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ADRIANA DOS SANTOS TEIXEIRA MURILO RUBIÃO: UMA AVENTURA SOLITÁRIA NA LITERATURA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS: TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA MESTRADO EM LETRAS DEPARTAMENTO DE LETRAS, ARTES E CULTURA Setembro de 2006

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ADRIANA DOS SANTOS TEIXEIRA

MURILO RUBIÃO: UMA AVENTURA

SOLITÁRIA NA LITERATURA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS: TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA

MESTRADO EM LETRAS DEPARTAMENTO DE LETRAS, ARTES E CULTURA

Setembro de 2006

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ADRIANA DOS SANTOS TEIXEIRA

MURILO RUBIÃO: UMA AVENTURA

SOLITÁRIA NA LITERATURA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de São João Dei-Rei, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras.

Área de Concentração: Teoria Literária e Crítica da Cultura Linha de Pesquisa: Literatura e Memória Cultural

Orientadora: Profª Drª Magda Velloso Fernandes de Tolentino

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS: TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA

MESTRADO EM LETRAS DEPARTAMENTO DE LETRAS, ARTES E CULTURA

Setembro de 2006

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ADRIANA DOS SANTOS TEIXEIRA

MURILO RUBIÃO: UMA AVENTURA

SOLITÁRIA NA LITERATURA Banca Examinadora:

----------------------------------------------------------------------------------------------------Profa Dra Magda Velloso Fernandes de Tolentino – UFSJ

----------------------------------------------------------------------------------------------------

Profª Drª Maria Conceição Monteiro – UERJ

----------------------------------------------------------------------------------------------------Profª Drª Suely da Fonseca Quintana – UFSJ

----------------------------------------------------------------------------------------------------

Prof. Dr. Antônio Luiz Assunção (Coordenador do Programa de Pós-graduação em Letras)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS: TEORIA LITERÁRIA E CRíTICA DA CULTURA

MESTRADO EM LETRAS DEPARTAMENTO DE LETRAS ARTES E CULTURA

20 de Setembro de 2006

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Aos meus pais, Eli Antônio Teixeira e Heloísa Maria dos Santos Teixeira.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela força constante.

À minha orientadora, Magda Velloso Fernandes de Tolentino, pela dedicação

e sutileza com que conduziu a pesquisa e pela pessoa encantadora, amiga e de

sensibilidade ímpar, que compartilhou da emoção na tessitura do texto.

A CAPES, pela concessão da bolsa, que permitiu a realização desta

pesquisa.

Aos guardiões do Acervo dos Escritores Mineiros, pela assistência.

A todos os professores do Mestrado em Letras da UFSJ, que contribuíram

para o enriquecimento desta pesquisa. Agradeço, especialmente, a professora Suely

Quintana, pelas conversas.

Aos meus familiares, pelo incentivo e apoio incessantes.

Ao Marcos Vinícius Teixeira, pelo amor e pela ajuda na busca e coleta do

material para a efetivação deste trabalho.

À família Cherubini, pela torcida.

Aos colegas, Alex Mourão, Ana Lúcia Resende, Carla Campos, Elisângela

Baptista, Lílian Moreira, Maria Tereza Lima e Renata Toledo, que compartilharam do

entusiasmo e angústias desta pesquisa.

À Filó, pelo carinho e atenção.

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Não me casei, não tive filhos,

não plantei árvores, apenas alguns arbustos.

Murilo Rubião.

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RESUMO

Este trabalho examina aspectos da vida e da obra do contista mineiro Murilo

Rubião, principalmente no período de 1956 a 1960, época em que ele residiu em

Madrid. A investigação é feita a partir de um depoimento que o contista concedeu

em entrevista, relembrando aquela fase de sua vida, quando, pela primeira vez,

sofreu o problema do exílio. Tendo como hipótese que o exílio de Murilo Rubião

apresenta não só o aspecto geográfico, observo outras particularidades no que diz

respeito ao exílio deste escritor, o qual vai se refletir em toda a sua obra. A

fundamentação teórica de Edward Said, Arthur Schopenhauer, Octavio Paz, Julia

Kristeva e Stuart Hall possibilitam um diálogo com este estudo. O texto de Murilo que

ilustra este trabalho é o conto “Teleco, O Coelhinho”, produto de seu tempo em

Madrid, época que é detalhadamente examinada através de sua correspondência

passiva.

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ABSTRACT

This work examines some aspects of the life and work of Murilo Rubião, a

short story writer from Minas Gerais, focusing mainly in the years he lived in Madrid,

from 1956 to 1960. This study was triggered by some comments of the writer, in an

interview, as to how much he had felt an exile at that time. Setting off with the idea

that Murilo Rubião’s exile is a characteristic not only concerning his geographic

absence, the work deals on different aspects of his sense of exile, which reflects on

his written production. The work falls back on the thoughts of Edward Said, Arthur

Schopenhauer, Octavio Paz and Julia Kristeva as far as the questions of exile are

concerned. The short story studied in depth is “Teleco, o coelhinho”, which was

written during the time highlighted here. The mentioned period is studied in detail

through an examination of the letters Rubião received in those years, available in the

UFMG archive.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ……………………………………………………………………… 10

1. MURILO RUBIÃO: “O SOLITÁRIO DA SERRA” …………….………………. 15

2. MURILO RUBIÃO EM MADRID ................................................................... 33

2.1. Entre a alegria e a saudade...............................………………...........…… 41

2.2. Saudades do Brasil e da família ...................................... ........................ 50

2.3. Cobrança Literária ................……………………….................................... 57

2.4. De volta ao Brasil …………………………………....................................... 61

3. A LITERATURA SOLITÁRIA DE MURILO RUBIÃO ………………………... 66

CONSIDERAÇÕES FINAIS ………………………………………………………. 98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS …………………………………...………. 109

BIBLIOGRAFIAS .............................................................................................. 113

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Introdução

Foi ao final da minha graduação em Letras, em estudos sobre o escritor Mário

de Andrade (1893-1945), que meu interesse pelo escritor Murilo Eugênio Rubião

(1916-1991) foi despertado. Ao coletar materiais sobre o modernista e sobre sua

obra Macunaíma, para um projeto de Especialização em Lingüística e Literatura

Comparada da Universidade Federal de Viçosa, encontrei um livro curiosíssimo:

Mário e o pirotécnico aprendiz: cartas de Mário de Andrade e Murilo Rubião. Este

livro, além de trazer cartas trocadas entre os dois escritores, também trazia textos

críticos dos professores Marcos Antonio de Moraes e Eneida Maria de Souza, e

ainda, textos de Murilo Rubião e de Mário de Andrade.

Durante a elaboração do projeto para o Curso de Especialização, achei

melhor optar por trabalhar apenas com um dos escritores, uma vez que um trabalho

monográfico não poderia ser muito extenso. Pensando assim, resolvi estudar os

contos de Murilo Rubião, pois me pareceram mais significativos para o trabalho.

Assim, em minha monografia, que fez parte das exigências do curso

mencionado, apresentei um estudo sobre três contos de Murilo Rubião, a saber: “O

Ex-Mágico” (1947), “Teleco, O Coelhinho” (1965) e “Os Dragões” (1965). Todos

esses têm como traço comum a metamorfose das personagens, que a meu ver é

justificada pela tentativa de se adequarem ao meio, ao universo ao qual não

pertencem. Com efeito, nos contos os protagonistas se sujeitam à mudança de

postura e de identidade. Não agem conforme suas vontades, mas de acordo com o

que acreditam que a comunidade, na qual se inserem, valoriza e pensa ser o melhor.

Minha monografia foi aprovada em 2004, tendo como título O insólito

cotidiano das personagens de Murilo Rubião. Neste mesmo ano, apresentei um

plano de estudo ao programa de mestrado em Teoria Literária e Crítica da Cultura,

da Universidade Federal de São João del-Rei, tendo como objeto de estudo o

mesmo autor, no que fui aceita e para o qual elaboro o presente estudo que,

vinculado à linha de pesquisa “Literatura e Memória Cultural”, tem como intuito

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recuperar parte da história cultural e literária de Minas a partir do estudo da

produção escrita do contista Murilo Rubião, tanto ficcional quanto documental.

Muitos escritores mineiros como Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava,

Murilo Mendes, Guimarães Rosa etc. saíram de Minas para morar em centros

urbanos mais avançados. O escritor mineiro Murilo Rubião sempre viveu em Belo

Horizonte, com exceção de dois anos passados no Rio de Janeiro e quatro anos em

Madrid.

Neste ano de 2006, quando se comemora noventa anos de nascimento do

mineiro Murilo Rubião, escritor, homem e intelectual importante na história de Minas

Gerais (Cf. ANDRADE, 1994), tenho como propósito discorrer sobre aspectos da

vida e da obra deste contista no período de 1956 a 1960, época em que o escritor

residiu em Madrid. Meu objetivo é investigar como Murilo Rubião lidou em diversos

momentos com o sentimento e a vivência da solidão quando, pela primeira vez, se

sentiu um estrangeiro, e se houve algum reflexo deste sentimento na sua produção

de época.

O interesse por este período específico (anos em que Murilo Rubião esteve

na Espanha na qualidade de Chefe do Escritório de Propaganda e Expansão

Comercial do Brasil em Madrid e adido junto à Embaixada do Brasil na Espanha) foi

levantado a partir de um depoimento do escritor numa entrevista, publicada em

1982. Nesta, Murilo Rubião fala que sofreu o problema do exílio durante aquela

temporada em Madrid. O contista afirma que não soubera até então o que era ser

estrangeiro.

É importante lembrar, portanto, que Murilo Rubião não foi um exilado no

sentido literal de ter sido obrigado a deixar seu país. Ele foi trabalhar durante quatro

anos em Madrid, no período do governo do Presidente Juscelino Kubitscheck. O

afastamento do país para este contista foi escolha própria, diferente de muitos que

foram obrigados a deixar sua terra, que como castigo eram forçados a abandonar

seus países.

No entanto, Murilo Rubião sentiu-se como um exilado. A questão que será

discutida aqui é o sentimento de exílio que ele manifesta após sua volta ao Brasil. O

termo “exilado” será tratado neste estudo conforme o pensamento de Edward Said,

que afirma trazer o termo em si um toque de solidão e espiritualidade.

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Tendo como hipótese que o exílio de Murilo Rubião apresenta não só o

aspecto geográfico, isto é, do exilado vivendo em solo estrangeiro com a dor da

nostalgia, é importante observar outras particularidades no que diz respeito ao exílio

deste escritor. Para isso será importante compreender o exílio do contista em pelo

menos dois sentidos. O primeiro refere-se à figura do solitário, do saudosista, como

vítima; o segundo refere-se à figura do desterrado que se alegra em terra

estrangeira.

A partir de um depoimento que Murilo Rubião concedeu em entrevista,

relembrando essa fase de sua vida, buscarei investigar o homem e a sua obra.

Portanto, é necessário salientar que, farei uma crítica cultural e não um estudo

teórico minucioso. Para tanto, recorrerei a algumas entrevistas onde o contista

relembra e deixa transparecer seus sentimentos vividos à época; também são

fundamentais as correspondências recebidas e arquivadas por Murilo Rubião,

referentes a este tempo.

É importante ressaltar que, a originalidade deste estudo está em examinar um

período que vai necessitar uma investigação de caráter íntimo da vida do escritor

Murilo Rubião, a partir de seu arquivo pessoal. Serão abordados, neste trabalho,

momentos de sua vida cotidiana, seu celibato, sua escolha pelo isolamento, sua

participação em atividades jornalísticas e, principalmente, literárias, a partir de

numeroso material consultado, tais como: jornais e revistas (com entrevistas

concedidas por ele e estudos críticos a respeito do homem e do escritor Murilo

Rubião) e correspondências passivas etc.

O levantamento deste material foi feito, em janeiro deste ano, no Acervo dos

Escritores Mineiros, mais especificamente no acervo do escritor Murilo Rubião, que

se encontra na Biblioteca Central da Universidade Federal de Minas Gerais, onde fui

gentilmente recebida pelos guardiões daquele acervo, após terem tomado

conhecimento do meu trabalho de dissertação.

Neste acervo encontrei importante documentação acerca da vida particular e

pública do escritor. Fotografei todas as correspondências que datavam de 1956 a

1960, totalizando quatrocentas e noventa e seis correspondências consultadas.

Fotografei, também, alguns recortes de jornais e revistas.

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Antes da análise desse material, faço no primeiro capítulo um levantamento

da trajetória de vida e obra do contista, assinalando cronologicamente alguns

momentos que considero importantes na vida de Murilo Rubião, tendo usado para tal

entrevistas e depoimentos dele próprio, para tentar perceber melhor quem foi Murilo

Rubião antes e depois da experiência de passar quatro anos fora do Brasil e tentar

perceber como esse afastamento repercutiu no homem e em sua obra. Neste

capítulo, abro parênteses para mostrar um poema escrito por Murilo Rubião, em

1939, na Revista Tentativa.

No segundo capítulo, abordo o período de 1956 a 1960. Discuto aí suas

angústias, sua impaciência, sua solidão, mas também suas alegrias, seu bem-estar

em terra estrangeira etc, por meio das correspondências passivas, isto é, com base

nas respostas dadas pelos correspondentes às cartas escritas por Murilo Rubião.

Porém, antes, destaco, brevemente, os termos “exílio” e “solidão” nos estudos

de alguns teóricos que discutiram a este respeito, tais como Edward Said, em

Reflexões sobre o exílio e outros ensaios; Arthur Schopenhauer, em seu livro

Aforismos sobre filosofia de vida; o escritor, Octavio Paz, em seu texto “A dialética

da solidão”, do livro O labirinto da solidão e post-scriptum, etc. E ainda, recorro a

muitos depoimentos de amigos do escritor para dar subsídios ao trabalho.

No terceiro e último capítulo, faço, primeiramente, uma pesquisa cultural e

literária do momento em que Murilo Rubião publicou pela primeira vez, isto é, em

1947, O ex-mágico. Com esse livro ele inaugurou no Brasil a corrente do realismo

mágico e ocupou, o lugar de pioneiro na literatura brasileira no que se refere à

narrativa fantástica1. Todavia, seu reconhecimento como pai do realismo mágico

brasileiro, e predecessor do gênero na América hispânica demoraram décadas.

Muitos estudiosos abordaram tanto este momento, quando surgiu a novidade,

quanto anos depois quando o gênero já estava estabelecido.

Logo em seguida, neste mesmo capítulo, faço uma leitura da obra do escritor,

de uma maneira geral, e mais detalhadamente do conto “Teleco, O Coelhinho”. É

interessante notar que Murilo Rubião, durante os quatro anos que passou na

Espanha, escreveu apenas um conto – “Teleco, O Coelhinho”. Era a primeira vez

que saía do Brasil. Desanimado com a Literatura, pensava em não escrever mais.

1 Realismo mágico, realismo fantástico e narrativa fantástica são termos correlatos.

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Conforme Renard Perez, Rubião em sua mineirice sofre a ausência de seu ambiente

durante a elaboração deste conto. Dessa forma, investigo a possível sensação de

exílio que o contista nutria na distância em que se encontrava de sua terra e tento

perceber se esse distanciamento transparece na tessitura do conto.

Faço uma leitura mais aprofundada de um único conto pela importância que

este tem, por ter sido o único conto que Murilo Rubião escreveu durante sua estada

em Madrid. Teleco é um coelho que não consegue se adaptar no mundo dos

humanos. Ele, como tantos outros personagens de Murilo, está condenado a viver

solitariamente. Aqui, abordo o estudo de Julia Kristeva, em seu texto “Tocata e fuga

para o estrangeiro”, do livro Estrangeiros para nós mesmos. E com relação ao que

diz respeito às identidades diferentes que o sujeito assume em diferentes momentos,

abordo o livro A identidade cultural na pós-modernidade, do crítico Stuart Hall.

Capítulo 1: Murilo Rubião: “o solitário da Serra”

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Nascido em 1º de junho de 1916 na cidade de Silvestre Ferraz – hoje Carmo

de Minas, Minas Gerais, Murilo Rubião, com menos de dois anos de idade, mudou-

se dali com sua família, tendo morado em cidades como Conceição do Rio Verde e

Passa Quatro até se fixar em Belo Horizonte. Nesta cidade, Murilo2 chegou aos sete

anos.

Foi matriculado primeiramente no Grupo Escolar Afonso Pena, onde ficou

quatro anos. Durante esse tempo na escola, Murilo aproveitava as férias para fazer

viagens a pequenas cidades de Minas e do Estado do Rio.

Iniciou, em 1930, o curso ginasial no Colégio Arnaldo, onde deu seus

primeiros passos na vida literária ao publicar no jornal estudantil – O Ginasiano.

Neste, Murilo escrevia poemas em moldes acadêmicos.

Entre seus dezesseis e dezoito anos, escreveu dois livros de versos,

inspirados numa namorada. Porém, ao passar a fase de paixão e já convencido da

falta de mérito dos versos, Murilo os queimou.

Foi orador da turma ao concluir o ginasial, em 1935. Em 1938 ingressou na

faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais. Conforme Perez, Murilo

Rubião:

Começa a trabalhar aos 12 anos numa casa de balas de um

tio, onde fica até os catorze. Estudante do 1º Complementar, mantém durante um ano com dois colegas um escritório de procuratórios. Daí, passará a trabalhar numa livraria alemã, lugar onde permanecerá até o final do primeiro ano de Direito.

E é através dessa ocupação que vem a conhecer o futuro

Presidente Juscelino Kubitschek, que havia abandonado a deputação 2 Doravante usarei somente o primeiro nome do contista (Murilo) ao revés de seu sobrenome (Rubião), principalmente quando precisar fazer referência a sua solidão. Esta escolha foi feita para evitar, no texto, a repetição de palavra com terminação igual empregadas muito próximas uma da outra.

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e tornado ao exercício da Medicina, e lhe comprava obras de Cirurgia. Desde então tornou-se seu amigo (PEREZ, 1987, p. 2).

No período em que passou na faculdade, Murilo participou intensamente da

política estudantil. Foi vice-presidente do Diretório dos Estudantes e logo depois

Presidente. Foi Tesoureiro do Diretório Central dos Estudantes da Universidade.

Murilo Rubião participou também de atividades jurídicas, jornalísticas e literárias:

[Murilo] participa, como Delegado do Centro de Estudos

Jurídicos da Faculdade, no I Congresso Pan-Americano de Estudantes. Também a atividade jornalística – a que se dedicará – se inicia nesse período, nela se incluindo igualmente a área literária (Ibidem).

Sua carreira literária deu um salto quando fundou, em 1939, junto com um

pequeno grupo, uma Revista tendo como título Tentativa. Murilo era um dos nove

redatores da Revista. Esta, de publicação mensal, segundo Perez, chega a contar

doze números.

Ao procurar no acervo do contista mineiro os números da revista citados por

Perez, verifiquei que havia apenas sete números desta, ou seja, conforme sua

informação de que a Revista chegou a doze números, averigüei que estão faltando,

na estante de Murilo Rubião, o número um e do número nove ao número doze.

Na estante, as revistas estão todas encadernadas com capa dura,

organizadas em dois volumes. No primeiro volume estão reunidos os números dois,

três, quatro e cinco e o no outro volume constam os números seis, sete e oito.

Como observa o professor Reinaldo Marques, em seu texto “O arquivamento do

escritor”, no livro Arquivos Literários, Murilo Rubião é talvez o escritor mais atacado

pela prática arquivística, marcada pelo rigor na ordenação e classificação dos

materiais, pelo cuidado com sua conservação e preservação, como indica seu hábito

de colocar capa dura em todos os livros (MARQUES, 2003, p. 148).

É curioso, portanto, notar que Murilo Rubião, homem preocupado com o

arquivamento de sua trajetória de vida, não só jornalística como também literária,

não tem na sua coleção o número um da Revista Tentativa. Descuido ou não do

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escritor, este número ficou perdido. Talvez tivesse emprestado a alguém e não lhe

tivesse devolvido.

Em todos os números da Revista Tentativa aos quais tive acesso, pude notar

que constavam variados tipos de textos, como: poemas, contos, artigos, crônicas,

comentário internacional etc.

Considero, para a presente pesquisa, a Revista número oito a mais

importante, uma vez que nesta encontram-se dois textos de Murilo Rubião e ainda

um comunicado introdutório destinado aos leitores, com o intuito de esclarecer o fim

das edições posteriores da Tentativa.

A maioria dos leitores de Murilo não conhece outro tipo de texto que não

sejam os contos, uma vez que apenas estes foram publicados em livros. O primeiro

texto de Murilo Rubião, publicado no último número da Revista Tentativa, é um

poema intitulado “Ausência”. Este poema faz-me um convite para ser abordado logo

no seu título. Ausência de quê o escritor escreve? Para apreciar outro tipo de texto

publicado pelo mineiro, abro parênteses para fazer uma leitura deste poema. Neste,

o eu-lírico fala da ausência sentida da pessoa amada.

Aos vinte e três anos, Murilo Rubião publica esse poema, composto por vinte

e dois versos, carregado de lembranças, cheio de saudade de um tempo que não

volta mais, a não ser por algumas lembranças revividas (mas nunca como realmente

acontecera) pela sua memória. O eu-lírico inicia com um questionamento: Para que

fugir si me acompanhará sempre a minha sombra? E, logo em seguida, um outro

verso responde a esta questão: si nunca encontrarei na solidão dos caminhos o

silêncio!

A pessoa amada ausente é resgatada em suas lembranças em qualquer lugar

por onde passa. Nem na solidão encontrará sossego, pois terá a companhia da

lembrança. Ele sabe que não adianta fugir, pois não encontrará o silêncio. O poeta

descreve as ações de carícias e dos beijos, comparando as mãos que o acariciavam

aos lírios brancos, e os lábios que não cansava de beijar ao crepúsculo sanguíneo

das tardes exangues:

Por todos os lugares, em toda a minha inútil existência o eco da minha voz, a tortura do meu pensamento, estarão onde eu for, mostrando-me o passado de que não posso fugir.

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Verei nos lírios entornados á beira das estradas a imagem de duas brancas mãos que um dia me acariciaram; sentirei no crepúsculo sanguíneo das tardes exangues os lábios que me sussurravam ao ouvido, os lábios que não cansava de beijar.3

Para o poeta, tudo lhe faz lembrar a sua amada: Em tudo que eu pensar, em

tudo que pousar meus olhos, / verei projetado, como uma sombra enorme, / a cobrir

o meu corpo cansado de caminhar/ um rosto de mulher, o rosto de minha amada!

Sentindo-se torturado por alcançar a mulher amada apenas em seus sonhos

impossíveis, ele irá procurá-la nos astros, na tranqüilidade dos campos e buscará

com os braços fatigados a sua visão fugidia...

Convicto de que não a encontrará mais, uma vez que a amada é só uma

lembrança, nos últimos versos, o poeta mostra a sua dor pela procura da luz

perdida:

E encontrarei apenas a minha voz angustiada, Os meus olhos extenuados pela procura da luz perdida, A recordação pungente de um sentimento sempre revivido, A minha dor imensa cobrindo as estradas Cheias de lírios, de silêncio, de luar... (Idem)

O poeta se sente angustiado por procurar a luz que se perdeu. E esta procura

provoca dor ao vir à memória. Nesse poema já vislumbro um eu lírico solitário em

busca de uma amada, se não em pessoa, em lembrança.

O segundo texto que Murilo Rubião publica neste mesmo número da Revista

Tentativa tem como título “Mário de Andrade, Minas e os mineiros”, onde Murilo

homenageia o paulista Mário de Andrade quando este esteve em Minas. Logo nas

primeiras páginas deste número também se encontra um comunicado aos leitores,

sobre o encerramento das edições da Revista Tentativa. Abaixo, na íntegra, o

comunicado destinado aos leitores e amigos com o título “Despedida”, que trata de

esclarecer o encerramento das publicações:

3 RUBIÃO, Murilo. Revista Tentativa, Belo Horizonte, nº 8, nov. de 1939, p. 30.

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Desejamos agora comunicar aos nossos leitores, que por circunstâncias imperiosas e imprevistas, impossíveis de debelar, nos vimos forçados a sustar nossa publicação.

Com o presente número damos por encerrado o esforço que há meses vínhamos realizando á custa de grandes e reais sacrifícios.

Despedindo-nos, fazemo-lo com conciência tranquila de quem cumpriu fielmente com a sua missão, e a nós basta esta certeza para premiar todo o nosso trabalho.

Aos nossos assinantes, que tão generosamente contribuíram com o seu apôio para o êxito do nosso empreendimento, devolveremos sem nenhum ônus o montante relativo aos exemplares que não lhes serão entregues.

A todos, enfim, que com o seu incentivo e o seu aplauso nos permitiram realizar o que realizamos, o nosso profundo reconhecimento e a nossa imorredoura gratidão4

Diante desse comunicado e da não existência dos números subseqüentes

no acervo de Murilo Rubião, acredito que a Revista não alcançou os doze números,

conforme Perez afirma, mas sim finalizou no oitavo. Com relação à literatura, diferentes gêneros, desde muito cedo, fazem parte do interesse de

Murilo Rubião. Aos dez anos já havia lido o Dom Quixote. Até os seus quinze anos, lê desde os

romances de aventura até os clássicos. A Bíblia, permanece lendo-a pela vida toda, assim como as

obras de Machado de Assis, principalmente Memórias Póstumas de Braz Cubas, que lê vinte e uma

vezes, fazendo anotações. O contista, como ele mesmo afirmou várias vezes sofreu influência da

obra de Machado de Assis, e assim usufruiu da importante participação, no início de sua carreira

literária, do escritor Marques Rebelo, quando este lhe apontava os excessos de influência das obras

de Machado.

Conforme Davi Arrigucci Jr., a tradição que vem de Machado de Assis certamente é decisiva

na formação de Murilo e está muito presente em suas tiradas irônicas (ARRIGUCCI, 1987, p. 148).

Assim, a formação desse contista está certamente ligada à Bíblia e às obras machadianas, sendo

estas essencialmente assimiladas no aspecto da ironia, apresentando de maneira muito forte sua

influência no contista mineiro.

Em relação à religiosidade, Renard Perez afirma que:

Muito católico, [Murilo] atravessa dos onze aos dezesseis anos

uma fase de misticismo. Mas não só a fase arrefece, como acabará o rapaz sendo mesmo levado ao ateísmo, para isso concorrendo muito particularmente o seu contato com os padres do colégio (PEREZ, 1987, p. 2).

4 Revista Tentativa, Belo Horizonte, nº 8, nov. de 1939, p. 3.

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Em 1939, Murilo começa a trabalhar como repórter no jornal Folha de Minas.

Nesta mesma época, não se deixando vencer pela timidez, inicia correspondência

com o escritor Mário de Andrade. Durante cinco anos, a relação de amizade entre os

dois escritores, conforme afirma Souza, “de semelhante estirpe e de evidente

generosidade intelectual” (SOUZA apud MORAES, 1995, p. XV) vai sendo acrescida

de forma lenta, mas bastante fiel.

Sendo assim, Mário aponta perspectivas para a literatura precursora de Murilo

Rubião, embora encontrando muitas dificuldades acerca do seu experimentalismo.

Como diz Moraes: Se por um lado desestimula, não gostando e dizendo-se obtuso

para entender os contos de Murilo, por outro lado, dá asas ao vôo desconhecido, se

percebe nesse alçar a realização de uma personalidade ´fatalizada` (MORAES,

1995, p. XLVIII).

Na primeira carta (1939) que Murilo envia a Mário, é perceptível o gesto de

reverência ao grande escritor, em oposição à sua inexperiência, onde ele diz: Nesse

grifo o senhor não encontrará o elogio que merece. Quem o fez carece de cultura e

inteligência para dizer do seu enorme valor (RUBIÃO, apud MORAES, 1995, p. 3).

Em 1940, Murilo Rubião publica um de seus contos intitulado Mensagem, no

Jornal Literário, em Belo Horizonte, mas o seu livro de estréia fica por volta de

quatro anos percorrendo as editoras do Rio de Janeiro e Porto Alegre, sem

perspectiva de publicação.

Nessas idas e vindas dos originais deste primeiro livro às editoras, Murilo

fazia várias modificações em sua obra: o primeiro livro que fôra encaminhado para

publicação a princípio teria como título Elvira e outros mistérios; logo depois,

passara a se chamar O dono do arco-íris e, mais tarde, O Ex-Mágico da Taberna

Minhota que, a pedido de Marques Rebelo, ficara, finalmente, simplificado em O

Ex-Mágico.

É importante ressaltar que, em 1940, Murilo Rubião trabalhou também na

revista Belo Horizonte, na função de redator. Foi a partir daí que começou a trocar a

poesia pela prosa de ficção.

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Segundo Humberto Werneck, em seu livro O desatino da rapaziada, foi na

Folha de Minas, a partir de 1941, que Murilo divulgou grande parte de seus primeiros

escritos como, por exemplo, uma série de contos com a mesma personagem, o Grão

Mogol, do qual não se sabia se tinha quarenta anos e sessenta mulheres, ou

sessenta anos e quarenta mulheres (WERNECK, 1992, p. 140).

De acordo com Werneck, esses contos já traziam um pouco do clima

fantástico que marcaria a obra de Murilo Rubião (Ibidem), porém nunca foram

publicados em livro. É importante ressaltar que o contista trabalhou por mais de uma

década na redação do jornal Folha de Minas e neste encontrou seu caminho na

ficção.

Outro momento muito importante na vida do escritor aconteceu em 1942,

quando ele se formou em Direito. Nesse mesmo ano foi eleito Diretor da Associação

de Jornalistas Profissionais de Minas Gerais.

Um ano depois de sua formatura, em 1943, o entrosamento do contista com o

escritor paulista aconteceu verdadeiramente. Murilo resolveu enviar alguns de seus

contos ao mestre Mário de Andrade. Antes, a timidez o havia consumido, permitindo

apenas uma constrangida e estreita troca de cartas. Murilo escreve: sinto

necessidade de contar para alguém uma porção de coisas que se amontoam,

confusas, dentro de mim (RUBIÃO apud MORAES, 1995, p. 39) e, mais adiante,

afirma: Infelizmente, escrever é para mim a pior das torturas (Op. cit, p. 40).

Murilo, sentindo-se torturado pela dificuldade de criação, ou melhor, pela

dificuldade de conclusão de suas histórias insólitas, encontra em Mário de Andrade

um amigo disposto a ajudá-lo. Solicitado para apreciação de suas obras, Mário de

Andrade, às vezes, via-se num caminho tortuoso, ou seja, não compreendia as

novidades, as histórias insólitas.

O contista, em carta datada de 23 de julho de 1943, depois de alguns anos

de confidências, confessa ao mestre Mário de Andrade, como já citado, que

escrever é para ele a pior das torturas, pois até a presente data não havia

conseguido terminar nenhum conto, mesmo depois de passados cinco anos de

plena insistência com a literatura de ficção. Todavia, a persistência com que

escreve e reescreve seus contos é de se admirar. Em 1944, Mário de Andrade

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responde à mensagem dizendo que o importante para o artista talvez não seja a

obra de arte, mas o ato de criar.

Em carta a Murilo Rubião, datada de 16 de junho de 1943, Mário de Andrade

havia observado que os contos murilianos têm a força estranha de apassivar

dominadoramente o leitor, impondo o irreal como se fosse real (MORAES, 1995, p.

33). Essa característica que Mário aponta na obra de Murilo é mais tarde colocada

pelo escritor paulista como algo não convincente quando o contista mineiro, em

dezembro de 1943, pensando em melhorar a sua produção literária, aproveita da

experiência do mestre e pede que lhe mostre os incríveis defeitos (Op. cit, p. 49)

que possui. Murilo afirma que os conselhos do professor poderão ser decisivos

(Ibidem) para a arte de um principiante. E este, apesar da grande dificuldade de

entender os contos de Murilo, não os rejeita. Assim faz sua crítica:

Os elementos que você utiliza, cria, inventa, na sua fantasia,

freqüentemente não me convencem, não por serem irreais, mas por não serem suficientemente irreais, suficientemente inesperados, é melhor dizer. Mas eu seria o mais desonesto dos sujeitos se tivesse certeza. Não tenho certeza nenhuma do que eu sinto (Op. cit., p. 58).

Mário, mesmo sendo um inovador da linguagem, da narrativa, da poesia, do pensamento

crítico (MORAES, 1995, p. XXI) sente-se perdido em meio às histórias insólitas de Murilo Rubião e,

por isso, não tem total convicção ao orientá-lo.

Ainda assim, Murilo Rubião era para Mário de Andrade figura admirável de discrição que

disfarça o seu drama interior no drama mais acessível da sua dificuldade de criação, inteligentíssimo,

perseguido pela própria inteligência (Op. cit, p. LXIX).

O diálogo entre Murilo e Mário se encerra em 1945 quando, em 25 de

fevereiro deste ano, o escritor paulista morre. O último encontro dos dois

acontecera um mês antes, em São Paulo, no Primeiro Congresso Brasileiro de

Escritores, onde Murilo era o responsável pela delegação mineira, composta,

segundo o programa do encontro, por 26 escritores e jornalistas, nomes feitos e

estreantes (MORAES, 1995, p. XLVI).

Mário não chegou a presenciar cargos importantes que o mineiro ocupou,

tais como: em 1946, Murilo Rubião foi Oficial de gabinete do interventor do Estado

e, em 1948, foi Chefe de divisão da Secretaria da Agricultura e diretor do Serviço

de Radiodifusão do Estado de Minas Gerais. Entre 1951 e 1952 passou de Oficial a

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Chefe de gabinete do governador Juscelino Kubitschek, até chegar a Chefe do

Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil em Madrid e adido junto

à Embaixada do Brasil na Espanha, no período de 1956 a 1960.

Segundo Werneck, Juscelino Kubitschek, tanto em seu governo de Minas

como na presidência da República, procurou cercar-se de escritores. Dentre os

talentos reunidos ao lado do presidente estavam Cyro dos Anjos, Murilo Rubião,

Cristiano Martins, e, mais adiante, Autran Dourado, Fábio Lucas, Rui Mourão,

Affonso Ávila, como diz Werneck, todos filhos da terra (WERNECK, 1992, p.134).

Em 1947, O Ex-Mágico, o primeiro livro de Murilo Rubião, é lançado,

contando a primeira edição com dois mil exemplares, que em pouco tempo se

esgota. A obra tem ótima repercussão no âmbito da crítica e, principalmente, da

imprensa, tendo obtido aproximadamente cinqüenta artigos e resenhas, assinados

por críticos renomados.

Seis anos depois, Murilo Rubião publica seu segundo livro, em edição

limitada, com o título A estrela vermelha. E em 1965, publica Os dragões e outros

contos, seguindo ainda a mesma linha do primeiro livro, com cuidadoso trabalho.

Entretanto, dos vinte contos reunidos nessa obra, apenas quatro são inéditos, pois

Murilo, valorizando suas histórias, passa mais tempo reescrevendo-as

constantemente, com uma única preocupação: a perfeição formal. Assim, aproveita

doze dos quinze contos da obra O Ex-Mágico e quatro de A estrela vermelha.

Em 1966, Murilo Rubião funda e organiza o Suplemento Literário do jornal O

Estado de Minas Gerais, tornando-se um dos órgãos de imprensa cultural mais

respeitado do país. Torna-se o primeiro editor do Suplemento.

Em 1974, Murilo publica O pirotécnico Zacarias, que contém uma seleção de

oito contos dos seus livros anteriores. E ao final desse mesmo ano, ele publica uma

coletânea de contos no livro O convidado.

Sua obra é mais bem divulgada a partir de 1975, quando passa a ser

estudada nos currículos escolares do Ensino Médio e nas faculdades, sendo objeto

de trabalho de professores. Daí em diante, ela é lançada no exterior: Estados Unidos

(1978) e Alemanha (1981). Ainda, em 1978, Murilo Rubião publica no Brasil uma

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nova antologia com o título A casa do girassol vermelho e, em 1990, O homem do

boné cinzento e outras histórias. Portanto, é a partir da publicação de O Ex-Mágico que Murilo inaugura no Brasil a corrente do

realismo mágico. Schwartz salienta o traço mais relevante do contista Murilo Rubião buscando as

palavras de Benedito Nunes:

[...] é o contraste entre a particular coerência do discurso narrativo, minucioso e imperturbável, e a particular incoerência da matéria narrada, isto é, dos acontecimentos extraordinários que constituem a trama esquemática de cada história (NUNES apud SCHWARTZ, 1987, p. 6).

A obra de Murilo Rubião é relativamente curta, pois conta com trinta e três

contos publicados. Em seus contos encontram-se situações dramáticas, em um

contexto estranho. Segundo Fábio Lucas, misturam-se o arbitrário das situações

com o realismo óptico das personagens principais ou do narrador (LUCAS, 1987, p.

11). Talvez por isso a publicação de seu primeiro livro não tenha sido tarefa fácil pois, conforme

afirma Perez, cerca de quatro anos rodaram os originais pelas editoras – do Rio, de Porto Alegre.

Ninguém se aventurava a publicar aquelas histórias meio estapafúrdias que fugiam de tudo o que se

considerava literatura (PEREZ, 1987, p. 2). Sua obra, será examinada, mais demoradamente no

capítulo três.

Como já foi dito, Murilo Rubião chegou a Belo Horizonte, ainda menino, na

década de 20. Circulava pela região do Malleta que, como observa Márcio Lima, era

assim chamada, por causa do grande edifício de salas e apartamentos que domina a

paisagem, à direita. Mas já naquela época poderia bem ter esta denominação,

porque o Grande Hotel [...] pertencia à família Malleta (LIMA, 1989, p. 24).

Cresceu nesta cidade, morando com seus pais até os 28 anos. Morou, mais

tarde, no Rio de Janeiro, onde dividiu um apartamento com o escritor Otto Lara

Resende. A experiência foi curta. Retornou a Minas e passou a morar sozinho.

Segundo Humberto Werneck, o escritor mineiro Murilo Rubião:

[...] ao contrário dos companheiros, preferiu ficar em Minas, cujas perspectivas culturais e até existenciais eram demasiadamente limitadas – à exceção de períodos passados no Rio de Janeiro e em Madrid, ele sempre viveu em Belo Horizonte (WERNECK, 1987, p. 12).

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Morando sozinho e no alto da serra, no bairro do mesmo nome, onde se

dedicava apenas à sua literatura5, Murilo Rubião foi apelidado de “o solitário da

Serra” (1953). Esta denominação faz-me remeter a uma bela frase de

Schopenhauer: Os grandes gênios têm seu ninho como as águias: nas alturas e

isolado (SCHOPENHAUER, 1991, p. 112).

Pensando Murilo Rubião que viver só e no alto da serra era mais vantajoso

para o seu trabalho de escritor, ele ressalta num artigo intitulado “Morar só: um

estado que nem sempre é de solidão, mas de boa ‘sozinhez’”, publicado no Diário de

Minas, em 1988, que a literatura é uma atividade muito escravizante “ou você se

subordina a ela ou ela o abandona” (RUBIÃO, apud LIMA, 1988, p. 20). Para ele,

morar sozinho é ter liberdade para poder fazer seus horários para escrever e ler,

sem preocupações ou perturbações.

Murilo Rubião ainda revela que para a literatura a solidão é enriquecedora (...)

e que por estar sempre voltado para os livros, escrevendo ou lendo, não sofre muito

com a ausência das pessoas (Ibidem). Todavia, quando a solidão apertava, esta o

incomodava a ponto de ele sair pela rua catando os amigos (Ibidem).

Na Espanha, Murilo Rubião, já com 40 anos, experimentava outro tipo de

vida. Uma vida longe dos parentes e amigos. Uma solidão talvez não tão escolhida

como antes. Mas uma solidão forçada por não poder encontrar as pessoas queridas

no momento que desejava. O contista estava, neste momento, chefiando o Escritório

de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil em Madrid e era adido junto à

Embaixada do Brasil na Espanha.

Retornou na década de 60; solteiro por opção, o escritor revela, em 1988, que

pensou em casamento até os 40 anos, desistiu depois (MAGIOLLI, 1988, p. 1). Na

data em que o artigo de Magiolli sobre Murilo foi publicado, o escritor estava com 72

anos. E com esta idade, ele diz que acreditava ter pagado ‘o ônus dos que optam

pela solidão’. Afinal, recorda Murilo, ‘o comportamento natural da maioria é o

casamento e a conseqüente dependência da família’ (Ibidem)6.

5 [CIRANO]. O calor embrutece o colunista. Folha de Minas, Belo Horizonte, 24 fev. 1953. Folha corrida. 1 fl. 6 Os depoimentos colhidos nessa entrevista e nas entrevistas citadas a posteriori foram feitos por Murilo Rubião na vida madura. O que ele declara é feito através da memória. Em seus anos mais

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Rachel, ex-namorada de Murilo, numa carta escrita entre 1956 e 1957,

localizada na pasta “correspondências: escritores, suplementos e diversos”, salienta

bem o medo que o contista nutria de se apegar a alguém. Assim ela escreve:

Você tem horror ao compromisso e diz que fugiu de mim por

isso. Sempre senti isso Murilo, e não pretendia mesmo naquela época exigir nada de você [...] Eu sentia o seu medo, o seu apêgo a vida sem complicações. Tinha pena de você porque êsse medo ia lhe fazer levar uma vida estéril. Mas medo de me casar isso eu também tinha, sabe? [...] Mas o que eu queria lhe dizer, Murilo, era que comigo você não tem que se comprometer. [...] Gostaria de receber as vezes notícias suas. Não tenha medo de mim, por favor.

Em 1963, numa reportagem de Anna Marina publicada no suplemento

Dominical do jornal Estado de Minas, Murilo Rubião fala sobre seus quatro anos de

Espanha e o que estava fazendo, pensando e descobrindo assim que voltou de lá. É

importante ressaltar que, novamente, Murilo Rubião faz questão de deixar claro o

seu apego pelo isolamento:

Na volta, dediquei-me a um sítio que comprei em Lavras, e que tem certa tradição literária, pois já pertenceu a João Dornas. Lá eu leio, escrevo, descanso ou faço jardinagem, sem nenhum compromisso de tempo ou tarefa. E lá passo quase toda a semana, pois o sistema de plantão da Imprensa me dá quase cinco dias de folga [...] Trouxe um carro, mas entre a condição e o isolamento, vendi o carro e comprei o stítio (sic) (RUBIÃO apud MARINA, 1963, p. 8).

Murilo Rubião, em entrevista concedida a Mirian Chrystus, publicada no

Suplemento Literário do Minas Gerais, em 1987, resgata sua memória de infância

revelando que sabia haver nele uma diferença, isto é, o escritor diz que, apesar de

ter sido uma criança sociável, cultivava a solidão. Murilo brincava, jogava futebol de

rua, mas sempre num determinado momento, afastava-se para um canto com um

livro na mão. E já com suas angústias, seus pensamentos (CHRYSTUS, 1987, p. 8).

Mais adiante, Mirian Chrystus pergunta-lhe se não era ruim sentir-se diferente

dos outros e como os outros reagiam? Murilo responde que ele não confessava para produtivos ele não falava da solidão explicitamente, somente através de seus personagens. Agora, ele deixa explícito nesta entrevista e em muitas outras que a solidão é algo necessário para ele.

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os outros que ele era diferente deles. Isso só ele sabia. Ele não revelava esta

diferença para os outros meninos.

A solidão, para ele, seria uma defesa contra os chatos, isto é, contra aqueles

perto dos quais não se pode ficar, conforme frisa. Por isso a solidão deveria ser

preservada a qualquer custo. Murilo não via mal algum em querer estar só. O

escritor vê a solidão como algo bom, como algo rico. A solidão para Murilo soa como

liberdade pessoal da qual ele pode usufruir quando desejar. Estar só é um exercício

cotidiano ante a relação dele com o outro. Outra característica forte do contista foi dita por ele próprio em seu auto-retrato, publicado no

Suplemento Literário do Minas Gerais. Neste, Murilo declara que herdou de seu pai, Eugênio Álvares

Rubião, a timidez e um certo ar cerimonioso (RUBIÃO apud PEREZ, 1987, p. 3), características que o

privavam da simpatia de numerosas pessoas. Algumas delas mulheres, o que é lamentável (Ibidem),

confessa o mineiro. Seu pai era um homem de boa cultura humanística, era filólogo e pertenceu à

Academia Mineira de Letras (Ibidem). Não deixando de fazer sua crítica, diz que seu pai escrevia com

rara elegância, apesar de gramático (Ibidem). Murilo Rubião reconhece assim que aquela

característica herdada do pai lhe trouxe aborrecimentos perante as pessoas.

Déa Januzzi, em seu artigo “O doce sabor do próprio convívio – cara-a-cara

com a solidão (2)”, dá continuidade a uma série do jornal Estado de Minas

discorrendo sobre a vida de pessoas que moram sozinhas na capital mineira. Dentre

cinco pessoas consultadas a respeito deste assunto, encontro a figura de Murilo

Rubião. O contista não se casou e não teve filhos. Neste artigo, Murilo fala o motivo

pelo qual jamais se casara, quer dizer, depois de alguns desenganos, certos

desencantos (JANUZZI, 1982, [s/p]) percebeu que não era possível se casar.

Contando um pouco da intimidade do escritor, Januzzi começa falando do

esconderijo de Murilo, isto é, da sua casa. Digo esconderijo, porque quando o

contista queria sossego, queria resguardar-se, principalmente para escrever seus

contos, ele se refugiava em sua casa.

Conforme Januzzi, Murilo usava dois apartamentos: no primeiro, localizado no

Edifício Malleta, número dois, ficavam seus livros, sua biblioteca. O segundo

apartamento também tinha toda a infra-estrutura, com telefone, móveis e tudo muito

bem arrumado; era neste que Murilo limpava as suas piteiras e escrevia quando

tinha vontade de escrever.

Houve um tempo em que Murilo tinha uma empregada que ficava o dia todo

em sua casa, conforme afirma Januzzi no artigo citado, porém ela não menciona

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qual das casas. Sendo assim, ele se sentia obrigado a voltar para a casa, porque

ela tinha preparado o almoço. Sentindo-se obrigado a voltar, não quis mais almoçar

em casa. Dessa forma, a empregada passou a fazer o café da manhã e arrumar a

casa e logo em seguida ir embora. Assim, Murilo saía para encontrar os amigos,

conversar, tomar uma cerveja e dividir o almoço.

José Maria Cançado, em seu texto “A luz furtiva de Murilo Rubião” diz que na

casa do contista, além dele só uma pessoa: a empregada (CANÇADO, 1987, p. 10).

Esta é, no entanto, mais discreta do que o próprio Murilo. Só aparece quando é

absolutamente necessária. Murilo Rubião diz que não saberia viver com uma pessoa

que ficasse impondo a sua presença e ainda faz uma comparação de Clarissa (sua

empregada) com a Françoise de Proust, dizendo que aquela é o contrário desta, que

é falante e bisbilhoteira.

A receita de Murilo para viver só é não evitar a solidão. Segundo Januzzi:

Murilo não sente solidão. Seus personagens é que sentem,

porque Murilo transfere a sua solidão para “Bárbara”, a que engordava e queria estrelas ou para o “Convidado”, que vai numa festa onde não conhece ninguém, onde ele não entende a linguagem dos outros e não sabe como ir embora. O “Convidado” é o conto da solidão forçada, não escolhida. O que não acontece na vida de Murilo (JANUZZI, 1982, [s/p]).

É interessante observar a contradição do texto de Januzzi, quer dizer,

primeiro ela afirma que Murilo Rubião não sente solidão. Logo em seguida, se

contradiz dizendo que a solidão de Murilo é transferida para os seus personagens.

Se a solidão é transferida é porque, antes, ele chega a senti-la.

Outro trecho curioso, desta reportagem, e que é incoerente com a primeira

afirmação, pode ser verificado abaixo:

Murilo não evita a solidão e está em paz consigo mesmo, mas

acha que “o cara que só gosta da solidão, é um egoísta, um neurótico”. Solidão afetiva? Não, hoje não. [...] Murilo [...] não se liga muito às pessoas e famílias (JANUZZI, 1982, [s/p]).

Murilo não evita a solidão, pelo contrário, ele busca a solidão, por isso está

em paz consigo mesmo. Entretanto, ele acha que aquele que só quer viver

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solitariamente é uma pessoa que só pensa em si mesma ou que, até mesmo,

apresenta problemas de ordem psíquica.

Ainda neste artigo, Januzzi ressalta que Murilo nunca achou que a vida fosse

um presente, mas “uma imposição” e não sabe “se a solidão escolhida é a melhor

opção”, mas reconhece que “o pior é casar porque todo mundo casa” (JANUZZI,

1982, [s/p]).

Segundo a repórter, quando Murilo não queria ficar só, tornava-se um notável

anfitrião. Fazia da sua casa uma festa, reunindo as pessoas pelas quais ele tinha

maior estima. Ele se sentia recompensado por não ter filhos, por não ser pai, ao

deparar com tantos problemas de pais com filhos, ou pela dedicação ou pela

omissão. (JANUZZI, 1982, [s/p]).

Para finalizar a reportagem, Murilo revela o seu lado bem humorado para

tratar deste sentimento de solidão que tanto faz parte de sua vida. Talvez, com

intenção de burlar este sentimento, Murilo diz que morar sozinho foi escolha dele

próprio. Assim ele declara:

Dentro da minha escolha de morar sozinho, de ficar só, eu

não quero me tornar um chato, por isso não tenho aquela imagem do solteirão ou da solteirona. [...] sei que não há receita para a solidão. Não é possível evitá-la. Se eu decidisse casar, eu me prepararia para o casamento, como me preparei para viver só, tranqüilo, em paz, mesmo com as minhas angústias, as minhas despressões (sic), porque não há imunidade para elas (RUBIÃO apud JANUZZI, 1982, [s/p]).

Com base nos depoimentos acima ressaltados, pude ver que muitos foram

os artigos e as entrevistas publicados sobre a vida de Murilo Rubião, principalmente

no que se refere à sua solidão, e todas estas publicações foram guardados em

recortes pelo escritor. Nestes artigos, a solidão, na maioria das vezes, foi o

argumento do contista para explicar a sua solterice. Ele, renunciando ao matrimônio,

se preparou para viver só, uma vez que precisava de tranqüilidade para fazer suas

leituras, se dedicar à literatura. Sua solidão foi recompensada, pois sem dividir a

casa com esposa e filhos, sentia-se mais livre e não tinha que se preocupar em

dividir suas preocupações. Não precisava se dedicar à família, apenas à literatura.

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O “estar só” penso ser característica muito forte não só em sua vida como

também em sua literatura. Seus personagens são obrigados a viver solitariamente.

Esta característica será discutida no capítulo três.

No momento, é necessário perceber um período específico da vida do

mineiro. Murilo Rubião passou quatro anos fora do Brasil. E esta fase foi, segundo

Murilo, sua constatação do que é ser estrangeiro, como pode-se verificar no trecho

abaixo, retirado de uma entrevista, publicada no livro Literatura Comentada,

organizada pelo professor Jorge Schwartz, em 1982:

LC - Murilo, você foi um dos poucos de sua geração que

permaneceu em Minas. Mas você passou quatro anos na Espanha, como adido cultural. Apesar de não ser um exilado, os personagens dos seus contos parecem exilados na própria terra. Você chegou a sofrer o problema do exílio?

MR - Sofri. Eu não sabia o que era ser estrangeiro. Aliás, eu era muito bem tratado. Mas para mim, sendo mineiro, era muito mais trágico. Quem esteve lá na Espanha não era apenas um brasileiro, mas um mineiro [...] Só escrevi “Teleco, o Coelhinho”. Eu estava no maior desânimo com a literatura. Quando fui para Espanha, estava pensando em não escrever mais. (RUBIÃO apud SCHWARTZ, 1982, p. 5).

Murilo Rubião, por ser mineiro, como ele mesmo afirma, teve uma

experiência mais trágica. Talvez seja porque, conforme diz Alceu Amoroso Lima, em

seu texto intitulado Psicologia do mineiro:

[...] o mineiro não muda facilmente de casa. Gosta loucamente

de seu povoado natal. Ama a paisagem em que nasceu e dificilmente a troca por outra [...] o mineiro é homem que em geral não sai de sua província. A não ser quando seduzido pela tentação da modernidade, que é forte e explica, em parte, esse grande êxodo mineiro para as cidades, e particularmente para as capitais (LIMA, 1993, p. 16).

O mineiro, ressalta Lima, não vai em busca de novas terras, pelo contrário,

ele se dedica cautelosamente ao seu próprio território. O mineiro não se adapta

facilmente ao progresso, a novos regimes, a novas instituições, a novidades de

qualquer espécie (Op. cit., p. 17). E Murilo, como bom mineiro, permanece, na maior

parte de sua vida, em território pátrio.

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Como já foi dito, Murilo sempre preferiu ficar em Minas. No seu canto, no alto

da Serra, Murilo cultivava a solidão. Ele, preferindo uma vida solitária, se conservava

à distância das pessoas quando queria. Entretanto, Murilo não vivia isolado das

pessoas da sociedade, pois sempre participou ativamente, por exemplo, de

atividades jurídicas, jornalísticas e literárias.

Sua preferência pelo isolamento não foi algo bom somente quando ele morou

fora do Brasil, pois ele chegou a sofrer como uma pessoa exilada7. Ele não sabia o

que era ser estrangeiro8. O termo “exilado” será abordado neste estudo conforme o

pensamento de Edward Said, que diz este termo trazer consigo um toque de solidão

e espiritualidade.

Porém, desde criança, Murilo sentia-se diferente, pois necessitava da solidão.

E esta foi cultivada pela vida toda conforme o próprio Murilo declarou em algumas

entrevistas.

Mas, sobre sua temporada fora do Brasil, Murilo não demonstrou satisfação

em sentir-se estranho, ou seja, não pareceu confortável em sentir-se diferente. Pelo

contrário, sofreu o exílio, no sentido figurado da palavra, ou seja, sofreu a solidão

fora do seu país. Portanto, a partir de seu depoimento, na entrevista supracitada,

fixam-se as dúvidas: O contista, neste período, não escolhera a solidão? Sentiu a

solidão forçada? Foi obrigado a ficar onde não queria ou pelo menos por um tempo

que não suportara? Sentiu-se preso? Sofreu, verdadeiramente, o problema do exílio,

conforme afirmou anos mais tarde?

7 Lembrando que a acepção do vocábulo “exílio”, neste trabalho, será abordado no sentido de “isolamento do convívio social”; “solidão”. 8 Quando Murilo Rubião diz que não sabia o que era “ser estrangeiro”, entendo que ele não sabia se sentir “estranho” e “solitário”.

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Capítulo 2: Murilo Rubião em Madrid

Em 1956 começa uma nova fase na vida de Murilo Rubião. Ele se muda para

Madrid e fica por lá quatro anos. Mesmo tendo muito que fazer naquela cidade, no

que se refere ao serviço prestado ao Escritório de Propaganda e Expansão

Comercial do Brasil em Madrid, e também tendo contato com o grande número de

brasileiros que apareciam por lá, como, por exemplo, o amigo João Cabral de Melo

Neto que, morando em Barcelona, na mesma época em que Murilo estava em

Madrid, ia aos finais de semana a esta cidade ou então recebia Murilo em sua casa9,

ele sentiu desconforto em terra estrangeira. Murilo se sentiu um estrangeiro.

Assim sendo, este capítulo tem como propósito perceber aquele momento,

buscando subsídios nas reflexões sobre o exílio em Edward Said, sobre o

sentimento de solidão no alemão Schopenhauer e no mexicano Otavio Paz.

Segundo Edward Said, em Reflexões sobre o exílio e outros ensaios, toda

pessoa que é impedida de voltar para casa é um exilado. Todavia, o autor distingue

exilados, refugiados, expatriados e emigrados:

9 Esta informação pode ser encontrada no Suplemento Dominical do Estado de Minas, Belo Horizonte, 3 de nov. 1963. p. 8.

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O exílio tem origem na velha prática do banimento. Uma vez

banido, o exilado leva uma vida anômala e infeliz, com o estigma de ser um forasteiro. Por outro lado, os refugiados são uma criação do Estado do século XX. A palavra “refugiado” tornou-se política: ela sugere grandes rebanhos de gente inocente e desnorteada que precisa de ajuda internacional urgente, ao passo que o termo “exilado”, creio eu, traz consigo um toque de solidão e espiritualidade.

Os expatriados moram voluntariamente em outro país, geralmente por motivos pessoais ou sociais. Hemingway e Fitzgerald não foram obrigados a viver na França. Eles podem sentir a mesma solidão e alienação do exilado, mas não sofrem com suas rígidas interdições. Os emigrados gozam de uma situação ambígua. Do ponto de vista técnico, trata-se de alguém que emigra para um outro país. Claro, há sempre uma possibilidade de escolha, quando se trata de emigrar. Funcionários coloniais, missionários, assessores técnicos, mercenários e conselheiros militares podem, em certo sentido, viver em exílio, mas não foram banidos. Os colonos brancos na África, em partes da Ásia e na Austrália podem ter sido inicialmente exilados, mas, em sua qualidade de pioneiros e construtores de uma nação, perderam o rótulo de “exilado” (SAID, 2003, p. 54).

Vale ressaltar que, assim como Hemingway e Fitzgerald não foram obrigados

a morar na França, Murilo Rubião não foi obrigado a morar na Espanha. E mesmo

não sofrendo proibições na prática de um ato ou atividade imposta por uma

autoridade, Murilo Rubião pode ter sentido a mesma solidão de um exilado. Ao sair

de sua concha, Murilo sentiu-se estrangeiro.

A vida de um exilado, como afirma Said, é consumida em equilibrar a perda

desconcertante, criando um novo mundo para administrar. Assim, para Said não é

surpresa nenhuma que muitos exilados sejam romancistas, jogadores de xadrez,

ativistas políticos e intelectuais, porque essas atividades exigem um investimento

mínimo em objetos e dão um grande valor à mobilidade e à perícia. O novo mundo

do exilado é logicamente artificial e sua irrealidade se parece com a ficção (Ibidem).

Para finalizar, Said fala do exílio não como escolha e sim como se fosse

proveniente do nosso nascimento ou ocorrido por acaso:

Portanto, não falo do exílio como um privilégio, mas como

uma alternativa às instituições de massa que dominam a vida moderna. No fim das contas, o exílio não é uma questão de escolha:

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nascemos com ele, ou ele nos acontece. Mas, desde que o exilado se recusa a ficar sentado à margem, afagando uma ferida, há coisas a aprender: ele deve cultivar uma subjetividade escrupulosa (não complacente ou intratável). (Op. cit., p. 57).

O exílio, imposto ou não, acarreta um sentimento de solidão que é por vezes

aumentado à medida que o exilado percebe-se distante de sua terra natal, longe das

pessoas com as quais deseja compartilhar todas as suas experiências. Para pensar

a questão da solidão recorri ao filósofo alemão Arthur Schopenhauer.

Ele foi um homem solitário. Além de não ter o amor de sua mãe, sentia a sua

aversão. Não tinha esposa e nem filhos. Não vivia em seu próprio país. Percorreu o

mundo, sem morada certa, vivia em pensões. Tinha como seu único companheiro

um cão. Schopenhauer experimentou definitivamente a solidão.

Para Schopenhauer, em seu livro Aforismos sobre filosofia de vida, onde ele

expõe de forma sucinta as principais características de seu pensamento, o homem

só pode ser ele mesmo se estiver sozinho e, para isso, ele tem que amar a solidão,

o que é o mesmo que amar a liberdade já que “Só se pode ser livre quando se é

sozinho” (SCHOPENHAUER, 1991, p. 91).

Para se viver em grupo é preciso que cada um se encarregue de seus

deveres e responsabilidades. Com isso, a individualidade fica prejudicada, de acordo

com o pensamento de Schopenhauer. Seu ponto de vista é que o indivíduo só

consegue se conhecer à medida que se isola:

É na solidão que se conhece a mediocridade ou a grandeza

do espírito, logo é só na solidão que cada um pode se conhecer a si mesmo. A que conclusão isto nos leva? A de que, quanto maior for a capacidade espiritual e interior do indivíduo, mais solitário ele será. Mas, isso é um benefício para ele, já que a solidão física se adequa a sua qualidade espiritual.

Ao contrário, se ele estiver num contexto tumultuado e conflitante com seu próprio Ser, estaria sendo roubado do convívio com seu “eu”, o que não lhe traria qualquer benefício ou compensação” (Ibidem).

Para Schopenhauer, levar uma vida social nos acarreta aborrecimentos. Para

ele, a sociabilidade é um perigo, uma vez que na maioria das vezes temos contato

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com pessoas de moral falsa e intelecto obtuso ou errado. Ao passo que ser uma

pessoa não-sociável é ter grandes qualidades. O homem não-sociável pode

dispensar estes contatos e sentir-se alegre por poder ser assim. Desse modo, o

homem terá desvelado a riqueza de sua existência. Quer dizer, ser feliz por estar só.

Isto é uma vantagem. O homem deve optar por uma vida calma, sem tumultos, para

não sofrer. Deve buscar a paz na solidão.

O filósofo afirma que a tendência para a não sociabilidade torna-se mais

intensa conforme a idade do homem vai aumentando:

Um bebê chora de medo e agonia no momento em que se

percebe sozinho; o menino vê a solidão como um castigo; o adolescente tem grande facilidade e necessidade de se agrupar, apenas uns poucos espíritos superiores já demonstram nessa fase da vida amor à solidão mas, mesmo para estes é difícil suportá-la um dia inteiro.

Para o adulto, ao contrário, essa é uma tarefa fácil e ele pode ficar cada vez mais sozinho à medida que vai ficando mais velho. O ancião representante de uma geração que já passou, tem, na solidão, seu elemento característico, pois a inclinação à abstração e à solidão aumenta numa relação direta com o seu valor intelectual (SCHOPENHAUER, 1991, p. 96).

Ele acredita que quanto mais alguém conviver consigo mesmo, menos

precisará do mundo exterior e das outras pessoas. O homem nobre prefere a solidão

a conviver socialmente. Por isso, Schopenhauer concluiu que a inclinação para o

isolamento e a solidão é um sentimento aristocrático. As pessoas que formam

grupos, ou melhor, bandos, como o filósofo alemão salienta, são pessoas comuns,

medíocres, vulgares etc., isto é, não são pessoas nobres.

De forma diferente da perspectiva filosófica adotada por Schopenhauer,

Octavio Paz também aborda o problema da solidão. O escritor mexicano, Octavio

Paz, em seu texto “A dialética da solidão”, do livro O labirinto da solidão e post-

scriptum afirma que a solidão, o sentir-se e saber-se só, desligado do mundo e

alheio a si mesmo, separado de si (PAZ, 1984, p. 175) não é característica que se

restringe apenas ao mexicano, pois todos os homens sentem-se sozinhos pelo

menos em alguma ocasião da vida.

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Paz declara que todos os homens estão sós. Nascer e morrer são práticas de

solidão. Nascemos e morremos sozinhos. Não escolhemos a solidão. Ela nos

acontece.

É importante frisar que, segundo Paz, o seu livro não é um ensaio a respeito

da filosofia do mexicano ou a busca de seu ser, também não é ontologia e nem

psicologia. Todavia, ele próprio reconhece que não conseguiu fugir totalmente das

armadilhas do humanismo abstrato quanto às ilusões de uma filosofia do mexicano

(Op. cit., p.196).

Ele salienta que o único ser capaz de se sentir só é o homem e este é o único

também que está sempre em busca do outro. De acordo com Paz, o homem é

nostalgia e busca de comunhão (Op. cit., p.175). Sendo assim, quando se sente a si

mesmo, sente-se como carência do outro, como solidão (Ibidem).

Paz vai desde o nascimento de uma criança até o crescimento da mesma

para exemplificar que quando nascemos há o rompimento dos laços de união ao

ventre materno. Assim, a sensação de separação, de ruptura, de desamparo é

transformada em sentimento de solidão, uma vez que nos sentimos sozinhos desde

o rompimento do cordão umbilical. A solidão é a condição de nossa vida, isto é, para

acontecer o nascimento é preciso quebrar o elo que nos unia ao ventre de nossa

mãe. Desse modo:

O sentimento da solidão, nostalgia de um corpo do qual

fomos arrancados, é nostalgia de espaço. Segundo uma concepção muito antiga e encontrada em quase todos os povos, este espaço não é senão o centro do mundo, o umbigo do universo. Às vezes, o paraíso se identifica com este lugar e ambos, com o local de origem, mítico ou real, do grupo. Entre os astecas, os mortos regressavam a Mictlán, lugar situado ao norte, de onde tinham emigrado. Quase todos os ritos de fundação, de cidades ou de modas aludem à busca deste centro sagrado do qual fomos expulsos (Op. cit., p.187).

Conscientemente, no decorrer da vida estamos condenados a viver sozinho,

mas também estamos condenados a ultrapassar nossa solidão e a refazer os laços

que, num passado paradisíaco, nos uniam à vida (Op. cit., p.176). Nossa tendência,

segundo Paz, é tentar suprimir a solidão.

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A respeito do período em que Murilo Rubião passou em Madrid, Renard

Perez salienta em seu texto “A trajetória de um escritor” que apesar de toda a

gentileza de que é cercado, do tratamento, o escritor demora a se adaptar à

Espanha. (Era a primeira vez que saía do País). Sua mineirice sofre a ausência de

seu ambiente, a distancia da terra, de seu Estado (PEREZ, 1987, p. 3). O próprio

autor afirma, em entrevista, que durante esses quatro anos, o lado positivo foi a

leitura. Li desbragadamente (RUBIÃO apud SCHWARTZ, 1982, p. 5). Se ele destaca

o “lado positivo”, sua fala traz o implícito do negativo.

Fazendo um levantamento dos documentos arquivados no acervo do escritor

Murilo Rubião, referentes ao período em que ele esteve em Madrid, verifiquei que as

correspondências podiam ser úteis no que se refere à minha intenção; ou seja,

baseada em seu depoimento, anos mais tarde, na entrevista organizada por Jorge

Schwartz em 1982, de que se sentiria exilado em Madrid, minha idéia é observar

qual a impressão que as pessoas que correspondiam com o escritor tinham a

respeito dele durante o período em que ficou distante de todos, ou melhor: qual era

a impressão que Murilo passava para aquelas pessoas: solidão? convivência e bons

relacionamentos? desânimo? coragem? medo? angústia? felicidade? saudade da

terra? etc.

É importante dizer que as correspondências a que tive acesso foram apenas

as que Murilo recebeu e não aquelas que o mineiro escreveu. Com isso será

possível apenas investigar as impressões dos correspondentes de Murilo no que

tange sua adaptação à solidão em Madrid. Ainda assim, é possível perceber

claramente a presença (da voz, da escrita) de Murilo nas correspondências de seus

amigos, uma vez que estes estão dialogando com aquele. A manifestação de quem

suplica, reclama, protesta etc. está implícita na correspondência passiva.

Consultei todas as correspondências que o próprio contista catalogou como

“Correspondências Madrid”. Nestas encontrei cartas e cartões postais. A maioria das

cartas trata de encomendas e votos para que ele já se sinta ambientado em Madrid.

Para minha surpresa, algumas cartas que Murilo recebeu, nos primeiros

meses que estava fora do Brasil, já anunciavam a sua plena adaptação. Pensando,

pois, que se a intenção do contista em suas primeiras cartas era afirmar que havia

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se adaptado em outro país tão rapidamente, acredito que Murilo Rubião o tenha

conseguido.

Wander Melo Miranda, em seu livro Corpos Escritos, cita Foucault, para quem

a carta, por ser destinada a outra pessoa, passa o missivista por um exercício

pessoal: a carta, pelo gesto mesmo da escrita, age sobre aquele que a envia, como

age, pela leitura e pela releitura, sobre aquele que a recebe (MIRANDA, 1992, p.

28). Para o autor, quando uma pessoa escreve, efetivamente ela está se mostrando,

isto é, deixa transparecer para o outro a sua própria face. A carta é ao mesmo

tempo, um olhar que se lança ao destinatário e uma maneira de se dar ao seu olhar

(ibidem).

Miranda, em concordância com Sêneca, acredita que é na relação epistolar

que o exame de consciência se formula como uma narrativa escrita do eu,

intencionada a fazer coincidir o olhar do outro e o olhar que se lança sobre si mesmo

(idem, p. 29).

Buscando, agora, conhecer um pouco do homem Murilo Rubião, no que tange

suas angústias no período em que esteve em Madrid, recorri, portanto, às cartas,

que citei anteriormente, organizadas pelo próprio escritor em três pastas com o título

de “Correspondências Madrid (1956 – 1960)”. Nelas percebi que alguns remetentes

deixavam marcas de suas impressões de total felicidade e alívio com a rápida

adaptação do escritor, aclimatado com a nova vida, no velho mundo 10.

Porém, quando tive acesso ao inventário do escritor, no qual constam todos

os documentos e objetos pessoais catalogados (num total de 9.600) verifiquei que

não estavam naquela pasta todas as correspondências recebidas pelo escritor no

período em que esteve em Madrid.

A maneira que Murilo Rubião separava suas cartas em diferentes pastas tinha

um critério puramente pessoal. A pedido da família do escritor, o acervo mantém a

organização feita pelo contista.

Sendo assim, encontrei pastas intituladas “Correspondências femininas

(amigas etc.) 1935 - 1960”, “Correspondência com Fernando Sabino (1943 a ...)”,

10 Este trecho foi extraído da carta de Ana Assunção Costa, escrita em Belo Horizonte, em 17. 07. 1956. Esta está localizada na pasta “Correspondências Madrid”. Vale ressaltar que, quando aparecer pela primeira vez o nome do (a) remetente da correspondência citada, marcarei em seguida onde esta está localizada no arquivo do escritor Murilo Rubião. É importante esclarecer que mantive a ortografia original de todas as cartas citadas.

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“Correspondências com escritores, suplemento e diversos (1937 – 1966)”,

“Correspondências com amigos e conhecidos (12.03.46 a 12.02.60)”, ”

Correspondências com Vanessa Neto (1959)”, “Correspondências com Mário de

Andrade, Marques Rebelo, Otto [Lara Resende], Jair [Rebelo Horta] e Paulo Mendes

Campos (1943 - 1959)” etc.

Como se pode ver, nessas pastas há correspondências datadas do período

em que Murilo Rubião esteve na Espanha, isto é, não apenas nas pastas sob o título

de “Correspondências Madrid” encontrei tais missivas. Dessa forma, procurei

investigá-las.

Nas pastas intituladas “correspondências”, encontrei um total de 515

documentos que datam de 1956 a 1960. Esses documentos constavam de 496

cartas, 14 telegramas, 4 cartões postais e 1 programa de um concerto.

É importante frisar que, para este estudo, escolhi trabalhar apenas com as

cartas, uma vez que há um grande número delas e também porque nas cartas há

maior desenvolvimento dos assuntos tratados.

Ao fazer a leitura de todas as cartas, antes de tudo percebi que Murilo

Rubião, durante todo o período que passou em Madrid, recebeu muitos elogios, no

que diz respeito ao seu empenho, sua gentileza para com os que o procuravam, sua

acolhida generosa e simpática etc. Com isso pude conhecer e apreciar o perfil de um

homem atencioso, que se comportava de maneira cavalheiresca e que era bastante

respeitado por seus méritos e qualidades.

Outra observação curiosa é a dos pedidos que lhe eram feitos: alguns de

seus amigos lhe pediam dinheiro emprestado, e muitas vezes não o reembolsavam

rapidamente; pediam-lhe empregos; vários amigos abusavam da paciência e boa

vontade fazendo-lhe encomendas: bebidas, livros, máquinas de costura, perfumes,

bonecas espanholas, lenços e até véu de noiva.

Notei também que os amigos de Murilo Rubião tinham pressa de receber

cartas desse mineiro. Reclamavam uns e outros, algumas vezes dizendo que

sabiam que Murilo não gostava de escrever cartas, mas que gostariam muito de

saber notícias dele. Outras vezes, diziam que as cartas de Murilo Rubião só tinham

um defeito: eram curtas demais, ou seja, quando escrevia, não se alongava muito,

deixando para traz muitas curiosidades que seus amigos tinham a seu respeito,

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enquanto o contista estava longe de Minas, tais como: trabalho, namoradas, contos

novos etc.

Em junho de 1956, a remetente Maria Luiza Andrade, que assina como

Dadá11, desabafa: A notícia chegou de repente, como uma bomba: ‘Murilo seguiu

hoje para a Espanha’ (Dadá – junho de 1956 – Pasta: “Correspondências

femininas”). Esta é a carta que indica mais ou menos o momento em que Murilo

Rubião saiu do Brasil.

E numa carta não datada, mas que se encontra entre 23.7.56 e 28.7.56 no

arquivo de Murilo, Romulo Paes salienta: Minas está chorando a sua partida mas

também sorrindo em ter nas sangrentas arenas da capital de Castilha um bravo

muchacho aqui das montanhas (Rômulo Paes – julho de 1956 – Pasta

“Correspondências Madrid”).

Minas Gerais estava sempre presente nas correspondências dos amigos de

Murilo, que faziam questão de não deixá-lo esquecer. A remetente Lucy, em

novembro, diz: Vejo você todo rodeado de Minas mas creia que a distância diminui

as montanhas (Lucy – novembro de 1956 – Pasta: Correspondências: “Escritores,

Suplemento e diversos”).

Murilo já declarou algumas vezes gostar da solidão e por isso a cultivava.

Entretanto, o problema da metamorfose, isto é, a pluralidade do sujeito Murilo, é por

vezes observada nas correspondências passivas, uma vez que quando morou

quatro anos na Espanha mostrava-se triste, desanimado, reclamava a solidão com

alguns amigos enquanto com outros se mostrava alegre e realizado.

Como é possível para Murilo Rubião, mineiro que não se desgarrava de sua

terra, de sua tão querida Belo Horizonte, já nos primeiros meses que passava em

Madrid mostrar-se feliz e bem adaptado neste lugar? De fato, nem todo sentimento

é passível de ser revelado, mesmo para aquelas pessoas que alimentam uma

amizade. Isso pode acontecer porque, às vezes, queremos poupar os amigos de

lamentações e aborrecimentos, se bem que em outros momentos precisamos

desabafar a todo custo.

11 No acervo de Murilo Rubião encontrei um arquivo de fotografias, intitulado “Vanessa Neto (1945-1972)”, localizado no arquivo 1, gaveta 1, pasta 7, no qual constam algumas fotografias da remetente Dadá. Nesta pasta encontrei o seu nome completo: Maria Luiza Andrade.

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2.1. Entre a alegria e a saudade

No primeiro ano em que Murilo se encontrava em Madrid, é interessante notar

que a carta enviada pelo contista ao Eduardo [Portela] despertou saudade neste,

pelo fato de Murilo estar falando de seus sentimentos. A saudade a que Murilo se

referia era provavelmente saudade do Brasil, e esta aflorou no amigo Eduardo

[Portela] a ponto deste transferir a saudade que Murilo nutria pelo Brasil para as

suas lembranças e dizer que sentiu outra saudade, saudades de Madrid.

Li a sua carta para o Sérvulo e, contagiado pela sua saudade, me apertou também uma outra saudade: a de Madrid. E como falando de Madrid, em cuja paisagem lhe imagino perfeitamente integrado, harmoniosamente, senti vontade de falar dessa saudade ao bom Rubião, e pedir-lhe notícias, notícias e mais notícias. (Eduardo [Portela] – 16.11.1956 – Pasta: Correspondências: “Escritores, Suplemento e diversos”).

Um outro ponto muito importante foi tocado por outro amigo de Murilo: a

ansiedade do mineiro em rever seus amigos. Esta carta, que está assinada por Cid

[Rebelo Horta], revela uma observação feita pelo mesmo a respeito dos serviços

prestados por Murilo ao Escritório Comercial. Cid, assim explica o motivo pelo qual

Murilo demonstra um espírito empreendedor neste Escritório:

O Dr. Julio Soares, de regresso da Europa, deu-me notícias suas. Falou-me da ânsia em que Você sempre está em rever os amigos. Compreendo assim o dinamismo que você vem emprestando ao Escritório Comercial: é uma forma de vencer o isolamento e de dar vasão ao seu imenso coração, capacidade de trabalho e imaginação.(Cid – 25.09.1956 – Pasta: Correspondências: “Escritores, Suplemento e diversos”).

Ainda em 1956, o remetente, de assinatura não identificada, acredita que,

apesar de a experiência que Murilo Rubião esteja passando seja boa, sabe que ele

deve estar sofrendo por causa da distância. O remetente reconhece que apesar da

suposta liberdade de Murilo, em sua vida nova, em um novo país, no fundo ele pode

estar sofrendo por causa de sua separação da terra natal.

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Ele pode se sentir livre, pois está em um país estranho onde ninguém o

conhece. Isso pode ser positivo, uma vez que não terá ninguém para importuná-lo

em suas leituras, por exemplo. E ele pode não se sentir livre, pois está num país que

não é o seu e ainda não pode voltar à sua terra quantas vezes quiser. Porém

somente uma experiência como esta pode torná-lo mais independente:

Como vai de vida você? V. deve estar experimentando uma

sensação de renascimento, de janela aberta de repente, embora no fundo possa estar sofrendo a distancia nostálgica. Isso é um fenômeno bem nosso, de mineiro. É a necessidade de encher os pulmões de ar iodificado que nos faz ir ao Rio, tomar banho de mar e depois achar tudo muito artificial, voltar para Minas ou ficar lá “pensando na roça”. Mas só uma aventura dessas pode nos libertar, ampliar ou quem sabe, curar. (Assinatura não identificada – 3.08.1956).

Vale ressaltar que o autor da carta se coloca no lugar do destinatário, para

explicar uma das características do mineiro, pois sendo mineiro, os dois sabem

muito bem como é sair de Minas, ficar um tempo longe e depois voltar ou ainda ficar

longe de Minas, mas pensando na roça. Ficar fisicamente em um lugar, mas

pensando em outro é viver a nostalgia.

A escritora e amiga de Murilo, Henriqueta Lisboa, em carta datada de 1956,

pede-lhe notícias sobre o escritório e sobre seu coração:

Murillão querido, vença a preguiça, pegue da pena e

escrevinhe uma dúzia de palavras contando como vai o escritório, você (interno e externamente), como vai este coração, o maior que eu já conheci na minha vida de solteira (e ainda não saí dela) (Henriqueta Lisboa – 25. [12]. 1956 – Pasta “Correspondências femininas”).

O coração de Murilo parecia angustiado, conforme uma correspondência de

1956 da amiga Vera. Nesta ela inicia com versos de Fernando Pessoa, do poema

intitulado “Hora absurda”: ‘Que o meu ouvir o teu silêncio não seja nuvens que

atristem. O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra...’. (Vera –

dezembro de 1956 – Pasta “Correspondências femininas”). Nestes versos já se

pode perceber que a amiga chama a atenção para o exílio de Murilo Rubião. Os

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vocábulos silêncio, anjo exilado, tédio e auréola negra descrevem a atual situação

do contista.

Seu sorriso é de um anjo exilado, isto é, é um sorriso sem graça, sem

vontade, como se acontecesse somente para cumprimentos de cortesia. Seu tédio é

visto do alto de sua cabeça por uma auréola, porém esta não é dourada, esta não

tem brilho, como uma pessoa fora de sua terra. Sua auréola é negra. Desse modo,

simboliza a sombra que o acompanha.

E de modo imperativo, Vera diz ao escritor:

Não reclame a sua distância. Eu gostaria agora de estar triste bem longe daqui [...]

Murilo, não quebre seus compromissos aí. Numa ausência assim, aprende-se a separar o importante do que se esquece logo, a ver as coisas de longe, com o que elas perdem muito da tragédia aparente que têm, ou da felicidade. Eu gostaria de analisar meus sentimentos e minhas situações assim: indo para longe pensar neles e provávelmente (sic) voltar livre.

Você me deixa perceber o que se passa em você; e com você? (Vera – dezembro de 1956).

Vera parece compreender que a distância coloca os sentimentos nas

proporções adequadas, e ainda o incita a aproveitar sua ausência para lançar um

olhar mais objetivo em suas questões pessoais.

Em uma outra carta, datada de 13. 2. 1957, esta mesma amiga se mostra

compreensiva quanto a angústia que Murilo provavelmente havia manifestado:

Compreendo a sua angústia em noites terríveis de tedio, porque também a sinto.

Gosto que escreva, porque o compreendo e desejo que v. sinta em mim uma

constante vontade de consolo e compreensão. Com as palavras desta remetente,

fica claro a lamentação de Murilo, no que diz respeito a sua sensação de

aborrecimento, de vazio, de solidão.

Em novembro de 1956, encontra-se também em outra carta, de outra

remetente, o assunto solidão. Na carta que se segue, Dadá, amiga de Murilo Rubião,

pede notícias, pois disse que os amigos estavam preocupados com a solidão deste:

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Quanto á sua operação, escreva dizendo o que foi e se já está completamente restabelecido, pois ficamos muito preocupados com isto e com a sua solidão. Dê notícias de tudo Murilo, quando você vem, o que está fazendo e como tem se sentido. (Dadá – 27.11.1956).

No mesmo mês da carta acima, mas quase três semanas antes, Sérvulo

chamava a atenção de seu amigo Murilo quanto às saudades reclamadas por ele.

Sérvulo tenta abrir os olhos do outro para as belas mulheres que existem naquele

país, como se fosse um remédio para curar as suas saudades do Brasil. Seria uma

maneira de se distrair, para não ficar pensando no que está tão longe dele. Assim o

amigo de Murilo inicia a correspondência:

Para que tanta saudades meu velho se as ‘morochas’ aí estão, cheias de encanto e ‘sonrisas’. Deixe a tristeza para quando você voltar e estivermos novamente reunidos no ‘Solar da Serra’, vendo a chuva cair, as azas negras da grauna, e saboreando os bons quitute da Julia. (Sérvulo – 9.11.1956 – Pasta: “Correspondências Madrid”).

Em 1957, localizei apenas uma carta que fazia referência à saudade de Murilo

Rubião. Nesta, o escritor estava passando férias no Brasil, depois de ter ficado um

ano no exterior: Contava ver-lhe antes de partir, mas V. continua – e faz muito bem –

matando as saudades da sua B.H. – 23.3.57. O remetente desta carta não foi

identificado, mas pela organização de Murilo esta se encontra na pasta

“Correspondências Madrid”.

É importante frisar que, conforme afirma José Maria Cançado, Murilo era

avesso a confidências. Talvez por isso, não expressava exatamente o que sentia. No

entanto, em algumas cartas pude perceber um Murilo mais confidente e deixando

sua fragilidade falar mais alto, uma vez que escreveu a uma amiga dizendo que

estava abandonado pelos amigos.

Numa carta escrita por Maria Helena [Toledo], (sem data, entretanto,

confiando na organização do contista, esta carta deve ter sido escrita entre o final de

1958 e o começo de 1959) esta se mostra feliz com a animação e alegria de Murilo

demonstradas por ele na carta que foi destinada a ela, mas também chama a

atenção para as queixas do mineiro:

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Você está inteiramente enganado, Murilo, ao pensar que está sendo abandonado pelos amigos. É injustiça, pois todo mundo pergunta, com carinho, por você e se interessa muito. Quando você voltar vai ver que estão todos aqui, como antes. É lógico que as pessoas mudam. Mas amizade verdadeira fica. Você sabe. (Maria Helena – 1958/1959 – Pasta: “Correspondências femininas”).

Com as palavras da amiga, fica claro que Murilo de certa forma mendiga

afeto, como todo bom mineiro. Ele se faz de vítima para ouvir o que deseja. No

entanto, é interessante ressaltar que a partir da carta citada acima pude notar que a

felicidade que Murilo nutria pela amada Madrid se alternava com o sentimento de

abandono, angústias, tédio e reclamações do escritor. Como se vê, a mágoa do

escritor aparece vez ou outra, instaurada no abandono e indiferença dos amigos

para com ele. Numa outra carta muito interessante, da mesma Maria Helena, provavelmente

foi escrita antes daquela, a remetente sente através da carta o sofrimento do amigo

e se preocupa com ele. Fazendo um diagnóstico, ela afirma a natureza da alteração

dos sentimentos de ambos, isto é, ela pensa que a razão de tal alteração seja

originada pelo fato de que tanto ela quanto ele são pessoas sensíveis. Maria Helena,

portanto, sublinha esse lado sensível do escritor e o compreende por também ser

assim:

Mas, chegou a minha vez de preocupar-me com você. Senti que você está bastante deprimido. Espero que tenha sido sómente naquele dia. O perigo é que nós, os sensíveis, estamos muito expostos ás [?] às mudanças rápidas, não é? Apenas achei que você não estava certo (na carta) quanto ao receio de se sentir desambientado quando voltar. (Maria Helena – 4. [?]. 1958).

Já o amigo Wilson alerta Murilo para o lado forte que precisam ter para não

deixar a angústia perturbá-los. Wilson, compreendendo a angústia sentida por

Murilo, uma vez que também já passara por experiência de se encontrar sozinho

num quarto de hotel, lembra ao amigo que eles são homens acostumados a esse

tipo de situação, porém é categórico ao exortar a lutar contra o sentimento:

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Melhor que ninguém, você pode compreender bem o que essa

angústia por nos darmos conta da solidão em terras estrangeiras, sabe, por isso, o que sinto agora quando me encontro só, no quarto do hotel. Ainda bem que somos homens afeitos a essas situações que não podem perdurar e nem transtornar nosso espírito. (Wilson – 5.12.1958 – Pasta: “Correspondências Madrid”).

Na carta de Herbert Brant Aleixo, em 1958, verifico outra passagem de Murilo

pelo Brasil durante a sua chefia no Escritório Comercial em Madrid, passagem que

causa inveja ao remetente: Acabo de receber o cartão que atenciosamente me

enviou de B. Horizonte [...] Suas notícias puderam, por outro lado, avivar a imensa

saudade que tenho de nossa terra, trazendo-me justificada inveja de sua felicidade

(Herbert Brant Aleixo – 05.05.1958 – Pasta: “Correspondências Madrid”). Belo

Horizonte é uma cidade muito querida por Murilo. E quando era possível retornar a

esta cidade, o contista se alegrava absurdamente a ponto de causar desejo ao

amigo de estar também nesta cidade.

Otto Lara Resende em dois momentos também toca no assunto sobre

saudade e/ou solidão. Numa carta de 1958, ele expõe duas notícias. Uma delas foi

fornecida por uns rapazes que estiveram em Madrid e a segunda, conforme Otto, por

outras fontes :

Passaram por aqui, outro dia, três rapazes, dois baianos e um pernambucano. Um se chama Simões. Estiveram aqui em casa e falamos a seu respeito. Um deles, ou dois, fez curso em Madrí. Me disse que você anda meio melancólico, recolhido. Suponho que seja a melancolia e o recolhimento de sempre, não por motivo especial. Por outras fontes, soube que você está muito feliz aí e nem pensa em voltar para o Brasil”. (Otto – 06.01.1958 – Pasta: “Correspondências com Mário de Andrade, Otto Lara Resende etc.).

As impressões dos rapazes a respeito da sua melancolia e do seu

recolhimento, não preocuparam o amigo Otto uma vez que ele, conhecendo bem

Murilo Rubião, supõe que a solidão, o individualismo e o isolamento deste não tinha

nenhum motivo especial, pois Murilo é assim. Ele gosta de cultivar estes

sentimentos.

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Apesar da contradição entre as notícias recebidas por Otto, é interessante

notar que esta incoerência está presente nos sentimentos de Murilo Rubião a todo o

momento. A discrepância encontrada também se deve não só ao momento em que

Murilo escreve as cartas, mas também para quem ele escreve. Dependendo de

quem seja, o contista não reclama saudade, solidão, e muito menos deixa-lhes

perceber sua nostalgia, pois nas cartas-respostas de muitas pessoas que se

correspondiam com Murilo não são mencionados estes sentimentos. Entretanto,

para alguns amigos, percebo que Murilo se mostra um pouco mais frágil.

Já no final de 1958, em outra carta de Otto, vejo que ele aceita o convite de

Murilo para exilar-se com ele em Madrid: Está claro que, para mim, seria

extraordinàriamente simpático e agradável ter Você como companheiro de exílio.

Você me atrai mais a Madrid do que o Museu do Prado (Otto - 01.12.58).

A segunda carta em que Otto fala de saudade ao amigo Murilo Rubião, é

datada de 30.7.1959. Nesta, Otto diz ter sido informado de que Murilo permaneceria

em Madrid e que isso já era garantido por lei no Congresso. Dessa forma,

conhecendo o amigo como Otto conhecia, ele sabia que Murilo sentiria muita

saudade de Belo Horizonte: Já soube que você vai ser confirmado, com lei no

Congresso e tudo, para aí [Madrid] ficar permanentemente. Se é verdade, você vai

sentir muita saudade da rua da Bahia e arredores [Belo Horizonte], mas você já deve

estar calejado em matéria de saudades. (Otto – 30.07.1959). A cidade de Belo

Horizonte é lembrada novamente. A paixão por Belo Horizonte é por vezes

confirmada pelo amigo.

Paulo [Rubião]12, já nos primeiros momentos em que Murilo se encontrava na

Espanha, no mês de junho, envia-lhe votos para que já tenha se ambientado nessa

terra cheia de História e de feitos heróicos. (Paulo – 21.06.1956 – Pasta:

“Correspondência Madrid”). E no mês seguinte, em outra carta confirma novamente

estes votos: Fazemos tôdos daqui de casa, votos para que V. já se tenha adaptado

à vida no exterior. (Paulo – 15.07.1956). O remetente chamado Falcão pergunta,

também no mês de junho, se ele está se adaptando bem em Madrid.

Encontro a resposta de Murilo, ainda que não muito direta, em uma

12 Nesta carta não há a assinatura completa do remetente Paulo, portanto pelo desenrolar da carta acredito que este Paulo seja o Paulo Eugênio Rubião, irmão do escritor.

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correspondência que seu amigo Sérvulo envia-lhe dizendo que ficou muito feliz ao

receber um cartão de Murilo. Ele diz: Seu cartão causou grande alegria. Pensava

até que as delícias de Madrid haviam feito Você esquecer o provinciano que tanto

lhe estima e venera. (Sérvulo – 17.07.1956).

Provavelmente, Murilo estava encantado com as novidades que o cercavam

no momento, uma vez que ele tinha acabado de chegar em Madrid. Uma cidade

estranha, em um país estranho, trabalhando com pessoas ainda estranhas, mas

ainda era tudo isso novidade.

O amigo João Pinheiro [Neto], em carta não datada mas que, pela forma

ordenada das cartas colocadas por Murilo, se encontra no ano de 1956, diz saber

notícias de Murilo Rubião através do Sérvulo de que tudo vai bem ai por essas

Espanhas adoraveis, e que o amigo já imprimiu às coisas da terra, o insuperavel

ritmo rubiánico (João Pinheiro [Neto] – 1956 – Pasta: “Correspondências Madrid”).

João Pinheiro acredita que o amigo já tenha se adaptado e por isso tudo anda bem.

A amiga Mônica confirma o sentimento que o contista apresenta na sua

chegada à Espanha: ficamos contentes ao saber q. você está encantado com

Madrid e habitantes. ótimo. (Mônica – 24.07.1956 – Pasta: “Correspondências

femininas”).

Em outra carta de seu amigo João Pinheiro Neto, este repete a expressão

usada anteriormente quando diz que o velho Rubião está com a vida [...] fidalga e

tranquila dentro do velho ritmo ‘rubiônico’. (João Pinheiro Neto – 03.09.1956). E

ainda, em outra carta, é perceptível esta mesma observação: Dr. Júlio, Alberto,

Martinha e Renato Gontijo me deram notícias da vida agradável que o sr. Leva.

Fiquei satisfeito. (Lomelino – 12.09.1956 – Pasta: “Correspondências Madrid”).

Murilo, além de ser bem tratado, exercia um bom cargo. Ele, por ser um funcionário

diplomático, tinha muitos privilégios e facilidades. Isso leva a crer que o escritor tinha

uma vida confortável, pois vivia como um aristocrata e longe de perturbações.

Paulo Meira Camacho Crespo deixa mais claro sua impressão pela carta

escrita por Murilo: Fiquei bastante contente ao saber, através de sua carta, que V. se

adaptou bem aí e está satisfeito com o cargo que exerce. (Paulo Meira Camacho

Crespo – 11.09.1956 – Pasta: “Correspondências Madrid”).

A adaptação de Murilo era fator fundamental para sua estada em Madrid.

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Adaptação num país diferente e adaptação no novo cargo que começara a exercer.

Até aqui Murilo não demonstrava abatimento ou arrependimento de estar em terra

estrangeira e desempenhando um outro trabalho. Ele se mostrava cumpridor de

suas obrigações e assim não reclamava.

Durante um tempo, as cartas revelavam a felicidade de Murilo Rubião em solo

estrangeiro. As pessoas que se correspondiam com ele deixavam registradas as

suas observações por meio dos vestígios, anteriormente, deixados por Murilo numa

correspondência.

Em uma das “correspondências femininas”, em 1957, observei que a

remetente também se alegrava com o entusiasmo de Murilo: Que coisa boa a sua

carta! Fiquei mesmo alegre em sentir como você está feliz aí. Uma beleza o seu

entusiasmo por sua amada Madrid [...] Fale sempre muito de Madrid, Murilo, que o

seu entusiasmo faz bem à gente. (Maria Helena – 4.05.1957), em outra carta, dois

meses depois, Sérvulo diz que mostrou uma de suas cartas á d. Sarah e ela ficou

contente com a sua alegria ibérica. (Sérvulo – 2.07.1957).

Até aqui, pude notar que Murilo, mesmo se sentindo angustiado longe de sua

terra, não deixava transparecer para essas pessoas, que ele próprio deixou

registrado como pessoas amigas, as suas angústias, a sua solidão. Assim, é

interessante notar que Murilo se divide ou se multiplica em pelo menos dois, aos

olhos de seus correspondentes: Murilo angustiado, entediado e solitário e/ou Murilo

bem adaptado, feliz e por isso não solitário. De sua solidão só ele sabia. Ele não

demonstrava a sua solidão para todos. Os outros deveriam acreditar que ele não era

ou não estava se sentindo solitário.

Murilo Rubião, em 1957, quando esteve em Lisboa, certamente falou com

Maria Helena sobre a possibilidade de ele morar nesta cidade, pois Maria Helena,

mesmo contente com as notícias da permanência de Murilo em Lisboa, sente pesar,

uma vez que o mineiro, segundo ela, estava apaixonado pela cidade de Madrid:

Fiquei contentíssima com a notícia da sua permanência aí. Lisboa deve ser muito

agradável, com o ambiente literário formidável, etc., mas seria uma pena você deixar

Madrid, estando tão ‘in love’ com ela. (Maria Helena – [s.d] entre julho a agosto de

1957).

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2.2. Saudades do Brasil e da família

No final de 1956, Murilo se esforçava para conseguir passagens para a sua

mãe e sua irmã para que elas pudessem passar uma temporada em Madrid. De

acordo com o desenrolar das correspondências passivas, considero que talvez não

seja apenas um gesto de dedicação da parte de Murilo para com as duas, uma vez

que elas demonstravam vontade de conhecer Madrid, mas também vontade dele

próprio usufruir da companhia delas.

Desse modo, de setembro de 1956 até janeiro de 1957 encontrei

correspondências que tinham como assunto a possível viagem de Dona Maria

Antonieta, assim chamada a mãe de Murilo, e de sua irmã Maria Eugênia.

Amigos como Lomelino e Sérvulo anunciavam a viagem das duas: Tenho

conversado muito com sua mãe. Hoje ela lhe escreve, dando notícias de seu

embarque em outubro, juntamente com Maria Eugênia. (Lomelino – 12.09.1956). Já

providenciei os passaportes que vão estar em poder delas [mãe e irmã de Murilo

Rubião] (Sérvulo – 28.09.1956).

Todavia elas não conseguiram viajar no mês seguinte. Segundo Sérvulo, Elas

haviam resolvido esperar o desafogo da Panair para seguirem. Lá pelo fim do mês

estarão aí em Nunes Belbôa, organizando a casa e dando á você a assistência que

você merece, meu caro. (Sérvulo – 12.10.1956).

Os amigos supunham que a presença da mãe e irmã de Murilo Rubião seria

muito boa para o contista, seja organizando a casa, seja fazendo-lhe companhia. De

qualquer forma, ele teria maior assistência com a presença delas.

Vários amigos se envolvem e se empenham em acertar o mais depressa

possível o dia da viagem da família de Murilo Rubião. Sempre davam notícias ao

contista sobre o desenrolar das passagens de sua mãe e de sua irmã: já estive com

o Paulo que seguiu hoje para o Rio a fim de resolver o problema das passagens de

D. Antonieta e Maria Eugenia. (Martha e Roberto – 5.11.1956 – Pasta:

“Correspondências Madrid”). E Sérvulo, novamente, esclarece:

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Paulo esteve novamente no Rio. Falei com ele sobre as passagens para sua mãe e Maria Eugênia. Acha ele que elas não devem seguir agora. Devem esperar que se esclareça a situação que não anda muito boa aí na Europa e no Oriente. (Sérvulo – 9.11.1956).

Outro remetente (de assinatura não identificada), em 24.11.56, diz que

conversou com o senador Vitorino Freire para ver se ele resolvia o problema das

passagens da mãe e da irmã de Murilo, mas nada foi feito. Este mesmo remetente

registra a sua alegria ao receber a notícia por D. Antonieta de que Murilo Rubião

passaria o Natal no Brasil. Dando a sua colaboração, diz ao contista que havia

telefonado naquele mesmo dia à Edilia pedindo que lembrasse à Dona Sarah

[esposa do Presidente Juscelino Kubitschek] a promessa de obter do Presidente

autorização para sua vinda. Parece-me que o Sérvulo está providenciando tal ordem

junto ao Gabinete Civil.

Sebastião Amaral, em carta localizada na pasta “Correspondências Madrid”,

datada de 30.11.1956, informa ao contista que D. Antonieta, provavelmente iria à

Madrid só no próximo ano, tendo em vista o inverno e a situação internacional.

Outra carta que confirma que tanto a mãe quanto a irmã de Murilo Rubião

ainda não haviam viajado para Madrid é escrita por Célio, em janeiro de 1957.

Nesta, ele aponta que D. Maria Antonieta e Maria Eugênia continuam com grande

vontade de viajar para a Europa (Célio – 23.01.1957 – Pasta: “Correspondências

Madrid”).

A carta de Paulo Meira C. Crespo, datada de 28.07.1957, ainda não deixa

claro se realmente a mãe e irmã de Murilo Rubião já estavam na Espanha. Nesta,

percebo apenas votos do amigo Paulo preocupado com o seu destinatário: Estamos

[Adelaide e Paulo], também desejando que a Maria Antonieta e a Maria Eugênia

façam companhia a você.

A primeira carta que demonstra a presença das duas em terra espanhola é de

Carlos Alberto, datada de outubro de 1957: E o teu pessoal como está? Lembranças

minhas a tua mãe e irmã (Carlos Alberto – 22.10.1957 – Pasta: “Correspondências

Madrid”). Ao perguntar por duas pessoas específicas da família, o amigo demonstra

que elas já estavam lá ao lado de Murilo, senão o remetente perguntaria,

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possivelmente, por todos da família. Ao enviar lembranças, reitera a presença delas

junto ao destinatário.

Célio, manifestando seu carinho e apreço, em 2.1.58, afirma ter certeza de

que Dona Maria Antonieta estava bem em Madrid, sentindo-se já como uma

autêntica espanhola. Gostaria, entretanto, de vê-la na feira e no comércio fazendo

compras ‘ y hablando perfectamente el idioma de Cervantes’.

Encontrei algumas outras cartas que registravam, principalmente, a

permanência da mãe de Murilo em solo estrangeiro, até 19.08.1958, isto é, quase

um ano, pelo menos, na Espanha. Durante este tempo todo, portanto, Murilo tinha a

companhia de sua mãe.

Ao mesmo tempo em que Murilo Rubião e amigos tentavam organizar a

viagem da mãe e irmã do contista para a cidade de Madrid, em 1956, ele já

demonstrava a sua vontade de passar o final do ano no Brasil. Isso leva a crer que

ele não ficaria satisfeito apenas com a companhia das duas, em Madrid pois, além

de esforçar-se para conseguir as passagens da mãe e da irmã, ele tentava alcançar

uma passagem para ele também, uma vez que não precisava só de companhia, mas

do chão brasileiro, ou melhor, do chão mineiro.

Lomelino, em 12.09.1956, pergunta ao mineiro se ele regressaria ao Brasil em

dezembro. E recorda que a primeira-dama dona Sarah havia informado a Edila que

era seu desejo passar o Natal no Brasil.

Murilo adoece em outubro de 1956 e um remetente, de assinatura não

identificada, já envia a notícia para a primeira-dama: Mandei que ele [senador

Vitorino Freire] contasse a Dª Sarah que você estava doente (8.10.1956). Em outra

carta, também de um remetente de assinatura não identificada, depois de duas

semanas, espera que a esta altura dos acontecimentos [Murilo Rubião] já esteja

perfeitamente em forma. (24.10.1956).

Na expectativa de encontrar Murilo no final do ano, Maria Helena interroga-

lhe: Alguém me disse que você teria dito que talvez viesse ao Brasil no fim do ano, é

verdade? Seria ótimo. (Maria Helena - 28.11.1956).

Os amigos do escritor esforçavam-se para satisfazer a vontade que Murilo

Rubião nutria de voltar ao Brasil. Paulo Crespo fala sobre o pagamento da

passagem do amigo:

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[...] apressei-me a ir falar com o Dr. Falcão, no Ministério, com o qual, aliás já tenho estado. Informou-me ele, quando o inquiri sobre a demora do pagamento de sua passagem, que a suplementação da verba já foi assinada e que dentro de uns quinze dias, aproximadamente, V. iria receber aí a importância a que tem direito. (Adelaide e Paulo – 26.11.1956).

A viagem de Murilo Rubião não se concretizou. No ano de 1956, Murilo passa

pela primeira vez o Natal fora do Brasil, conforme afirma seu amigo Sérvulo, em

carta datada de 20.12.56: Que você encontre alegria e as boas fadas o protejam

neste Natal de neve que pela primeira vez V. passa fora do Brasil; na mesma carta

confirma que Sete Camara já havia providenciado a vinda de Murilo que se daria

com uma convocação do Ministro do Trabalho. Murilo seria chamado a serviço à

cidade do Rio de Janeiro.

Pelas palavras do amigo Célio percebi a pressa e a participação de muitos

amigos de Murilo Rubião para trazê-lo ao Brasil antes da virada do ano novo, já que

não haviam conseguido trazê-lo para o Natal:

Já no Rio não me havia esquecido da sua incumbência. Encarreguei o Hélcio de procurar naquela mesma tarde o Sérvulo e dizer a ele que enviasse sua passagem o mais depressa possível ou, se possível, o dinheiro correspondente.

[...] Vamos ver se você conseguirá receber isto até dia 30, quando poderá embarcar para passar o Ano Novo no Brasil. (Célio - 28.12.1956).

A partir do ano seguinte, os amigos continuam tentando trazer Murilo pelo

menos para uma temporada ao Brasil. Em uma carta datada de 17.1.57, um

remetente de assinatura não identificada fala sobre a autorização do Presidente para

que Murilo possa ir ao Brasil, mas sem nenhuma esperança de que o caso tenha

sido resolvido:

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Tenho sido constantemente procurado pelo Sérvulo e pelo João Pinheiro, que querem saber notícias sobre a autorização para que você possa vir ao Brasil, chamado a serviço.

Desde que o dr. Júlio fez esse pedido e que o Presidente mandou atender, isto somente em fins de dezembro, tenho estado frequentemente em contacto com o Ministério do Trabalho que autorizou a sua vinda, sem contudo mencionar a circunstância ‘a serviço’ (Assinatura não identificada – 17.01.1957).

O amigo Célio, datando a carta na mesma semana da carta acima, isto é, em

23.01.1957 informa que Dr. Júlio havia-lhe dito que o Presidente Juscelino

Kubitschek havia feito de tudo para a vinda de Murilo Rubião ao Brasil, mas o

problema das verbas está de ‘lascar’, aponta Célio. Porém, nesta mesma carta,

Célio imprime a felicidade de Murilo em Madrid, por motivo de seu relacionamento

com uma senhorita chamada Pilar:

A maior ‘bomba’ entretanto, foi-me dada ontem pelo dr. Julio no Rio: contou-me ele que a d. Sara havia recebido carta sua, dizendo que estava noivo e que não queria mais vir ao Brasil. Estava muito feliz. Aliás, também o Sérvulo contou-me algo sobre isto, falando sobre uma senhorita Pilar. Muito bem, velho Rubião. Meus parabéns. (Célio – 23.01.1957).

Dona Sarah, esposa do então presidente Juscelino Kubitschek, faz uma

declaração por um lado brincalhona e, por outro lado importante, que merece

consideração no que diz respeito à vida de Murilo Rubião, conforme demonstra a

carta acima. Que existia alguma mulher na vida de Murilo neste momento não há

dúvidas, mas pensar que, por estar feliz com essa mulher, Murilo não queria vir mais

ao Brasil, acredito que a primeira-dama diz o contrário do que se quer dar a

entender.

Murilo Rubião, segundo a carta de seu amigo Paulo [Meira Camacho Crespo],

queria realmente vir ao Brasil. O problema que encontravam é que aparentemente

Murilo não tinha motivo com relação ao serviço para estar no Brasil. Portanto, para o

mineiro voltar ao seu país deveria se responsabilizar pelas suas próprias despesas.

Paulo, em 26.01.1957 destaca que:

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[...] há meses já tinha dado à sua secretária, o nome da Maria Antonieta e da Maria Eugênia, para que ele mandasse fornecer a requisição de passagens por via aérea para Madrid. Mas, disse-me, também o Dr. Falcão que recebera do Catete um pedido para V. vir aqui ao Brasil e que ele não se incomoda que V. venha, que ele autoriza a sua viagem se esta for feita à sua custa [...] ele não tem motivos para V. vir ao Brasil e que, assim, não pode chamar V. aqui ao Rio, agora, e portanto o ministério não pode fornecer a sua passagem.

Perguntou-me porque V. queria vir ao Brasil e eu disse-lhe que não sabia, mas, que talvez fosse para V. fazer a sua viagem de regresso à Espanha em companhia de sua mãe e de sua irmã. (Paulo [Meira Camacho Crespo] – 26.01.1957).

Ainda no final da carta, Paulo salienta que se Murilo disser-lhe o motivo pelo

qual ele deve alegar para que o amigo possa passar uns dias no Brasil, ele

telefonará ao Sette. E lembra ao Murilo que se for alegado o motivo de saúde, este

poderá telefonar ao Dr. Falcão, solicitando a sua vinda.

Murilo Rubião se via subordinado ao problema de verbas, sempre esperando

a solicitação de uma ordem. Ele, se quisesse estar no Brasil, deveria arcar com

todos os custos. Um remetente, de assinatura não identificada, escreve na mesma

data da carta acima, sobre o pagamento não só da passagem de Murilo Rubião

como também de Maria Antonieta e Maria Eugênia:

Com referencia ao desejo de vir ao Brasil, já lhe mandei um telegrama ha varios dias, autorizando a viagem que, neste caso, seria sem onus para o Governo [...] já encaminhei ofício á Direção do Orçamento, autorizando o pagamento de sua passagem relativa á viagem para assumir o seu pôsto e mais, agora, para sua mãe e irmã. (Assinatura não identificada - 26.01.1957).

Célio e Sérvulo deixam claro a pendência da viagem de Murilo Rubião nestas

cartas: Expliquei-lhe [ao Jorge Ibrahim] que a sua viagem estava ainda pendente.

(Célio – 28.01.57). Quanto á sua vinda agora depende ainda de um outro despacho

de JK (Sérvulo – 05.02.1957).

Pelas palavras de Henriqueta Lisboa, em 5.02.195[7], Murilo já estava no

Brasil. Ela exclama: Imagino a alegria de sua mãe e de Maria Helena com a sua

visita! Sendo assim, é importante observar que Murilo não esperou mais um

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despacho de JK. Conforme Sérvulo havia dito se ainda dependia de outro despacho

para a vinda de Murilo Rubião, ele provavelmente voltou ao Brasil arcando com suas

despesas.

Vários amigos já faziam referência da estada de Murilo no Brasil em 1957:

Chegando aqui tive a ótima notícia de que você deve vir breve ao Rio. Quando?

(Maria Helena – [s.d.]); Fiquei satisfeita de ver que V. virá aqui em Abril (Vera-

10.02.1957). Desejando-lhe uma ótima estada no nosso querido Brasil, abraço

muito afetuosamente o eminente amigo. (Aires Moraes de Azevedo –13.02.1957 –

Pasta: “Correspondências Madrid”).

Pilar, em carta datada de 24.02.1957, aponta a informação de que Murilo teve

necessidade de voltar ao Brasil e que ficaria por lá dois meses: Mi estimado amigo:

he sabido por Felix Athayde que tuvo usted necessidad de marcharse a Brasil y que

no volverá hasta el mês de abril. O vocábulo necessidade demonstra toda a pressa

de Murilo sobre aquilo que não poderia mais evitar, isto é, seu regresso ao Brasil.

Em 1958, os amigos também se alegram com as notícias de que Murilo

regressaria novamente ao Brasil: Foi realmente, muito agradável a boa notícia de

sua vinda ao Brasil, no mês de abril (Walter – 14.01.1958 – Pasta:

“Correspondências Madrid”); Soube que você deverá estar aqui dia 24 e muito me

alegrei (Sérvulo –14.03.1958); Já deves, creio, estar de malas prontas. Desde logo,

apronta o corpo para calor e chuvas [RJ] (Sérgio –1.04.1958).

Numa nota do jornal “Última Hora”, do Rio de Janeiro, em 24.04.1958, diz o

seguinte: Está no Rio o senhor Murilo Rubião, que é o chefe de Escritório Comercial

do Brasil em Madrid. Veio o escritor Rubião para o lançamento de seu novo livro,

“Os Dragões”, que será editado pelo senhor Simeão (Ministério da Educação) Leal.

Pacheco, em 13.05.1958, tranqüiliza o chefe Murilo Rubião sobre o

andamento do trabalho no Escritório enquanto este está no Brasil:

E quanto ao seu regresso [Madrid] fique tranqüilo. Não se afobe, que as coisas, mercê de Deus, estão caminhando dentro do ritmo normal. Você é um chefe que merece tudo de seus auxiliares, e por conseguinte não há sabotagem nem problemas insolúveis. Aproveite, mate as saudades, e descanse!

“Tou” é com inveja do feijão preto, da farofa, do torrêsmo, da couve à mineira, que você deve estar papando nessa encantadora metrópole.

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2.3. Cobrança literária

Muitos amigos do contista, sentindo o seu desânimo para com a elaboração

de novos contos e/ou até mesmo com a reescrita, cobram-lhe produção literária. A

cobrança dos amigos a respeito do próximo livro perpassa por todos os quatro anos

em que Murilo esteve em Madrid: [...] logo que possa, escreva, para enriquecer a

nossa literatura com seu estilo pessoal e inimitável (Paulo – 15.07.1956). Estimo que

você esteja trabalhando nalgum livro novo e nos traga uma surprêsa... (Calazans –

27.11.1956 – Pasta: “Correspondências Madrid”).

João Cabral de Melo Neto, em 16.01.1957, pergunta-lhe: Por que V. não

propõe ao Sabino uma edição de seus contos completos? É mais do que hora de

fazê-la. Se V. não quiser tomar a iniciativa, escreva-me que escreverei aos três,

como idéia minha (João Cabral – 16.01.1957 – Pasta: “Correspondência: Escritores,

Suplemento e diversos). E neste mesmo mês, em 23.01.1957, Célio dá a notícia: O

seu livro já está no prelo e eu ouví o Celso, que está no lugar do Simeão Leal,

mandando paralisar outros serviços para vêr se vem à luz – mais rapidamente –

estes dragões (Célio – 23.01.1957).

Mais tarde, Célio alerta Murilo para que ele não perca o contato no meio

jornalístico. Ele acredita que para Murilo não ficar muito afastado das pessoas que lá

estão, deve escrever de vez em quando para o jornal. E ao final, pergunta-lhe sobre

o novo livro que ainda não saiu: Os Dragões. A preocupação de Célio é pertinente,

pois Murilo Rubião tinha parado de publicar e quiçá de produzir:

Murilo, creio que você deveria escrever, de vez em quando, alguma cousa para os jornais daquí [Belo Horizonte], a fim de não perder o contacto em Belo Horizonte. A sua ausência é muito longa e o contacto pela imprensa tem o objetivo de não afasta-lo da nossa gente. Quando voltar, não estará muito longe de nós. Como vai o novo livro? ‘Os Dragões’ não apareceram até hoje. O que houve? (Célio – 30.05.1957).

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Dois meses depois do pedido feito por Célio, Sérvulo escreve a Murilo

dizendo que Marcelo Tavares [...] Manda pedir [...] umas colaborações. Contos

inéditos e algumas fotos e curiosidades da espanha. (Sérvulo – 11.07.1957).

Novamente, em novembro de 1957, Célio comunica-lhe o andamento da

próxima publicação:

[...] tenho uma bôa notícia para você: estive ontem na Livraria Itatiaia, a fim de comunicar ao Edson Moreira que estive com o prof. J. Carlos Lisboa, ao qual pedí para conversar com o José Renato Santos Pereira do Instituto Nacional do livro, para que comprasse 500 volumes da 2ª edição do EX-MÁGICO. Disse-me o Edson que o José Renato topou a parada, tendo mesmo falado com êle sobre o assunto. Posso garantir-lhe que sairá, em breve, a segunda edição, possivelmente até o fim do ano. Será o próximo lançamento da Itatiaia. Quanto ao livro do Rio nada pude fazer ainda. Sei que OS DRAGÕES deveria estar lançado antes de sua vinda e até hoje nada. Peço instruções suas para provocar um pronunciamento do Celso Cunha, do José Renato ou de qualquer outra pessoa (Célio – 11.11.1957).

Em novembro ainda o livro não havia saído. Sendo assim, Célio, em uma

carta de novembro de 1957, afirma que o Edson Moreira declarou-me que o “Ex-

Mágico” estava em marcha, mas não houve notícia ainda. Preciso de material para

fazer alguma propaganda para os jornais, inclusive foto sua (Célio – 25.11.1957).

Em 1957 o livro não foi publicado e seu amigo Célio declara em uma carta

sem data, mas que possivelmente fora escrita entre 1.02.1958 a 6.02.1958, que

Edson Moreira espera publicar a 2ª edição do livro “O Ex-Mágico” até meados deste

ano. Informa ainda que, na edição de um livro lançado naquela data já constava a

propaganda do livro de Murilo e acrescenta que soube que o Celso Cunha está lhe

preparando uma surpresa com relação à edição do livro Os Dragões.

Em 1958, um amigo, parecendo cansado de tanto esperar pelos inéditos de

Murilo e nenhuma resposta obter, chega a exigir um livro; ele diz ao contista da

obrigação que ele tem de escrever por ser um escritor. Sérgio compara a falta que

sente de uma produção de Murilo com uma terra seca:

Tens de escrever. És escritor. Tens de escrever muito. És um escritor. Deves-me um livro, muitos livros, tôdas as tuas possibilidades até o último dos teus limites. Deves-me uma síntese

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que sempre começa. E eu te exijo como uma grande terra sêca, sempre sêca, apesar das tempestades. E eu bato palmas para ti e as raízes batem palmas para mim enquanto termina o primeiro ato duma peça repetida num palco sem bastidores. (Sérgio – 02.01.1958 – Pasta: “Correspondências Madrid”).

Outro amigo pede para que o contista aproveite suas horas de lazer para

escrever: Porque você não aproveita suas horas de lazer e envia alguma

colaboração para o nosso ‘Diário de Minas’. Seria um prêmio para os nossos leitores

e um prazer para todos os seus amigos da cidade. (Milton – 15.10.1958 – Pasta:

“Correspondências Madrid”).

Otto Lara Resende é imperativo com Murilo em uma carta: Mande-me seus

contos, trocaremos chumbo. (Otto – 14.07.1957). João Cabral de Melo Neto,

também de forma imperativa diz: Mande novos contos. Ando precisando de

fabuloso. (João Cabral – 18.10.1957). É curiosa a maneira com que João Cabral lhe

exige novos contos. Ele diz precisar do “fabuloso”. Sente falta da literatura tão

singular do amigo.

Pacheco, José Carlos e Otto Lara Resende querem saber se o amigo está

publicando alguma coisa. Como uma forma de animar ou até mesmo desanimar o

amigo, eles dizem estar em total atividade literária. Pacheco salienta: Recebi carta

do meu editor prometendo o livro para dentro em breve. E o seu? (Pacheco –

13.05.1958 – Pasta: “Correspondência Madrid”) José Carlos pede-lhe novidades

Mande novidades sôbre o que escreve você aí. (José Carlos – 13.10.1958– Pasta:

“Correspondência Madrid”). E ao final do ano de 1958, Otto interroga-lhe: Como vai

de literatura? Não escreveu outros contos? Eu estou em plena atividade. (Otto –

18.12.1958).

Otto que, esbanjava sua facilidade para produzir, cobrava do amigo Murilo

Rubião novos contos. Como o contista respondeu-lhe que escrevia pouco, Otto

sentiu o desalento de Murilo e como modo de encorajá-lo faz-lhe elogios, na carta

que se segue: Quanto a escrever pouco, não importa. Ninguém se realiza pelo

número de livros ou de páginas. Eu invejo os sóbrios, como você. O que importa é

dar o recado, o mais breve possível, com o menor número de palavras. (Otto – 29.

01.1959).

Em 1959, ainda o livro não havia saído. Felix questiona-lhe para saber

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quando sairá: Você que tem feito? Quando sai seu livro? Tem escrito? (Felix –

13.02.1959 – Pasta: “Correspondência Madrid”).

Assim, passados três anos de sua residência em Madrid, Fernando Sabino

lhe escreve pedindo notícias sobre o seu próximo livro e se coloca a disposição dele

para servir de mediador junto à editora:

Todos os amigos aqui me perguntam sobre você e pedem notícias de seu próximo livro. Creio que convem você botar as manguinhas de fora e apressar a publicação. Por que não entra daí mesmo em combinação com a Itatiaia, que publicou agora o livro do Castelo com grande sucesso (ele já deve ter mandado a você, conforme me disse). Se quiser, posso servir de intermediário – e francamente acredito que valeria a pena. Como você pretende voltar no princípio do ano que vem com sua imensa bagagem de canivetes e encomendas de Papai Noel, convem que já vá mandando de uma vez parte da bagagem literária para ter livro pronto quando chegar. Interrompa um instante esse labor cotidiano de jogar paciência e de ficar sonhando com as empadinhas do Trianon e meta os peitos na literatura, que é o que você pode fazer de melhor (Fernando Sabino – 14.09.1959 – Pasta: “Correspondência Fernando Sabino”).

Sabendo que Trianon é um dos bares de Belo Horizonte, localizado na rua

Bahia e freqüentado por Murilo antes dele ir morar em Madrid – sobre o qual Sabino

faz menção às empadinhas sonhadas por Murilo, usando estas empadas como

metáfora de saudade que Murilo devia estar sentindo, acredito que este desejo

veemente é produzido pelo exilado por causa da saudade da sua terra.

Humberto Werneck, em seu livro O desatino da rapaziada, descreve este

exato momento nas palavras de Fernando Sabino, quando numa conversa em

Madrid, em 1958, com o contista Murilo Rubião se lembra de que este, vivendo

então longe de seu país, evocou, com emoção mais do que gastronômica, as

famosas empadinhas do Trianon - “seus olhos”, conta Sabino, “brilhavam como à

lembrança de uma namorada que ele também houvesse saboreado naquele tempo”

(WERNECK, 1992, p. 36).

É importante ressaltar que, apesar do incentivo e cobrança dos amigos para a

publicação do próximo livro de Murilo Rubião, durante o período em que ele esteve

morando em Madrid, o livro Os Dragões não foi publicado. Este só veio a ser

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publicado cinco anos depois que Murilo já estava de volta ao Brasil, isto é, só em

1965.

2.4. De volta ao Brasil

Em fevereiro de 1959 iniciam-se as especulações a respeito da viagem

definitiva de Murilo Rubião para o Brasil. Uma amiga diz que ficou satisfeita em

saber que ele estará no Brasil em maio: Fiquei satisfeita de saber que estará

conosco em Maio. É definitivo? Ou somente de férias? (Ninice – 2.02.1959 – Pasta:

“Correspondências femininas”), Outro diz que ele estranhará [algo] muito quando

voltar, mas não explica o quê. Talvez a cidade, a temperatura do tempo etc., outro

pergunta o porquê da viagem tão repentina ao Brasil e questiona a possibilidade de

fechamento dos Escritórios.

Neste mesmo mês, o amigo Lessa diz que aguarda o contista em Belo

Horizonte, no mês de junho: [...] aguardando o prazer de revê-lo em junho, nesta

Belo Horizonte sempre pacata [...] (Lessa – 13.02.1959 – “Correspondências

Madrid”). Mais tarde, em uma carta cujo remetente não foi possível identificar,

observo que Lessa é informado de que Murilo chegaria ao Brasil em março, assim

diz a carta: Soube, pelo Lessa, de sua vinda fins deste Mês, notícia que muito me

alegrou (Assinatura não identificada – 13.02.1959). Outro amigo brinca: Então estás

com um pé ai e outro cá. (Sérgio –17.02.1959).

E enquanto um diz que espera Murilo para meados de março, outros dizem

estar satisfeitos com a notícia da chegada de Murilo para fins de março: Ficamos

satisfeitos em saber que virá mais cêdo, isto é, em fins de março. (Assinatura não

identificada – 26.02. [1959]); Estamos aguardando com ansiedade a sua chegada, a

12 de março. Espero que você possa parar um pouco no Rio (apesar do calor que

está fazendo) (Assinatura não identificada – 26.02. [1959]).

Uma carta registra que, em junho, Murilo já estava de volta a Madrid: Estimo

que tenha encontrado sua Madrid com os mesmos e magníficos encantos. [...]

Notícias dos amigos, são boas [...] e outros, como eu, saudosos de sua presença,

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esperançosa de uma volta definitiva. (Assinatura não identificada – 22.06.1959) Em

julho, uma outra carta já anuncia que o contista já pensava em seu regresso

definitivo: Chegou sua carta de 21 e com ela, as boas notícias de que o

prezadíssimo chefe e amigo já pensa no regresso definitivo. Graças a Deus que o

panorama belorizontino vai ser melhorado e enfeitado com sua presença.

(Assinatura não identificada – 22.06.1959).

Notícias dadas por Murilo ou passadas e repassadas de amigo em amigo, às

vezes, poderiam chegar incorretas, mas também acredito que algumas vezes

poderia ser planejada uma viagem e esta não acontecer no dia, ou até mês

planejado e anunciado com tamanha antecedência aos amigos.

Outro exemplo disso é o que observei quando o amigo Amaral lhe escreve,

em setembro de 1959 dizendo que a notícia do regresso de Murilo, em janeiro é

ótima, só assim poderemos matar a saudade (Amaral – 29.09.1959). E a amiga

Maria Helena, em janeiro de 1960, diz que não havia lhe escrito antes porque tinha

esperança de tê-lo aqui entre nós no Natal, [...] pois várias pessoas me disseram q.

você viria p. o fim do ano. [...] Que você volte para o Brasil e que tudo corra como

você deseja (Maria Helena – 04.01.1960).

Murilo Rubião esteve novamente no Brasil em 1959. No dia 2.03.1959, o

poeta João Cabral de Melo Neto avisa ao amigo que não poderia levá-lo ao

aeroporto e manifestava seus votos de boa viagem e boa permanência no Rio e em

Belo Horizonte. Outras cartas que evidenciam a estada de Murilo Rubião no Brasil

podem ser vistas numa de assinatura não identificada, mas que pelo contexto foi

escrita, em 25.3.59, por algum colega do Escritório Comercial, em Madrid e outra

escrita pelo escritor Murilo Mendes.

Assim diz a primeira carta: Lamentamos que o seu justo descanço (sic) seja

alterado pela presente. Aqui estamos [Madrid], eu e os colegas, saudosos de sua

presença (Assinatura não identificada – 25.03.1959). No mês seguinte, abril de

1959, Murilo Mendes escreve-lhe: Soube também que v. havia partido para o Brasil,

e que ficaria tempos no Rio, tempo em Minas (Murilo Mendes – 22.04.1959 – Pasta:

“Correspondência: Escritores, Suplemento e diversos”)

Verifico, portanto, que Murilo, apesar das dificuldades que encontrava para

voltar ao Brasil, quando podia voltava e matava as saudades da terra. Acredito,

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entretanto, que ele sentia não haver mais a liberdade de ir e vir quando desejasse, o

que lhe causava certa angústia. Ele gostava de Madrid e deixava isso bem claro

para seus amigos, mas também sentia falta do seu chão mineiro.

O mineiro, relembrando os anos passados fora do Brasil, em entrevista, de

1982, desabafa dizendo que sofreu, apesar de ter sido bem recebido, bem tratado.

Ele nunca tinha estado antes na posição de um estrangeiro. E para ele a

característica da mineiridade foi a mais abalada.

Kristeva, em seu texto “Tocata e fuga para o estrangeiro”, do livro

Estrangeiros para nós mesmos, toma como hipótese a destruição do individualismo

moderno, isto é, talvez seja a partir do instante em que o cidadão-indivíduo percebe

suas contradições e suas estranhezas que este se volta a pensar, não em acolher o

estrangeiro num sistema que o invalida, mas a viver junto com esses estrangeiros

que todos nós reconhecemos ser.

Dessa forma, ela acredita que para a estranheza tornar-se mais leve não se

deveria fixá-la ou coisificá-la e, ainda, para se fugir da antipatia e do sofrimento

deveria conciliar as diferenças que ela fixa e multiplica.

Outra questão importante marcada no texto de Kristeva é o fato de existirem

ou não estrangeiros felizes. Segundo ela, a princípio a diferença do rosto (olhos,

lábios, faces, pele etc.) o destaca e o faz presente. Esta diferença pode ao mesmo

tempo nos atrair e repelir, pode-se amá-lo ou odiá-lo, por isso a expressão do

estrangeiro assinala que ele está “a mais” (KRISTEVA, 1994, p.11). No entanto,

estrangeiro nutre a felicidade do desenraizamento, a felicidade de não pertencer a

determinado país e poder usufruir da liberdade de viver sem residência fixa.

Entretanto, essa felicidade é por vezes, diminuída, enfraquecida, ou melhor,

como a autora diz, é uma felicidade cabisbaixa, de uma discrição medrosa, apesar

de sua intrusão penetrante, pois o estrangeiro continua a se sentir ameaçado pelo

território de outrora, tragado pela lembrança de uma felicidade ou de um desastre –

sempre excessivos (Op. cit., p. 12).

Sendo assim, voltando à questão de ser possível ser estrangeiro e ser feliz,

Kristeva observa o limite frágil existente entre fuga e origem. Para ela, essa

felicidade estranha do estrangeiro é a de sustentar essa eternidade em fuga ou esse

transitório perpétuo (Ibidem).

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A memória do estrangeiro poderia remontar a mágoa que ele próprio

desconhece de que foi ele quem escolheu partir, no entanto, o desafio não o deixa

lamentar-se. Ele: [...] sente uma certa admiração para com os que o acolheram, pois em geral acredita serem eles superiores, seja material, política ou socialmente. Ao mesmo tempo não deixa de julgá-los um pouco limitados, cegos. Pois os seus anfitriões desdenhosos não possuem a distância que ele possui, para se ver e para vê-los. O estrangeiro fortifica-se com esse intervalo que o separa dos outros e de si mesmo (Op. cit., p. 14).

No entanto, Kristeva afirma que o estrangeiro habita em nós: ele é a face

oculta da nossa identidade, o espaço que arruína a nossa morada, o tempo em que

se afundam o entendimento e a simpatia (Op. cit., p. 9). Sendo assim, conforme a

autora, ao nos conscientizarmos de nossa diferença, o estrangeiro começa em nós e

termina ao nos reconhecermos todos estrangeiros.

Com a separação de Murilo de seu país, ele, ao querer voltar, sente uma

profunda melancolia. E isso agrava, ainda mais, o seu sofrimento. Desse modo, ele

deixa o que ele pode fazer de melhor, que é a literatura, para segundo plano.

João Cabral de Melo Neto, lucidamente verificando que a separação do

mineiro de sua Belo Horizonte foi um golpe fatal para a sua produção literária,

ressalta a esperança que tem de que esta cidade tenha lhe devolvido o gosto de

escrever e, sobretudo, de publicar13. Observando, pois, a condição em que Murilo se

encontrava, isto é, de sentimento de exílio, em Madrid, João Cabral espera, agora,

em 1960, que o chão mineiro possa ter devolvido a ele a vontade de escrever, pois

naquela cidade, quando esteve de certa forma exilado, solitário, infeliz, o mineiro

não publicou nenhum conto.

A solidão toma conta não só da vida do contista como também de seus

personagens. A literatura de Murilo Rubião está impregnada do sentimento de

solidão. Isso é um fator preponderante em seus contos.

Com o propósito de expor melhor a obra do contista, abordarei, portanto, no

próximo capítulo, alguns estudos sobre a literatura fantástica, na qual a obra de

13 Esta informação foi retirada de uma carta, sem data, escrita por João Cabral de Melo Neto a Murilo Rubião. É encontrada no Acervo do contista no arquivo 1, gaveta 2, pasta 38. Pelo o que está exposto na correspondência, esta foi escrita logo depois que o mineiro voltou da Espanha para o Brasil, em 1960.

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Murilo se insere, não apenas para conhecer um pouco mais sobre a obra dele como

também para fazer uma leitura de sua obra e, principalmente, do conto “Teleco, O

Coelhinho”, o único conto no qual ele escreveu enquanto viveu em Madrid.

Capítulo 3: A literatura solitária de Murilo Rubião

Apesar de a crítica literária sempre apontar a dívida literária de Murilo Rubião

com Kafka, a preferência pelo fantástico, segundo o próprio autor, foi herança da

infância, das intermináveis leituras de contos de fadas, do ”Dom Quixote”, da

“História Sagrada” e das “Mil e uma Noites” (RUBIÃO, 1982, p. 3).

De acordo com Vera Lúcia Andrade (1985), o escritor mineiro declarou que conhecera a obra

do escritor tcheco somente quando já havia escrito seus três primeiros livros. E ainda afirma que só

leu a obra completa de Kafka quando trabalhou na Embaixada Brasileira na Espanha, entre 1956 e

1960.

É importante pensar, portanto, o que os outros escritores, desta mesma época ou até um

pouco antes, estavam produzindo enquanto Murilo escrevia contos fantásticos.

Fábio Lucas, em seu livro O caráter social da literatura brasileira, no último

capítulo, intitulado “Ficção brasileira contemporânea”, salienta a situação do conto

brasileiro, afirmando que a valorização do conto no Brasil aconteceu de certa forma

depois da Segunda Guerra Mundial. Isso ocorreu devido à crise do romance,

manifestada em todo o mundo no após-guerra (LUCAS, 1976, p.122). Os

ficcionistas, segundo Lucas:

[...] preferem, modernamente, situações dramáticas de curta duração e psicológicas adaptadas às contingências do momento de intensidade emocional. Além do mais, aprimorou-se o gosto das soluções no plano verbal; a arte da ficção se tornou mais “literária” (Ibidem).

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Para Lucas, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Murilo Rubião, dentre outros

ficcionistas, renovaram, nessa mesma época, a tradição literária brasileira. A

inovação artística não se limita apenas à mudança de ponto de vista em relação à

sociedade, ao indivíduo, à natureza e às situações dramáticas da vida (Op. cit., p.

105), mas também com relação à mudança de ponto de vista em relação à realidade

que se cria com a expressão literária.

Contistas por excelência, Lucas destaca Murilo Rubião e Breno Accioly. O

início da renovação do conto brasileiro pode ser marcado com a obra O Ex-Mágico

de Murilo Rubião, publicada em 1947, afirma o crítico (Op. cit., p. 40). Ninguém

entendia a arte deste contista. Não era para menos, pois a arte de Murilo Rubião era

inaugural. O contista era um caso de originalidade e, por isso, desorientava a todos.

Um ano antes do lançamento de O Ex-Mágico, Guimarães Rosa publicara Sagarana

e Clarice Lispector publicara O Lustre.

Antonio Candido, no texto “Literatura e cultura de 1900 a 1945” de seu livro

Literatura e sociedade, traça uma síntese do movimento literário deste período. Para

o autor, no século XIX (1836-1870) o Romantismo e no século XX (1922-1945) o

Modernismo representaram dois momentos decisivos na literatura brasileira. Sendo

assim, ele discute o Romantismo, o Naturalismo, o Simbolismo, até chegar ao

Modernismo. O que vai interessar, especialmente, neste trabalho, são os anos 1940

em diante, época em que Murilo Rubião estava produzindo, mesmo que

timidamente, seus contos insólitos.

Segundo Candido, depois de 1940 ou até mesmo um pouco antes, eram

perceptíveis elementos que constituíam um novo período na literatura, pois a partir

de 1940, ao lado dos escritores que corroboravam para produzir uma literatura

universalmente valiosa, isto é, por meio de uma literatura que integrasse os

problemas do momento através de um rígido compromisso ao local, houve rejeição

do local considerado apenas pitoresco e extraliterário; e um novo anseio

generalizador, procurando fazer da expressão literária um problema de inteligência

formal e de pesquisa interior (CANDIDO, 2000, p. 116).

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Durante essa fase, o Modernismo diminui a força no que tange o regionalismo,

o folclórico, o libertino, o populista, manifestando maior preocupação com a forma ou

esforço anti-sectário no conteúdo (Ibidem). Para Candido:

[...] é o momento em que os próceres dos dois decênios publicam algumas das suas melhores produções (Fogo Morto, de José Lins do Rego e Terra do sem-fim, de Jorge Amado, por exemplo, ambos de 1943; Sentimento do mundo e Rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade, em 1940 e 1946) [...] Em poesia, as melhores vozes ainda nos vêm de antes, com a de Henriqueta Lisboa (Flor da morte, 1949) ou Vinícius de Morais (Poemas, sonetos e baladas, 1946), para não citar Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade, cujos primeiros livros são de 1930, ou Manuel Bandeira, pré-modernista e modernista da primeira hora [...] No romance, é significativo o êxito de um veterano, José Geraldo Vieira, cuja obra é revalorizada depois da publicação, em 1943, de A quadragésima porta [...] Não menos significativo, o de Clarice Lispector (Perto do coração selvagem, 1944; O lustre, 1946) (Op. cit, p. 116-117).

No final da década de 40, a literatura brasileira ganha algo realmente novo,

isto é, os contos de Murilo Rubião. No Brasil não existia uma tradição fantástica

quando o contista, desde o seu primeiro livro, mostrou sua singularidade dentro da

literatura brasileira.

É verdade que naquela época ainda não se imaginava o “realismo mágico”

que, no final dos anos 60, através de Jorge Luís Borges, Júlio Cortazar e Gabriel

García Márquez, ficaria sendo o selo da literatura latino-americana, conforme frisa

Humberto Werneck (WERNECK, 1987, p.12).

Jorge Schwartz, em seu texto intitulado “O Fantástico em Murilo Rubião”14,

destaca a situação de Murilo na história das letras brasileiras. O crítico,

considerando o escritor Murilo como pioneiro na narrativa fantástica na literatura

brasileira, mostra que a obra do contista aparece de forma insólita, assim como a

temática dos seus contos, desengajada de qualquer movimento literário no Brasil

(SCHWARTZ, 1974, p. 7) no que se refere aos aspectos vanguardistas do ponto de

vista geográfico temporal.

14 Este texto fora publicado, primeiramente, na Revista Planeta em 25 de setembro de 1974. Em 19 de outubro de 1974, quase um mês depois, foi publicado no Suplemento Literário do Minas Gerais.

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Segundo Schwartz, o fantástico em Murilo Rubião está no cotidiano e não há

rupturas no decorrer da narrativa ou provocação de suspense no leitor, pois

acontecimentos referencialmente antagônicos e inconciliáveis, conciliam-se

tranquilamente pela organização da linguagem. Dragões, coelhos e cangurus falam,

mas não há mais o clássico “enigma” a ser desvendado no final (Ibidem).

É importante notar que, em 1987, no Suplemento Literário do Minas Gerais,

no especial comemorativo de 40 anos do livro O Ex-Mágico (Especial 1, 2 e 3),

vários críticos discutiram a nova tendência da literatura fantástica aduzida na obra do

mineiro Murilo Rubião.

Rui Mourão, abrindo o Especial 1, afirma que Murilo, desde seu primeiro livro,

lançado em 1947, não se parece com ninguém que veio antes (MOURÃO, 1987,

p.1). Jorge Schwartz declara que a total ausência de uma tradição narrativa

fantástica no Brasil cria um impasse quanto à definição do gênero no momento em

que ele nasce das mãos de Murilo Rubião (SCHWARTZ, 1987, p. 6).

Humberto Werneck, seguindo o mesmo pensamento, sustenta a idéia de que

desde o primeiro livro Murilo chamou a atenção da crítica, por sua extraordinária

singularidade dentro da literatura brasileira (WERNECK, 1987, p.12). Werneck, para

realçar ainda mais a singularidade de Murilo Rubião, cita, primeiramente, as palavras

de Fábio Lucas quando faz uma observação curiosa: “A ficção de Murilo não tinha

qualquer conexão com o que se fala no Brasil”. “Era mesmo uma aventura solitária”

(Ibidem) correndo, pois, risco de não dar certo. Em seguida, Werneck lembra as

palavras de Eliane Zagury, quando fala que o mineiro, “escreveu adiantado e

publicou escondido – contradições que já são um lugar-comum dos grandes

escritores” (ibidem).

Álvaro Lins explica que se a obra de Murilo Rubião não é composta de

originalidade absoluta no sentido universal, sem dúvida nenhuma no Brasil sua obra

significa uma novidade, pois Murilo Rubião não procurou forma fácil de expressão,

nem ficou a lidar com elementos já vistos e explorados. Buscou um caminho novo e

soluções próprias (LINS, 1987, p. 9).

No Especial 2, Carlos Vogt fala que a literatura brasileira conheceu o gênero

fantástico, tendo na solidão paciente do trabalho de Murilo um raro caso de

expressão maior (VOGT, 1987, p. 4).

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Davi Arrigucci Jr., no Especial 3, tratando também da estréia de uma nova

tendência da literatura fantástica em Murilo, no panorama da literatura brasileira,

afirma que o contista rompe os padrões do realismo tradicional e só encontra

antecedentes ou parentesco fora de nosso âmbito literário, com a obra de Kafka e

dos pós-kafkianos (ARRIGUCCI JR., 1987, p. 2).

Arrigucci Jr. explica que a literatura fantástica, no Brasil, nunca sustentou

tradição antes de Murilo, pois nos séculos XIX e XX, encontram-se apenas

narrativas mais ou menos insólitas dos românticos, uma vez que caíam sempre nas

margens do real. Assim sendo, Murilo Rubião foi o primeiro a tomar impulso no jogo

da fantasia, aqui no Brasil. Abaixo, Arrigucci Jr. discorre:

Uma razão externa dessa singularidade pode ser percebida

facilmente, [...] no contexto brasileiro, a Literatura Fantástica sempre foi rara. A tradição dominante do realismo demonstrou, entre nós, desde as origens, a preferência pela ficção de vôo curto, lastreada na observação e no documento, avessa ao livre jogo da imaginação. E toda vez que se inclinou para o pólo da fantasia, esta sempre foi corrigida pelo costeio do real. Neste caso, em geral toda expansão imaginária tende coincidir com o momento da ilusão, logo trazida ao chão pela ironia realista. Embora a Literatura Fantástica não se oponha necessariamente ao realismo, como se verifica ao longo do desenvolvimento desse gênero, a tendência, em nosso meio, não foi de certo para incentivá-la. Assim, nossa ficção do século XIX e do começo do século XX serve mal como antecedente de Murilo, ainda que o explique por outros ângulos. Narrativas fantásticas, estranhas ou vagamente insólitas dos românticos, de Machado de Assis, de Aluísio Azevedo, de Afonso Arinos, de Monteiro Lobato e outros não chegam a constituir uma tradição forte do gênero, capaz de sustentar uma explicação para as peculiaridades do fantástico em nosso Autor (ARRIGUCCI, 1987, p. 1).

Segundo Arrigucci, com o Modernismo houve uma abertura maior para quem

quisesse arriscar-se no imaginário. Com isto tornou-se possível uma investigação do

supra-real como Murilo realiza em seus contos algum tempo depois. Porém, as

preocupações específicas, reveladas nas primeiras obras modernistas, já estão

distantes do universo muriliano e ajudam pouco a entendê-lo (Ibidem), conforme

frisa Arrigucci Jr.

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Somente da década de 30 para frente o quadro sofre uma modificação e,

assim, surgem novidades. Arrigucci Jr., preferindo falar em afinidades literárias, cita

dois escritores mais perto de Murilo Rubião, que foram marcados pelo insólito e se

formaram sob o estilo do Modernismo: Cornélio Penna e Aníbal Machado.

De fato, Murilo Rubião esteve por bastante tempo sozinho no que se refere ao

gênero escolhido por ele. Deleuze e Guattari, no livro Kafka: por uma literatura

menor, discutem o que é uma literatura menor, num capítulo de mesmo título. Já no

início do texto os autores apontam que uma literatura menor não é a de uma língua

menor, mas antes a que uma minoria faz em uma língua maior (DELEUZE e

GUATTARI, 1977, p. 25).

De acordo com eles, “menor” não classifica mais certas literaturas, mas as

condições que as caracterizam pela inovação, pela originalidade, pela possibilidade

de renovar os padrões estabelecidos de toda a literatura no interior daquela a que

atribuímos qualidade de grande, ou seja, daquela que se firmou.

Acredito que Murilo Rubião foi um escritor que ficou à margem do que estava

em voga na década de 40, como analisado por diversos críticos mencionados acima.

Isto é, a literatura de Murilo era inaugural. Murilo Rubião era solitário em seu estilo literário. Ninguém antes, no Brasil, havia se

enveredado pelos caminhos do fantástico. Pode-se dizer que seus contos estavam exilados numa

época em que não se produzia tal coisa. Sendo assim, era tido como estranha (como estrangeira?) a

sua obra.

Dessa forma, concordo com Deleuze e Guatari, quando dizem que se o escritor está à

margem ou afastado de sua frágil comunidade, essa situação o coloca ainda mais em condição de

exprimir uma outra comunidade potencial, de forjar os meios de uma outra consciência e de uma

outra sensibilidade (Op.cit., p. 27).

A obra de Murilo Rubião, por estar distante, isolada de toda a produção da época, causou

enorme estranheza a todos, quando o escritor escolhe um gênero que ainda não era conhecido no

Brasil. O que causa estranheza é a literatura fantástica de Murilo, isto é, a novidade. Desse modo,

antes mesmo da leitura da obra de Murilo, discorrerei a seguir sobre o gênero em que a obra do

contista está inserida.

O estruturalista Tzvetan Todorov, em sua obra intitulada Introdução à

Literatura Fantástica, discursa sobre o fantástico sob uma perspectiva tradicional,

diferente do fantástico encontrado na obra de Murilo Rubião. Porém, é importante

ressaltar este estudo para perceber como a literatura de Murilo Rubião se difere da

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literatura fantástica do século XIX, discutida pela professora Vera Lúcia Andrade, em

sua tese de doutorado, intitulada Marbre: une lecture du fantastique chez Pieyre de

Mandiarques, onde ela traz importantes informações sobre o histórico da Literatura

Fantástica.

Apesar de aparecerem elementos fantásticos na literatura desde a Idade

Média, a Literatura Fantástica, segundo Andrade, nasceu no século XIX. Já Todorov

afirma que o fantástico apresentou-se de forma sistemática por volta do final do

século XVIII, com o autor Cazotte, no livro Le diable amoureux.

Conforme Andrade, temas que mais tarde fizeram parte do domínio fantástico

encontram-se nos anos 1580 a 1670 na literatura barroca. Esta se definia por uma

temática da metamorfose, da dualidade, do duplo. Além disso, o macabro e o sinistro

acompanhavam o cenário. Dessa forma, a literatura barroca apresentava uma

constante confusão entre os domínios do sonho e do real.

O romance gótico também pode ser considerado um dos precursores do

fantástico, pois se apoiava em cenários de pavor: nas ruínas desoladas, nos

castelos mal-assombrados, nos enigmas angustiantes etc. Todavia, no romance

gótico tudo se explica por artifícios engenhosos (ANDRADE, 1985, p. 16).

Mais tarde, conforme Andrade, em 1820, Maturin e Nodier estabeleceram

outra categoria: o frenético, no qual se prolongava o cenário mórbido do romance

gótico para um desencadeamento do horrível, isto é, houve o aumento de seres

monstruosos, dos personagens híbridos, das mutações inconcebíveis se produzindo.

Segundo Andrade, apesar destes precursores, a Literatura Fantástica, na

França, só nasce, efetivamente, em 1830. Tal fato está ligado, por um lado, à

história do Romantismo em geral e, por outro lado, ao começo da época cientificista

e positivista. Para a autora, o fantástico procura e deve chegar a alterar nosso

mundo, mundo este submisso a uma causalidade rigorosa (Op. cit, p. 20).

Andrade cita Roger Caillois, um importante crítico da Literatura Fantástica,

para salientar a quebra que o sobrenatural opera num mundo estável. Conforme o

autor, o sobrenatural surge como a ruptura da coerência universal devido a uma

agressão interdita, ameaçante que rompe a estabilidade de um mundo coerente

cujas leis até então eram tidas como rigorosas e imutáveis (Apud. ANDRADE, 1985,

p. 20).

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É importante ressaltar também o estudo do estruturalista Todorov. Em sua

obra, o autor focaliza o aspecto formal da relação do fantástico com os gêneros

vizinhos, o estranho ou o maravilhoso. Para ele, o fantástico está no meio, ele só

ocorre na incerteza entre uma e outra possível solução, pois se o leitor optar por

uma ou outra escolha de explicação para os acontecimentos entrará em um gênero

vizinho, ou seja, o estranho ou o maravilhoso.

Mais adiante, Todorov aponta a implicação do fantástico na integração do

leitor ao universo das personagens. O leitor, portanto, é quem definirá o fantástico

pela percepção ambígua acerca dos acontecimentos narrados. Sendo assim,

conforme afirma Todorov, a hesitação do leitor é pois a primeira condição do

fantástico (TODOROV, 1992, p. 37).

Um ponto importante que resume o espírito do fantástico, segundo Todorov, é

quando se chega quase a acreditar, pois é a hesitação que dá vida ao fantástico.

Quem hesita tanto pode ser o personagem quanto o leitor que é posto em integração

com o mundo dos personagens. Para Todorov, há um fenômeno estranho que se

pode explicar de duas maneiras, por meio de causas de tipo natural e sobrenatural.

A possibilidade de se hesitar entre os dois criou o efeito fantástico15. (Op. cit, p. 31).

A respeito do efeito produzido no leitor, Jorge Schwartz contesta o método

proposto por Todorov, dizendo que sua crítica é de caráter eminentemente

axiomático: deve existir a dúvida na leitura da narrativa fantástica? Sem tensão, não

há conto, mas a ausência da dúvida elimina o fantástico? (SCHWARTZ, 1981, p.

68).

Segundo Schwartz, o modo narrativo de Murilo Rubião é contrário à teoria do

fantástico articulada por Todorov, onde a dúvida é assumida como condição sine

qua non para definir o gênero narrativo em questão (Ibidem).

No terceiro capítulo do livro, o estruturalista afirma que o fantástico dura

apenas o tempo de uma hesitação e esta é comum ao leitor e à personagem. Para

diferenciá-lo do gênero estranho, o autor diz que neste o leitor ou a personagem

decide que as leis da realidade permanecem intactas (TODOROV, 1992, p. 48) e o

contrário disso acontece no gênero maravilhoso, isto é, quando se admitem novas

15 O pensamento supracitado pertence a Louis Vax, em sua obra L’art et la littérature fantastiques, quando ele explicitou a ambigüidade na obra The turn of the screw, de Henry James e declarou que o fantástico ideal se mantém na hesitação.

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leis da natureza, pelas quais o fenômeno pode ser explicado (Op. cit., p. 48). O

fantástico existe se estiver ligado à ficção e ao sentido literal.

Outra importante observação de Todorov é com relação às funções do

fantástico na obra, tais como: efeito de medo ou horror sobre o leitor; o suspense e

função tautológica, quer dizer, admite-se descrever um universo fantástico sem que

este tenha qualquer realidade fora da linguagem.

O último capítulo do livro, que é conclusivo, tem como assunto a literatura e o

fantástico. Neste, Todorov não mais pergunta “o que é o fantástico?”, mas sim “por

que o fantástico?” Ele explica que a primeira interrogação traz a preocupação com a

estrutura do gênero, já a segunda tem como propósito as suas funções.

Com relação à estrutura do gênero, Todorov afirma que o fantástico

fundamenta-se na hesitação do leitor; o leitor identifica-se a um personagem e hesita

quanto à natureza de um acontecimento estranho; a hesitação pode ou não ser

resolvida e o fantástico exige certo tipo de leitura.

Já com relação às funções do fantástico, Todorov se firma na observação

feita por Peter Penzoldt que diz: Para muitos autores, o sobrenatural não era senão

um pretexto para descrever coisas que não teriam ousado mencionar em termos

realistas (Apud. TODOROV, 1992, p. 167).

O sobrenatural também era pretexto para franquear certos limites inacessíveis

(temas proibidos, tais como: homossexualismo, o incesto, o amor a vários, a

necrofilia, a sensualidade excessiva) pela censura, tanto a institucionalizada quanto

a da psique do autor. Ainda, o sobrenatural era usado para tratar de temas tabus ou

loucuras; para evitar as condenações sociais, os crimes, as drogas; subtrair do texto

a ação da lei e com esta mesma transgredi-la. Para Todorov, o fantástico é mais do

que um simples pretexto, é um meio de combate contra uma e outra censura

(Ibidem).

A produção literária de Murilo Rubião se encontra inserida no gênero

fantástico. E isto causava inquietação ao público não só na década de 40 como

ainda na década de 80, pois em uma entrevista intitulada “Rubião, pirotécnico da

palavra” publicada no jornal Alternativa, Giselle Dupin e Francisco de Morais Mendes

queriam saber se o Realismo Fantástico de Murilo Rubião era uma opção política.

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Segundo o jornal, a resposta do contista é de que ele acha que o Fantástico

pode perfeitamente ser utilizado como uma metáfora política. Como qualquer outro

tipo de literatura, desde que o escritor esteja engajado no contexto social (RUBIÃO

apud DUPIN e MENDES, 1981, [s/p]).

Para Murilo, a presença do social aparece em grande parte de sua literatura,

uma vez que sobre o livro O Convidado, Murilo afirma que dois contos são

extremamente políticos, a saber: “Botão de Rosa” e “A Fila”. E ainda diz o contista

que no livro O Pirotécnico Zacarias, o conto “A Cidade” é a contestação do Estado

Novo. Murilo Rubião vivenciou esta situação e sentiu-se afetado por ela, uma vez

que à época trabalhava em jornal sob censura, o que acabava aparecendo em seus

contos.

Entretanto, sua opção pelo fantástico não foi motivada pela censura. Num

depoimento consciente no que tange a sua opção por este tipo de literatura, Murilo

Rubião afirma:

O Fantástico de maneira alguma, é um tipo de literatura de escape, para driblar a censura. Como a literatura feita com seriedade não é panfletária, então, o que tem de contestação às vezes é mais sutil. Às vezes é preciso uma segunda leitura para se perceber. E já começa que a censura não entende nenhum livro, nem aqui nem em outros lugares (Ibidem).

Voltando às funções dentro do próprio interior da obra, Todorov, em seu livro,

discorre sobre três: 1) a função pragmática: o sobrenatural emociona, assusta ou

mantém em suspense o leitor; 2) a função semântica: o sobrenatural constitui sua

própria manifestação: é uma autodefinição; e 3) a função sintática, que aparece no

desenvolvimento da narrativa.

Já nas últimas páginas, Todorov se interroga não mais a respeito da função

do sobrenatural, mas sobre a reação que este suscita. Daí, ele se indaga: Por que a

literatura fantástica não existe mais? (TODOROV, 1992, p. 175). Em outro momento

ele se pergunta: Em que se transformou a narrativa sobrenatural no século XX? (Op.

cit, p. 177).

Com base na obra A metamorfose, de Franz Kafka, Todorov acredita que aí

se inicia um novo gênero. Gênero este que ele desconhece. Ele afirma que se

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abordarmos esta narrativa com as categorias anteriormente elaboradas, vemos que

ela se distingue fortemente das histórias fantásticas tradicionais (Op. cit, p. 179).

Para Todorov, na narrativa kafkiana a hesitação não é mais possível como

anteriormente (no século XIX) foi representada no interior do texto:

A narrativa fantástica partia de uma situação perfeitamente natural para alcançar o sobrenatural, “A Metamorfose” parte do acontecimento sobrenatural para dar-lhe, no curso da narrativa, uma aparência cada vez mais natural, e o final da história é o mais distante possível do sobrenatural. Qualquer hesitação torna-se de imediato inútil: ela servia para preparar a percepção do acontecimento inaudito, caracterizava a passagem do natural ao sobrenatural (Ibidem).

Sobre as diferenças existentes entre a obra fantástica tradicional e a

moderna, a autora Vera Lúcia Andrade explica:

Nas obras fantásticas tradicionais, o elemento sobrenatural intervém no curso normal dos acontecimentos e provoca uma ruptura; um “suspens” [...]. Pelo contrário, na narrativa fantástica moderna, os elementos sobrenaturais não intervém mais, esta não interfere na ordem natural do fato narrado. O fantástico, o misterioso e o curso natural dos acontecimentos convivem pacificamente na linguagem organizada da narrativa (ANDRADE, 1985, p. 22)

A ausência de hesitação diante de um fato sobrenatural é característica

também da narrativa de Murilo Rubião. Segundo Jorge Schwartz, por meio da

linearidade e coerência do sistema discursivo da ficção, este estabelece o status

necessário e suficiente para que o leitor dê credibilidade à narrativa (SCHWARTZ,

1981, p. 59). Como exemplo, Schwartz aborda a narrativa do conto “Teleco, o

Coelhinho”:

O fato da personagem não questionar a presença do coelhinho faz com que nós também o aceitemos no ato da leitura. Esta integração é feita graças à extraordinária força dos dados miméticos que configuram o discurso, e a fusão fantástico/cotidiano é imediata, não havendo lugar para surpresas, dúvidas ou desconfianças (Op. cit, p. 60).

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Daí a modernidade da obra de Murilo Rubião. Sua narrativa se diferencia da

narrativa tradicional, estudada por Todorov. Quanto à sua familiaridade com a obra

de Kafka, o próprio Murilo, como dito anteriormente, declarou que só veio a conhecê-

la mais tarde, portanto acredito que Murilo tirou de sua solidão inata o insólito que

trouxe para a obra escrita.

A obra de Murilo: metáfora de sua solidão

Como foi visto na primeira parte deste capítulo, a literatura de Murilo Rubião

surgiu como uma produção solitária, e permaneceu por algumas décadas à margem.

E isso se deu pelo fato de o contista escrever algo novo. Murilo renovou os padrões

estabelecidos da época.

É curioso perceber também que, como foi discutido no primeiro capítulo, o

próprio Murilo cultivava o sentimento de solidão, pois sentia-se bem mesmo isolado.

Este era o jeito reservado de viver do escritor Murilo Rubião. Seus depoimentos

acerca deste sentimento foram ressaltados, por mim, nas entrevistas concedidas por

ele.

Solitária não só a produção literária de Murilo, em meio ao que estava sendo

produzido no momento, como a própria maneira de viver deste escritor. E este

sentimento se estende até as suas personagens. Assim sendo, pretendo investigar o

sentimento de solidão das personagens na obra do contista para ter uma idéia mais

abrangente daquele sentimento que, manifestado intensamente durante a vida do

homem Murilo Rubião, é articulado, por ele, na criação de seus personagens.

Desse modo, antes mesmo de fazer uma leitura do conto “Teleco, O

Coelhinho” (1965) que, como já foi dito, foi o único concluído em terra estrangeira

(Madrid 1956-1960) e trazido em sua bagagem de volta ao Brasil, ressalto que é

pertinente fazer uma leitura de alguns outros contos de Murilo Rubião, uma vez que,

em muitos deles, são abordados temas que se referem ao isolamento do homem, a

perdas, ao sofrimento, a ausências etc. Saliento, portanto, que os comentários a

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respeito de sua obra como um todo não terão como preocupação uma leitura

minuciosa de cada conto, salvo o conto “Teleco, O Coelhinho”.

A seguir, é interessante observar os elementos utilizados por Murilo para

tratar da sensação ou da situação de quem vive afastado do mundo ou isolado em

meio a um grupo social.

Murilo Rubião, em entrevista ao Diário de Minas, em 1953, diz que para fazer

literatura não importa se o indivíduo seja triste ou alegre e tampouco é preciso casar-

se ou ser celibatário, pois as criaturas plenamente felizes e ajustadas à vida podem

ser escritores, e a literatura espelhará o seu estado psíquico.

A professora de literatura e crítica, Maria Luiza Ramos, dando continuidade

ao tema tão vasto, pergunta, em entrevista, ao escritor se ele tem por hábito fazer

projeção da própria personalidade em seus personagens. Murilo Rubião, certo de

que há muito de seu sofrimento em seus personagens, adverte, porém, que ele não

faz autobiografia:

Se bem que ponha muito do meu sofrimento, não chego a fazer autobiografia. Deixo passagens de minha vida aqui e ali, mas substituo a realidade aparente pela realidade artística. Deformo a realidade, de maneira a criar uma outra, inteiramente nova. Isto, aliás, faço com todos os personagens, baseados que são no real (RUBIÃO apud RAMOS, 1953, [s/p]).

Murilo Rubião escreveu muitos contos que têm como essência a solidão, tais

como: “O homem do boné cinzento” (1947), sobre um solteirão que vive sozinho e

que vai desaparecendo aos poucos; “O pirotécnico Zacarias” (1947) caracterizado

como um pobre invólucro humano, que vive na ambígua situação de estar e não

estar; “A cidade” (1947), em que a personagem principal fica isolada num trem vazio,

“A flor de vidro” (1953), em que o herói é separado da jovem por quem está

enamorado e é condenado a irreparável solidão; “A noiva da casa azul” (1965) em

que o narrador-personagem necessita da solidão para refazer-se do impacto sofrido

por acontecimentos tão desnorteantes; “Os comensais” (1974), tendo como última

frase do conto: Estava só na sala imensa. Há outros exemplos na obra de Murilo.

No conto “O Ex-Mágico”, este mágico deixa de sê-lo quando, em busca da

morte, escuta de um homem triste que ser funcionário público era suicidar-se aos

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poucos (RUBIÃO, 1999, p. 11). A partir daí começa a trabalhar numa Secretaria de

Estado. Arrepende-se, pois não consegue morrer conforme esperava e pior,

aumentam suas aflições, uma vez que, no novo emprego, teria que ocultar seu

sentimento de repugnância, de aversão, de repulsa pelos homens:

Quando era mágico, pouco lidava com os homens – o palco me

distanciava deles. Agora, obrigado a constante contato com meus semelhantes, necessitava compreendê-los, disfarçar a náusea que me causavam (Op. cit., p. 12).

O ex-mágico declara a sua pouca vontade de se aproximar dos homens.

Sentia-se melhor quando mantinha distância deles. Porém, neste novo emprego era

obrigado a relutar contra a antipatia que sentia no contato com os outros. Foi

perdendo seus dons sem conseguir abandonar, segundo ele, a pior das ocupações.

Hoje ele se sente obrigado a andar por lugares solitários, uma vez que falta-lhe o

amor de sua companheira de trabalho e também falta-lhe a presença de amigos. O

ex-mágico, homem solitário, que não gostava de manter contato com as pessoas,

sente-se arrependido, ao final do conto.

Em “A Noiva da Casa Azul” (1965), o narrador, ao ser interpelado por um

agente que se convidou a fazer o passeio com ele, mais que depressa recusa o

oferecimento, pois necessitava da solidão a fim de refazer-[se] do impacto sofrido

por acontecimentos tão desnorteantes (Op. cit., p. 54). O narrador, irritado porque

sua namorada Dalila lhe havia enviado uma carta dizendo que na véspera de partir

do Rio dançara algumas vezes com o ex-noivo (Op. cit., p. 51), foi passar as férias

em sua casa de campo, na cidade de Juparassu.

Na última parte do conto, o narrador descreve os momentos que passara com

Dalila na Casa Azul e que hoje são apenas lembranças. O narrador só encontra o

vazio e o silêncio e por isso perde o juízo e corre, ao final do conto, alucinado,

desorientado:

Descolorida e quieta a Casa Azul está na minha frente. Caminho por entre os seus destroços. A escadinha de tijolos semidestruída. Aqui nos beijamos. Beijamo-nos no alpendre, cheio de trepadeiras, cadeiras de balanço, onde, por longas horas, ficávamos assentados. Depois do alpendre esburacado, o corredor.

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Dalila me veio fortemente. Subo a custo os degraus apodrecidos da escada de madeira. Chego ao quarto dela: teias de aranha. Vazio, vazio, meu Deus! Grito: Dalila, Dalila! Nada. Corro aos outros quartos. Todos vazios. Só teias de aranha, as janelas saindo das paredes, o assoalho apodrecendo.

Desço. Grito mais: Dalila! Grito desesperado: Dalila, minha querida! O silêncio, um silêncio brutal responde ao meu apelo. Volto ao quarto dela: parece que Dalila está lá e não a vejo. O seu corpo miúdo, os olhos meigos, os cabelos dourados. Abraça-me e não sinto os seus braços.

A noite já estava aparecendo por entre o teto fendido. Grito ainda: Dalila, meu amor! Corta-me a agonia. Corro desvairado (Op. cit., p. 56).

No conto “A Cidade” (1947), a personagem Cariba era o único passageiro do

trem. Ele quis saber se constituía motivo para tanta negligência o fato de ir vazia a

composição (Op. cit., p. 57). Solitário dentro de um trem, Cariba queria chegar a uma

cidade maior. Não conseguiu porque o trem permaneceu indefinidamente na

antepenúltima estação (Ibidem). Ali, Cariba encontrou um lugarejo rodeado de vaga

tristeza. Caminhava sozinho em uma cidade que desconhecia e não encontrava

ninguém. Do alto da montanha, Cariba encontra a cidade que tinha como destino:

As janelas e portas das casas estavam fechadas, mas os

jardins pareciam ter sido regados na véspera. Experimentou bater em alguns dos chalés e não o atenderam. Caminhou um pouco mais e, do topo da montanha, avistou a cidade, tão grande quanto a que buscava. Vinte mil habitantes, soube depois” (Op. cit., p. 58).

Em “A Flor de Vidro” (1953), as personagens Eronides e Marialice formam um

casal apaixonado. Eronides espera Marialice na estação, ansiosamente. Eles se

encontram e se beijam. Um tempo depois, Marialice é levada à estação e deixa o

local. O herói é separado da jovem por quem está enamorado e na volta da estação

Eronides fica cego, pois um galho cegou-lhe a vista (Op. cit., p. 132) e foi condenado

a irreparável solidão (Ibidem).

No conto “A Lua” (1953) O narrador nada fazia senão vigiava passos de Cris

(p. 133). Ele gostava de seguir o Cris, mas achava monótono segui-lo sempre pelos

mesmos caminhos, pois ele não entrava em nenhum edifício, não conversava e nem

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cumprimentava ninguém (Op. cit., p. 134). Cris caminhava sozinho. Ele não

mantinha contato com outras pessoas.

No conto “Os Dragões” (1965), a personagem chamada João era o mais

popular dos dragões que haviam chegado à cidade. Diferente das outras

personagens criadas por Murilo Rubião, João vivia rodeado de amigos (Op. cit., p.

141). No entanto, era uma amizade interesseira. João foi convidado a trabalhar em

um circo, mas não aceitou. Sozinho num mundo que não lhe pertencia, João

desaparece daquela cidade.

Em “O Convidado” (1974) José Alferes recebera um convite para uma festa.

Esta acontecia num salão fartamente iluminado e repleto de pessoas conversando,

rindo, enquanto os garçons serviram bebidas (Op. cit., p. 217). Ninguém [nenhum

convidado] da festa tratava José Alferes a distância ou com hostilidade:

Pelo contrário, procuravam cercá-lo de atenções, insistindo

que se juntasse às alegres rodas, formadas de senhoras e cavalheiros excessivamente corteses. Mas logo ele se retraía e se afastava ante a impossibilidade de acompanhar os diálogos (Op. cit., p. 217).

Em “A Armadilha” (1965), Alexandre Saldanha Ribeiro segue andando por

uma escada de um prédio carregando uma mala. Para no décimo andar:

Já no décimo pavimento, meteu-se por um longo corredor,

onde a poeira e detritos emprestavam desagradável aspecto aos ladrilhos. Todas as salas encontravam-se fechadas e delas não escapava qualquer ruído que indicasse presença humana (Op. cit., p. 153).

Neste lugar de aspecto desabitado, como se há muito não fosse utilizado, um

homem de cabelos grisalhos e de semblante sereno aponta-lhe um revólver. Este

era o solitário ocupante (Op. cit., p. 154) do prédio. Alexandre fica preso no prédio

com este homem. Ele tenta sair, mas é inútil. Ninguém ouvirá seus gritos, ninguém o

acudirá, pois ninguém mais vem a este prédio. Despedi os empregados, despejei os

inquilinos (Op. cit., p. 157) diz o homem de cabelos grisalhos.

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Em “A Fila” (1974), a personagem Pererico enfrenta uma enorme fila, para

tentar falar com o gerente da companhia da fábrica. Não conversava com ninguém,

isolado no seu lugar (Op. cit., p. 200), Pererico sentia-se mal ao pensar que

permaneceria indefinidamente naquele lugar (Ibidem). Passados quase seis meses

na fila, Pererico não conseguiu falar com o gerente. Este havia morrido.

Em “Os Comensais” (1974), Jadon não fazia parte do grupo no refeitório.

Sentia-se isolado. Achava que sua presença era desagradável para todos. Tentava

chegar à intimidade daqueles cavalheiros sem manifestar irritação ante o isolamento

a que o constrangiam, conjeturava se eles não acabariam por se tornar mais

expansivos (Op. cit., p. 253). Porém, nada conseguia e o silêncio desagradava-lhe

muito. Num outro momento, ele encontra uma ex-namorada, neste mesmo refeitório,

e a acolhe de forma calorosa, mas Hebe [sua ex-namorada] parecia refugiar-se na

mesma solidão dos outros (Op. cit., p. 258). Ela também o trata com indiferença. O

narrador afirma que Jadon estava só na sala imensa (Op. cit., p. 263) ainda que à

sua volta houvesse muitas pessoas.

Murilo, em entrevistas, afirmara que optou por não se casar e não ter filhos.

Alguns de seus personagens se apresentam confusos e solitários numa vida a dois.

É curioso observar como estes aspectos aparecem na obra de Murilo no que se

refere ao matrimônio. Cito, abaixo, alguns contos que têm como problema o

relacionamento de casais, que fazem menção ao casamento e aos filhos.

No conto “Mariazinha” (1965), a personagem de mesmo nome se casaria [e]

o seu sedutor seria enforcado na torre da igreja (Op. cit., p. 43). O narrador,

correndo o risco de ser enforcado em praça pública, por ter sido o possível sedutor

de Mariazinha e insatisfeito com o que acontecera, tomou a decisão de não se casar

e suicidou-se.

Em “Petúnia” (1974), a personagem Éolo não tinha planos para o casamento,

porém sua mãe pensava de outro modo (p. 180). Um dia, a mãe de Éolo arrastou

pelas mãos uma moça em direção do filho e disse: - É ela. [...] O rubor subiu-lhe a

face, ele que de ordinário mostrava-se seguro de si ou indiferente no trato com as

mulheres (Op. cit., p. 181). Rapidamente se casam e têm três filhas. Um tempo

depois as filhas e a mulher de Éolo morrem e ele fica sozinho e sem conseguir

dormir.

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No conto “A casa do girassol vermelho” (1947), Belsie, mulher de Xixiu, é

quem fica sem o companheiro. Ela perde seu marido num confronto entre ele e um

fazendeiro forte e rude chamado Simeão, que já está morto e enterrado. Belsie, não

se conformava:

A face marcada por intenso sofrimento, os lábios moles,

chamava pelo marido: Volta, Xixiu. Volta. Voltávamos cansados, as fisionomias tensas. A ausência de

Xixiu, uma pesada ausência , nos esmagava. (Op. cit., p. 22).

Em “Aglaia” (1974), o casal aceita o casamento, mas não queria ter filhos.

Colebra, marido de Aglaia, pensava que nenhum filho nasceria para deformar aquele

corpo (Op. cit., p. 189).

Personagens que não conseguem declarar seus sentimentos à amada e

acabam perdendo-a aparecem nitidamente em dois contos: em “Elisa” (1965), o

narrador por falta de coragem adiava a sua primeira declaração de amor. Cordélia, a

irmã do narrador, sutilmente mostrava ao irmão que ele não deveria ocultar a sua

paixão por Elisa. Porém, ele não conseguiu. Elisa partiu. O narrador, angustiado,

mas com esperança de que Elisa regressasse, ficou a espera dela na mesma casa.

Em “Bruma (A estrela vermelha)” (1965), o narrador se percebe apaixonado

por Bruma, mas não lhe confessa o seu sentimento. Tenta, no entanto, separá-la de

seu irmão Og:

Ao certificar-me, mais tarde, de que há muito uma paixão me

rondava, já me encontrava tolhido por sentimentos contraditórios, e nenhum impulso generoso poderia levar-me a confessar um amor que se turvara ao contato do rancor. Em vez de atrair Bruma, conforme aconselhava minha mãe, agarrei-me à idéia de separá-los (Op. cit., p. 121).

Um cenário, nos contos de Murilo, que representa um esconderijo daquele

que quer escapar a todo custo das relações humanas é a serra. Esta aparece nos

contos de Murilo Rubião como um lugar de refúgio, de fuga, de afastamento.

É interessante observar, no conto “O Ex-Mágico” (1947), que com a crescente

popularidade do mágico, ele se encontrava em uma situação cruciante: seus gestos

involuntários provocavam mágicas que ele próprio desconhecia, deixando-o

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enfastiado do ofício. Desse modo, ele tenta mutilar as mãos e não consegue, tenta

suicídio e também não consegue. Frustrado por isso, afasta-se da zona urbana e

busca a serra.

Para o mágico, a serra neste momento era um lugar de isolamento, de

sossego, para não mais dar explicações às mulheres, crianças, guardas e outros

curiosos que faziam escândalos ao ver que o mágico, por exemplo, ao amarrar o

cordão do seu sapato, de suas calças deslizavam cobras (Op. cit., p. 9).

A serra é um espaço recorrente no conto “Alfredo” (1947). Neste, o narrador

espera que a fera, que vivia na serra, abandonasse o seu refúgio (Op. cit., p. 65). A

fera era seu irmão Alfredo que na sua fuga, fora demasiado longe, tentando isolar-

se, escapar aos homens, ao passo que eu [narrador] apenas buscara no vale uma

serenidade impossível de ser encontrada (Op. cit., p. 68). O narrador, no alto da

serra com seu irmão Alfredo, observa pela última vez o povoado, sob a névoa da

garoa que caía. Perdera mais uma jornada ao procurar nas montanhas refúgio

contra as náuseas do passado (Op. cit., p. 69). Mesmo sendo um lugar afastado,

tranqüilo, as personagens não conseguem se ver livre de seus problemas interiores.

A solidão de alguns personagens é perceptível no que diz respeito ao lugar

onde moram. Algumas personagens moram em hotéis. No conto “Epidólia” (1974), a

personagem que dá nome ao conto fica vários dias sem sair do hotel (Op. cit., p.

171); em “O Convidado” (1974), o círculo de relações [de José Alferes] não excedia

o corpo de funcionários do hotel, onde se encontrava hospedado havia quatro

meses (Op. cit., p. 211) e em “Botão-de-Rosa” (1974), a personagem de mesmo

nome, ao voltar para o hotel onde ficava hospedado depois de ter sido acusado de

estupro, a recepção não foi melhor. O hoteleiro e os hóspedes, que antes o tratavam

com acentuada simpatia, passaram a evitá-lo (Op. cit., p. 226).

Em “Aglaia” (1974), diferentemente dos contos mencionados acima, a

personagem, apesar de morar num apartamento de hotel, não aparece sozinha.

Colebra chega embriagado na recepção do hotel onde se hospedava, amparando-se

no ombro de uma moça morena. O recepcionista do hotel observou que Colebra

estava mais embriagado do que nas outras noites (Op. cit., p. 187). Tempo depois,

Colebra e Aglaia se casam e, após a cansativa cerimônia nupcial e uma viagem

aérea, os dois olhavam o mar da janela do hotel (Op. cit., p. 188).

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Outras personagens aparecem como moradores de casa ou apartamento,

mas ainda assim são indivíduos solitários. No conto “O homem do boné cinzento”

(1947), a personagem Anatólio, um solteirão, aluga uma casa muito grande para

morar sozinho e em “O bloqueio” (1974), Gérion é o único inquilino do prédio onde

morava.

Como se pode ver, várias personagens da obra de Murilo são criaturas que

buscam viver sozinhas, seja no alto de uma serra ou montanha, seja num hotel ou

numa casa espaçosa. O sentimento de solidão é por vezes manifestado de maneira

contrária quando as personagens não evitam manter qualquer vínculo conjugal entre

um homem ou uma mulher. Eles nunca conseguem viver juntos e felizes, pois são

seres angustiados com a situação de uma vida a dois.

Em algumas personagens, a solidão se revela em obstáculos que encontram

quando não conseguem, por exemplo, declarar sua paixão a(o) outra(o) e, com isso,

são inevitavelmente condenados a viverem desacompanhados.

Vale ressaltar que o conto “Teleco, O Coelhinho” (1965) também traz em sua

essência a solidão. Essa personagem foi desenvolvida e acabada num momento em

que Murilo Rubião estava realmente em uma situação de sentimento de exílio. E o

conto “Teleco, o coelhinho” foi declarado muitas vezes pelo escritor ser o seu conto

preferido.

Tendo em vista que durante os quatro anos em que Murilo morou na

Espanha, que é o período de sua vida que ressalto neste estudo, ele escreveu

apenas este conto, neste capítulo farei uma leitura do conto mencionado, com o

intuito de discutir a inadequação da personagem Teleco vista como seu exílio no

mundo dos homens.

Entendendo, pois, o exílio como solidão do estrangeiro, como sua

marginalização e negação a um papel que a sociedade lhe atribuiu, em

contrapartida, a própria terra como lugar onde o homem conhece a suposta

felicidade, Teleco, personagem do conto de Murilo Rubião, vive o exílio dentro dele.

Segundo Lucas, as personagens capitais de Murilo:

[...] não se apóiam na ilusão social de que o ser humano, de

obstáculo em obstáculo, caminha para a liberdade.

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Daí o conteúdo dos contos estar impregnado do estudo da solidão, da incomunicabilidade, da destinação dramática dos desejos, e do prazer inatingível (LUCAS, 1987, p. 11).

É importante lembrar que, segundo Humberto Werneck, este conto já havia

sido rascunhado muito tempo antes no Rio de Janeiro. No entanto, Murilo só chegou

a concluí-lo durante o período em que passou fora do país.

Pelo que diz Renard Perez, durante este período, quando pela primeira vez

Murilo Rubião saiu do Brasil, ele em sua mineirice sofreu a ausência de seu

ambiente. Desanimado com a Literatura, pensava em não escrever mais.

Entretanto, nesta época, Murilo Rubião deu vida a um coelhinho chamado Teleco.

Este conto foi publicado juntamente com mais outros dezenove contos no livro

Os Dragões e outros contos em 1965; segundo Carvalho, a reunião destes vinte

contos têm como conclusão um grito lírico de amargura e pessimismo, de derrota e

sofrimento, ante a impossibilidade de fuga à monótona rotina da vida (CARVALHO,

1987, p. 10).

Murilo declarou, em entrevista concedida a J. A. de Granville Ponce, que a

personagem Teleco é a reinvenção do mito de Proteu (RUBIÃO, 1992, p. 5).

Segundo a mitologia, Proteu é um deus do mar que tem como tarefa conduzir as

focas e outros animais marinhos que pertencem a Posídon. Possui o dom da

metamorfose, pois se transforma em qualquer coisa que deseja, como animais ou

até em fogo ou água e tem o conhecimento do passado, do presente e do futuro.

Mas não é fácil abordá-lo, e ele se recusa a todos que vêm consultá-lo.

Proteu é apresentado na Odisseia como um deus do mar a

quem fora confiada a tarefa de apascentar as focas e os outros animais marinhos pertencentes a Posídon. Passava a maior parte do tempo na ilha de Faro, não muito longe da embocadura do Nilo. Possuía o dom da metamorfose, podendo converter-se em tudo o que desejasse: não apenas num animal, mas até num elemento como a água ou o fogo. Esta faculdade era-lhe particularmente útil, quando queria furtar-se às questões daqueles que o consultavam, pois possuía também o dom da profecia, mas recusava-se contudo a informar os mortais que o interrogavam. A conselho da deusa marinha Idótea, filha de Proteu, Menelau foi consultar o deus. E embora este se tenha transformado sucessivamente em leão, em serpente, em pantera, num enorme javali, em água e numa árvore,

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Menelau não o deixou escapar, de tal modo, que por fim, vencido, o velho falou (GRIMAL, 2000, p. 398).

A metamorfose, para os antigos, era um dos mais importantes processos

divinos, ou seja, apenas os deuses podiam metamorfosear a si próprios e aos

outros. Os deuses metamorfoseavam-se ou para atingir seus desígnios (Zeus e suas

amantes), ou por piedade (Níobe), ou punição (os piratas de Dioniso) ou, ainda,

como um sinal para os homens (RIBEIRO, 2006, p. 1). A etimologia da palavra

metamorfose vem do grego metamórphósis, que no dicionário Houaiss quer dizer

'transformação, metamorfose' que significa mudança completa de forma, natureza ou

de estrutura; transformação, transmutação.

No conto, Teleco é um coelho que se metamorfoseia em diversos outros

animais até conseguir se transformar em um homem. Dessa maneira, o coelho

parece ser um estrangeiro no mundo dos humanos. Sendo assim, tenta agradá-los a

todo momento. Ele sente admiração para com todos os homens que o acolheram.

Porém se recusa a representar um único papel perante a sociedade.

Em sua dissertação de mestrado, Márcio C. de Sá salienta que o exemplo

máximo da metamorfose para Todorov se dá quando a personalidade tende a

multiplicar-se ou fraturar-se com o choque entre o eu e o mundo exterior (SÁ, 2003,

p. 48). No conto “Teleco, O Coelhinho”, é importante frisar que Murilo Rubião aponta

para o problema da pluralidade do sujeito e, por conseguinte, põe em dúvida a

possibilidade da identidade da personagem protagonista.

Stuart Hall, em seu livro Identidade cultural na pós-modernidade, distingue

três diferentes concepções de identidade. A saber: do sujeito do Iluminismo, que é

uma concepção individualista, ou seja, o sujeito é um indivíduo totalmente centrado

e unificado; do sujeito sociológico, cuja identidade é formada na ‘interação’ entre o

eu e a sociedade, revelando, assim, a crescente complexidade do mundo moderno;

e do sujeito pós-moderno, que não tem identidade fixa, essencial ou permanente.

Hall aponta que a identidade nessa concepção torna-se uma "celebração móvel":

formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos

representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (HALL, 2001,

p. 13).

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Hall acredita que as velhas identidades que por muito tempo firmaram o

mundo social, estão se enfraquecendo e com isso, despontando novas identidades e

fragmentando o indivíduo moderno que, até então, era visto como sujeito unificado.

Saliento que, segundo o crítico:

O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um "eu" coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora "narrativa do eu" (veja Hall, 1990). A identidade plenamente identificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente (Ibidem).

É fantasia, segundo Hall, uma identidade completamente estável, uma

identidade única. No conto “Teleco, o coelhinho” pode-se ver a pluralidade de

identidades. A personagem Teleco é um exemplo de que não há um sujeito

unificado, no que tange a identidade. Ele tem dentro de si várias identidades

contraditórias. Desse modo, a partir destas considerações, iniciarei a leitura do

conto.

O narrador, em primeira pessoa, conta a história de um coelhinho que um dia

fôra morar em sua casa. A narrativa inicia-se com um diálogo do coelhinho

chamado Teleco com o narrador-personagem, e isso se dá em frente ao mar. Já de

início o coelho declara o seu desejo de identificação com o homem que contempla o

mar: Moço, me dá um cigarro? A voz era sumida, quase um sussurro. Permaneci na mesma

posição em que me encontrava, frente ao mar, absorvido com ridículas lembranças.

O importuno pedinte insistia: Moço, oh! moço! Moço, me dá um cigarro? Ainda com os olhos fixos na praia, resmunguei:

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Vá embora, moleque, senão chamo a polícia. Está bem, moço. Não se zangue. E, por favor, saia da

minha frente, que eu também gosto de ver o mar (RUBIÃO, 1999, p. 143).

O coelhinho comporta-se como homem ao pedir o cigarro. O homem [o

narrador] que se encontrava sozinho e pensativo com ridículas lembranças, acredita

ser aquele um moleque pedinte que o importuna insistentemente, dando ainda mais

credibilidade à imagem que o coelho queria passar. Ainda neste mesmo trecho, vejo

que o coelho, ao desafiar o narrador para que ele saia da sua frente dizendo que

também gosta de ver o mar, fica nítida outra tentativa de Teleco de afirmar-se

homem.

Teleco, mesmo sendo um estranho, não se apresenta como tal no mundo dos

homens. Pelo contrário, sendo um coelho, isto é, diferente do ser humano, ele tenta

não parecer diferente deles. Conversa com um homem que está contemplando o

mar e, naturalmente, lhe pede um cigarro. O coelho, ao pedir um cigarro, causa a

princípio a este homem, que é o narrador-personagem da história, uma reação de

estranhamento, mas depois o coelho consegue comovê-lo pelo seu jeito cortês de

ser.

Com isso, o narrador-personagem entrega-lhe o cigarro e, a partir daí,

conversam como se fossem velhos amigos. Teleco conta-lhe acontecimentos

extraordinários, aventuras tamanhas (RUBIÃO, 1999, p. 144) demonstrando por isso

ter mais idade do que realmente aparentava (ibidem). Desse modo, Teleco tenta

impressionar o homem, como se fosse numa conversa de igual para igual, isto é,

como se ele, que é um coelho, não apresentasse diferença de qualidade ou valor em

relação a uma pessoa humana.

O animal é personificado. O ser humano não se assusta por ser um animal que

lhe dirige a palavra, apenas estranha o comportamento deste. Em concordância com

Pinheiro, ressalto que Murilo Rubião apresenta sempre o fantástico acompanhado

por uma motivação realista que formará o contraponto do conto e permitirá ao seu

autor manter o controle das fases pelas quais perpassam o narrador e a

personagem Teleco (PINHEIRO, 2001, p. 38).

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Teleco não tinha morada certa, e a rua era seu pouso habitual (RUBIÃO, 1999,

p. 144); talvez por isso tinha olhos mansos e tristes. Com compaixão, o narrador-

personagem convida-o a morar com ele, pois sua casa era grande e morava sozinho

(Ibidem). É interessante observar que o narrador-personagem é uma pessoa que

vive só, numa casa onde tem espaço para outras pessoas, mas que seu convite

deixa claro seu desejo de tentar conviver com o estranho.

Por não ter uma origem, um lugar fixo para onde possa voltar, ou seja, uma

casa, o coelho se vê vitima de sentimentos de tristeza. A sua sorte começa a mudar

depois que ao conversar com um ser humano encontra nele um amigo com quem

aceita morar.

Mas antes mesmo de começar a dividir a mesma casa com o narrador-

personagem, ou seja, o mesmo espaço que antes era morada apenas do ser

humano, o coelho, para se proteger, anuncia o seu problema de identidade, ao

tentar convencer o narrador-personagem que a versatilidade é o seu fraco. Isto é,

Teleco mostra-lhe que está sempre propenso a mudanças. Ora ele pode ser uma

girafa, ora pode ser uma cobra ou um pombo. Desconfiado das intenções do

narrador-personagem, ele indaga-lhe:

Por acaso, o senhor gosta de carne de coelho? Não esperou pela resposta: Se gosta, pode procurar outro, porque a versatilidade é meu fraco. Dizendo isto, transformou-se numa girafa. À noite – prosseguiu – serei cobra ou pombo. Não lhe importará a

companhia de alguém tão instável? (Ibidem).

A partir deste momento podem-se perceber as várias metamorfoses de Teleco.

Além dele mudar de um lugar para outro, seja região, residência, ou até país, porém

sem nunca declarar o nome do espaço em que se insere, ele imita as atitudes dos

humanos e também se transforma em qualquer outro tipo de animal. E isso

acontece de acordo com o que o próprio coelho deseja.

Stuart Hall, em seu livro já citado, trata da questão do sujeito fragmentado,

composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes

contraditórias ou não-resolvidas (HALL, 2001, p. 12). É interessante observar a

fragmentação da personagem Teleco, quando exibe identidades distintas em

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diferentes momentos, que vão sendo deslocadas à medida que ele se identifica, por

um momento, com cada uma delas.

Tendo como propósito copiar as atitudes dos humanos e passá-las por

verdadeiras, Teleco se transforma naquilo que é mais conveniente no momento.

Para garantir o seu sossego no novo lar, já que tem o receio do dono da casa gostar

de carne de coelho, é mais vantajoso para Teleco mostrar a sua instabilidade,

transformando-se em outros animais.

Em outra ocasião, Teleco metamorfoseia-se em vários bichos pelo simples

desejo de ajudar o próximo:

Gostava de ser gentil com crianças e velhos, divertindo-os com hábeis malabarismos ou prestando-lhes ajuda. O mesmo cavalo que, pela manhã, galopava com a gurizada, à tardinha, em lento caminhar, conduzia anciãos ou inválidos às suas casas (Idem).

Teleco se preocupava em tratar bem aqueles que o acolheram, por isso se

transformava conforme a necessidade: ou para ajudar o próximo, ou ser gentil, ou

diverti-los.

Todavia, pelo agiota e suas irmãs tinha antipatia. Transformava-se em leão

para amedrontá-los. Outras vezes, Teleco surgia transmudado em ave que as

possuía todas e de espécie inteiramente desconhecida ou de raça já extinta (Op. cit.,

p. 146). O narrador-personagem exclamava dizendo que não existia tal pássaro,

mas Teleco respondia-lhe que seria sem graça e cansativo se disfarçar apenas em

animais já conhecidos.

Assim como o coelho que se multiplica a todo o momento, com intuito de se

adaptar ao ambiente onde está inserido, o estrangeiro de que Kristeva fala em seu

texto também é marcado por diferentes máscaras para conseguir se adaptar:

Passando uma fronteira (... ou duas), o estrangeiro transformou as suas inquietações em foco de resistência, em cidadela de vida [...] Sem lar, [...] propaga o paradoxo do comediante: multiplicando as máscaras e os “falsos selfs”, ele jamais é inteiramente verdadeiro nem inteiramente falso, sabendo adaptar aos afetos e aos desafetos as antenas superficiais de um coração de basalto (KRISTEVA, 1994, p. 16).

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Nesse sentido, saliento na personagem Teleco um exílio mais difícil que um

exílio imposto, um exílio que o deixa perturbado, sentindo-se estrangeiro em todo o

lugar, pois Teleco não reconhece a si próprio no outro. As marcas de seu corpo

estão à mostra afirmando para ele e para os outros a sua diferença.

Com a identidade desdobrada de Teleco, devido à sua instabilidade, acontece

o primeiro atrito entre ele e o narrador-personagem. Este, ao chegar a casa, depois

de um dia difícil, encontra dois estranhos, uma jovem mulher e um mofino canguru

(RUBIÃO, 1999, p. 146), em sua sala de visitas, sentados no sofá e de mãos dadas.

O narrador, aborrecido por ver a sua casa invadida por estranhos, pergunta à jovem

o que ela pretendia fazer com aquele animal horroroso. No mesmo instante, o

canguru afirmou ser Teleco.

É interessante observar que Teleco, ao transformar-se em canguru, tentou uma

aproximação maior do ser humano, porém não conseguiu o reconhecimento do

narrador, pois este não o viu como um humano. O narrador direcionou a pergunta

para a jovem, pois somente ela poderia explicar tal situação, uma vez que era um

diálogo entre duas pessoas: o narrador e a jovem, e não entre o narrador e um

animal/canguru. A pluralidade de Teleco, que a princípio poderia facilitar o seu

contato com o outro, marca a figura de um ser isolado, de um ser exilado.

Teleco, esforçando-se para se parecer com os humanos, deixa de se

transformar em animais, aleatoriamente (girafa, cavalo, leão, tigre, porco-do-mato,

pulga, bode, ave desconhecida ou de raça já extinta, canguru e perereca), passando

a se transformar simplesmente em homem, tendo como único fim ser visto como tal.

Acreditando serem os homens superiores à condição dele, o coelho se

autodenomina Antônio Barbosa, isto é, passa a ser um sujeito, e Teresa, uma linda

mulher, o acompanha para fortificar ainda mais a sua condição de homem. A busca

de humanizar-se sublinha o desejo do coelho de superar a indiferença e o desprezo

dos homens.

Voltando ao texto de Kristeva, faço uma relação do conto com o pensamento

de que assim como o estrangeiro, com diferentes identidades do seu eu e da sua

diáspora, Teleco é um estrangeiro que procura desesperadamente uma outra

identidade, multiplicando-se em diversos outros animais até chegar a ser homem.

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Teleco não se satisfaz na figura de um coelho. Ele acredita que, para ter o

reconhecimento do outro, a sua única opção é transformar-se num deles. Vejo este

reconhecimento, que o coelho tanto procura, de aproximação com o ser humano,

como uma tentativa de aproximação física em dois sentidos: de parecer fisicamente

com uma pessoa humana e de obter o contato físico com a mesma. Isso demonstra

o isolamento do coelho no meio em que tenta se inserir.

Teleco, como é diferente, não consegue se comunicar com os humanos e por

isso ele acaba se tornando um estranho para ele mesmo. Teleco sofre um processo

de alienação, pois para ele o importante é o outro naquele meio e não ele próprio.

Ele não quer entender que existem diferenças. Seu comportamento de

metamorfosear-se sem parar é a prova de que o coelho quer encontrar uma

linguagem, um aspecto, que o faça identificar-se com o mundo que está à sua volta.

Esta busca desesperada faz-me pensar no sentimento de solidão da

personagem que, sendo de uma outra espécie e por isso deslocado do seu mundo,

uma vez que vive num mundo que não é seu, sente-se como um intruso e por isso

desprezado e solitário.

Conforme Salvelina da Silva, em seu texto “Solidão e exílio: a questão do outro”

um dos caminhos, por certo o mais complexo, o mais labiríntico e o que mais rápida

e diretamente leva ao fracasso, é a procura do outro (SILVA, 2000, p. 86). Ao optar

por ficar entre os humanos, Teleco perde sua forma de coelho e também perde seu

jeito polido de ser. Não satisfeito, apenas, com um novo lugar para morar, Teleco

procura uma identificação mais direta com o narrador-personagem. Sendo assim, se

apresenta com uma nova identidade, como num passe de mágica. O coelho afirma e

acredita que ele se torna homem, na figura de um canguru.

O narrador, dando gargalhadas do ridículo que o seu amigo Teleco acabara de

afirmar e irritado com a insistência de Teleco em afirmar-se homem, expulsa-o de

casa quando este acredita ter tomado a forma humana. Para ganhar mais tempo na

casa do narrador e também como forma de identificar-se melhor com o ser humano,

Barbosa pediu para que não o expulsasse de casa, pelo menos enquanto procurava

emprego (RUBIÃO, 1999, p. 148).

Teleco (agora Barbosa) buscava na figura de canguru a aproximação com o

homem. Todavia, sua frustração acontece, uma vez que a aproximação só foi

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assimilada por meio dos vícios humanos, pois Teleco (agora, Barbosa) começa a ter

hábitos horríveis:

Amiúde cuspia no chão e raramente tomava banho, não

obstante a extrema vaidade que o impelia a ficar horas e horas diante do espelho. Utilizava-se do meu aparelho de barbear, da minha escova de dentes e pouco serviu comprar-lhe esses objetos, pois continuou a usar os meus e os dele. Se me queixava do abuso, desculpava-se, alegando distração (Ibidem)

Nessa transformação há (des)velada crítica do autor ao ser humano, que se

corrompe, degradando-se no convívio social e ainda, depois de ter sido

caleidoscópio de identidades, se fixa em uma que o estraga, passando a ser um

folgado, usando objetos alheios, falando mentiras, e também faltando-lhe boas

maneiras ao fazer as refeições.

O encanto que o narrador-personagem tinha por Teleco começa a se

transformar em repulsa, pois um coelho que se transforma em canguru não poderia

se auto-intitular homem. O narrador-personagem descreve a atual aparência de seu

hóspede: [...] a sua figura tosca me repugnava. A pele era gordurosa, os membros

curtos, a alma dissimulada (Ibidem). Ele sente saudades do amigo coelhinho

cinzento e meigo, que costumava se transformar em outros animais (Op cit., p. 149),

entretanto, Teleco nega a sua forma anterior: Voltar a ser coelho? Nunca fui bicho.

Nem sei de quem você fala (Ibidem).

O narrador-personagem não o aceitava, não o enxergava como um homem,

entretanto as atitudes, ações e reações do coelho eram semelhantes às dos

homens. Todavia, o narrador-personagem aceitava a presença incômoda do coelho,

uma vez que estava encantado por Teresa, conforme confessa: meu amor por

Teresa oscilava por entre pensamentos sombrios, e tinha pouca esperança de ser

correspondido. Mesmo na incerteza, decidi propor-lhe casamento (Op. cit., p. 149).

O narrador-personagem se apaixona pela mulher de Barbosa, antes um

coelhinho, que frequentemente transformava-se em outro animal; depois de muitas

brigas, por causa de ciúmes e pela tentativa frustrada de noivado, enxota-os de sua

casa. Também, Teleco era reconhecido pela sua namorada como um homem e isso

aumentava os ciúmes no narrador-personagem, pois as atitudes e comportamentos

do coelho eram realmente os mesmos de um ser humano, mas seu corpo (físico)

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não. O narrador tenta chamar a atenção de Tereza dizendo ser tolice de Teleco

querer nos impor sua falsa condição humana (Ibidem); ela, pensando em obter

vantagem com a companhia de Antonio Barbosa (ex-coelho), responde de forma

convicta: - Ele se chama Barbosa e é um homem (Idem).

Porém, Tereza confirmava que Teleco era homem por simples interesse de

explorar as habilidades dele. Assim Tereza encerra o diálogo com o narrador: A sua

proposta é menos generosa do que você imagina. Ele [Teleco] vale muito mais

(Idem).

Um tempo depois, Teresa desapareceu. Teleco relembra de maneira reticente:

- Havia muitas cores... o circo... ela estava linda... foi horrível... (Op. cit., p. 151).

Depois do desaparecimento de Teresa, Teleco volta à casa do narrador,

transformando-se continuamente em vários animais, pequenos como um rato e

enormes como um hipopótamo, ficando pelos cantos a tremer; deixa de ser homem

(Barbosa) e volta à sua inconstância anterior.

É significativo notar que para Teleco afirmar-se homem era preciso que os

outros o reconhecessem como tal. Mas não era totalmente possível receber esse

reconhecimento apenas comportando-se como um ser humano. Era preciso deixar a

forma de um canguru e adquirir a forma humana.

Não conseguindo esta aparência depois de muitas tentativas, Teleco

transforma-se apenas em pequenos animais, até que um dia fixa-se na forma de um

pequeno carneiro: Por fim, já menos intranqüilo, limitava as suas transformações a

pequenos animais, até que se fixou na forma de um carneirinho, a balir tristemente.

Colhi-o nas mãos e senti que seu corpo ardia em febre, transpirava (Op. cit., p. 152).

Doente e triste, o carneirinho ardia em febre e o narrador-personagem sentia o

corpo do animal transpirando, ao segurá-lo em seus braços. Com o retorno de

Teleco, como forma de remissão, o narrador-personagem pôde sentir novamente o

carinho que possuía pelo amigo, antes de Teresa aparecer na vida dos dois. Mas já

era tarde demais, pois a frustração de Teleco termina de forma trágica: não

conseguindo identificar-se com os outros seres humanos, ao final da história, morre

transformado em uma criança desamparada:

Na última noite, apenas estremecia de leve e, aos poucos, se

aquietou. Cansado pela longa vigília, cerrei os olhos e adormeci. Ao

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acordar, percebi que uma coisa se transformara nos meus braços. No meu colo estava uma criança encardida, sem dentes. Morta (Ibidem).

Vera Lúcia Andrade e Wander Melo Miranda assinalam que o desejo do animal

de reconhecer-se numa imagem humana fixa e estável, que dê fim à sua oscilação

entre ser e não ser, resulta na morte que se faz visível na metamorfose derradeira

(Cf. ANDRADE e MIRANDA, 1987, p.12).

Ainda nesse mesmo sentido, Schwartz afirma que as metamorfoses de Teleco

nada mais são do que tentativas frustradas de adequação ao mundo; que a última

das transformações seja a de uma ‘criança encardida, sem dentes. Morta’

(SCHWARTZ, 1987, p. 7). Por não conseguir desempenhar o papel em questão

sofre a frustração de não se transformar em um humano.

O tema da metamorfose, que foi introduzido no conto “O Ex-Mágico”, continua

aparecendo em outros contos. As transformações seguidas de ‘Teleco, o Coelhinho’,

revelam, conforme Schwartz, uma tentativa vã de adaptação a um mundo onde não

há mais lugar para valores como a pureza e a inocência (SCHWARTZ, 1982, p. 43).

Para Schwartz, o clima lúdico do conto é conveniente para mascarar questões

profundas da existência humana.

Fazendo uma relação do conto com a situação vivida pelo escritor durante a

produção dessa narrativa, acredito que a inadequação do coelhinho no universo

humano remete à inadequação de Murilo Rubião fora de seu ambiente, de seu país.

Murilo Rubião disse em entrevista a Mirian Chrystus, publicada no Suplemento

Literário do Minas Gerais (1987), que a essência permanece intocada16; sua

identidade, no entanto, foi alterada, uma vez que ele passou pelo sentimento de

exílio, quando esteve longe de seu ambiente, isto é, num lugar também que não era

o seu.

Mas ainda mais forte, percebo que Teleco, diferentemente de Murilo Rubião,

que cultivava o sentimento de solidão desde a sua infância, não queria conservar

16 Na entrevista, esta foi a primeira resposta do escritor, quando a entrevistadora abriu a seguinte questão: Será que nós mudamos muito com a vida? Ou será que permanecemos os mesmos, na essência?

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este sentimento, pelo contrário, tentava a todo custo se aproximar do outro, a todo

momento.

O coelhinho é condenado à morte por ser um desterrado. Suas tentativas foram

em vão no que se refere à sua integração no mundo que não é seu. Ele é um

peregrino no mundo. Suas transformações são um meio para achar resposta de

identificação. Sua forma de reagir à solidão, por ser diferente, de minoria e

desprezado, é tentando uma aproximação com os homens: falando a língua deles,

fumando um cigarro, vestindo-se como eles, isto é, tendo os mesmos hábitos e

costumes e até tentando a mesma aparência física deles.

Teleco não consegue administrar o mosaico de identidades em que ele se

transmuta ao tentar se adequar no mundo dos humanos, ou seja, se adequar num

mundo que não é o seu. Desse modo, ao final do conto o coelho não suporta a sua

última transformação e morre.

A solidão que esteve sempre presente na vida de Murilo Rubião, vejo de forma

sutil sentida pelo narrador-personagem do conto “Teleco, O Coelhinho”, quando o

narrador-personagem afirma morar sozinho numa casa tão espaçosa. A casa grande

dá idéia de maior solidão, de estar sempre esperando que seja preenchida, pelo

grande espaço que possui. Assim, o narrador-personagem leva um companheiro

para morar com ele nesta casa. Outro fator que demonstra a solidão do narrador-

personagem é o fato de ele não conseguir o amor de Teresa. Sente-se rejeitado,

pois a mulher prefere ficar ao lado de um animal a ficar ao lado dele, que é homem.

O conto, de certa forma, reflete o que se observa ao longo dos anos no caráter

de Murilo: o sentimento de solidão, a vida solitária num espaço geográfico só seu (a

casa do narrador, o apartamento da Serra), a falta de conexão permanente com o

sexo oposto, a generosidade de sentimentos para com os outros seres, a

aproximação com os outros desde que não haja identificação muito próxima.

Teleco, apesar de se mostrar resistente à solidão, também a sente, uma vez

que não encontra a si próprio, pois quer ser o outro. E nessa busca de ser o outro, o

sujeito Teleco se torna plural, isto é, ele é composto de diferentes identidades,

tornando-se, pois, um sujeito fragmentado.

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Considerações finais

Partindo de um depoimento do escritor Murilo Rubião, encontrado em uma

entrevista, organizada pelo professor Jorge Schwartz, na busca de subsídios para

este o que me chamou a atenção foi o fato de ele relembrar uma fase de sua vida

que passou fora de seu país. Ele falava do período de 1956 a 1960, época em que

morou em Madrid. O contista, revelando que sofreu a sensação de exílio à época,

disse que até então não sabia o que era ser estrangeiro e que naqueles anos

escrevera apenas um conto, “Teleco, O Coelhinho”.

Minha idéia inicial era fazer um estudo deste conto, examinando as

circunstâncias sob as quais Murilo havia vivido em Madrid naquele período, e que

dificuldades ele havia enfrentado que o teriam levado a trabalhar apenas um conto

durante quatro anos, sendo que, ao voltar ao Brasil depois deste período, ainda

levaria alguns anos para finalmente publicar o conto em uma nova antologia.

Para realizar o estudo de sua vida nesse período, achei que o melhor

caminho seria me aprofundar em seu acervo, mantido na Biblioteca Central da

UFMG da mesma forma como havia sido organizado por ele mesmo, e que continha

não só sua biblioteca mas também sua extensa correspondência, recortes de jornal

e todas as outras memorablia que haviam sido organizadas por ele.

Iniciei minha pesquisa no acervo buscando documentos que faziam

referência somente àquela época, incluindo-se aí a correspondência etiquetada

como “Correspondências Madrid”, após cuja consulta faria uma leitura do conto

mencionado, tentando perceber se existia algum reflexo do sentimento de exílio na

sua produção de época. Supunha que as correspondências trocadas entre o escritor

e seus correspondentes dariam conta do sentimento manifestado por Murilo, e talvez

servissem de subsídio para um estudo da questão do exílio no conto “Teleco, o

Coelhinho”.

No início, estava convencida de que estes documentos, pela quantidade

coletada, seriam peças-chave da pesquisa, mas com o desenrolar desta, observei

que apenas aquelas cartas não davam conta de perceber o homem e escritor Murilo

naquele período. Poderia ser porque as cartas a que eu tive acesso eram apenas as

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recebidas por ele e não as escritas pelo próprio punho do homem que eu desejava

estudar? Pensei que estava então esbarrando num problema para o

desenvolvimento da pesquisa. Como trabalhar o sentimento de exílio do escritor com

textos escritos por outrem?

Encontrei esta resposta lendo cada uma das cartas. Fui percebendo como

que, apesar de o material analisado ter sido apenas a correspondência escrita pelo

outro, ou seja, aquelas recebidas por Murilo e não aquelas escritas pelo mesmo, a

voz de Murilo apareceu implícita em todas as cartas-respostas. As respostas às

cartas de Murilo deixavam marcas de sua voz angustiada.

É interessante ressaltar que, ao procurar no acervo as correspondências

arquivadas pelo escritor, encontrei em seus guardados algumas cartas da escritora

Henriqueta Lisboa, que fica localizado, também, no Acervo dos Escritores Mineiros.

Sendo assim, verifiquei, no inventário dessa poetiza, suas correspondências

pessoais, com a intenção de encontrar algumas cartas de Murilo. Encontrei apenas

dois cartões postais que Murilo enviou a Henriqueta: um datado de 30 de março de

1972 e o outro de 12 de dezembro de 1984. Nenhum destes documentos foi

utilizado nesta pesquisa, uma vez que não datavam do período proposto neste

trabalho.

Somente no acervo do contista Murilo, coletei o material para minha pesquisa.

Dessa forma, não tive acesso às cartas escritas por ele e sim às cartas recebidas.

Nessas correspondências passivas, a voz de Murilo se fazia presente, uma vez que

o assunto do seu correspondente era o próprio Murilo, seja dando força ao mineiro

para agüentar esperar mais um pouco para a sua vinda ao Brasil, quando se

mostrava ansioso, seja animando-o para continuar a produzir textos literários,

quando ele se mostrava desanimado, seja para consolá-lo, quando se sentia

entediado e solitário.

Mas ainda assim senti falta da voz explícita do escritor nas correspondências.

E acreditando que o leitor também poderia criar uma expectativa no que se referia às

correspondências do contista aqui tratado, procurei validar este estudo com algumas

entrevistas, onde a voz do contista estava explícita.

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Dessa forma, recorri aos depoimentos do escritor em entrevistas. Por não

haver grande número destes documentos, li todos os recortes de entrevistas

guardadas pelo escritor.

As entrevistas foram analisadas estrategicamente no primeiro capítulo, com

intuito de dar um panorama geral do homem Murilo Rubião para, ao segundo

capítulo, as correspondências passivas completarem os depoimentos do próprio

escritor.

Uma das entrevistas, de maneira especial, chamou-me a atenção desde o

início, porque no começo desta o escritor relembra sua infância e deixa registrados

seus sentimentos de sua época de criança, onde fala de sua sensação de cultivo à

solidão desde a infância.

Percebi também que não só nesta entrevista, mas em muitas delas, havia

uma grande ocorrência de depoimentos no que se referia ao cultivo da solidão do

escritor até sua fase madura. Assim, a pesquisa foi tomando outro rumo, pois o

sentimento de exílio reclamado pelo contista que eu antes pensara pertencer à

época em que ele declarou ter se sentido pela primeira vez um estrangeiro foi se

revelando como um sentimento de solidão cultivado pelo próprio escritor desde

criança.

Como observado nas entrevistas, o mais recorrente no que se referia a

pessoa de Murilo era sua fixação pela solidão. “O solitário da serra” era seu apelido.

Morava mais afastado e sozinho. Na sua casa ele mantinha apenas uma empregada

que, conforme Murilo, era muito discreta, jamais impondo a sua presença. Sendo

assim, Murilo conseguia tê-la por perto. Não lhe agradava compromissos com

atividades e horários. Nem para as refeições. Murilo não queria voltar para a casa só

porque estava na hora do almoço. Ele sempre primou pela liberdade de ir e vir, sem

determinar horas. Em uma carta de Rachel, uma ex-namorada de Murilo, esta deixa

claro que ele também tinha horror ao compromisso com uma mulher, pois ela afirma

que Murilo havia fugido dela por isso.

Murilo Rubião, assim que saiu da casa de seus pais, tomou gosto por uma

vida mais reservada. Sentia-se mais livre para fazer o que queria e era ele quem

estipulava os horários para suas atividades diárias. Murilo sentia-se feliz por estar

só. Retomando as palavras de Schopenhauer, penso que Murilo buscava a paz na

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solidão, ele escolhia a solidão, diferentemente da perspectiva adotada por Octavio

Paz, que diz que não escolhemos a solidão, pois ela nos acontece, quando

nascemos e morremos. Daí, tentamos, no decorrer da vida, suprimi-la.

Murilo tentava suprimi-la quando a solidão acontecia sem que ele desejasse.

Dessa forma, saía de casa quando a solidão apertava, “catando” os amigos. E

quando desejava se recolher, procurava na solidão o seu sossego.

No decorrer de minhas buscas e leituras, comecei a perceber que a solidão

era algo bom e por isso escolhida pelo contista, e passei a observar o período em

que Murilo sentiu-se um estrangeiro, um solitário em terra estranha, a partir das

correspondências passivas.

Assim, quando li as primeiras cartas, fui surpreendida com a alegria ibérica do

mineiro, uma vez que no depoimento concedido anos mais tarde em entrevista, ele

afirmara ter tido pela primeira vez a sensação de ser um estrangeiro.

Totalizando quatrocentas e noventa e seis correspondências consultadas, no

acervo do escritor Murilo Rubião, pude perceber que nenhuma vez Murilo reclama

por sentir-se como um estrangeiro, pelo contrário, conforme as cartas de seus

correspondentes, Murilo se mostra muito adaptado e feliz em Madrid, logo nos

primeiros meses fora do Brasil. Mas em algumas cartas os amigos deste mineiro

registraram a saudade reclamada por ele. Apesar de todo conforto e de sua rápida

adaptação em terra estrangeira, Murilo não escondia, pouco depois de sua chegada,

sua impaciência em rever os amigos e de voltar ao Brasil.

Pelas correspondências de seus parentes e amigos, observei que, no que se

refere às suas viagens ao Brasil enquanto adido cultural na Espanha, o contista

ficava à mercê das determinações do governo brasileiro, pois se quisesse vir ao

Brasil tinha que esperar ser chamado a serviço ou senão esperar ordens de

terceiros, no que se referia à sua licença para se ausentar do serviço e,

principalmente, ao dinheiro para as passagens.

Por essa dependência, e não podendo ou não querendo fazer suas viagens

ao Brasil por sua conta, ele passava meses a fio em seu posto em Madrid, apenas

sonhando em fazer uma viagem de férias para ver familiares e amigos. Neste

período, a solidão não era sempre escolhida por ele, mas sim imposta pelas

circunstâncias de seu trabalho. Murilo Rubião experimentava um isolamento

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diferente daquele vivido antes deste período, pois experimentava pela primeira vez o

que era se sentir só e estrangeiro. Ele, neste momento, ficava, de certa forma,

impedido de rever as pessoas quando e onde quisesse. É sobre esse sentimento

que ele, anos mais tarde, se refere quando, na entrevista organizada por Jorge

Schwartz, deixa explícito seu sofrimento sentido àquela época porque até então não

sabia o que era ser um estrangeiro, e para ele, sendo um mineiro, em terras

estranhas, era muito mais trágico.

Nas cartas, seus amigos se mostravam preocupados, e porque não dizer

curiosos, para saber como o mineiro estava se sentindo num país estranho.

Sabendo que Murilo estava “sofrendo a distância nostálgica”, “angústia em noites

terríveis de tédio”, “sentindo-se abandonado pelos amigos” e “deprimido”, muitos

correspondentes se preocupam com a solidão de Murilo em terra estrangeira.

Seu amigo Otto Lara Resende, no entanto, não se mostra tão preocupado,

uma vez que já o conhecia bem, a ponto de dizer que supunha que a melancolia e o

recolhimento que estava sentindo não eram por motivo especial, mas o seu estado

normal melancólico e recolhido de sempre. Este mesmo amigo afirma que ficaria

satisfeito de ter Murilo como “companheiro de exílio” em Madrid e fica preocupado

apenas com a possível permanência do amigo nessa cidade, pois se tal

acontecesse, ela sabia que Murilo sentiria muita saudade de Belo Horizonte. Otto diz

estar ciente de que a permanência de Murilo em Madrid já estava garantida por lei

no Congresso.

Murilo, durante os quatro anos que morou na Espanha, voltou ao Brasil pelo

menos duas vezes, no ano 1957 e 1959, de acordo com as correspondências

consultadas. Durante uma boa temporada de regresso ao Brasil, Murilo invejava

seus correspondentes por tamanha felicidade de estar de volta a Belo Horizonte. E,

durante o tempo em que residiu em Madrid, Murilo era visitado por vários amigos

brasileiros. Sua mãe e irmã também estiveram por lá. Segundo as correspondências,

Murilo teve a companhia de sua mãe, em Madrid, por mais de um ano.

A solidão foi por vezes explicada pelo escritor como um sentimento

conseqüente de sua dedicação à literatura. Ele se subordinava a ela porque senão

ela o abandonaria. É importante lembrar que a solidão de Murilo sempre teve como

escorredouro a literatura, seja no tempo em que era criança, quando se refugiava

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num canto para fazer suas leituras ou ainda na fase madura, quando lia

compulsivamente ou mais tarde quando produzia sua própria ficção.

O isolamento cultivado pelo contista durante a sua vida toda sempre foi

considerado por ele como algo bom, exceto quando, já mais maduro, se lembrou do

tempo em que partiu de sua terra natal para viver quatro anos em Madrid. Murilo

lembra-se desses anos com o sentimento de um exilado, um estrangeiro, um

solitário, apesar de ter vivido bem, ter feito amigos, ter tido namorada, ter

aproveitado o que o outro país lhe oferecia.

Quando foi para Espanha, Murilo já pensava em não escrever mais. De fato,

durante aquele período trabalhou em apenas um conto, como já foi dito, conto esse

que já havia sido rascunhado quando morou no Rio de Janeiro: “Teleco, O

Coelhinho”. Apesar das cobranças de seus correspondentes acerca da produção

literária do contista e principalmente de uma nova publicação, nada aconteceu em

sua vida de escritor, nem novos escritos e nem novas publicações. Somente cinco

anos depois que já se encontrava no Brasil foi que saiu o livro Os Dragões, que

incluía o conto aqui citado.

A princípio, neste momento do trabalho, a idéia era fazer apenas uma leitura

do conto “Teleco, O Coelhinho”; no entanto, ao levantar o material da crítica sobre o

gênero fantástico e em especial sobre a obra de Murilo Rubião, e diante de todas as

descobertas feitas em relação ao sentimento de solidão que o escritor nutriu em toda

a sua vida, percebi que toda a crítica apontava para essa solidão na obra do

contista. Em primeiro lugar, a própria obra de Murilo, em sua essência, por estar

inaugurando um gênero, apresenta uma forma insólita no âmbito nacional – sua

produção não estava inserida em nenhum gênero, pois até então o gênero

fantástico, no qual sua obra foi inserida, era incomum. Ao publicar seus primeiros

contos, Murilo já se destacava como um solitário na literatura brasileira.

Sua produção literária, desde o começo de sua carreira, não foi tarefa fácil.

Não havia uma tradição fantástica no Brasil. Seu mestre, Mário de Andrade, também

não sentiu total certeza em afirmar o que o iniciante produzia. Isto é compreensível

uma vez que, do ponto de vista geográfico temporal, a obra de Murilo apareceu de

maneira incomum. A temática dos contos, assim como sua narrativa, era

desengajada de qualquer movimento literário no Brasil.

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Sendo assim, Murilo Rubião foi pioneiro na narrativa fantástica na literatura

brasileira. Como observou Rui Mourão, ele não se parecia com ninguém que tinha

vindo antes. E Fábio Lucas foi categórico ao afirmar que a literatura de Murilo foi

uma aventura solitária. De fato, a produção de Murilo não tem parentesco no âmbito

nacional. Nasceu solitária e permaneceu por muitos anos dessa forma.

Em segundo lugar, percebi que todos os contos de Murilo lidam com questões

de solidão, de diversas formas e em variadas circunstâncias. Assim, achei por bem

fazer uma leitura geral da obra de Murilo antes de aprofundar-me na leitura do único

conto que ele escreveu durante aquele período que me propus a pesquisar. Os

pequenos trechos destacados no capítulo 3, quando examino as instâncias de

solidão apresentadas em seus contos, reiteram, em minha opinião, a questão da

obra solitária de Murilo, não só na forma quanto no conteúdo.

Investigando um período específico da vida do contista, quando ele se sentiu

como um exilado, solitário, descobri que a solidão o acompanhou desde a infância

até a sua fase madura e, muito mais, descobri que esta solidão é extensiva aos seus

personagens e que a sua escolha pelo gênero fantástico, apesar de dar lugar de um

pioneiro ao contista, valeu-lhe a demora no reconhecimento como grande escritor.

Ele passou muitos anos sem ser reconhecido como tal, uma vez que a sua obra

estava desengajada das outras produções da época, quer dizer, a sua produção

também esteve por tempos solitária no meio literário. Sua solidão está refletida em

sua obra.

Assim, acredito que Murilo Rubião foi solitário também em sua produção

literária, pois apenas ele escrevia contos fantásticos no Brasil. Ninguém entendia a

sua arte. Não era para menos, pois ninguém ainda tinha escrito coisa parecida. Ele

foi o precursor do realismo fantástico entre nós.

Murilo era um torturado pela necessidade da escrita – sentia-se confuso no

começo de sua carreira literária. Em 1939, como repórter no jornal Folha de Minas,

ele começou a se corresponder com o escritor Mário de Andrade, mestre respeitado,

que se mostrou atento às angústias do iniciante, no que se referia a literatura.

Mesmo sem saber ao certo lidar com o tipo de literatura que Murilo criava, o

modernista não ignorou a sua produção. Porém, antes mesmo de Murilo partir para a

publicação de seu primeiro livro, o seu mestre o abandona, ao falecer em 1945.

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Assim Murilo se vê solitário novamente em meio às idéias confusas que se

amontoavam dentro dele.

O estar só, afastado, reduzido à solidão, não é característica apenas do

homem Murilo, em um período específico. Esta característica perpassa por

diferentes momentos na sua vida como também na vida de seus personagens.

Murilo escreveu não só um conto que têm como essência a solidão, mas durante

toda a sua carreira de escritor deixou marcas de isolamento, solidão, ausência etc.

em seus personagens.

Daí a analogia da solidão destas personagens com a solidão do escritor.

Pude perceber, após minhas extensivas leituras a respeito do autor, que, conforme

ele próprio havia declarado, em seus contos há passagens de sua vida, quer dizer,

muito de seu sofrimento é transferido para seus contos, mas estes, conforme o

contista, não podem ser considerados autobiográficos, pois as passagens de sua

vida, que são a realidade aparente, são substituídas pela realidade artística.

Não entendendo como autobiografia, Murilo fez de sua obra metáfora de sua

solidão. Ele sempre viveu como exilado. Fechado em si mesmo, destacava seu

isolamento no que se referia ao seu íntimo, isto é, sempre declarava gostar da

solidão. Ao criar, transferia sua solidão para seus personagens. Estes são cercados

pela solidão, vazio e silêncio. Caminham sozinhos, por lugares tristes. Têm medo de

aproximação com o outro; alguns deles, quando conseguem uma aproximação,

terminam a narrativa em infortúnio conjugal.

Murilo declarou, na entrevista a Miriam Chrystus, que desde criança percebia

que era diferente das outras crianças por gostar de cultivar a solidão. E quando

adulto, produzia um tipo de literatura diferente naquela conhecia pelo público. Assim

como o próprio escritor acreditava que ele era diferente das outras crianças, uma

vez que, em determinado momento, se isolava dos outros com a companhia apenas

de um livro, acredito que sua literatura também marcava seu isolamento quando

adulto no mundo das letras, pois ele fazia algo diferente do que era publicado na

época. Assim, o curioso é que a sua produção literária também aparece solitária.

Mas o que é realmente surpreendente é o paradoxo que o envolve, pois ele

foi uma pessoa exilada, no sentido de cultivar a solidão por todo lugar onde passou;

no entanto, por onde passou encontrou o seu lugar. Segundo ele, em Madrid

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encontrou seu lugar para fazer suas leituras. Este foi o lado positivo durante os

quatro anos que morou lá, conforme afirma.

Ali, Murilo conseguiu escrever apenas um conto, talvez por ter sofrido a

ausência de Minas, como foi observado por Fernando Sabino e João Cabral de Melo

Neto. No entanto, ressalto que o contista não tinha o hábito de apresentar textos

inéditos com muita freqüência. Pelo contrário, passava mais tempo reelaborando

textos já publicados até a exaustão, com uma única preocupação: buscar a clareza

para a intriga do conto fluir naturalmente. A insistência de Murilo em estar

constantemente burilando a linguagem e a estrutura de contos escritos

anteriormente vão ser também marca do trabalho solitário que o contista

desenvolveu. Na verdade, a literatura já é, em si, uma tarefa solitária.

Murilo declarou, em sua maturidade, que não sabia, até ir morar em Madrid, o

que era ser estrangeiro. Durante 1956 a 1960 sofreu tal experiência. E neste

período, deu vida a uma personagem chamada Teleco. Teleco, o coelho, sentindo-

se exilado no universo humano, deixou perdida pelo caminho sua identidade. As

suas transformações oriundas de suas inquietações esgotam-se aos poucos em

solidão e angústias.

O vazio que a personagem alimenta na busca de ser o outro, mutila seu

desejo pessoal de ter o outro por perto. Por causa das excessivas metamorfoses do

coelho, com o propósito de parecer homem e viver como tal no meio deles, o próprio

coelho se afasta cada vez mais do contato com o ser humano. Ele não consegue

viver no mundo que idealizou como o seu. Desejava estar no meio dos homens, mas

esteve sempre a sua margem para depois desaparecer. Dessa forma, de tanto se

preocupar em ser o outro e não ele mesmo, o coelho teve um final trágico. O coelho

solitário chegou e, mesmo com todos os seus esforços, solitário permaneceu, pois

não conseguiu se adaptar, não conseguiu se socializar.

Apesar de todos os esforços da personagem Teleco para se aproximar das

pessoas, tentando conviver numa mesma casa com um ser humano e se

relacionando com uma mulher, ele não conseguiu sentir-se pertencente ao grupo

social. É importante dizer que, ao contrário dele, Murilo sempre foi uma pessoa

sociável, mesmo parecendo algumas vezes não sê-lo, como no exemplo citado em

que Murilo relembra seus tempos de criança quando se refugiava num canto com

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um livro na mão, já com suas angústias e seus pensamentos. Saliento, portanto, que

o isolamento de Murilo é interiorizado. Quando criança, por exemplo, jogava futebol

na rua com outras crianças e quando adulto, freqüentava o Bar Trianon, recebia

amigos em sua casa, como um perfeito anfitrião, correspondia-se com um número

grande de pessoas e a sua profissão exigia contato direto com o público, seja

quando trabalhou no jornal Folha de Minas, seja quando trabalhou como chefe no

Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil em Madrid. Como foi

visto, Murilo não evitava contato com outras pessoas, o que ele não queria era

deixar de ter um tempo para isolar-se quando desejasse.

Percebi, ao ler os diversos depoimentos, cartas, entrevistas, que Murilo

Rubião não era um homem infeliz, ou deslocado, ou isolado. Percebi apenas uma

ênfase na solidão, na solteirice, na liberdade do homem em fazer suas refeições,

onde e quando quisesse, sem amarras a família, a empregada ou mesmo amigos.

Murilo não era um ermitão nem tampouco um misógino – gostava do contato com

outras pessoas, homens e mulheres, apenas era em seu íntimo um solitário.

Acredito que Murilo, apesar de não ter se queixado muitas vezes ou por não

ter se lamentado com um número maior de amigos, sofreu de fato o exílio geográfico

quando em Madrid, pois o sentimento foi declarado por ele, de maneira explícita, em

entrevistas, anos depois. Acredito que talvez pelo distanciamento daquela época

com a atual (quando concedeu a entrevista), Murilo se sentiu mais à vontade para

fazer tal revelação.

Não notei amargura em Murilo pela sua vida solitária. Mas, como ele mesmo

disse, ele transforma a realidade aparente em realidade artística, e na sua produção

encontrei essa ênfase no protagonista solitário.

Sua solidão é exteriorizada em sua obra. Solidão que só ele sabe que tem.

Essa diferença ele não fala para ninguém, a não ser quando deixa estampada em

sua obra. Quando menino ele já sabia de sua diferença, mas não a demonstrava

para os companheiros. Brincava de futebol com amigos e depois se isolava.

Quando começou a escrever e publicar, sua solidão ficou mais perceptível e ficou

ainda mais explícita quando o próprio escritor começou a declarar em entrevistas o

seu gosto pelo recolhimento, isolamento.

É interessante observar a vivência de Murilo Rubião durante sua experiência

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de morar fora do seu país, a voz magoada de quem, ao encontrar-se distante de seu

chão de origem, onde permanentemente se vê em espaço que não lhe pertence,

espaço de outrem, sente fortemente a solidão.

Quando voltou de Madrid, Murilo vendeu o carro que trouxe de lá e comprou

um sítio, na cidade de Lavras, onde lia, escrevia, descansava e fazia jardinagem,

sem nenhum compromisso de tempo ou qualquer trabalho, pois nesta época Murilo

tinha cinco dias de folga por semana por causa do plantão na Imprensa. O contista

preferiu novamente o isolamento.

Sair de seu país poderia ter sido tarefa fácil uma vez que sempre cultivou o

sentimento de solidão, sempre preferiu o isolamento. Porém, sofreu. Sofreu a

saudade de sua terra. Ele preferia o isolamento, mas dentro do seu espaço, do lugar

onde ele escolheu para ficar sozinho. Para Edward Said, o exílio não é uma questão

de escolha, quer dizer, nascemos com ele ou ele nos acontece. E Octavio Paz diz o

mesmo quando se refere à solidão, ou seja, também não a escolhemos, ela nos

acontece.

Caminhar sozinho no mundo parece ser o destino de algumas pessoas e,

certamente, penso que esse era o caso de Murilo Rubião, e ele capitalizou essa

circunstância tanto na sua vida quanto na vida de seus personagens. O exílio para Murilo, não pode ser resumido em apenas um conceito geográfico, pois exílio para

ele é antes de tudo um velho sentimento de estranheza que o acompanha desde a

infância. O exílio é sua própria solidão cultivada desde menino.

Enfim, o presente trabalho, iniciado a partir de uma atração pelo conto

“Teleco, o coelhinho”, fez um percurso pela vida e a obra de Murilo Rubião, com

ênfase no período em que ele morou em Madrid, destacando o sentimento de

solidão, de exílio, que não só o próprio autor marcou em suas entrevistas, mas que

repetidamente seus críticos exaltam em sua obra. Obra esta que apresenta a solidão

refletida do autor marcada nas personagens pela necessidade do isolamento, da

ausência, da solidão inevitável das personagens.

Referências Bibliográficas

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