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10 BRASIL CORREIO BRAZILIENSE ESTAMOS ATENTOS À ADAPTAÇÃO DA ESPÉCIE A UMA NOVA REALIDADE (O BRASIL). NÃO VAMOS PAGAR PARA VER A SUA CAPACIDADE Fabiano Pimenta, secretário-adjunto de Vigilância em Saúde ❛❛ ❛❛ SAÚDE Governo e cientistas monitoram a presença do mosquito Aedes albopictus no país. Inseto tem potencial para se transformar em um novo transmissor da dengue, como já ocorreu em países da Ásia O primo do aegypti C M Y K C M Y K BRASÍLIA, QUINTA-FEIRA, 15 DE JANEIRO DE 2009 Editora: Ana Paula Macedo// [email protected] Subeditores: Lourenço Flores// [email protected] Humberto Rezende//[email protected] Tel. 3214-1172 A-10 A-10 RODRIGO COUTO DA EQUIPE DO CORREIO S ão nos meses de verão, es- tação marcada por uma sequência de sol, calor e chuvas, que o Aedes aegyp- ti encontra as condições ideais para se proliferar. Porém, além de combater o único transmissor do vírus da dengue no país, o Mi- nistério da Saúde está preocupa- do com outra espécie, cujo nome ainda não é tão familiar aos bra- sileiros: o Aedes albopictus, pri- mo do popular mosquito e que já é responsável por alguns surtos de dengue no sudeste da Ásia. Já há registro do inseto em quase todos os estados do país — só não foi encontrado no Amapá, Acre, Piauí e em Sergipe. O albo- pictus foi identificado pela pri- meira vez no Brasil em 1986, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e em São Paulo. “Desde então, combatemos o mosquito junto com o aegypti”, garante Fabiano Pimenta, secretário-adjunto de Vigilância em Saúde do ministé- rio. Apesar da inexistência de ca- sos de dengue transmitida pela espécie asiática, Pimenta diz que o órgão está em alerta, pois o in- seto tem potencial para se trans- formar em um vetor da doença. Ele explica que os agentes de campo dos municípios são trei- nados para coletar e eliminar as larvas das duas espécies. “Não vamos pagar para ver a sua capa- cidade.” O Aedes albopictus é tema de diversos estudos que monitoram seu avanço no país e que buscam estabelecer as principais diferen- ças entre ele e o Aedes aegypti. O maior problema apontado pelo secretário do Ministério da Saú- de é que o albopictus tem maior capacidade de resistir ao frio e maior capacidade de criar gera- ções que já nasçam infectadas por vírus que podem ser trans- mitidos ao homem (transmissão vertical). “Mas vale lembrar que esse hábito não está confirmado no país. Estamos atentos à adap- tação da espécie a uma nova rea- lidade”, afirma Pimenta. Autora de um estudo em an- damento sobre as principais di- ferenças entre o aegypti e o albo- pictus , a bióloga da Fundação Oswaldo Cruz Tamara Camara observa que o fator preocupante em relação ao mos- quito asiático é que se trata de uma espécie de áreas silvestres Doutoranda da Fundação Oswaldo Cruz e autora de pes- quisa ainda não concluída que aponta as principais diferenças entre o Aedes aegypti e o Aedes albopictus, a bióloga Tamara Camara destaca a importância de conhecer as duas espécies pa- ra combater a dengue. Realiza- do entre 2002 e 2004 em bairros do município de Nova Iguaçu (RJ), o trabalho de campo captu- rou 3.748 mosquitos, dos quais 77% eram da espécie aegypti e 23% da albopictus. Em labora- tório, a pesquisadora observou que os dois insetos são mais ati- vos durante as primeiras horas do amanhecer e ao entardecer.O próximo passo é comparar o ENTREVISTA// TAMARA CAMARA Para conhecer um possível inimigo efeito da inseminação e da ali- mentação sanguínea na ativi- dade dos mosquitos. O Aedes albopictus pode se tornar um transmissor da dengue no país? Sim. É um mosquito que con- seguiu se adaptar muito bem ao Brasil. Apesar de nunca ter sido encontrado infectado na nature- za, foi demonstrado, em condi- ções artificiais de laboratório, que esse mosquito consegue ad- quirir e transmitir com eficiência não só o vírus da dengue, mas também o da febre amarela. Ele é mais perigoso do que o Aedes aegypti? Aqui no Brasil, o principal e único vetor do vírus da dengue é o Aedes aegypti, enquanto o Ae- des albopictus ainda não foi in- criminado como vetor natural desse vírus. Não se trata de uma espécie “perigosa”, mas, sim, de um mosquito que merece mais atenção, por ser transmissor po- tencial do vírus da dengue. Qual a importância do seu estudo? Atualmente, nosso estudo visa a comparar a atividade de Aedes aegypti e de Aedes albo- pictus em condições de labora- tório, ou seja, estudar em que momentos do dia estas duas espécies estão mais ativas. Além disso, pretendemos com- parar o efeito da inseminação e da alimentação sanguínea na atividade dessas duas espécies. Dessa forma, pode ser possível compreender um pouco mais a dinâmica da transmissão do vírus, estudando os momentos em que ocorre maior contato entre vetor e hospedeiro, po- dendo estender, também, à atuação dos mecanismos de controle do mosquito. Qual a metodologia utilizada? Para verificarmos a atividade, os mosquitos são colocados em tubos de vidro e estes são orde- nados em placas específicas. As placas são ligadas a um compu- tador e, no meio de cada tubo, passa um feixe de luz infra-ver- melha que registra, de tempos em tempos, a quantidade de ve- zes que cada mosquito atraves- sou aquela luz. Dessa forma, po- demos verificar a atividade des- tes insetos por dias. (RC) Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - 9/1/09 correiobraziliense.com.br Ouça podcast: com Fabiano Pimenta, do Ministério da Saúde com capacidade de se adaptar bem ao meio urbano. “O albopic- tus pode ser uma verdadeira pon- te entre esses dois ambientes, ca- paz de trazer ao meio urbano certos vírus, como o da febre amarela silvestre.” Balanço Balanço preliminar do Ministé- rio da Saúde sobre a proliferação da dengue mostra que o país teve cerca de 760 mil casos da doença no ano passado. Entre janeiro e agosto, foram 734.384 pessoas infectadas, enquanto, no mesmo período de 2007, o número foi de 514.589. Foram 212 mortes em 2008, ante 158 no ano anterior. Com 240.411 ocorrências, o Rio de Janeiro lidera o ranking do le- vantamento parcial. Em seguida, vêm o Ceará (63.838), Minas Ge- rais (59.858) e o Rio Grande do Norte (42.952). Os dados consoli- dados devem ser divulgados nos próximos dias. De acordo com Fabiano Pimenta, o orçamento para combater a doença em 2009 deve ser pelo menos R$ 120 mi- lhões maior do que o do ano pas- sado, que ficou em R$ 1,08 bi- lhão. Moradora há 13 anos da Cida- de Estrutural, Guiomar dos San- tos, 52 anos, não pode nem ouvir falar em dengue. Infectada pela doença no ano passado, ela se lembra até hoje do período de angústia e sofrimento. “Foram 11 dias com dores de cabeça, nas juntas e nos olhos, além de mo- leza, tontura e boca seca”, conta a auxiliar de serviços gerais do Mi- nistério da Saúde. Precavida, ela comprou um mosquiteiro para se proteger dos insetos. Más re- cordações tem também o palha- ço Luciano Piantino, 47 anos, in- fectado durante uma viagem à Índia, em 1992. Apesar de ter contraído a doença há 7 anos, Piantino não esquece a expe- riência. “Foi um dos maiores apertos da minha vida, sobretu- do porque estava sozinho e fora do Brasil”, relata. LEIA MAIS SOBRE DENGUE NA PÁGINA 30

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10 BRASILCORREIO BRAZILIENSE

ESTAMOS ATENTOS À ADAPTAÇÃO DA ESPÉCIE A UMA NOVA REALIDADE (O BRASIL). NÃO VAMOS PAGAR PARA VER A SUA CAPACIDADEFabiano Pimenta, secretário-adjunto de Vigilância em Saúde❛❛

❛❛

SAÚDEGoverno e cientistas monitoram a presença do mosquito Aedes albopictus no país. Inseto tem potencialpara se transformar em um novo transmissor da dengue, como já ocorreu em países da Ásia

O primo do aegypti

C M Y K C M YK

BRASÍLIA, QUINTA-FEIRA, 15 DE JANEIRO DE 2009Editora: Ana Paula Macedo// [email protected]

Subeditores: Lourenço Flores// [email protected] Rezende//[email protected]

Tel. 3214-1172

A-10A-10

RODRIGO COUTODA EQUIPE DO CORREIO

S ão nos meses de verão, es-tação marcada por umasequência de sol, calor echuvas, que o Aedes aegyp-

ti encontra as condições ideaispara se proliferar. Porém, alémde combater o único transmissordo vírus da dengue no país, o Mi-nistério da Saúde está preocupa-do com outra espécie, cujo nomeainda não é tão familiar aos bra-sileiros: o Aedes albopictus, pri-mo do popular mosquito e que jáé responsável por alguns surtosde dengue no sudeste da Ásia.

Já há registro do inseto emquase todos os estados do país —só não foi encontrado no Amapá,Acre, Piauí e em Sergipe. O albo-pictus foi identificado pela pri-meira vez no Brasil em 1986, emMinas Gerais, no Rio de Janeiro eem São Paulo. “Desde então,combatemos o mosquito juntocom o aegypti”, garante FabianoPimenta, secretário-adjunto deVigilância em Saúde do ministé-rio.

Apesar da inexistência de ca-sos de dengue transmitida pelaespécie asiática, Pimenta diz queo órgão está em alerta, pois o in-seto tem potencial para se trans-formar em um vetor da doença.Ele explica que os agentes decampo dos municípios são trei-nados para coletar e eliminar aslarvas das duas espécies. “Nãovamos pagar para ver a sua capa-cidade.”

O Aedes albopictus é tema dediversos estudos que monitoramseu avanço no país e que buscamestabelecer as principais diferen-ças entre ele e o Aedes aegypti. Omaior problema apontado pelosecretário do Ministério da Saú-de é que o albopictus tem maiorcapacidade de resistir ao frio emaior capacidade de criar gera-ções que já nasçam infectadaspor vírus que podem ser trans-mitidos ao homem (transmissãovertical). “Mas vale lembrar queesse hábito não está confirmadono país. Estamos atentos à adap-tação da espécie a uma nova rea-lidade”, afirma Pimenta.

Autora de um estudo em an-damento sobre as principais di-ferenças entre o aegypti e o albo-pictus, a bióloga da FundaçãoOswaldo Cruz Tamara Camaraobserva que o fator preocupante em relação ao mos-quito asiático é que se trata deuma espécie de áreas silvestres

Doutoranda da FundaçãoOswaldo Cruz e autora de pes-quisa ainda não concluída queaponta as principais diferençasentre o Aedes aegypti e o Aedesalbopictus, a bióloga TamaraCamara destaca a importânciade conhecer as duas espécies pa-ra combater a dengue. Realiza-do entre 2002 e 2004 em bairros

do município de Nova Iguaçu(RJ), o trabalho de campo captu-rou 3.748 mosquitos, dos quais77% eram da espécie aegypti e23% da albopictus. Em labora-tório, a pesquisadora observouque os dois insetos são mais ati-vos durante as primeiras horasdo amanhecer e ao entardecer. Opróximo passo é comparar o

ENTREVISTA//TAMARA CAMARA

Para conhecer umpossível inimigo

efeito da inseminação e da ali-mentação sanguínea na ativi-dade dos mosquitos.

O Aedes albopictus pode setornar um transmissor dadengue no país?

Sim. É um mosquito que con-seguiu se adaptar muito bem aoBrasil. Apesar de nunca ter sidoencontrado infectado na nature-za, foi demonstrado, em condi-ções artificiais de laboratório,que esse mosquito consegue ad-quirir e transmitir com eficiêncianão só o vírus da dengue, mastambém o da febre amarela.

Ele é mais perigoso do que o Aedes aegypti?

Aqui no Brasil, o principal eúnico vetor do vírus da dengue éo Aedes aegypti, enquanto o Ae-des albopictus ainda não foi in-criminado como vetor naturaldesse vírus. Não se trata de umaespécie “perigosa”, mas, sim, deum mosquito que merece maisatenção, por ser transmissor po-tencial do vírus da dengue.

Qual a importância do seu estudo?

Atualmente, nosso estudovisa a comparar a atividade de

Aedes aegypti e de Aedes albo-pictus em condições de labora-tório, ou seja, estudar em quemomentos do dia estas duasespécies estão mais ativas.Além disso, pretendemos com-parar o efeito da inseminação eda alimentação sanguínea naatividade dessas duas espécies.Dessa forma, pode ser possívelcompreender um pouco maisa dinâmica da transmissão dovírus, estudando os momentosem que ocorre maior contatoentre vetor e hospedeiro, po-dendo estender, também, àatuação dos mecanismos de

controle do mosquito.

Qual a metodologia utilizada?

Para verificarmos a atividade,os mosquitos são colocados emtubos de vidro e estes são orde-nados em placas específicas. Asplacas são ligadas a um compu-tador e, no meio de cada tubo,passa um feixe de luz infra-ver-melha que registra, de temposem tempos, a quantidade de ve-zes que cada mosquito atraves-sou aquela luz. Dessa forma, po-demos verificar a atividade des-tes insetos por dias. (RC)

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - 9/1/09

correiobraziliense.com.brOuça podcast:com Fabiano Pimenta,do Ministério da Saúde

com capacidade de se adaptarbem ao meio urbano. “O albopic-tus pode ser uma verdadeira pon-te entre esses dois ambientes, ca-paz de trazer ao meio urbanocertos vírus, como o da febreamarela silvestre.”

BalançoBalanço preliminar do Ministé-rio da Saúde sobre a proliferaçãoda dengue mostra que o país tevecerca de 760 mil casos da doençano ano passado. Entre janeiro eagosto, foram 734.384 pessoasinfectadas, enquanto, no mesmoperíodo de 2007, o número foi de514.589. Foram 212 mortes em2008, ante 158 no ano anterior.Com 240.411 ocorrências, o Riode Janeiro lidera o ranking do le-vantamento parcial. Em seguida,vêm o Ceará (63.838), Minas Ge-rais (59.858) e o Rio Grande doNorte (42.952). Os dados consoli-dados devem ser divulgados nospróximos dias. De acordo comFabiano Pimenta, o orçamentopara combater a doença em 2009deve ser pelo menos R$ 120 mi-lhões maior do que o do ano pas-sado, que ficou em R$ 1,08 bi-lhão.

Moradora há 13 anos da Cida-de Estrutural, Guiomar dos San-tos, 52 anos, não pode nem ouvirfalar em dengue. Infectada peladoença no ano passado, ela selembra até hoje do período deangústia e sofrimento. “Foram 11dias com dores de cabeça, nasjuntas e nos olhos, além de mo-leza, tontura e boca seca”, conta aauxiliar de serviços gerais do Mi-nistério da Saúde. Precavida, elacomprou um mosquiteiro parase proteger dos insetos. Más re-cordações tem também o palha-ço Luciano Piantino, 47 anos, in-fectado durante uma viagem àÍndia, em 1992. Apesar de tercontraído a doença há 7 anos,Piantino não esquece a expe-riência. “Foi um dos maioresapertos da minha vida, sobretu-do porque estava sozinho e forado Brasil”, relata.

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