africanismo e espiritismo - deolindo amorim

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A FRICANISMO E E SPIRITISMO DEOLINDO AMORIM PENSE u PENSAMENTO SOCIAL ESPÍRITA

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  • AFRICANISMO E ESPIRITISMO

    DEOLINDO AMORIMPENSE uu PENSAMENTO SOCIAL ESPRITA

  • NDICE

    Prembulo ............................................ 2

    Notas Relativas 1 edio ................... 7

    Captulo I .............................................. 16

    Captulo II ............................................. 26

    Captulo III ............................................ 38

    DEOLINDO AMORIM - Africanismo e Espiritismo 1

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  • PREMBULO com intensa satisfao que, acedendo ao convite de

    Deolindo Amorim, vamos tentar dizer alguma coisa, guisa de prefcio, sobre o seu interessante e elucidativo trabalho Africanismo e Espiritismo , vindo luz da publicidade na

    revista "Estudos Psquicos", de Lisboa, e ora compaginado, em opsculo, pela "Grfica Mundo Espr i ta S.A.", num louv-vel esforo de vulgarizao doutrinria e cultural.

    Jornalista ilustrado e estudioso, de atitudes sinceras e honestas a toda a prova, Deolindo Amorim, alm de membro da Sociedade Brasileira de Filosofia, de diretor da Liga E sp r i -ta do Brasil e t c . um adepto capacitado de sua misso social, um escritor a servio de uma ideologia alevantada, que se vem destacando, dentre os propagandistas em voga, pela sua din-mica atividade nos domnios do Espiritismo. Quando falamos em Espiritismo, saibam os leitores que nos referimos codifi-cao cientifica, filosfica e moral, de Allan Kardec (1 ) , - a ni-ca com o privilgio de ostentar semelhante ttulo! - que o mes-tre exps numa srie de obras notveis, editoradas na Frana, no perodo de 1857 a 1869, e no a esse conglomerado de paje-lana e de rituais espalhafatosos, onde preponderam o fetichis-mo dos selvagens e as aberraes do mediunismo abastardado; em suma - ao carnaval de Umbanda, difundido e praticado por a em fora, sob o rtulo daquela luminosa esquematizao es-piritualista. (1) Le Livre des Esprits, 14 dition, 1866 - Conclusion, paragraphe VII, pages 459/60.

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    RaoniLine

  • com intensa satisfao - repetimos - que traamos algu-mas frases iniciais s pginas desta monografia redigida com a mira essencial de orientar as massas populares; pginas me-recedoras de nossos aplausos, porque, alm de se conterem nelas ensinamentos substanciosos, vazados numa forma sim-ples e meridianamente clara, embora circunscritos aos aspec-tos histrico e psicolgico do problema, no deixam de ser a ressonncia de nossa campanha profiltica pela "Vanguarda" (2), quando, h tempos, apontamos as deturpaes do Espiri-tismo e o achincalhe de seu nome pelos aclitos da mitologia, da idolatria e dos "orixs" africanos; pginas, enfim, de protes-to de uma inteligncia esclarecida, inacessvel aos caprichos da falsa tolerncia e das transigncias inconfessveis, contra o imperdovel erro de pretenderem identificar o Kardecismo - a escola mais perfeita e completa surgida no seio do movi-mento Neo-espiritualista! - com as religies primitivas do Con-tinente Negro, trazidas para a Amrica, ao tempo da escravatu-ra, e, aqui, desfiguradas por infiltraes de vrias procedn-cias. Campanha, alis, inspirada nestes sbios conselhos do eminente Codificador:

    "... A doutrina no ambgua em nenhuma de suas partes; clara, precisa, categrica nas suas menores par-ticularidades; somente a ignorncia e a m f que po-dem equivocar-se a respeito do que ela aprova ou conde-na. , pois, o dever de todos os espritas sinceros e dedica-dos repudiar e condenar francamente, em seu nome, toda a casta de abusos que poderiam compromet-la, a fim de no ser responsabilizada pelos mesmos; porque transigir com

    (2) Escrevemos sobre o assunto os seguintes artigos: - Umbandismo no Espiritismo - O Espiritismo e suas contrafaes - No Umbandismo nem a forma aproveitvel - Confusos e confuses - Reao salutar! - Retificando.

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    RaoniLine

  • os abusos seria acumpliciar-se com eles e fornecer armas aos nossos adversrios." (3)

    Por causa disso, alguns pndegos, simpticos ao "Umban-dismo", vieram para a imprensa acusar-nos de intolerantes e derrotistas...

    * * * Vem muito a propsito e de indiscutvel merecimento

    esta publicao, na atualidade; porquanto, se natural e des-culpvel no serem entendidas dos profanos as teorias da cin-cia espiritista, o mesmo se no d com os proslitos conscien-ciosos e os divulgadores, em geral, a quem compete conhec-las ex-professo e transmiti-las ao vulgo extreme de impurezas, isto , como se encontram expostas com nitidez nos cdigos basilares. - Entretanto, que que se nos depara, na hora pre-sente? - Indivduos ignorantes e sem credenciais esto a ponti-ficar nos ncleos de estudo e de experimentao, fornecendo aos inimigos sistemticos da Causa aquelas armas aludidas por Kardec e lanando ao ridculo e ao descrdito uma filosofia destinada a exercer preponderante influncia no aprimoramen-to moral e intelectual da humanidade.

    Por isso mesmo, os centros desceram to baixo no concei-to das autoridades da capital da Repblica que at o seu regis-tro se processava na Seo de Txicos e Mistificaes da Pol-cia Central. Espiritistas de valor e os "macumbeiros" eram, des-tarte, fichados em promiscuidade e nivelados, por igual, na ig-nomnia e no menosprezo!

    Avolumou-se a confuso e seus efeitos bem palpveis se fizeram notar tanto nos meios humildes quanto nas altas esfe-

    (3) Revue Spirite, de 1865, pg. 191 - "Nouvelle tactique des adversaires du Spiritisme".

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    RaoniLine

  • ras, a ponto de certa instituio tradicional, que se erigiu em orientadora do movimento em nossa ptria, ao invs de aler-tar o pblico contra a investida dos exploradores e de zelar pela intangibilidade do patrimnio doutrinrio, teve a inadver-tncia de incluir ao lado de seu quadro de sociedades adesas um outro complementar, no qual, sob a rubrica de "coligadas", mandou incorporar os "canzois" umbandistas, disfarados em agremiaes espritas, com seu acervo de insanidades e cren-dices, tudo isso - diziam os sectrios para se justificar - objeti-vando o escopo de converter tal gente a idias mais sensatas e faz-la abandonar os sistemas extravagantes de que se utili-za, hoje em dia, na prtica da caridade medinica, baseados em velhas e ridculas supersties.

    Com esse processo sui-generis de aplainar divergncias ou, diremos melhor, de misturar alhos com bugalhos, os douto-res no lograram seno infundir maior vitalidade aos "canje-rs" dos discpulos de Pai Joo - o apstolo da Magia Negra! e de oficializar, sob disfarces ardilosos, os "terreiros", as caba-nas e as tendas fetichistas com seus batalhes de espritos atra-sadssimos - indgenas e africanos -, que tantos e tamanhos es-tragos tm causado ao progresso de nossos ideais, no Rio de Janeiro e noutros pontos do Brasil.

    preciso desconhecer a lamentvel crise psicolgica ou de fascinao obsessional em que se debatem os "pais de san-to" e seus fanticos para se levar a srio to absurda iniciati-va. Triste e dolorosa verdade esta, no h dvida!

    "Mas... no ser possvel distinguir-se - perguntaro os leitores curiosos - o Espiritismo dessas seitas afro-catlicas, ressaltando, numa frmula simplista e ao alcance de qualquer criatura alfabetizada, suas dessemelhanas e ocenicas incom-

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  • patibilidades?" a coisa mais fcil deste mundo! Basta con-sultarem a kardeciana; e esta lhes fornecer a noo exata e lhes dir que s se iludem a respeito e ainda alimentam dvi-das aspessoas que se no deram ao trabalho de estud-la ou aquelas que, de propsito feito ou por tendncias mrbidas e ancestrais, se quedam satisfeitas e refocilam nas camadas tene-brosas do baixo psiquismo...

    Afinal, o trabalho, que os leitores vo saborear adiante, recomenda-se por si mesmo, dispensa as turiferaes encomis-ticas e lograr, sem dvida, abrir os olhos aos cegos e ilumi-nar crebros anoitecidos, sem pretenses e sem dogmatismo.

    Congratulamo-nos com o autor pelo grande servio pres-tado s letras espiritistas com o seu Africanismo e Espiritis-mo e fazemos votos para que este estudo analtico venha a produzir o mximo de resultados benficos como a semente da parbola evanglica cada em terra fecunda.

    Oxal que os transviados por falsos profetas encontrem a pista do verdadeiro conhecimento espiritual; que os bifron-tes se mirem neste espelho e avaliem s graves conseqncias de sua atitude repulsiva; e que os corifeus, aparelhados de cul-tura e de boa vontade, colaborem tambm com Deolindo Amo-rim, no seu tentame providencial de expungir o joio e o escal-racho, que mos criminosas introduziram na seara; mos habil-mente dirigidas pelos adversrios invisveis da doutrina impolu-ta e salvadora!

    Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 1946.

    Lippmann Tesch de Olivr

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  • NOTAS RELATIVAS 1 EDIO

    Comentrios da Imprensa Esprita

    "Cremos que a primeira obra de flego acerca de assunto mil vezes debatido pela rama. Quando se quiser estudar a influncia que as prticas afro-catlicas tm, no Brasil, exercido em certos ramos de pseudo espiritismo, ser indispensvel a consulta deste livro pro-fundamente elucidativo."

    Estudos Psquicos, de Lisboa, junho de 1947

    "Com efeito ali o autor se afirmou o escritor consciencioso eprofundo, descendo ao mago do tema e esmerilhando-o com argcia, at provar saciedade e luz de vigoroso raciocnio, a diferena en-tre as prticas espritas e as cerimnias afro-catlicas dos terreiros de umbanda, ainda que se notem, a, certas manifestaes de entida-des espirituais."

    Luz da Verdade, de Salvador, Bahia, jan/abril de 1947

    "No possvel a simbiose entre elementos heterogneos que se no combinam. O opsculo, pequenino embora, deve ser manuse-ado pelos estudiosos da doutrina esprita, para alumiar conscincias indecisas, desanuviando a caligem do fanatismo e da superstio."

    O Luzeiro, de Aracaju, Sergipe, maro de 1947

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  • Apreciaes de Crticos

    Do Cel. Delfino Ferreira:

    Trata-se de um estudo consciencioso e oportuno, feito para a esplndida revista lisbonense Estudos Psquicos, que o publicou em trs de seus nmeros: maro, agosto e outubro de 1946, encare-cendo-lbe, alis com justia, a importncia do tema e da forma preci-sa e clara de seu desenvolvimento."

    Registro Bibliogrfico, Mundo Esprita, 8/3/1947

    Espiritismo e Africanismo vem pr os pontos nos ii, definin-do, de vez, ou melhor, distinguindo espiritismo de tudo o mais quan-to, de boa ou m f, por af se pratica sob a mesma designao.

    Com todos estes predicados s se pode apresentar notvel, e, daf, Espiritismo e Africanismo ser o que a crtica, em geral, vem re-conhecendo: um trabalho de estudo, verdade e justia.

    Revista Esprita do Brasil, abril de 1947

    Do Dr. Carlos Imbassahy:

    "O autor demonstra que nem sempre o fato de existir fenme-no esprita significa que haja espiritismo. E em boa hora no-lo diz e prova. De fato, o espiritismo uma doutrina do bem e para o bem, e nem sempre as prticas de feitiaria colimam aquele objetivo. A pe-quena obra de Deolindo Amorim tem, pois o incalculvel mrito de abrir os olhos de uns e fechar a boca de outros. ela prefaciada por Lippmann Tesch de Olivr, uma tima pena a servio da doutrina."

    Mundo Esprita, 19 de abril de 1947

    Do Senhor Ramos Pereira:

    "Estudo consciencioso, revela o critrio seguro de um pensador

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  • que luta ardorosamente contra aqueles que acintosa ou inconsciente-mente procuram levar a confuso ao caminho claro da Verdade.

    Mediunismo pratica-se na grande maioria das religies e dos cultos selvagens, exatamente porque... a mediunidade um fenme-no universal (digamos com o Sr. de La Pelisse...). Mas disso inferir uma identidade de essncia um ilogismo."

    Estudos Psquicos, de Lisboa, agosto de 1947

    Do Prof. Leopoldo Machado:

    "Os trs artigos magistrais, que todos os leitores de "Estudos Psquicos" leram desvanecidos, apareceram, agora, transformados em captulos, corporificando um opsculo que a "Grfica Mundo Es-prita" acaba de editar. Edio que, para ns, s pode dignificar a edi-tora, pela oportunidade do assunto, pela justeza com que o assunto tratado. O opsculo traz, ainda a aumentar-lhe o grande mrito, um prembulo de Lippman Tesh de Olivr, que , por sua vez, um estudo forte, incisivo, desabusado mesmo."

    Revista Internacional do Espiritismo, julho de 1947

    Opinies Individuais

    "O seu trabalho, que muito interessante, demonstra de manei-ra clara e convincente a nenhuma relao que existe entre o Africa-nismo e o Espiritismo, ou seja entre o ritual de Umbanda e a prti-ca da Doutrina Esprita."

    Jos Fernandes de Souza, Mundo Esprita, 8/3/1948

    "No h meios termos. A ignorncia que supe colocar remen-do novo em pano velho, conquanto a sabedoria diga que "odres ve-lhos no suportam vinho novo". S um caminho se tem a seguir; acabar com o passado e seguir o presente para chegar ao futuro. Quem quiser, poder continuar com o africanismo, com o catolicis-

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  • mo, com o protestantismo, com o mosasmo, com o budismo, com o cabalismo; todavia ningum poder confundir qualquer dessas reli-gies com o espiritismo.

    Deolindo Amorim claro em suas concluses e suas conclu-ses so lgicas e positivas."

    J. Lima, Revista Esprita do Brasil, abril de 1947

    "No negando haver manifestaes de espritos nas prticas afri-canistas, antes explicando a razo lgica das mesmas e sua origem re-motssima, atrai a simpatia daqueles crentes, deixando aos negadores sistemticos e aos escritores desavisados, uma lio de mestre, assim como estabelece uma linha divisria bem definida, entre o espiritis-mo propriamente dito e as religies fetichistas, trazidas pelo elemen-to africano e aqui mescladas com o catolicismo, com as religies dos aborgenes e at mesmo com as prticas espritas, baseadas na comu-nicabilidade dos chamados mortos."

    Hersila Valverde, Revista Esprita do Brasil, maio de 1947

    Africanismo e Espiritismo, trs artigos, um opsculo manan-cial de assuntos, celeiro de argumentos benficos para aquele que de-sejar concluses de fatos ainda no perfeitamente explicados.

    Um livro no a espessura dum catlogo de telefones. O que externamente fachada deslumbrante, quando muito, poder ser sim-ples frasco de perfume completamente vazio.

    A minudncia, o laconismo oriundo do estudo filosfico, so leituras que no se medem pelo tamanho e sim pelo papel que desem-penham, no edificante mister de aniquilar leituras deturpadoras dos sos princpios."

    Enas Dourado, Mundo Esprita, 10 de maio de 1947

    "Nesse trabalho, o nosso irmo provou cabalmente, com argu-mentos irrefutveis, que no h absolutamente semelhana nem tra-o algum de afinidade fundamental entre espiritismo e africanismo, dizendo mais, que o Espiritismo - corpo de doutrina codificado por Allan Kardec - surgiu, oficialmente, no mundo em 1857, com o lana-mento de O Livro dos Espritos; e que, quando esta e outras obras

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  • espritas chegaram ao Brasil, j o africanismo aqui se achava genera-lizado, muito especialmente na Bahia.

    Ademais, at o prprio termo - Espiritismo - foi uma criao do Codificador, doutrina que tem por princpio as relaes do mun-do material com os espritos ou seres do mundo invisvel, tal seja a alma dos homens que j viveram na Terra."

    J. B. Chagas, Mundo Esprita, 3/5/1947

    "Li vosso livrinho de uma s vez, e com a mxima ateno, as cinqenta e oito pginas, nas quais o confrade defende a nossa dou-trina, sem ferir ou menosprezar aqueles que por ignorncia ou m f, querem deturp-la."

    Constantino Gomes de Carvalho, Mundo Esprita, 15/3/1947

    "J agora no mais possvel baralhar o incipiente mediunis-mo de certas encenaes de "terreiro" com as prticas espritas pro-priamente ditas. Africanismo e Espiritismo, o oportunssimo livro de Deolindo Amorim, a que estou aludindo, elucida a tese de tal ma-neira que, aps a leitura das pginas em que ela est explanada, to-do o mundo sentir uma intensa admirao pelo autor. Alis, no s devemos admir-lo e aplaudi-lo, tambm, por essa contribuio mag-nfica da sua cultura, seno por toda a sua atividade, incansvel e efi-ciente, na imprensa e nos centros, onde o seu nome se imps como um esprita dos mais eruditos que possui o Brasil presentemente. A sua pena no faz literatices, no se desgasta em futilidades. Os temas abordados, objetos de sua acurada anlise, tm sempre um sabor de ineditismo e adquirem mais originalidade graas quele jeito particu-lar que tem Deolindo Amorim de concatenar as idias e formular o raciocnio." Alfredo Miguel, autor do livro As Heronas de Hydesville, diretor de A Luz da Verdade de Salvador-BA, Mundo Esprita, 3/4/1947

    De Uma Carta de Joo Carlos de Assis: "Espiritismo, diz voc, muito bem, doutrina e no fenmeno,

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  • e como tal s teve vida com o grande Kardec. Antes dele existiam apenas os fenmenos, aos quais muitos se agarram para poderem so-fismar que o espiritismo, doutrina, sempre existiu, e assim diminu-rem o mrito do excelso Mestre que voc, agora, com o seu esclarece-dor trabalho, veio colocar no verdadeiro pedestal.

    Estou convencido de que o espiritismo do povo, na nossa ter-ra, ser por muitos e muitos anos essa mistura de espiritismo, catoli-cismo e africanismo, que observamos atualmente.

    Depois do seu Africanismo e Espiritismo, creio, ningum se atrever a vir pela imprensa fazer tal confuso, visto que o Amigo botou os pontos nos ii de tal maneira que s ter coragem quem no tenha lido seu elucidativo trabalho, ou quem no ligue importncia lgica dos argumentos, e faa questo de vir repetindo sempre as mesmas tolices e argumentos sedios, como acontece com os partid-rios de determinada teoria."

    Mundo Esprita, 19/4/1947

    Juzo Crtico Estranho ao Espiritismo "Aqui mesmo, em vrios ensejos, escrevemos que a "macumba",

    atualmente constitui mistura de africanismo, catolicismo e espiritis-mo. Tratando-se (como se trata) de religio mais ou menos analfab-tica, as semelhanas e analogias so pouco exatas. A verdade, porm, que as cerimnias religiosas, importadas com os pretos escravos, sofreram deformaes, que os contgios da catequese crist e da pro-paganda clerical provocaram. Em princpio os "pais de santo" e ou-tras personagens dos "terreiros" acreditam na presena dos mortos, nas influncias sobrenaturais dos santos, em Jesus Cristo e tambm na proteo de gnios estranhos f catlica.

    A liturgia das "macumbas" no passa de uma deturpao da li-turgia catlica, onde os pretos africanos (vindos para c) misturavam e confundiam tudo, empregando vocbulos de prosdia arbitrria e melopias rudimentares, cujos ritmos no se afastam nunca do t-t montono. Euclides da Cunha, ao cabo de devassas e observaes, conclui que as crenas dos sertanejos so (como eles prprios) mesti-

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  • as. Apenas o conceito poder ser ampliado e aplicado aos mestres e diretores das "macumbas".

    Deolindo Amorim escreveu ensaio timo. A nosso ver, porm, ele provou demais... Discute longamente as origens do africanismo, colocando-se em pontos de vista eruditos, qui clnicos, conforme fez Artur Ramos, para concluir assim: "As prticas de origem africa-na, largamente ramificadas, so espiritualistas, dignas de respeito co-mo quaisquer outras prticas religiosas, mas no constituem varian-tes das prticas do espiritismo". Ningum sustentaria o contrrio com justos motivos. Mas, indiscutvel que, em princpio, as cerimnias africanistas partem dos mesmos pontos de apoio, isto , da mesma convico, acerca da possibilidade da presena de agentes invisveis (espritos) influindo na vida, na conduta e na sade das pessoas visveis.

    Deolindo Amorim foge s vulgaridades e procura mostrar que Allan Kardec partiu duma doutrina filosfica. Por isso, sem dvida, Africanismo e Espiritismo (Edies Mundo Esprita, Rio) no se detm nos meandros das discrdias frvolas e tudo fez para erguer a discusso de maneira formal, com clareza, quando, por exemplo, es-creve: "O culto afro-catlico tem ritual, e ritual muito variado; ado-ra smbolos e imagens, venera divindades. O espiritismo no tem ri-tual nem imagens, assim como no rende culto a divindades, visto que suas prticas so simples, absolutamente simples, tendo a preocu-pao exclusiva de melhorar as condies espirituais da criatura hu-mana e solidificar no esprito dos seus adeptos a crena em Deus, ba-seada em princpios morais e filosficos". Como se verifica, Deolin-do Amorim evita sempre as argumentaes sectrias.

    O espiritismo no explora a morte, a exemplo do catolicismo. Encara-a com serenidade e lucidez. "Tem o espiritismo, porventura, alguma cerimnia para enterrar os seus defuntos? No." Conjeturan-do desse modo, Deolindo Amorim explica os propsitos das doutri-nas de Allan Kardec, pois estas no se confundem, de modo algum, com as deformaes e falsos pressupostos hoje em dia correntes.

    Os cultos de origem africana so fetichistas, afirma Deolindo Amorim. Por que no idlatras? As religies, em regra, exploram a idolatria porque o comum dos homens estima a materializao. Daf as concluses que mandam nivelar as religies, sempre que estas re-clamam anlise realista... Todas elas se apoiam nos mistrios, que in-quietam os homens diante da morte.

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  • Os fenmenos sobrenaturais constituem o fulcro das doutrinas que procuram envolver os homens e conquist-los para os esforos estreis duma solidariedade, que manda armar povos a fim de explo-r-los, comodamente, pelo terror.

    Eloy Pontes O Globo, Rio de Janeiro, 19/3/1947

    NOTA. Eloy Pontes, crtico literrio de "O Globo", no aceita o Espiritismo nem filiado a religio alguma.

    Carta do Escritor Afonso Costa:

    Rio, 6 de maro de 1947. Deolindo Amorim: Depois de ler o sugestivo opsculo Africanismo e Espiritismo,

    de que sua magnfica bondade me ofereceu um exemplar, me ficou a convico de que, de ora em diante, nenbuma autoridade judiciria e nenhum sbio jurista deixaro de citar o seu livro sempre que preci-so distinguir as prticas africanas e as sesses espiritistas. Eu bem sa-bia de seus conhecimentos da doutrina codificada por Allan Kardec e, mais ainda, sabia do seu fino gosto na arte de escrever, tantas ve-zes demonstrado, mas de certo no esperava que voc tivesse, em ca-so tal, essa vital fora de argumentao apresentada, ou fora de con-vencimento, se eu, nesta parte, no fosse de receptividade imuniza-da, talvez pela contumcia da incredulidade de tudo.

    Com um abrao espiritual do seu Afonso Costa Mundo Esprita, 15/3/1947

    NOTA. O escritor Afonso Costa, que tambm no aceita o es-piritismo, preferindo ficar margem de qualquer discusso religiosa, membro da Academia de Letras da Bahia, pertence ao Instituto His-trico e Geogrfico Brasileiro, e foi, por muito tempo, presidente da Academia Carioca de Letras. Esprito muito tolerante em matria religiosa, tanto respeita a crena esprita como qualquer outra cren-a, do que deu provas cabais quando na presidncia da Academia.

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  • NOTA EXPLICATIVA ( 1 edio )

    A matria deste pequeno trabalho foi publicada em trs artigos, sob o ttulo Africanismo e Espiritismo, na revista Estudos Psquicos, de Lisboa (nmeros de maro, agosto e outubro de 1946) no desempenho do encargo de redator--correspondente da referida revista.

    Confesso-me agradecido ao confrade Isidoro Duarte San-tos, que , alm de infatigvel diretor daquele excelente rgo doutrinrio, uma das mais fortes e brilhantes expresses cultu-rais do movimento esprita portugus, pela honrosa distino que dispensou aos artigos ora reunidos neste volume, assim como ao diretor-presidente da Grfica Mundo Esprita S.A., dr. Henrique Andrade, por haver tomado a iniciativa desta publicao.

    D. A.

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  • CAPTULO I

    Tem-se procurado, alis sem razo plausvel, confundir o espiritismo com velhas prticas afro-catlicas, enraizadas no Brasil desde o perodo colonial. Argumenta-se, em defesa de tal suposio, que nas prticas africanas se verificam mani-festaes de espritos, o que, no entender de muitas pessoas, suficiente para dar cunho esprita a essas prticas. O racioc-nio mais ou menos este: onde h manifestaes de espritos, h espiritismo; logo, as prticas fetichistas so tambm prticas espritas, porque nelas se faz evocao de espritos.

    Eis a uma preliminar discutvel. Em primeiro lugar, o que caracteriza o ato esprita no exclusivamente o fenme-no; em segundo lugar, o espiritismo (corpo de doutrina organi-zado por Allan Kardec) surgiu no mundo em 1857, e quando suas obras chegaram ao Brasil, j existia o africanismo genera-lizado, principalmente na Bahia.

    Historicamente, como se v, no possvel estabelecer qualquer termo de comparao, porquanto o africanismo da-ta de poca muito recuada, ao passo que a doutrina esprita do sculo passado. Se, de fato, o fenmeno fosse o nico ele-mento capaz de identificar a prtica esprita, teramos de che-gar concluso de que espiritismo e catolicismo terminariam sendo, no fundo, a mesma coisa, porque se registram fenme-nos no seio de corporaes catlicas. Neste caso, no haveria distino entre catolicismo, espiritismo, africanismo etc., uma vez que a mediunidade comum a qualquer indivduo, poden-do ser espontaneamente observada entre catlicos, espritas, maometanos etc.

    No so poucos os padres, bispos e pastores com mediu-

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  • nidade positiva. No , portanto, pela natural ocorrncia de fenmenos que se pode firmar critrio para determinar o que seja realmente espiritismo.

    Um materialista, ainda que dos mais intransigentes, est sujeito a ser mdium, embora continue, por sistema, a negar a existncia da alma. Ento, devemos concluir: o fenmeno por si s no justifica a opinio, hoje defendida por muita gen- te, de que haja entre o espiritismo e o africanismo qualquer trao fundamental de afinidade.

    Conquanto as religies fetichistas, transplantadas para o Brasil com o trfico africano, se utilizem de mdiuns (h m-diuns em toda parte e no apenas no meio esprita) e faam evocaes de espritos em seus terreiros e cerimnias, com o desejo de praticar o bem ou "prestar caridade", segundo expres-so popular no Brasil, no se encontram, entre aquelas reli-gies e o espiritismo, traos comuns.

    De comum, apenas a manifestao, o transe medinico, a evocao, sob forma absolutamente diferente da prtica esp-rita. Ora, no sendo a manifestao de espritos um ato priva-tivo do espiritismo, porque os espritos se manifestam em qual-quer lugar, desde que disponham de mdiuns, est claro que, em boa lgica, no deve ter a designao especfica de prtica esprita, qualquer experincia medinica, feita a esmo, empiri-camente, sem relao com o espiritismo, cujos ensinos formam uma doutrina filosfica de "consequncias religiosas", como bem disse o seu codificador Allan Kardec.

    O mediunismo faz parte do espiritismo; mas preciso fri-sar que mediunismo no espiritismo. Que h mediunismo nos cultos africanos, no se discute. Mas este motivo ainda no basta. Da poder-se apresentar a tese de que, embora te-nham por base a imortalidade da alma e exercitem o mediunis-mo, as prticas do africanismo, apesar de espiritualistas, no constituem modalidade do espiritismo.

    * * *

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  • Toda religio tem suas formas caractersticas, seu aspec-to exterior, suas frmulas especiais. E a faculdade medinica, que tanto se pode encontrar no espiritismo, como no catolicis-mo ou no africanismo, no sntese de religio alguma: , sim, um elemento que atende s solicitaes da religio e da cin-cia, conforme o caso.

    O africanismo tem ritual organizado, de acordo com suas tradies seculares, fundadas na crena em divindades peculia-res a seu culto, enquanto o espiritismo no adota ritual de es-pcie alguma, no tem forma de culto, nem adora divindades. uma doutrina de base cientifica, propensa ao mtodo experi-mental, de cogitaes filosficas muito elevadas, porque trata do destino da alma humana, preparando o homem para a pr-tica do Bem, nica estrada que conduz a Deus.

    Nas sesses de terreiro, nos exorcismos, como em todos os atos religiosos, grosseiros ou no, h sempre matria para estudo, principalmente na parte em que a f ou a crendice po-pular possam fornecer elementos para pesquisas de folclore, etnografia, etc. Mas o que se no deve confundir sesso esp-rita, isto , sesso organizada sob a orientao da doutrina esprita, com toda sesso de puro mediunismo, sem outro ob-jetivo a no ser a curiosidade ou a satisfao de pessoas fasci-nadas pelo sobrenatural. Pretender que toda sesso onde se registrem fenmenos seja sesso esprita, equivale a supor que o espiritismo doutrina vastssima, sobre a qual no se disse ainda a "ltima palavra" seja exclusivamente evocao de es-pritos. Partindo deste ponto de vista, que muita gente sus-tenta que o africanismo simplesmente por ter uma parte me-dinica uma forma de espiritismo, em estado grosseiro. So distintos, essencialmente distintos.

    Antes da codificao da doutrina esprita, ou seja, antes de 1857, ano em que apareceu em Paris a primeira obra espri-ta de Allan Kardec O Livro dos Espritos , contendo a par-te filosfica do espiritismo, j se havia radicado no Brasil

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  • as crenas de origem africana. O comrcio de escravos, isto , o trfico, de to triste memria nos anais de nossa civilizao, terminou precisamente na metade do sculo passado. Mas a transmisso da influncia africana comeara desde os primei-ros anos da formao do Brasil. Afirma um dos nossos mais festejados historiadores que "os primeiros pretos chegaram noBrasil entre 1530 e 1540. Foram busc-los frica, onde os apri-sionavam ou compravam aos diferentes chefes de tribos, capites de barcos 'negreiros', cujo torvo comrcio s terminou em 1850". (Pedro Calmon - Histria da Bahia - 1927 - pg. 34).

    Embora tenha terminado oficialmente em 1850, o trfico de escravos no terminou praticamente, apesar das complica-es polticas que se sucederam, a partir daquele ano. Alis, muito antes, em 1826, pouco depois da Independncia, o Bra-sil firmara compromisso com a Inglaterra no sentido de se ex-tinguir o trfico de negros. A lei de 7 de novembro de 1831, estando o pas sob a Regncia, visto que Pedro I abdicara em 7 de abril desse ano, ratificou o compromisso. Diz Veiga Ca-bral: "Coube Inglaterra - que havia sido a nao mais explora-dora do trfico africano - o mais brilhante papel na campanha iniciada para a extino desse infame comrcio" (Compndio de Histria do Brasil). De fato, a questo do trfico africano trouxe muita dificuldade aos Governos do Brasil e da Inglater-ra. A questo chegou a tal ponto, que o Imprio Britnico de-cretou a chamada Lei Aberdeen, pela qual todos os navios bra-sileiros que fossem encontrados com escravos seriam presos como piratas, segundo a lei inglesa. A lei assim chamada em aluso ao ministro ingls Aberdeen.

    Estando no Poder o Partido Conservador, o Governo Im-perial assinou a lei de 4 de setembro de 1850, extinguindo o trfico, isto , o transporte de escravos para o Brasil, e estabe-lecendo punies rigorosas para os contrabandistas. A lei de 1850 foi referendada pelo ministro da Justia, Eusbio de Quei-roz. Apesar de tudo, o trfico negro, burlando as leis, ainda trouxe apreenses ao governo brasileiro. O governo ingls en-

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  • tendeu de policiar os mares para que nenhum navio trouxes-se escravos para o Brasil. Tal situao chegou a constituir ame-aa s relaes do Brasil com a Inglaterra. Antes da lei de 1888, j o governo imperial dizia perante o Parlamento, por intermdio do conselheiro Dantas, presidente do Gabinete Ministerial de 6 de junho de 1884, que a questo da escravatu-ra no Brasil se encontrava neste p: nem retroceder, nem parar, nem precipitar. (Depoimentos de Tavares de Lyra e Max Fleiuss - Histria da Administrao do Brasil).

    Finalmente, a Lei do Ventre Livre (1871) e a dos Sexagen-rios (1885) preparam caminho para a extino total da escrava-tura, a 13 de maio de 1888, apagando da sociedade brasileira to vergonhosa mancha.

    Muito deve o Brasil ao brao africano, cujo suor, com sa-crifcio e dedicao, regou os alicerces da prosperidade econ-mica do pas. O africano trouxe para o Brasil os elementos de sua cultura, j muito velha- quele tempo. Deu-se logo a mesclagem cultural, mais esclarecida, atualmente, pelas inves-tigaes da sociologia. Com o tempo, porm, o culto africa-no comeou a desfigurar-se, perdendo as suas linhas originais, em conseqncia da gradativa e inevitvel influncia do catoli-cismo. Fundiram-se, pois, trs tipos diferentes na formao do Brasil: europeu, africano e aborgene. Entre os filhos da terra, os aborgenes, no havia uniformidade de usos e costu-mes, o que no deixa de refletir a forma de culto.

    Desprezar a influncia de tais elementos no acervo cultu-ral do povo brasileiro seria desconhecer uma realidade histri-ca. Ningum tentaria, ainda hoje, sob pretexto poltico, cient-fico ou religioso, defender pretenses de pureza racial no Bra-sil, visto que o nosso povo , como vrios outros do Velho e do Novo Mundo, um produto heterogneo. Oliveira Viana, em Raa e Assimilao, rebate crticas que lhe foram feitas

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  • por ter defendido ponto de vista especial na questo. Citamos Oliveira Viana, tanto por se tratar de um estudioso da antro-pologia e da sociologia, como pela circunstncia de ser um au-tor muito discutido em matria racial. Neste particular no podemos fugir da observao de Euclides da Cunha: "Adstrita s influncias que mutuam, em graus variveis, trs elementos tnicos, a gnesis das raas mestias no Brasil um problema que por muito tempo ainda desafiar o esforo dos melhores es-pritos. Est apenas delineado." (5)

    O fenmeno etnolgico da mestiagem no podia deixar de ter repercusso psquica, tanto que a vida religiosa do Bra-sil, por mais que se insista em dizer que o povo brasileiro essencialmente catlico, no tende para a unidade, mas para o sincretismo, para a variedade.

    As diferenas psicolgicas e lingusticas observadas entre as principais naes ou divises dos aborgenes Tupy, Tapu-ya e Nu-Aruak devem entrar na bagagem cultural dos primiti-vos habitantes do pas.

    O elemento indgena era imortalista. Tinha, porm, seus deuses, admitindo uma espcie de politesmo grosseiro, tanto assim que confiava, entidade sagrada, os diversos assuntos de suas atividades: caa, pesca etc. O general Couto de Maga-lhes, que , sem a menor dvida, um dos legtimos pioneiros da humanitria obra de proteo aos ndios no Brasil, anotou algumas das curiosas divindades observadas nos cultos indge-nas: Guaracy, sol; Cahapora, entidade que protege a caa do mato; Uanyra, protetor da "sorte dos peixes" etc.(6). (A pala-vra Cahapora de que Jos de Alencar tambm se ocupa em Iracema [caapora] popularizou-se no serto da Bahia como

    (5) Os Sertes. (6) O Selvagem, Couto de Magalhes.

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  • caipora, que quer dizer, segundo a crena dos caadores, esp-rito do mato, que bate nos cachorros, esconde as caas etc.Os caadores costumam deixar fumo mastigado, beira da es-trada, para a caipora, cuja forma descrita por eles sob feio feminina.)

    O politesmo do ndio brasileiro no seria uma aberrao cultural de origem americana, porquanto se encontra a varieda-de de deuses em povos muito primitivos. O politesmo grego, como outros tipos de politesmo, caminharam naturalmente para o monotesmo. O advento do cristianismo irradiou larga-mente a noo de um Deus nico.

    O ndio brasileiro tinha, no fundo, a crena na imortalida-de, na sobrevivncia da alma, mas a sua tendncia religiosa no podia escapar, claro, superstio dos deuses, dos esp-ritos protetores da caa e da pesca, bases de sua vida social e econmica. Mas o que preciso ressaltar que o ndio no era destitudo de idia religiosa. Neste particular - observa Couto de Magalhes - "era mister acreditar que nem tinham idia de Deus". O ndio foi muito caluniado.

    Diz Couto de Magalhes: "Para poder matar os ndios co-mo se mata uma fera bravia, poder tomar-lhes impunemente as mulheres, roubar-lhes os filhos, cri-los para a escravido, e no ter para com eles lei alguma de moral e nem lhes reconhecer di-reitos, era mister acreditar que nem tinham idia de Deus nem sentimentos morais ou de famlia. A histria far algum dia ple-na justia a essas asseres."

    Adianta Couto de Magalhes: "Por outro lado, os padres jesutas antigos, que com o serem grandes homens, nem porisso deixavam de ser homens, participaram em grande parte dos defei-tos de seus contemporneos. Naquele tempo, a crena no espri-to maligno era to grande, que satans representava na vida hu-mana um papel quase to importante como o do prprio Deus." (7)

    O africano, por sua vez, no trouxe unidade cultural. Os dois grupos que, segundo o professor Artur Ramos, preponde -

    (7) O Selvagem, Couto de Magalhes.

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  • ram na influncia do elemento negro so os sudaneses e os bantus. E estes apresentavam, quando chegaram ao Brasil, dife-renas considerveis. As procedncias sudaneza e bantu foram apuradas depois de rigorosos estudos, tendo tratado do assun-to, com especial desvelo, alm dos naturalistas Spix e Martius, citados pelo douto professor Artur Ramos, o historiador baia-no Braz do Amaral, em Fatos da Vida do Brasil. No Brasil, portanto, para usar uma expresso moderna, o "caldo de cultu-ra" muito variado. Nele entraram contribuies diversas, de-terminando a impossibilidade de se manter, com sua feio original, qualquer das religies implantadas no pas.

    Afirma, a propsito, o Professor Artur Ramos, considera-do atualmente uma das maiores autoridades na matria, que no existe religio em estado puro (O Negro Brasileiro, edi-o de 1934). A bibliografia deste acatado etnlogo brasileiro vem aumentando muito, nestes ltimos anos.

    O africanismo perdeu h longo tempo, no Brasil, seus tra-os primitivos. Formou-se no pas uma cultura de fuso, dis-to resultando o sincretismo religioso: um pouco de catolicis-mo, um pouco de africanismo e um pouco de espiritismo detur-pado pelo misticismo popular.

    A propenso religiosa do povo muito concorreu para o amlgama das prticas espritas com o ritualismo afro-catli-co. Nos candombls da Bahia, como nas macumbas do Rio, por exemplo, no h mais africanismo puro, e, sim, "mistura" de elementos tomados ao catolicismo e ao espiritismo. Mas indispensvel acentuar que o espiritismo (nome privativo da escola de Allan Kardec) encontrou no Brasil um ambiente pro-pcio ao sincretismo, porque j existiam no pas, muito antes do sculo passado, os fatores de fuso cultural a que nos refe-rimos. O fato de o culto afro-catlico haver tentado absorver o espiritismo no significa, todavia, que haja relao entre a prtica esprita e as cerimnias peculiares s religies fetichis-tas, muito diludas, presentemente, nos fundamentos de sua organizao original.

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  • Em Costumes Africanos no Brasil, livro muito interes-sante, sobretudo por seu carter instrutivo, diz Manuel Queri-no que "o africanismo esprita de natureza e, como tal, provo-ca invocaes". O professor Artur Ramos, que prefaciou e ano-tou o trabalho de Manuel Querino, corrige este ponto, esclare-cendo: " uma afirmao que no pode ser generalizada. As pr-ticas espritas negro-brasileiras foram resultantes de um sincretis-mo secundrio."

    O africano, como o ndio, era imortalista, acreditava na sobrevivncia da alma. E ainda hoje estamos vendo, atravs das diversas formas de culto afro-catlico, a tradio africana afirmando tal crena. No h, porm, o que o eminente profes-sor Arthur Ramos denomina prticas espritas no sincretis-mo afro-catlico ou afro-brasileiro, porquanto a prtica espri-ta no tem caractersticas que possam pelo menos dar idia de semelhana com os rituais de origem africana. Podemos di-zer, entretanto, que a idia religiosa inata no africano. Mas a sua idia religiosa se exterioriza sob formas de cultos bem variados.

    At agora, o que foi estudado neste terreno se refere ao "animismo fetichista", ao mediunismo propriamente dito. Nas macumbas, nos terreiros, nas cerimnias de Oxal, Ogum etc., registrou-se simplesmente o animismo, o fenmeno psquico, sem que as pesquisas induzam a concluir que as prticas africa-nas, de que deriva a linha de "umbanda", sejam espiritismo gros-seiro. Espiritismo espiritismo, como africanismo africa-nismo. So assuntos diferentes.

    O animismo captulo do espiritismo; e, pelo fato de se ter verificado a existncia do fenmeno de animismo nos terrei-ros, no se infere que africanismo seja espiritismo.

    Futuramente, atravs das pesquisas sociolgicas e folcl-ricas, j muito adiantadas no Brasil, cair a dvida por si mes-ma, ficando cada assunto em seu lugar: o africanismo ser estu-dado luz de seus elementos de cultura, muito mesclados, atualmente, e o espiritismo ser estudado como cincia, em

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  • face de seus princpios prprios, na seara filosfica em que se situa a sua doutrina.

    Os estudos de africanologia no Brasil so relativamente novos. Graas ao grande esforo do professor Artur Ramos, que no tem feito trabalho exclusivamente de compilao, mas, pelo contrrio, tem procurado tomar contacto com as fontes gerais, j se conhece muita coisa em matria de cultura africa-na. At ento, pouco havia de profundo neste sentido. O ilus-tre cientista, a quem o Brasil j deve to assinalados servios, alm de uma criteriosa e nobre campanha contra o absurdo preconceito da inferioridade do elemento negro, estudou o fe-nmeno psquico, o mediunismo, o transe medinico, aspectos comuns ao espiritismo e ao africanismo. Mas a doutrina esp-rita vai alm desses pontos de orientao. O espiritismo com-porta estudo parte.

    O campo ainda est pouco explorado. Quem iniciou pes-quisas cientficas no terreno das religies africanas no Brasil foi Nina Rodrigues, cujo nome uma glria de que o Brasil se ufana. Comeou, o saudoso mestre, na Bahia, onde regia a ctedra de medicina legal. Natural do Maranho, mas educa-do na Bahia, Nina Rodrigues encontrou elementos valiosos para seus notveis trabalhos. Seu infatigvel continuador, Ar-tur Ramos, trouxe contribuies novas. E o assunto, como se v, no est esgotado. Caminhamos para a elucidao de um ponto importante: africanismo no espiritismo.

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  • CAPTULO II

    Nosso objetivo, que est bem claro, apenas fazer distin-o entre espiritismo e africanismo, sem outro intuito que no o de esclarecer e separar, luz dos prprios elementos de estudo, dois campos de pesquisa bem definidos. O africa-nismo, com todas as suas seitas e cultos, deve ser estudado parte, assim como o espiritismo, porque no h entre um e outro afinidade de cultura nem relao histrica.

    As prticas afro-catlicas, como vimos no captulo ante-rior datam de poca muitssimo remota e so de origem hetero-gnea, ao passo que a escola de Allan Kardec de origem eu-ropia e obedece a inteligente unidade de princpios. No h, portanto, semelhana com as prticas do culto africano, em cuja mesclagem entraram elementos diferentes, notando-se es-pecialmente o muulmano. Formou-se, assim, uma expresso religiosa muito complexa.

    Depois de 1850, quando se extinguiu o trfico africano, a escravido ainda continuou, no Brasil, at 1883. Naturalmen-te, com a extino da escravatura, o elemento africano come-ou a aderir, com relativa facilidade, aos hbitos da terra, s nossas inclinaes culturais por fora da convivncia com a ci-vilizao branca. Incorporando-se sociedade como elemento livre, o africano, apesar desta circunstncia, no abriu mo de suas heranas religiosas, ligadas, atravs de sculos e scu-los, ao acervo de sua psique.

    Embora diludas, mescladas com o catolicismo, no per-deram, as prticas religiosas de origem africana, as suas linhas gerais, conquanto se encontrem, desde muito tempo, sensivel-mente prejudicadas na originalidade, em virtude das influn-

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  • cias que nelas se fizeram sentir. Estas consideraes, de ordem geral e guisa de introduo, pretendem simplesmente recapi-tular os argumentos apresentados anteriormente.

    Faamos confronto. O culto afro-catlico tem ritual, e ritual muito variado: adora smbolos e imagens, venera divinda-des. O espiritismo no tem ritual nem imagens, assim como no rende culto a divindades, visto que as suas prticas so sim-ples, absolutamente simples, tendo a preocupao exclusiva de melhorar as condies espirituais da criatura humana e so-lidificar no esprito de seus adeptos a crena em Deus, basea-da em princpios morais e filosficos.

    No se discute que o objetivo do culto afro-catlico, com todos os seus elementos religiosos e culturais, seja ou no o bem; mas o que se acentua que o espiritismo no se identifi-ca nem se confunde com o africanismo. A prtica deste lti-mo obedece a prescries ritualsticas, enquanto a prtica esp-rita dispensa e rejeita qualquer frmula sacramentai, qualquer objeto de culto etc.

    O pensamento da doutrina esprita, a respeito de smbo-los, frmulas, e tc , est bem definido pelo prprio codificador do espiritismo: "Muitas pessoas certamente prefeririam outra re-ceita mais fcil para repelirem os maus espritos: por exemplo, algumas palavras que se proferissem, ou alguns sinais que se fi-zessem, o que seria mais simples do que corrigir-se algum de seus defeitos. Sentimos muito; porm, nenhum meio eficaz conhe-cemos de vencer-se um inimigo, seno o fazer-se mais forte que ele. Temos, pois, que nos persuadir de que no h, para alcanar-mos aquele resultado, nem palavras sacramentais, nem frmu-las, nem talisms, nem sinais materiais quaisquer." (destaca-mos, na transcrio, as ltimas palavras.)

    L-se, mais, este ensino: "Em resumo: a prece fervorosa e os esforos srios que a criatura faa por melhorar-se, constituem os nicos meios dela afastar os maus espritos..." (8)

    (8) Obras Pstumas, Allan Kardec, 1 Parte, item 58.

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  • Reforcemos a citao, acrescentando novamente a opi-nio de Allan Kardec: "A magia com seus sinais, frmulas e pr-ticas cabalsticas, era increpada de fornecer segredos para operar prodgios, constranger espritos a ficarem s ordens dos homens e satisfazerem-lhes os desejos. Hoje sabemos que os espritos so as almas dos mortos, e no os evocamos seno para receber conselhos dos bons, moralizar os maus e continuar relaes com seres que nos so caros". (9)

    Afirma, ainda, Allan Kardec, no mesmo captulo, n 11 que "Os princpios do espiritismo no tm relao alguma com os da magia."

    O espiritismo, como se sabe, desaprova inteiramente o uso de exorcismos, talisms ou "palavras sacramentais", enquan-to os terreiros fetichistas fazem dessas prticas o fundamento de suas cerimnias. V-se, portanto, que a diferena no se verifica unicamente quanto ao aspecto histrico, j referido, mas, tambm, quanto forma, pois no h concordncia algu-ma entre as prticas de mediunismo exercitadas nos terreiros e a verdadeira prtica esprita. Agora mesmo acaba de ser pu-blicado, no Rio de Janeiro, um livro intitulado Trabalhos de Umbanda ou Magia Prtica, de autoria do sr. Loureno Bra-ga, adepto do culto umbandista e autor de outros trabalhos da mesma natureza. Nesse livro, por exemplo, h elementos suficientes para demonstrao da tese: umbandismo no es-piritismo.

    Vejamos: no captulo em que trata da organizao dos terreiros, diz o livro do sr. Loureno Braga que "O terreiro de-ve ficar separado da assistncia por uma cerca divisria, tendo entrada ou abertura de 1,5 m para entrada e sada de scios".

    Verifiquemos, neste pequeno trecho, como flagrante, como palmar, como racional a ausncia de qualquer seme-

    (9) O Cu e o Inferno, Allan Kardec, 1 Parte, Cap. X, n9 9, 15 edio brasileira - 1946.

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  • lhana entre espiritismo e umbandismo: "O altar deve ter a imagem do padroeiro em tamanho maior que as outras imagens, para se destacar melhor, ou ento, unicamente o padroeiro. Os mdiuns e cambonos devem trabalhar de branco e calados de sapatos de tnis, ou descalos. Ao lado esquerdo do peito da ca-misa ou guarda-p, dever ser bordado em azul, verde ou roxo, o "ponto" simblico do padroeiro e, ao lado direito, o nome de batismo do mdium ou cambono." As sesses espritas, orienta-das segundo as regras estabelecidas pela codificao kardecia-na, no tm altar, no se realizam sob qualquer feio espetacular.

    Confronte-se, ento, a simplicidade de uma sesso espiri-ta com o ritual de uma sesso de umbanda, segundo os pr-prios adeptos deste culto. Aqui est um exemplo. No capitulo em que trata de abertura e encerramento de sesses, ensina o livro citado: "Em um canto da entrada principal da casa deve-r ser feita a 'tranqueira' (ponto de segurana dos trabalhos) da seguinte forma: riscar com 'pemba' branca um ponto de Ogum, cruzado com Ex e Ganga e, por trs desse ponto, riscar um sig-no de Salomo e sobre ele colocar um copo de gua salgada com sal grosso. Em seguida, cantar os 'pontos' de Ogum, Ex e Oxa-l, salvando com marafo (parati) pedindo-lhes que protejam os trabalhos contra qualquer carga fludica que venha a ser projeta-da por algum, ou contra a falange de espritos perturbadores; porm tal trabalho no deve ser feito por uma s pessoa, mas por duas, pelo menos" ( s i c ) .

    Diante dessa complicada mistura de elementos afro-cat-licos, sem nenhuma relao com o espiritismo, no h razo para se confundir a prtica esprita com qualquer das prticas de umbanda, que um dos ramos do africanismo, e por sinal o mais popular no Rio.

    A fuso no exclusivamente religiosa, mas tambm lin-gstica. A nomenclatura do culto umbandista apresenta varie-dade de procedncias, o que prova, ainda mais, a acentuada mesclagem das prticas afro-catlicas. O elemento africano, que j veio para o Brasil muito dividido em seus grupos tni-

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  • cos, transplantou para este pas tanto a influncia cultural co-mo o contingente de sua contribuio lingstica. O cruzamen-to, portanto, foi completo: religio, cultura e lngua.

    No portugus falado no Brasil, principalmente em mat-ria culinria, j se acham includos inmeros termos de origem africana.

    Temos tutu, quitute (este, de origem "iorub", da Guin, possivelmente), quibebe, mungunz ou muncunz, como se cha-ma na Bahia e tc . etc. Muitos hibridismos se formaram com elementos africanos. A lngua portuguesa recebeu, justamen-te por influncia do cruzamento com o africano, uma srie nu-merosa de termos e razes, tendo-se deturpado muitos deles pelo uso popular. Da se encontrar na terminologia umbandis-ta verdadeiro "arranjo" de nomes tomados a diferentes origens.

    Os ramos ioruba e sudans forneceram lngua portugue-sa muitos nomes de "gnios", "divindades", objetos de culto, etc, criteriosamente anotados pelo professor Jacques Raimun-do, como, por exemplo, Babala, Ex, Xang, Ogungun, Oj, Olorum, Iemanj. (10)

    At nas relaes lingusticas se reconhece a filiao do umbandismo, como de todas as formas de fetichismo existen-tes no Brasil, fonte do africanismo, grandemente ramifica-do e, desde longos anos, entrosado com o catolicismo.

    verdade que no foi apenas do trfico africano que nos veio infiltrao lingustica. Grande, como notrio, a influn-cia do Tupi na lngua portuguesa, cujo vocabulrio j pode ali-nhar numerosos termos oriundos do idioma nativo. Esse fen-meno lingustico nada tem de estranhvel, porquanto o cruza-mento sempre teve consequncias na formao e no enriqueci-mento das lnguas.

    O elemento rabe, cuja irradiao no mundo antigo se estendeu consideravelmente, levou grande contingente de ter-

    (10) O Elemento Afro-Negro na Lngua Portuguesa, Jacques Raimundo.

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  • mos e razes tanto ao espanhol como ao portugus. O exemplo do francs, lngua de significao internacional, bem caracte-rstico: os elementos cltico, latino e germnico tiveram pre-ponderncia em sua formao.

    As migraes tambm foram e continuam sendo veculos de infiltraes lingsticas. O africano, atravs de seus ramos j bem diferenciados linguisticamente, transmitiu lngua por-tuguesa aprecivel contribuio. A terminologia religiosa do africanismo misturou-se com termos prprios do culto catli-co. O africanismo procura aproximar-se mais do catolicismo do que do espiritismo. Mais uma razo, e muito forte, para no se confundir umbandismo e espiritismo, nem qualquer outra prtica de origem fetichista. Temos, por exemplo, nas prticas da Linha de Umbanda, muitos termos peculiares ao catolicismo: "padroeiro", "batismo", "altar" etc. Verifica-se, portanto, a comear pela preferncia de termos inerentes aos atos da liturgia catlica, que o culto fetichista se inclina franca-mente para o catolicismo e no para o espiritismo. Tal equi-valncia foi notada h muito tempo pelo insigne antropologis-ta Nina Rodrigues quando observou uma das mais conhecidas tradies catlicas da Bahia: a lavagem da Igreja do Bonfim. Escreve Nina Rodrigues: "A lavagem da Igreja do Bonfim , co-mo demonstrei, uma prtica religiosa yorubana ou nag, mas o verdadeiro culto vivo, pois para os africanos negros, creoulos e mestios daquela seita, o Senhor do Bonfim o prprio 'Obatal'."

    Os cultos africanos confundem-se, cada vez mais, com as cerimnias do catolicismo. Nos terreiros h muita coisa da Igre-ja Catlica. O africanismo fundiu-se, amalgamou-se com o catolicismo, naturalmente pela semelhana, pela aproximao dos respectivos cultos. O fato de haver pessoas propensas a transformarem tais prticas, procurando adapt-las ao espiri-tismo, no justifica, todavia, qualquer confuso a respeito. Exis-te, simplesmente, a manifestao de esprito no africanismo, como no espiritismo, no catolicismo etc ., mas o espiritismo no tem pontos de concordncia com nenhuma das ramifica-es do africanismo.

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  • Os nomes privativos do culto fetichista, hoje bastante modificado, mostram por si mesmos, que no h traos de unio entre as prticas espritas e as cerimnias daquele cul-to. Na Linha de Umbanda, que , como j dissemos, a mais vul-garizada, principalmente no Rio de Janeiro, embora sem as caractersticas originais, porque j se modificou, em grande parte, pr influncia do catolicismo, o templo terreiro; o mdium cavalo; o marafo (bebida que se chama "cachaa", na Bahia) faz parte das cerimnias, e assim por diante. H di-ferenas regionais, tanto no culto, como na prpria nomencla-tura. Diz-se candombl na Bahia, ao passo que no Rio de Ja-neiro, as cerimnias fetichistas, com tambores, "pontos" canta-dos, linhas cruzadas no cho, e tc , so chamadas de macumbas.

    No se contesta que haja sentimento de caridade em tais cerimnias, mas o que se deve considerar que no existe liga-o alguma entre africanismo e espiritismo. Ainda h pouco, tivemos um exemplo tpico. Tendo ocorrido, na Capital baia-na, a desencarnao de um velho "pai de santo", alis muito popular, realizou-se a singular cerimnia da "troca de cabeas" por ocasio do enterro. De onde vem to curiosa cerimnia, seno do africanismo? Tem o espiritismo, porventura, algu-ma cerimnia para enterrar os seus defuntos? No. Logo, no h paralelo entre os atos espritas, todos eles naturais, sim-ples e espontneos, com os atos religiosos do africanismo.

    O jornal A Tarde, de Salvador, Bahia, noticiando o en-terro do "pai de santo", Manuel Bernardino da Paixo, em sua edio de 18 de abril de 1947, descreveu a cerimnia do seguin-te modo:

    "O esquife, armado na sala da frente, repousava sobre um estrado. O corpo estava todo recoberto de flores, emergindo ape-nas o rosto regular, escuro, amarelecido pela morte. Crios imen-sos ladeavam o caixo perto do qual havia gua benta, com a qual os visitantes salpicavam o cadver.

    Para o interior, vrias dezenas de pessoas se comprimiam.

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  • Todos os espelhos da casa estavam cobertos com pano branco. Quando um 'pai de santo' se transfere para o outro mundo,

    deixa o seu substituto legal, o discpulo mais capaz e mais queri-do. Logo morte, o sucessor, antes do sepultamento do 'mestre', submete-se cerimnia conhecida por 'troca de cabeas'. Em con-sequncia desse ato, o novo 'babala' fica revestido das prerrogati-vas do primeiro.

    Justamente para ser processada essa cerimnia, atrasou-se o enterro de Bernardino. O seu substituto, 'Paizinho', mais conhe-cido por 'Bandanguami', reside no Rio. Agora, por fora do culto, tem que se transferir para a Bahia, onde assumir as funes de Bernardino. Avisado pelo telgrafo, Paizinho prometeu vir a tem-po de se submeter cerimnia da 'troca de cabeas'. Por isso uma delegao de 'filhos', montou guarda em Jpitanga, esperando a che-gada do seu 'novo pai', para conduzi-lo diretamente para o cemit-rio das Quintas, onde ainda puderam efetuar a solenidade. Tam-bm se aguardava a chegada de Cilial, da Vila Amrica, no cami-nho do Rio Vermelho de Baixo. Cilial estava na zona do sudoes-te, quando recebeu a notcia e prontificou-se a chegar antes do en-terramento de Bernardino. Por isso que o enterramento do che-fe do Oxal foi retardado at cerca das 11 horas".

    O caixo diz ainda o jornal "seria depositado nas pal-mas das mos e o trajeto seria feito em forma de zig-zag, ao som de hinos prprios".

    Tudo demonstra, como a est descrito o enterro, que o Africanismo tem culto prprio. Nos terreiros, o que se verifi-ca, no de hoje, mas desde muito tempo, combinao de pr-ticas fetichistas e catlicas. A crendice popular, entretanto, pretende introduzir o africanismo no espiritismo, tanto assim que j se observa em determinados centros alguma inclinao bem visvel para o ritual de umbanda. Trata-se de herana cul-tural favorecida pelo sincretismo religioso. A prpria divulga-o do espiritismo por processos inteligentes contribui para destruir, por evoluo, os remanescentes da influncia afro-ca-tlica.

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  • O espiritismo encontrou, no Brasil, a preponderncia do africanismo e do catolicismo, com um fator absolutamen-te favorvel: o baixo nvel intelectual das massas, educadas na superstio e sob o influxo da religio catlica, que lhe im-primiu o apego aos dolos, aos smbolos etc. Difcil tem sido ao espiritismo reagir contra a propenso de grande parte de seus simpatizantes para o culto fetichista. Da muita gente, que desconhece o assunto, que no sabe o que espiritismo, dizer que espiritismo e africanismo so sinnimos... Eis um erro que precisa ser desfeito. Umbandismo, ou qualquer outra forma de africanismo, no constitui modalidade do espiritismo.

    No foi exclusivamente no Brasil que se deu essa mistu-ra, fruto do encontro de religies. Ela teve expanso, e muito grande, em vrios outros pases, suscitando estudos consider-veis, como, entre outros, os que foram realizados pelo notvel folclorista americano Fernando Ortiz, de Cuba.

    A fuso de elementos absolutamente sem ligao histri-ca ou social, s vezes unidos por fatores polticos ou simples-mente econmicos, produz mesclagem muito forte, tornando-se difcil depois de certo tempo, qualquer pesquisa para deter-minar qual a maior dosagem cultural na formao de alguns povos. Um exemplo tpico o das Filipinas, cuja formao muito complexa. Mouros, malaios e espanhis ali se agruparam, formando o "labirinto" que os padres Murilo Valarde e Juan Ferrando estudaram pacientemente. Entre os "negritos" das Filipinas, os estudiosos notaram o uso de tatuagem, tal como entre os ndios paraguaios, na poca da catequese. A infiltra-o cultural, j "misturada", igualmente se faz sentir em Cuba e no Haiti.

    No Brasil, porm, a ligao do catolicismo com as prti-cas fetichistas no teve por caracterstica principal e exclusi-va a tatuagem, com que se distinguiam diferentes divises tni-cas da Amrica Central. Praticou-se mais o exorcismo, no Bra-sil, para expulsar "demnios" ou maus espritos. A prtica j era conhecida dos jesutas, que a utilizaram tambm nas Mis-ses do Prata.

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  • Os ndios guaicurs, do Paraguai, catequizados pelos mis-sionrios jesutas, usavam tatuagem, segundo depoimento do padre Carlos Techuer S.J . : "Pintavam o corpo e usavam tatua-gem, tanto os homens como as mulheres, porm as esposas dos tuxavas a restringiam aos braos, deixando a do rosto s subal-ternas escravas" (11). Ora, no culto umbandista ainda se encon-tra o exorcismo, que , sem dvida alguma, herana das primi-tivas prticas da catequese, assim como se observam em certos "pais de santo" evidentes sinais de tatuagem nos braos. Est patente, portanto, que as religies de origem africana aderiram, tanto no Brasil como em vrios outros pases da Amrica, s prticas do catolicismo e do culto aborgene, muito antes de se conhecer a palavra espiritismo.

    A expanso da doutrina esprita, a partir do sculo pas-sado, isto , de 1857, encontrou o cruzamento, o consrcio cultural j formado. Apesar da existncia, cada vez mais gene-ralizada, do sincretismo (africanismo, catolicismo e mediunis-mo) no se pode negar o contingente cultural do elemento afri-cano, cuja psicologia ainda est a solicitar estudos especiais e bem demorados. A cultura de origem africana um vasto cam-po de estudo, como pondera o professor Artur Ramos: "No in-vestigar as influncias que o negro africano exerceu no Novo Mundo, temos de considerar os tipos negros, no com as suas ca-ractersticas biolgicas (isso pouco importa ao nosso ponto de vista), mas como representantes de culturas que foram transporta-das de suas reas naturais para outros povos e outras culturas, onde se puseram em contato." (12)

    * * * Vamos admitir que se encare o assunto sob o ponto de

    vista cientfico, com excluso da parte religiosa. Ainda assim,

    (11) Vida e Obra do Padre Roque Gonzalez, publicao feita pelo Ins-tituto Histrico e Geogrfico do Rio Grande do Sul, 1926. (12) As Culturas Negras no Novo Mundo, Artur Ramos.

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  • est patente que nenhuma semelhana existe entre africanis-mo e espiritismo, embora se registrem, tanto nas sesses esp-ritas, como nos terreiros afro-catlicos, indiscutveis fenme-nos anmicos e extraterrenos, comuns a quaisquer trabalhos de natureza psquico-experimental.

    Quando se realizou, por iniciativa do socilogo Gilberto Freire, em 1934, o 1 Congresso Afro-Brasileiro, outra preocu-pao no presidiu quele importante empreendimento seno a de examinar criteriosamente a influncia africana sob todos os aspectos, no Brasil. Mas no se provocou estudo especial para separar o que exclusivamente fetichismo, com os ele-mentos afro-catlicos que lhe so peculiares, e o que, de fato, espiritismo. Para muitos estudiosos, folcloristas, socilogos, etnlogos, todo esse conjunto de prticas primitivas, enxerta-das de elementos diversos, pertence ao espiritismo, simples-mente por haver, em tais prticas, fatos que se enquadram no estudo do mediunismo e do animismo. D-se, portanto, ao es-piritismo, alis impropriamente, uma designao geral, quan-do s se pode considerar espiritismo aquilo que corresponde aos princpios de sua doutrina.

    Entre os prprios umbandistas h quem reconhea a ori-gem remotssima da religio de umbanda, cuja orientao fun-damental, como ficou dito linhas atrs, est muito desfigura-da. Mas, como fato histrico, o culto da umbanda deriva do tronco fetichista da frica, de onde se espalhou. L-se, a pro-psito, no corpo de uma das teses apresentadas ao 1 Congres-so Brasileiro de Espiritismo de Umbanda, reunido no Rio de Janeiro, em 1941, o seguinte: "No obstante as divergncias por vezes profundas na concepo que da umbanda tm os seus afei-oados e adeptos, todos so acordes quanto s suas origens afri-canas." (13) A palavra "Espiritismo" est empregada sem cabi-mento lgico, no ttulo do trabalho. Umbanda ramo do afri-canismo, como est demonstrado pelo consenso das opinies

    (13) Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda, Rio, 1942

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  • mais autorizadas. Com a diluio do africanismo puro, suas prticas comearam a apresentar, como ainda apresentam, fei-o mista de catolicismo primitivo, verificando-se manifesta-es antiquadas, em determinados casos, o que evidencia a fu-so de que a maioria dos autores se tem ocupado.

    A transformao do elemento negro reconhecida, tam-bm, por um dos maiores estudiosos dos assuntos brasileiros Pandi Calgeras estadista e homem de grande cultura, que embora no trate do assunto como especialista, fez observao muito acertada: "A descendncia abundantssima, a princpio, do elemento africano, comeou a diminuir pela decadncia de sua pureza racial: surgiu uma camada, em aumento crescente e ininterrupto, de mestios, meio-sangues, quarteires e ainda me-nos coloridos. At hoje no parou a diluio pigmentar". (14)

    O meio brasileiro, por fora das condies em que se fun-diram os elementos primaciais de sua formao, evidentemen-te no permitiu que se conservasse a integridade cultural do africano. A desfigurao do culto religioso um exemplo. O ambiente tornou-se, desde os tempos primitivos, campo aber-to ao mediunismo popular, a que muita gente chama, sem pro-priedade, espiritismo.

    Das massas que frequentam sesses medinicas e terrei-ros de umbanda, grande parte, incluindo-se muitos mdiuns, trouxe no subconsciente a influncia do catolicismo. Da a in-clinao, como que por "hereditariedade psquica", para as ce-rimnias fetichistas, porque o ritual, a apresentao das ceri-mnias e a magia dos smbolos no deixam de constituir pon-to de atrao para as pessoas que ainda no se emanciparam de sua ancestralidade cultural e da influncia do meio ambien-te. O fenmeno, entretanto, de natureza tanto cultural co-mo religiosa. Com a preocupao do estudo, da investigao para buscar a Verdade, que se deve orientar a pesquisa no terreno histrico, antropolgico, e psicolgico, para fixar a dis-tino entre africanismo e espiritismo.

    (14) Formao Histrica do Brasil, Pandi Calgeras, 4 edio, 1945.

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  • CAPTULO III

    Os cultos de origem africana, como se sabe, so fetichis-tas. Tendo, porm, a palavra ftiche, do francs, tomado senti-do popular no Brasil, principalmente na Bahia, onde o uso ge-ral consagrou a forma portuguesa feitio, torna-se indispens-vel mostrar uma alterao interessante, para clareza do assunto.

    Entende-se por fetichismo, segundo a etimologia, o cul-to dos ftiches, isto , a crena no poder de objetos naturais ou artificiais. Mas a palavra feitio empregada, entre ns, na acepo vulgar de fazer mal a algum por meio de objetos de uso, peas de vesturio, pratos de comida etc. A fora do uso chegou a criar o verbo enfeitiar, significando justamente transmitir influncias malficas, impregnar algum de feitio.

    Sinnimo de feitio no vocabulrio popular da Bahia, urucubaca, que significa estar com azar, estar sob a ao de in-fluncias ruins. No linguajar carioca j no se emprega urucu-baca, porque quando se diz tirar o peso, ir "macumba" para descarregar o peso, o que est implcito nesta expresso de g-ria o mesmo que tirar a urucubaca, conforme os costumes baianos. So ditos, como se v, equivalentes.

    A literatura moderna arrolou, contra a vontade dos puris-tas da lngua, muitos termos de gria, incluindo-os na lingua-gem corrente. Convm notar que, apesar da elasticidade que se deu ao termo feitio, o verbo enfeitiar no usado na for-ma reflexiva, dando idia, portanto, de ao que o indivduo recebe, de fora que vem de fora: ningum se enfeitia, mas algum enfeitiado.

    Nota-se, pois, que ftiche adquiriu feio mais popular no Brasil, adaptando-se, de tal forma ao meio, que seu corres-

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  • pondente em portugus (feitio) j se desligou, em grande par-te, da acepo cultural e religiosa em que devera ser emprega-do. Pouca gente diz feitio em aluso cultura negra ou s for-mas de culto oriundas da frica, mas geralmente no sentido de malefcio, de "macumba", "feitiaria" etc.

    Voltou-se, portanto, designao primitiva de feiticeiro com que eram tratados, em sentido pejorativo, os curadores e mdiuns, sem escapar o prprio Cristo quando fazia suas cu-ras pela simples imposio das mos. Mas ainda preciso dis-tinguir outro ponto: feiticeiro, ordinariamente, tal como se diz na Bahia, que foi um dos centros de concentrao da cultura africana, no , a rigor, o que cura, o que faz o bem, e sim, o indivduo que trabalha para o mal, desfazendo amizades, des-truindo lares, desorganizando a situao econmica de algum ou arranjando doenas que, s vezes produzem a morte, segun-do a crena comum. Diante deste fenmeno lingustico, que determina a alterao do verdadeiro significado de certas pala-vras, temos que considerar, contra as prprias razes de ordem etimolgica, alguma diferena entre feitio, no sentido popular em que usado no Brasil, e a palavra que lhe deu origem: ftiche.

    * * * A literatura folclrica, que j abundante, mostra que

    certos termos perdem, sob a ao do tempo, o seu sentido pri-mitivo, adaptando-se a idias e coisas que o povo lhes atribui. Em assuntos de cultura negra, por exemplo, poderamos recor-rer ao autor citado anteriormente prof. Artur Ramos por-que foi ele um dos primeiros a fazer estudos especializados do elemento africano sob o ponto de vista exclusivamente fol-clrico. (15) A linguagem do povo consegue forar o sentido de muitas palavras. O que sucede com feitio tambm se verifi-ca em relao ao emprego de muitas outras palavras que entra-ram para o acervo do nosso folclore, ligando-se a lendas e supersti-

    (15) O Folclore Negro no Brasil.

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  • es seculares, cuidadosamente anotadas por abalisado folclo-rista brasileiro. (16) Passemos agora, depois destas sumrias explicaes sobre feitio e seus derivados, ao carter fetichis-ta das religies africanas introduzidas no Brasil, para que pos-samos verificar a ausncia de qualquer relao entre essas reli-gies e o espiritismo.

    Enganou-se o padre Etienne Brasil quando disse que 'o moderno culto do espiritismo no passa de uma forma do mais genuno e grotesco fetichismo". Neste ponto, at o prprio Ar-tur Ramos, que fez estudos modernos e discordou do padre Etienne Brasil em diversas observaes sobre as religies ne-gras, caiu no mesmo equvoco, naturalmente por no ter ele-mentos para distinguir a prtica esprita, segundo o mtodo e a orientao de Allan Kardec, das prticas afro-catlicas, ca-da vez mais espalhadas no Brasil. Afirma, por exemplo, o dou-to professor Artur Ramos: "Todas as formas elevadas ou degra-dadas do espiritismo decorrem da magia evocatria." (17)

    J foi dito, no primeiro captulo, que, embora se faam evocaes, tanto nas prticas de espiritismo, como nos terrei-ros do culto umbandista, e tc ., nada tem que ver a doutrina esprita com aquele culto. O espiritismo tem princpios, tem a sua organizao doutrinria na codificao de Allan Kardec. As manifestaes fetichistas no se circunscrevem ao terreno puramente religioso, porque, em determinados casos, produ-zem excitao especial. Os estudos de Freud e Binet, que se detiveram muito tempo no aspecto sexual de algumas formas grosseiras de fetichismo, fizeram investigaes interessantes, permitindo-nos, hoje, luz de novos processos de exame, con-siderar que o fetichismo est sujeito, como todos os cultos pri-mitivos, a transformao e evoluo, seja por adaptao cultu-ral, seja pela influncia de outras correntes.

    (16) Antologia do Folclore Brasileiro, Cmara Cascudo. (17) O Negro Brasileiro, 1 edio, pg. 129.

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  • No Brasil, o fetichismo no se diluiu, mas se modificou em diversos aspectos. Muitos estudiosos, entretanto, no vem um fato importantssimo: as religies africanas inclinaram-se para o catolicismo e no para o espiritismo. A organizao yoruba tem muitos pontos de semelhana com o catolicismo. E j est, por assim dizer, provado que a religio yorubana exer-ceu, notadamente na Bahia, preponderncia sobre as outras religies africanas. A influncia da cultura negra se fez sentir de modo mais pronunciado na regio nordestina, justamente porque o contingente yorubano trouxe recursos culturais evi-dentemente mais adiantados. que, na opinio do professor Artur Ramos, "a cultura yorubana por ser mais adiantada em pa-ralelo com as outras, acabou absorvendo estas ltimas e impon-do-lhes os seus traos dominantes". (18)

    No sul do pas, entretanto, a influncia africana entrou por intermdio dos povos do Prata; e nos pases platinos no se deu infiltrao yorubana, visto que ali preponderou a cultu-ra dos congos, muito menos desenvolvida do que a dos yorubs. Na Amrica do Sul, como na Central, as religies africanas perderam, aos poucos, suas linhas primitivas, porque se "mistu-raram" com o catolicismo e com o elemento indgena de al-guns pases.

    Onde, porm, o elemento africano se conservou, por mui-to tempo, em estado original, foi nas Guianas. Da o mesmo autor afirmar que "as culturas negras da selva, nas Guianas, permanecerem imunes do contato branco". Mas a cultura mais ativa entre os negros das Guianas no a yorub, porm, a Fanti-Ashanti, procedente da Costa do Ouro, embora nela se verifiquem certos vestgios do ramo yorub e da influncia bantu. Explica-se, at certo ponto, o estado de isolamento em que se mantiveram os africanos radicados nas Guianas, em vir-tude da situao especial daquela regio, bem como da maior parte do Orenoco, onde seus primitivos habitantes eram astr-

    (18) As Culturas Negras no Novo Mundo.

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  • latas, constituindo um grupo cultural parte, ao que se supe. A este respeito, informa um dos maiores etnlogos brasi-

    leiros e, ao mesmo tempo, um dos mais lcidos representantes do elemento negro neste pas: "Os povos primitivos da Guiana, os do vale do Orenoco, principalmente, em contato mais direto com os da Amrica Central e com os do planalto andino, de Cun-dinamarca, isto , os Chibchas astrlatas de Sogamoso, mui pro-vavelmente refletiam, no que respeita crena, o culto do Sol de par com esse outro; to instintivo ao homem, de propiciar ao Gnio do Mal." (19)

    Os trabalhos de Roquete Pinto e Edison Carneiro, princi-palmente, trouxeram valioso contingente de informaes ao estudo das culturas primitivas do Brasil, sem que, todavia, se deva esquecer o nome de Manuel Querino, porque foi este l-timo, homem de cor, muito inteligente, quem provocou, pelas importantes pesquisas que realizou na Bahia, as grandes con-tribuies que dali se irradiaram, atravs do inolvidvel Nina Rodrigues, por todo o pas, alargando os estudos do africanis-mo, at ento pouco desenvolvido.

    Os estudos do prof. Baslio de Magalhes so, tambm, de grande utilidade.

    * * * J vimos, portanto, a ramificao cultural do africanis-

    mo e sua aderncia ao catolicismo. Nenhuma razo de ordem histrica ou psicolgica leva a admitir que haja relao entre espiritismo e africanismo. O fetichismo constitui forma reli-giosa, tem suas divindades. As religies de origem africana, co-mo j se disse inicialmente, so fetichistas. O espiritismo no tem relao cultural com o fetichismo. Dai se conclui que no h termo de comparao entre espiritismo e africanismo, em-

    (19) Naturalistas e Viajantes dos Sculos XVIII e XIX, Teodoro Sampaio.

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  • bora se encontre o mediunismo e no se negue o sentimento de caridade tanto naquele como neste. Mas a mediunidade, as-sim como a prtica do bem, que a exteriorizao dos bons sentimentos da criatura humana, podem ser observados em qualquer organizao religiosa. O prprio padre Etienne Bra-sil, que confundiu o espiritismo com fetichismo, afirma que: "O fetichismo uma verdadeira religio com seus dogmas, pre-ceitos e ritos peculiares." (20) Ora, se o fetichismo uma verda-deira religio, possuindo "corpo doutrinal", est provado que, no sendo o espiritismo fetichista, no tem relao com ne-nhuma das ramificaes desse culto. Entretanto, so muito acen-tuados os traos de afinidade entre o catolicismo e o africa-nismo, tanto que h divindades, cerimonial, sacerdotes, e tc , neste e naquele. Basta que consideremos este fato: "No fetichis-mo gge-nag (investigao, ainda, do professor Artur Ramos) os 'orixs' foram assimilados, um a um, dos santos catlicos. "O-rixal" ou 'Oxal' identificou-se com o Senhor do Bonfim, na Bahia. Esta equivalncia no parece ser motivada pelo fato de ser a Igreja do Senhor do Bonfim edificada no alto de uma coli-na, na Bahia, da mesma forma que, na frica, 'Orixal' adora-do no topo do monte 'Ok'... A verdadeira razo parece-me con-sistir em que 'Orixal', o maior dos santos, para o 'yorubano', se identifica com o Senhor do Bonfim, o santo de maior devoo, o mais milagreiro da Bahia."

    Sendo religio de povos adiantados, o catolicismo teria de exercer influncia sobre os africanos.

    O jejum de mal, por exemplo, uma confirmao do que acabamos de dizer, porque essa prtica prova que existe corres-pondncia entre o culto africano e o catlico. Leiamos Ma-nuel Querino, que estudou, com sinceridade e escrpulo, a for-mao religiosa de sua prpria ascendncia:

    "Na semana em que a religio catlica celebra a festa

    (20) Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, vol. 74,1911.

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  • do Esprito Santo, comeava o jejum anual do Mal, pela forma seguinte: levantavam-se de madrugada, cozinhavam o inhame e pisavam para comer com ef, bolo de arroz machucado com fu-b, com leite e mel de abelha. Durante esse intervalo de tempo o Mal nem gua bebia, assim como no absorvia a saliva.

    No ltimo dia de jejum realizavam grande festa em casa do maioral da seita, havendo missa. Nenhuma bebida alcolica era usada nessa festa. No ato de sacrificar o carneiro, introdu-ziam a ponta da faca na areia e sangravam o animal proferindo a palavra "Bi-si-mi-lai".

    Conclui Manuel Querino: "Corresponde esta cerimnia ao sacrifcio de Isaac".

    At mesmo nas festas populares, vemos a fuso, o sincre-tismo, tal como nos descreve, ainda, o livro de Manuel Queri-no, com referncia ao rancho da burrinha: "Os ranchos da burri-nha e do boi so filhos entremez do momo portugus com enxertos tirados dos autos pastoris e visvel influenciao totmica por parte dos ndios e negros." (21) Os cultos africanos entraram no Brasil com profundos resqucios de crenas remotssimas, principalmente do islamismo, o que torna difcil, hoje, fixar com nitidez a parte preponderante desta ou daquela corrente de influncia.

    V-se, finalmente, que as prticas fetichistas, com seus smbolos, suas divindades, seu ritual, e tc , se aproximam cada vez mais do catolicismo. Quanto ao espiritismo, porm, no se pode afirmar que haja afinidade deste com o africanismo, por duas razes fundamentais:

    a) o que caracteriza o espiritismo a ausncia de ritual; b) tendo por base de sua doutrina as leis naturais, o espi-

    ritismo exclui racionalmente a idia do sobrenatural, do milagre, do poder dos fetiches.

    O fetichismo , como se sabe, o tronco de religies pri-

    (21) A Bahia de Outrora.

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  • mitivas, muito desfiguradas, como j foi dito em pginas ante-riores, e seus pontos bsicos assentam precisamente no sobre-natural, na crena em divindades, tal qual se verifica no catoli-cismo, cujo fundamento teolgico se estriba em crena idnti-ca, no milagre, etc., variando apenas a terminologia particular de cada religio. O africanismo, com todo o conjunto de suas formas religiosas, remoto, vem de uma fonte de cultura mui-tssimo velha, ao passo que o espiritismo, isto , espiritismo como corpo de doutrina, posterior quela cultura.

    A evoluo social no concorreu, como poderia parecer, de maneira sensvel, para a transformao dos cultos africanos no Brasil. A esto os exemplos dos candombls ou xangs da Bahia, os catimbs de Pernambuco, as macumbas do Rio de Janeiro.

    muito conhecida, na Bahia e fora da Bahia, a tradio dos candombls do Cabula, na capital do Estado. Afirma-se que certos polticos de evidncia frequentavam, altas horas da noite, as casas de determinados pais de terreiro, no Cabula, quando chegava a poca de eleies. O professor Artur Ra-mos, que esteve muito tempo na Bahia, onde formou o lastro de sua cultura cientfica, cita essa informao popular. (22) De fato, alguns pais de santo eram como que orculos, ao que se atribui a considerao de que gozavam junto a polticos de prestgio.

    Convm notar, especialmente por se tratar de um escri-tor catlico, insuspeito, portanto, que Luiz Viana Filho reco-nhece que o culto catlico tem preponderncia no sincretis-mo afro-brasileiro. O autor, que deputado federal pela Bahia, (23) vai muito adiante, chegando a dizer o seguinte: "O bntu, de religio pobre de deuses, e cujo sincretismo religioso com o

    (22) Veja-se O Negro Brasileiro, Artur Ramos.

    (23) Lus Viana Filho (1908-1990) foi deputado federal em sucessivos mandatos de 1945 a 1966 e senador a partir de 1979. Era jornalista e historiador. (Nota do Pense)

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  • catolicismo j se processava desde a frica com certa intensida-de, no tardou em assimilar, integrando-os no seu culto, deuses sudaneses e santos catlicos." (24)

    Nossa tese, neste trabalho, justamente esta: o africanis-mo aproxima-se mais do catolicismo do que do espiritismo. O sincretismo afro-catlico nas macumbas e candombls uma prova do que afirmamos. Luiz Viana Filho sustenta que o afri-canismo comeou a se fundir com o catolicismo muito antes do cruzamento realizado em terra brasileira. Podemos acres-centar que certas devoes catlicas existentes no Brasil denun-ciam a presena do elemento africano, o que confirma a infor-mao de Luiz Viana Filho, isto , a de que, desde a frica, j o africano havia recebido influncia do catolicismo.

    O prof. Augusto Lins e Silva, catedrtico da Faculdade de Medicina do Recife, antigo discpulo de Nina Rodrigues, escreveu, em livro tambm recente, o seguinte: "Sabendo-se que o mito sempre foi manifestao do povo primitivo, explora-vam os brancos essa face do sentimento do negro, confiando-lhe o culto religioso sob a irrisria majestade dos reis do Congo.

    No Brasil, atenta Nina Rodrigues, Nossa Senhora do Ros-rio sempre foi uma confraria de negros. E era a podroeira da Monarquia do Congo, nao que dentre as demais, como por exem-plo, Angola, Regalo, Moambique, gozava de certa ascendncia (25). Diz, ainda, o mesmo autor: "A macumba do Rio, o xang da Bahia e o catimb de Pernambuco so remanescentes das an-tigas mesquitas africanas".

    O culto de S. Jorge, principalmente no Rio de Janeiro, um misto de catolicismo e africanismo, assim como o de Cos-me e Damio.

    O espiritismo, que no tem orculos, que no usa adivi-

    (24) O Negro na Bahia, Luiz Viana Filho, prefcio de Gilberto Freyre, 1946, pg. 134. (25) Atualidade de Nina Rodrigues, Augusto Lins e Silva, 1945.

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  • nhao, que no tem cerimonial nem imagens, no apresenta semelhana alguma com os velhos cultos do Brasil. O espiritis-mo tem a prece, mas toda natural; evoca esprito, mas sem r i -tual, porque no tem culto material, finalmente.

    No tendo culto material, evidentemente, o espiritismo no poderia ter pontos de atrao para os cultos de origem africana. Logo, no h equivalncia entre a prtica do espiri-tismo e as prticas religiosas do africanismo (conjunto de sei-tas e formas de culto de procedncia africana) visto que o es-piritismo repele naturalmente ritual, smbolos etc.

    Justamente para definir o espiritismo com preciso, pa-ra evitar, sem dvida, que o espiritismo se confundisse com as seitas e escolas espiritualistas (entre estas a do fetichismo, porque se apoia, tambm, na imortalidade da alma) teve Allan Kardec a necessidade, bem compreensvel, de criar a denomina-o prpria desse corpo de doutrina. Da o neologismo por ele formado, no sculo passado, para designar a doutrina es-prita: espiritismo.

    Eis a explicao do codificador desta doutrina, em traba-lho publicado no ano de 1866 em Revue Spirite, rgo por ele fundado logo depois de haver lanado, em O Livro dos Espritos (1857) as bases do espiritismo: "Criamos a palavra espiritismo, para atender s necessidades da Causa; temos, pois, o direito de lhe determinar as aplicaes e de definir as qua-lidades e as crenas do verdadeiro esprita." (26)

    Sustentando o princpio de que o espiritismo, no admi-tindo o sobrenatural, no pode, por consequncia, harmonizar sua doutrina com qualquer religio que apele para solues teolgicas (catolicismo, fetichismo e tc . ) , Allan Kardec j di-zia, desde 1864, ao publicar O Evangelho Segundo o Espiritis-mo: "O espiritismo a cincia nova que vem revelar aos ho-

    (26) Obras Pstumas, Allan Kardec, 2 Parte, item X - Constituio do Espiritismo.

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  • mens, por meio de provas irrecusveis, a existncia e a natureza do mundo espiritual e as suas relaes com o mundo corpreo; ele no-lo mostra no mais como coisa sobrenatural, porm, ao contrrio, como uma das foras vivas e sem c