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NASCE A Geografia e P olítica Internacional OUTUBRO 1992 ANO 1 - N o 0 “NOVA ORDEM” MUNDIAL Na noite de 9 de novembro de 1989, um comunicado das autoridades comunistas da Alemanha Oriental liberava a passagem nos postos de controle da fronteira berlinense. O Muro de Berlim, símbolo principal da Guerra Fria, era desativado, como conseqüência das manifestações populares que desmoralizavam o governo da RDA. Uma multidão incrédula da parte oriental atravessava livremente, pela primeira vez, a barreira que dividia a velha capital alemã. Com fogos e festa em Berlim, terminava o perí- odo histórico da Guerra Fria. Esse acontecimento, cronologicamente tão próximo, já parece distante. Depois dele, a União Soviética entrou em decomposição, originando quinze Estados e inúmeros focos de tensão. A Iugoslávia deixava de existir, e, mais recentemente, a Tcheco-Eslováquia frag- mentava-se nas repúblicas tcheca e eslovaca. Desenha-se um novo mapa no espaço que era ocupado pela URSS e sua área de influência. A Europa foi o cenário principal da Guerra Fria. A bipartição do continente em blocos geopolíticos e alianças militares antagônicos refletia a bipolaridade de poder mundial. A ordem da Guerra Fria estruturava-se em torno do conflito entre os Estados Unidos e a URSS. Nascida da 2 a Guerra, essa ordem apoiava-se sobre a divisão da Alemanha, síntese da divisão européia. A reunificação alemã de 1990 assinalou a reorganização de toda a geometria do poder no espaço europeu. A edição inicial de MUNDO — Geografia e Política Internacional é dedicada à “nova or- dem” internacional. Esta expressão designa uma realidade da qual emergem novas potên- cias, como Japão e Alemanha unificada, característica da multipolirade. Reflete, também, o fim do conflito ideológico entre capitalismo e socialismo, e a reaparição das guerras nacionalistas. A “nova ordem” não está estruturada em torno de dois pólos, mas sobre mega-blocos. O processo tumultuado da unificação européia, a criação do mercadi comum da América do Norte e a consolidação da zona econômica do Pacífico são dimensões de um novo estágio da economia mundial, que dissolve as fronteiras nacionais. [LEIA MAIS SOBRE A NOVA ORDEM MUNDIAL NAS PÁGS. 4 e 5] O Muro de Berlim, contruído em agosto de 1961, era o maior símbolo da divisão do mundo em blocos geopolíticos. Seu fim mudou o mapa da Europa e do mundo. GUERRA CIVIL LIQUIDA A IUGOSLÁVIA A guerra civil na antiga Iugoslávia, que já produziu milhares de mortes, dezenas de milhares de feridos e quase dois milhões de refugiados, parece não ter mais fim. Os conflitos começaram nas Eslovênia, no segun- do semestre de 1991. Em escala crescente, envolveram depois a Croácia, e agora se concentraram na Bósnia- Herzegovina, onde três principais etnias — muçulmanos (43%), sérvios (31%) e croatas (17%) — travam uma sangrenta batalha. Ressurgem antigos ódios e preconceitos que se julgavam esquecidos no passado. Inde- pendente do destino que seja dado à Bósnia a à guerra civil, a Iugoslávia não mais existe. PÁG. 3 INSTABILIDADE AMEAÇA DEMOCRACIAS NA AMÉRICA LATINA Na América Latina, o escândalo PC Farias (Brasil), os desafios do narcotráfico (Colômbia), a tentativa de golpe na Venezuela e o golpe do presidente Alberto Fugimori (Peru), em março e abril, são indícios da fragili- dade dessas democracias. O que está em questão é a governabilidade destes países. PÁG. 6 Nos Estados Unidos, os conflitos raciais em Los Angeles, Nova York e outras cidades importantes, em plena campanha às eleições presidenciais do país. Explicitaram uma crescente tensão social. A pobreza abso- luta cresce e atinge níveis inéditos, principalmente entre negros e hispânicos. PÁG. 7 APROVEITE O PLANO ESPECIAL DE LANÇAMENTO DO BOLETIM MUNDO Fazendo assinatura anual (equivalente a seis números) de sua escola agora, você terá des- contos especiais. Conheça nossos planos de subscrição, nos seguintes endereços: Pangea — Edição e Comercialização de ma- terial Didático Ltda. Em São paulo: R. Dr. Mário Crdim, 117 - casa 4 (CEP 04019-000) ou Em Ribeirão Preto: Fax (016) 623-1303 - Telex 164518

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OUTUBRO1992

ANO 1 - No 0

“NOVA ORDEM” MUNDIALNa noite de 9 de novembro de 1989, um comunicado das autoridades comunistas da

Alemanha Oriental liberava a passagem nos postos de controle da fronteira berlinense. OMuro de Berlim, símbolo principal da Guerra Fria, era desativado, como conseqüência dasmanifestações populares que desmoralizavam o governo da RDA.

Uma multidão incrédula da parte oriental atravessava livremente, pela primeira vez, abarreira que dividia a velha capital alemã. Com fogos e festa em Berlim, terminava o perí-odo histórico da Guerra Fria.

Esse acontecimento, cronologicamente tão próximo, já parece distante. Depois dele, aUnião Soviética entrou em decomposição, originando quinze Estados e inúmeros focos detensão. A Iugoslávia deixava de existir, e, mais recentemente, a Tcheco-Eslováquia frag-mentava-se nas repúblicas tcheca e eslovaca. Desenha-se um novo mapa no espaço queera ocupado pela URSS e sua área de influência.

A Europa foi o cenário principal da Guerra Fria. A bipartição do continente em blocosgeopolíticos e alianças militares antagônicos refletia a bipolaridade de poder mundial.

A ordem da Guerra Fria estruturava-se em torno do conflito entre os Estados Unidos e aURSS. Nascida da 2a Guerra, essa ordem apoiava-se sobre a divisão da Alemanha, sínteseda divisão européia. A reunificação alemã de 1990 assinalou a reorganização de toda ageometria do poder no espaço europeu.

A edição inicial de MUNDO — Geografia e Política Internacional é dedicada à “nova or-dem” internacional. Esta expressão designa uma realidade da qual emergem novas potên-cias, como Japão e Alemanha unificada, característica da multipolirade. Reflete, também,o fim do conflito ideológico entre capitalismo e socialismo, e a reaparição das guerrasnacionalistas.

A “nova ordem” não está estruturada em torno de dois pólos, mas sobre mega-blocos. Oprocesso tumultuado da unificação européia, a criação do mercadi comum da América doNorte e a consolidação da zona econômica do Pacífico são dimensões de um novo estágioda economia mundial, que dissolve as fronteiras nacionais.

[LEIA MAIS SOBRE A NOVA ORDEM MUNDIAL NAS PÁGS. 4 e 5]

O Muro de Berlim,contruído em agosto de1961, era o maior símboloda divisão do mundo emblocos geopolíticos. Seufim mudou o mapa daEuropa e do mundo.

GUERRA CIVIL LIQUIDA A IUGOSLÁVIAA guerra civil na antiga Iugoslávia, que já produziu milhares de mortes, dezenas de milhares de feridos e

quase dois milhões de refugiados, parece não ter mais fim. Os conflitos começaram nas Eslovênia, no segun-do semestre de 1991. Em escala crescente, envolveram depois a Croácia, e agora se concentraram na Bósnia-Herzegovina, onde três principais etnias — muçulmanos (43%), sérvios (31%) e croatas (17%) — travam umasangrenta batalha. Ressurgem antigos ódios e preconceitos que se julgavam esquecidos no passado. Inde-pendente do destino que seja dado à Bósnia a à guerra civil, a Iugoslávia não mais existe. PÁG. 3

INSTABILIDADE AMEAÇA DEMOCRACIAS NA AMÉRICA LATINANa América Latina, o escândalo PC Farias (Brasil), os desafios do narcotráfico (Colômbia), a tentativa de

golpe na Venezuela e o golpe do presidente Alberto Fugimori (Peru), em março e abril, são indícios da fragili-dade dessas democracias. O que está em questão é a governabilidade destes países. PÁG. 6

Nos Estados Unidos, os conflitos raciais em Los Angeles, Nova York e outras cidades importantes, emplena campanha às eleições presidenciais do país. Explicitaram uma crescente tensão social. A pobreza abso-luta cresce e atinge níveis inéditos, principalmente entre negros e hispânicos. PÁG. 7

APROVEITE O PLANO ESPECIAL DELANÇAMENTO DO BOLETIM MUNDO

Fazendo assinatura anual (equivalente a seisnúmeros) de sua escola agora, você terá des-contos especiais.

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OUTUBRO DE 1992MUNDOMUNDO

PALAVRADO PROFESSOR

Esta seção será dedicada a contribuições dosprofessores sobre os temas abordados por

este boletim, assim como críticas e propostas.Solicita-se que as contribuições não excedam

uma lauda (20 linhas de 70 toques cada), eque tragam a identificação de seu autor

(nome completo, endereço, telefone e RG). ARedação reserva-se o direito de não publicar o

material enviado, assim como editar ascontribuições para sua publicação.

APRESENTAÇÃO DOS AUTORES

Apresentamos em seguida, nesta edição eem caráter excepcional, uma pequena bio-grafia dos integrantes da Redação do bole-tim Mundo.

ARQUILAU MOREIRA ROMÃO (Kika), 37anos, é bacharel em Direito, com formaçãobásica também em História e Filosofia. Atu-almente, exerce as funções de coordenadorde Atividades Culturais nos Colégios Anglode Ribeirão Preto e Soares de Oliveira (emBarretos e Bebedouro - SP).

DEMÉTRIO MARTINELLI MAGNOLI, 33anos, é formado em Jornalismo e CiênciasSociais pela USP. É, também, mestre em Ge-ografia Humana pela Faculdade de Filosofia,Letras e Ciências Humanas da mesma uni-versidade. Autor de vários livros, entre osquais: “O que é Geopolítica” (Col. PrimeirosPassos, Ed. Brasiliense), “O Mundo Contem-porâneo” (Ed. Ática), “A Nova Geografia” (emco-autoria, Ed. Moderna).

JOSÉ ARBEX JÚNIOR, 35 anos, é jornalis-ta formado pela Universidade de São Paulo.É doutorando em História Social pela mes-ma universiade. Foi correspondente do jor-nal “Folha de S. Paulo” em Nova York (1987)e em Moscou (1988-90). Foi editor do cader-no Mundo da “Folha” (1990-91). Autor do li-vro “A segunda Morte de Lênin - o Colapsodo Império Vermelho”.

NELSON BACIC OLIC, 45 anos, é geógrafoformado pela Universidade de São Paulo. Foiprofessor de várias escolas da capital de SãoPaulo, entre as quais os Colégios Santa Cruz,São Luiz, Logos e Mater Dei. Atualmente, leci-ona no Mopyatã. É autor dos seguintes livrosda Coleção Polêmica (ED. Moderna): “A Guer-ra do Vietnã”, “Oriente Médio: uma Região deconflitos”, “Geopolítica da América Latina”.

Da esquerda para a direita: Nelson Bacic Olic, Demétriao MartinelliMagnoli, Arquilau Moreira Romão e José Arbex Jr.

EXPEDIENTE

MUNDO - Geografia e Política Internacional é umapublicação de PANGEA - EDIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃODE MATERIAL DIDÁTICO LTDA. Distribuída para asescolas conveniadas

Redação: Demétrio Magnoli, José Arbex Jr., Nelson Bacic OlicJornalista Responsável: José Arbex Jr.Projeto Gráfico: Eliana PaivaDiretor Comercial: Arquilau Moreira RomãoEndereço: Rua Dr. Mário Cardim 117/casa 4 (04019) São Paulo - SPInformações: Fax: (016) 623-1303 – tlx. 164518 – Ribeirão Preto

FRASE“Na Iugoslávia havia seis repúblicas,

cinco povos, quatro idiomas, três religiões,dois alfabetos e um partido

– 0 comunista”(Norman Stone, Sunday Times, 9/10/1992).

O articulista conseguiu, com poucas palavras, sintetizar as causas, profundas do estilhaçamentoda antiga Iugoslávia: a desintegração do comunismo dissolveu o cimento que unia o país.

MUNDO NO VESTIBULAR

Esta seção será dedicada a apresentar questões do Vestibular realcionadas ao tema geral deGeografia Humana, Cultura e política Externa. Seu propósito é duplo: alertar o aluno que está se

preparando para o exame, mas também estimular debates e reflexões sobre os temas propostos.

SEM FRONTEIRASEsta seção acolherá cartas de alunos e professores contendo opiniões e críticas não apenas a respeito dosassuntos tratados nos boletim, mas também sugestões sobre sua forma e conteúdo. Só serão aceitas cartasportando nome completo, endereço, telefone e identidade (RG) do remetente. A Redação resefva-se o direitode não publicar cartas, assim como editá-las para sua eventual publicação.

1) (Londrina - PR) Após a Segunda Guerra houve um extraordinário crescimento na produçãomundial de armamentos. Vários fatores contribuíram para isso, entre outros:

a) o grande avanço tecnológico do poder soviético, a ascensão das potências ocidentais européias e a corridaespacial.

b) o grande avanço tecnológico, a colonização da África e da Ásia, a corrida espacial, o declínio do poderiosoviético e a ascensão das potiencias ocidentais européias.

c) o grande avanço tecnológico, o declínio das potiencias européias, a ascensão das novas potências milita-res (EUA e URSS), a corrida espacial e a descolonização da África e da Ásia.

d) o declínio das potências européias, a ascensão das novas potências militares (EUA e URSS), a corridaespacial e a colonização da África e da Ásia.

e) o declínio dos EUA e da URSS, a formação dos pactos militares (OTAN e Pacto de Varsóvia), a corridaespacial e a colonização da África e da Ásia.

2) (UFMG) Pode-se afirmar que a Guerra da Secessão (1861-65), nos Estados Unidos, foi resultado:a) da discordância entre norte-americanos, que desejavam dizimar a população indígena, e ingleses, que

eram favoráveis à utilização dela na lavoura.b) da luta do povo norte-americano contra o domínio colonialista inglês, que obrigava os norte-americanos a

pagar pesadas taxas.c) de divergências entre os estados do norte e do sul dos Estados Unidos acerca de várias questões, entre

elas o escravismo.d) do ataque japonês a Pearl Harbour, base militar norte-americana no Havaí, gerando uma onda de naciona-

lismo entre os norte-americanos.e) dos conflitos entre patrões e operários, pois estes iniciavam sua luta contra a exploração capitalista.

3) (FUVEST) No processo de formação de seu território, os EUAincorporaram vastos que originalmente não pertenciam à In-glaterra. Pertenceram, respectivamente, a França e ao Méxi-co as áreas assinaladas como os números:

a) 2 e 3b) 1 e 3c) 4 e 5d) 4 e 6e) 5 e 6

4) (U. F. Londrina) A Iugoslávia, sob a direção do Marechal Tito, no após-guerra, assumiu umaposição de destaque, pois

a) combateu a política do Komontern, que visava neutralizar a influência das idéias de Trotski na EuropaOriental.

b) elaborou a teoria do policentrismo, juntamente com Togliatti, segundo a qual o socialismo deve ser refor-mista e seguir a linha do social-democracia.

c) divulgou, no Ocidente, os termos do relatório secreto de khrushev sobre os crimes do stalinismo.d) apoiou a adesão da Tchewcoslováquia ao Plano Marshall, nos termos apresentados por Klement Gottwald.e) entrou em conflito ideológico com a União Soviética, seguindo um caminho diverso do exigido por Stalin.

5) (UNICAMP) Após a Segunda Grande Guerra, no quadrogeopolítico mundial, os EUA consideraram necesáriorestabelecer a política do “cordão sanitário” no Extre-mo Oriente. Explique a que se refere essa política, utili-zando-se do cartograma ao lado.

6) (UNICAMP) A construção do Canal do Panamá foi iniciada no final do século 19 por europeus eterminada no início do século 20 pelos Estados Unidos. Os interesses dos Estados Unidosestavam ligados a um esquema estratégico, econômico e geopolítico. Quais são esses interes-ses?

RESPOSTAS

1 - c2 - c3 - d4 - e

5 - A política do “cordão sanitário” consistia na criação de uma série de bases militares norte-americanas na área doOceano Pacífico e na criação de uma série de pactos militares ou multilaterais com países no Sudeste Asiático. Oobjetivo principal dessas estratégias era o de impedir o avanço do “vírus do comunismo” na região.

6 - os interesses dos EUA estavam ligados à idéia de expansão de sua influência tanto em direção ao Atlântico (Caribe)como no Pacífico. A construção do canal visava também diminuir as distâncias entre a costa leste e oeste do paísatravés dessa via marítima inter-oceânica.

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OUTUBRO DE 1992MUNDOMUNDO

LUTAS ÉTNICAS DILACERAMOS BALCÃS

A guerra civil na antiga Iugoslávia, responsável por milhares de mortes, dezenas de mi-lhares de feridos e dois milhões de refugiados, parece não ter fim. Os conflitos, que nosegundo semestre de 1991 e no primeiro semestre de 1992 foram deflagrados na Eslovêniae Croácia, agora se verificam na Bósnia-Herzegovina (ou Bósnia).

Esta região se transformou num sangrento campo de batalha, onde se defrontam as trêsprincipais etnias que a habitam: os mulçumanos (43%), os sérvios (31%) e os croatas (17%).

Em novembro de 1990, a Bósnia realizou pela primeira vez eleições pluripartidárias nas quaisforam eleitos governantes não comunistas. O governo acabou se tornando uma coalizão dosrepresentantes das três etnias, que ficaram sob o comando de um presidente mulçumano.

Em 1991, a Iugoslávia entrou em colapso com a declaração de independência da Eslovêniae da Croácia – onde sérvios e croatas se guerreavam. Esse colapso foi o resultado de umprocesso que começara onze anos antes, com a morte de Josip Broz Tito, o ditador comu-nista que mantinha coeso o edifício institucional do país. Após sua morte, não surgiu lide-ranças que conseguissem preencher seu lugar.

Na Bósnia, mulçumanos, sérviose croatas revivem ódios antigos

Como reflexo da guerra entre eslovenos e croatas, a situação política da Bósnia começoua se deteriorar. As três comunidades da Bósnia passaram a ter opiniões diferentes quantoao futuro da região. Os sérvios, temendo uma dominação mulçumano-croata, queriamalgum tipo de união com a Sérvia. Mulçumanos e croatas receavam ser engolidos peloprojeto expansionista da Grande Sérvia (que incluiria a Sérvia e as áreas habitadas porsérvios na Croácia e Bósnia).

A partir desses fatos, as três comunidades se armaram. Em fevereiro de 1992, um plebis-cito que visava definir o futuro da região, boicotado pelos sérvios, decidiu pela indepen-dência da Bósnia. Foi o sinal para a guerra.

As milícias sérvias, apoiadas não oficialmente por forças da Sérvia, passaram a controlarparcelas cada vez maiores do território da Bósnia, chegando a ter sob seu controle cerca de70% da região.

A estratégia posta em prática pelos sérvios nas áreas conquistadas consistia em retiraras populações não-sérvias, através de expedientes que iam de simples eliminação à depor-tação de milhares de pessoas. Era a chamada “purificação étnica”.

Essa prática não é uma “novidade”. Ao contrário, constitui uma das marcas registradasde regimes totalitários, como o de Josef Stalin na União Soviética dos anos 30 e 40, e naAlemanha de Adolf Hitler.

Os croatas criaram uma área autônoma no sul da Bósnia que, eventualmente, se uniriaao território da Croácia. Os mulçumanos quase ficaram sem representação territorial –como pode ser constatado pela simples observação do mapa.

O futuro da região é incerto e sombrio. Em qualquer hipótese, a premissa de uma Bósniarealmente independente é o respeito aos direitos de todas as etnias.

Meus pais nasceram em duas cidades dis-tintas de uma pequena ilha do Adriático cha-mada Korcula. Meu pai chegou ao Brasil, jámoço, na década de 30. Minha mãe, aindacriança, alguns anos antes. Eles só se conhe-ceram no Brasil, onde se casaram e tiveramtrês filhos. A primeira impressão de que euera um pouco “diferente” aconteceu na es-cola, quando percebi que meu sobrenomeera “esquisito”. Aliás muitos iugoslavos têmseu sobrenome terminado em “ic”.

Na convivência familiar, meus pais sem-pre me transmitiam amor por sua terra na-tal. Não pela Croácia (eles se referiam muitoà Dalmácia, região costeira da Croácia), massim, pela Iugoslávia. Aos poucos, cresceu emmim o orgulho de ser filho de iugoslavos.

Como todo ser humano minimamente sen-sível, só posso ficar horrorizado em face do quevem ocorrendo na terra de meus parentes.

LUTA INÚTIL DIVIDE FAMÍLIAS E AMIGOS

Acredito que todos os povos têm o direitode escolher o seu destino. Sei, também, quemuitos políticos de origem sérvia sempredesejavam a hegemonia de seu grupo so-bre os demais habitantes da Iugoslávia. Massempre há espaço para negociações, desdeque haja bom senso.

E é por isso tudo que sou contrário à ex-ploração que certos políticos populistas,travestidos de nacionalistas, têm feito nosentido de jogar populações umas contra asoutras, buscando usufruir de vantagens pes-soais ou conquistar benefícios para os seus

pequenos grupos.Por causa desses nacionalistas tacanhos

e estreitos, famílias na Iugoslávia foramobrigadas a se afastar umas das outras.Pessoas que foram amigas durante muitotempo, foram transformadas em inimigascontra sua vontade, e milhares de famíliasmistas não sabem qual será seu destino.

Contudo – e apesar de tudo -, continuo ten-do orgulho de ser filho de Iugoslavos. Con-deno, com veemência, os nacionalistas deplantão, não importa a origem étnica, quebuscam “soluções finais”, sinônimoeufemístico de genocídio. Espero que algumdia eles entendam aquilo que John Lennonpoeticamente imaginou.

A GUERRA CIVIL VISTA POR UM FILHO DE IUGOSLAVOSNelson Bacic Olic

Fonte: Folha de S. Paulo (22.AGO.92).

EDITORIAL

Algumas vezes, as nações passam porprocessos de transformações súbitas, pro-fundas e radicais. Quem, no começo denovembro de 1989, poderia dizer que nodia 9 cairia o Muro de Berlim, ou que emmenos de dois anos (setembro de 1991) aUnião Soviética deixaria de existir?

Mas essas transformações não são gra-tuitas, nem resultado do acaso. Elas acon-tecem quando a vida não pode maiscontinuar como sempre foi. Em momen-tos assim, ou as coisas dão certo, e tudomuda, ou os representantes do passadoconseguem preservar o poder.

Em Pequim, por exemplo, os burocra-tas do Partido Comunista chinês ordena-ram, em 4 de junho de 1989, o massacrede 2 mil jovens que exigiam a democra-tização do país. Foi o fim do sonho deuma geração.

No Brasil, os protestos estudantis con-tra o presidente Fernando Collor são ou-tro exemplo de um movimento que pre-tende liquidar um passado insuportável.Como na URSS, Alemanha Oriental eChina, o Estado brasileiro tornara-se ni-nho de corrupção e abuso de poder.

Democratizar esse Estado, a começarpela punição dos corruptos, tornou-setarefa tão importante quanto foi, para osalemães, derrubar o Muro de Berlim, oupara os soviéticos, liquidar a URSS.

Em Moscou, Berlim, pequim e São Pau-lo, os jovens mostraram que, qualquerque seja a ideologia, a democracia é umacondição indispensável à vida. Mais doque isso: todos esses movimentos foram,essencialmente, alegres e por que não?— coloridos. No fim, das contas, estavacerto Gilberto Gil: a alegria é a “prova dos9”.

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OUTUBRO DE 1992MUNDOMUNDO MUNDOMUNDOOUTUBRO DE 1992

MEGA-BLOCOS SUBSTITUEM AS SUPERPOTÊNCIAS NA NOVA ORDEM MUNDIAL

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A Grã-Bretanha e a França, cuja influên-cia política derivava do seu papel de po-tências nucleares associadas aos EstadosUnidos, conhecem um declínio cada vezmaior da sua influência internacional.

Nas décadas do pós-guerra, a recons-trução da economia capitalista mundialproduziu uma redistribuição geográfica dariqueza. A hegemonia incontestável dosEUA – que concentravam uma riqueza bas-tante superior à das demais potências ca-pitalistas juntas, no final da guerra – foisofrendo erosão contínua.

Simultaneamente, a Europa Ocidental eo Japão aquiriram uma nova capacidadeindustrial, comercial e financeira. No finalda década de 80, quando se encerrava aGuerra Fria, o PIB (Produto Interno Bruto,soma total das riquezas produzidas por umpaís) japonês atingia 60% do PIB america-no e a Comunidade Européia apresentavaum PIB conjunto superior ao dos EUA.

Os fluxos comerciais e os movimentosde capitais globalizaram-se e geraramcomplexos econômicos regionais. Na Eu-ropa, o Tratado de Roma de 1957 originouo Mercado Comum Europeu, que tinha pormeta a eliminação das barreiras entre aseconomias nacionais representadas pelasfronteiras políticas.

No oriente, o dinamismo da economiajaponesa e os investimentos de capitaisocidentais estimularam a industrializaçãode países da orla oceânica. Os chamados“Tigres Asiáticos” (Coréia do Sul, Formo-sa, Cingapura e Hong Kong) integraram-se à zona de influência da economia doJapão. A economia mundial capitalista nãotem mais um único centro.

A Europa quer dar o salto da unificaçãoeconômica para a unidade

política e diplomática.

A constituição de blocos econômicossupranacionais encontra a sua expressãomais avançada na Comunidade Européia. Em1986, o Ato Único Europeu definiu o final de1992 como data limite para a supressão detodas as barreiras que limitam o movimentode mercadorias, capitais, serviços e pessoasentre os doze países envolvidos.

O Tratado de Maastrich, assinado naHolanda em 1991, prevê a adoção de umamoeda corrente única e a definição depolíticas externas e de defesa comuns atéo fim da década. A Europa quer dar o sal-to da unificação econômica para a unida-de política e diplomática.

O bloco econômico liderado pelo Japãonão tem estruturas institucionais oficiais.Apóia-se na rede de fluxos de capitaisemanada da poderosa economia do arqui-pélago, que começa a transformar a Baciado Pacífico numa zona econômica maisimportante que o Atlântico Norte.

A multipolaridade de poder que come-ça a se desenhar na “nova ordem” mun-dial não representa o fim da hegemoniaamericana. O poder das armas ainda con-ta e a herança da Guerra Fria continua viva.

Os EUA, apoiados pela Grã-Bretanha, in-sistem na manutenção da OTAN (Organiza-ção do Tratado do Atlântico Norte, formadaem 1949), mesmo após o desaparecimentodo Pacto de Varsóvia (1955). Mas o esfacela-mento do seu querido inimigo – a URSS daGuerra Fria – suprime as principais fontesdo poder geopolítico da superpotência ame-ricana. A “nova ordem” mundial está muitodistante da “pax americana”.

A Guerra Fria consistiu numa etapa es-pecial da história da humanidade, na qual osistema internacional organizou-se em tornode dois pólos de poder de âmbito planetário.De certa forma, o conflito foi também umaforma de cooperação: os contendoresrespeitam escrupulosamente as linhas de-marcatórias das respectivas esferas de influ-ência. Irmãos-inimigos, os Estados Unidos ea União Soviética conflitaram cooperando.

A bipolaridade da Guerra Fria apoiou-sesobre uma inédita acumulação e aperfeiço-amento de meios de destruição em massa.Os arsenais nucleares, formados por ogivase lançadores, tinham por finalidade não apreparação da guerra, mas a sua prevenção.No tempo em que o embate militar prome-tia a devastação mútua, excluindo a hipóte-se da vitória, a cumulação de arsenais sem-pre maiores transformou-se num fim em simesmo. Esses arsenais visavam não a alte-ração mas a manutenção do equilíbrio depoder existente. Nessas condições, forçamilitar tornou-se no principal sinônimo depoder, secundarizando outras referênciastradicionais do poderio dos Estados, como– principalmente – a produtividade e efici-ência da economia nacional. Países como aAlemanha e o Japão – potências econômi-cas excluídas politicamente do clube nucle-ar – permaneceram à margem dos centrosfundamentais de poder e decisão do siste-ma internacional.

O fim da Guerra Fria e a subseqüentedesaparição da URSS embaralharam todasas cartas do jogo geopolítico mundial. Emprincípio, a bipolaridade cede lugar a umadistribuição unipolar do poder: a nova “paxromana”, isto é, o império sem contraste dosEUA (a “pax americana”). Essa forma de en-carar a geometria do sistema internacionalsurgido do fim da Guerra Fria originou a ex-pressão “Nova Ordem Mundial”, cunhadapelo presidente George Bush à vésperas dadesintegração da URSS. Entretanto, mais queuma análise das realidades emergentes, elarefletia a vontade de Washington e a sua pres-sa em comemorar a “vitória” na Guerra Fria.Uma abordagem mais atenta revela que ascoisas não são assim tão simples.

O fim da Guerra Fria e a desaparição daUnião Soviética embaralham as cartas

do jogo geopolítico mundial.

O fim da Guerra Fria não se limitou amodificar a distribuição do poder, mas es-sencialmente alterou a própria natureza dopoder geopolítico. Durante as décadas daGuerra Fria, armas e poder tornaram-sequase sinônimos.

O encerramento da Guerra Fria desman-cha essa identidade, desvinculando (aomenos parcialmente) o poder geopolíticodos arsenais militares. Outras dimensõesde poder, quase esquecidas, reaparecemno centro da cena.

A força do dinheiro, em especial, lançaum cone de sombra na direção da forçadas armas. Por isso, os EUA, que conhe-cem uma lenta dissolução da sua tradici-onal hegemonia econômica, também

A redefinição dos significados do poder,num mundo onde se dissolve o confrontoideológico bipolar, assinala a emergênciadas potências derrotadas na 2º GuerraMundial. O Japão e a Alemanha – cujopeso econômico não tinha correspondên-cia política ou militar durante a Guerra Fria– lentamente começam a participar comvoz própria da diplomacia internacional.

A fragmentação da URSS, no final de1991, foi o estopim para a deflagração deguerras abertas na periferia do antigo im-pério vermelho. Os conflitos latentes en-tre povos, etnias e nacionalidades quecompunham o Estado soviético degene-raram em conflitos militares que incendei-am as zonas periféricas da Comunidadede Estados Independentes (CEI).

Na região do Cáucaso – espaço de entre-laçamento de etnias, culturas e religiões di-ferentes – os atritos entre a Armênia e oAzerbaijão transformaram-se numa guerrasem perspectivas de solução a curto prazo.

Os armênios, cristãos ortodoxos, querema reincorporação do território do Karabahà sua república. O território é povoado poruma maioria Armênia mas foi entreguepara o Azerbaijão mulçumano pelo ditadorsoviético Josef Stalin na década de 30. Navizinha Geórgia, o governo do antigo cola-borador de Gorbatchov, Eduard Shevard-naze, enviou tropas contra os separatistasda Ossétia do Sul e Abkhazia.

Outra região-problema é a Ásia Central,onde as antigas repúblicas mulçumanas doCasaquistão, Turcomenistão, Uzbequistão,Tadjiquistão e Quirquistão tornaram-se Es-tados independentes. Culturalmente influ-enciados pelo Islã, esses novos Estados co-nhecem conflitos mais ou menos gravesentre as autoridades políticas e os movimen-tos de oposição religiosa. No Tadjiquistão,um golpe afastou o antigo governo e insta-lou um poder com participação mulçumana.

Foi concluído, em agosto, o tratado queestabelece o mercado comum da Améri-ca do Norte (NAFTA, North América FreeTrade Association). A zona de livre comér-cio entrará em vigor paulatinamente, coma progressiva eliminação de taxas e tari-fas alfandegárias que regulamentam osfluxos comerciais entre os Estados Unidos,Canadá e México.

O novo mercado comum representa aresposta americana ao processo de unifi-cação européia. Reunindo uma populaçãode cerca de 370 milhões de habitantes esomando um PIB superior a 6 trilhões dedólares, o NAFTA tende a dinamizar as tro-cas de mercadorias e serviços entre os trêsparceiros norte-americanos.

Tendo como vértice a economia dos EUA,o mercado comum cria dois vetores dife-rentes. O Canadá, antigo parceiro econô-mico dos EUA, apresenta economia desen-volvida e diversificada, baixo crescimentovegetativo e elevados níveis de vida.

O México, ao contrário, apresenta profun-dos desníveis sociais, forte crescimentovegetativo e intensos movimentos migrató-rios. A urbanização crescente amplia as ten-sões sociais e os fluxos de migrantes ilegaisgeram uma fronteira de atritos na linha doRio Grande, que o separa dos EUA.

A AMÉRICA PARA OS AMERICANOS

O NAFTA, porém, é mais que um mer-cado comum. A sua constituição sinalizaum novo interesse dos EUA pelo continen-te americano. Depois das décadas da Guer-

ra Fria, quando a Europa ocupou asatenções da política mundial americana,a “volta para a América” não representa-ria uma grande novidade histórica. Seriaantes, a retomada de uma orientação mui-to antiga na geopolítica americana.

A América para os americanos – esseprincípio, expresso no célebre discurso dopresidente James Monroe, em 1823, ori-entou todo a política externa dos EstadosUnidos, até a 2ª Guerra Mundial. A Doutri-na Monroe, como ficou conhecida, definiao hemisfério ocidental como objeto privi-legiado da política de poder americana.

Em 1845, a anexação do Texas, apóssangrenta guerra contra o México, consti-tuía o primeiro ato imperialista dos EUA.O presidente James Polk justificava-ocomo ato de libertação dos texanos.

Os EUA sempre preferiram enxergar asua política externa como uma cruzada pelaliberdade e pela democracia, rejeitando osargumentos de interesse nacional esgrimi-dos pelos governos europeus. Já se torna-va difícil, porém, esconder o trecho implí-cito no velho princípio de Monroe: A Amé-rica para os americanos... do norte.

A Doutrina Truman, que em 1947 anun-ciou o engajamento dos EUA na GuerraFria, inverteu radicalmente o sentido dapolítica externa americana. A Europa, ce-nário principal da confrontação com osURSS, tomou o lugar de destaque quecabia à América. O fim da Guerra Fria dei-xa os EUA numa encruzilhada histórica.Voltar à América? Uma política desse tiposignificaria o reconhecimento do encerra-mento da hegemonia mundial americana.

ESTADOS UNIDOS CRIAM MER CADO COMUM

RÚSSIA HESIT A EM INTER VIR NAPERIFERIA D A CEI

ONDE FICA A FRONTEIRA RUSSA

A instabilidade na sua periferia externainquieta a Rússia. No passado longínquo, apartir do século 17, o antigo Império czaristaocupou e subjugou os povos do Cáucaso eda Ásia Central, garantindo assim a segu-rança nas fronteiras exteriores da Rússia.

Nas décadas do poder comunista, instau-rado em 1917, Moscou desenvolveu umapolítica de russificação das repúblicas so-viéticas, estimulando migrações populaci-onais de russos para as zonas periféricas.Agora, tudo isso parece desmoronar.

As fronteiras estratégicas da Rússia es-tiveram sempre além das suas fronteiraspolíticas. Durante a Guerra Fria, estende-ram-se até a “cortina de ferro”, projetan-do-se sobre a Europa Oriental.

Com o desmantelamento do bloco sovi-ético e a fragmentação da URSS, tudo in-dica que o Estado russo enxerga nos limi-tes da CEI a sua nova fronteira estratégica.A presença de numerosas minorias popu-lacionais russas em vários países dessazona periférica reforça essa percepção.

A maior parte das tropas do antigo Exér-cito Vermelho continua nas suas posições,em territórios de Estados da CEI. Essas tro-pas estão sob comando formal da Comu-nidade, mas poucos duvidam que obede-ceriam ordens emanadas diretamente deMoscou. Resta saber por quanto tempo elaspermanecerão à margem das guerras queeclodem no perímetro externo da Rússia.

O fim dos blocos geopolíticos devolveu o conteúdo puramente geográfico aos conceitos“leste” e “oeste”, e criou as condições para o surgimento de um novo mundo,multipolar. Eliminada a oposição ideológica, são as confluências econômicas,

históricas, étnicas e culturais muitas das quais sufocadas durante décadas pela“cortina de ferro” que criam, hoje, uma irresistível tendência mundial

à formação de novos blocos regionais.

(José Arbex, 500 anos de solidão, A Nova Desordem Mundial,Folha de S. Paulo, 19/12/1990, p. 3)

A NOVA ORDEM MULTIPOLAR

Esboço da organização geopolítica da “nova ordem” mundial desenhado por Zbigniew Brzezinski,conselheiro especial para assuntos de segurança nacional do presidente americano Jimmy carter

(1976-1980). Publicado originalmente em World media — A Nova Desordem Mindial 1

Serviço

Obras de análise política sobre o fim da Guerra Fria:• A Segunda Morte de Lênin, de José Arbex Jr.

(Ed. Folha de S. Paulo, 1991)• Nós, o Povo, de Timothy Garton Ash

(Companhia das Letras, 1990)

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OUTUBRO DE 1992MUNDOMUNDO

GOLPE, CORRUPÇÃOE NARCOTRÁFICOFAZEM A AMÉRICA

O escândalo PC Farias reúne todos os in-gredientes que caracterizam a crise degovernabilidade na América Latina: umamáquina estatal corrupta, uma “cúpula”governante dividida e perplexa, organiza-ções partidárias e sindicais convocandomanifestações contra o governo e, comopano de fundo, uma aguda crise social e eco-nômica. Estes ingredientes se combinam, devárias formas, nos demais países.

No Peru, o golpe de Alberto Fujimori tevecomo pretexto tornar mais eficaz o combateà guerrilha (principalmente, o grupo maoístaSendero Luminoso), e aos narcotraficantes.Fujimori dissolveu o Congresso, e concen-trou todos os poderes.

A prisão do líder do Sendero, AbimaelGuzmán, em setembro, em circunstânciaspouco claras, parece ter reforçado o esque-ma de Fujimori. O Sendero foi criado nosanos 70, como um pequeno grupo da Uni-versidade de Ayacucho. Inicialmente, erarural, e adepto de métodos violentos. Cres-ceu tanto nos anos 80 que hoje controla bair-ros de Lima (capital do país), onde abundamfavelas enormes e miseráveis.

O narcotráfico no Peru não é tão impor-tante quanto na Colômbia, mas corrompe atégenerais (cujo salários médios são de 200dólares mensais). É fácil imaginar a desmo-ralização nas tropas. Muitas vezes, soldadosque se quer têm botas.

Em países andinos (Peru, Colômbia e Bolí-via), a repressão ao narcotráfico gera, nãoraro, uma profunda injustiça social. A folhade coca é um alimento cultivado há milêniospor indígenas. Muitas vezes, é sua única fon-te de proteínas vegetais. As pressões, feitasprincipalmente por Washington, para que asculturas de coca sejam substituídas por ou-tras (milho, café, etc.) agravam as péssimascondições de vida destas populações.

Na Colômbia, a fuga de Pablo Escobar dis-solveu a ficção de que o governo conseguiracontrolar o narcotráfico. Escobar estava “pre-so” num cárcere construído para ele, em ter-reno de sua propriedade situado no topo deuma montanha que domina o belíssimo valede Envigado. Bastou o governo ameaçartransferi-lo para que ele fugisse.

O narcotráfico é o segundo maior comér-cio do mundo. Movimenta, anualmente, 500bilhões de dólares, dos quais boa parte é ori-ginada da Colômbia, maior produtora de co-caína. As máfias de “Cáli” e Medellín formamum ”Estado dentro do Estado”. Compramjuízes, políticos e militares, e controlam amaior parte do comércio legal. As empresaslegais de Escobar em Medellín pagam salári-os altos, o que garante ao narcotraficante asimpatia de parte significativa da população.

Escobar entregou-se às autoridades emmeados de 1991, em troca da promessa deque não seria extraditado aos EUA. Exigiu,aliás, que a Assembléia Constituinte trans-formasse a promessa em lei. O governo, comsua prisão, parecia ter consolidado uma novafase na história do país. Mera aparência, quesó oculta o barril de pólvora social e econô-mico prestes a explodir.

Nos anos 80, em particular na segunda me-tade da década, um amplo processo de de-mocratização parecia tornar irreversível o fimdas ditaduras na América Latina. Um a um,foram democratizados os regimes do Cone Sul(Argentina, Chile, Paraguai e Brasil), AméricaAndina (Peru, Colômbia, Venezuela, Bolívia) eCentral (Salvador, Guatemala, Nicarágua).Com exceção de Cuba, a realização de eleiçõeslivres tornou-se regra. Mas esse edifício de-mocrático tem base frágil. A ingovernabilidadeameaça vários países, incluindo o Brasil.

Multiplicam-se os indícios de uma crisegeneralizada: golpe de Estado deferido pelopresidente do Peru, Alberto Fujimori, emabril, e uma tentativa de golpe na Venezue-la, à mesma época; desmoralização do go-verno colombiano, dois meses depois, coma fuga da prisão de Pablo Escobar, o “chefão”do bilionário Cartel de Medellín donarcotráfico; o escândalo PC Farias no Bra-sil, expondo a máquina de corrupção arma-da no coração do poder.

Paradoxalmente, se houve democratização,a pobreza aumentou nos anos 80. Esse para-doxo está na base de todas as crises, já que ademocracia permite que os movimentosreivindicatórios se expressem nas ruas, fábri-cas, escolas e locais de trabalho, atemorizandoas elites. No limite, ou a democracia é capaz degerar justiça social, ou a concentração de rique-zas acabará por liquidar a democracia.

O declínio do PIB fez dos anos 80 a“década perdida” para a América Latina

Há várias formas de julgar o comporta-mento social da economia de um país. Umadelas é medir os índices de mortalidade in-fantil, de expectativa de vida média da po-pulação, de assistência médica por habitan-te, de saneamento básico e serviços etc.Outro parâmetro é o PIB (Produto InternoBruto, soma das riquezas produzidas).

Nos anos 80, a taxa de crescimento anualdo PIB caiu para 1,5%, quando tinha sido,em média, de 5,4% nos anos 70. Como ocrescimento populacional superou a médiade 2% anuais neste período, a conclusão éimediata: o PIB por habitante declinou. Issosignifica que nos anos 80 cada país latino-americano produziu, em média, menos ri-queza do que o exigido pelo crescimentopopulacional.

Os investimentos na economia e no par-que industrial também caíram drasticamen-te, de uma média anual de 24,5% nos anos70 para 16,4% entre 1985-88. Na maioria dospaíses latino-americanos, os investimentossequer foram suficientes para reparar ou

substituir equipamentos quebrados ou ob-soletos (incluindo transportes, comunica-ções, escolas e hospitais).

A situação foi agravada com a prolonga-da recessão nos países ricos no começo dosanos 90. As economias do Terceiro Mundo,no qual se inclui a América Latina, depen-dem de investimentos estrangeiros e da im-portação de tecnologia avançada. Com oacirramento da crise econômica mundial, ospaíses ricos tendem a proteger seus própri-os mercados, importando menos e cobran-do mais por aquilo que exportam. Oindividamento do Terceiro Mundo cresce.

A dívida externa é o principal fator de es-tagnação na América Latina. Nos anos 60-70,os empréstimos a juros baixos tomados juntoa bancos internacionais comerciais financia-ram um “boom” de industrialização (“milagreeconômico”). Um grande fluxo de capitais nosentido Norte-Sul criou na América Latina umaclasse média relativamente numerosa. Mas asituação inverteu-se nos anos 80.

Preocupados com o excesso de moeda emcirculação, gerador de um processo inflacioná-rio que afetava negativamente suas economi-as, os “ricos” passaram a “enxugar” o merca-do, aplicando taxas de juros cada vez mais al-tas ao dinheiro emprestado. O dinheiro, que nosanos 70 era “fácil”, nos anos 80 tornou-se caro.

O resultado foi o crescimento acelerado dadívida. Os países latino-americanos tiveramque exportar volumes cada vez maiores dedólares. Não sobrava capital para investimen-tos em seus próprios parques produtivos. Cadapaís produzia para pagar a dívida, segundouma lógica perversa, em que a elevação dataxa de juros o tornava incapacitado (ouinadimplente, no jargão dos economistas).

Indústrias faliram, o desemprego aumen-tou e a crise agravou-se em 1990-92 (1,5milhão de demissões apenas na Grande SP).As repercussões sociais são tão visíveisquanto cruéis. Em regiões do Brasil, crescea mortalidade infantil, contra uma tendên-cia mundial à sua queda.

MISÉRIA AMEAÇA DEMOCRACIAS NAAMÉRICA LATINA

Aumento do desemprego e da pobreza cria tensões,climas propícios a golpes e ingovernabilidade

Em Países Andinos,camponeses usam a folhade coca como valiosa fontede alimento, calorias eproteínas vegetais. É parteda tradição.

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OUTUBRO DE 1992MUNDOMUNDO

Tradicionalmente, as eleições nos EstadosUnidos são disputadas pelos partidos Demo-crata e Republicano. Outros partidos simples-mente não tinham chance. Mas, este ano, obilionário texano Ross Perot, independente, dis-parou nas pesquisas de intenção de votos, su-perando o presidente George Bush (candidatoa reeleição, republicano) e Bill Clinton (demo-crata). Perot abandonou a disputa em junho,mas deixou a certeza de que o bipartidarismoamericano tem seus dias contados.

O bipartidarismo foi expressão, no pós-guerra, do novo lugar ocupado pelos Esta-dos Unidos como superpotência capitalista.Republicanos e Democratas não tinham, re-almente, uma divergência ideológica quan-to ao sistema político americano. Represen-tavam, apenas, modos distintos de adminis-trar a economia e a política externa do país,mas sempre em consonância com os inte-resses das corporações.

Nas três décadas que se seguiram à Segun-da Guerra, o grande crescimento industrial efinanceiro dos EUA, que financiou a recons-trução da Europa Ocidental e Japão, seduziuos amplos setores da classe média. Os prin-cipais beneficiários políticos desse “boom”foram os democratas e republicanos.

No bojo da Guerra Fria, a “esquerda”americana, real ou imaginária (incluindo in-telectuais e artistas que nunca exerceramqualquer atividade política), foi politicamentemassacrada pelo macarthismo (a “caça àsbruxas” inspirada pelo senador JosephMcCarthy, presidente do comitê da Câmaracontra Atividades Antiamericanas). Mesmoo minúsculo Partido Comunista americanofoi colocado na ilegalidade.

Esse processo consolidou a divisão dopoder em dois partidos. A “esquerda” foiincapaz de conquistar um apoio significati-vo da classe média. No máximo, tentava seexpressar através do Partido Democrata,quando não formava grupos minúsculos eextremistas (como o Socialista WorkersParty, trotskista).

O espaço para uma terceira alternativapolítica foi gerado pelo processo de criseeconômica, iniciado pela política neoliberalarquitetada pelo presidente Ronald Reagannos anos 80. O “reaganismo” baseava-se nocorte profundo de gastos do Estado comserviços sociais e infraestrutura básica deserviços, que foram em grande parte repas-sados ao setor privado. A situação dos po-bres agravou-se.

O sucesso da candidatura Perot teve amesma base social que os conflitos

raciais de Los Angeles.

Não por acaso, a candidatura Perot ganhouforça no mesmo período em que aconteci-am os grandes conflitos raciais de LosAngeles, Washington Heights (bairro deNova York) e outras grandes cidades dosEstados Unidos. O bilionário texano pareciarepresentar algo “novo”, quando os partidostradicionais se mostravam incapazes deoferecer soluções reais aos problemas eco-nômicos e sociais do país.

Fenômenos deste tipo haviam sido profe-tizados, meses antes, pelo economista JohnKenneth Galbraith. Analisando o elevadoíndice de abstenção nas eleições america-nas (o voto não é obrigatório), Galbraithnotou que o desinteresse era maior entre ascamadas mais pobres da população, forma-da por negros e hispânicos. Concluiu, assim,

“FENÔMENO PEROT” MARCA O FIMDO BIPARTIDARISMO NOS EUA

Impacto eleitoral do bilionário texano revela impotênciahistórica de democratas e republicanos

Mergulhados na miséria, e descrentes em rela-ção aos partidos tradicionais nos EUA (Demo-crata e Republicano), negros e hispânicos parti-ram para violentas manifestações de rua em LosAngeles. É um claro sintoma da decadência doimpério americano e fim do “american dream”.

que essas camadas não mais acreditavamnos partidos tradicionais.

Diante da falta de opções institucionaispara expressar seu descontentamento, res-tavam as ruas ou o voto em demagogos epopulistas de última hora. Perot era exata-mente isso. Seu programa de governo nun-ca ficou claro. Dele se sabia, por exemplo,que em suas empresas não podiam traba-lhar barbudos, cabeludos, adúlteros e ho-mossexuais.

Aparentemente, Perot desistiu porque suacandidatura ficou comprometida pela desor-ganização de seu comitê eleitoral. Ele que-ria decidir tudo sozinho, e não ouvia os es-pecialistas. Os motivos reais podem ter sidooutros: por exemplo, pressões por parte dascorporações que sustentam Bush e Clinton,e que se sentiram ameaçados pela presençade um aventureiro na Casa Branca.

Recessão e perda de competitividadeinternacional anunciam o fim

do “sonho americano”.

Perot desistiu, mas os problemas ficaram.O descrédito em relação aos partidos refletedificuldades da economia, atingida pelarecessão geradora de desemprego e misé-ria. Mas não só pela recessão. As empresasamericanas perdem competitividade, secomparadas com as japonesas e alemãs. Ocentro de Detroit, antiga capital da indústriaautomobilística, símbolo do “americandream”, virou uma grande favela.

O “fenômeno Perot” – assim como os con-flitos raciais de Los Angeles – expressa arealidade da decadência americana, acele-rada pelo fim da Guerra Fria e a conseqüen-te emergência de novos mega-blocos eco-nômicos (veja as páginas 4 e 5). Essa deca-dência coloca em questão o futuro da de-mocracia americana.

A democracia nos EUA busca, essencial-mente, o equilíbrio entre opiniões divergen-tes. O Estado americano, federativo, é base-ado mais no princípio do diálogo do que nodo centralismo como meio de resolver con-flitos. Mas, quando setores inteiros da po-pulação se sentem excluídos do jogo políti-co, o que está em questão são os princípiosna base da Constituição mais estável que ademocracia já construiu.

MISÉRIA ABSOLUTACRESCE ENTRENEGROS EHISPÂNICOS

A miséria absoluta cresce nos EUA. Em 1991,o número de pobres chegou a 35,7 milhões,considerando-se pobre uma família de quatropessoas com renda inferior a 14 mil dólares/ano (ou 290 dólares por pessoa por mês).

Mas o aumento da miséria não é “demo-crático” (distribuído homogeneamente). Osprincipais bolsões de pobreza são as popu-lações negras e hispânicas.

No ano passado, os pobres equivaliam a14,2% da população: 33% entre os negros, 29%entre os hispânicos e 11% entre os brancos.

Los Angeles evidenciou a concentração ét-nica e racial da miséria. A mídia preferiu mos-trar os aspectos sensacionalistas da revolta,como saques a supermercados. Foram rele-gados a um plano secundário as questõesmais importantes: os problemas raciais e ét-nicos, e a séria crise estrutural da economia.

Não por acaso, muitos manifestantes saí-am às ruas portando bandeiras do México,de Porto Rico e de países africanos. A ampli-tude das mobilizações foi tão grande que,somados a Guarda Nacional, os agentes doFBI (polícia federal) e o Departamento dePolícia de Los Angeles, Bush mobilizou maistropas para conter o movimento do que parainvadir o Panamá (em dezembro de 1989).

NEOLIBERALISMO VERSUS “NEW DEAL”

A recessão explica boa parte do agravamen-to da miséria, mas não esgota o problema. Há,também, uma política deliberada por trás detudo. A partir dos anos 80, quando a Presidênciafoi assumida por Ronald Reagan, o Estadopassou a cortar os seus programas de assistên-cia. Era o auge do neoliberalismo americano.

Reagan queria revogar as conquistas so-ciais obtidas por movimentos trabalhistasentre 1929-32, através do “New Deal”. Ate-morizados pelo impacto de uma crise quefechou a Bolsa de Valores e Nova York “1929”e pelo avanço do comunismo a partir darevolução russa (1917), empresários egoverno fizeram um pacto (“deal” em inglês)com os trabalhadores para evitar explosões.

O “New Deal” criou um paradoxo: os EUA,sede do capitalismo, aplicavam uma políti-ca social relativamente generosa. Reaganpretendia resolver a contradição mediante aprivatização completa do Estado. GeorgeBush apenas prosseguiu essa estratégia.

Em 1989, o desabamento do socialismo pa-recia dar razão aos neoliberais. A lógica domercado impunha-se sobre todas as outrasconsiderações. O sociólogo americano FrancisFukyama chegou até a falar no “fim da Histó-ria”, como se todos os problemas já estivessemde antemão resolvidos pelas fórmulas domercado. Era a miragem do paraíso neoliberal,destruída pelos demônios reais de Los Angeles.