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VÍTIMAS DE JULHO O envolvimento da Igreja Católica na Revolta de 1924 em São Paulo. 1 Adriane Zerillo Natacci Julio Cesar Scagnolato Rosuel Arnoni Resumo Este artigo apresenta uma análise sobre o envolvimento da Igreja Católica, representada pelo Arcebispo Dom Duarte Leopoldo e Silva, na Revolta de 1924 em São Paulo, e o posicionamento de suas ações. O período analisado corresponde a julho de 1924, quando iniciou-se a revolta em São Paulo à setembro de 1924, quando o Arcebispo é nomeado presidente da Comissão de Apoio às vítimas. Dentro deste contexto, a Igreja Católica prestou assistência à população e possibilitou que igrejas servissem de abrigos. O Arcebispo Dom Duarte dialogou com o Governo para cessar os bombardeios, abriu as portas das escolas e casas paroquiais para cuidar dos feridos e distribuiu alimento a todos os necessitados. Palavras-Chave: Dom Duarte Leopoldo e Silva, Arcebispo de São Paulo, Igreja Católica, Revolta de 1924, Movimento Tenentista. Introdução. Este artigo analisa o envolvimento da Igreja Católica, representada pelo Arcebispo Dom Duarte Leopoldo e Silva, durante a Revolta de 1924 em São Paulo, e o posicionamento de suas ações; analisa se a posição do Arcebispo Dom Duarte foi uma resistência ou uma reação à Revolta de 1924; e busca entender as ações realizadas pela Igreja e seu arcebispo durante e após a Revolta. O período analisado corresponde a julho de 1924, quando iniciou-se a revolta em São Paulo à setembro de 1924, quando o Arcebispo é nomeado presidente da Comissão de Apoio às vítimas. 1 Artigo apresentado a Universidade Cidade de São Paulo, curso de História, sob orientação da Profª. Drª Mº Heloisa Aguiar da Silva.

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Page 1: Adriane Zerillo Natacci Julio Cesar Scagnolato Rosuel Arnoni · Católica, Revolta de 1924, Movimento Tenentista. Introdução. Este artigo analisa o envolvimento da Igreja Católica,

VÍTIMAS DE JULHO

O envolvimento da Igreja Católica na Revolta de 1924 em São Paulo. 1

Adriane Zerillo Natacci

Julio Cesar Scagnolato

Rosuel Arnoni

Resumo

Este artigo apresenta uma análise sobre o envolvimento da Igreja Católica, representada pelo Arcebispo Dom Duarte Leopoldo e Silva, na Revolta de 1924 em São Paulo, e o posicionamento de suas ações. O período analisado corresponde a julho de 1924, quando iniciou-se a revolta em São Paulo à setembro de 1924, quando o Arcebispo é nomeado presidente da Comissão de Apoio às vítimas. Dentro deste contexto, a Igreja Católica prestou assistência à população e possibilitou que igrejas servissem de abrigos. O Arcebispo Dom Duarte dialogou com o Governo para cessar os bombardeios, abriu as portas das escolas e casas paroquiais para cuidar dos feridos e distribuiu alimento a todos os necessitados.

Palavras-Chave: Dom Duarte Leopoldo e Silva, Arcebispo de São Paulo, Igreja

Católica, Revolta de 1924, Movimento Tenentista.

Introdução.

Este artigo analisa o envolvimento da Igreja Católica, representada pelo Arcebispo

Dom Duarte Leopoldo e Silva, durante a Revolta de 1924 em São Paulo, e o posicionamento

de suas ações; analisa se a posição do Arcebispo Dom Duarte foi uma resistência ou uma

reação à Revolta de 1924; e busca entender as ações realizadas pela Igreja e seu arcebispo

durante e após a Revolta. O período analisado corresponde a julho de 1924, quando iniciou-se

a revolta em São Paulo à setembro de 1924, quando o Arcebispo é nomeado presidente da

Comissão de Apoio às vítimas. 1 Artigo apresentado a Universidade Cidade de São Paulo, curso de História, sob orientação da Profª. Drª Mº Heloisa Aguiar da Silva.

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As principais fontes utilizadas para a pesquisa deste artigo são os livros de tombo das

igrejas Nossa Senhora da Penha (Penha), Paróquia Divino Espírito Santo (Bela Vista) e

Paróquia São João Batista (Brás), Santa Ifigênia (República), da capital de São Paulo; um

documento que nomeia o Arcebispo Dom Duarte presidente da Comissão de Apoio às

Vítimas; a Lei n. 1.972, de 26 de setembro de 1924 que autoriza o Poder Executivo a ajudar as

vítimas da revolta; atos de nomeação de membros da Igreja para substituir o Arcebispo nos

períodos de ausência, por motivos de deslocamento para reuniões com o governo local; e um

trecho de uma reportagem do jornal A Platéia de 1924. Essas fontes foram utilizadas para

analisarmos o discurso dos registros nos livros de tombo, em busca de indícios que mostram a

posição da Igreja Católica na Revolta de 1924 em São Paulo e, também, para analisarmos as

ações de alguns clérigos e, principalmente, as ações de Dom Duarte.

Para a compreensão do período histórico estudado, as referências bibliográficas

utilizadas foram: Ilka Stern Cohen - Bombas sobre São Paulo: a Revolução de 1924, Anna

Maria M. Corrêa - A Rebelião de 1924 em São Paulo, Boris Fausto - História do Brasil. Para

entendermos o posicionamento político da Igreja Católica nessa época e a figura de Dom

Duarte, utilizamos: Scott Mainwaring - Igreja Católica e Política no Brasil (1916-1985),

Cristina de Toledo Romano - O ultramontanismo de Dom Duarte Leopoldo e Silva em

conflito com a ordem republicana em São Paulo entre 1908 e 1920, Ney de Sousa (org) -

Catolicismo em São Paulo: 450 anos da presença da Igreja Católica em São Paulo

(1554/2004), Arruda Dantas - Dom Duarte Leopoldo.

Este artigo está divido em três partes. A primeira, A insatisfação dos tenentes, trata

sobre o contexto social, político e econômico do Brasil no período estudado, assim como o

processo histórico que originou a Revolta de 1924 em São Paulo. A segunda, A atuação da

Igreja Católica na Revolta de 1924, analisa os livros de tombo das igrejas Nossa Senhora da

Penha (Penha), Paróquia Divino Espírito Santo (Bela Vista) e a Paróquia São João Batista

(Brás) e problematiza a atuação da Igreja Católica de São Paulo na revolta. A terceira e última

parte, O Trono e o Altar, analisa a figura do Arcebispo Dom Duarte e a sua relação com o

Estado, a sua nomeação para a presidência da Comissão de Apoio às vítimas, a Lei n. 1.972,

de 26 de Setembro de 1924, os livros de tombo de algumas igrejas que complementam

informações e o relato sobre D. Duarte de Lourenço M. Lima, secretário e historiador oficial

da Coluna Prestes.

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A insatisfação dos tenentes.

A Revolta de 1924 em São Paulo refere-se ao Segundo Ato do Movimento Tenentista,

que teve início no Rio de Janeiro. Para entender esse período, é necessário recuar um pouco

no tempo. Assumiu a presidência da República do Brasil em novembro 1922, o mineiro Artur

Bernardes – eleito em 1º de março de 1922 – governando sob regime de estado de sítio.

Embora tenha sido decretado no governo anterior, Bernardes estendeu o regime até o final de

seu mandato. Os insurgentes do movimento tenentista influenciaram para a adoção de tal

medida, que veremos sucintamente abaixo para a compreensão do ocorrido.

De acordo com Boris Fausto (2008), cumprindo a regra da política “café-com-leite”, o

mineiro Artur Bernardes concorreu às eleições disputando-a com candidatos como Nilo

Peçanha, representante da plataforma Reação Republicana, descrito como um homem, “[...]

De origem modesta, florianista, tinha sua base política na oligarquia do Estado do Rio de

Janeiro, onde nasceu.” (FAUSTO, 2008, p. 306), No entanto, foi mais uma eleição de cartas

marcadas afirmando Artur Bernardes como o próximo a tomar a posse do governo do Brasil.

Contudo a política “café-com-leite” criou seus desafetos:

Contra essa candidatura levantou-se o Rio Grande do Sul, liderado por Borges de Medeiros que denunciou o arranjo político São Paulo-Minas como uma forma de garantir recursos para os esquemas de valorização do café, quando o país necessitava de finanças equilibradas. [...] (FAUSTO, 2008, p. 305)

A campanha de Borges obteve êxito marcando uma vitória para seu estado.

Pressionado, Epitácio Pessoa favoreceu o Rio Grande do Sul, em troca da desmobilização

contra a posse de Artur Bernardes realizada em novembro de 1922. Descreve Anna M. M.

Corrêa (1976):

[...] pelo decreto de 19 de junho de 1922, os produtores do Rio Grande do Sul foram amplamente favorecidos, recebendo subsídios para a exploração agrícola e de frigoríficos, redução das tarifas ferroviárias para o transporte do gado e produtos derivados, etc. (p.41)

Todavia esse não seria o maior embate de Artur Bernardes. Ainda no governo de

Epitácio Pessoa, as diferenças com Marechal Hermes da Fonseca levaram a ruptura das

relações entre o Exército e o governo. Em julho de 1922 o Marechal Hermes, presidente do

Clube Militar com sede no Rio de Janeiro, foi acusado de insubordinação, por expressar

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solidariedade aos comandantes militares do Recife, pela forma que estes conduziram a

intervenção militar diante divergências de natureza política ocorridas naquela região,

resultando na prisão do Marechal e fechamento do referido Clube. Essa combinação de fatos

levou ao levante de alguns oficiais, de maioria tenentes, no Forte de Copacabana batizando o

movimento de Tenentista. Salienta Boris Fausto (2008): “[...] as revoltas militares que

marcaram os anos de 1922 a 1924 não arrastaram a cúpula das Forças Armadas. Apesar de

suas queixas, o alto comando manteve-se alheio a uma ruptura pelas armas”. (p. 307).

Reprimida de forma violenta, por bombardeios e tiroteios, o saldo final foi a morte de

dezesseis dos dezoito amotinados, dentre as vítimas fatais um civil que aderiu a causa

momentos antes. Estes acontecimentos levaram o presidente a instalar o estado de sítio.

Este é o legado a enfrentar Artur Bernardes no segundo ano de seu mandato, porém,

seria a vez dos oficiais de São Paulo mostrarem sua insatisfação com o governo.

Uma revolta, tida como o Segundo Ato do Movimento Tenentista, liderada pelo

General Isidoro Dias Lopes, pelo Tenente Juarez Távora e por políticos como Nilo Peçanha –

adversário político de Artur Bernardes – eclodiu na capital paulista em 05 de julho de 1924,

mesma data do movimento precursor de 1922 em Copacabana. O objetivo era depor o

presidente em exercício, alegando problemas no governo como: impostos exorbitantes,

incompetência administrativa, falta de justiça, censura a imprensa, perseguições políticas,

desrespeito a autonomia dos estados, eleições fraudulentas, falta de legislação social e o

estado de sítio que ainda perdurava.

Contudo os argumentos mais difundidos no meio militar, defendia a idéia que os

militares instalaram a República e a entregaram-na nas mãos dos civis, e estes não estavam

servindo ao seu propósito inicial, justifica Anna Maria M. Corrêa (1976): “[...] os políticos

deturparam o sentido das proposições iniciais, sendo responsáveis pelo estado de degeneração

em que se encontrava a República em princípios da década de 1920”. (p.46)

Justificando assim a atuação rebelde, assumindo a responsabilidade de resolver o mal

que eles mesmos consideravam ter desencadeado, Anna Maria M. Corrêa (1976) salienta que,

“[...] Não encontrando meios legais para atingir esses objetivos recorreram ao movimento

armado, à revolução”. (p.46).

A sociedade paulistana encontrava-se em pleno desenvolvimento movido pela

industrialização, em crescimento desde a primeira guerra mundial, corrobora Boris Fausto

(2008) nós disponibilizando alguns dados: [...] Em 1920, o Estado de São Paulo passara para o primeiro lugar com 31,5% da produção, o Distrito Federal caíra para 20,8%, vindo em terceiro o Rio Grande do Sul com 11%. [...] Em termos de cidades,

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os dados são imprecisos: São Paulo (capital) superou o Rio de Janeiro em algum momento entre 1920 e 1938. (p. 288)

Uma cidade que aquecia a economia do país de forma expressiva passou por um dos

mais intensos bombardeios durante a revolta de 1924, alvos civis não foram poupados, muitas

indústrias pagaram um alto preço. Anna M. M. Corrêa (1976) dimensiona as proporções do

impacto sofrido. “[...] Os bairros operários foram violentamente atacados pelas forças

legalistas. Impedidos de comparecer às fabricas, devido à situação de guerra, os operários não

podiam prover a própria subsistência. [...]” (p.160-161).

Inserido neste contexto estava a Igreja Católica que também sofreu com as retaliações

das tropas legalistas locais. O Liceu Sagrado Coração de Jesus, nos Campos Elíseos, foi um dos

primeiros prédios a sofrer com a revolta. Entre outras bombardeadas, igrejas eram tomadas para servir

como bases de apoio militar, tal qual a Igreja da Penha para as tropas legalistas.

A atuação da Igreja Católica na Revolta de 1924.

Para analisar a posição da Igreja na Revolta de 1924 em São Paulo, as fontes utilizadas

foram os Livros de Tombo das Paróquias da Arquidiocese de São Paulo. As produções destes

livros revelaram diversas atividades ocorridas no decorrer do tempo, narrando não somente a

história da Igreja em particular, mas de toda uma sociedade na qual está inserida.

Os livros de tombo revelam informações importantes que possibilitam, por exemplo,

estabelecer um quantitativo de casamentos, batismos, missas de sétimo dia, entre outros.

Contudo, foi observado que os livros não são suficientes para narrar todo o contexto histórico

da vida cotidiana ao redor das igrejas. Os livros analisados, em sua grande maioria, contêm de

cinquenta à duzentas páginas na média, como consta lavrado em seus termos de abertura,

utilizados para registrar períodos que se estendem em até cinquenta anos.

Outros detalhes foram contemplados durante o processo de coligir a documentação

referente ao assunto de interesse. Debruçados sobre as mesas do Arquivo Metropolitano Dom

Duarte Leopoldo e Silva (AMDDLS) em São Paulo, local que abriga os arquivos da Igreja

Católica da capital paulistana, as pesquisas mostraram que não existia uma regra ou um

modelo que deveria ser seguido pelo escriturário, e também não deixam claro a quem pertence

à autoria dos escritos. Individualmente, os livros possuem características pessoais de seus

autores, algumas das anotações são bem detalhadas, em contrapartida, outros registros são

extremamente sucintos e pouco dizem. A discrepância chega ao ponto de alguns livros

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omitirem, ou não mencionarem o ocorrido na capital paulistana, que não por acaso acabou

envolvendo a Igreja, no levante estabelecido em julho de 1924.

Revolvendo os livros de tombo das igrejas Nossa Senhora da Penha (Penha), Paróquia

Divino Espírito Santo (Bela Vista), Paróquia São João Batista (Brás), Santa Ifigênia

(República), entre outras que não apresentaram registros do ocorrido, constatou-se que a

Igreja Católica atuava próxima ao governo. Essa atuação, como veremos, não se iniciou com a

Revolta de 1924 em São Paulo.

No registro sobre essa revolta, do livro de tombo da Igreja Nossa Senhora da Penha,

há uma referência sobre a atuação da Igreja em um acontecimento anterior: “Como na gripe

mostrou-se também esta vez o valor da religião católica.” (TOMBO NOSSA SENHORA DA

PENHA). Observa-se neste discurso que tanto na gripe, quanto na Revolta, a atuação da Igreja

foi fundamental. Essa gripe que a igreja se refere, foi a epidemia da gripe espanhola de 1918.

Durante a epidemia, a Igreja Católica de São Paulo prestou assistência aos enfermos, como

assinala Neto (2008):

[...] algumas instituições privadas (Companhia Antarctica, a Companhia Nacional de Juta, a Cristalera Itália, “Comissão Estado-Fanfulla”), filantrópicas (Cruz Vermelha Brasileira, Liga Nacionalista) e religiosas (Igreja Católica, Associação dos Pastores Evangélicos) se reuniram em solidariedade com aos enfermos, passando a prestar serviços de tratamentos aos mesmos [...]. (p. 03)

Ainda dentro deste contexto, segundo Neto (2008), a Igreja foi responsável pelo

tratamento e cuidados dos “órfãos da epidemia” conforme combinado com o Estado.

Com o Sr. Arcebispo D. Duarte, combinei a internação dos ‘órfãos da epidemia’, enquanto não se lhes encontre collocação definitiva, no Asylo da Sagrada Família, no Ypiranga, no Asylo Bom Pastor; na Casa da Divina Providência e Externato dos Irmãos Maristas, no Cambucy. (Diário Íntimo de Altino Arantes2: APESP. vol.9. [3/11/1918] apud NETO, 2008, p. 04)

Durante a Revolta de 1924 em São Paulo, não foi diferente. A Igreja Católica, que

tinha como seu arcebispo o Dom Duarte Leopoldo e Silva (o mesmo da época da gripe

espanhola), arrecadou alimentos para os necessitados:

2 Altino Arantes Marques (1876-1965) foi secretário de estado em diversas administrações, presidente de São Paulo (1916-20) e deputado federal ao longo de toda a década de 20, aliando a isso a presidência do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Paulista de Letras. (MICELI, 1996, p. 47)

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Ao abaixo assinado foi possível tratar de milhares de famintos com os mantimentos que obteve primeiro do General Eduardo Sócrates, e escasseando os viveres para os próprios soldados, da liga Nacionalista, do exmo Ss Arcebispo. (TOMBO NOSSA SENHORA DA PENHA)

Observa-se nesse trecho a aproximação com o Estado, pois o primeiro contato para

obter os mantimentos foi o General Eduardo Sócrates que, segundo Cohen (2007), era o

comandante geral das forças legalistas (que defendia o governo atual). Depois, como a doação

de mantimentos, por parte do General Sócrates, escasseou os alimentos [os viveres] dos

soldados, a Igreja passa a obter ajuda da Liga Nacionalista3, que era uma “organização

política de cunho cívico-patriótico” (BOTO, 1990, p. 01) e “que se opunha à ‘política dos

governadores’” (BOTO, 1990, p. 17), e também do próprio Arcebispo Dom Duarte.

A proximidade da Igreja com o Estado também pode ser vista no livro de tombo da

Paróquia São João Batista, no Brás:

Durante 23 dias a cidade esteve completamente convulsionada, graças porem, à energia do governo da União e à liberdade das forças federais e de parte da policia estadual, da marinha nacional venceu a Legalidade, sendo que no dia 28 de Julho os revoltosos se retiravam de São Paulo, seguindo para o interior do Estado, rumando Matto Grosso e Paraná. (TOMBO PARÓQUIA SÃO JOÃO BATISTA)

É possível observar que a Igreja Católica de São Paulo era a favor do exército

legalista, logo, que apoiava o atual governo. O fato de registrar essa oposição “legalistas e

revoltosos” e de repetir, ou reafirmar, o termo “revoltosos” para o exército do General Isidoro

Dias, mostra a sua posição diante do ocorrido.

O registro do livro de tombo da Paróquia Divino Espírito Santo, na Bela Vista, mostra

logo no início, um discurso que passa a idéia de imparcialidade por parte da Igreja, alegando

que ambos os lados – revoltosos e legalistas – estavam igualmente exagerando: A 5 de julho de 1924, rebentou nesta capital uma revolução chefiada pelo General Isidoro Dias com elemento da força pública do Estado e parte do exercito. Durou 24 dias e foi uma verdadeira calamidade. Calcula-se em mais de quatro mil pessoas vitimadas pelas granadas [...]4 dos revolucionários e legalistas. Houve excesso de lado a lado e

3 A Liga Nacionalista foi fundada dia 25 de Janeiro de 1917 e tinha como finalidade, manter, na Federação dos Estados, a unidade nacional; contribuir para o desenvolvimento da instrução popular; promover a educação cívica do povo; pugnar pela efetividade do voto e concorrer para a eficácia da defesa nacional. Faziam parte da Liga: Julio de Mesquita Filho, Abelardo Vergueiro César, Francisco de Mesquita, Francisco de Barros Penteado, Sarti Prado, Nestor Rangel Pestana, Plínio Barreto, Dr. Frederico Vergueiro Steidel [como presidente da Liga] e Olavo Bilac como presidente de honra, entre outros. (AMARAL, 1980, p. 277). 4 As supressões correspondem à trechos ilegíveis no documento original.

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queixo tanto dos revolucionários como dos legalistas. Foram dias de [...] e de terror para esta população pacata e ingênua que não sabia o que era revolução. (TOMBO PARÓQUIA DIVINI ESPÍRITO SANTO)

Porém, logo em seguida, há o registro de um acontecimento, no qual mostra como o

vigário foi visto pelo exército dos revoltosos e como isso incomodou a paróquia:

A mentira e a calúnia dominava em toda a parte. O vigário acusado de Legalista espião do governo fora preso pelo Cap. Garrido com ordem de alto e carabina apontada5 no peito, garantido pelo D. Macedo Naves [...]6 foi posto em liberdade sem formalidade alguma no fundo da Consolação. (TOMBO PARÓQUIA DIVINO ESPÍRITO SANTO)

Observa-se nesse trecho dois elementos: o primeiro, é que o Capitão Garrido – do

exército revoltoso – considerou o vigário da Paróquia Divino Espírito Santo um legalista

espião do governo. Isso é um indício de como a Igreja estava atuando naquele momento, de

quem ela estava próxima, mesmo tentando passar a idéia de imparcialidade. O segundo

elemento refere-se ao início do trecho analisado “A mentira e a calúnia dominava em toda a

parte”: o fato do vigário ter sido considerado espião, incomodou a paróquia, deixando claro

em seu registro.

Como dito anteriormente, a aproximação da Igreja Católica com o Estado não se iniciou

durante a Revolta de 1924 e nem somente por esse motivo. Segundo Mainwaring (1989), a Igreja

Católica – conservadora das tradições e costumes – aderira a um modelo de reforma, na década de 20,

denominada de neocristandade, que visava ampliar sua presença junto à sociedade, combatendo a

evasão de cristãos para outros seguimentos religiosos. A “restauração católica brasileira” recebeu

apoio e orientação do Vaticano, atraindo especial atenção do Pontífice da Igreja Católica, o Papa Pio

XI (1922-1939). Para essa reforma “[...] os movimentos da Ação Católica tornaram-se peças-chaves

dentro da Igreja. Pio XI julgava os partidos políticos como sendo demasiadamente divisionistas, mas,

mesmo assim, buscava alianças com o Estado para defender os interesses católicos.”

(MAINWARING, 1989, p.43)

A organização comunitária durante o movimento de neocristandade atraiu seguidores

dos mais diversos setores, fundamentalmente da classe média urbana, fundadores da Liga

Brasileira das Senhoras Católicas, a Aliança Feminista, a Congregação Mariana, os Círculos

Operários, a Ação Católica Brasileira e destaque para a Liga Eleitoral Católica. Por meio

5 Os grifos são originais. 6 Trecho ilegível no documento original.

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destas ações, a Igreja conseguiu ocupar espaços na sociedade assim como defender seus

interesses, alguns sendo: “[...] a influência católica sobre o sistema educacional, a moralidade

católica, o anticomunismo e o antiprotestantismo.” (MAINWARING, 1989, p.43)

Esse modelo de reforma estimulou a conectividade da Igreja com Estado. As ações

católicas eram capazes de angariar milhares de assinaturas, em defesa dos interesses dos

católicos. Com isso a Igreja passou a ter um papel representativo diante o cenário político:

“Os líderes eclesiásticos trabalhavam diretamente com a administração e davam apoio a

Epitácio Pessoa (1918-1922) e a Artur Bernardes (1922-1926)7, mas as relações com Getúlio

Vergas eram de uma proximidade excepcional.” (MAINWARING, 1989, p.47).

Esse papel representativo na política pode ser observado em um registro do livro de

tombo de 1925, da Nossa Senhora da Penha, gerado dos encontros de algumas Ligas

Católicas: Autorizado8 pelo exmo. Ss. Vigário Geral convocou a abaixo assinado para o dia 12 em seguida da procissão Eucarística, a 1ª Assembléia das Ligas cat. Jesus, Maria José. Compareceram quase todos os diretores locais dos centros já fundados na Arquidiocese e representantes da Liga de Aparecida, Mogi da Cruzas, Vila [...], Bom Retiro, Barra Funda, São José do Belém, Maria Zélia, Itatiba, Sto Amaro, São Roque e Penha. A de Itu mandou sua adesão por escrito. Presidiu em nome do Vigário Geral, que se achou levemente adoente, o Ver, Cônego José de B. Uchoa. O abaixo assinado diretor geral das Ligas na Arquidiocese abriu abriu a sessão com o canto: Oh nós deixei. Saudou os numerosissimos Liguistas, uns 400, [...] (TOMBO NOSSA SENHORA DA PENHA)

Embora autônomas, as Ligas eram submetidas à autoridade da Igreja, pois dependeram

da autorização de um dos lideres da instituição para realização do evento. Nota-se que a

liberação não ocorreu de um pároco e, sim, de uma autoridade superior, ou seja, a hierarquia

da igreja tornou-se efetiva. O número de participantes pode não impressionar, mas é

interessante lembrar que os números fazem referência à liderança que, posteriormente, deveria

difundir dentro de suas comunidades de origem as idéias deliberadas durante as reuniões.

A Igreja Católica contém uma hierarquização e um regimento interno bem

consolidado, contudo não seria possível sua existência de portas fechadas atendendo somente

aos grupos eclesiásticos, com a mesma doutrina apresentada nas organizações militares. Mais

7 Grifo dos autores deste artigo. Como já visto anteriormente, Epitácio Pessoa foi o presidente da República do Brasil no período do Primeiro Ato do Movimento Tenentista, que ocorreu no Rio de Janeiro. O Arthur Bernardes foi o presidente da República durante o Segundo Ato do Movimento Tenentista, que ocorreu em São Paulo e que corresponde ao período de estudo deste artigo. A Revolta de 1924 em São Paulo refere-se ao Segundo Ato do Movimento Tenentista. 8 “Autorisado” no original.

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flexíveis para atenderem sua clientela e se tornarem sustentáveis, os “movimentos leigos

organizados”, são identificados como: “Embora estejam sob o controle formal da hierarquia,

esses outros níveis adquirem certa autonomia, influenciam a Igreja e exercem um efeito

independente na política.” (MAINWARNING, 1986 p.28).

As discussões fixaram datas para eventos que reunia pessoas para manifestações

públicas de fundo religioso, no caso uma procissão, mas as reuniões iam além das decisões

“eucarísticas”. Segue outro trecho colocado na pauta:

[...] O Diretor geral fez depois as proposta sobre a romaria anual e retiro e retiro concluso e orgo oficial da igreja da Liga R. P. Chagas C.Ss.R. a proposta de não sufragar nomes dos deputado que voltaram contra a emenda religiosas e o Sr. Manoel Altefelder, assistente da Liga da Barra Funda, pediu um voto de aplausos a D. Sebastião Leme e seu Vigário Geral no Rio, insultado ultimamente na imprensa. Todas as propostas foram discutidas e aprovadas. (TOMBO NOSSA SENHORA DA PENHA)

O evento acima analisado ocorreu após os desdobramentos da revolta, cerca de pouco

mais de um ano precisamente. Uma das ligas presentes neste evento propôs não eleger

deputados que votaram contra as emendas religiosas, ou seja, que foram contra aos interesses

da Igreja. Esse trecho revela como esses movimentos autônomos ligados à Igreja Católica

estavam engajados na política.

Não conseguindo os legalistas desalojar os revolucionários entrincheirados na cidade, lembrou-se um amigo pessoal do chefe revoltoso de expor-lhe numa carta o horror desta revolta que mais cedo ou mais tarde havia de fracassar em virtude das forças que chegavam de todos os estados. Pediu o Cor. Panteão Ferreira Teles ao abaixo assinado de levar uma carta, afim de obter do Gen. Isidoro Lopes a cessação da luta fraticida. Na 1ª resposta perguntam êste, quais seriam as condições do governo no caso de remediação dos revoltosos. No domingo, dia da fuga, foram levados os sediosos ao desespero com a resposta firme do govêrno federal. Terão as garantias da lei, outras condições não merecem. Enquanto os aeroplanos legalistas bombardeavam o quartel general da revolução na luz, respondeu Isidoro ao Vigário da Penha9 que lhe tinha entregado a resposta do govêrno: - “Neste caso não me entregarei. Ainda tenho recurso de uma guerra de movimento”. Na mesma noite fugiram os revoltosos levando milhares de contos dos cofres públicos e todas as munições da Capital. (TOMBO NOSSA SENHORA DA PENHA)

9 Grifo dos autores deste artigo.

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Nesta leitura observa-se o papel de intermediadora da Igreja, o vigário da Penha

entrega a resposta do governo para o General Isidoro Dias. Nesse sentido, Cohen (2008) nos

acrescenta: “A guerra só poderia terminar se houvesse um acordo entre as partes, e foi nesse

sentido que algumas personalidades se ofereceram para estabelecer o diálogo entre os

revolucionários e o governo federal” (s/p). Não só a Igreja dialogava com os revoltosos.

Fausto (2008) assinala:

Os “tenentes” entenderam-se com o prefeito e o presidente da Associação Comercial, tentando assegurar o abastecimento e a normalidade da vida na cidade. Era difícil, entretanto, alcançar este último objetivo, pois o governo empregou artilharia contra os rebeldes sem maior discriminação. (p. 309)

É possível perceber esse objetivo em comum entre a Igreja e o prefeito: ambos

buscavam uma intermediação entre os revoltosos e o governo. O prefeito e o presidente da

Associação Comercial tentaram estabelecer a ordem em parceira com os revoltosos; a Igreja,

por sua vez, entrega a resposta do governo ao general das tropas revoltosas, além de outras

ações que veremos mais adiante.

O vigário da Penha, Padre Antão Jorge, que intermediou a resposta do governo aos

revoltosos, também teve uma atuação de destaque durante a revolta:

Se os passos do Vigário de Penha contribuíram que se poupassem algumas vidas e se apressasse o fracasso da revolução, se dá muito bem renumerado pelos perigos da vida a que tinha de expor-se, atravessando as trincheiras inimigas no meio de uma fuzilaria medonha e o troar constante dos canhões e metralhadoras. Ao chegar na Penha o povo chorou de comoção porque o Vigário lhes tinha dito que trazia a paz. (TOMBO NOSSA SENHORA DA PENHA)

Além desse registro do livro de tombo de sua paróquia, há uma referência sobre os

esforços do Padre Antão no jornal A Platéia:

Não se póde deixar de enaltecer a acção das pessoas que mais se distinguiram, pelos seus esforços, para suprir a Penha de mantimentos e outros recursos, naquelles dias de tristeza para nós todos, as quaes são as seguintes: padre Antão Jorge, vigário da parochia10, e srs. José Lucas, dr. Jayme Marcondes, dr. Julio Cardoso, Avelino Carneiro, João Baptista Chaves Monteiro e dr. Luis Asson. (A PLATÉIA, 1924)

10 Grifo dos autores deste artigo.

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Embora supracitado, pontuamos a existência da hierarquia na Igreja. Nesse contexto, é

possível percebe certas condutas de membros do clero que demonstram o livre arbítrio em

suas decisões, certamente se houve uma convocação para que todos se envolvessem no

conflito, alguns não a atenderam:

Por se ter retirado da freguesia, o Vigário de São José do Belém, o exmo Sr. Arcebispo anexo àquela paróquia à Penha. O Revmo.P. Antônio Andrade tratou dos são e feridos daquela zona. O P. Valentim trabalhou no Hospital do Brás e retirou-se com os doentes para o Hospital Umberto I, quando os combates exigiram a evacuação do hospital. (TOMBO NOSSA SENHORA DA PENHA).

A conduta do vigário da paróquia do Belém deixou a Igreja acéfala, isso levou o

Arcebispo a tomar à atitude de agregar a paróquia do Belém a da Penha, que se manteve ativa

e envolvida durante a revolta. Quanto às vítimas da revolta, a Igreja além de fornecer

alimentos aos necessitados, também prestou assistência aos enfermos. A ajuda humanitária

estendeu-se aos feridos que resistiram em hospitais, sob a supervisão dos padres Antônio

Andrade e Valentim.

Embora estejam organizados em uma única narrativa, os registros nos livros de tombo

sobre a revolta foram organizados de forma a descrever desde o principio até seu desfecho.

Finalizando o registro do livro de tombo da Nossa Senhora da Penha, o autor escreve que:

“No dia 6 de agosto dia de seu aniversário assistiu o exmo. Sr. Presidente Dr. Carlos de

Campos, com a exma. família à missa em ação de graças na Matriz de N. Sra. da Penha.”

(TOMBO NOSSA SENHORA DA PENHA). O fim da revolta e o aniversário de Carlos

Campos foram celebrados com a missa de ação de graças.

Outra referência sobre a missa de ação de graças, como celebração do término da

revolta, foi encontrada no livro de tombo da Paróquia São João Batista: “No dia 4 de Agosto o

Exmo. Ss. Arcebispo mandou que em todas as egrejas fosse cantado solene te Deum, em

acção de graças pelo restabelecimento da paz, o que se fez com grande satisfação” (TOMBO

PARÓQUIA SÃO JOÃO BATISTA). Percebe-se, então, que o motivo principal da missa de

ação de graças foi para comemorar o fim da revolta. O governador, outrora chamado de

presidente, do Estado de São Paulo prestigiou no dia de seu aniversário, acompanhado de sua

família – instituição valorizada pela religião católica – o culto de ação de graças ministrado

pela Igreja Nossa Senhora da Penha. Essa passagem é mais um indício das relações entre

Estado e Igreja.

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É importante assinalar que os registros nos livros de tombo só foram transcritos ou

escritos posteriormente, cerca de um mês aproximadamente. Os registros que possuem mais

detalhes, como o livro de tombo da Nossa Senhora da Penha, provavelmente foram escritos

por uma testemunha ocular do ocorrido, pois narram desde o inicio em 05 de julho até 06 de

agosto do mesmo ano datado.

O Trono e o Altar.

Dom Duarte Leopoldo e Silva, nascido em Taubaté (São Paulo), tornou-se Arcebispo

de São Paulo em 1908 e exerceu a função até 1938, ano de seu falecimento.

Cristina de Toledo Romano, em seu estudo sobre “O ultramontanismo de Dom Duarte

Leopoldo e Silva em conflito com a ordem republicana em São Paulo entre 1908 e 1920”,

revela a mentalidade de Dom Duarte anos antes da Revolta de 1924 em São Paulo. Romano

(2008) assinala:

Apesar da convivência cordial ostentada publicamente por Dom Duarte em relação aos representantes daquela elite na esfera da política, seus diários escritos enquanto ocupante do posto mais alto da Igreja de São Paulo revelam um Arcebispo extremamente frustrado em face de um Estado que não protegia e nem defendia a Instituição católica como julgava que deveria fazê-lo. O desalento do Arcebispo expõe as dificuldades da Igreja em aceitar a condição a que ficara submetida a partir das resoluções do governo republicano em 1890. (p. 01)

As resoluções do governo republicano são, de fato, a ruptura do Estado com a Igreja,

consolidada na República com a Constituição de 1891. Em relação a esse acontecimento,

Mainwaring (1989, p. 42) destaca:

Embora o Vaticano oficialmente considerasse a separação legal entre a Igreja e o Estado como sendo uma heresia da modernidade, no Brasil esse desmembramento legal libertou a Igreja de uma relação de subserviência ao Estado. O fato de sentir-se ameaçada levou a Igreja a realizar reformas internas que ajudaram a melhorar sua imagem.

Entretanto, pode-se observar que as relações entre Estado e Igreja já sofriam abalos na

época do Império. A Constituição de 1824 previa a união entre “Trono e o Altar”, na qual

“[...] se a religião católica era oficial, a própria Constituição reservava ao Estado o direito de

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conceder ou negar validade a decretos eclesiásticos, desde que não se opusessem à

Constituição” (FAUSTO, 2008, p.229).

Segundo Fausto (2008), obedecendo a ordenação do Papa Pio IX, o Bispo de Olinda,

Dom Vital proibiu o “ingresso de maçons nas irmandades religiosas”. E apesar da modesta

representação deste grupo, eram fortes suas influências nas camadas superiores.

Tratado como “funcionário rebelde”, Dom Vital foi preso e condenado ocorrendo depois a prisão e condenação de outro bispo. A tempestade só amainou depois de um arranjo (1874-1875) que resultou na substituição do gabinete Rio Branco, na anistia dos bispos e na suspensão pelo papa das proibições aplicadas aos maçons. (FAUSTO, 2008, p. 230)

Em seu estudo, Romano (2008) observa a base ultramontana11 da Igreja no final do

século XIX e conclui que “a política e seus representantes, na visão de Dom Duarte,

significavam um antro, uma esfera absolutamente desprezível quando comparada à Igreja e

seus membros” (p. 10). Portanto, Dom Duarte se identificava com o ultramontanismo, para

ele a Igreja era superior ao Estado.

Um registro de Dom Duarte de 1920, encontrado no estudo de Romano, chama a

atenção:

Dentro de poucos meses inaugura-se a nova administração do Estado12 e a minha linha está traçada com inabalável firmeza. Como Arcebispo, estarei sempre pronto a prestar ao Governo os serviços de ordem moral que me forem reclamados. Feito isso, me manterei na reserva e no silêncio, sem procurar jamais aprisionar-me de quem quer que tenha um bastãozinho político. Não e não. Essa gente, (...) não merece a companhia do Arcebispo. (DOM DUARTE, 1920 apud ROMANO, 2008, p.12).13

O seu discurso revela uma insatisfação com o Estado e com os políticos, entretanto ele

se apresenta pronto a trabalhar em conjunto com o governo quando necessário. Como

sabemos, segundo Mainwaring (1989), foi na década de 20 que a Igreja aderiu um modelo de

reforma chamada de neocristandade, que tinha como objetivo ampliar sua presença junto à

11 O ultramontanismo teve origem no interior da Igreja católica francesa, após a Revolução de 1789, como reação às idéias iluministas. Tal movimento defendia que os Estados eram inferiores à Igreja e que, por isso, o rei, no contexto da Restauração, deveria submeter-se à autoridade papal. (ROMANO, 2008, p. 01) 12 Dom Duarte referia-se ao governador de São Paulo Washington Luís, que exerceu a função de 1920 à 1924. Grifo dos autores deste artigo. 13 Registro em 06 de fevereiro de 1920. Diários de Visitas Pastorais (1910-1920). 11 – 02 – 063. (AMDDLS). Grifos no original.

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sociedade e fazer alianças com o Estado para defender os interesses católicos. Esse modelo de

reforma teve a especial atenção do Papa Pio XI a partir de 1922, quando começa o seu

pontificado. É certo que esse modelo de reforma aproximou Igreja e Estado e que, segundo

Mainwaring (1989), os lideres eclesiásticos apoiavam Epitácio Pessoa e Arthur Bernardes.

Como já visto anteriormente neste artigo, a Igreja realmente atuou ao lado do governo

durante e após Revolta de 1924. Porém, após analisar o discurso de Dom Duarte (citado a

cima) de quatro anos antes da revolta e dois anos antes do papado de Pio XI, não podemos

afirmar que a aproximação de Dom Duarte com o Estado se deu, somente, por influência

desse modelo de neocristandade apoiado e orientado pelo Papa, tendo em vista a sua

insatisfação com o governo em 1920.

Durante o processo de pesquisa, deparamo-nos com um personagem que não

poderíamos deixar de citar; trata-se de Lourenço Moreira Lima, que saindo de Belo Horizonte

no ano da revolta, com o intento de encontrar-se com Isidoro Lopes, narra como integrou o

movimento tenentista paulistano, de forma curiosa.

Passando, à tarde, pelo Q.G. do Exército e tendo ouvido dizer que ele aderira à Revolução, dirigí-me a um tentente que comandava uma força estendida na rua e lhe declarei que viera do Rio para tomar parte na revolta; e como não soubesse onde encontrar o general Isidoro, apresentava-me a ele para prestar os serviços que fossem precisos. O tenente respondeu-me ignorar onde se achava Isidoro, e que alí eu só poderia ficar preso, pois a sua tropa era legalista. (LIMA, 1979, p.33)

Alçando sucesso posteriormente, Lourenço M. Lima ingressou as forças do General

Isidoro e registrou seus dias de revolucionário em um livro de memórias. Lima foi constituído

secretário e historiador oficial da Coluna Prestes, como veio a ser batizado o movimento que

abarcou diversos integrantes após São Paulo.

O livro de tombo da Paróquia São João Batista, no Brás, mostra a simpatia que os

revoltosos causavam: “Innegavelmente, no Estado de S. Paulo, os revoltosos grangearam

grandes sympathias em meio das massas, sympathias em todos elementos sociais.” (TOMBO

SÃO JOÃO BATISTA)

O relato deste espectador tece o pano de fundo e a ação de Dom Duarte frente ao

ultimato do conflito:

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As ruas estavam quase desertas, encontrando-me apenas, com um ou outro civil e algumas patrulhas. Nesse dia não houve bombardeio, pairando sobre a cidade, martirizada por longos dias de canhoneiro selvagem, uma calmaria prenhe de ameaças, prestes a se romper numa avalanche de destruição e morte. Aquelas horas de silêncio decorriam da intervenção do arcebispo para que cessasse o morticínio brutal de velhos, mulheres e crianças14, desgraçados a quem a sorte não favorecera com os recursos necessários para fugir daquele inferno de ferro e fogo desencadeado ferozmente sobre as suas cabeças de eternos sofredores e a quem a imensa bondade de Isidoro não pudera salvar, apesar dos esforços empregados para afasta-los da área em que imperava a ação canibalesca dos nossos adversários. (LIMA, 1979, p.58)

Diferente da postura adotada pela Igreja, Lourenço M. Lima era a favor dos

revoltosos. Entretanto, ele reconhece a ação de Dom Duarte diante o caos que se encontrava a

cidade de São Paulo. O Arcebispo “recusou-se a sair da cidade sitiada, prestando assistência à

população, inclusive, franqueando-lhe os templos para abrigo” (DANTAS, 1974, p. 58). O

livro de tombo da Igreja Nossa Senhora da Penha revela que os templos católicos, além de

servirem como abrigos, também distribuíam alimentos: “No colégio das Irmãs Vicentinas se

estabeleceu a casinha popular, onde uma vez por dia se distribuiu comida para todos que

tinham fome” (TOMBO NOSSA SENHORA DA PENHA).

Analisando as ações de Dom Duarte em conjunto com o governo, o livro de tombo da

Arquidiocese de São Paulo revela-nos uma informação importante:

Tendo se manifestado um levante revolucionário no dia 5 de julho deste ano com terríveis conseqüências, como hão de dizer as [...]15 do tempo, nesta capital, o Exmo [...] Arcebispo passou o seguinte documento: “Gabinete particular do Arcebispo de S. Paulo” – Tendo de ausentar-nos em serviço público e religioso, constituímos e nomeamos governadores da Arquidiocese em Nossa ausência, os [...] Monsenhor Pereira Barros e cônego Martins Ladeira. Nos concedemos todas as faculdades de direito e as de suas que por costume, se concedem, recomendando as piedosas e ardentes orações do [...]., das Comunidades religiosas e aos fieis nosso diocesanos a nossa santa missão de paz e de concórdia, 23 julho 1924. Como o Exmo [...] Arcebispo que, em companhia do Ilmo. Prefeito Municipal, foi ao campo do Governo, em Guayauna, e voltou na tarde do mesmo dia, os nomeados acima não funcionaram. (TOMBO ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO)

14 Grifo dos autores deste artigo. 15 As supressões correspondem à trechos ilegíveis no documento original.

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Além da atuação em conjunto com o governo, que é evidente nesse registro, nos

chamou a atenção o trecho “Tendo de ausentar-nos em serviço público e religioso”, pois no

remete ao discurso feito por D. Duarte em 1920: “Como Arcebispo, estarei sempre pronto a

prestar ao Governo os serviços de ordem moral que me forem reclamados” (DOM DUARTE,

1920 apud ROMANO, 2008, p. 12). O serviço é público porque envolve o governo e a

cidade, e o serviço é religioso porque envolve a moral e a caridade, dois preceitos católicos.

Segundo Sousa (2004), Dom Duarte e o prefeito municipal, Firmiano Pinto, foram

buscar uma solução junto com governo do Estado. Cohen (2007) nos acrescenta que, no dia

“19 de Julho” Dom Duarte “se dirige a Guayauna para tentar convencer as forças governistas

a suspender bombardeio” (p.138). Por esse motivo, o arcebispo nomeia governadores da

Arquidiocese, para o período de sua ausência, com todos os poderes. Alguns dias antes de sua

partida para Guayauna, no dia 12 de Julho, de acordo com Cohen (2007), Dom Duarte

telefona ao presidente [Arthur Bernardes] pedindo para cessar o bombardeio. No dia seguinte,

o governo responde negando o pedido.

Do dia 5 de Julho ao dia 27 de Julho, São Paulo foi intensamente bombardeada,

armazéns foram saqueados, “militares e civis foram atingidos e ocorreram vários estragos

materiais” (FAUSTO, 2008, p. 309) e muitos fugiram. Cohen (2008, s/p) assinala:

(...) Tratava-se de convencer os dois lados a cessar os bombardeios, coisa a que nenhum dos lados se comprometeu. Ao contrário, para mostrar sua superioridade, o governo federal bombardeava a cidade inteira, atingindo não apenas os alvos militares mas bairros populares, igrejas e fábricas.

Igrejas não foram só bombardeadas, como também foram ocupadas por tropas

revolucionárias e legalistas. De acordo com Cohen (2007), a igreja do Cambuci foi tomada

pelos revoltosos do dia 19 de julho ao dia 24 de julho, quando em uma batalha no Cambuci, a

igreja foi retomada.

No dia 28 de julho de 1924, as tropas revoltosas abandonaram a cidade.

(...) a retirada se deu pelas linhas ferroviárias em direção ao interior do estado, enquanto as forças federais penetravam pelo setor leste. Naquela manhã, essas desfilaram pelo centro, sob a indiferença da população abalada com a insensibilidade do governo federal e incrédula diante do panorama de destruição. (COHEN, 2008, s/p)

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É nesse contexto de destruição, que Dom Duarte foi nomeado presidente da Comissão

de Apoio16 às vítimas da revolta. A lei que nomeou oficialmente o Arcebispo foi, segundo

Sousa (2004), a n. 1.922, de 26 de Setembro de 1924. Há uma referência sobre essa nomeação

no livro de tombo da Arquidiocese de São Paulo:

Comissão de distribuição de benefícios aos órfãos, templos, etc, e vitimas da Revolução de julho de 1924. Tendo o Governo do Estado solicitado ao Congresso uma verba para o socorro as vitimas da revolução de 5 de julho, órfãos, igrejas, etc, foi nomeado e escolhido o Exmo. Im Arcebispo para a Presidência da Comissão que deverá distribuir os donativos para esse [...]17 por lei. A comissão composta de pessoas (homens e senhoras) de representação, tava se reunindo na Cúria para os devidos fins. As pessoas interessadas tem feito os seus requerimentos, seguidos de provas, afim de receberem o que lhes será [...] os requerimento foram aceitos até os princípios de novembro deste anno. (TOMBO ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO)

É possível observar a consolidação do trabalho em conjunto da Igreja com o Estado:

este nomeia, por lei, um Arcebispo como presidente da Comissão de Apoio. A partir de então,

Dom Duarte será o responsável por distribuir os donativos, provenientes do Estado, para as

vítimas. É certo que esse tipo de cargo deve ser ocupado por alguém de confiança, portanto ou

Arcebispo da Igreja Católica de São Paulo era alguém de confiança para o Estado, ou “(...) O

Estado, percebendo que tinha muito a ganhar com a Igreja, segurou essa oportunidade de

negociar alguns privilégios em troca de sanção religiosa.” (MAINWARNING, 1986 p.47). De

uma maneira ou de outra, há a aproximação dessas duas esferas.

O Arcebispo Dom Duarte, nomeado por lei presidente da Comissão de Apoio às

vítimas da revolta, organizou uma reunião na cúria metropolitana e determinou que todos os

requerimentos, seguidos de provas, seriam aceitos até novembro do mesmo ano. Segundo

Sousa (2004), o relatório da Comissão de Assistência apresentou valores gastos com 35

instituições de caridade, 7 igrejas danificadas, 218 pessoas particulares e diversos não

especificados. De acordo com Sousa (2004), a matriz do Cambuci, a igreja de São Januário da

Mooca, a igreja de Santo Antônio do Pari, a igreja de São José do Belém, a igreja de Santa

Generosa, a igreja de Santa Ifigênia e a de Santo Agostinho foram danificadas.

Uma outra lei que complementa a lei de nomeação, é a lei n. 1.972, de 26 de Setembro

de 1924: “Autoriza o Poder Executivo a socorrer as vítimas da recente rebelião militar, a

16 Também é denominado como Comissão de Assistência. 17 As supressões correspondem à trechos ilegíveis no documento original.

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auxiliar as instituições de caridade que acolheram feridos e a concorrer para as construções de

templos danificados.” (SÃO PAULO, 1924).

Como observado no registro do livro de tombo da Arquidiocese de São Paulo, citado

logo a cima, o Governo do Estado solicita ao Congresso uma verba para o socorro das

vítimas. O Congresso, por sua vez, autoriza em lei o Poder Executivo para, além de ajudar as

vítimas da revolta, auxiliar as instituições de caridade que acolheram os feridos e a contribuir

com as construções de templos danificados. A Igreja se encontra nos dois últimos casos: ela

tanto possui templos danificados pelas bombas da revolta, como tem instituições de caridade

que acolheram as vítimas; inclusive algumas igrejas serviram de abrigo e forneceram

alimentos. É possível concluir, então, que essa lei beneficia a Igreja de São Paulo, pois ela

pode receber auxílio do Governo por dois vieses.

Sobre esse auxilio do Governo, o livro de tombo da Santa Ifigênia nos revela:

Por ocasião da revolução havida em São Paulo em julho de 1924, a egreja de Santa Ephigenia soffreu muitos prejuisos materiais. A forte fuzilaria havida nas ruas adjacentes da egreja danificou a fachada do templo, o que pode ser verificado pelos vestígios que para sempre ficaram. O telhado muito soffreu, tendo sido necessário refazel-o em grande parte; para concerto geral foram gastos as seguintes quantidades: Pago à companhia Constructora de Santos - 50:097$032; pago ao Sr. Budig para concerto do orgam - 7:901$723; pago ao Sr.Parvalik - 765$000; pago a Casa Garcia para concerto dos vitrais - 2:800$000, tudo perfazendo um total de - 61:563$755. Para satisfazer a estas despesas o Governo Estadual contribuiu com-34:800$00018 e o Sr. Conde de Lara com a quantia de - 5:000$000. Houve pois despesas no valor de - 61:563$755 e donativos no valor de - 39:800$000, havendo portanto uma differença de - 21:763$755. (TOMBO SANTA IFIGÊNIA)

Observa-se nesse registro minucioso e detalhado, a menção da contribuição por parte

do Governo para a reconstrução da igreja. É curioso notar que nesse registro, diferente do

outros livros de tombo já citados, há somente a referência dos prejuízos do patrimônio

católico. É possível observar que algumas igrejas estavam voltadas ao social, à ajuda

humanitária, e outras estavam preocupadas com o patrimônio do clero e com a contabilidade.

As anotações formuladas nesta Paróquia evidenciam a preocupação da Igreja com os

danos sofridos pela mesma, contabilizando o próprio prejuízo. Nota-se que parte dos prejuízos

foram arcados pelo governo, mas a soma arrecadada por contribuições é superior a cedida

pelo Executivo. Representantes das elites como o “Conde de Lara” fizeram sua parte, com

isso vemos uma Igreja autônoma e não dependente exclusivamente do governo, e ainda outras

18 Grifo dos autores deste artigo.

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contribuições não apontadas, mas que são feitas por elementos da sociedade. Isso demonstra

que na ocasião havia um grande público preocupado com a Igreja, pessoas que a religião

alcançava. Portanto, o Estado não podia deixar de fazer sua representação, para não sofrer a

culpa de “Pilatos”, ou seja, da Igreja ter ingressado involuntariamente numa causa restrita à

política, ter representado bem e, posteriormente, o governo não expressar nenhuma gratidão.

Vemos a inversão dos valores: ontem uma Igreja dependente, e no momento da revolta uma

Igreja poderosa.

Conclusão

Considerando as leituras realizadas e as análises durante a produção deste artigo, nos

deparamos com algumas respostas que correspondem ao proposto. Cabe salientar que, os

livros de tombo e a documentação arquivada no Arquivo Metropolitano de São Paulo, embora

muito rica em detalhes, ainda seja pouca para obtermos com precisão o real envolvimento da

Igreja durante a revolta, sendo assim, partimos do pressuposto de que muito o que foi feito

pela Igreja, está relacionado com a “caridade” e a “ajuda ao próximo”, prerrogativas inerentes

do catolicismo.

Embora muitos templos vieram sofrer ataques de bombardeios e metralhadoras, não

encontramos nenhum indício que ligasse a Igreja como aliada ao grupo de rebeldes instalados

na capital paulistana; os templos estavam apenas geograficamente no “caminho das bombas”.

Algumas igrejas foram ocupadas por tropas tanto rebeldes como do governo, mas foram

tomadas devido as suas posições estratégicas e as suas arquiteturas que possibilitavam ser

usadas como “quartéis” provendo segurança. Diversos segmentos sociais externavam a desejo

de uma reforma política, contudo a Igreja Católica de São Paulo posicionava-se mais próxima

à elite dominante que regia a política.

Como visto anteriormente, a separação da Igreja e do Estado estabelecida desde o

Império e firmada na República Velha, promoveu certa “autonomia” para a Igreja, porém, a

separação não foi bem acolhida por alguns membros, como foi o caso do Arcebispo Dom

Duarte, que sentia a falta da assistência do Estado.

Essa falta de assistência não era exclusividade da Igreja paulistana, tanto que o

Vaticano, representado pelo Papa Pio XI, interveio para que fosse aquele o momento de

reaproximação da Igreja com o Estado, porém, orientada pela reforma identificada como

neocristandade. Contudo a Igreja nunca esteve só, os sectários que compõe seu corpo foram

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bem articulados, como podemos ver nas representações das Ligas Católicas, que exerciam

força a favor da Igreja.

O movimento rebelde de 1924 que atingiu, sobretudo, uma sociedade que estava em

desenvolvimento, deixando como vítimas aqueles que não conseguiram evacuar a zona de

conflito, foram acolhidas pela Igreja com alimentação e tratamento a feridos.

A mais alta autoridade da Igreja em São Paulo era o Arcebispo Dom Duarte Leopoldo

e Silva, que se fez presente durante os dias do conflito. As fontes revelaram sua proximidade

com o governo constituído, frequentando reuniões com o governo e telefonando ao presidente

pedindo para cessar bombardeios. Nos relatos vemos que nos campos de batalha havia

presença de membros do clero, realizando a intercessão entre ambos os lados e buscando a

desmobilização das tropas rebeladas.

Se considerarmos o fato do Arcebispo ter sido nomeado, por lei, o presidente da

Comissão de Apoio às vítimas da revolta, podemos presumir que a parceria deu certo. A lei n.

1.972 de 26 de Setembro de 1924, além de permitir que o Poder Executivo ajudasse as

vítimas, também garantiu recursos para a reconstrução de templos danificados. Quem se

beneficiou com isso foi a Igreja, que obteve ressarcimento dos danos sofrido durante a

rebelião pago com dinheiro público.

Nesse momento é possível compreender que o posicionamento de Dom Duarte foi

uma reação à revolta, pois a sua mobilização era favor da população aliciando a instituição – a

qual era representante – em socorro das vítimas. Devido à flexibilidade hierárquica da Igreja,

alguns não o acompanharam nessa empreitada, contudo as ações de Dom Duarte também

corresponderam aos interesses do governo, com isso é notório o entrelaçar da Igreja e Estado,

em prol de um bem comum. Acalmados os ânimos com a evasão dos revoltosos, é marcada a

aliança com a presença do governador em uma das Igrejas mais engajadas no conflito a

Paróquia de Nossa Senhora da Penha. Teria sido um ato simplesmente religioso por parte do

governador, ou a demonstração da parceria promovida durante e após a revolta?

Os desdobramentos dessa reaproximação podem ser vistos nos anos vindouros.

Devido à reforma da Igreja se dar de forma gradual, se modelando ao momento vivido no

âmbito político, teríamos que aprofundar mais a pesquisa dilatando os períodos analisados.

Assim sendo, cabe o legado à futuras gerações o prosseguimento desta pesquisa.

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Referências

Fontes

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TOMBO ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Livro de Tombo, Pastorais, Ordens e Provimentos (1919-1930) – (AMDDLS).

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TOMBO PARÓQUIA SANTA CECÍLIA. Livro de Tombo, Pastorais, Ordens e Provimentos (1895-1929) – (AMDDLS).

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