodoalemãobarbudo, apenas usavam o endereço como ponto de encontro e local dereunião. Portanto, por que não armar uma emboscada para Conrad?Tommy ficaria à espreita atrás da porta e, quando ele entrasse, bastava

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desferir-lhe um potente golpe na cabeça, usando a cadeira ou um dosquadros decrépitos. É claro que tomaria cuidado para não bater fortedemais. E depois, depois era simplesmente dar no pé! Se encontrassealguémnoandardebaixo,bem...—Tommyanimou-secomopensamentode um combate com os próprios punhos. Uma situação como essascombinavamuitomaiscomeledoqueocombateverbal travadodaquelatarde. Inebriado por seu plano, Tommy desenganchou delicadamente daparedeoquadrodoDiaboeFaustoecolocou-seemposição.Sentiagrandesesperanças.Oplanoparecia-lhesimplesmasexcelente.

Otempoiapassando,masConradnãoaparecia.Naquelaceladeprisãonãohaviadiferença entredia enoite,maso relógiodepulsodeTommy,dotadodecertograudeprecisão, informou-odequeeramnovedanoite.Acabrunhado, Tommy refletiu que se o jantar não chegasse depressa eleteriaqueesperarpelocafédamanhã.Àsdezhoras,perdeuasesperançaseseaboletounacamaparaprocurarconsolonosono.Cincominutosdepoisjáesqueceraosinimigos.

Acordoucomoruídodachavegirandonafechadura.Nãopertencendoà categoria de heróis famosos por despertar na plena posse das suasfaculdades, Tommy apenas mirou o teto e piscou enquanto tentavaadivinharvagamenteondeestava.Logoemseguidalembrou-seeconsultouorelógio.Eramoitohoras.

—Ouéochámatutinoouéocafédamanhã—deduziuorapaz—,erezoaDeusquesejaaúltimaopção!

A porta se escancarou. Tommy lembrou-se tarde demais de seuestratagema para se livrar do antipático e feioso Conrad. Um momentodepois ficou contente por seu esquecimento, pois não foi Conrad quementrou,masumamoça,carregandoumabandejaquepousousobreamesa.

Sobafracaluzdobicodegás,Tommyfitouajovemesesurpreendeu.Deimediatoconcluiuqueeraumadasmulheresmaisbelasqueelejávira.Seus cabelos abundantes eram de um castanho vistoso e brilhante, cominesperadosreflexosdeouro,comoseemsuasprofundezashouvesseraiosde sol aprisionados lutando para se libertar. Em seu rosto via-se algo deumarosasilvestre.Osolhos,bemseparados,eramcastanho-claros,deumcastanhodouradoquetambémlembravaraiosdesol.

Um pensamento delirante passou feito uma flecha pela mente de

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Tommy.—VocêéJaneFinn?—eleperguntou,ansioso.Ajovemabanouacabeça,espantada.—OnomemeuéAnnette,monsieur.Suavozerasuave,efalavaeminglêstrôpego,incorreto.— Oh!— exclamou Tommy, bastante perplexo.— Française?— ele

arriscou.—Oui,monsieur.Monsieurparlefrançais?—Nãomaisqueumaouduasfrases.Oqueéisto?Meucafédamanhã?Ajovemrespondeuquesimcomacabeça.Tommydesceudacamaefoi

inspecionaroconteúdodabandeja.Consistianumpãointeiro,umpoucodemargarinaeumbuledecafé.

—AvidaaquinãoécomonoRitz—elecomentou,comumsuspiro.—MasportodosestesalimentosquedeVossaBondadevoureceber,oSenhormetornaverdadeiramentegrato.Amém.

Puxouumacadeira,eamoçaseencaminhouparaaporta.—Espereummomento—gritouTommy.—Háumaporçãodecoisas

quequeroperguntaravocê,Annette.Oquevocêestáfazendonestacasa?NãomedigaqueésobrinhaoufilhadeConrad,ououtracoisasemelhante,porquenãodáparaacreditar.

—Eufazerserviço,monsieur.Nãoserparentedeninguém.—Sei.Vocêsabeoqueacabeideperguntaraindahápouco. Jáouviu

aquelenome?—OuvigentefalaremJaneFinn,euachar.—Vocêsabeondeelaestá?Annettebalançouacabeça.—Elanãoestánestacasa,porexemplo?—Oh,não,monsieur.Euterdeiragora,elesestãoesperandoeu.Esaiu,àspressas.Achavegirounafechadura.— Fico pensando com meus botões quem são “eles” — ruminou

Tommy,enquantocontinuava fazendo incursõessobreopão.—Comumpoucodesorte,talvezessagarotameajudeasairdaqui.Elanãopareceserdaquadrilha.

ÀumadatardeAnnettereapareceucomoutrabandeja,masdessavezveioacompanhadadeConrad.

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—Boatarde—cumprimentou-oTommy,comamaiorcortesia.—Vejoquevocênãousousabonete.

Conradresmungouemtomameaçador.—Não temnenhumarespostaespirituosa,meuamiguinho?Ora,ora,

nem sempre se pode ter talento e beleza aomesmo tempo.O que temospara o almoço? Ensopado? Como é que eu sei? Elementar, meu caroWatson:ocheirodascebolaséinconfundível.

— Vá falando — grunhiu Conrad. — Talvez você não tenha muitotempodevidapelafrenteparaconversasfiadas.

Essainsinuaçãonãofoinadaagradável,masTommyaignorou.Sentou-seàmesa.

—Retira-te, serviçal— disse o rapaz, com um gesto pomposo.—Aloquacidadenãoéoteumelhoratributo.

NessanoiteTommysentou-senacamaerefletiuprofundamente.SeráqueAnnettevoltariaacompanhadadeConrad?Eseamoçaviessesozinha,valiaapenacorrerorisconatentativadefazerdelaumaaliada?Concluiuque devia tentar de tudo, mover céus e terras. Sua situação era dedesespero.

Àsoitoempontooruídofamiliardachavefezcomqueelesepusessedepé.Amoçaentrousozinha.

—Fecheaporta—ordenou.—Precisofalarcomvocê.Elaobedeceu.—Escute,Annette,queroquevocêmeajudeasairdaqui.Elabalançouacabeça.—Impossível.Tertrêsdelesláembaixo.—Oh!—No fundoTommy ficougratopela informação.—Masvocê

meajudariasepudesse?—Não,monsieur.—Porquê?Ajovemhesitou.— Eu acho... eles ser minha gente. O senhor veio espiar eles. Eles ter

razãodeprendersenhoraqui.— Essas pessoas são más, Annette. Se você me ajudar, levo você

emboradaquielivrovocêdessebando.Eprovavelmentevocêreceberáumbomdinheiro.

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Masamoçalimitou-seasacudiracabeça.—Eunãomeatrever,monsieur.Termedodeles.Elavirouascostas.—Vocênadafariaparaajudaroutramoça?—berrouTommy.—Ela

tem mais ou menos a sua idade. Não quer salvá-la das garras desseshomens?

—SenhorestarfalandodeJaneFinn?—Sim.—Veioaquiprocurarela?Sim?Amoçaolhoudiretonosolhosdele,depoispassouamãonatesta.—JaneFinn.Sempreouviressenome.Estouacostumadacomele.Tommydeuumpassoàfrente,ansioso.—Vocêdevesaberalgumacoisaarespeitodela,não?Masajovemseafastouabruptamente.—Nãoseinada,sónome—caminhounadireçãodaporta.Derepente,

soltouumgrito.Tommyolhou.Annettetinhavistooquadroqueeledeixaraencostadoàparedenanoite anterior.Porummomentoelepercebeuumbrilhodeterrornosolhosdamoça.Inexplicavelmente,oolharaterrorizadodeulugaraumaexpressãodealívio.Aseguirelasaiuàspressasdoquarto.Tommy ficou sem entender. Será que a moça tinha imaginado que elepretendia atacá-la como quadro? Claro que não. Pensativo, penduroudenovooquadronaparede.

Mais três dias passaram numa enfadonha inação. Tommy sentia atensão que transparecia nos seus nervos. Não via ninguém a não serConrad e Annette, e agora a jovem entrava muda e saía calada. Quandofalava,erasomentepormonossílabos.Nosolhosdelaardiaumaespéciededesconfiança sombria. Tommy se deu conta de que se o seu solitárioconfinamentoseprolongassepormaistempo,acabariaenlouquecendo.PorintermédiodeConrad,soubequeoshomensestavamaguardandoordensde mr. Brown. Talvez, pensou Tommy, ele estivesse fora do país e aquadrilhaeraobrigadaaaguardaroseuretorno.

MasnanoitedoterceirodiaTommyfoiacordadodemaneiraviolenta.Poucoantesdassetehoras,ouviuorumordepassospesadosefirmes

nocorredor.Momentosdepoisaportaseabriudesupetão.Conradentrou,acompanhadodo“NúmeroCatorze”,sujeitodeaparênciadiabólica.Aover

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osdoishomens,Tommysentiuumapertonocoração.— Boa noite, chefe— saudou-o homem, com um olhar de esguelha

carregadodemaldade.—Trouxeascordas,camarada?O silencioso Conrad sacou um comprido pedaço de corda fina.

Instantes depois as mãos do “Número Catorze”, tremendamente hábeis,enrolaramacordaaoredordosbraçosepernasdorapaz,enquantoConradseguravaoprisioneiro.

—Masquediabos?—tentoufalarTommy.Mas o sorrisinho lento e mudo do silencioso Conrad sufocou as

palavrasnoslábiosdorapaz.Comprimorosadestreza, “NúmeroCatorze”continuousuatarefa.Um

minutodepois,Tommynãopassavadeumsimplesfardoindefeso.FoiavezdeConradfalar:

— Achou que tinha enganado a gente, foi? Com aquele papo-furadosobreoquevocêsabiaeoquenãosabia.Propondotratosetrocas!Tudoum blefe! Conversa mole! Você sabe menos que um gatinho! Mas agorachegousuahoradesofrer,seu...porcodeumafiga!

Tommyficouemsilêncio.Nãohaviaoquedizer.Eletinhafracassado.De uma maneira ou de outra o onipotente mr. Brown não se deixaraenganareperceberasuaspretensões.DesúbitoTommyteveumaideia.

—Quebelodiscurso,Conrad—disseorapaz,emtomdeaprovação.—Mas por que as cordas e correntes? Por que não deixar este bondosocavalheiroaquicortaraminhagargantasemmaisdelongas?

— Deixe de lenga-lenga! — disse inesperadamente o “NúmeroCatorze”. — Pensa que somos trouxas de matar você aqui pra depois apolíciavirxeretar?Dejeitonenhum.JáprovidenciamosumacarruagemprabuscarVossaAlteza amanhãdemanhã,mas enquanto isso não podemoscorrerriscos,certo?

— Nada — retrucou Tommy — poderia ser banal do que as suaspalavras,anãoserasuaprópriacara.

—Chega!—exigiuo“NúmeroCatorze”.— Com prazer— obedeceu Tommy.— Vocês estão cometendo um

tristeengano,masquemvaisairperdendosãovocês.—Vocênãovaienganaragentedenovodessejeito—disseo“Número

Catorze”.—FalacomoseaindaestivessenodeslumbranteRitz,não?

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Tommynão respondeu. Estava concentrado tentando imaginar comomr. Brown descobrira a sua identidade. Concluiu que Tuppence, numataque de ansiedade, tinha ido procurar a polícia; assim que seudesaparecimentose tornoupúblico,aquadrilhanãodemorouasomarosfatosededuziraverdade.

Osdoishomenssaíram,batendoaporta comestrondo.Tommy ficouentregue às suas meditações. Aqueles homens não estavam parabrincadeiras.O rapaz já sentia cãibras e rigideznosbraços enaspernas.Estava totalmente desamparado e impotente, não via nem sombra deesperança.

Cercademeiahorahaviasepassadoquandoeleouviuachavegirandosuavemente, e a porta se abriu. EraAnnette.O coraçãodeTommybateumais rápido. Ele tinha se esquecido da moça. Seria possível que elaestivessealiparaajudá-lo?

Derepente,ouviuavozdeConrad:—Saiadaí,Annette.Estanoiteelenãoprecisadejantar.—Oui,oui,jesaisbien.Masterdelevaraoutrabandeja.Necessitarestes

objetos.—Bem,entãoandedepressa—resmungouConrad.Sem olhar para Tommy a jovem foi até a mesa e pegou a bandeja.

Ergueuumamãoeapagoualuz.—Maldição!—Conradchegouàporta.—Porquevocêfezisso?—Apagarsemprealuz.Osenhorquedeuordem.Querqueeuacendede

novo,monsieurConrad?—Não,saialogodaí.—Lebeaupetitmonsieur—berrouAnnette, que estacou ao ladoda

cama, na escuridão. — Senhor amarrou bem ele, hein? Parecer frangoembrulhado!—Orapazachoudesagradávelotomsinceramentegalhofeiroda moça, mas no mesmo instante, para seu espanto, sentiu a mão deAnnette deslizar de leve ao longo das cordas que o prendiam e, por fim,comprimircontraapalmadamãodelealgumacoisapequenaefria.

—Venha,Annette.—Maismevoilà.Aportasefechou.TommyouviuConraddizer:—Tranqueemedêachave.

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Osomdospassosdesapareceuaolonge.Tommyestavapetrificadodeassombro.OobjetoqueAnnettetinhaenfiadonamãodeleeraumpequenocanivete, com a lâmina aberta. Pelo modo com que ela tinhacuidadosamente evitado fitá-lo, além de suamanobra com a luz, Tommychegouàconclusãodequeoquartoestavasendovigiado.Emalgumlugarda parede devia haver um buraco, usado como orifício de observação.Recordando as maneiras sempre tão reservadas da moca, Tommycompreendeu que provavelmente estivera sob vigilância durante todo otempo. Será que ele havia dito alguma coisa que o denunciara? Bastanteimprovável.TinhareveladoodesejodefugireaintençãodeencontrarJaneFinn, mas nada que pudesse dar alguma pista da sua identidade. Naverdade, a pergunta que fizera a Annette provava que ele não conheciapessoalmente Jane Finn, mas Tommy jamais simulara o contrário. Aquestãoagoraera:Annetterealmentesabiademaisalgumacoisa?Assuasnegativasdeantestinhamaintençãodeenganarquemestivesseàescuta?SobreessepontoTommynãoconseguiuchegaraconclusãoalguma.

Mashaviaumaquestãomaisurgente,queexpulsavaparalongetodasasdemais:amarradocomoestava,Tommyseriacapazdecortarascordasqueoprendiam?Comcuidado,tentoufriccionaralâminaaberta,paracimaeparabaixo,nacordaqueprendiaseuspulsos.Amanobraeradesajeitadae ele soltou um abafado “Ai!” de dor quando a navalha cortou sua pele.Porém,demaneira lentaeobstinada,Tommycontinuouomovimentodevaivém,cordacimaecordaabaixo.Alâminafezummedonhorasgoemsuapele,masporfimelesentiuacordaafrouxar.Comasmãos livres,orestofoifácil.Cincominutosdepoiselesepôsdepé,comalgumadificuldadeporcausa das cãibras nas pernas. Sua primeira providência foi atar o pulsoensanguentado. Depois sentou-se na beira da cama para pensar. Conradtinha levado a chave da porta, portanto nem adiantava contar com novaajudadeAnnette.Aúnicasaídadoquartoeraaporta,consequentementeeleseriaobrigadoaesperaratéqueosdoishomensvoltassemparabuscá-lo. Mas quando voltassem... Tommy sorriu! Movendo-se com infinitacautela na escuridão do quarto, encontrou e tirou do prego o famosoquadro. Sentiu um prazer econômico de que seu plano não seriadesperdiçado. Por enquantonãohavia o que fazer a não ser esperar. Eleesperou.

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Anoitepassouvagarosamente.Tommyenfrentouumaeternidadedehoras,masporfimouviupassos.Ficoudepé,respiroufundoeseguroucomfirmezaoquadro.

A porta se abriu, derramando quarto adentro uma tênue claridade.Conrad avançou direto para o bico de gás a fim de acendê-lo. Tommylamentou profundamente que ele tivesse sido o primeiro a entrar. Teriasido mais prazeroso acertar as contas com Conrad. O “Número Catorze”veiologoatrás.Assimqueelecruzouasoleiradaporta,Tommysentou-lheoquadronacabeça, com forçadescomunal.O “NúmeroCatorze”desabouem meio a um estupendo estrépito de estilhaços de vidro. Num átimoTommydeslizoupara foradoquartoe fechouaporta.A chaveestavanafechadura.Eleagirouearetirounoinstanteemque,peloladodedentro,Conradsearremessoucontraaporta,comumasaraivadadepalavrões.

PorummomentoTommyhesitou.Ouviuumabarulheiranoandardebaixo.Depoisavozdoalemãochegouescadaacima:

—GottimHimmel!Conrad,queéisso?Tommysentiuumamãopequenaempurrarasua.Aoseu ladoestava

Annette.Elaapontouparaumacambaleanteescadinha,queaparentementelevavaaosótão.

—Depressa! Subiraqui!—arrastou-oescadaacima. Instantesdepoischegavamaumempoeiradosótãoatulhadodemóveisvelhosecacarecos.Tommyolhouaoredor.

—Nãoserve.Éumaarmadilhaperfeita.Nãohásaída.—Psiu!Espere—amoçalevouodedoaoslábios.Rastejouatéotopo

daescadinhaeapurouosouvidos.Aspancadasebatidasnaportaeramaterrorizantes.Oalemãoemais

alguémestavamtentandoarrombaraporta.Numavozsussurrada,Annetteexplicou:

—Vãoacharquesenhoraindaestarládentro.ElesnãopodeouviroqueConradestardizendo.Portasermuitogrossa.

—Acheiqueerapossívelouviroquesepassanointeriordoquarto.—Terumorifícionoquartoao lado.Senhor foi inteligente.Masagora

elesnãopensarnisso.Estaransiosospraentrar.—Sim,mas...—Deixar comigo—Annette curvou-se.Parao espantodeTommy, a

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moça amarrou cuidadosamente a ponta de um comprido pedaço debarbante à asadeumaenorme jarra rachada.Ao terminar, virou-separaTommy.

—Senhorterchavedaporta?—Sim.—Dêpramim.Eleobedeceu.— Vou descer. Senhor acha que consegue vir comigo até meio dos

degrausedepoispularatrásdaescada,pranãoveremsenhor?Tommyfezquesimcomacabeça.—Terumarmáriograndenasombradopatamar.Senhorficaportrás

dele.Segurarnamãoapontadestebarbante.Quandoeudeixaroshomenssair...senhorpuxe!

AntesqueTommytivessechancedeperguntarmaisalgumacoisa,elavoourapidamenteescadaabaixoefoipararnomeiodogrupo,aosberrosde:

—MonDieu!MonDieu!Qu’est-cequ’ily-a?Oalemãovoltou-separaelacomumapraga.—Nãosemeta.Váproseuquarto!Comamaiorcautela,Tommyjogouocorpoparatrásdaescadinhado

sótão. Enquantooshomensnão resolvessemdarmeia-volta, tudo estariabem.Agachou-seatrásdoarmário.Oshomensaindaestavamentreeleeaescadadotérreo.

—Ah!—Annettefingiutropeçaremalgumacoisa.Abaixou-se.—MonDieu,voilàlaclef!

Oalemãoarrancouachavedasmãosdela.Abriuaporta.Conradsaiuaostropeções,berrandopalavrões.

—Cadêodesgraçado?Pegaram?—Não vimos ninguém— alegou o alemão, categórico.— Seu rosto

empalideceu.—Doquevocêestáfalando?Conradsoltououtrapraga.—Elefugiu.—Impossível.Teriapassadopornós.Nessemomento,comumsorrisodeêxtase,Tommypuxouobarbante.

Nosótãoouviu-seumestrondodelouçadebarroseespatifando.Numabrir

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e fechar de olhos os homens se acotovelaram na raquítica escadinha edesapareceramnaescuridãoládecima.

Rápido feito um raio, Tommy saltou de seu esconderijo e se lançouescada abaixo, arrastando Annette consigo. Não havia ninguém novestíbulo.Elefuçouosferrolhoseacorrente,queporfimcederameaportaseescancarou.QuandoTommysevirou,Annettetinhadesaparecido.

Orapazficouestarrecido.Seráqueelasubiradenovoasescadas?Queloucura havia levado Annette a fazer aquilo? Tommy teve um acesso defúria e impaciência, mas ficou parado nomesmo lugar. Não iria emborasemela.

Ederepenteouviuumgrito,umaexclamaçãodoalemãoedepoisavozdeAnnette,emaltoebomsom:

—Mafoi,elefugiu!Etãorápido!Quempoderimaginar?Tommy continuou plantado nomesmo lugar. Teria sido uma ordem

paraeleirembora?Imaginouquesim.Depois,numberroaindamaisalto,aspalavrasflutuaramatéele:— Esta casa ser terrível. Quero voltar para Marguerite. Para

Marguerite.ParaMarguerite!Tommy subiu correndo a escada. Será que ela queria que ele fosse

emboraeadeixasseparatrás?Masporquê?Tommytinhadetentaratodocusto levá-la junto. Depois disso, sentiu seu coração desfalecer: ao vê-lo,Conradcomeçouadesceraescadaaossaltos,comumgritoselvagem.Atrásdelevinhamosoutros.

Tommy deteve o ímpeto de Conrad com um murro em cheio. Seupunhogolpeouapontadoqueixodohomem,quedesaboufeitoumsacodebatatas.O segundobandido tropeçounocorpodeConradedesmoronou.Notopodaescadariacintilouumclarãoeumabalapassouderaspãopelaorelha de Tommy. Ele se deu conta de que seria muito bom para a suasaúde dar o fora daquela casa o mais rápido possível. Com relação aAnnette,nadapodiafazer.EletinhaacertadoascontascomConrad,oqueodeixousatisfeito.Seusocotinhasidodosbons.

Correuaospulosatéaporta,fechando-acomforçaatrásdesi.Apraçaestava deserta. Em frente da casa viu uma carroça de padeiro.Evidentementeelaserviriaparalevá-loparaforadeLondres,eseucadáverseria encontrado a muitos quilômetros de distância da casa em Soho. O

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cocheiro saltou e tentou barrar o caminho de Tommy. Mais uma vez opunhodorapazentrouemação,eococheirocaiuesparramadonacalçada.

Tommysaiucorrendo— jánãoera sem tempo.Aportada frentedacasaseabriueorapaztornou-seoalvodeumarajadadebalas.Felizmente,nenhumaoacertou.Eledobrouaesquina.

“Bem,masumacoisaécerta”,Tommypensoudesiparasi, “elesnãopodemcontinuaratirando.Se fizeremissoapolíciaviráatrásdeles.Achoquenãovãoseatrever”.

Tommyouviuospassosdosperseguidoresnoseuencalçoeacelerouamarcha.Assimqueconseguissesairdaquelesbecoseruelas,estariaasalvo.Emalgumlugarhaveriaumpolicial—nãoqueelequisesseinvocaraajudada polícia, se pudesse passar sem ela. Recorrer à polícia significava darexplicações e constrangimento geral. Segundos depois, teve motivo parabendizersuasorte.Tropeçounumcorpodeitadonacalçada:ohomemseergueu sobressaltado e, berrando de susto, precipitou-se em desabaladafuga rua abaixo. Tommy esgueirou-se para um vão de porta. Umminutodepoisteveoprazerdeverdoisdeseusperseguidores,umdelesoalemão,empenhadosemseguirapistafalsadopobrehomem!

Tommy sentou-se calmamente no degrau da porta e deixou que sepassassem alguns minutos enquanto recuperava o fôlego. Depois,tranquilo, saiu caminhandonadireçãooposta.Olhoude relancepara seurelógio. Cinco e pouco da manhã. A claridade do novo dia avançavarapidamente.Naprimeiraesquina,passouporumpolicial,queoolhoucomexpressãodesconfiada. Tommy sentiu-seum tanto ofendido. Em seguida,levouamãoaorostoeriu.Fazia trêsdiasquenãotomavabanhonemsebarbeava!Deviaestarcomumaaparênciaformidável.

Sem demora, dirigiu-se a um banho turco das imediações,estabelecimento que, ele sabia, ficava aberto a noite inteira. Saiu de lárenovado, jáemplenaluzdodia,comasensaçãodequevoltaraaserelemesmo:umhomemcapazdeelaborargrandesplanos.

Antesdemaisnada,Tommyprecisavadeumarefeiçãocompleta.Nãocomianadadesdeomeio-diadavéspera.Entrounumalojaa.b.c.[11]epediuovos, bacon e café. Enquanto comia, leuum jornalmatutino aberto à suafrente. De repente, empertigou-se. Deu de cara com um longo artigo arespeitodeKramenin,descritocomoo“homemportrásdobolchevismo”

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naRússia,equetinhaacabadodechegaraLondres—algunsjulgavamquena condição de enviado extraoficial. O autor do artigo fazia um breveresumodacarreiradeKramenineafirmavacategoricamentequeele,enãoostestasdeferro,foraoresponsávelpelaRevoluçãoRussa.

Nocentrodapáginaestavaestampadooretratodohomem.—Então este é o “NúmeroUm”—disseTommy emvoz alta, com a

bocacheiadenacosdeovosebacon.—Dissonãorestadúvida.Devoseguiremfrente.

Pagou a conta do café da manhã e encaminhou-se para Whitehall.Anunciouseunomeeacrescentouquese tratavadeumassuntourgente.Poucosminutosdepoisseviunapresençadohomemquealinãoatendiapelonomede“mr.Carter”,equeorecebeucomatestafranzida.

—Escuteumacoisa,osenhornãotemodireitodeviraquiperguntarpormimdessamaneira.Penseiqueessaressalvatinhaficadobemclara.

—Eficou,senhor.Masjulgueiimportantenãoperdertempo.Edamaneiramaisbreveesucintadequeeracapaz,Tommydetalhou

osacontecimentosdosúltimosdias.Nomeiodorelato,mr.Carterointerrompeuparadaralgumasordens

enigmáticas por telefone. A essa altura todos os vestígios dedescontentamentotinhamsumidodeseurosto.QuandoTommychegouaofim,mr.Carterbalançoufreneticamenteacabeça.

—Muito bem. Cadaminuto é precioso.Meumedo é que cheguemostardedemais.Porcertoelesnãoperderãotempo.Fugirãoimediatamente.Aindaassim,talvezdeixemparatrásalgoquesirvadepista.Osenhorestáme dizendo que reconheceu Kramenin como o “Número Um”? Isso éimportante. Precisamos urgentemente de alguma coisa contra ele paraevitarqueogovenosejaderrubado.Equantoaosoutros?Doisrostoseramfamiliares?AchaqueumdeleséhomemdosTrabalhistas?Examineestasfotografiasevejaseconsegueidentificá-lo.

Um minuto depois Tommy ergueu uma das fotos. Mr. Carterdemonstroucertasurpresa.

—Ah,Westway!Eujamaispensaria.Fazposedemoderado.Quantoaooutro sujeito, creio que posso adivinhar quem é. — Entregou outrafotografiaaTommyesorriuaoveraexclamaçãodorapaz.—Estoucerto,então. Quem é ele? Irlandês. Eminente parlamentar sindicalista. Tudo

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fachada,éclaro.Jásuspeitávamos,masnãotínhamosprovas.Sim,osenhorfezumbelotrabalho,meujovem!Osenhormedizqueadataédia29.Issonosdábempoucotempo—muitopoucotempo,defato.

—Mas—Tommyhesitou.Mr.Carterleuseuspensamentos.— Com a ameaça de greve geral nós podemos lidar, creio eu. É um

imprevisível jogo de cara e coroa, 50% a favor, 50% contra, mas temospossibilidade de êxito! Porém, se a minuta do tratado vier à tona, aíestaremos liquidados. A Inglaterra mergulhará na anarquia. Ah, o que éaquilo? O carro? Venha, Beresford, vamos dar uma olhada nessa sua talcasa.

Dois policiais estavam de guarda em frente à casa em Soho. Uminspetorforneceuinformaçõesamr.Carteremvozbaixa.OoutrofaloucomTommy.

—Ossujeitosfugiram,comojáesperávamos.Émelhorrevistarmosolugar.

Enquanto percorria a casa deserta, Tommy se sentia dentro de umsonho. Tudo estava exatamente como ele havia deixado. O quarto-prisãocom os quadros tortos na parede, a jarra quebrada no sótão, a sala dereuniões com amesa comprida.Mas em lugar algum foram encontradosvestígiosdepapéis.Todotipodedocumentohaviasidodestruídooulevadoembora.EnemsinaldeAnnette.

—Oqueosenhormecontousobrea jovemé intrigante—dissemr.Carter.—Acreditaqueelavoltoudeliberadamente?

—Foioquepareceu,senhor.Subiucorrendoasescadas,enquantoeutentavaabriraporta.

—Hum,entãoeladevefazerpartedobando;mas,sendomulher,nãogostariadesercúmplicedoassassinatodeumrapazbem-apessoado.Maséevidentequeelaestádoladodeles,ounãoteriavoltado.

—Abemdaverdadenãoacreditoqueelasejaumadeles,senhor.Elamepareceutãodiferente.

—Bonita,suponho?—perguntoumr.Cartercomumsorrisoque fezTommycoraratéàraizdoscabelos.

Envergonhado,admitiuabelezadeAnnette.—Apropósito—comentoumr.Carter—,osenhor jádeunotíciasa

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missTuppence?Elatemmebombardeadocomcartasaoseurespeito.—Tuppence?Eureceavamesmoelaficariaumpoucodesnorteada.Ela

foiàpolícia?Mr.Carterfezquenãocomacabeça.—Masentãocomoéqueelesmeidentificaram?Mr.Carterfitou-ointerrogativamenteeTommyexplicouoocorrido.O

homemmeneouacabeça,pensativo.—Realmente,éumpontobastantecurioso.Anãoserqueamençãoao

Ritztenhasidoumcomentárioacidental.—Podeserquesim,senhor.Masdealgumamaneiradevemter feito

algumadescobertarepentinaameurespeito.— Bom — disse mr. Carter, olhando ao redor —, nosso trabalho

terminouaqui.Oquemedizdealmoçarcomigo?— Fico imensamente agradecido, senhor.Mas acho que émelhor eu

voltareencontrarTuppence.—Éclaro.Envieaelameuscumprimentosedigaquedapróximavez

nãoacreditetãorápidoqueosenhormorreu.Tommysorriu.—Édifícilmematar,senhor.— Estou vendo— disse mr. Carter, secamente.— Bem, adeus. Não

esqueçaqueagoraosenhoréumhomemmarcado,etomecuidado.—Obrigado,senhor.Tommy acenou para um táxi e entrou com agilidade no carro. A

caminho do Ritz, saboreou a agradável antecipação de surpreenderTuppence.

“O que será que ela está fazendo? Seguindo o rasto de ‘Rita’,provavelmente.Aliás,suponhoqueéaessamulherqueAnnettesereferiucomo ‘Marguerite’. Na hora isso não me ocorreu.” O pensamentoentristeceuTommyumpouco,poispareciaprovarquemrs.Vandemeyereamoçatinhamrelaçõesestreitas.

OtáxichegouaoRitz.Tommyirrompeuosportaissagrados,masseuentusiasmosofreuumabalo.FoiinformadodequemissCowleysaírafaziaumquartodehora.

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18otelegrama

Desnorteadoporummomento,Tommyrumouparaorestauranteepediuuma refeição principesca. Seu encarceramento de quatro dias ensinara-omaisumavezadarvaloràboacomida.

Quando levava à boca uma generosa porção de sole à la Jeannette,parouogarfonomeiodocaminhoaobaterosolhosemJulius,queentravanosalão.Tommysacudiunoarocardápio,eseuanimadogestoconseguiuatrairaatençãodonorte-americano.QuandoavistouTommy,osolhosdeJulius deram a impressão de que saltariam das órbitas. Com passadaslargas,atravessouosalãoesacudiueapertouamãodeTommycomforça,deumamaneiraqueBeresfordjulgoudesnecessariamentevigorosa.

—Macacosmemordam!—exclamou.—Évocêmesmo?—Claroquesoueu.Porquenãoseria?—Porquenão?Homem,vocênãosabequefoidadocomomorto?Acho

que daqui a alguns dias mandaríamos rezar uma missa fúnebre em suahomenagem.

—Quemachouqueeuestavamorto?—Tommyquissaber.—Tuppence.— Creio que ela se lembrou daquele provérbio: “Os bons morrem

cedo”. Deve haver certa dose de pecado original em mim para eu tersobrevivido.OndeestáTuppence,apropósito?

—Nãoestáaqui?—Não.Naportariamedisseramqueelatinhaacabadodesair.—Foifazercompras,acho.Euatrouxedecarrohácercadeumahora.

Masmedigaumacoisa:vocênãopodepôrdeladoessasuacalmabritânica

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eirdiretoaoassunto?Oquediabosvocêandoufazendoessetempotodo?—Sevocêvaicomeraqui,émelhorfazerseupedidoagora—sugeriu

Tommy.—Éumalongahistória.JuliuspuxouumacadeiraesesentoudefrenteparaTommy,chamou

um garçom que estava por perto e pediu o que queria. Depois voltou-separaTommy.

—Desembuche.Achoquevocêsemeteunumasboasaventuras.— Uma ou duas— respondeu Tommy com modéstia, e iniciou sua

história.Juliusescutou tudo, tão fascinadoqueseesqueceude comer.Metade

dospratosestavaàsuafrente,intocada.Porfim,soltouumlongosuspiro.—Rapaz,quebeleza!Pareceumromancebarato.—Eagoraqueronotíciasdoqueaconteceuaqui,nofrontdoméstico—

disseTommy,estendendoamãoparapegarumpêssego.—B-o-m—disseJulius,pausadamente.—Nãovounegarquetambém

tivemosanossacotadeaventuras.E assumiu, por sua vez, o papel de narrador. Começando pela

malsucedidamissãodereconhecimentoemBournemouth,passouanarraro seu regresso a Londres, a compra do carro, as preocupações cada vezmais angustiadas de Tuppence, a visita a sir James e os sensacionaiseventosdanoiteanterior.

—Masquemmatouamulher?—perguntouTommy.—Nãoentendidireito.

—Omédico se iludiuaopensarqueela ingeriuo soníferopor contaprópria—respondeuJulius,secamente.

—EsirJames?Oqueeleacha?— Assim como ele é um luminar do direito, é também uma ostra

humana— respondeu Julius.— Deve ter uma “opinião reservada”.— Eprosseguiuseurelato,agoranarrandoosacontecimentosdamanhã.

— Ela perdeu a memória, é? — disse Tommy, interessado. — MeuDeus, isso explica por que eles me olharam de um jeito tão estranhoquandofaleieminterrogá-la.Quelapsodaminhaparte!Masnãoeraotipodecoisaqueumsujeitoteriacondiçãodesupor.

—ElesnãoderamnenhumtipodepistasobreoparadeirodeJane?Pesaroso,Tommybalançouacabeça.

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—Nemumapalavra.Souumpoucoestúpido, comovocêsabe.Deviaterdadoumjeitodearrancarmaisalgumacoisadeles.

—Achoquenofimdascontasvocêtemsortedeestaraqui.Aqueleseublefefoimuitobom.Ficobestadevercomona“horaH”vocêconsegueterumasideiastãoapropriadas,quevêmsempreacalhar!

—Euestavacomtantomedoque tivedepensaremalgumacoisa—alegouTommy,comsimplicidade.

Houveummomentodesilêncio,depoisTommyvoltouafalarnamortedemrs.Vandemeyer.

—Nãohádúvidadequeeracloral?— Creio que não. Pelo menos declararam como causa da morte

insuficiência cardíaca provocada por uma overdose de cloral. Tudo bem.Nãoqueremosser incomodadoscomum inquéritopolicial.MasachoqueTuppenceeeu,eatémesmooeruditosirJames,temosamesmaopinião.

—Mr.Brown?—arriscouTommy.—Éissoaí.Tommybalançouacabeça.—Mesmoassim—continuou,pensativo—,mr.Brownnãotemasas.

Nãoentendocomoelepodeterentradoesaído.— E o que me diz da hipótese de que foi alguma proeza de

transferênciadepensamento?Algumasofisticadainfluênciamagnéticaque,comumaforçairresistível,impeliumrs.Vandemeyerasesuicidar?

Tommyencarou-ocomarrespeitoso.— Boa teoria, Julius. Definitivamente boa. Em especial a fraseologia.

Masnãomeentusiasma.Euanseioporummr.Brownreal,decarneeosso.Sou da opinião de que detetives jovens e talentosos devem arregaçar asmangasetrabalharcomafinco,examinarentradasesaídasedartapasnacabeçaatédescobrirasoluçãodomistério.Vamosàcenadocrime.ComoeugostariadeencontrarTuppence.ORitz testemunhariaoespetáculodeumaalegrereunião.

Indagações na portaria revelaram que Tuppence ainda não tinhavoltado.

—Ainda assim achomelhor eu dar uma olhada lá em cima—disseJulius.—Talvezelaestejanaminhasaladeestar—edesapareceu.

Derepenteumgarotomirrado,umdosmensageirosdohotel,falouna

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alturadocotovelodeTommy:— A senhorita, acho que ela foi pegar o trem, senhor — ele disse,

timidamente.—Oquê?—Tommyvirou-separaomenino,queficoumaiscoradodo

queantes.— O táxi, senhor. Eu ouvi a senhorita dizer ao motorista: “Charing

Cross”e“depressa”.Com os olhos arregalados de surpresa, Tommy encarou o menino.

Encorajado,ogarotocontinuou:—Foioqueeupensei,porqueelamepediuumatabeladehoráriosde

trenseumguiaferroviário.Tommyointerrompeu:—Quandoelapediuatabelaeoguia?—Quandoeuleveiotelegrama,senhor.—Telegrama?—Sim,senhor.—Aquehorasfoiisso?—Meio-diaemeia,senhor.—Conte-meexatamenteoqueaconteceu.Orapazrespiroufundo.— Levei um telegrama ao quarto 891 — a senhorita estava lá. Ela

abriu, leu, ficou ofegante e depois disse, muito alegre: “Traga-me umatabeladehoráriosdos trenseumguia ferroviário.Edepressa,Henry”.OmeunomenãoéHenry,mas...

—Oseunomenãoimporta—cortouTommy,impaciente.—Continue.— Sim, senhor. Levei o que ela pediu e aí ela me mandou esperar

enquantoprocuravaalgumacoisa,eaídepoiselaolhouprorelógioedisse:“Depressa.Mandechamarumtáxi”,eaíelacomeçouaajeitarochapéunafrentedoespelhoedesceuemdois tempos, logoatrásdemim,eaíeuviquandoelasaiueentrounotáxieaíescuteiquandoeladeuoendereçoaotaxista.

O garoto parou de falar e encheu os pulmões. Tommy continuouolhando fixamenteparaele.Nessemomento, Juliusvoltou.Trazianamãoumacartaaberta.

— Uma novidade, Hersheimmer — Tommy voltou-se para o norte-

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americano.—Tuppencepartiuparafazerinvestigaçõesporcontaprópria.—Orabolas!— Pois é. Ela tomou um táxi para a estação de Charing Cross logo

depoisde ter recebidoumtelegrama.—OsolhosdelepousaramsobreacartanamãodeJulius.—Oh,eladeixouumbilheteparavocê.Muitobem.Paraondefoi?

Quase inconscientemente, estendeu a mão para a carta, mas Juliusdobrou a folha de papel e enfiou-a no bolso. Parecia um poucoconstrangido.

— Acho que a carta não tem nada a ver com isso. É sobre outroassunto,algoquepergunteiaelaequeelaficoudemedararesposta.

— Oh! — Tommy ficou intrigado e admirado, e aparentementeesperavamaioresesclarecimentos.

—Escute—disseJulius,desupetão.—Émelhorqueeucontetudoavocê.PedimissTuppenceemcasamentohojedemanhã.

— Oh — exclamou Tommy, maquinalmente. Sentiu-se confuso. Aspalavras de Julius eram totalmente inesperadas e, por um momento,entorpeceramseucérebro.

—Eugostariade lhedizer—continuou Julius—queantesde fazerminha proposta a miss Tuppence, deixei bem claro que não queria meintrometerdeformaalgumaentreelaevocê.

Tommyfoiarrancadodeseutorpor.—Estátudobem—eleseapressouemdizer.—Tuppenceeeusomos

amigoshámuitosanos.Nadamaisqueisso.—Acendeuumcigarrocomamão um pouco trêmula. — Está tudo bem. Tuppence sempre dizia queestavaàprocurade...

Calou-se abruptamente, o rosto afogueado, mas Julius se manteveimperturbável.

— Oh, creio que você queria falar da questão do dinheiro. MissTuppence mencionou sem rodeios essa questão. Com ela não há mal-entendidos.Eueelavamosnosentendermuitobem.

Por umminutoTommy fitou-o comumolhar curioso e abriu a bocaparafalar,masmudoudeideiaeficouemsilêncio.TuppenceeJulius!Bem,porquenão?Elanãotinhalamentadoofatodequenãoconheciahomensricos?Nãohaviadeclaradocomtodasasletrassuaintençãodedarogolpe

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dobaúseencontrasseaoportunidade?Oencontrocomojovemmilionárionorte-americanopropiciavaessaoportunidade—eerapoucoprovávelqueela não a aproveitasse. Tuppence era louca por dinheiro, segundo elaprópria faziaquestãodedeclarar.Porquerazãocensurá-la, jáqueestavaapenassemantendofielaosseusprincípios?

Entretanto, Tommy a censurava. Foi invadido por um ressentimentopassional e absolutamente ilógico. Tudo bem dizer coisas assim— masuma mulher de verdade jamais se casaria por dinheiro. Tuppence eraabsolutamentefria,insensíveleegoísta,eeleficariafelizdavidasenuncamaisavisse!Eomundoeraumaporcaria!

AvozdeJuliusinterrompeuessasreflexões.— Sim, nós vamos nos entender muito bem. Ouvi dizer que uma

mulher sempre diz “não” da primeira vez — essa recusa inicial é umaespéciedeconvenção.

Tommyagarrouobraçodele.—Recusa?Vocêdisserecusa?—Claro!Não contei? Ela soltou um “não”, e nem sequer apresentou

umarazãopara isso.O“eterno feminino”,dizemos“chucrutes”, foioqueouvidizer.Maselavaimudardeideia,comcertezavaisim,talvezeutenhaforçadoa...

Deixandodeladoodecoro,Tommyointerrompeu:—Oqueeladissenaquelebilhete?—indagou,ferozmente.OprestativoJuliuscedeueentregou-lheopapel.—Nãoháneleamenorpistadoparadeirodela—assegurou—,masse

vocênãoacreditaemmim,podelerporsimesmo.Nobilhete,escritocomafamosacaligrafiainfantildeTuppence,lia-se:

CaroJulius,

É sempremelhorpôr opretonobranco.Não sintoque sou capazdemedar ao trabalhodepensaremcasamentoenquantoTommynãoforencontrado.Deixemosissoparadepois.

Afetuosamente,Tuppence

Os olhos de Tommy se iluminaram e ele devolveu o papel. Seussentimentostinhamsidosubmetidosaumaviolentareação.Agorajulgava

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que Tuppence era absolutamente nobre e abnegada. Ela não haviarecusadoJuliussemhesitar?Sim,verdadequeobilheteexprimiasinaisdefraqueza, mas isso ele podia desculpar. Parecia quase um suborno paraestimularJuliusacontinuarempreendendoesforçosparaencontrá-lo,masTommy supunha que essa não tinha sido a intenção da moça. QueridaTuppence,nenhumagarotadomundochegavaaospésdela!Quandoavissede novo — seus pensamentos foram interrompidos com um súbitosolavanco.

—Comovocêdisse—comentouTommy,voltandoasi—,nãoháaquiamínimaindicaçãodoparadeirodela.Ei,Henry!

Obediente,omeninoatendeuaochamado.Tommytiroucincoxelinsdobolso.

— Mais uma coisa. Você se lembra do que a senhorita fez com otelegrama?

Henryofegouerespondeu:—Amassouatévirarumabolaejogounagradedalareiraesoltouuma

espéciedegritoassim“Viva!”,senhor.—Muitoexpressivo,Henry—disseTommy.—Aquiestãocincoxelins.

Vamos,Julius.Temosdeencontraraqueletelegrama.Às pressas, subiram as escadas. Tuppence tinha deixado a chave na

porta. O quarto estava como ela o deixara. Na lareira havia uma bolaamarrotadadepapel, alaranjadaebranca.Tommydesamassouealisouotelegrama.

Venhaimediatamente,MoatHouse,Ebury,Yorkshire,grandesnovidades—Tommy.

Osdoishomensentreolharam-se,estupefatos.Juliusfoioprimeiroafalar:—Nãofoivocêquemmandouisso?—Claroquenão.Oquesignificaestamensagem?— Coisa boa não é — declarou Julius com calma. — Pegaram

Tuppence.—Oquê?— Sim! Assinaram o seu nome e ela caiu como um patinho na

armadilha.—MeuDeus!Oquevamosfazer?—Vamosarregaçarasmangasesairatrásdela!Agora!Nãohátempoa

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perder. Foi uma sorte danada ela não ter levado o telegrama. Se tivessefeito isso, é provável que nunca mais conseguíssemos localizá-la. Masprecisamosagir!Ondeestáessataltabeladehoráriosdostrens?

A energia de Julius era contagiosa. Se estivesse sozinho, Tommyprovavelmente teria se sentado e perderia meia hora pensando erepensando em tudo antes de decidir seu plano de ação.Mas com JuliusHersheimmerporperto,acorreriaerainevitável.

Depois de resmungar algumas imprecações, ele entregou a tabela aTommy, que era mais versado nas escalas dos trens. Tommy preferiuexaminaroguiaferroviário.

—Aquiestá.Ebury,Yorkshire.PartidasdeKing’sCross.OuSt.Pancras(omeninodeveterseenganado.EraKing’sCross,nãoCharingCross).Elapegouo tremdas12:50;odas2:10 já foi; opróximoéodas3:20—eélentodemais.

—Esefôssemosdecarro?Tommybalançouacabeça.—Mande levaremo carropara lá, sequiser,mas émelhor irmosde

trem.Onegócioémanteracalma.Juliusresmungou.—Éverdade.Masfico furiosodepensarqueaquelamenina inocente

estáemperigo!Tommy inclinou a cabeça, absorto. Estava pensando. Um ou dois

momentosdepois,perguntou:— Julius, diga-me uma coisa: com que intenção eles raptaram

Tuppence?—Hã?Nãoentendi.—Oquequerodizeréquenãoachoqueelesestejamdispostosafazer

malaTuppence—explicouTommy,cujatestaestavaenrugadaporcausado extenuante esforço mental. — Ela é uma refém, só isso. Não estácorrendoriscoimediato,porquesetentarmosalgumaaçãocontraobando,Tuppence será muito útil para eles. Enquanto ela estiver em poder daquadrilha, nossas mãos continuarão atadas. A vantagem é toda deles.Compreendeu?

—Claro—respondeuJulius,pensativo.—Éissomesmo.— Além disso — Tommy fez um adendo —, tenho muita fé em

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Tuppence.A viagem foi cansativa e enfadonha, com muitas paradas e vagões

lotados.Tiveramdefazerduasbaldeações,umaemDoncastereoutranumpequenoentroncamento.Eburyeraumaestaçãodeserta,comumsolitáriocarregadordebagagens,aquemTommysedirigiu:

—PodemedizerqualéocaminhoparaMoatHouse?—MoatHouse?Épertinhodaqui.Ocasarãodefrenteparaomar,não

é?Tommy assentiu, descaradamente. Depois de escutar as meticulosas

masdesconcertantesinstruçõesdocarregador,prepararam-separadeixaraestação.Estavacomeçandoachover,eosdoishomenslevantaramagoladocasacoeavançaramcomdificuldadepelaestradinhalamacenta.

Derepente,Tommyestacou.— Espere ummomento.— Voltou correndo à estação para falar de

novocomocarregador.—Escuteumacoisa, você se lembradeuma jovemque chegoumais

cedo,notremquepartiudeLondresnohoráriode12:10?TalvezelatenhaperguntadoocaminhoparaMoatHouse.

DescreveuTuppencedamelhormaneiraquepôde,maso carregadorbalançouacabeça.Muitagentetinhachegadonotrememquestão.Elenãoera capaz de se lembrar de uma moça em particular. Mas tinha certezaabsolutadequeninguémperguntaraqualocaminhoparaMoatHouse.

TommyalcançouJuliuseexplicoutudo.Odesânimodesabousobreelecomo um peso de chumbo. Estava convencido de que a busca seriainfrutífera.Oinimigotinhatrêshorasdevantagem.Trêshoraseramtempomaisquesuficienteparamr.Brown,quenãoignorariaapossibilidadedeotelegramatersidoencontrado.

A estradinha parecia não ter fim. A certa altura pegaram um atalhoerrado,oqueresultounumdesviodorumodeoitocentosmetros.Passavadas sete horas quandoummenino informou a dupla de queMoatHouseficavadepoisdaprimeiracurva.

Um portão de ferro enferrujado rangia sinistramente nos gonzos! Atrilhaquelevavaatéacasaestavacobertaporumaespessaefofacamadadefolhas.Pairavanoambientealgoquegelouocoraçãodosdoishomens.Subiramaalamedadeserta.Asfolhasmortasabafavamoruídodospassos.

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Aluzdodiachegavaaofim.Eracomocaminharnummundodefantasmas.Acimade suas cabeçasos galhosdas árvoresbalançavame sussurravam,numanotamusicallamurienta.Vezououtraumafolhaúmidadeslizavaemsilêncioaosabordoventoepousavacomumtoquegeladosobreorostodosdoishomens,queseamedrontavam.

Depois de uma curva na alameda, avistaram a casa, que tambémparecia vazia e abandonada. As janelas estavam fechadas, os degraus daporta,cobertosdemusgo.Tuppenceteriamesmosidoatraídaparaaquelelugardesolado?Pareciadifícil acreditar que algum serhumanohouvessecolocadoospésalinosúltimosmeses.

Julius puxou a corda da enferrujada campainha. Soou um badalarestridenteedesafinado,queecooupelovaziodointeriordacasa.Ninguématendeu.Acionaramacampainha inúmerasvezes,masnemsinaldevida.Então contornaram a casa. Por toda a parte reinava o silêncio e viam-seapenasjanelasfechadas.Ajulgarporaquiloqueseusolhosviam,nãohaviavivalmanacasa.

—Nãohánadaaqui—disseJulius.Caminhando a passos lentos, refizeram o caminho de volta até o

portão.— Deve haver um vilarejo aqui perto — continuou o jovem norte-

americano.—Émelhorperguntarporlá.Osmoradoresvãosaberalgumacoisasobreacasaesealguémapareceuporaquinosúltimostempos.

—Sim,nãoémáideia.Avançarampelaestradaelogochegaramaumapequenavila,emcujas

cercaniasencontraramumoperáriomunidodesuasacoladeferramentas;Tommydeteveohomemparafazerumapergunta.

— Moat House? Está vazia. Ninguém mora lá faz muitos anos. Mrs.Sweeneytemachave,seossenhoresquiseremdarumaolhadanacasa.Éali,passandoocorreio.

Tommyagradeceu.Nãodemoraramaacharaagênciadocorreio,quetambémfaziaasvezesdeconfeitariaelojadeenfeites,ebateramàportadapequena casa ao lado. Quem atendeu foi uma senhora asseada, deaparênciasaudável.ElaprontamentebuscouachavedeMoatHouse.

—Masduvidoquesejaotipodelugaradequadoparaossenhores.Estánum lamentável estado de conservação. Vazamento no teto e tudomais.

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Seriaprecisogastarmuitodinheironareforma.— Obrigado— agradeceu Tommy, todo alegre.— Acho que vai ser

umadecepção,mashojeemdiaascasasandamescassas.—Issoéverdade—concordouamulher,entusiasmada.—Minhafilha

emeugenroestãoprocurandoumacasinhadecentejáfaznemseiquantotempo. É por causada guerra. Bagunçou tudo.Mas, semepermite dizer,senhor, está muito escuro para olhar a casa hoje. Os senhores nãoconseguirvermuitacoisa.Nãoémelhoresperaratéamanhã?

—Asenhoraestácerta.Emtodocaso,vamosdarsóumaolhadarápidaainda hoje. Era para termos chegado mais cedo, mas acabamos nosperdendonocaminho.Qualomelhorlugarparasepassaranoiteporessasbandas?

Mrs.Sweeneyficounadúvida.—Há a YorkshireArms,masnão é um lugar à altura de cavalheiros

distintoscomoossenhores.—Oh, vai servirmuito bem.Muito obrigado. Emais uma coisa: não

veiohojeaquiumajovempedindoachave?Asenhorabalançouacabeça.—Fazmuitotempoqueninguémvemolharacasa.—Muitoobrigado.Voltaram pelomesmo caminho aMoat House. Assim que a porta da

frente cedeu, rangendo nos gonzos e protestando com estrépito, Juliusriscouumfósforoeexaminoucuidadosamenteoassoalho.Depoisbalançouacabeça.

—Soucapazdejurarqueninguémpassouporaqui.Olhesóapoeira.Grossa.Nemsinaldepegadas.

Zanzarampelacasadeserta.Portodaparte,omesmocenário.Espessascamadasdepó,aparentementeintocadas.

—Issomedánosnervos—disseJulius.—NãoacreditoqueTuppencetenhaestadonestacasa.

—Eladeveterestado.Juliusbalançouacabeça,semresponder.—Amanhãfaremosumabuscacompleta—disseTommy.—Comaluz

dodiapodeserqueagenteconsigadescobriralgumacoisa.No dia seguinte vasculharamde novo a casa e, ainda que relutantes,

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foramobrigadosaconcluirqueninguémentravaalihaviaumbomtempo.E teriam inclusive ido embora do vilarejo não fosse por uma felizdescobertadeTommy.Quandojáseencaminhavamparaoportão,orapazsoltouumgritoinesperadoeseabaixouparapegaralgumacoisaemmeioàsfolhas;ergueuoachadoemostrou-oaJulius.Eraumpequeninobrochedeouro.

—IstoaquiédeTuppence!—Temcerteza?—Absoluta.Jáaviusandomuitasvezes.Juliusrespiroufundo.—Creioque isso liquidao assunto.Ela chegouaté aqui, dequalquer

modo. Vamos transformar aquela hospedaria no nosso quartel-general epintarodiaboaquiatéencontrá-la.AlguémdevetervistoTuppence.

Nomesmoinstanteacampanhadeguerrateveinício.TommyeJuliustrabalhavam separados e juntos, mas o resultado era sempre o mesmo.NenhumapessoacorrespondendoàdescriçãodeTuppencetinhasidovistanas vizinhanças. Os dois estavam aturdidos, mas não desanimaram. Porfim, mudaram de tática. Certamente Tuppence não tinha ficado muitotempo nas imediações de Moat House. Isso indicava que alguém asubjugara e levara de carro. Tommy e Julius empreenderam uma novarodadadeinvestigações.Seráqueninguémtinhavistoumcarroparadonasproximidades deMoatHouse naquele dia?Mais uma vez, não obtiveramresultado.

Juliustelegrafouparaacidadepedindoquemandassemseucarro;semesmorecer,aduplausouoveículoparaexplorarasredondezas,comtodocuidadodomundo.Depositaramgrandesesperançasnumalimusinecinzaque acabou sendo localizada na cidade de Harrogate, mas no final dascontasdescobriramquepertenciaaumarespeitávelvelhotasolteirona!

Dia após dia os dois empenhavam-se em novas pesquisas. Juliusparecia um cão na correia. Perseguia toda e qualquer pista, por maisinsignificante. Rastrearam todos os carros que haviam passado pelovilarejo no dia fatídico. Invadiam propriedades rurais e submetiam osdonos de automóveis a exaustivos interrogatórios. Depois sedesmanchavamempedidosdedesculpastãopormenorizadoseminuciososquanto seus métodos de investigação, e quase sempre conseguiam

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desarmara indignaçãode suasvítimas;porém,osdias forampassandoenadadepistassobreoparadeirodeTuppence.Osequestrotinhasidotãobemplanejadoqueajovempareciaterdesaparecidonoar.

EoutrapreocupaçãoassolavaamentedeTommy.—Sabeháquanto tempoestamosaqui?—eleperguntoucertodiaa

Julius enquanto tomavam o café da manhã. — Uma semana! E nãochegamosnempertodeencontrarTuppence,edomingoquevemédia29!

—Caramba!— exclamou Julius, pensativo.— Eu já tinha quasemeesquecidododia29.NãotenhopensadoemmaisnadaanãoserTuppence.

— Eu também. Pelo menos não esqueci o dia 29, mas isso nem secomparaemimportânciaaencontrarTuppence.Mashojeé23eo tempoestáacabando.Seéquevamosconseguirencontrá-la,temdeserantesdodia29; depois disso a vida dela vai estar por um fio. Eles vão se cansardessejogodemanterumarefém.Estoucomeçandoaacharquecometemosumerro.Perdemostempoenãofizemosavançoalgum.

— Concordo com você. Fomos um par de idiotas, quisemos dar umpassomaiorqueaspernas.Vouparardebancaroimbecil,eéjá!

—Comoassim?— Eu explico. Vou fazer o que já deveríamos ter feito uma semana

atrás.SeguireidiretoparaLondresecolocareiocasonasmãosdapolíciainglesa. A gente quis fazer papel de detetives. Detetives! Que belaestupidez!Paramimchega!QueroaScotlandYard!

— Você tem razão— disse Tommy pausadamente. — Meu Deus, agentedeviateridoàpolícialogonoinício.

— Antes tarde do que nunca. Estamos parecendo uma dupla decriancinhasbrincandodepega-pegaeesconde-esconde.Agoravoubateràporta da Scotland Yard e pedir que me peguem pela mão e me digamdireitinho o que fazer. Acho que o profissional é sempre melhor que oamador.Vocêvemcomigo?

Tommybalançouacabeça.—Dequeadianta?Umdenósésuficiente.Achomelhorficarporaquie

xeretar por mais algum tempo. Talvez aconteça alguma coisa. Nunca sesabe.

—Sim.—Tudobem.Então,atémais.Vounumpéevoltonooutro,trazendo

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comigo alguns inspetores da polícia. Vou pedir para selecionarem osmelhoresemaisexperientes.

Mas as coisas não saíram como Julius planejara.Mais tarde, naquelemesmodia,Tommyrecebeuumtelegrama:

Encontre-secomigonoMidlandHoteldeManchester.Notíciasimportantes—julius.

Às sete emeiadanoiteTommydesembarcoudeumvagaroso trem, cujalinhacortavaopaísdeumapontaàoutra.Juliusjáestavanaplataforma.

—Acheimesmoquesevocênãotivessesaídoelesseomeutelegramaassimqueorecebesse,virianestetrem.

Tommyagarrou-opelobraço.—Oqueaconteceu?EncontraramTuppence?Juliusbalançouacabeçadeumladoparaooutro.— Não. Mas encontrei isto aqui me esperando em Londres. Tinha

acabadodechegar.EntregouotelegramaaTommy,queleuearregalouosolhos:

JaneFinnencontrada.VenhaimediatamenteaoMidlandHotelemManchester—peeledgerton.

Juliuspegoudenovootelegramaedobrou-o.—Estranho—disseonorte-americano,absorto.—Acheiqueaquele

advogadotinhaabandonadoocaso!

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19janefinn

—Omeutremchegouhámeiahora—explicouJuliusenquantosaíamdaestação.—Acheiquevocêvirianestemesmo,eantesdepartirdeLondrestelegrafeia sir Jamesavisando-o.Ele já reservouquartosparanós,evirájantarconoscoàsoito.

—Oquefezvocêpensarqueeletinhaperdidoointeressepelocaso?—perguntouTommy,comcuriosidade.

—Oqueelemesmodisse—respondeuJuliussecamente.—Ovelhoéfechadocomoumaostra!Comotodososmalditosadvogados,elenãoiasecomprometerenquantonãotivessecertezadequedariacontadorecado.

— Estou aqui pensando com meus botões— disse Tommy, com armeditativo.

Juliusvirou-separaele.—Pensandoemquê?—Seessefoiverdadeiromotivodele.—Claroquesim.Podeapostarsuavida.Tommybalançouacabeça,semseconvencer.Sir James chegoupontualmente às oitohoras e Julius apresentou-o a

Tommy.SirJamesapertoucomentusiasmoamãodorapaz.— Muito prazer em conhecê-lo pessoalmente, mr. Beresford. Miss

Tuppencefaloutantasvezesaseurespeito—sorriuinvoluntariamente—quetenhoaimpressãodequejáoconheçobem.

— Obrigado, senhor — respondeu Tommy, com o seu sorrisinhosimpático.Comolharperscrutador,examinouoadvogadodealtoabaixo.Como Tuppence, sentiu o magnetismo da personalidade do homem.

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Lembrou-se de mr. Carter. Embora fossem totalmente diferentes naaparênciafísica,amboscausavamnointerlocutoramesmaimpressão.Portrásdosemblantecansadodeumesobadiscriçãoprofissionaldooutro,omesmotipodeintelecto,afiadocomoumaespada.

Porsuavez,TommypercebeuquetambémeraalvodoescrutíniodesirJames,queoobservavaatentamentecomumolharpenetrante.Quandooadvogado baixou os olhos, o rapaz teve a impressão de que seu íntimohaviasidolidocomoumlivroabertodaprimeiraàúltimapágina.Tommypodia apenas imaginar qual tinha sido o juízo formulado pelo advogado,maseraínfimaachancedequeviesseadescobrir.SirJamesabsorviatudo,mas soltava apenas o que queria. Segundos depois ocorreu uma provadisso.

Imediatamente após os primeiros cumprimentos, Julius desatou adispararumaenxurradadeperguntasansiosas.ComosirJamesconseguiraencontrar a jovem desaparecida? Por que não avisou que continuavatrabalhandonocaso?Eassimpordiante.

SirJamesalisavaoqueixoesorria.Porfim,disse:— Certamente! Certamente! Bem, a jovem foi encontrada. E isso é o

principal,nãoé?Então!Diga,nãoéomaisimportante?—Claro.Mascomoosenhordescobriuapistacerta?MissTuppencee

eupensamosqueosenhortinhaabandonadodevezocaso.— Ah! — O advogado fuzilou com os olhos o norte-americano e

retomouosafagosnoqueixo.—Osenhorpensouisso,foi?Pensoumesmo?Hum,puxa!

— Mas acho que posso concluir que estávamos enganados —prosseguiuJulius.

—Bem,nãoseiseeuiriatãolongeapontodeafirmarissocomtodasasletras.Mascertamenteéumatremendasorteparatodososinteressadosquetenhamosconseguidoencontrarajovem.

—Masondeestáela?—quissaberJulius,desviandoparaoutrorumoseus pensamentos. — Pensei que o senhor faria questão de trazê-laconsigo.

— Isso dificilmente seria possível — justificou sir James, com osemblantecarregado.

—Porquê?

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— Porque a jovem se envolveu num acidente de trânsito: foiatropeladaeteveferimentoslevesnacabeça.Foilevadaaumaenfermaria,equandorecobrouaconsciênciadissequesechamavaJaneFinn.Quando—ah!—tiveconhecimentodessanotícia,tomeiprovidênciasparaqueelafosse transferida para a clínica de um médico, um amigo meu, eimediatamenteenvieiotelegramaaosenhor.Elateveumarecaídaevoltouaficarinconsciente;desdeentão,nãofaloumais.

—Osferimentossãograves?— Oh, apenas um hematoma e um ou dois arranhões; a bem da

verdade, do ponto de vista médico é absurdo que ferimentos tão levestenhamproduzidoessessintomas.Omaisprováveléqueoestadodelasejaatribuídoaochoquementalconsequentedarecuperaçãodamemória.

—Amemóriadelavoltou?—perguntouJulius,comumberroeufórico.SirJamesbateunamesa,comevidenteimpaciência.— Sem dúvida, mr. Hersheimmer, já que soube dizer o nome

verdadeiro.Julgueiqueosenhortinhaprestadoatençãoaesseponto.—E,porum feliz acaso, o senhorestavano local certo—comentou

Tommy.—Pareceumcontodefadas.MassirJameseraprecavidodemaisparamorderaiscadainsinuação.—Coincidênciassãocoisascuriosas—rebateu,secamente.Contudo,agoraTommytinhacertezadoqueantesapenassuspeitara.A

presença de sir James em Manchester não era acidental. Longe de terabandonado o caso, conforme Julius supusera, o velho saiu por contaprópriaaoencalçodajovemdesaparecidaefoibem-sucedidonamissãodelocalizá-la.AúnicacoisaqueintrigavaTommyeraomotivodetantosigilo.Concluiu que era um defeito dos homens que possuem uma “mentejurídica”.

Juliuscontinuavafalando.—Depoisdo jantar—anunciou—, sairei imediatamentedaquipara

verJane.—Issoseráimpossível,creioeu—dissesir James.—Émuitopouco

provávelqueela tenhapermissãode recebervisitasaestahoradanoite.Sugiroqueosenhorváamanhã,porvoltadedezdamanhã.

Juliuscorou.HaviaemsirJamesalgumacoisaquesempreoinstigavaaoantagonismo.Eraumconflitodeduaspersonalidadesumtantoativase

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prepotentes.—Mesmoassim,achoqueavisitareiestanoite,evereiseconsigodar

umjeitinhodeconvencê-losamepoupardessesregulamentosimbecis.—Serátotalmenteinútil,mr.Hersheimmer.Essas palavras saíram da boca do advogado como um estampido de

revólver; Tommy ergueu os olhos, sobressaltado. Julius estava nervoso eagitado.Amãocomquelevouocopoaoslábiostremiaumpouco,masosseus olhos enfrentaram os de sir James numa expressão desconfiada, dedesafio. Por um momento a hostilidade entre os dois homens pareciafadadaaexplodireseconverteremchamas,masporfimJuliusbaixouosolhos,derrotado.

—Porora,achoqueosenhoréquemanda.—Obrigado—respondeusirJames.—Estamoscombinadosentão,às

dez da manhã?— Com a mais perfeita naturalidade de gestos, o juristavoltou-separaTommy.—Devoconfessar,mr.Beresford,queparamimfoiumasurpresavê-loaquiestanoite.Aúltimavezqueouvifalarnosenhor,osseusamigosestavampordemaisangustiadosporsuacausa.Haviadiasque não recebiam notícias suas, e miss Tuppence parecia inclinada aacreditarqueosenhorestavametidoemsériasdificuldades.

—E estavamesmo!—Tommy sorriu ao se lembrar dos eventos dopassado recente. — Nunca na minha vida me vi numa enrascada tãogrande.

Com a ajuda das perguntas de sir James, o rapaz fez um relatoabreviado das suas aventuras. Quando chegou ao fim da narrativa, oadvogadofitou-ocomrenovadointeresse.

— O senhor se livrou muito bem do aperto — disse o jurista,extremamente sério. — Meus parabéns. Demonstrou uma boa dose deinteligênciaedesempenhoumuitobemoseupapel.

Com o elogio, Tommy enrubesceu e seu rosto adquiriu um matizavermelhadosemelhanteàcordocamarão.

—Eujamaisteriaescapadosenãofossepelajovem,senhor.—Não.—SirJamesesboçouumsorriso.—Foisortesuaqueelatenha

acabado—hã—simpatizandocomasuapessoa.—Tommyquisprotestar,mas sir James continuou. — Não resta dúvida de que ela faz parte daquadrilha,estoucerto?

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—Creioquenão,senhor.Penseiquetalvezobandoamantivesseláàforça,mas o comportamento dela não está de acordo com essa hipótese.Comoosenhorjásabe,elavoltouparajuntodelesquandoteveachancedeescapar!

SirJamesmeneouacabeça,pensativo.— O que ela disse? Alguma coisa sobre querer voltar para junto de

Marguerite?—Sim.Creioqueelasereferiaamrs.Vandemeyer.— Que sempre assinava “Rita Vandemeyer”. Todos os amigos a

chamavam de Rita. Mas suponho que talvez a jovem tivesse o hábito dechamá-la pelo nome inteiro. E nomomento emque ela exigia ser levadapara junto de Marguerite, mrs. Vandemeyer estava morta ou à beira damorte!Curioso!Háumoudoispontosqueparamimaindasãoobscuros,por exemplo, a repentina mudança de atitude da moça com relação aosenhor.Apropósito,apolíciarevistouacasa,não?

—Sim,senhor,masobandojátinhafugido.—Éclaro—dissesirJames,curtoegrosso.—Enãodeixarampistaalguma.—Nãomeadmiro.—Oadvogadotamborilouamesa,distraídocomos

própriospensamentos.Algo no tom da sua voz fez Tommy encará-lo. Seria possível que os

olhos daquele homem tinham visto um vislumbre de luz quando os deleestiveramcegos?Demaneirairrefletida,declarou:

—Eugostariaqueosenhortivesseestadolápararevistaracasa!—Eutambémgostaria—respondeusirJamesserenamente.Ficouem

silêncioporummomento.Depoisergueuosolhos.—Edesdeentão?Oqueosenhortemfeito?

Tommy fitou-o por um momento. Então se deu conta de queobviamenteoadvogadoaindanãosabia.

—Eume esqueci que o senhor não sabe a respeito de Tuppence—argumentouorapaz,pausadamente.Maisumavezfoitomadopelamesmadolorosa ansiedade, por algum tempo esquecida na euforia de saber queJaneFinnforaporfimencontrada.

Comummovimentobrusco,oadvogadolargouafacaeogarfo.—AconteceualgumacoisacommissTuppence?—Asuavozeracomo

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umgumeafiado.—Eladesapareceu—disseJulius.—Quando?—Háumasemana.—Como?SirJamesdisparouumabateladadeperguntas.Nointervaloentreuma

e outra, Tommy e Julius narraram a história da última semana e as suasinvestigaçõesinúteis.

SirJamesfoiimediatamenteaocernedaquestão.—Umtelegramaassinadocomoseunome?Paralançaremmãodesse

ardilelestinhamdesabermuitacoisaarespeitodasuarelaçãocommissTuppence.Nãoestavamtãocertosdequantoosenhordescobriranaquelacasa.OsequestrodemissTuppenceéocontragolpeàsuafuga.Meujovem,se necessário eles calarão a sua boca usando a ameaça do que podeaconteceramissTuppence.

Tommyassentiu.—Éexatamenteoqueeupenso,senhor.SirJamesfitou-ocomolharpenetrante.—Osenhorjátinhachegadoa

essamesmaconclusão,não?Nadamal,nadamal,mesmo.Ocuriosoéquequandoofizeramprisioneiroelesporcertonadasabiamaseurespeito.Osenhor tem realmente certeza de que não acabou, de alguma maneira,revelandoasuaidentidade?

Tommybalançouacabeça.— Isso mesmo— concordou Julius, assentindo.— Portanto, sou da

opiniãodequealguémabriuobicoeavisouaquadrilha—enãoantesdedomingoàtarde.

—Sim,masquem?—Otaldetodo-poderosoeoniscientemr.Brown,éclaro!Na voz do norte-americano havia uma leve nota de zombaria, o que

levousirJamesaerguerosolhosrispidamente.—Osenhornãoacreditaemmr.Brown,mr.Hersheimmer?—Não,senhor,nãoacredito—retrucouJuliusenfaticamente.—Não

comoossenhoresimaginam,querodizer.Ameuvereleéumtestadeferro,uma lenda, apenas um nome de fantasma para assustar crianças. Overdadeiro cabeça desse negócio é aquele sujeito russo, Kramenin. Acho

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que,seelequiser,ébemcapazdecomandarrevoluçõesemtrêspaísesaomesmotempo!OtalWhittingtontalvezsejaochefãodasucursalinglesa.

—Discordo do senhor— rebateu sir James, lacônico.— Mr. Brownexiste.—Voltou-separaTommy.—Poracasoosenhorobservoudeondeotelegramafoipassado?

—Não,senhor.Infelizmentenão.—Hum.Eleestácomosenhor?—Estáláemcima,naminhamala.— Eu gostaria de dar uma olhada no telegrama. Não há pressa. Os

senhores já desperdiçaram uma semana— Tommy baixou a cabeça—,entãoumdiaamaisnãofazdiferença.PrimeirotrataremosdaquestãodemissJaneFinn.DepoistentaremosresgatarmissTuppencedocativeiro.Ameu ver ela não corre perigo imediato. Isto é, pelomenos enquanto elesignorarem que estamos com Jane Finn e que ela recuperou a memória.Precisamosmanter essa informação em sigilo a todo custo. Os senhorescompreendem?

Osoutrosdoisconcordaram;depoisdeacertarosdetalhesdoencontrododiaseguinte,oformidáveladvogadosedespediu.

Àsdezhorasempontoosdoisrapazesestavamnolugarmarcado.SirJamesencontrou-osnosdegrausdaportadeentrada.Ojuristaeraoúnicoquepareciaestarcalmo.Apresentou-osaomédico.

— Mr. Hersheimmer, mr. Beresford, dr. Roylance. Como está apaciente?

—Passandobem.Evidentementeelanão temnoçãodapassagemdotempo.HojedemanhãperguntouquantospassageirosdoLusitania foramsalvos. E se a notícia já tinha saído nos jornais. Isso era de se esperar, éclaro.Contudo,elaparecepreocupadacomalgumacoisa.

—Achoquepodemosaliviaraansiedadedela.Temospermissãoparasubir?

—Claro.OcoraçãodeTommycomeçouapulsarperceptivelmentemaisrápido

enquantoopequenogruposeguiaomédicoescadaacima.JaneFinn,afinal!Atãoprocurada,amisteriosa,aesquiva JaneFinn!Atéentão,encontrá-lapareciaumafaçanhaabsurdamenteimprovável!Ealinaquelaclínica,comsuamemóriarecuperadaquasequepormilagre,estavaamoçaque tinha

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nas mãos o futuro da Inglaterra. Tommy não conseguiu evitar que umaespéciedesemigemidoirrompessedeseus lábios.SeaomenosTuppencepudesse estar ao seu lado para compartilhar o triunfante desfecho doempreendimento de aventuras que a dupla havia idealizado! Depois,decidido, deixou de lado a lembrança de Tuppence. Sua confiança em sirJamestinhaaumentado.Aliestavaumhomemquecomtodacertezanãosecansaria de escarafunchar até descobrir o paradeiro de Tuppence. Nessemeio-tempo, JaneFinn!Mas, de repente, uma sensaçãodepavor oprimiuseucoração.Pareciafácildemais...Eseaencontrassemmorta... fulminadapelamãodemr.Brown?

Umminutodepoiseleestavarindodessasfantasiasmelodramáticas.Omédico abriu e segurou a porta de um dos quartos e eles entraram. Nacamabranca,comacabeçaenvoltaemataduras,estavaajovem.Emcertosentidoacena todaparecia irreal.Tudocorrespondiacomtantaexatidãoaoqueeradeseesperarqueoefeito resultantedavaa impressãodeserumabelaencenação.

Com olhos bem abertos de admiração, a moça fitou um por um. SirJamesfoioprimeiroafalar.

—MissFinn,esteéseuprimo,mr.JuliusP.Hersheimmer.UmligeiroruborpasseoupelorostodajovemquandoJuliusavançoue

segurousuamão.—Comoestá,primaJane?—eleperguntou,emtomalegre.MasTommydetectouumtremornavozdonorte-americano.—VocêémesmoofilhodotioHiram?—perguntouajovem,surpresa.Avozdela,comalgodacalorosasimpatiadosotaquedoOeste,possuía

umaqualidadequaseemocionante.Tommy tevea sensaçãodequea vozeravagamentefamiliar,masjulgouimpossíveledescartouaimpressão.

—Comcerteza.— Costumávamos ler sobre tio Hiram nos jornais — continuou a

jovem, com sua voz suave.—Mas nunca pensei que um dia conheceriavocê.AmamãediziaqueotioHiramnuncaaperdoaria,nuncadeixariadesentirrancordela.

—Ovelhoeraassim—admitiuJulius.—Masachoqueageraçãonovaé um tanto diferente. Rixas de família não servem de nada. Assim que aguerraterminou,aprimeiracoisaemquepenseifoivirparacáeprocurar

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você.Umasombrapassoupelorostodamoça.— Eles me contaram coisas, coisas pavorosas, que eu perdi minha

memória, que nunca vou conseguir me lembrar de certos anos — anosperdidosdaminhavida.

—Evocênãosedeucontadisso?Amoçaarregalouosolhos.—Não.Paramimpareceque foi ontemquenos empurraramdentro

daquelesbotessalva-vidas.Aindaagorapossovertudo!—Fechouosolhos,numestremecimentodemedo.

JuliusolhouparasirJames,quemeneouacabeça.—Nãoprecisasepreocupar.Nãovaleapena.Agoraescute,missJane.

Há uma coisa que desejamos saber. A bordo daquele navio havia umhomemportandopapéismuitoimportantes,epessoasinfluentesdestepaísforam informadas de que esses papéis foram entregues à senhorita. Éverdade?

Ajovemhesitou,olhandoderelanceparaosdoisoutroshomens.Juliuscompreendeu.

—Mr.Beresfordfoicontratadopelogovernobritânicopararecuperaraquelesdocumentos.SirJamesPeelEdgertonémembrodoParlamentoe,sequisesse,poderia seruma figuradedestaquedogoverno.Foigraçasaele que finalmente conseguimos encontrar você. Por isso, pode ficartranquila, e conte-nos toda a história. Danvers entregou os papéis àsenhorita?

—Sim.Eledissequecomigoosdocumentosteriammelhoreschances,porquenonavioasmulhereseascriançasseriamsalvasprimeiro.

—Exatamentecomopensamos—dissesirJames.—Eledissequeerammuito importantes, quepoderiam fazer todaa

diferençaparaosAliados.Mas,seissojáfoihátantotempo,eseaguerrajáterminou,dequeissoimportaagora?

—Creioqueahistóriaserepete,Jane.Primeirohouveumestardalhaçoporcausadessespapéis,depoisacoisaesfriou,agoraoalvoroçorecomeçoude novo — por motivos muito diferentes. A senhorita pode então nosentregarimediatamenteosdocumentos?

—Masnãoposso.

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—Oquê?—Nãoestãocomigo.— Não — estão — com — a — senhorita? — Julius pontuou as

palavrascompequenaspausas.—Não.Euosescondi.—Escondeu?—Sim.Fiqueiapreensiva.Pareciaqueeuestavasendovigiada.Fiquei

commedo,muitomedo.—Levouamãoàcabeça.—Équaseaúltimacoisadequemelembroantesdeacordarnohospital...

—Continue—pediusir James,comasuavozcalmaepenetrante.—Dequeasenhoritaselembra?

Elavirou-separaele,obedientemente.—EuestavaemHolyhead.Tomeiaquelecaminho,nãomelembropor

quê...—Issonãoimporta.Continue.—Naconfusãodocaiseumeesgueireiesaíde fininho.Ninguémme

viu.Pegueiumtáxi.Pediaomotoristaquemelevasseparaforadacidade.Quando chegamos à estrada, fiquei atenta.Nenhumoutro automóvel nosseguia.Viumatrilhaao ladodaestrada.Pediaotaxistaqueparasseemeesperasse.

Fezumapausa,depoiscontinuou.—Atrilha levavaaumpenhascoede lá desembocava nomar, emmeio a umaporção de tojos amarelos—arbustosquepareciamchamasdouradas.Olheiaoredor.Nãohaviavivalmaàvista.Napedra,bemnaalturadaminhacabeça,noteiumburaco.Erabempequeno — mal consegui enfiar a minha mão, mas vi que era bastantefundo. Desatei do pescoço o pacotinho de oleado e empurrei-o buracoadentro,omaislongequeeupude.Depoisarranqueiunspedaçosdetojos—minha nossa, como eram pontiagudos! e com eles tapei o buraco, demodoqueninguémconseguiriaperceberquehaviauma fendaali.Depoisobservei atentamente o lugar e gravei-o na mente, para assim poderencontrá-lo de novo. Naquele exato ponto da trilha havia uma pedraarredondadaeesquisita—muitoparecidacomumcachorrodepésobreduaspatas,emposiçãodeexpectativa.Volteiparaaestrada.Ocarroestavameesperandoevoltamosparaacidade.Entreinotrem.Sentiumpoucodevergonha por achar que talvez estivesse imaginando coisas, mas logo

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depoisrepareiqueohomemsentadoàminhafrentepiscavaparaamulherao meu lado, e mais uma vez fiquei apavorada, mas contente por terdeixado os papéis a salvo. Saí ao corredor para tomar um pouco de ar.Penseiemmudardevagão,masamulhermechamouemeavisouqueeutinha deixado cair alguma coisa no chão, e quandome abaixei para ver,alguémmeacertouumapancada,aqui.—Colocouamãonapartedetrásdacabeça.—Nãomelembrodemaisnada,atéqueacordeinohospital.

Silêncio.—Muito obrigado,miss Finn— foi sir James quem falou.—Espero

quenãotenhamosfeitoasenhoritasecansar.—Oh,não,tudobem.Aminhacabeçaestádoendoumpouco,masde

restosinto-mebem.Juliusdeuumpassoàfrenteemaisumavezsegurouamãodamoça.— Até breve, prima Jane. Estarei ocupado procurando esses papéis,

masvoltareiemdoistemposeprometolevarvocêcomigoparaLondres,egaranto que você se vai se divertir como nunca na vida; depois vamosvoltardevezparaosEstadosUnidos.Estoufalandosério.Porissotratedeficarboabemdepressa.

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20tardedemais

Na rua, os três homens realizaram um conselho de guerra informal. SirJamestirouorelógiodobolso.

—OtrematéosbarcosdeHolyheadparaemChesteràs12h14.Seossenhores se puserem a caminho imediatamente, conseguirão pegar abaldeação.

Tommyencarou-o,intrigado.—Paraquetantapressa,senhor?Hojeaindaédia24.—Soudaopiniãoqueé sempreumaboa coisaacordarbemcedo—

intrometeu-seJulius,antesqueoadvogadotivessetempoderesponder.—Vamoscorrendoparaaestação.

UmpequenovincosurgiunatestadesirJames.—Euadorariaacompanhá-los.Mastenhoumareuniãoàsduashoras.

Infelizmente.Eramaisqueevidenteotomderelutânciadasuavoz.Poroutrolado,

Juliuspareceubastanteinclinadoasuportarcomamaiortranquilidadedomundoaausênciadoadvogado.

— Acho que essa história não tem complicação alguma — elecomentou.—Éapenasumabrincadeiradeesconde-esconde,nadamais.

—Esperoquesim—dissesirJames.—Claroqueé.Oquemaispoderiaser?—Osenhoraindaéjovem,mr.Hersheimmer.Quandochegaràminha

idade, talvez já tenha aprendido uma lição: “Nunca subestime seuadversário”.

OtomsolenedasuavozimpressionouTommy,masnãoteveomenor

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efeitosobreJulius.—Osenhorpensaquemr.Brownécapazdeaparecer?Seelederas

caras,estouprontinhoparaele!—Deuumapalmadanobolso.—Euandocomumaarma.Omeu“PequenoWillie”[12]aquimeacompanhaaondequerqueeuvá.—Sacoudobolsoumaautomáticadeaparênciamortíferaedeunela tapinhasafetuososantesdeguardá-ladenovo.—Masnestaviagemnãoprecisareiusá-la.Nãohácomoalguémavisarmr.Brown.

Oadvogadoencolheuosombros.— Ninguém poderia ter informado mr. Brown do fato de que mrs.

Vandemeyertinhaaintençãodetraí-lo.Contudo,mrs.Vandemeyermorreusemfalar.

Pela primeira vez, Julius se calou; com voz mais branda, sir Jamesacrescentou:

— Estou apenas querendo prevenir os senhores. Adeus e boa sorte.Depois que estiverem de posse dos papéis, não corram riscosdesnecessários. Se tiverem algummotivo para acreditar que estão sendoseguidos, destruam imediatamente os documentos. Boa sorte. Agora oresultadodojogodependedossenhores.—Apertouamãodosrapazes.

Dez minutos depois os dois jovens estavam sentados no vagão daprimeiraclasse,enrouteparaChester.

Durante um longo temponenhumdeles falou.Quandopor fim Juliusinterrompeuosilêncio,fezumcomentáriototalmenteinesperado.

—Diga-meumacoisa,vocênuncafezpapeldeidiotaporcausadeumrostodemulher?—perguntou,absorto.

Apósummomentodeespanto,Tommyvasculhouamente.—Achoquenão—respondeuporfim.—Nãoquemeeumelembre.

Porquê?— Porque nos últimos dois meses venho bancando o pateta

sentimentalporcausade Jane!Noprimeiro instanteemquepusosolhosnoretratodela,omeucoraçãoaprontoutodasasestripuliasqueselênosromances.Tenhoumpoucodevergonhadeconfessaristo,masvimparacádeterminadoaencontrá-la,consertarascoisaselevá-ladevoltacomomrs.JuliusP.Hersheimmer!

—Oh!—exclamouTommy,pasmado.Juliusdescruzoubruscamenteaspernasecontinuou:

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— Isso mostra como um homem pode fazer papel de bobo! Bastoubotarmeusolhosnelaempessoa,efiqueicurado!

Cadavezmaissempalavras,Tommysoltououtro“Oh!”.— Não que eu esteja desfazendo de Jane, veja bem— continuou o

norte-americano.—Elaéumagarotamuitobacanaenãofaltarãohomensqueseapaixonemporela.

—Acheiqueelaémuitobonita—disseTommy,readquirindoafala.—Claroqueé.Masnemumpoucoparecidacomafoto,nemdelonge.

Querdizer,achoqueemcertosentidoelaéumpoucoparecida—deveser—,porqueareconhecilogodecara.Seeuavissenomeiodeumamultidãoeudiria,“Conheçoorostodaquelagarota”,namesmahoraesemqualquerhesitação. Mas havia alguma coisa naquele retrato — Julius balançou acabeça e soltou um suspiro. — Acho que casos de amor são uma coisamuitoesquisita!

—Devemser—rebateuTommycom frieza—, sevocêvempara cáapaixonadoporumagarotaequinzediasdepoispedeoutraemcasamento.

Juliusteveadignidadedesemostrardesconcertado.—Vejabem,tiveaenfadonhasensaçãodequenuncaencontrariaJane

—edequalquermodoaquilofoipuratolicedaminhaparte.E,depois—bem, os franceses, por exemplo, sãomuitomais sensatos namaneira deencararascoisas.Paraeles,casosdeamorecasamentosãodiferentes.

Tommycorou.—Raiosmepartam!Querdizerentão...Juliusseapressoueminterrompê-lo.—Calma,não tireconclusõesprecipitadas.Eunãoquerodizeroque

vocêpensaqueeuquerodizer.Achoinclusivequeosnorte-americanossãomaismoralistasquevocês.Oqueeuquisdizeréqueosfrancesesencaramocasamentocomoumnegócio,umatransaçãocomercial—duaspessoasadequadasumaparaaoutraseencontram,acertamaquestãofinanceiraeresolvemtudoemtermospráticos,comespíritomercantil.

—Naminhaopinião—disseTommy—,hojeemdiatodosnóssomosmercantisatédemais.Estamossempreperguntando, “Quanto issovaimerender?”. Os homens já são terríveis nesse quesito, e as mulheres aindapiores!

—Esfrieacabeça,rapaz.Nãoseexalte.

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—Eumesintoexaltado—rebateuTommy.Juliusfitouointerlocutorejulgoumelhornãodizermaisnada.Entretanto,Tommytevetempodesobraparaseacalmaratéchegarem

a Holyhead, e o alegre sorriso já tinha voltado ao seu rosto quandodesembarcaramemseudestino.

Depoisdepedireminformaçõeseconsultaremummaparodoviário,osdois rapazes já tinham uma boa ideia do caminho a seguir; sem maisdemora,pegaramumtáxierumaramparaaestradaquelevavaaTreaddurBay. Instruíramotaxistaa irbemdevagareobservaramminuciosamentetoda a área, a fim de que a trilha mencionada por Jane não passassedespercebida.Nãomuitotempodepoisdeteremsaídodacidade,chegaramao local que correspondia à descrição. Tommy imediatamente pediu aomotoristaqueparasseo carro e, num tom informal, perguntou se aquelavereda levava ao mar. O taxista respondeu que sim, e Tommy pagou acorridacomumagenerosagorjeta.

Momentos depois o táxi deu meia-volta e retornou vagarosamenteparaHolyhead.TommyeJuliusesperaramatéqueocarrosumissedevistaedepoisseencaminharamparaaestreitatrilha.

—Seráqueestaéacerta?—perguntouTommycomardedúvida.—Simplesmentedevehavermilharesdestasporaqui.

—Claroqueé.Olheotojo.Lembra-sedoqueJanedisse?Tommyfitouasdensassebescobertasdefloresamarelo-douradoque

margeavamatrilhadeumladoedeoutro,eseconvenceu.Desceramum atrás do outro, Julius à frente. Por duas vezes Tommy

olhouporcimadosombros,inquieto.Juliussevirou.—Oquehá?—Nãosei.Poralgummotivo, fiqueicommedo.Fico imaginandoque

háalguémseguindoagente.—Impossível—disseJulius,categórico.—Teríamosvisto.Tommytevedeadmitirqueissoeraverdade.Contudo,suasensaçãode

desassossegofoificandocadavezmaior.Mesmoacontragosto,acreditavanaonisciênciadoinimigo.

— Eu bem que queria que o tal sujeito aparecesse — disse Julius,batendonobolso.—Omeu“PequenoWilliam”aquiestádoidoparafazerumpoucodeexercício!

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— Você sempre leva — seu canhão — a toda parte? — perguntouTommy,cominflamadacuriosidade.

—Quasesempre.Achoqueagentenuncasabeoquepodeacontecer.Tommysemanteveemrespeitososilêncio.Estavaimpressionadocom

o “PequenoWilliam”.A armaparecia afastarpara longe a ameaçademr.Brown.

Agoraatrilhacosteavaabordadodespenhadeiro,paralelaaomar.Derepente Julius estacou, demaneira tão inesperada que Tommy tropeçounele.

—Oquefoi?—Tommyquissaber.—Olhe.Éounãoédefazerocoraçãobatermaisdepressa?Tommy olhou. Sobressaindo na paisagem e obstruindo quase por

completoatrilhahaviaumaenormepedraarredondada,semdúvidacomuma singular semelhança com um cãozinho de pé sobre duas patas,“querendoatenção”.

—Bem—comentouTommy,recusando-seacompartilhardaemoçãodeJulius—,éoqueesperávamosencontrar,nãoé?

Juliusfitou-ocomtristezaebalançouacabeça.—Fleumabritânica!Sim,éoqueesperávamos,masmesmoassimme

deixaaturdidoverapedraparadinhaali,exatamenteondeprevíamos!Tommy,cujacalmatalvezfossemaisfingidaquenatural,avançoucom

impaciência.—Vamosemfrente.Cadêoburaco?Esquadrinharam palmo a palmo a superfície do rochedo. Tommy

ouviu-sedizerestupidamente:— Depois de todos esses anos os arbustos já não devem estar no

mesmolugardeantes.AoqueJuliusrespondeunumtomsolene:—Achoquevocêtemrazão.DerepenteTommyapontou,comamãotrêmula.—Eaquelafendaali?Juliusrespondeucomvozapavorada:—Éali,comcerteza.Osdoisentreolharam-se.UmarecordaçãopassoupelamentedeTommy:—Quandoeuestava

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na França, toda vez que por um ou outro motivo o meu bagageiro nãoconseguiameverafimdeprestarserviços,maistardesempremediziaquetinha experimentado uma sensação esquisita. Nunca acreditei muitonaquele praça. Mas se era ou não verdade, essa sensação existe. Estousentindo-aagora.Eintensamente!

Tommycontemplouarochacomumaespéciedepaixãoagônica.—Commildiabos!—gritou.—Éimpossível!Cincoanos!Pensenisso!

Garotosprocurandoninhosdepássaros,piqueniques,milharesdepessoaspassandonestaárea!Nãopodeestaraí!Aprobabilidadeédeumaemcem.Éilógico,contrárioàrazão!

Defatoelejulgavaserimpossível—maisainda,talvez,porquenãoeracapaz de acreditar no seu próprio êxito onde tantos outros haviamfracassado.Acoisapareciafácildemais,portantonãopodiaserverdade.Oburacoestariavazio.

JuliusfitouTommycomumlargosorriso.— Agora acho que você está aturdido — declarou alegremente. —

Bom,lávamosnós!—Enfiouamãofendaadentroefezumaligeiracareta.—Éestreito.AmãodeJanedeveserbemmenorqueaminha.Nãoestousentindonada,não, espereaí, oqueé isto?MeuDeusdo céu!E, comumgesto ágil, agitou no ar umpequeno pacote desbotado.— São os papéis.Costurados num invólucro de oleado. Segure-o enquanto pego o meucanivete.

O inacreditável tinha acontecido. Tommy segurou com ternura opreciosopacotinhoentreasmãos.Haviamtriunfado!

—Éesquisito—murmurou—,maseradepensarqueascosturas játivessemapodrecido.Estasparecemnovasemfolha.

Com cuidado, cortaram e arrancaram o oleado. Dentro havia umapequena folha de papel dobrada. Com dedos trêmulos, eles a abriram. Afolha de papel estava em branco! Os dois rapazes entreolharam-semutuamente,atônitos.

—Umafarsa!—arriscouJulius.—Danverseraapenasumaisca?Tommybalançouacabeça.Essasoluçãonãoosatisfazia.Derepente,a

suafisionomiailuminou-se.—Jásei!Tintainvisível!—Vocêacha?

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—Em todo caso, vale a pena tentar. Geralmente o calor dá contadorecado.Junteunsgravetos.Vamosacenderofogo.

Em poucos minutos a pequena fogueira de gravetos e folhas ardiaalegremente.Tommyaproximoudachamaafolhadepapel.Comocaloropapelenrugouumpouco.Nadamais.

Derepente Juliusagarrouobraçodocompanheiroe indicouopontoemquecomeçavamaaparecerletrasnumapálidacormarrom.

—MeuDeusdocéu!Vocêtinharazão!Voudizerumacoisa,suaideiafoigenial!Eununcateriapensadonisso.

Tommymanteveopapelnamesmaposiçãopormaisalgunsminutosatéquejulgouqueocalorjátinhafeitoseutrabalho.Eentãooretirou.Ummomentodepois,soltouumgrito.

Na folhadepapel, emnítidas letrasde imprensamarrons, liam-seaspalavras:

Comoscumprimentosdemr.Brown.

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21tommyfazumadescoberta

Por alguns instantes os dois ficaram imóveis, entreolhando-se comexpressão embasbacada, confusos com o choque. De algum modo,inexplicavelmente,mr.Browntinhaseantecipadoaeles.Tommyaceitouaderrotaemsilêncio.Julius,não:

—Mas como diabos ele chegou aqui primeiro? É isso que eu queriasaber!

Tommybalançouacabeçae,comtristeza,disse:— Isso explica por que as costuras pareciam recentes. Devíamos ter

deduzido...—Esqueçaasmalditascosturas!Comofoiqueeletomouadianteira?

Viemosàspressas.Eraabsolutamenteimpossívelalguémchegaraquimaisrápidoquenós.E afinalde contas, comoéqueele soube?VocêachaquehaviaumditafonenoquartodeJane?Deviahaver.

MasobomsensodeTommyapresentouobjeções.—Ninguémpoderiasaberdeantemãoqueelaestarianaquelaclínica,e

muitomenosnaquelequartoespecífico.—Poisé—concordouJulius.—Entãoumadasenfermeiraserauma

criminosaeescutouàporta.Oquevocêacha?— Em todo caso, agora isso já não importa — disse Tommy,

impaciente.—Talvezeletenhadescobertomesesatrás,veioaqui,tirouospapéis, e depois... Não, por Deus, isso não cola! Eles teriam divulgadoimediatamenteodocumento.

— Claro! Não, alguém chegou aqui antes de nós hoje, com umavantagem de uma hora ou mais. Mas o que me dá nos nervos é como

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conseguiramfazerisso.—EugostariaqueaquelePeelEdgertontivessevindoconosco—disse

Tommy,pensativo.—Porquê?—Juliusencarou-o.—Abrincadeirademaugostofoifeita

enquantoestávamosacaminhodaqui.— Sim — Tommy hesitou. Não sabia explicar os seus próprios

sentimentos—a ideia ilógicadequeapresençadoadvogadopoderiadealguma maneira ter evitado a catástrofe. Retomou o seu ponto de vistaanterior:— De nada adianta discutir sobre como isso aconteceu. O jogoacabou.Fracassamos.Sómerestaumacoisaafazer.

—Oqueé?—VoltaraLondresoquantoantes.Mr.Carterdeveseravisado.Agora

éumaquestãodepoucashorasatéabombaexplodir.Mas,emtodocaso,eleprecisareceberapéssimanotícia.

Era uma tarefa bastante desagradável, mas Tommy não tinha aintenção de se esquivar ao dever. Devia informar mr. Carter de seufracasso. Depois disso a sua missão estaria terminada. Pegou o trem-correio da meia-noite para Londres. Julius preferiu passar a noite emHolyhead.

Meiahoradepoisdedesembarcar, exausto, famintoepálido,Tommyapresentou-seaoseuchefe.

—Vimprestarcontas,senhor.Fracassei,fracasseiretumbantemente.Mr.Carterencarou-ocomolharpenetrante.—Querdizerqueotratado...—Estánasmãosdemr.Brown,senhor.—Ah!—mr.Carterpareciacalmoeaexpressãodoseurostonãose

alterou,masTommypercebeunosolhosdeleumbruxuleiodedesespero.Isso,maisdoquequalqueroutracoisa,convenceuorapazdequeasituaçãoeradesoladora.

—Bem—dissemr.Carterapósumoudoisminutos—,ficosatisfeitoqueagoratenhamosconfirmadoessahipótese.Nãodevemosfraquejar,cairdejoelhos,creioeu.Precisamosfazeroqueestiveraonossoalcance.

PelamentedeTommyfaiscouaseguintecerteza:“Nãoháesperanças,eelesabequenãoháesperanças!”.

Mr.Carterfitouojovem.

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—Não leve issoasériodemais—eledisse, comtodabondade.—Osenhor fez o que pôde. Enfrentou um dos intelectos mais brilhantes doséculo.Echegoumuitopertodavitória.Lembre-sedisso.

—Obrigado,senhor.Émuitabondadedasuaparte.—Culpoamimmesmo.Tenhoculpadoamimmesmodesdequerecebi

estaoutranotícia.Algonotomdevozdemr.CarteratraiuaatençãodeTommy.Umnovo

receioafligiuseucoração.—Há...maisalgumacoisa,senhor?—Creioquesim—respondeumr.Carter,solene.Estendeuamãopara

pegarumafolhadepapelsobreamesa.—Tuppence?—gaguejouTommy.—Leiaosenhormesmo.Aspalavrasdatilografadasdançaramdiantedosolhos.Eraadescrição

deumchapéuverde,umcasacocontendonobolsoumlençomarcadocomas iniciais p.l.c. A expressão angustiada do olhar de Tommy lançou umaperguntaamr.Carter,querespondeu:

—ApareceramnapraianacostadeYorkshire,pertodeEbury.Receioque...pareceumapatifariadasmaisrepugnantes.

—Meu Deus!— exclamou Tommy, ofegante.— Tuppence! Aquelesdemônios!Nãodescansareienquantonãoacertarascontascomeles!Voucaçarumporum!Vou...

Acompaixãonorostodemr.CarterdeteveaexplosãodeTommy.—Seicomosesente,meupobrerapaz.Masdenadaadianta.Osenhor

gastaráinutilmenteassuasforças.Podeparecergrosseriadaminhaparte,mas omeu conselho é: tire isso da cabeça. O tempo émisericordioso. Osenhoresquecerá.

—EsquecerTuppence?Nunca!Mr.Carterbalançouacabeça.— É o que o senhor pensa agora. Bem, será insuportável pensar

naquela... jovemtãocorajosa!Sintomuitoporessahistória toda, lamentoterrivelmente.

Tommyvoltouasi,numsobressalto.—Estoutomandooseutempo,senhor—eledisse,comesforço.—O

senhornãoprecisa se culpar.Creioqueeueela fomosumparde jovens

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tolosportermosaceitadoessamissão.Osenhornosadvertiumaisdeumavez.MasjuroporDeusqueeupreferiaqueeu,enãoela,acabassepagandoopato.Adeus,senhor.

De volta ao Ritz, Tommy colocou na mala as suas coisas,maquinalmente,opensamentodistante.Aindasesentiadesnorteadopelaintroduçãoda tragédia na sua existência alegre e banal. Comohaviam sedivertidojuntos,eleeTuppence!Eagora—oh,elemalpodiaacreditar—não podia ser verdade! Tuppence morta! A pequena Tuppence,transbordantedevida!Eraumsonho,umsonhohorrível.Nadamais.

Trouxeram-lhe um bilhete, algumas bondosas palavras desolidariedade enviadas por Peel Edgerton, que tinha lido a notícia nosjornais. (Publicou-se umamanchete em letras garrafais: ex-voluntária deguerra teria morrido afogada). O bilhete terminava com uma oferta deempregonumafazendanaArgentina,ondesirJamespossuíanegócios.

— Sujeito generoso! — murmurou Tommy, jogando o papel para olado.

AportaseabriueJuliusentroucomasuahabitualviolência.Trazianamãoumjornal.

—Escuteaqui,quehistóriaéesta?ParecequetiveramumaideialoucaarespeitodeTuppence.

—Éaverdade—murmurouTommy.—Estámedizendoquederamcabodela?Tommyfezquesimcomacabeça.— Minha teoria é a seguinte: assim que encontraram o tratado,

Tuppencedeixoudeterutilidadeparaeleseficaramcommedodelibertá-la.

— Malditos sejam eles! — exclamou Julius. — A pequena pobreTuppence!Eraagarotamaiscorajosa...

Mas de repente alguma coisa pareceu estalar no cérebro de Tommy.Elesepôsdepé.

—Ora,nãomevenhacomessa!Ofatoéquevocênãodáamínima,vásedanar!Vocêapediuemcasamentodesseseujeitofrioenojento,maseua amava. Eu daria a minha alma para impedir que ela sofresse. Eu meresignaria,nãodiriaumasópalavraedeixariaqueelasecasassecomvocê,porque você poderia dar a Tuppence o tipo de vida que elamerecia ter,

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enquantoeunãopassodeumpobrecoitadosemumtostãonobolso.Maseujamaisficariaindiferente!

—Escuteumacoisa—pediuJulius,comedido.—Ora,váparaodiaboqueocarregue!Nãoaguentomaisouvirvocê

falando da “pequena Tuppence”. Vá cuidar da sua prima. Tuppence é aminha garota! Eu sempre a amei, desde que brincávamos juntos quandocrianças. Crescemos e tudo continuou igual. Nunca me esquecerei dequando eu estava no hospital e ela entrou com aquela touca e aventalridículos.Foi comoummilagreveragarotaqueeuamavaaparecernumuniformedeenfermeira...

MasJuliusointerrompeu.—Uniformedeenfermeira!Minhanossa!Devoestarperdendoojuízo!

EupoderiajurarquetambémviJanecomumatoucadeenfermeira.Eissoéabsolutamente impossível! Não, por Deus, já sei! Foi ela que eu viconversando comWhittington naquela clínica em Bournemouth. Ela nãoeraumapacientelá!Eraenfermeira!

—Poiseuacho—disseTommy,furioso—queprovavelmenteelaestádoladodelesdesdeoinício.Paracomeçodeconversa,nãomeespantariasefoielaquemroubouospapéisdeDanvers...

—Diabosmecarreguemseela fezumacoisadessas!—gritouJulius.—Elaéminhaprimaeéagarotamaispatriotaqueexiste!

—Nãodouamínimaparaoqueouquemelaé,massumajádaqui!—rebateuTommy,emaltosbrados.

Osdoisrapazesestavamapontodetrocarsocos.Mas,derepente,comumabrusquidãomágica, antes que chegassem às vias de fato, o furor deJuliusamainou.

—Tudobem,meucaro—eledisse,comcalma.—Vouembora.Nãoculpo você por essas coisas que está dizendo. Sorte minha que você astenhadito.Fuiomaiorimbecileestúpidoqueépossívelimaginar.Acalme-se. — Tommy tinha feito um gesto de impaciência. — Já estou indo, esaindodaquivouparaaestaçãodaferroviaLondonandNorthWestern,sequisersaber.

—Poucomeinteressaparaondevocêvai—vociferouTommy.QuandoaportasefechouatrásdeJulius,Tommyretomouaarrumação

desuabagagem.

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—Tudopronto—murmurou,etocouacampainha.—Leveaminhabagagemparabaixo.—Sim,senhor.Estáindoembora,senhor?—Estou indoparaodiaboqueme carregue— rosnouTommy, sem

consideraçãopelossentimentosdomensageirodohotel.Contudo, apesar da grosseira o funcionário limitou-se a responder

respeitosamente:—Sim,senhor.Querqueeuchameumtáxi?Tommyfezquesimcomacabeça.Para onde iria?Não fazia amenor ideia. Além de uma determinação

fixadeajustarascontascommr.Brown,não tinhaplanoalgum.Releraacarta de sir James e balançou a cabeça. Precisava vingar Tuppence.Contudo,erabondadedovelho.

— Acho que é melhor responder. — Foi até a escrivaninha. Com ahabitual perversidade dos quartos de hotel, em meio ao material decorrespondência disponível encontrou numerosos envelopes, masnenhumafolhadepapel.Tocouacampainha.Ninguémveio.Tommyficoufuriosocomademora.DepoisselembroudequenoquartodeJuliushaviauma boa quantidade papel de carta. O norte-americano anunciara suapartida imediata. Não haveria perigo de encontrá-lo. Além disso, não seimportaria seoencontrasse.Estava começandoa sentirvergonhadoquedissera. O bom Julius até que tinha encarado tudo na esportiva. Se oencontrasselá,pediriadesculpas.

Masoquartoestavadeserto.Tommy foi atéaescrivaninhaeabriuagavetadomeio.Uma fotografia, alienfiadacomorostodescuidadamentevoltadoparacima,chamousuaatenção.Porummomento, ficouplantadono mesmo lugar. Depois pegou a fotografia, fechou a gaveta, caminhouvagarosamente até uma poltrona e se sentou, olhando fixamente para oretratoemsuamão.

O que diabos uma fotografia de Annette, a jovem francesa, estavafazendonaescrivaninhadeJuliusP.Hersheimmer?

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22nadowningstreet

Comdedosnervosos,oprimeiro-ministrotamborilouamesaàsuafrente.Sua fisionomia estava cansada e aflita. Recomeçou a conversa com mr.Carternopontoemqueainterrompera.

—Nãoentendo—eledisse.—Querdizerentãoqueoestadodecoisasnãoétãodesesperador,apesardetudo?

—Éoqueesterapazparecepensar.—Deixe-medarumaolhadanessacartaoutravez.Mr.Carterentregou-lheafolhadepapel,cobertaporumaesparramada

caligrafiadecriança.

Caromr.Carter,

Ocorreu algo que me deixou chocado. É claro que posso estar simplesmente cometendo umaridículaasneira,mascreioquenão.Seasminhasconclusõesestiveremcorretas,aquelajovemdeManchesternãopassadeumembuste.A coisa toda foiarranjadadeantemão,opacote falsoetudomais,comoobjetivodenosfazerpensarqueocasoestavaliquidado—portanto,julgoqueestávamosnapistacerta.

Acho que sei quem é a verdadeira Jane Finn, e tenho inclusive uma boa ideia sobre oparadeirodos papéis.Quantoaos documentos, trata-se apenasdeumahipótese,masde certomodosintoquenofimdascontasminhateoriaseprovarácorreta.Dequalquermodo,pelosimpelo não, incluo em anexo um envelope fechado contendo as explicações. Peço que não sejaabertoatéoúltimomomento,atéameia-noitedodia28,paraserexato.Emumminutoosenhorcompreenderáoporquê.ChegueiàconclusãodequeaquelahistóriasobreTuppencetambéméumafarsa,eelanãomorreuafogadacoisanenhuma.Meuraciocínioéoseguinte:comoúltimorecurso,elesdeixarãoJaneFinnescapar,naesperançadequeelaestejaapenasfingindoaperdadamemóriaeque,assimqueganhara liberdade,voltediretamenteaoesconderijo.Éevidentequeestãocorrendoumtremendorisco,porqueelasabetudoarespeitodeles,masofatoéqueestãoabsolutamentedesesperadosparapôrasmãosnaqueletratado.Massesouberemquenós

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recuperamosospapéis,asduasjovensnãoterãomuitotempodevida.PrecisofazerdetudoparalibertarTuppenceantesdafugadeJane.

Preciso de uma cópia do telegrama que foi enviado a Tuppence no Ritz. Sir James PeelEdgertondissequeosenhorpodeconseguirisso.Eleédeumainteligênciaespantosa.

Uma última coisa: por favor, certifique-se de aquela casa em Soho seja mantida sobvigilânciadiaenoite.

Atenciosamenteetc.ThomasBeresford

Oprimeiroministroergueuosolhos:—Eoenvelope?Mr.Carteresboçouumsorrisinhoseco.—NoscofresdoBanco.Nãoquerocorrerriscos.—Nãoacha—oprimeiro-ministrohesitou—queseriamelhorabri-lo

agora? Claro que imediatamente teríamos de guardar em segurança odocumento, isto é, contanto que a suposição do rapaz esteja correta.Podemosmanteracoisaemsigiloabsoluto.

— Podemosmesmo? Não tenho tanta certeza. Estamos rodeados deespiõesportodososlados.Assimqueosegredosetornasseconhecido,eunãodariaistoaqui—estalouosdedos—pelavidadasduasjovens.Não,orapazconfiouemmimenãopretendodecepcioná-lo.

— Tudo bem, tudo bem, deixemos o segredo nos cofres, então. E orapaz,oquemedizdele?

— Exteriormente, é o tipo comum dos jovens ingleses, de boacompleiçãofísicaecabeça-dura.É lentonosprocessosmentais.Poroutrolado,éabsolutamenteimpossíveltirá-lodorumopormeiodaimaginação.Nãopossui imaginação alguma—por isso édifícil enganá-lo. Ele é lentopara resolverproblemas, e quandoenfia algona cabeça, não arredapé enuncamuda de opinião. Amoça é bem diferente.Mais intuição emenosbom senso. Juntos, formam um belo par trabalhando juntos. Cadência evigor.

—Eleparececonfiante—comentouoprimeiro-ministro.—Sim,eéissoquemedáesperança.Eleéotipoderapazdesconfiado

quesósearriscaaemitirumaopiniãoquandoestámuitoseguro.Umligeirosorrisoapareceunoslábiosdoprimeiro-ministro.—Eéessemeninoquevaiderrotaramentecriminosamaisbrilhante

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denossaépoca?— Esse menino, como o senhor diz! Mas às vezes imagino ver uma

sombraportrásdele.—Comoassim?—PeelEdgerton.—PeelEdgerton?—disseoprimeiro-ministro,perplexo.—Sim.Vejoamãodelenisto—mostrouacartaaberta.—Eleestálá,

trabalhando na sombra, em silêncio, discretamente. Sempre tive aimpressão de que se alguém perseguir o rasto de mr. Brown até o fim,encontraráPeelEdgerton.Escuteoqueeudigo:eleestánocasoagora,masnão quer que ninguém saiba. A propósito, outro dia recebi um estranhopedidodapartedele.

—Sim?—Eleme enviou o recorte de um jornal norte-americano, com uma

notíciasobreocadáverdeumhomemencontradopertodasdocasdeNovaYorkhácercadetrêssemanas.Emepediupararecolhertodaequalquerinformaçãopossívelsobreocaso.

—E?Carterdeudeombros.—Nãoconseguimuitacoisa.Eraumjovemdeunstrintaecincoanos,

malvestido,rostoterrivelmentedesfigurado.Nãofoipossívelidentificá-lo.—Eosenhoracreditaqueosdoiscasostêmalgumtipodeligação?—Decertomodoacredito,sim.Possoestarenganado,éclaro.Osdoishomensficaramemsilêncio,depoismr.Cartercontinuou:— Pedi a Peel Edgerton que venha aqui. Não que conseguiremos

arrancar dele qualquer informação que ele não queira nos dar. Os seusinstintosde juristasãofortesdemais.MasnãohádúvidadequeelepodelançaralgumaluzsobreumoudoispontosobscurosdacartadeBeresford.Ah,eleacabadechegar!

Os dois homens se levantarampara cumprimentar o recém-chegado.Umpensamentoextravagantepassoucomoumraiopelamentedopremiê:“Meusucessor,talvez!”.

—RecebemosumacartadojovemBeresford—dissemr.Carter,indodiretamenteaoassunto.—Osenhoroviu,suponho.

—Osenhorsupõeerrado—respondeuoadvogado.

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—Oh!—mr.Carterficouumpoucoconfuso.Sir James sorriu, afagou o queixo e disse de bom grado: — Ele me

telefonou.—Osenhorteriaalgumaobjeçãoemnoscontarexatamenteoquese

passouentreosdois?—Não,absolutamentenão.Eleagradeceu-meporumacertacartaque

eulheenviara,naqual,abemdaverdade,ofereci-lheumemprego.EntãoelemelembroudealgoqueeutinhaditoemManchesterarespeitodaqueletelegramafalsoqueserviudeiscanoraptodemissCowley.Perguntei-lhesehaviaacontecidoalgumacoisadesagradável.Elerespondeuquesim,quenumagavetadoquartodemr.Hersheimmereleencontraraumfotografia— o advogado fez uma pausa, depois prosseguiu: — Perguntei se nafotografia havia o nome e o endereço de um fotógrafo da Califórnia. Elerespondeu: “Acertou namosca, senhor. Há”. Depois eleme disse algo dequeeunãosabia.Quemaparecenafotografiaéajovemfrancesa,Annette,quesalvouavidadele.

—Oquê?—Exatamente.Movidoporcertacuriosidade,pergunteiaorapazoque

ele tinha feito coma fotografia. Ele respondeuque a colocoudenovonomesmolugarondeaencontrara—oadvogadofeznovapausa.—Foiumaboamanobra,comoossenhorespodemver,definitivamenteumadecisãomuito boa. Aquele rapaz sabe usar o cérebro. Eu o parabenizei. Adescoberta foi providencial. Claro que, desde o momento em que secomprovou que a jovem de Manchester é uma farsa, tudo se alterou. OjovemBeresford chegou a essa conclusão por conta própria, sem que euprecisasse lhe dizer. Mas ele julgou que não podia confiar nos seusarrazoados referentes ao temamiss Cowley. Perguntou-me se eu achavaque ela estava viva. Ponderando sobre todas as evidências, respondi quehaviaumaboapossibilidadedisso.Oquenos levoudevoltaàquestãodotelegrama.

—Sim?— Aconselhei-o a pedir ao senhor uma cópia do telegrama original.

Ocorreu-me que era provável que, depois que miss Cowley jogou otelegrama no chão, certas palavras talvez pudessem ter sido apagadas ealteradas, com a intenção expressa de colocar numa pista falsa quem

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eventualmenteinvestigasseoparadeirodajovem.Mr.Carterconcordoucomummeneiodecabeça.Atocontínuo,tiroudo

bolsoumafolhadepapeleleuemvozalta:

Venhaimediatamente,AstleyPriors,Gatehouse,Kent.Grandesnovidades—Tommy.

— Muito simples — disse sir James — e muito engenhoso. Bastoualterarem algumas palavras e a cilada estava armada. Mas a pista maisimportanteelesdeixarampassar.

—Qual?—Ainformaçãofornecidapelomenino,omensageirodohotel,deque

missCowleyrumouparaCharingCross.Elesestavamtãosegurosdesiquederamcomofavascontadasqueogarotocometeuumequívoco.

—EntãoojovemBeresfordencontra-seagora...?—EmGatehouse,Kent,anãoserqueeuestejamuitoenganado.Mr.Carterfitou-ocomexpressãodecuriosidade.— Muito me espanta que o senhor também não esteja lá, Peel

Edgerton.—Ah,estoumuitoatarefadocomumacausajudicial.—Osenhornãoestavadeférias?—Oh,eunãoestavasabendodisso.Talvezfossemaiscorretodizerque

estoupreparandoumacausa.Osenhortemmaisalgumainformaçãoparamimsobreaquelenorte-americano?

—Infelizmentenão.Éimportantedescobrirquemeleera?— Oh, sei quem ele era — esclareceu sir James pausadamente. —

Aindanãopossoprovar.Massei.Os outros dois homens não fizeram perguntas. Instintivamente

julgaramqueseriapuraperdadetempo.—Mas o que eu não compreendo— disse subitamente o primeiro-

ministro—écomoessafotografiafoipararnagavetademr.Hersheimmer.— Talvez ela nunca tenha saído de lá — sugeriu calmamente o

advogado.—Maseofalsoinspetor?OinspetorBrown?—Ah!—exclamousirJames,absorto.Ergueu-se.—Nãoqueroroubar

otempodossenhores.Continuemtratandodosproblemasdanação.Devovoltaràminhacausa.

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DoisdiasdepoisJuliusHersheimmerretornoudeManchester.SobreamesadeseuquartohaviaumbilhetedeTommy:

MeucaroHersheimmer,

Sintomuitoporterperdidoacalma.Casoeunãovolteavê-lo, ficaaquiomeuadeus.RecebiumaofertadeempregonaArgentina,eachoqueémelhoraceitá-la.

Seuamigo,TommyBeresford

Um estranho sorriso demorou-se um momento no rosto de Julius. Elearremessouobilhetedentrodacestadepapéis.

—Aqueleenervantebobalhão!—murmurou.

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23umacorridacontraotempo

DepoisdetelefonarasirJames,opassoseguintedeTommyfoifazerumavisitaaSouthAudleyMansions.EncontrouAlbertemplenoexercíciodosseusdeveresprofissionaise,semdelongas,apresentou-secomoamigodeTuppence.ImediatamenteAlbertficouàvontade.

—Nosúltimostempostudotemandadomuitocalmo—disseogaroto,pensativo.—Esperoqueasenhoritaestejabem,senhor.

—Essaéjustamenteaquestão,Albert.Eladesapareceu.—Nãomedigaqueelacaiunasgarrasdosbandidos?—Sim.—Eagoraelaestánossubterrâneosdosubmundo?—Não,commildiabos!Doqueestáfalando?—Ésóumaexpressão—explicouAlbert.—Nosfilmesosbandidos,

essagentedosubmundo,sempretêmalgumesconderijosubterrâneo,umporão.Seráquemataramasenhorita?

—Esperoquenão.Porfalarnisso,poracasovocênãotemalgumatiavelha,umaprimaouumaavó,ouqualqueroutraparentadotipoquevocêpossaalegarqueestejaprestesabaterasbotas?

Umleverisinhoespalhou-selentamentepelorostodeAlbert.—De acordo, senhor. Aminha pobre tia quemora no campo está à

beira da morte faz muito tempo, e pediu pra me ver antes de exalar oúltimosuspiro.

Tommyinclinouacabeçaemsinaldeaprovação.—VocêpodecomunicarissoaoseupatrãoemeencontrarnaCharing

Crossdaquiaumahora?

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—Estareilá,senhor.Podecontarcomigo.Como Tommy tinha imaginado, o fiel Albert revelou-se um aliado

valioso. Os dois alojaram-se numa hospedaria de Gatehouse. Albert foiincumbidodatarefadecoletarinformações.Oquenãofoinadadifícil.

Astley Priors era a propriedade de um certo dr. Adams. O dono dahospedariaacreditavaqueomédicojánãoexerciamaisamedicina,haviase aposentado,mas atendia alguns pacientes particulares— aqui o bomhomemdeupancadinhascomodedonatesta,numgestodequemsabedascoisas: “Gente com um parafuso a menos! Você compreende, não?”. Omédico era uma figura popular no vilarejo, sempre contribuía comgenerosas quantias em dinheiro para apoiar os esportes locais — “umcavalheiromuito simpático e afável”.Morava ali haviamuito tempo?Oh,coisa de uns dez anos, talvez até mais. O cavalheiro era um cientista.Professores e outras pessoas sempre vinham da cidade para vê-lo. Dequalquermodo,eraumacasaalegre,semprecheiadevisitas.

Diantede todaessavolubilidade,Tommytevedúvidas.Seriapossívelqueaquela figuraamável, sorridente, tãoconhecida,naverdade fosseumperigosocriminoso?Avidadohomempareciaumlivroaberto,umexemplodehonestidade.Nenhumindíciodeaçõessinistras.Esetudonãopassassedeumgigantescoengano?EssepensamentoprovocouumarrepiogeladoemTommy.

Depois ele se lembrou dos pacientes particulares— “gente com umparafuso amenos”. Com toda cautela, perguntou se entre eleshaviaumamoça,edescreveuTuppence.Masquasenadasesabiasobreosenfermos,que raramente eram vistos do lado de fora da propriedade.NemmesmocomumacuidadosadescriçãodeAnnetteodonodahospedariadeusinaisdetê-lareconhecido.

AstleyPriorseraumbeloedifíciodetijolosvermelhos,rodeadoporumterreno bem arborizado que protegia a casa e servia como um eficienteescudocontraaobservaçãodequempassassepelaestrada.

Na primeira noite Tommy, acompanhado de Albert, explorou a área.Porcausada insistênciadomenino,rastejaramdolorosamentedebarriganochão,produzindomuitomaisruídodoquesetivessemcaminhadodepé.Em todo caso, essas precauções eram totalmente desnecessárias. Apropriedade—comoderestotodasasoutrascasasparticularesapósocair

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da noite — parecia desabitada. Tommy tinha imaginado um possívelencontrocomomaisferozcãodeguarda.NafantasiadeAlbert,haveriaumpuma ou uma serpente domesticada. Mas os dois chegaram ilesos etranquilosaumadensamoitadearbustospertodacasa.

As cortinas da janela da sala de jantar estavam abertas. Ao redor damesa estava reunido um numeroso grupo. O vinho do Porto passava demãoemmão.Pareciaumareuniãofestiva,normaleagradável.Pelajanelaaberta, fragmentos desconexos da conversa flutuavamdesconjuntadamenteesumiamnoardanoite.Eraumaacaloradadiscussãosobreotorneiodecríquetedocondado!

Mais uma vez Tommy sentiu aquele arrepio gelado da incerteza.Pareciaimpossívelcrerqueaquelaspessoasnãoeramoqueaparentavamser.Seráquemaisumavezeletinhasidoenganado?Ocavalheirodebarbaloura e de óculos sentado à cabeceira da mesa tinha um semblanteextraordinariamentehonestoenormal.

Nessa noite Tommy dormiu mal. Na manhã seguinte o incansávelAlbert,tendofirmadoumaaliançacomofilhodoverdureiro,tomouolugardesteecaiunasgraçasdacozinheiradacasa.Voltoucomainformaçãodeque ela sem dúvida era uma “dos bandidos”,mas Tommy desconfiou davivacidade da imaginação do garoto, que, quando questionado, não foicapazdeapresentarnenhumargumentoquecorroborassesuaafirmativa,anãoserasuaopiniãopessoaldequehavianamulheralgoforadocomum.Oquesepercebialogonoprimeiroolhar.

Repetindoa substituiçãonamanhãseguinte (comgrandesvantagenspecuniárias para o verdadeiro filho do quitandeiro), Albert voltou com aprimeira notícia auspiciosa.Havia uma senhorita francesa hospedada nacasa.Tommydeixoudeladosuasdúvidas.Aliestavaaconfirmaçãodasuateoria.Masotempourgia.Jáeradia27.Odia29seriaoalardeado“DiadosTrabalhadores”, sobre o qual crescia uma farta onda de comentários eboatos de toda espécie. Os jornais estavam ficando agitados. Insinuaçõessobreumcoupd’étatdosTrabalhistascorriamlivrementedebocaemboca.O governo nada dizia. Sabia e estava preparado. Circulavam rumores dedivergênciasentreoslíderessindicalistas,entrequemnãohaviaconsenso.Osmaisprevidentescompreendiamqueaquiloquesepropunhamafazerpoderia resultar num golpe mortal para a Inglaterra, que no fundo eles

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amavam. Tinham pavor da fome e da penúria que uma greve geralacarretariaeestavamdispostosachegaraumacordocomogoverno.Maspor trás deles estavam em ação forças sutis, insistentes, que incitavam agrevetrazendoàtonalembrançasdeerrospassados,protestandocontraafraquezadasmeias-medidas,fomentandoadiscórdia.

Graças amr. Carter, Tommy julgava entender claramente a situação.Comodocumentofatalnasmãosdemr.Brown,aopiniãopúblicapenderiapara o lado dos revolucionários extremistas e dos líderes trabalhistasradicais. Se isso fracassasse, a batalha seria travada em condições deigualdade e haveria 50% de chance de vitória para cada lado. Contandocom um exército leal e com a força policial, o governo talvez saíssevitorioso, mas à custa de grande sofrimento. Tommy, porém, acalentavaoutro sonho, absurdo. Se mr. Brown fosse desmascarado e capturado, orapazacreditava,comousemrazão,quetodaaorganizaçãoseesfacelaria,demaneirainstantâneaevergonhosa.Aestranhaeprofundainfluênciadochefeinvisíveléqueosmantinhaunidos.Semele,Tommyacreditavaqueopânico se instalaria; abandonados à própria sorte, os homens honestosencontrariamummododearquitetarumareconciliaçãodeúltimahora.

— Isso é obra de um só homem—disse Tommy de si para si.—Éprecisocapturaressehomem.

Foi em parte para proteger esse ambicioso propósito que Tommypedira a mr. Carter que não abrisse o envelope fechado. A minuta dotratadoeraaiscadeTommy.Devezemquandoeleseespantavacomsuaprópriapresunção.Comoseatreviaapensarquedescobriraoquetantoshomens mais sábios e inteligentes tinham deixado passar em brancasnuvens?Contudo,aferrou-seobstinadamenteàsuaideia.

Nessa noite, ele e Albert foram mais uma vez sondar o terreno deAstley Priors. A ambição de Tommy era conseguir, de alguma maneira,acesso ao interior da casa. Quando os dois se aproximavam com todacautela,Tommysoltouumrepentinoarquejo.

Nosegundoandarhaviaumapessoadepéentreajanelaealuzdasala,o que projetava uma silhueta na cortina. Era alguém que Tommyreconheceriaemqualquerlugar!Tuppenceestavanaquelacasa!

SegurouoombrodeAlbert.—Fiqueaqui!Quandoeucomeçaracantar,olheparaaquelajanela.

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Retirou-seàspressasparaumpontodaalamedaquelevavaàentradaprincipaldacasae,numrugidoguturaledandopassosinstáveis,entoouaseguintecançoneta:

Souumsoldado,Umalegresoldadoinglês,Pelosmeuspésdápraverquesousoldado...

Tocadanogramofone,tinhasidoumadascançõespreferidasdeTuppencenotempoemelatrabalhavanohospital.Tommynãotinhadúvidasdequeelaareconheceriaechegariaasuasprópriasconclusões.Tommynãosabiacantar,suavoznadatinhademusical,masseuspulmõeseramexcelentes.Abarulheiraqueeleproduziufoimedonha.

No mesmo instante um impecável mordomo, acompanhado de umcriado igualmente irrepreensível, saiu pela porta da frente da casa. Omordomoreclamoudabarulhentacantoria.Tommycontinuoucantandoedirigiu-se afetuosamente ao mordomo como “meu querido senhorcosteletas”.Ocriadosegurouorapazporumbraço,omordomoporoutro.E depois encaminharam Tommy alameda abaixo e portão afora. Omordomo ameaçou chamar a polícia se ele voltasse a invadir apropriedade.Foiumbelotrabalho—executadocomsobriedadeeperfeitodecoro.Qualquerpessoateriajuradoqueomordomoeraummordomodeverdade e o criado, um criado de verdade — o único senão é que omordomoeraWhittington!

TommyvoltouparaahospedariaeesperouoregressodeAlbert.Porfimovalorosoevaliosogarotoapareceu.

—Eentão?—perguntouTommy,comumberroansioso.—Tudobem.Enquantoeles enxotavamo senhorpra ruaa janela se

abriu e alguém jogou alguma coisa.—Entregou aTommyumpedaçodepapel.—Estavaenroladonumpesodepapel.

Tommyleuaspalavrasrabiscadas:“Amanhã—mesmahora”.— Bom garoto! — exclamou Tommy. — Estamos começando a

progredir.— Escrevi um bilhete num pedaço de papel, enrolei numa pedra

redondaejogueipelajanela—continuouAlbert,esbaforido.Tommyresmungou.—Oseuentusiasmoseráanossaruína,Albert.Oquevocêescreveu?

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—Eudissequeagenteestavanahospedaria.Equeseela conseguirescapar,praviratéaquiecoaxarfeitoumarã.

—Elavaisaberqueévocê—disseTommy,comumsuspirodealívio.—Asuaimaginaçãolevouamelhorsobrevocê,sabia,Albert?Ora,vocênãoreconheceriaumarãcoaxandoseouvisseuma.

Albertficouumpoucoabatido.—Ânimo—disseTommy.—Nãoháproblemaalgum.Omordomoé

umvelhoamigomeu—apostoqueelemereconheceu,emboranãotenhademonstrado. O jogo deles é não levantar suspeitas. Foi por isso quetivemostantafacilidade.Maselestambémnãoqueremmedesencorajardevez.Poroutrolado,tambémnãoqueremfacilitardemaisascoisas.Souumpeão no tabuleiro de xadrez deles, Albert, é isso que eu sou. Vocêcompreende,seaaranhadeixaamoscaescaparcomdemasiadafacilidade,amoscadesconfiaqueéalgumamaquinação.Daíautilidadedeste jovempromissor aqui,mr. T.Beresford, que cometeuumaasneiranomomentomaisoportunoparaeles.Masdepoismr.T.Beresfordficoumaisprecavido!

NessanoiteTommy foi dormirnumestadode grande entusiasmo. Játinhaelaboradoumcuidadosoplanoparaanoiteseguinte.Tinhacertezadeque os residentes de Astley Priors não interfeririam em suas ações atécertoponto.Combasenessasuposição,Tommypretendia fazer-lhesumasurpresinha.

Maisoumenosaomeio-dia,entretanto,suacalmasofreuumabruptoabalo.Orapazfoiinformadodequeumhomemqueriafalarcomelenobar.Eraumcarroceirodeaspectorude,cobertodelama.

—Então,meubomsujeito,dequesetrata?—perguntouTommy.— Isto é para o senhor. — O carroceiro entregou-lhe um bilhete

dobrado,bastantesujo,emcujapartedeforaestavaescrito:“LeveistoaocavalheirodahospedariapertodeAstleyPriors.Elelhedarádezxelins”.

AletraeradeTuppence.Tommyficougratopelaperspicáciadaamigaaodeduzirqueeletalvezestivessenahospedariacomnomefalso.Agarrouobilhete.

—Tudobem.Ohomemnãolargouopapel.—Eosmeusdezxelins?Tommyapressou-seementregaraocarroceiroumanotadedezxelins

eohomemcedeu.Tommydesdobrouopapel.

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QueridoTommy,

Eusoubequeeravocêontem.Nãovenhaestanoite.Elesestarãoàsuaespera.Estãonoslevandoemboradaquiagorademanhã.OuvialgosobrePaísdeGales—Holyhead,acho.Voujogarestebilhetenaestradasetiverchance.Annettemecontousobrecomovocêescapou.Ânimo!

Sua,Tuppence

Antesmesmode terminarde leratentamenteacarta típicadeTuppence,TommychamouAlbert,aosberros.

—Ponhaminhascoisasnamala!Vamosembora!— Sim, senhor— o garoto subiu as escadas e suas botinas fizeram

estrépito.Holyhead? Isso queria dizer que, no fim das contas— Tommy ficou

intrigado.Leudenovo,maisdevagar.AsbotinasdeAlbertcontinuavamaplenovapornoandardecima.DerepenteTommysoltouumsegundogrito:—Albert!Souumcompletoidiota!Tireascoisasdessamala!—Sim,senhor.Tommyalisouopapel,pensativo.—Sim,souumcompletoidiota—elerepetiu,calmamente.—Mashá

outrapessoaquetambémé!Efinalmenteseidequemsetrata!

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24juliusdáumamãozinha

Reclinado num sofá em sua suíte no Claridge’s, Kramenin ditava ao seusecretárioemrussosibilante.

Pouco depois o telefone junto ao cotovelo do secretário tocou; ohomem tirou o fone do gancho, falou por um ou dois minutos e depoispassouotelefoneparaopatrão.

—Háalguémláembaixoperguntandopelosenhor.—Quemé?—DeuonomedeJuliusP.Hersheimmer.—Hersheimmer—repetiuKramenin,pensativo.—Jáouviessenome

antes.—OpaidelefoiumdosreisdoaçonosEstadosUnidos—explicouo

secretário, cuja tarefa era saber tudo. — Esse rapaz deve sermultimilionárioaocubo.

Os olhos de Kramenin se estreitaram, em sinal de que ele estavarefletindosobreaquestão.

—Émelhorvocêdescerefalarcomele,Ivan.Descubraoqueelequer.Osecretárioobedeceuefechouaporta,semruído,atrásdesi.Voltou

minutosdepois.—Eleserecusaadizeraqueveio—alegaquesetratadeumassunto

inteiramentepessoaleparticularequeprecisamuitofalarcomosenhor.—Ummultimilionário ao cubo—murmurouKramenin.—Mande-o

subir,meucaroIvan.Mais uma vez o secretário saiu do quarto e voltou acompanhado de

Julius.

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—MonsieurKramenin?—disseonorte-americano,abruptamente.Com seus olhos pálidos e peçonhentos estudando atentamente a

fisionomiadorapaz,orussofezumamesura.—Muitoprazeremconhecê-lo—disseonorte-americano.—Tenho

umassuntomuitoimportantequeeugostariadediscutircomosenhor,depreferênciaasós.—Fuziloucomoolharooutrohomem.

—Nãotenhosegredosparaomeusecretário,omonsieurGrieber.—Podeser,maseutenho—rebateuJulius,secamente.—Porissoeu

ficariaagradecidoseosenhoromandassesairdepressinhadaqui.—Ivan—pediuorussocomvozcalma—,talvezvocênãoseimporte

deirparaasalaaolado...—A sala ao lado não serve— interrompeu Julius.—Conheço essas

suítesducais,equeroestaaquicompletamentevazia,semoutrapessoaanão ser o senhor e eu. Mande-o dar uma volta e comprar um saco deamendoins.

Emboranãogostassenemumpoucodamaneirasem-cerimoniosadefalar do norte-americano, Kramenin estava sendo devorado pelacuriosidade.

—Oassuntoqueotrazaquirequertempo?—Talvezosenhordemoreanoiteinteiraparacompreender.—Muitobem, Ivan.Nãoprecisareideseusserviçosestanoite.Váao

teatro,tireanoitedefolga.—Obrigado,Excelência.Osecretárioinclinouacabeçaemsinalderespeitoepartiu.Julius ficou parado junto à porta, observando de perto a saída do

homem.Por fim,comumsuspirodesatisfação, fechouaportaeretomousuaposiçãonocentrodasala.

—Agora,mr.Hersheimmer,talvezosenhorqueiraterabondadedeirdiretoaoassunto?

—Creioque issodemoraráumminuto—disse Julius, arrastandoaspalavras.Atocontínuo,comumasúbitamudançadeatitude:—Mãosparaoalto,oueuatiro!

PorummomentoKrameninencarou,desconcertado,aenormepistolaautomática;depois,comumapressaquasecômica, jogouosbraçosacimadacabeça.NesseinstanteJuliusavaliouocaráterdorusso.Ohomemcom

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quem tinhade lidar eraumacriaturadeabjeta covardia física—o restoseriafácil.

—Istoéumultraje!—berrouorusso,numavozhistéricaeaguda.—Umultraje!Osenhorpretendemematar?

—Nãoseosenhorfalaremvozbaixa.Podeirparandodesemovernadireçãodaquelacampainha.Assimémelhor.

—Oqueosenhorquer?Nãocometanenhumaimprudência.Lembre-sedequeaminhavidaédeextremovalorparaomeupaís.Talvezeutenhasidovítimadecalúnias...

—Naminhaopiniãoohomemquedercabodosenhorfaráumgrandefavoràhumanidade.Masnãoprecisasepreocupar.Nãopretendomatá-lodestavez,istoé,seosenhortiveralgumasensatez.

OrussotremeudiantedaríspidaameaçanosolhosdeJulius.Passoualínguapeloslábiossecos.

—Oqueosenhorquer?Dinheiro?—Não.QueroJaneFinn.—JaneFinn?Eu...nuncaouvifalardela!— O senhor é um maldito mentiroso! Sabe perfeitamente de quem

estoufalando.—Estoudizendoquejamaisouvifalarnela.—Eeuafirmo—retrucouJulius—queomeupequenocanhãoaqui

estáloucoparaserdisparado!Orussomurchouaolhosvistos.—Osenhornãoteriacoragem...—Ah,teriasim,meufilho!Kramenin deve ter reconhecido na voz do rapaz algum indício de

decisão,porquedisseemtomtaciturno:—Bem.Supondoqueeusaibadequemosenhorestáfalando.Edaí?—Osenhorvaimedizer,aquieagora,ondeelaestá.Krameninbalançouacabeça.—Nãomeatrevo.—Porquenão?—Nãomeatrevo.Oqueosenhormepedeéumaimpossibilidade.— Está commedo, é? De quem? Demr. Brown? Ah, isso perturba o

senhor!Existe essapessoa, então?Euduvidava.E a simplesmençãodele

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deixaosenhormorrendodepavor!—Euovi—dissepausadamenteorusso.—Faleicomelecaraacara.

Mas sómais tarde eu soube. Ele era um rosto namultidão. Eu jamais oreconheceriadenovo.Queméelenarealidade?Nãosei.Masseidisto:eleéumhomemquedevesertemido.

—Elenuncasaberá—alegouJulius.—Ele sabe tudo, e avingançadeleé imediata.Mesmoeu,Kramenin,

nãoseriapoupado!—Entãoosenhornãofaráoqueestoupedindo?—Osenhormepedeumaimpossibilidade.—Semdúvida,éumapenaparaosenhor—disseJulius,alegremente.

—Masomundointeirosairáganhando.—Ergueuorevólver.—Pare!—guinchouorusso.—Nãoépossívelqueosenhorpretenda

defatomematar!—Claroquepretendo.Sempreouvidizerqueosrevolucionáriosdão

poucovaloràvida,masparecequeháumadiferençaquandoéavidadelesqueestácorrendoperigo.Estoudandoaosenhorumaúnicaoportunidadedesalvarasuapeleimunda,eosenhorserecusa!

—Elesmematariam!—Bom—rebateuJuliuscomvozalegre—,adecisãoésua.Masdigo

apenasumacoisa:omeu“PequenoWillie”aquiétiroequeda,eseeufosseosenhor,mearriscariacommr.Brown!

—Se atirar emmimo senhor será enforcado—murmurou o russo,indeciso.

— Não, forasteiro, é aí que o senhor se engana. Está esquecendo opoder dos dólares. Umamultidão de advogados colocarámãos à obra, earranjareiunsmédicos sabichõesqueno finaldas contasvãoprovarquemeu cérebro estava forados eixos. Passarei algunsmesesnum sanatóriotranquilo,aminhasanidadementalvaimelhorar,eosmédicosvãodeclararquemeu juízovoltou,e tudo terminarábemparaopequeno Julius.Creioquepossosuportarumrecolhimentodealgunsmesesparalivraromundodosenhor,masnãoseenganeachandoquevãomeenforcarporisso!

Kramenin acreditou nele. Uma vez que o russo era ele próprio umcorrupto,implicitamenteacreditavanopoderdodinheiro.Tinhalidosobrecasos de assassinato nos Estados Unidos cujo desfecho nos tribunais

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seguira o roteiro descrito por Julius. Ele próprio já tinha comprado ajustiça. Aquele viril rapaz norte-americano, com a sua voz arrastada eexpressiva,ohaviadominado.

—Voucontaratécinco—continuouJulius—,ecreioqueseosenhorme deixar passar do quatro, não precisará mais se preocupar com mr.Brown.Talvez ele envie floresparao funeral,maso senhornãovai nemsentirocheirodelas!Estápronto?Voucomeçar.Um,dois,três,quatro...

Orussoointerrompeucomumgritoagudo.—Nãoatire!Fareitudoqueosenhordesejar!Juliusbaixouaarma.—Acheimesmoqueosenhorteriabomsenso.Ondeestáagarota?—EmGatehouse,emKent.ChamamolugardeAstleyPriors.—Elaéprisioneiralá?—Elanãotempermissãoparasairdacasa,emboraestejaemperfeita

segurançalá.Apobrezinhaperdeuamemória,coitada!—Suponhoque isso sejaumaborrecimentoparao senhoreos seus

amigos.Oquemedizdaoutrajovem,aquelaquecaiunumaarmadilhaháumasemana?

—Elaestálátambém—respondeuorusso,carrancudo.—Quebom—disseJulius.—Ascoisasestãoindobem,nãoestão?E

quenoiteagradávelparaumpasseio!—Quepasseio?—quissaberorusso,arregalandoosolhos.—AtéGatehouse,claro.Esperoqueosenhorgostedeandardecarro!—Comoassim?Eumerecusoair.—Ora,nãopercaasestribeiras.Osenhordeveentenderquenãosou

criançaparadeixá-loaqui.Assimqueeuvirasseascostas,aprimeiracoisaqueo senhor faria seriapassar amãono telefonee chamar seus amigos.Ah!—percebeuadecepçãonorostodorusso.—Viusó,osenhorjátinhapensadoemtudo.Não,osenhorvemcomigo.Estaéaportadoseuquarto?Entre aí.O “PequenoWillie” e euvamos logoatrás.Vistaumcasacobemgrosso, isso mesmo. Forro de pele? E o senhor é um socialista! Agoraestamosprontos.Vamosdesceraescadaesairpelosaguão,meucarroestáesperando.Enãoseesqueçadequeestánaminhamira.Possomuitobematirar com a pistola do bolso do casaco. Basta uma palavra, um olhar derelancequesejaparaumdaquelescriados, e juroqueomandareiparao

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fogodoinferno!Juntos os dois homens desceram as escadas e se dirigiram para o

automóvel que os aguardava. O russo tremia de ódio. Estavam rodeadosporcriadosdohotel.UmgritoseinsinuouentreoslábiosdeKramenin,masnoúltimominutofaltou-lhecoragem.Onorte-americanoeraumhomemdepalavra.

Quando chegaramao carro, Julius soltouumsuspirodealívio, pois azonadeperigotinhasidovencida.Omedoconseguirahipnotizarohomemaoseulado.

—Entre— ele ordenou. Depois, ao flagrar uma olhadela de lado dorusso,disse:—Não,omotoristanãooajudaráemnada.Eleéumhomemda Marinha. Estava num submarino na Rússia quando a revolução foideflagrada.Umirmãodelefoiassassinadoporsuagente.George!

—Senhor!—Omotoristavirouacabeça.—Estecavalheiroéumbolcheviquerusso.Nãoqueremosdarumtiro

nele,mastalvezsejanecessário.Vocêcompreende?—Perfeitamente,senhor!—QueroiraGatehouse,emKent.Conheceaestrada?—Sim,senhor,ficaaumahoraemeiadeviagem.—Chegueláemumahora.Estoucompressa.—Fareiomeumelhor,senhor.—Ocarrosaiuemdisparada.Juliusacomodou-seconfortavelmenteaoladodesuavítima.Mantevea

mãodentrodobolsodocasaco,masassuasmaneiraseramabsolutamentecorteses.

—Certa vez atirei numhomemnoArizona—ele começouanarrar,alegremente.

Depoisdeumahoradeviagemo infelizKrameninestavamaismortodoquevivo.ApósanarrativadohomemdoArizonaseguiram-seumarusgacomumvalentãodeFriscoeumepisódionasRochosas.OestilonarrativodeJuliusnãopossuíamuitaexatidão,maserabastantepitoresco!

Diminuindo a marcha, o motorista avisou por cima do ombro queestavam acabando de entrar em Gatehouse. Julius ordenou ao russo queapontasse o caminho. Seu plano era seguir diretamente para a casa. LáKrameninmandariachamarasduasmoças.Juliusexplicouqueo“PequenoWillie” no seu bolso não toleraria falhas. A essa alturaKramenin era um

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fantoche, uma massa de modelar nas mãos de Julius. A tremendavelocidadecomquefizeramaviagemserviuparaintimidá-loaindamais.Orussojátinhaperdidoasesperançaseseconsideravaumhomemmorto.

O automóvel subiu a alameda que levava até a casa e parou junto àvaranda.Omotoristaaguardouinstruções.

— Vire o carro primeiro, George. Depois toque a campainha e volteparaoseulugar.Mantenhaomotorligadoeprepare-separasaircantandopneusquandoeumandar.

—Muitobem,senhor.Aportadafrentefoiabertaporummordomo.Krameninsentiaocano

daarmacontrasuascostelas.—Agora—sibilouJulius.—Etenhacuidado.O russo fez que sim comummeneio de cabeça. Seus lábios estavam

brancosesuavoznãoeratãofirme:—Soueu,Kramenin!Tragamimediatamenteamoça!Nãohátempoa

perder!Whittingtondesceuosdegrausdaescada.Aoverorusso,soltouuma

exclamaçãodeespanto.—Você!Oquehouve?Semdúvidasabequeoplano...Kramenin interrompeu-o, usando as palavras que criaram muitos

pânicosdesnecessários:—Fomostraídos!Osplanosdevemserabandonados.Devemossalvar

nossaprópriapele.Agarota!Imediatamente!Éanossaúnicachance.Whittingtonhesitou,masapenasporumafraçãodesegundo.—Vocêrecebeuordensdele?— Naturalmente que sim! Caso contrário eu estaria aqui? Depressa!

Nãohátempoaperder.Émelhorqueaquelaoutratolinhavenhatambém.Whittington girou sobre os calcanhares e entrou correndo na casa.

Passaram-seminutosdeagonia.Atéquedoisvultosdemulherenvoltosàspressas emmantos surgiram nos degraus da porta e foram empurradoscarroadentro.Amenordasduasmoçasmostrou-sedispostaaresistir,masfoiviolentamente impulsionadaporWhittington. Julius inclinou-separaafrente, e nesse instante a luz da porta aberta banhou o seu rosto. Outrohomem, que estava nos degraus atrás de Whittington, soltou umaexclamaçãodeespanto.Osegredotinhasidodescoberto.

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—Pénatábua,George!—gritouJulius.O motorista engatou a embreagem e, com um solavanco, o carro

arrancou.Ohomemnosdegraussoltouumpalavrão.Enfiouamãonobolso.Viu-

seumclarãoeouviu-seumestampido.Porquestãodecentímetrosabalanãoacertouamoçamaisalta.

—Abaixe-se,Jane!—gritouJulius.—Nochãodocarro!—Empurrouamoçaparaafrente,depoisseergueueatirou.

—Acertou?—perguntouTuppence,comumberro.—Claro—respondeuJulius.—Maselenãomorreu.Nãoénadafácil

matarpatifescomoesses.Vocêestábem,Tuppence?—Claroqueestou!OndeestáTommy?Equeméeste?—Apontoupara

otrêmuloKramenin.— Tommy zarpou para a Argentina. Acho que ele pensou que você

tinha batido as botas. Arrebente o portão, George! Issomesmo. Eles vãolevar pelo menos uns cinco minutos para saírem em nosso encalço.Suponhoquevãousarotelefone,entãocuidadocomarmadilhasàfrente,enãopeguearotadireta.Vocêperguntouqueméeste,Tuppence?Permita-meapresentar-lhemonsieurKramenin.Convenci-oameacompanharnestaviagemparaobemdaprópriasaúdedele.

Orussosemanteveemsilêncio,aindalívidodeterror.—Mas o que convenceu o bando a nos deixar sair da casa?— quis

saberTuppence,desconfiada.—CreioquemonsieurKrameninaquipediucomtantadelicadezaque

elessimplesmentenãotinhamcomorecusar!Issofoidemaisparaorusso,queexplodiu,furibundo:—Maldito,maldito!Agoraelessabemqueostraí.Minhavidanãovai

durarnemmaisumahoranestepaís.—Osenhortemrazão—concordouJulius.—Euoaconselhoapartir

semdemoraparaaRússia.—Deixe-meir,então—exigiuKrameninaosberros.—Fizoqueme

pediu.Porqueaindameretémaqui?— Não é pelo prazer da sua companhia. Creio que o senhor pode

descer do carro agora, se quiser. Achei que o senhor preferia que eu olevassedevoltaaLondres.

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— Talvez o senhor jamais chegue a Londres — rosnou o russo. —Deixe-medesceraquieagora.

—Claro.Pareocarro,George.Ocavalheironãoquerfazeraviagemderegresso. Se algum dia eu for à Rússia,monsieur Kramenin, espero umarecepçãoestrondosae...

Mas antes que Julius pudesse terminar seu discurso, e antesmesmoque o automóvel parasse por completo, o russo atirou-se carro afora edesapareceunanoite.

—Estavaumpoucoimpacienteparanosdeixar—comentouJulius.—Enemsedeuao trabalhodesedespedirdemaneiraeducadadasdamas.Jane,vocêpodesesentarnobancoagora.

Pelaprimeiravezamoçafalou.—Comofoiquevocêo“convenceu”?—elaperguntou.Juliusdeutapinhasnaarma.—Ocréditoficatodocomo“PequenoWillie”aqui!— Esplêndido! — exclamou a jovem, que fitou Julius com olhos

admiradoseorostoafogueado.—Annetteeeunãosabíamosoqueiaacontecercomagente—disse

Tuppence.—AqueleWhittingtonnosarrancoudeláàspressas.Pensamosqueéramosovelhassendolevadasparaomatadouro.

—Annette—disseJulius.—Foiassimquevocêachamou?Amentedelepareciaestarseadaptandoaumanovaideia.—Éonomedela—disseTuppence,arregalandoosolhos.—Caramba!—exclamouJulius.—Talvezelaacreditequeessesejao

nomedelaporqueperdeuamemória,tadinha.MaséaJaneFinnverdadeiraeoriginalquetemosaqui.

—Oquê?—berrouTuppence.Mas ela foi interrompida. Num jato impetuoso, uma bala penetrou a

almofadadocarro,poucoatrásdacabeçadeTuppence.—Abaixem-se!—gritouJulius.—Éumaemboscada.Aquelessujeitos

nãoperderamtempoemnosperseguir.—Acelereumpouco,George.Ocarroganhouvelocidade.Ouviram-semaistrêstiros,masporsorte

asbalaspassaramlongedoalvo.Depé, Julius inclinou-sesobreatraseiradoautomóvel.

—Nãohánoqueatirar—eleanunciou,comtristeza.—Masachoque

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acoisanãovaipararporaqui.Levouamãoàmaçãdorosto.—Vocêestáferido?—perguntouAnnette.—Apenasumarranhão.Comumsalto,ajovemsepôsdepé.—Deixem-mesair!Deixem-mesair, estoupedindo!Pareocarro.Éa

mimqueelesquerem.Sóamim.Vocêsnãodevemperderavidaporminhacausa.Deixem-meir.—Elaestavaremexendonotrincodaporta.

Julius agarrou-a pelos dois braços e fitou-a. Ela tinha falado sem omenorvestígiodesotaqueestrangeiro.

—Sente-se,menina—eledissegentilmente.—Creioquenãohánadade errado com a sua memória. Conseguiu enganá-los esse tempo todo,hein?

A garota olhou para ele e fez que sim com a cabeça; depois,subitamenteirrompeuemlágrimas.Juliusafagouseuombro.

—Calma,calma,tudobem,fiquesentadinha.Nãodeixaremosvocêsairdaqui.

Porentreossoluços,ajovemdissenitidamente:—Vocêédaminha terra.Possoperceberpor suavoz. Issomedeixa

comsaudadedecasa.—É claro que sou da sua terra. Sou seu primo, JuliusHersheimmer.

Vim à Europa apenas para encontrar você, e você me deixou de cabeçaquenteemecolocounumabelaenrascada.

Ocarrodiminuiuavelocidade.Georgefalouporcimadoombro:—Umaencruzilhadaaqui,senhor.Nãoseiaocertoocaminho.Ocarro foidesacelerandoatéquaseparar.Nessemomento,umvulto

empoleirou-se de repente no estribo e enfiou a cabeça no meio dosocupantesdoautomóvel.

—Desculpem—disseTommy,soltando-se.O rapaz foi saudado por uma mixórdia de exclamações confusas. E

respondeuacadaumaseparadamente:—Euestavanosarbustosjuntoàalameda.Pendurei-meatrásdocarro.

Porcausadavelocidadeemquevocêsiam,nãotivechancedemerevelar.Tudo o que pude fazer foi segurar as pontas agarrado ao carro. Agoradesçam,meninas!

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—Descer?—Sim.Háumaestaçãoaliadiante,estradaacima.Otremchegadaquia

trêsminutos.Sevocêsseapressarem,vãoconseguirpegá-lo.—Masdequediabosvocêestáfalando?—perguntouJulius.—Acha

quevamosenganá-lossaindodocarro?—Vocêeeunãosairemosdocarro.Apenasasgarotas.— Você está louco, Beresford. Louco varrido! Não pode deixar as

moçaspartiremsozinhas.Sevocêfizerisso,seráofimdapicada.Tommyvoltou-separaTuppence.— Tuppence, desça do carro de uma vez. Leve-a com você, e faça

exatamente o que eu digo.Ninguém vai fazermal a vocês. Vocês estão asalvo.TomemotremparaLondres.SigamdiretamenteparaacasadesirJamesPeelEdgerton.Mr.Carterresideforadacidade,mascomoadvogadovocêsestarãoseguras.

—Malditoseja!—berrou Julius.—Vocêestá louco. Jane, fiqueondeestá.

Comummovimentobrusco,TommytomouapistoladamãodeJuliuseapontou-aparaonorte-americano.

—Agoravocêsacreditamqueestoufalandosério?Saiamdaqui,vocêsduas,efaçamoquedigo—senãoeuatiro!

Tuppencesaltoudocarro,arrastandoatrásdesiarelutanteJane.— Vamos, está tudo bem. Se Tommy tem certeza, ele tem certeza.

Rápido.Vamosperderotrem.Asduascomeçaramacorrer.OfurorcontidodeJuliusexplodiu.—Masquediabos...Tommyinterrompeu-o.— Cale a boca! Quero ter uma conversinha com você, mr. Julius

Hersheimmer.

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25ahistóriadejane

Com o braço grudado no braço de Jane, arrastando-a pelo caminho,Tuppence chegou à estação. Seus ouvidos atentos perceberam o som dotremqueseaproximava.

—Depressa!—elaarquejou—,ouvamosperderotrem.Chegaram à plataforma no exato momento em que o trem parava.

Tuppenceabriuaportadeumcompartimentovaziodeprimeiraclasseeasduasdesabaram,semfôlego,sobreosassentosacolchoados.

Umhomemespiouo compartimento,depois seguiuem frenteparaovagão seguinte. Jane ficou nervosa e teve um sobressalto. Seus olhosdilataram-sedeterror.FitouTuppencecomexpressãointerrogativa.

—Achaqueéumdeles?—murmurou.Tuppencebalançouacabeça.—Não,não.Estátudobem—segurouamãodeJane.—Tommynão

teria nos mandado fazer isso a menos que tivesse certeza de que nãocorreríamosperigo.

—Maselenãoosconhececomoeuconheço!—amoçatremia.—Vocênãopodeentender.Cincoanos!Cincolongosanos!Àsvezeseuachavaqueiaenlouquecer.

—Nãofazmal,deixeparalá.Tudoissojápassou.—Já?Agora o trem semovia, rasgando a noite a uma velocidade cada vez

maior.Derepente,Janeseassustou:—Oquefoiisso?Julgueitervistoumrostoespreitandopelajanela.— Não, não há nada. Olhe— Tuppence foi até a janela e abaixou a

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cortina.—Temcerteza?—Absoluta.Aoutrapareceuacharqueeranecessárioformularumadesculpa:—Achoqueestouagindocomoumcoelhoassustado,maséquenão

consigoevitar.Seelesmepegassemagora,eles...—arregalouosolhos,queestavampasmados.

—Não!—implorouTuppence.—Encosteacabeça,enãopense.Estejacerta de que Tommy não teria dito que estamos seguras se de fato nãoestivéssemos.

—Omeuprimonãopensavaassim.Elenãoqueriaquefizéssemosisso.—Não—admitiuTuppence,umpoucodesconcertada.—Emquevocêestápensando?—perguntouJane,derepente.—Porquê?—Asuavozpareciatão...esquisita!—Euestavapensandonumacoisa—confessouTuppence.—Masnão

quero dizer o que era, não agora. Posso estar errada,mas creio que nãoestou. É apenas uma ideia queme apareceu na cabeça fazmuito tempo.Tommytambémpensounamesmacoisa,dissoeutenhoquasecerteza.Masvocênão temcomquepreocupar— teremos tempode sobrepara tratardisso mais tarde. E talvez nem seja verdade! Faça o que estou dizendo:encosteacabeçaaínobancoenãopenseemcoisaalguma.

—Voutentar—oslongoscílioscaíram,cobrindoosolhoscordeavelã.Tuppence,porsuavez,sentou-secomaespinhareta—numapostura

parecidacomumatentocãodeguarda.Acontragosto,estavanervosa.Seusolhosmoviam-secomoflechasdeumajanelaparaaoutra.Elareparounaposição exata do cordão de emergência. Teria sido difícil expressar empalavrasoqueelatemia.MasemsuamenteTuppenceestavabemlongedesentiraconfiançaexibidaemsuaspalavras.NãoqueelanãoacreditasseemTommy, mas de vez em quando era assolada por dúvidas de que umapessoa tão simples ehonesta comoelepudesse serpáreopara a sutilezadiabólicadoarquicriminoso.

Se conseguissem chegar em segurança à casa de sir James PeelEdgerton, tudo ficaria bem. Mas será que conseguiriam? As silenciosasforças de mr. Brown já não estariammobilizadas contra elas? Mesmo a

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últimaimagemdeTommy,comaarmaempunho,eraincapazdeconfortá-la.Aessaalturaele jápoderia ter sido subjugado, sobrepujadopelapurasuperioridade numérica dos adversários... Tuppence traçou seu plano deação.

QuandoporfimotremfoiparandolentamenteemCharingCross,Janearrumou-senobanco,sobressaltada.

—Chegamos?Nuncaacheiqueconseguiríamos!— Oh, já eu achei que chegaríamos sãs e salvas a Londres sem

problemas. Se é que vai haver alguma diversão, vai começar agora.Depressa,desça.Vamospegarumtáxi.

Um minuto depois passaram pela catraca, pagaram as passagens eentraramnumtáxi.

—King’s Cross— Tuppence instruiu omotorista. Ato contínuo, deuumpulonobanco.Noexatoinstanteemqueocarrosepôsemmovimento,umhomemenfiouacabeçajanelaadentro.Elatinhaquasecertezadequeeraomesmohomemquehavia entradono trem logoatrásdelas.Teveahorrívelsensaçãodeestarsendolentamentecercadaportodososlados.

— Sabe de uma coisa — ela explicou a Jane—, se eles acham queestamosindoparaacasadesirJames,vamosdesviá-losdanossapista.Aívãoimaginarqueestamosindofalarcommr.Carter.AcasadecampodeleficaemalgumlugarnonortedeLondres.

No cruzamento de Holborn havia um obstáculo na rua e o táxi foiobrigadoaparar.EraoqueTuppenceestavaesperando.

—Depressa—sussurrou.Abraaportadadireita!As duas moças desceram no meio do tráfego. Dois minutos depois

estavam sentadas dentro de outro táxi, voltando pelo mesmo caminho,dessaveznadireçãodeCarltonHouseTerrace.

—Pronto—disseTuppence,comgrandesatisfação.—Issovaidarumjeitoneles.Nãoconsigoevitaropensamentodequesoumesmoumbocadointeligente! Imagino como aquele taxista vai xingar! Mas tomei nota donúmerodocarrodeleeamanhãmandareiumvale-postal,paraqueelenãosaiaprejudicadoseforumhomemhonesto.Masqueguinadaéesta?Oh!

Ouviu-seumruídoásperoeestridenteeumbaque.Outrotáxicolidiracomodelas.

NumátimoTuppencesaiudocarroparaacalçada.Umpolicialvinhase

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aproximando.Antesqueele chegasse,Tuppenceentregou cincoxelins aomotoristaeemseguidaelaeJanemisturaram-seàmultidão.

—Ficaacoisadeumoudoispassosdaqui—disseTuppence,ofegante.OacidentetinhaocorridoemTrafalgarSquare.

—Vocêachaqueacolisãofoiumacidenteoufoidepropósito?—Nãosei.Podetersidoumacoisaououtra.Demãosdadas,asduasjovenscaminharamàspressas.—Talvez seja aminha imaginação—disseTuppencede repente—,

massintoqueháalguématrásdenós.—Depressa!—murmurouaoutra.—Oh,depressa!Elas estavam agora na esquina de Carlton House Terrace, e ficaram

mais aliviadas. Subitamente um homenzarrão, que parecia estar bêbado,barrouapassagem.

— Boa noite, senhoritas— soluçou ele. — Pra onde vão com tantapressa?

—Deixe-nospassar,porfavor—exigiuTuppence,categórica.—Quero apenas bater umpapo com a sua linda amiguinha aqui.—

Estendeu umamão trêmula e agarrou o ombro de Jane. Tuppence ouviupassos atrás de si. Não perdeu tempo sequer para averiguar se quem seaproximava era amigo ou inimigo. Abaixando a cabeça, repetiu umamanobra dos tempos da infância e acertou uma cabeçada na volumosabarriga do agressor. O sucesso dessa tática tão pouco cavalheiresca foiimediato.Ohomemcaiuestateladonacalçada.TuppenceeJanechisparam.A casa que procuravam ficava a poucosmetros dali. Quando chegaram àporta de sir James, estavam quase sem fôlego, mal conseguiam respirar.TuppenceagarrouacampainhaeJane,aaldraba.

Ohomemquehaviaimpedidoapassagemchegouaopédaescada.Porummomentoelehesitou,enesseinstanteaportaseabriu.Aostropeçõesas moças entraram juntas no vestíbulo. Sir James surgiu, saindo dabiblioteca.

—Olá!Queéisto?EleavançoueamparouJane,cujocorpocambaleavadeumladoparao

outro.Praticamentecarregou-aparaabibliotecaeaacomodounosofádecouro.Deumlicoreirosobreamesadespejoualgumasgotasdeconhaquenum copo e obrigou a moça a beber. Com um suspiro, ela endireitou o

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corpo,aindadeolhosansiososeamedrontados.—Estátudobem.Nãotenhamedo,minhafilha.Aquiasenhoritaestá

emsegurança.A moça começou a respirar de modo mais normal e seu rosto

recuperouacor.SirJamesfitouTuppencecomumolharzombeteiro.— Então a senhorita não está morta, miss Tuppence, assim como

aqueleseurapaz,Tommy,tambémnãoestava!— Não é fácil dar cabo dos “Jovens Aventureiros” — gabou-se

Tuppence.—Éoqueparece—dissesirJames,secamente.—Estoucertodeque

oseuempreendimentodeaventuraschegouaumfinalfelizedequeestamoçaaqui—voltou-separaosofá—émissJaneFinn?

Janesentou-sedireito.—Sim—ela respondeucalmamente.—Sou JaneFinn.Tenhomuito

paracontar.—Quandoasenhoritaestivermaisforte...—Não.Agora!—elaergueuumpoucoavoz.—Depoisqueeucontar

tudo,mesentireiforadeperigo.—Comoasenhoritaquiser—concordouoadvogado.SirJamessentou-senumadasgrandespoltronasdefrenteparaosofá.

Numfiapodevoz,Janecomeçouanarrarsuahistória.— Embarquei no Lusitania para assumir um emprego em Paris. Eu

estavatremendamentearrebatadapelaguerraedispostaaajudardeumamaneiraououtra.Eufaziaaulasdefrancês,eomeuprofessormedissequeestavam precisando de auxiliares num hospital de Paris, então escrevioferecendo osmeus serviços e fui aceita. Eu não tinha parente nenhum,assimessefoiojeitomaisfácildearranjarascoisas.

—QuandooLusitaniafoitorpedeado,umhomemveiofalarcomigo.Eujátinhareparadoneleantesejátinhapercebidoqueeleestavacommedode alguém ou de alguma coisa. Ele me perguntou se eu era uma norte-americanapatriotaemedissequetransportavapapéiscapazesdedecidiravida ou amorte para osAliados. Eme pediu para tomar conta deles. Eudevia ficar atenta a um anúncio que seria publicado no The Times. Se oanúncio não saísse eu deveria levar os documentos ao embaixador dosEstadosUnidos.

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— A maior parte do que aconteceu a seguir ainda me parece umpesadelo. Às vezes vejo nos meus sonhos... Vou passar rápido por essaparte.Mr. Danvers haviame dito para ficar alerta. Ele devia estar sendoseguido desde Nova York, mas achava que não. A princípio não tivedesconfiançaalguma,masnobarcoparaHolyheadcomeceiaficarinquieta.Haviaumamulherquesemprefaziaquestãodemeprocurarabordoparaconversar comigo e em geral era muito simpática, uma tal mrs.Vandemeyer.Nocomeçoeumesentibastantegrataaelapormetratarcomtantabondade;masotempotodoeusentiaquehavianelaalgumacoisadequeeunãogostava,enobarcoirlandêseuaviconversandocomhomensdeaspectoestranho,epelamaneiracomquemelançavamolharesdeduziqueestavamfalandodemim.Eumelembreiqueelaestavabempertodemim no Lusitania quando mr. Danvers me entregou o pacote, e de que,antesdisso,elatinhatentadoconversarcomeleemumaouduasocasiões.Comeceiaficarapavorada,masnãosabiaoquefazer.

— Tive a ideia maluca de descer em Holyhead e não seguir paraLondres naquele dia, mas logo vi que isso seria uma tremenda tolice. Aúnicacoisaqueeupodiafazereraagircomosenãohouvessenotadocoisaalguma, e torcer pelo melhor. A meu ver não conseguiriam me pegarcontantoqueeunãobaixasse a guarda.Umacoisa eu já tinha feito comoprecaução, rasguei o pacote de oleado, substituindo os documentos porpapéisembranco,depoiscostureidenovo.Assim,sealguémconseguissemeroubar,nãoteriaimportância.

“Minha preocupação agora era o que fazer com o documentoverdadeiro. Por fim, desdobrei os papéis, eram apenas duas folhas, ecoloquei-osentreduaspáginasdeanúnciosdeumarevista.Junteiecoleiasduasextremidadesusandoumpoucodagomadeumenvelope.Enroleieenfieiarevistanobolsodosobretudoesaíandandodespreocupadamente.

“EmHolyhead, tentei embarcar num vagão compessoas que nãomeinspirassem medo, mas estranhamente parecia haver sempre umamultidão ao meu redor empurrando-me e forçando-me justamente nadireção para onde eu não queria ir. Havia nisso algo de sobrenatural eassustador.Nofimdascontasmevinomesmovagãoemqueviajavamrs.Vandemeyer.Saíparaocorredor,mastodososcarrosestavamlotados,porissotivedevoltaremesentar.Eumeconsoleicomopensamentodeque

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haviaoutraspessoasnovagão,inclusiveumhomembastantebonitoesuaesposa, sentadosbemàminha frente.Entãoeumesentiquase felizatéotremchegarnosarredoresdeLondres.Eutinhamerecostadoe fecheiosolhos.Achoqueelesdevempensadoqueeuestavadormindo,masosmeusolhos não estavam exatamente fechados por completo, e de repente vi ohomembonitoretiraralgumacoisadedentrodesuamaletaeentregá-laamrs.Vandemeyer,equandoelefezisso,piscouparamim...

“Nãosoucapazdedizercomoessapiscadeladecertomodomedeixoucongeladadospésàcabeça.Omeuúnicopensamentofoiescaparcorredorafora o mais rápido possível. Eu me levantei, pelejando para aparentarnaturalidade e calma. Talvez eles tenham visto alguma coisa, eu não sei,masderepentemrs.Vandemeyergritou“Agora!”ejogoualgumacoisanomeunarizenaminhabocaquandotenteigritar.Nomesmoinstantesentiumaviolentapancadanapartedetrásdacabeça...

Jane estremeceu. Sir James murmurou algumas palavras desolidariedade.

— Não sei quanto tempo fiquei desacordada até recobrar aconsciência.Eumesentiadoenteenauseada.Eumevideitadanumacamaimunda, ladeadaporumbiombo,masouviduaspessoas conversandonoquarto.Umadelaseramrs.Vandemeyer.Tenteiescutaroquediziam,masaprincípionãoconseguientenderquasenada.Quandoporfimcomeceiamedarcontadoqueestavaacontecendo,fiqueiaterrorizada!Nãoseicomonãosolteiumberroalimesmo.

“Eles não tinham encontrado os papéis. Acharamo pacote de oleadocom as folhas em branco, e simplesmente ficaram loucos da vida! NãosabiamseeutinhatrocadoospapéisouseDanversestavacarregandoumamensagemfalsaenquantoaverdadeiraeraenviadadeoutramaneira.Elesfalaramem—elafechouosolhos—metorturarparadescobrir!

“Atéentãoeununcasoubeoqueeraomedo—overdadeiropânico!Acerta altura eles vieramme ver. Fechei os olhos e fingi que ainda estavaainda inconsciente, mas temia que eles ouvissem as batidas do meucoração. Porém, foram embora de novo. Comecei a pensar feito doida. Oqueeupoderiafazer?Semesubmetessemàtortura,eusabiaquenãoseriacapazderesistirpormuitotempo.

“De repentepenseina ideiadaperdadamemória.Oassunto sempre

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meinteressoueeujátinhalidomuitacoisaarespeito.Acoisatodaestavaaoalcancedasminhasmãos.Seeuconseguisselevaradianteofingimento,talvezmesalvasse.Fizumaoraçãoerespireifundo.Depoisabriosolhosecomeceiabalbuciaremfrancês!

“Namesmahoramrs.Vandemeyerapareceudetrásdobiombo.Orostodelaeratãomalignoquequasemorri,masesboceiumsorrisohesitanteeperguntei,emfrancês,ondeéqueeuestava.

“Davaparaverqueelaficouintrigada.Elachamouohomemcomquemeuaviraconversando.Eleparoujuntoaobiombo,comorostonasombra.Faloucomigoemfrancês.Asuavozerabastantecomumecalma,masporalgumrazão,nãoseiporquê,elemedeixouassustada,masseguiemfrenteecontinueiencenandomeupapel.Pergunteimaisumavezondeeuestava,edissetambémquehaviaalgodequeeutinhademelembrar,tinhademelembrar,masnomomento a coisa tinha sumido completamentedaminhacabeça.Fizforçaparamemostrarcadavezmaisaflita.Eleperguntouomeunome.Eudissequenão sabia—quenãoconseguiame lembrarde coisaalguma.

“De repente ele agarrou meu pulso e começou a torcê-lo. A dor eratremenda. Gritei. Ele continuou. Gritei e berrei, mas consegui emitirguinchosemfrancês.Nãosabiaquantotempoeuseriacapazdeaguentar,masporsortedesmaiei.Aúltimacoisaqueouvifoiavozdeledizendo:“Istonãoéumembuste!Emtodocaso,umameninadaidadedelanãoteriacomosabertantoassim”.Eleesqueceuqueasmoçasnorte-americanassãomaismadurasparaasuaidadedoqueasinglesasequeseinteressammaisporassuntoscientíficos.

“Quandorecobreiossentidos,mrs.Vandemeyerestavadocecomomelemetratoumuitobem.Achoquedeveterrecebidoordens.Faloucomigoemfrancês—dissequeeutinhasofridoumabaloeestavamuitodoente.Mas que em breve estaria melhor. Fingi estar bastante confusa —murmureialgumacoisaarespeitodo“médico”quehaviamachucadomeupulso.Elapareceualiviadaquandoeudisseisso.

“Logodepoiselasaiudoquarto.Euaindaestavadesconfiada,eporumbomtempofiqueideitadaemsilêncio.Nofimdascontas,porém,eumepusdepéecaminheipeloquarto,examinandoolugar.Penseiquemesmoquealguém estivesse me vigiando de algum lugar, o que eu estava fazendo

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pareceria bastante natural sob aquelas circunstâncias. Era um quartoesquálidoeimundo.Nãohaviajanelas,oquepareciaestranho.Supusqueaporta estava trancada, mas não tentei abri-la. Nas paredes havia algunsquadrosbastantevelhosedanificados,representandocenasdoFausto.

Osdoisouvintesdorelatode Janesoltaramum“Ah!”emuníssono.Ajovemmeneouacabeça.

—Sim,eraacasaemSohoondemr.Beresfordfoiaprisionado.ÉclaroquenaquelemomentoeunemsequersabiaqueestavaemLondres.Umacoisameafligiademaneirapavorosa,masomeucoraçãopalpitoudealívioquando vi meu sobretudo atirado displicentemente sobre o espaldar deumacadeira.Earevistaaindaestavaenroladadentrodobolso!

“Seaomenoseupudessetercertezadequenãoestavasendovigiada!Examineiminuciosamenteasparedes.Nãopareciahavernenhumtipodeorifício por onde pudessemme espiar—mesmo assim eu estava quasecertadequedeviahaveralguémdeolhoemmim.Derepenteeumesenteinabordadamesa,escondiorostoentreasmãosesolucei:“MonDieu!MonDieu!”. Tenho a audiçãomuito apurada. Ouvi nitidamente o roçar de umvestidoeumleverangido.Issofoiosuficienteparamim.Euestavasendovigiada!

“Eu me deitei de novo na cama, e logo depois mrs. Vandemeyerapareceutrazendoumarefeição.Elacontinuavaumdocecomigo.Achoquehaviasidoinstruídaaganharminhaconfiança.Aseguirelamemostrouopacote de oleado e, fitando-me com olhos de lince, perguntou se eureconheciaaquilo.

“Peguei o pacote, virei-o de um lado para o outro, simulando estarintrigada.Depoisbalanceiacabeça.Eudissequeaminhasensaçãoeraadequeeudeviamelembrardealgumacoisareferenteaopacote,queeracomose tudo estivesse voltando, e depois, num piscar de olhos, antes que eupudesserecordarqualquer fato,acoisamefugiadenovo.Entãoeladissequeeuerasobrinhadelaedeveriachamá-lade“TiaRita”.Obedeci,eelamedissequeeunãoprecisavamepreocupar—minhamemóriavoltariaembreve.

“Essa noite foi horrível. Enquanto esperava por ela, elaborei o meuplano.Atéaquelemomentoospapéisestavamasalvo,maseunãopodiamearriscaradeixá-losalipormaistempo.Aqualquerminutopoderiamjogar

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foraarevista.Fiqueideitadanacamadeolhosabertos,devigília,atéquejulgueiquejáeramduashorasdamanhã.Entãoeumelevanteisemfazerruídoe,devagarinho,péantepé,tateeinaescuridãoaparededaesquerda.Com a maior delicadeza possível, desenganchei um dos quadros —Margaridaeoestojodejoias.Rastejeiatéosobretudoepegueiarevistaeumoudoisenvelopesqueeutinhaenfiadoentreaspáginas.Depoisfuiatéa pia e umedeci bem o papel pardo da parte de trás do quadro. Nãodemoroumuitoatéqueeuconseguissearrancá-lo.Eujáhaviadestacadodarevista as duas páginas coladas e agora as coloquei, com o seu preciosoanexo,entreoquadroesuacamadatraseiradepapelpardo.Umpoucodegomadosenvelopesajudou-meacolardenovoopapel.Ninguémsonhariaqueoquadrohaviasidomanipulado.Pendurei-onovamenteevolteiparaacama.Estava satisfeita comoesconderijoqueeuhavia improvisado.Elesjamais pensariam em despedaçar um de seus próprios quadros. MinhaesperançaeraquechegassemàconclusãodequeDanversestiveraotempotodocarregandodocumentosfalsos,equenofimmedeixassemirembora.

“Abemdaverdade,creioquenocomeçofoiissoqueelespensaram,eque em certo sentido isso era perigoso para mim. Depois eu soube queestiveram na iminência de acabar comigo alimesmo— não haviamuitaesperançade“medeixaremirembora”,masoprimeirohomem,queeraochefe,preferiumemanterviva,porpensarquetalvezeutivesseescondidoos papéis e pudesse dizer onde estavam se recuperasse a memória.Durante semanas fui submetida a uma vigilância constante. Às vezesmefaziam perguntas de hora em hora, pareciam saber tudo a respeito deinterrogatóriosexaustivos,masdealgumamaneira,nãoseicomo,conseguiseguraraspontas.Porém,atensãoeraterrível...

“Levaram-medevoltaparaaIrlanda,refazendopassoapassootrajeto,paraocasodeeuhaverescondidoosdocumentosemalgumlugarenroute.Mrs. Vandemeyer e outra mulher não desgrudaram de mim um sómomento.Falavamdemimcomoumajovemparentademrs.Vandemeyercujamente fora afetada pelo abalo sofrido como naufrágio doLusitania.Não havia ninguém a quem eu pudesse pedir ajuda sem que medenunciasse a eles, e se eu me arriscasse e fracassasse — e mrs.Vandemeyerpareciatãorica,vestidacomtantaelegância,quemeconvencidequeseriaminhapalavracontraadeles,equealegariamqueeraparteda

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minhaperturbaçãomentalacharqueestavasendo“perseguida”—,tinhaasensaçãode que os horrores àminha espera seriam terríveis demais tãologodescobrissemqueeuestiveraapenasfingindo.

SirJamesmeneouacabeça,demonstrandocompreensão.—Mrs.Vandemeyereraumamulherdepersonalidadepoderosa.Com

isso e a posição social de que ela desfrutava, teria pouca dificuldade emfazervalerospontosdevistadelacontraosseus,missJane.Suasacusaçõesespetacularescontraelanãoteriamcrédito.

—Foi o que pensei. Acabarammemandando para um sanatório emBournemouth.Nocomeçoeunãoconseguisaberseaquiloeraumafarsaouseeradeverdade.Umaenfermeirafoiincumbidadecuidardemim.Euerauma doente especial. Ela parecia tão bondosa e normal que no fim dascontas resolvi confiar nela. Uma providênciamisericordiosa salvou-me atempo de cair na armadilha. Numa ocasião a porta domeu quarto ficouentreabertaeeuaouviconversandocomalguémnocorredor.Ela eradaquadrilha! Eles ainda imaginavam que podia ser uma fraude da minhaparte,eelaforaencarregadadetomarcontademimparadescobrir!Depoisdisso,perdicompletamenteasforças.Nãoousavaconfiaremninguém.

“Achoquequasemehipnotizei.Depoisdealgumtempo,quaseesquecique eu era Jane Finn. Estava tão determinada a fazer o papel de JanetVandemeyer que os meus nervos começaram a pregar peças em mim.Adoecideverdade—durantemesesmergulheinumaespéciedeestupor.Tinha certeza de que em pouco tempo eu morreria, e nada mais meimportava. Uma pessoa sã trancafiada num manicômio acabainvariavelmente ficando louca, é o que dizem. Acho que eu estava nessasituação.Representarmeupapel tinha se tornadouma segundanaturezaparamim.Nofimeujánãoestavanemmesmoinfeliz,apenasapática.Nadamaispareciaterimportância.Eosanosforampassando.

“Eentão,derepentepareceuqueascoisascomeçaramamudar.Mrs.Vandemeyer veio de Londres. Ela e o médico me fizeram perguntas,testaramdiversostratamentos.OuviconversassobrememandaremaumespecialistaemParis,masnofimnãoousaramcorrerorisco.Ouvialgoqueparecia mostrar que outras pessoas, amigos, estavam à minha procura.MaistardeeusoubequeaenfermeiraquecuidarademimtinhaidoaParisafimdeseconsultarcomoespecialistaeseapresentouaodoutorfingindo

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ser eu mesma. Ele a submeteu a exames minuciosos e constatou que aperdadememóriaporelaalegadaerafraudulenta;maselatomounotadosmétodos do especialista e os reproduziu comigo. Creio que eu não teriaconseguido enganar esse médico nem por uma fração de segundo, umhomemquededicatodaasuavidaaoestudodeumaúnicacoisanãotemparalelo,porém,maisumavez consegui ludibriaraquelagente.O fatodequeeumesmajánãomeconsideravaJaneFinnfacilitouascoisas.

—Certa noite fui levada às pressas para Londres, novamente para acasa em Soho. Assim queme vi fora do sanatório eume senti diferente,como se alguma coisa sepultada havia muito tempo dentro de mimestivessedespertando.

— Mandaram-me para lá com o propósito de que eu servisse mr.Beresford(éclaroquenaquelaocasiãoeunãosabiaonomedele).Fiqueidesconfiada,acheiquese tratavadeoutraarmadilha.Maseleparecia serumhomem tão honesto que eumal podia acreditar nasminhas própriassuspeitas.Porém,mantive a cautela em tudoqueeudizia, pois sabiaquepoderiamestaràescuta.Haviaumpequenoorifícionoaltodaparede.

—Masnumatardededomingoalguémapareceunacasatrazendoumamensagem. Todos ficaram agitados. Sem que percebessem, escutei. Eraumaordemparamatarmr.Beresford.Nãoprecisocontarapartedoqueaconteceuaseguir,porquejásabem.Acheiqueteriatempoparacorrerláemcimaetirarospapéisdoesconderijo,masmeagarraram.Griteiqueeleestava fugindo e que eu queria voltar para junto deMarguerite. Berrei onome três vezes, com toda a força dos pulmões. Eu sabia que os outrospensariam que eu estava falando de mrs. Vandemeyer, mas tinha aesperançadequemr.Beresfordpensassenoquadro.Noprimeirodialáeletinhatiradooquadrodaparede,foioquemefezhesitaremconfiarnele.

Fezumapausanorelato.—Entãoospapéis—dissesirJames,pausadamente—aindaestãonas

costasdoquadro,naquelequarto.—Sim—a jovem tinha afundadono sofá, exausta como esforçoda

longahistória.SirJamessepôsdepé.Consultouorelógio.—Venham—eledisse.—Devemossairimediatamente.—Hoje?—indagouTuppence,surpresa.

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— Amanhã talvez seja tarde demais — alegou sir James, em tomsolene. — Além disso, se formos agora à noite temos uma chance decapturarograndehomemesupercriminosomr.Brown!

Seguiu-seumsilênciofunestoesirJamescontinuou:—Assenhoritasforamseguidasatéaqui,dissonãohádúvida.Quando

sairmosseremosseguidosnovamente,masninguémnosmolestará,poisoplanodemr.Brownéqueoguiemos.MasacasaemSohoestásobvigilânciapolicialnoiteedia.Hávárioshomensdeguardalá.Assimqueentrarmosnacasa,mr.Brownnãorecuará—arriscará tudodiantedapossibilidadedeobterafaíscaparafazerexplodirasuadinamite.Eeleimaginaqueorisconãoserádosmaiores,poisentrarádisfarçadodeamigo!

Tuppencecorou;depoisabriuabocaimpulsivamente.—Masháumacoisadequeosenhornãosabe,algoquenãocontamos

aosenhor—perplexos,osolhosdelapousaramsobreJane.— O que é? — perguntou o advogado, rispidamente. — Nada de

hesitações,missTuppence.Precisamosestarsegurosdosnossosatos.MasTuppence,pelaprimeiravez,pareciaestardelínguaatada.—Étãodifícil,osenhorcompreende,seeuestiverenganada,oh,seria

horrível!—fezumacaretaaoolharparaaadormecidaJane.—Eununcameperdoaria—elacomentou,demaneiraenigmática.

—Asenhoritaquerqueeuaajude?—Sim,porfavor.Osenhorsabequemémr.Brown,nãosabe?—Sim—respondeusirJames,muitosério.—Finalmenteeusei.—Finalmente?—indagouTuppence,emtomdedúvida.—Oh,maseu

pensei—esecalou.— A senhorita pensou corretamente, miss Tuppence. Já faz algum

tempoquetenhocertezaabsolutaquantoàidentidadedele,desdeanoitedamortemisteriosademrs.Vandemeyer.

—Ah!—exclamouTuppence,ofegante.—Porqueestamosdiantedalógicadosfatos.Sóháduassoluções.Ou

ela serviu a si mesma o cloral, teoria que rejeito peremptoriamente, ouentão...

—Sim?—Ouentãoadrogafoiministradanoconhaquequeasenhoritadeua

ela. Apenas três pessoas tocaram naquele conhaque: a senhorita, miss

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Tuppence,eu,e...mr.JuliusHersheimmer!JaneFinnseremexeu,despertoueendireitouocorponosofá,fitandoo

advogadocomolhosarregaladosdeespanto.— A princípio a coisa parecia absolutamente impossível. Mr.

Hersheimmer, filho de um milionário proeminente, é uma figura muitoconhecidanosEstadosUnidos.Aparentementeseriaabsurdosuporqueeleemr.Brownfossemamesmapessoa.Masnãosepodeescaparàlógicadosfatos. Jáqueéassim,éprecisoaceitar.Lembre-sedasúbitae inexplicávelagitaçãodemrs.Vandemeyer.Outraprova,seéquehavianecessidadedeprovas.

— Aproveitei a primeira oportunidade que tive para lhe fazer umaindiretaaesserespeito,missTuppence.Porcontadealgumaspalavrasdemr.HersheimmeremManchester,concluíqueasenhoritahaviaentendidominhainsinuaçãoejácomeçaraaagir.Depoispusmãosàobraparaprovarqueoimpossívelerapossível.Mr.Beresfordtelefonou-meemecontoualgode que eu já suspeitava, que na realidade a fotografia demiss Jane Finnjamaissaíradopoderdemr.Hersheimmer.

Mas a garota o interrompeu. Dando um salto do sofá, ela berrou,furiosa:

—Doqueosenhorestáfalando?Oqueestátentandosugerir?Quemr.BrownéJulius?Julius,omeupróprioprimo!

—Não,missFinn—negousir James, inesperadamente.—Nãoéseuprimo. O homem que diz se chamar Julius Hersheimmer não temparentescoalgumcomasenhorita.

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26mr.brown

Aspalavras de sir James tiveramo efeito de umabomba.As duasmoçaspareciam igualmente perplexas. O advogado caminhou até a suaescrivaninhaevoltoucomumpequeno recortede jornal,queentregouaJane. Tuppence leu-o por cimado ombroda outramoça.Mr. Carter teriareconhecido o recorte. Era uma notícia referente ao misterioso homemencontradomortoemNovaYork.

—ComoeuestavadizendoamissTuppence—oadvogadoreiniciousua fala—, pusmãos à obra no sentido de provar que o impossível erapossível.OgrandeobstáculoeraofatoinegáveldequeJuliusHersheimmernãoeraumnome falso.Quandomedeparei comestanotíciano jornal, oproblemaestavaresolvido.JuliusHersheimmerestavadispostoadescobriroquetinhaacontecidocomsuaprima.FoiaoOeste,ondeobtevenotíciasdaparentaeumafotografiadelaparaajudá-loemsuasbuscas.NavésperadasuapartidadeNovaYork,foiviolentamenteatacadoeassassinado.Seucadáver foi vestido com roupas esfarrapadas e seu rosto foi desfiguradopara evitar a identificação. Mr. Brown tomou o lugar dele. Embarcouimediatamente para a Inglaterra. Nenhum amigo íntimo do verdadeiroHersheimmer o viu antes de o navio zarpar, a bem da verdade poucoimportariasealguémtivessevisto,poisapersonificaçãoeraperfeita.Desdeentão ele acompanha bem de perto os passos daqueles que jurarampersegui-lo até capturá-lo. Sabe todos os segredos dos adversários.Somente numa ocasião esteve perto do desastre. Mrs. Vandemeyerconhecia o segredo dele. Não fazia parte dos planos de mr. Brown queaquele vultoso suborno fosseoferecido àmulher.Não tivesse sido a feliz

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alteração nos planos de miss Tuppence, a mulher já estaria longe doapartamentoquandoláchegássemos.Mr.Brownencaroudepertoofimdafraude.Tomouumamedidadesesperada,confiandonasuaidentidadefalsaparaevitarsuspeitas.Quaseobteveêxito,masnãoexatamente.

— Não posso acreditar — murmurou Jane. — Ele parecia tãoesplêndido!

—OverdadeiroJuliusHersheimmereraumsujeitoesplêndido!Emr.Brownéumperfeitoator.MaspergunteamissTuppenceseela tambémnãotinhaassuasprópriasdesconfianças.

Muda,Janevirou-separaTuppence,quemeneouacabeça.—Eunãoqueriadizer, Jane,sabiaquevocêficariamagoada.E,afinal

decontas,eunãotinhacerteza.Aindanãocompreendoumacoisa:seeleémr.Brown,porquenossalvou?

—FoiJuliusHersheimmerquemasajudouaescapar?Tuppence narrou a sir James os emocionantes eventos da noite e

concluiu:—Masnãoconsigoatinarcomoporquê!—Nãoconsegue?Euconsigo.EojovemBeresfordtambémconsegue,a

julgarpelasaçõesdele.Comoúltimaesperança,decidiramdeixarJaneFinnfugir—eafugadeveriaserorquestradadeformaqueelanãolevantasseamenorsuspeitadequesetratavadeumardil.Elesnadafariamparaevitara presença de Beresford nas vizinhanças e, se necessário, permitiriaminclusivequeelesecomunicassecomasenhorita,missTuppence.Somentena hora certa tomariam alguma medida para tirá-lo do caminho. EntãoJulius Hersheimmer surge do nada e salva as duas em um estiloverdadeiramente melodramático. Tiros são disparados, mas ninguém éatingido. O que teria acontecido depois? As senhoritas rumariamdiretamenteparaa casaemSohoa fimde reaverodocumento,quemissFinnprovavelmenteentregariaaoscuidadosdoprimo.Ou, seelepróprioempreendesse a busca, fingiria queo esconderijo já havia sido saqueado.Eleteriaumadúziademaneiraspararesolverasituação,masoresultadoseriaomesmo.Eimaginoquedepoisdissoalgumacidenteaconteceriacoma senhorita, miss Tuppence, e também com miss Jane. Ambas sabemdemais,entendem?Issoseriainconvenienteparaele.Enfim,esseéapenasum esboço grosseiro. Admito que as senhoritas me pegaram de calçascurtas,desprevenido;masháalguémquenãoestavadesprevenido.

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—Tommy—murmurouTuppence.— Sim. Evidentemente, quando chegou a hora de se livrar dele, mr.

Beresfordmostrou que era esperto demais para o bando. Mesmo assim,nãoestoumuitotranquiloarespeitodaquelerapaz.

—Porquê?—Porque JuliusHersheimmer émr. Brown— respondeu sir James,

secamente.—Eéprecisomaisdoqueumhomemeumrevólverparadetermr.Brown...

Tuppenceempalideceuumpouco.—Oquepodemosfazer?— Nada enquanto não formos à casa em Soho. Se Beresford ainda

estiver no controle da situação, não há o que temer. Caso contrário, oinimigoviráatrásdenós,enãonosencontrarádespreparados!—Deumagaveta da escrivaninha o advogado tirou um revólver do Exército ecolocou-onobolsodocasaco.

—Agora,estamosprontos.Apostoqueémelhornemsugerirqueeuvásemasenhorita,missTuppence...

—Sim,defatoémelhor!— Mas sugiro que miss Finn fique aqui. Ela estará em perfeita

segurança, e creio que deve estar se sentindo absolutamente exaustadepoisdetudoporquepassou.

Mas,paraasurpresadeTuppence,Janebalançouacabeça.—Não. Acho que eu tambémvou. Aqueles papéis foram confiados a

mim.Devoiratéofimcomaminhaincumbência.Detodomodo,estouummontãodevezesmelhoragora.

SirJamesmandoutrazeremocarro.Duranteocurtotrajeto,ocoraçãode Tuppence batia violentamente. Apesar dos momentâneos e súbitosacessos de inquietação acerca de Tommy, era inevitável que se sentisseexultante.Elesvenceriam!

Ocarroestacionounaesquinadapraçaeostrêsdesceram.SirJamesfoifalarcomumdetetivequeestavadeserviçodiantedacasajuntamentecomváriosoutrospoliciaisàpaisanatambémdeguarda.Depoissereuniudenovoàsduasmoças.

—Atéagoraninguémentrounacasa.Háguardasnosfundostambém,porissoelestêmabsolutacertezadisso.Qualquerpessoaquetentarentrar

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atrásdenósserápresaimediatamente.Vamoslá?Um dos policiais sacou uma chave. Todos eles conheciam sir James

muito bem. Também haviam recebido ordens a respeito de Tuppence.Somenteoterceiromembrodogrupoeraumadesconhecidaparaeles.Ostrês entraram na casa, fechando a porta atrás de si. Subiram devagar osraquíticos degraus da escada. No topo estava a cortina esfarrapada queocultava o nicho ondeTommy se escondera naquele dia. Tuppence tinhaouvido a história da própria Jane (ainda em seu personagem “Annette”).Fitoucominteresseoveludoempedaços.Mesmoagoraelaquasepoderiajurarqueopanosemovia,comosealguémestivessealiatrás.Ailusãofoitãofortequeelaquaseimaginousercapazdedistinguirocontornodeumaformahumana...Esemr.Brown,Julius,estivessealiesperando...?

Impossível, é claro! Mesmo assim ela quase voltou para afastar acortinadelado,apenasparatercerteza...

Agora estavam entrando no quarto-prisão. Ali não havia lugar ondealguémpudesseseesconder,pensouTuppencecomumsuspirodealívio,enquanto repreendia a simesma, indignada. Ela não podia se entregar afantasias tolas— aquela curiosa e insistente sensação de quemr.Brownestavanacasa...atenção!Oque foi isso?Passos furtivosnaescada?Haviaalguémnacasa!Absurdo!Elaestavaficandohistérica.

JanetinhaidoimediatamenteaoquadrodeMargarida.Commãofirme,tirou-odoprego.Entreoquadroeaparedehaviaumaespessacamadadepoeiraeumaguirlandadeteiasdearanha.SirJamesentregouàmoçaumcaniveteeelacortouopapelpardodapartedetrás...Apáginadeumdosanúnciosderevistacaiu. Janeapegou.Separandoasesgarçadasmargenscoladas,retirouduasfinasfolhasdepapelcobertasdetexto!

Nadadedocumentosfalsosdestavez!Acoisaverdadeira!—Conseguimos!—disseTuppence.—Finalmente...Omomentoeradetantaemoçãoqueostrêsquaseficaramforadesi.

Agoraestavamesquecidosos levesrangidos,osruídos imaginadosdeumminutoatrás.Nenhumdeles tinhaolhosparaoutracoisaquenão fosseoqueJaneseguravanasmãos.

Sir James tomou os papéis entre as mãos e examinou-osatenciosamente.

—Sim—eledisse,sossegado.—Éamalfadadaminutadotratado!

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—Tivemos êxito— disse Tuppence. Em sua voz haviamedo e umaincredulidadequaseespantada.

Sir James ecoou as palavras dela enquanto dobrou com cuidado ospapéiseguardou-osemsuacadernetadeapontamentos.Depoisfitoucomcuriosidadeoquartoesquálido.

— Então foi aqui que o seu jovem amigo ficou confinado por tantotempo, não? — ele perguntou. — Um quarto verdadeiramente sinistro.Repare na ausência de janelas e na espessura desta porta sem frestas. Oqueacontecesseaquijamaisseriaouvidopelomundoexterior.

Tuppence estremeceu. Essas palavras despertaram nela um vagosobressalto.Esealguémestivessemesmoescondidonacasa?Alguémquepoderia trancar aquela porta por fora e abandoná-los à própria sorte,deixá-losparamorreralidentrocomoratosnumaratoeira?Imediatamenteelasedeucontadoabsurdodeseupensamento.Acasaestavacercadaporpoliciais, que, caso eles não reaparecessem, não hesitariam em invadir efazerumabuscameticulosa.Elasorriudasuaprópriatolice,depoisergueuosolhoselevouumsustoaoperceberquesirJamesafitavafixamente.Oadvogadomeneouenfaticamenteacabeça.

— Muito bem, miss Tuppence. A senhorita pressente o perigo. Eutambém.EmissFinntambém.

—Sim—admitiuJane.—Éabsurdo,masnãopossoevitar.SirJamesmeneounovamenteacabeça.— A senhorita sente, como todos nós sentimos, a presença de mr.

Brown.Sim—Tuppencefezummovimento—,nãohádúvida:mr.Brownestáaqui...

—Nestacasa?—Nestequarto...Asenhoritanãocompreende?Eusoumr.Brown...Estupefatas, incrédulas, as duas jovens encararam o advogado. A

própriafisionomiadohomemhaviasealterado.Eraumapessoadiferentequeagoraestavaalidepédiantedelas.Eleabriuumsorrisolentoecruel.

—Nenhumadasduassairávivadestequarto!Asenhoritaacaboudedizer que nós vencemos. Eu venci! A minuta do tratado é minha —alargandoaindamaisosorriso,encarouTuppence.—Devodizeroquevaiacontecer?Maiscedooumaistardeapolíciaentraránacasaeencontrarátrêsvítimasdemr.Brown, três,nãoduas,entendabem,mas felizmentea

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terceiranãoestarámorta, apenas ferida, e terá condiçõesdedescreveroataquecomriquezadedetalhes!O tratado?Estánasmãosdemr.Brown.Assim,ninguémpensaráemrevistarosbolsosdesirJamesPeelEdgerton!

Oadvogadovoltou-separaJane.—Asenhoritafoimaisespertadoqueeu.Reconheço.Masissonunca

maisvoltaráaacontecer.Ouviu-se um leve ruído por trás do homem; porém, inebriado pelo

triunfo,elenemsequervirouacabeçaparaolhar.Enfiouamãonobolso.— Xeque-mate nos “Jovens Aventureiros” — ele anunciou, e

lentamenteergueuaenormearmaautomática.Masnesseexatomomentosentiuquedoisparesdepulsosde ferroo

agarravamportrás.Orevólverfoiarrancadodesuamão,eouviu-seavozarrastadadeJuliusHersheimmer:

—Parecequeosenhorfoipegoemflagrante,comabocanabotija.OrostodoConselheiroRealficouafogueado,masseuautocontroleera

admirável, e ele se limitou a fitar os dois homens que o detiveram. Seuolhardemorou-semaisemTommy.

—O senhor— elemurmurou entredentes.—O senhor! Eu já deviasaber.

Vendo que sir James não parecia disposto a oferecer resistência,Tommy e Julius afrouxaram o aperto. Rápido como um raio, o advogadolevouaoslábiosamãoesquerda,amãocomoaneldesinete...

— “Ave, Caesar! te morituri salutant”[13] — ele disse, ainda fitandoTommy.

Depois seu rosto se alterou e, com um longo tremor convulsivo, seucorpo tombou para a frente e caiu amontoado, enquanto um odor deamêndoasamargasimpregnavaoar.

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27umjantarnosavoy

O jantar oferecido por mr. Julius Hersheimmer a um pequeno grupo deamigosnodia30seráeternamente lembradonoscírculosgastronômicos.Oeventofoirealizadonumsalãoprivativoeasordensdemr.Hersheimmerforamsucintaseenérgicas.Eledeucartabranca—equandoummilionáriodácartabranca,geralmenteconsegueoquequer!

No jantar serviu-se todo tipo de iguarias e guloseimas. Os garçonsandavam de um lado para o outro carregando com cuidado e carinhogarrafasdevinhosesplêndidoseclássicos.Adecoraçãofloraldesafiavaasestações,e,comoquepormilagre,frutoscolhidosemmesestãodistantescomomaio e novembro figuravam lado a lado. A lista de convidados erapequena.Oembaixadornorte-americanoemr.Carter,que—palavrasdele— tomou a liberdade de levar consigo um velho amigo, sir WilliamBeresford;oarquidiáconoCowley,odr.Hall,osdois jovensaventureiros,miss Prudence Cowley e mr. Thomas Beresford; e, por último, comoconvidadadehonra,missJaneFinn.

Julius não havia poupado esforços para que o aparecimento de JaneFinnfosseumsucesso.UmabatidamisteriosalevaraTuppenceàportadoapartamento que ela estava dividindo com a jovemnorte-americana. EraJulius,emcujasmãoshaviaumcheque.

— Escute, Tuppence, você me faria um favor? Tome isto aqui e seencarreguedeembelezarJanecomroupaschiquesparahojeànoite.VocêstodosvirãojantarcomigonoSavoy.Certo?Nãoeconomize.Entendeu?

—Comcerteza—Tuppencearremedouonorte-americano.—Vamosnosdivertir!SeráumprazercuidardaroupadeJane.Elaéacoisinhamais

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lindaqueeujávi.—Elaémesmo—concordoumr.Hersheimmer,entusiasticamente.TamanhofervorfezcomqueosolhosdeTuppencecintilassemporum

momento.—A propósito, Julius— ela comentou, com seriedade fingida—, eu

aindanãodeiaminharespostaavocê.—Resposta?—repetiuJulius,comorostopálido.—Vocêsabe...quandovocêmepediuem...emcasamento—balbuciou

Tuppence,hesitante, tropeçandonaspalavraseolhandoparaosprópriospés, à maneira de uma legítima heroína vitoriana — e disse que nãoaceitaria“não”comoresposta.Penseimuitonoassunto...

—Eentão?—quissaberJulius,emcujatestabrotaramgotasdesuor.Desúbito,Tuppencemostroucompaixão.—Seugrande idiota!—ela exclamou.—Masporque cargasd’água

você tevea ideiade fazer aquilo?Nahorapudeverquevocênãodavaamínimaparamim!

—Claroquenão.Sempretive,eaindatenho,porvocêosmaiselevadossentimentosdeestimaerespeito...eadmiração...

—Ahã!—zombouTuppence.—Esseéotipodesentimentoquelogovai para o brejo quando entra em cena um outro sentimento! Não éverdade,meuvelho?

— Não sei do que você está falando — Julius se defendeu comveemência, mas a essa altura seu rosto estava tomado por uma vastamanchaderubor.

— Ora bolas! — rebateu Tuppence. Ela gargalhou e bateu a porta,reabrindo-a para acrescentar, comar de dignidade:—Doponto de vistamoral,parasempreheideconsiderarquevocêmedeuumfora.

—Quemera?—perguntouJaneassimqueTuppencefoifalarcomela.—Julius.—Oqueelequeria?— Na verdade, acho que queria ver você, mas não deixei. Só hoje à

noite, quando você fizer uma entrada triunfal e deslumbrante como reiSalomãoemtodaasuaglória...Venha!Vamosàscompras!

Para a maioria das pessoas, o dia 29, o tão alardeado “Dia dosTrabalhadores”,passoucomooutrodiaqualquer.HouvediscursosnoHyde

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Park e em Trafalgar Square. Passeatas esparsas, entoando a BandeiraVermelha,zanzaramaesmopelasruas,demaneiramaisoumenosvaga.Osjornais que haviam insinuado uma greve geral e a instauração de umreinado de terror foram obrigados a esconder suas cabeças,envergonhados.Osmaisousadosemaisastutosentreelestentaramprovarqueapazsóforaobtidaporqueseusconselhoshaviamsidoseguidos.Nosjornais de domingo tinha sido publicada uma notinha sobre a morterepentinadesirJamesPeelEdgerton,ofamosoadvogadoeconselheirodoreiparaassuntosdejustiça.Osperiódicosdasegunda-feiraenalteceramofalecidoerasgaramelogiosàsuacarreiranasleis.AscircunstânciasexatasdamorterepentinadesirJamesjamaisvieramapúblico.

AsprevisõesdeTommyacercadasituaçãoseconfirmaram.Tudotinhasidoobradeumsóhomem.Privadadochefe,aorganizaçãodesmoronou.KrameninvoltouàspressasparaaRússia,partindodaInglaterraaindanamanhã de domingo. A quadrilha fugiu em pânico de Astley Priors e, naafobaçãodeixouparatrásdiversosdocumentosqueoscomprometiamdemaneiracabaleindefensável.Munidosdessasprovasdeconspiração,alémdeumapequenacadernetamarromencontradanobolsodomortoequecontinhaumdetalhadoecondenatóriosumáriodetodaatrama,ogovernoconvocara uma reunião de última hora. Os líderes sindicalistas se viramforçadosareconhecerquetinhamsidousadoscomofantoches.Ogovernofezcertasconcessões,avidamenteaceitas.HaveriaaPazenãoaGuerra!

Mas o Conselho de Ministros sabia muito bem que só escapara docompletodesastreporumtriz.Enamentedemr.CarterestavamarcadaafogoaestranhacenaocorridananoitedavésperanaquelacasaemSoho.

Ele tinha entrado no quarto imundo para encontrar ali o grandehomem, o amigo de toda uma vida, morto — traído por suas própriaspalavras.Dobolsodo falecido ele retirou amalfadadaminutado tratadoque, ali mesmo, na presença dos outros três, foi reduzida a cinzas... AInglaterraestavasalva!

Eagora,nanoiteseguinte,dia30,numsalãoreservadodoSavoy,mr.JuliusP.Hersheimmerrecebiaseusconvidados.

Mr. Carter foi o primeiro a chegar. Com ele vinha um cavalheiro deaspectocolérico;aoavistá-lo,Tommyenrubesceuatéaraizdoscabelosecaminhouaoencontrodosdoissenhores.

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— Ah! — disse o velho cavalheiro, examinando o rapaz dos pés àcabeça,comumolharapoplético.—Entãovocêéomeusobrinho,não?Nãoparecegrandecoisa,masfezumbelotrabalho,peloqueouvi.Suamãedevetê-locriadobem,apesardospesares.Opassadodeveficarparatrás,nãoémesmo?Vocêémeuherdeiro,fiquesabendo;edeagoraemdianteeumeproponhoapagaravocêumamesada—epodeconsiderarChalmerParkcomoasuacasa.

—Obrigado,senhor,émuitodecentedasuaparte.—Ondeestáessamoçadequemtantotenhoouvidofalar?TommyapresentouTuppence.—Ah!—exclamousirWilliam,fitandoamoça.—Asgarotasjánãosão

comoeramnaminhajuventude.—São, sim—rebateuTuppence.—Asroupassãodiferentes, talvez,

maselassãoiguaizinhas.— Bem, talvez a senhorita tenha razão. Espertas naquele tempo,

espertasagora!—Éissoaí—concordouTuppence.—Eumesmasouumatremenda

espertalhona.—Euacredito—disseovelhocavalheiro,soltandoumagargalhadae,

numgestobemhumorado,beliscandoaorelhadamoça.Emsuamaioriaasjovensficavamapavoradasdiantedaquele“ursovelho”,comoochamavam.MasoatrevimentodeTuppencedeixouencantadoovelhomisógino.

A seguir chegou o tímido arquidiácono, um pouco desnorteado pelacompanhiaemmeiodaqualseencontrava,contenteporjulgaremquesuafilhahavia feitoalgonotável,mas, tomadodenervosaapreensão, incapazdeconteranecessidadedeolharparaeladerelancedetemposemtempos.Tuppence, porém, comportou-se de maneira admirável. Não cruzou aspernas,controlouapróprialínguaeserecusoucomfirmezaafumar.

Odr.Hallchegoudepois,seguidodoembaixadornorte-americano.— Já podemos nos sentar — disse Julius, depois de apresentar os

convidadosunsaosoutros.—Tuppence,você...Comumgestodamão,indicouolugardehonra.MasTuppencebalançouacabeça.—Não—esse é o lugar de Jane! Levando-se em conta tudo que ela

suportoudurantetodosestesanos,nadamaisjustoquefazerdelaarainha

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dafestahojeànoite.Julius lançou um olhar de gratidão a Tuppence; timidamente, Jane

encaminhou-se para o lugar designado. Se antes ela já parecia ser umamoçabonita,suabelezaanteriortornava-seinsignificantesecomparadaaoencanto agora realçado por sua vistosa roupa e seus lindos adornos.Tuppence tinha desempenhado diligentemente sua tarefa. O modelo dovestido, obra de uma famosa costureira, chamava-se “Lírio-tigrino”. Eratodo matizes de ouro e vermelho e castanho, e dele emergiam a puracoluna grega que era o pescoço alvo da moça, e as volumosas ondascastanhas da cabeleira que coroava sua formosa cabeça. Quando Jane sesentou,haviaadmiraçãoemtodososolhares.

Logoosuntuosojantarestavaaplenovapor,eporexigênciaunânimeTommyfoiconvocadoaapresentarexplicaçõescompletaseminuciosas.

—Você tem semantidomuito reservado sobre essahistória toda—acusou-o Julius.— Enganou-me direitinho fingindo que ia embora para aArgentina, embora eu admita que você tinha razões para isso. A ideia dequevocêeTuppenceachavamqueeueramr.Brownmematouderir!

—Originalmentea ideianãopartiudeles— interveiomr.Carter,emtomsolene.—Foi sugerida, eoveneno foi cuidadosamente instiladoporumantigomestrenessaarte.AnotíciadojornaldeNovaYorkpropiciouamr.Brownomoteparaoplano,epormeiodelaovilãoteceuumateianaqualosenhorquasefoienredadodemaneirafatal.

— Nunca gostei dele— disse Julius.— Desde o primeiro momentosentiquehaviaalgumacoisaerradacomosujeito,esempresuspeiteiqueele é quem havia silenciadomrs. Vandemeyer demodo tão conveniente.Massócomeceiameconvencerdofatodequeeleeraochefãodepoisquesoube que a ordem para a execução de Tommy veio logo após a nossaentrevistacomelenaqueledomingo.

—Eununcasuspeiteidenada—lamentouTuppence.—Sempremeacheimuitomais inteligente do queTommy,mas semdúvida ele se saiubemmelhorqueeu,ecomvantagemdesobra.

Juliusconcordou.—Tommyfoiomaioralnessaaventura!Eemvezdeficaraísentado,

mudofeitoumaporta,deixeavergonhadeladoeconte-nostudo.—Aprovado!Aprovado!

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—Nãohánadaacontar—alegouTommy,visivelmenteconstrangido.— Fui uma besta quadrada até o momento em que encontrei aquelafotografia deAnnette emedei conta de que ela era Jane Finn. Entãomelembreidecomoelahaviagritadocompersistênciaapalavra“Marguerite”,e pensei nos quadros, e, bem, é isso. Depois é claro que reviseicuidadosamente a coisa toda, a fim de ver onde eu tinha feito papel deidiota.

— Continue — pediu mr. Carter, pois Tommy dava sinais de quevoltariaaserefugiarnosilêncio.

— Quando Julius me contou o que tinha acontecido com mrs.Vandemeyer,fiqueipreocupadoeconfuso.Diantedosfatos,pareciaqueoculpadopeloenvenenamentoeraoueleousirJames.Maseunãosabiaqualdos dois. Ao encontrar aquela fotografia na gaveta, depois da história decomoelatinhaidopararnasmãosdoinspetorBrown,suspeiteideJulius.AímelembreidequeforasirJamesquemdescobriraafalsaJaneFinn.Nofim das contas eu não conseguia me decidir, e resolvi não me arriscarculpandoumououtro.EscreviumbilheteparaJulius,paraocasodeelesermr. Brown, dizendo que eu estava de partida para a Argentina, e deixeisobreaescrivaninhaacartadesirJamescomapropostadeemprego,paraqueelevissequeeuestavadizendoaverdade.Depoisescreviminhacartaamr.Cartere telefoneiasirJames.Ganhara confiançadele seriaomelhorcaminho, por isso contei-lhe tudo, exceto o local onde eu acreditava queestavam escondidos os papéis. Amaneira como eleme ajudou a achar apistadeTuppenceeAnnettequasemedesarmou,masnãoporcompleto.Asminhas suspeitas continuavam recaindo entre umdos dois. E por fimrecebiumbilhetefalsodeTuppence,eaíeusoubeaverdade!

—Mascomo?Tommy tirou do bolso o bilhete emquestão e passou-o àsmãos dos

convidados.—Éa letradela, semdúvida,masconstateiquenãoeragenuínopor

causadaassinatura.Elajamaisassinaria“Twopence”.Seiqueessapalavratemamesmapronúnciade“Tuppence”equequalquerpessoaquenuncativesse visto onomepor escritopoderia cometer esse equívoco. Julius játinha visto,umavezelememostrouumbilhetedela,mas sir James, não!Depoisdissotudofoibemfácil.MandeiomeninoAlbertentregarumacarta

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urgenteamr.Carter.Fingiquefuiembora,masvoltei.QuandoJuliusentrouimpetuosamenteemcenacomo seu carro, tiveopalpitedeque issonãofaziapartedoplanodemr.Brown,equeprovavelmentehaveriaencrenca.AmenosquesirJamesfossepegoemflagrante,comamãonamassa,porassimdizer,eusabiaquemr.Carterjamaislevariaasériooqueeudissessecontraoadvogado,nuncaacreditarianasminhasmeraspalavras...

—Enãoacreditei—interrompeumr.Carter,pesaroso.—FoiporissoquemandeiasduasmoçasparaacasadesirJames.Eu

tinhaaconvicçãodequemaiscedooumaistardeelesapareceriamnacasaemSoho.Ameacei Julius como revólverporque euqueria queTuppencecontasse esse fato a sir James, para que ele não se preocupasse conosco.Assimqueasgarotassaíramdanossavista,instruíJuliusadirigirfeitoumlouco rumoaLondres, e ao longodo caminhoeuopus apardahistóriatoda. Chegamos à casa em Soho com bastante tempo de antecedência eencontramosmr.Carterdoladodefora.Depoisdecombinarascoisascomele, entramos e nos escondemos atrás da cortina no nicho. Os policiaisreceberama seguinteordem: se alguémperguntasse,deveriamdizerqueninguémhaviaentradonacasa.Issoétudo.

Tommycalou-seabruptamente.Durantealgunsmomentosamesaficouemsilêncio.— A propósito — anunciou Julius de repente—, vocês estão todos

enganadoscomrelaçãoàfotografiadeJane.Elafoiroubadademim,maseuaencontreidenovo.

—Onde?—gritouTuppence.— Naquele pequeno cofre embutido na parede do quarto de mrs.

Vandemeyer.—Eusabiaquevocêtinhaencontradoalgumacoisa—disseTuppence,

emtomdereprovação.—Parafalaraverdade,foiissoquemefezcomeçarasuspeitardevocê.Porquenãomedissenada?

—Achoqueeutambémestavaumbocadodesconfiado.Afotografiajátinhasidotomadademimumavez,edecidinãorevelarqueaencontraraatéqueumfotógrafotivessefeitoumadúziadecópias!

— Todos nós escondemos uma coisa ou outra — disse Tuppence,pensativa. — Acho que trabalhar para o serviço secreto faz isso com agente!

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Na pausa que se seguiu, mr. Carter tirou do bolso uma pequena esurradacadernetadecapamarrom.

—Beresford acabou de dizer que eu não acreditaria na culpa de sirJamesPeelEdgertonamenosqueelefossepegocomamãonamassa,porassim dizer. É verdade. De fato, foi só depois de ler as anotações nestecaderninho que pude me convencer a dar pleno crédito à espantosaverdade. Esta caderneta será entregue à Scotland Yard, mas jamais seráexibidapublicamente.PorcontadalongaassociaçãodesirJamescomaleiisso seria indesejável.Mas para os senhores e senhoritas aqui presentes,queconhecemaverdade,proponhoquesejamlidascertaspassagens,quelançarão alguma luz sobre a extraordinária mentalidade desse grandehomem.

Abriuacadernetaevirouasfinaspáginas.

[...] É loucura guardar esta caderneta. Sei disso. É uma prova documental contra mim. Masnunca me furtei a correr riscos. E sinto uma urgente necessidade de autoexpressão... Estecaderninhosóserátiradodemimseoarrancaremdomeucadáver...

Desdeamaistenraidadecompreendiqueeradotadodeaptidõesexcepcionais.Somenteumtolosubestimasuashabilidades.Minhacapacidadecerebraleramuitoacimadamédia.Eusabiaquehavianascidoparaterêxito.Meuúnicosenãoeraminhaaparência.Euerasilenciosoeinsignificante—absolutamentecomumedesinteressante...

Quando menino, assisti ao julgamento de um famoso caso de assassinato. Fiqueiprofundamente impressionadopelovigoreeloquênciadoadvogadodedefesa.Pelaprimeiravezcogiteiaideiadelevarmeustalentosparaessaáreadeatuaçãoespecífica...Entãoexamineiocriminosonobancodos réus...Ohomemeraum imbecil—havia cometidoumaestupidezridícula,inacreditável.Nemmesmoaoratóriadoadvogadopoderiasalvá-lo...Sentiporeleumincomensurável desprezo... Depois ocorreu-me que o tipo padrão dos criminosos era dehomens vulgares, vis. Quem descambava para o mundo do crime eram os vagabundos, osfracassados,aescória,aralégeraldacivilização...Éestranhoqueoshomensinteligentesnuncatenhamsedadocontadasextraordináriasoportunidades...Brinqueicomaideia...Quecampomagnífico—quepossibilidadesilimitadas!Omeucérebroseagitouintensamente...

[...] Li asobras clássicas sobre crimee criminosos.Todas confirmaramaminhaopinião.Degenerescência,doença—nuncaumhomemperspicazqueabraçavadeliberadamenteumacarreira.Entãoponderei.E seasminhasmaioresambições se concretizassem—seeu fosseaprovadonoexamedaOrdemeadmitidocomoadvogadono foro,e chegasseaopontomaisalto da minha profissão? Se eu ingressasse na carreira política — digamos até que eu metornasseprimeiro-ministroda Inglaterra?Edaí? Isso seriapoder?Atrapalhadoa cadapassopelosmeuscolegas,estorvadopelosistemademocráticodoqualeuseriaummerotítere,umafigura ornamental!—Não—o poder comque eu sonhava era absoluto! Um autocrata! Umditador!Eessetipodepodersópoderiaserobtidoseeuatuasseàsmargensdalei.Jogarcomasfraquezasdanaturezahumana,depoiscomafraquezadasnações—construirecontrolarumavasta organização, e por fim destruir a ordem vigente, e dominar! Esse pensamento me

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inebriava...Viqueeudevialevarumavidadupla.Umhomemcomoeuestáfadadoaatrairasatenções.

Era preciso ter uma carreira bem-sucedida, com a qual eu poderia mascarar as minhasverdadeirasatividades...Alémdisso,eutambémdeviacultivarumapersonalidade.Useicomomodelo um famoso advogado e Conselheiro Real. Imitei seus maneirismos, reproduzi seumagnetismo.Seeutivesseescolhidoacarreiradeator,teriasidoomaioratordomundo!Nadadedisfarces—nadademaquiagem,nadadebarbaspostiças!Personalidade!Euavestiacomoumaluva!Quandoatirava,voltavaasereumesmo,umhomemcomedido,discreto,umhomemcomoqualqueroutro.Eumechamavademr.Brown.Hácentenasdehomenscomessenome,Brown—hácentenasdehomensiguaisamim.

[...]Triunfeinaminhafalsacarreira.Euestavafadadoaosucesso.Etambémteriaêxitonaoutracarreira.Umhomemcomoeunãotemcomofracassar...

[...]AndeilendoabiografiadeNapoleão.Eleeeutemosmuitacoisaemcomum...[...]Habituei-meadefendercriminosos.Umhomemdevecuidardasuagente...[...] Numa ou duas ocasiões tive medo. A primeira vez foi na Itália. Fui a um jantar. O

professor D, o grande alienista, estava presente. A conversa passou a girar em torno dainsanidade.Eledisse:‘Muitoshomensnotáveissãoloucos,eninguémsabe.Nemelesmesmossabem’.Nãocompreendoporquerazãoeleolhoudesoslaioparamimquandodisseisso.Seuolhareraestranho...Nãogostei...

[...]Aguerramedeixouinquieto.Julgueiquefavoreceriaosmeusplanos.Osalemãessãotão eficientes. O sistema de espionagem germânico também era excelente. As ruas estãorepletasdessessoldadosdeuniformecáqui.Todoselesunsjovensimbecisdecabeçaoca...Masnãosei...Elesganharamaguerra...Issomeperturba...

Meusplanosestão indomuitobem...Umamoçase intrometeu—abemdaverdadenãocreioqueelasaibadecoisaalguma...Masprecisamosabandonara ‘Estônia’...Nadadecorrerriscosagora...

[...] Tudo corre bem. Essa tal perda de memória é irritante. Não pode ser uma farsa.Nenhumamoçaseriacapazdemeenganar!...

[...]Odia29...Próximodemais...”

Mr.Carterparoudeler.— Não lerei os detalhes do coup que foi planejado. Mas há duas

anotaçõesque fazemmençãoa trêsdaspessoas aquipresentes.À luzdoqueaconteceu,sãointeressantes:

[...]Aoinduziramoçaameprocurarporsuaprópriainiciativa,obtiveêxitoemdesarmá-la.Maselatemlampejosintuitivosquepodemsetornarperigosos...Éprecisotirá-ladomeucaminho...Nadaposso fazercomonorte-americano.Eledesconfiademimenãogostademim.Maselenão tem como saber. Creio que a minha armadura é inexpugnável... Às vezes receio tersubestimadoooutrorapaz.Elenãoéinteligente,masédifícilfazercomquefecheosolhosparaosfatos...

Mr.Carterfechouolivro.—Umgrandehomem—eledisse.—Gênioouloucura,quemécapaz

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dedizer?Silêncio.Depoismr.Cartersepôsdepé.— Proponho um brinde. Ao “Jovens Aventureiros”, cuja iniciativa se

justificouamplamentepeloenormesucessoobtido!Todosbeberam,entrevivas.—Hámaisumacoisaquequeremosouvir—continuoumr.Carter,que

olhouparaoembaixadornorte-americano.—Seiquefalotambémemseunome.PediremosamissJaneFinnquenosconteahistóriaque,atéagora,somentemissTuppenceouviu,masantesdissofaremosumbrindeàsaúdedela.BeberemosàsaúdedamaiscorajosafilhadosEstadosUnidos,aquemsãodevidosoagradecimentoeagratidãodedoisgrandespaíses!

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28edepois

—Aquelefoiumbrindeetanto,Jane—dissemr.HersheimmerdentrodoRolls-Royce,enquantoeralevadojuntocomaprimadevoltaaoRitz.

—Oqueergueramao“JovensAventureiros”?—Não,oqueergueramemhomenagemavocê.Nãoexistenomundo

inteirooutragarotacapazde fazeroquevocê fez.Você foisimplesmentemaravilhosa!

Janebalançouacabeça.—Nãomesintomaravilhosa.Nofundoeumesintocansadaesolitária,

ecomsaudadedaminhaterra.—Issomelevaaoqueeuqueriadizer.Ouvioembaixadordizerquea

esposa dele espera que você vá imediatamente se instalar na embaixadacomeles.Éumaboaideia,mastenhooutroplano.Jane,euqueroquevocêsecasecomigo!Nãoseassustenemmeresponda“não”deimediato.Éclaroquevocênãotemcomomeamarassimtãoderepente,é impossível.Masamovocêdesdeomomentoemquepusosolhosnasuafoto—eagoraquea vi em pessoa estou simplesmente louco por você! Se você se casarcomigo, prometo que não lhe causarei aborrecimento algum — vocêpoderáfazeroquequiser,nahoraquequiser.Talvezvocênuncameame,eseissoacontecerdeixareivocêirembora.Masqueroterodireitodecuidardevocê,detomarcontadevocê.

—Éjustamenteoqueeuquero—disseJane,comgrandeansiedade.—Alguémque sejabomparamim.Oh, vocênão imagina comome sintosozinha!

— Com certeza serei bom para você. Então acho que está tudo

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resolvidoecombinado,eamanhãdemanhãmesmoprocurareioarcebispoparaobterumalicençaespecial.

—Oh,Julius!—Bem,nãoqueroapressarascoisasnemforçarabarra,Jane,masnão

faz sentido algum esperar. Não se assuste, não espero que vocême amelogoassimdeimediato.

Masumamãopequeninasegurouamãodorapaz.— Já amo você agora, Julius— disse Jane Finn.— Amo você desde

aqueleprimeiromomentonocarro,quandoabalaroçouseurosto...Cincominutosdepois,Janemurmurousuavemente:— Não conheço Londres muito bem, Julius, mas a distância entre o

SavoyeoRitzétãograndeassim?— Depende do caminho que o motorista faz — explicou Julius,

descaradamente.—EstamosindopeloRegent’sPark!—Oh,Julius,oqueomotoristavaipensar?—Comosalárioquepagoaele,meumotoristasabequeémelhornão

ter muitas opiniões próprias. Sabe, Jane, o único motivo para eu teroferecidoo jantarnoSavoyerapoder levarvocêemboradecarro.Nãovioutramaneira de ficar a sós comvocê. Você e Tuppence não desgrudamuma da outra, parecem irmãs siamesas. Acho que se essa situaçãoperdurasse pormais um dia, Beresford e eu ficaríamos feito dois loucosvarridos!

—Oh.Eleestá...?—Claroqueestá!Estáperdidamenteapaixonado.—Foioqueacheimesmo—disseJane,pensativa.—Porquê?—PortodasascoisasqueTuppencenãodisse!—Agora vocême pegou direitinho. Não faço ideia do que você está

falando—dissemr.Hersheimmer.MasJaneapenasriu.Enquanto isso, os “Jovens Aventureiros” estavam sentados com as

costasretas,muitorígidosecerimoniosos,dentrodeumtáxique,comumatremenda faltadeoriginalidade, também faziao caminhodevoltaparaoRitzviaRegent’sPark.

Um terrível constrangimentoparecia ter se instalado entre eles. Sem

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quesoubessemoquetinhaacontecido,aparentementetudosemodificara.Estavam ambos mudos, paralisados. Toda a velha camaraderie haviadesaparecido.

Tuppencenãoconseguiapensarnoquedizer.Tommyestavaigualmenteaflito.Ambosestavamsentadosmuitoaprumadoseevitavamolharumpara

ooutro.PorfimTuppencefezumesforçodesesperado.—Muitodivertido,nãofoi?—Muito.Outrosilêncio.— Gosto de Julius— disse Tuppence,mais uma vez tentando puxar

assunto.De repente, como se tivesse recebido uma descarga elétrica, Tommy

voltouàvida.—Você não vai casar com ele, estáme ouvindo?— bradou em tom

ditatorial.—Proíbovocê.—Oh!—exclamouTuppence,humildemente.—Demaneiraalguma,entendeu?— Ele não quer se casar comigo; na verdade ele só me pediu em

casamentoporumgestodebondade.—Issonãoémuitoprovável—zombouTommy.—Éverdade.EleestácaidinhodeamorporJane.Creioquenesteexato

momentoeleestásedeclarandoparaela.— Ela combina perfeitamente com ele — disse Tommy, em tom

desdenhoso.—Vocênãoachaqueelaéacriaturamaislindaquevocêjáviu?—Oh,talvez.— Mas suponho que você prefira as inglesas da gema — disse

Tuppence,fingindomodéstiaeseriedade.—Eu...oh,commildiabos,Tuppence,vocêsabe!—Gosteideseutio,Tommy—disseTuppence, tentando,àspressas,

mudarorumodaconversa.—Emedigaumacoisa:oquevocêvai fazer,aceitar o emprego no governo oferecido por mr. Carter ou o convite deJuliusparaumcargobemremuneradonoranchodelenosEstadosUnidos?

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—Ficareinaminhavelha terra, emboraapropostadeHersheimmersejamuitoboa.Mas creioque você se sentiriamais em casa emLondresmesmo.

—Nãoseioqueumacoisatemavercomoutra.—Maseusei—rebateuTommy,categórico.Tuppencefitou-odesoslaio.—Eháaquestãododinheirotambém—elacomentou,pensativa.—Quedinheiro?—Vamosreceberumchequecadaum.Mr.Cartermedisse.—Vocêperguntouqualéovalor?—quissaberTommy,sarcástico.—Sim—disseTuppence,triunfante.—Masnãodireiavocê.—Tuppence,vocêéinacreditável!—Foidivertido,nãofoi,Tommy?Esperoquetenhamosmuitasoutras

aventuras.— Você é insaciável, Tuppence. Já tive minha cota suficiente de

aventurasparaomomento.—Bem,fazercompraséquasetãobomquanto—disseTuppence,em

tom sonhador. — Estou pensando em comprar móveis antigos, tapetesformidáveis,cortinasdesedafuturistas,umalustrosamesadejantareumdivãcompilhasdealmofadas.

—Altolá!—disseTommy.—Paraquetudoisso?—Paraumacasa,talvez,mascreioqueumapartamento.—Apartamentodequem?—Vocêachaquemeimportodedizer,masnãomeimportonemum

pouco!Nosso,pronto,falei!—Minhaquerida!—exclamouTommy,abraçando-acomforça.—Eu

estavadeterminadoafazervocêdizer.Euprecisavaficarquitescomvocê,porcausadamaneiraimplacávelcomovocêmeesmagavatodavezqueeutentavasersentimental.

Tuppencecolouorostoaodele.OtáxicontinuavaseutrajetopeloladonortedoRegent’sPark.

— Você ainda não formulou um pedido de casamento — observouTuppence.— Pelo menos não à moda antiga, da maneira que as nossasavóschamariamdepedidodecasamento.MasdepoisdeterouvidoaqueladetestávelpropostadeJulius,estouinclinadaadeixarvocêpassarimpune.

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—Vocênãovaiconseguirescapardecasarcomigo,entãonempensenisso.

— Vai ser muito divertido— respondeu Tuppence.— O casamentorecebetodotipodedefinição:umabrigo,umrefúgio,asupremaglória,umacondiçãodeescravidão, ediversasoutras.Mas sabeoqueeuachoqueocasamentoé?

—Oquê?—Umdivertimento!—Eumdivertimentodanadodebom—emendouTommy.

FIM

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[1]OromancedeHammett—TheThinMan(1933)—temduastraduçõesnoBrasil:comotítuloAceia dos acusados (tradução de Monteiro Lobato publicada em 1936 por sua Companhia EditoraNacional)ecomoOhomemmagro(traduçãodeRubensFigueiredo,CompanhiadasLetras,2002).OsfilmescomaduplaNickeNoraCharlessão:Aceiadosacusados(TheThinMan,1934),Acomédiadosacusados(AftertheThinMan,1936),Ohoteldosacusados(AnotherThinMan,1939),A sombradosacusados(Shadow of the ThinMan, 1941);O regresso daquele homem (The ThinMan Goes Home,1945)eAcançãodosacusados(SongoftheThinMan,1947).[n.t.][2]Aexpressãowhodunitouwhodunnit(abreviaçãodeWhodoneIt?,Quemfezisso?)designaotipoderomancepolicialemqueháváriossuspeitosdeumcrime(roubo,assassinato,sequestroetc.)eemqueaidentidadedoculpadosóéreveladanasúltimaspáginas.Otermoparecetersidocunhadona década de 1930 e define um modelo de ficção em que o enigma (o puzzle) assume o papelpreponderante.[n.t.][3] Literalmente, Prudence significa “prudência, cautela”. Tuppence é uma variante de twopence,literalmente,“doispence”,ouseja,doiscentavosdelibraesterlina.Apalavrafiguraemexpressõescomotheydon’tcareatwopenceforit,“elesnãodãoamínimaparaisso”.[n.t.][4] Citação irônica de um versículo bíblico (2Sm 1:19), em que Davi lamenta a morte de Saul eJônatas.[n.t.][5]OHotelSavoydeLondres,chamadode“palácioàmargemdoTâmisa”,inauguradoem1889eumdoshotéisdeluxomaisfamososdomundo.[n.t.][6]Pró-bôeréumadenominaçãocontroversadadaaosopositoresdapolíticadogovernobritânicodecombater na Guerra do Bôer, que durou de 1899 a 1902. Alguns opositores eram realmentesimpatizantes dos inimigos da Inglaterra, mas amaioria era ou de liberais à moda antiga ou desocialistas.[n.e.][7]Moedadeouroinglesaequivalenteaumalibraesterlina.[n.t.][8]OVoluntaryAidDetachment(vad—ouDestacamentodeAjudaVoluntária)eraumaorganizaçãovoluntáriadeprestaçãodeserviçosdeenfermagemdecampo,emespecialemhospitais,noReinoUnidoeváriospaísesdoImpérioBritânico,ecujaatuaçãosedeuprincipalmenteduranteaPrimeiraeaSegundaGuerrasMundiais.[n.t.][9]Doinglês,sinewsofwar:sinewé“tendão,nervo,força,energia”;aexpressãosinewsofwarrefere-seespecificamenteaodinheironecessárioparaadquirirarmaseprovisõesemumaguerra.[n.t.][10] Referência ao personagem do romance Oliver Twist (1838), de Charles Dickens; Sikes é umviolentoladrão.[n.t.][11]Acélebrerededelojasa.b.c.(AeratedBreadCompany),mistodepadaria,restauranteecasadechá,foifundadanoReinoUnidoem1862porJohnDauglish.[n.t.][12]Referênciaa“LittleWillie”,oprimeiroprotótipodetanquedeguerratestadopelosinglesesem1915,duranteaPrimeiraGuerraMundial.[n.t.][13]“Salve César, aqueles que morrerão saúdam-te”, tradicional frase latina que os gladiadoresdirigiamaoimperadorantesdoscombatesnaarena.[n.t.]