afonso lopes vieira
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Alguns poemas de Afonso Lopes Vieira para sessões de leitura na nossa BE.TRANSCRIPT
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Leiria, 1878 – Lisboa, 1946
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O PINHAL DO REI
![Page 4: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/4.jpg)
Catedral verde
Catedral verde e sussurrante aonde a luz
se ameiga e se esconde e aonde ecoando
a cantar se alonga e se prolonga a longa
voz no mar:
Ditoso o “lavrador” que a seu contento
por suas mãos semeou este jardim:
Ditoso o poeta que lançou ao vento esta
canção sem fim.
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Ai flores, ai flores do pinhal florido
Que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do pinhal florido do
rei D. Dinis, bom poeta e mau marido,
lá vêm as velidas bailar e cantar.
![Page 6: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/6.jpg)
Encantado jardim das minha infância
aonde a minha alma aprendeu a musica
do Longe e o ritmo da distância que a
tua voz marítima lhe deu.
Por estes fundos claustros gemem os ais
do velho do Restelo.
Mas tu debruças-te no mar e ao vê-lo
teus velhos troncos de saudades fremem.
![Page 7: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/7.jpg)
Ai flore, ai flores do pinhal louvado que
vedes no mar?
Ai flores, ai flores do pinhal louvado são
as caravelas, teu corpo cortado,
é o verde pino no mar a boiar.
![Page 8: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/8.jpg)
Pinhal de heróicas árvores tão belas,
foi do teu corpo e da tua alma também
que nasceram as nossas caravelas
ansiosas de todo o Além;
foste tu que lhe deste a tua carne em flor
e sobre os mares andaste navegando,
rodeando a terra e olhando os novos
astros.
![Page 9: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/9.jpg)
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que grande saudade, que longo gemido
ondeia nos ramos, suspira no ar.
![Page 10: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/10.jpg)
Na sussurrante e verde catedral
oiço rezar a alma de Portugal:
ela aí vem, dorida, e nos seus olhos
sonâmbulos de surda ansiedade,
no roxo da tardinha,
abre a flor da Saudade;
ela aí vem, sozinha,
dorida do naufrágio e dos escolhos,
![Page 11: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/11.jpg)
Viúva de seus bens
e pálida de amor,
arribava de todos os aléns
de este mundo de dor;
ela aí vem, sozinha,
e reza a ladainha
na sussurrante catedral aonde
toda se espalha e esconde,
e aonde, ecoando a cantar,
se alonga e se prolonga a longa voz do
mar.
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![Page 13: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/13.jpg)
Dança do vento
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia.
Baila, baila e rodopia
E tudo baila em redor.
E diz às flores, bailando:
- Bailai comigo, bailai!
E elas, curvadas, arfando,
Começam, débeis, bailando.
![Page 14: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/14.jpg)
E suas folhas, tombando,
Uma se esfolha, outra cai.
E o vento as deixa, abalando,
- E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor.
E diz às altas ramadas:
Bailai comigo, bailai!
![Page 15: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/15.jpg)
E elas sentem-se agarradas
Bailam no ar desgrenhadas,
Bailam com ele assustadas,
Já cansadas, suspirando;
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
![Page 16: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/16.jpg)
E diz às folhas caídas:
Bailai comigo, bailai!
No quieto chão remexidas,
As folhas, por ele erguidas,
Pobres velhas ressequidas
E pendidas como um ai,
Bailam, doidas e chorando,
![Page 17: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/17.jpg)
E o vento as deixa abalando
- E lá vai!
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz às ondas que rolam:
- Bailai comigo, bailai!
e as ondas no ar se empolam,
Em seus braços nus o enrolam,
E batalham,
E seus cabelos se espalham
Nas mãos do vento, flutuando.
![Page 18: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/18.jpg)
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
![Page 19: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/19.jpg)
Afonso Lopes Vieira
Repartia o seu tempo entre Lisboa e S.
Pedro de Moel, Leiria – no Inverno em
Lisboa, nos meses mais aprazíveis em S.
Pedro – onde recebia vários amigos,
também escritores.
![Page 20: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/20.jpg)
Basta uma lágrima cheia
De uma saudade de tudo
![Page 21: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/21.jpg)
Bartolomeu Dias
Era uma vez um capitão português
chamado Bartolomeu que venceu um
gigante enorme e antigo.
Bartolomeu, em menino pequenino, ia
para o pé do mar e ficava a olhar o mar.
E Bartolomeu cismava…
![Page 22: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/22.jpg)
Ó que lindo, ó que lindo o mar e a sua
voz profunda e bela!
Uma nuvem no céu era uma caravela
que nos céus andava descobrindo…
Ó que lindo, os navios que vão
suspensos entre a água e o céu com
velas brancas e mastros esguios e com
bandeiras de todas as cores.
Bartolomeu cismava porque ouvia tudo
o que o mar dizia.
![Page 23: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/23.jpg)
![Page 24: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/24.jpg)
A última cantiga
Esta palavra saudade
Aquele que a inventou
A primeira vez que a disse
Com certeza que chorou.
E tão felizes correm os meus dias
E o meu sono é aqui tão descansado,
Que inda espero pagar em agonia
Cada dia de agora, sossegado!
![Page 25: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/25.jpg)
![Page 26: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/26.jpg)
CAVALEIRO DO CAVALO DE PAU
Vai a galope o cavaleiro e sem cessar
Galopando no ar sem mudar de lugar.
E galopa e galopa e galopa, parado,
E galopa sem fim nas tábuas do sobrado.
Oh! Que bravo corcel, que doídas
galopadas,
– Crinas de estopa ao vento e as
narinas pintadas!
Em curvas pelo ar, em velozes carreiras,
O cavalo de pau é o terror das cadeiras!
E o cavaleiro nunca muda de lugar,
A galopar, a galopar a galopar! …
![Page 27: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/27.jpg)
Penso às vezes
Penso às vezes como depois de eu morto
Certos objectos do meu uso irão chorar
por mim.
Essas saudades deles comovem-me
De modo que sinto até já saudades
minhas.
![Page 28: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/28.jpg)
Casa do poeta em S. Pedro de Moel
![Page 29: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/29.jpg)
Chora no ritmo do meu sangue
Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Na praia, de bruços,
fico sonhando, fico-me escutando
o que em mim sonha e lembra e chora
alguém;
e oiço nesta alma minha
um longínquo rumor de ladainha,
e soluços,
de além...
![Page 30: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/30.jpg)
São meus Avós rezando,
que andaram navegando e que se foram,
olhando todos os céus;
são eles que em mim choram
seu fundo e longo adeus,
e rezam na ânsia crua dos naufrágios;
choram de longe em mim, e eu oiço-os
bem,
choram ao longe em mim sinas,
presságios,
de além, de além...
![Page 31: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/31.jpg)
Onde a terra se acaba e o mar começa
Onde a terra se acaba e o mar começa
É Portugal;
Simples pretexto para o Litoral,
Verde nau que ao mar largo se
arremessa.
Onde a terra se acaba e o mar começa
A Estremadura está,
Com o Verde pino que em glória
floresça,
Mosteiros, castelos, tanta pátria ali há!
![Page 32: Afonso Lopes Vieira](https://reader034.vdocuments.com.br/reader034/viewer/2022052506/5571f77049795991698b6516/html5/thumbnails/32.jpg)
Onde a terra se acaba e o mar começa
Há uma casa onde amei, sonhei, sofri;
Encheu-se-me de brancas a cabeça
E, debruçado para o mar, envelheci…
Onde a terra se acaba e o mar começa
É a bruma, a ilha que o Desejo tem;
E ouço nos búzios, até que o som
esmoreça,
Novas da minha pátria – além, além!...