adoração bíblica

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Revista Os Puritanos sobre adoração reformada

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Page 1: Adoração Bíblica
Page 2: Adoração Bíblica

2 Revista Os PuRitanOs 4•2009

EDITORIAL Manoel Canuto

Temos hoje uma verdadeira batalha em torno da defesa da

liberdade religiosa. Muitas entidades, até mesmo não religio-

sas, buscam a defesa da livre prática das muitas crenças. E

toda esta batalha gira essencialmente em torno do modo como se

presta culto à sua divindade. O mundo tem defendido, com poucas

exceções, que cada pessoa adore livremente ao seu deus. Alguns,

e não poucos, manifestam a opinião de que não se deve condenar

nenhuma religião, sob pena de incorrer em condenável crime do

preconceito contra a cidadania. Todos dizem que qualquer pessoa

tem o “direito” de adorar ao deus que deseja e da forma que imagina.

I. G. Vos afirma que se esta palavra “direito” não for bem entendi-

da teremos muita confusão e mal entendido. Na verdade há uma

diferença entre direito civil e direito moral. O direito civil tem sua

validade no âmbito da sociedade humana, mas o direito moral tem

validade no âmbito da Lei moral de Deus. Ninguém pode impedir

que um homem de muitas posses gaste seu dinheiro em orgias e

em práticas mundanas se esse é seu desejo. O que o governo pode

e deve fazer é cobrar deste homem, que ele pague seus impostos e

não proceda de forma a afrontar ou prejudicar qualquer cidadão.

No entanto, quando este homem está diante de Deus, usando des-

tas práticas carnais, ele tem de abandoná-las e pensar naquilo que

Deus determinou que não deve ser feito, sob pena de ser condenado

ao prestar contas no dia do juízo. Assim, podemos entender que a

lei civil garante a qualquer pessoa cultuar seu deus como desejar ou

até mesmo nunca cultuar, desde que alguma coisa escandalosa não

seja praticada, ou não coloque em risco a vida de alguém ou não

degrade a sociedade civil.

Mas muitos crentes imaginam que esta lei civil de liberdade reli-

giosa deve ser aplicada nas igrejas de hoje. Esquecem que diante da

Lei moral de Deus ninguém tem o direito de adorá-Lo da forma como

deseja. O homem tem uma natureza corrompida e esta corrupção

o leva sempre a buscar uma forma impura de cultuar a Deus, mes-

mo que suas intenções sejam sinceras. Desde cedo o homem teve

de aprender a cultuar ao Criador. Foi-lhe necessário adorar com fé,

para que Deus aceitasse sua adoração ― fé em alguma verdade. O

homem tem de adorar crendo na vontade de Deus revelada. Vemos

em toda a Escritura que Deus sempre estabeleceu o modo correto do

homem adorá-lo. Deus sempre colocou diante do homem princípios

para a pureza da adoração. Deus não pode ser cultuado segundo as

imaginações e invenções humanas, nem através de qualquer repre-

sentação visível. A ênfase é que Deus não pode ser cultuado através

de nenhum outro modo que não seja prescrito ou ordenado nas

Escrituras. Por isso o crente não pode pensar como o mundo pensa.

Sua liberdade religiosa não deve ser vista como uma liberdade para

fazer o que deseja, mas como uma libertação das ciladas e amarras

de Satanás que o incita a adorar da maneira que ele pensa; o Cristão

é liberto de seus pensamentos carnais para fazer a vontade de Deus

revelada na Bíblia.

Segundo as Escrituras, o culto não deve ser prestado a anjos, nem

a santos, nem a qualquer outra criatura, mas somente a Deus Pai, Fi-

lho e Espírito Santo. Deve ser um culto simples através da oração com

ações de graça, da leitura das Escrituras, da sã pregação da Palavra,

do cântico dos salmos, pela administração correta dos sacramentos e,

em ocasiões especiais, com ações de graça, jejum, votos e juramentos.

Assim dizem os teólogos de Westminster.

Somos gratos aos reformadores por redescobrirem o culto sim-

ples praticado no período apostólico. Dr. Pipa de Greenville ilustra

aos seus alunos a simplicidade do culto reformado, dizendo: “Outra

maneira de pensar sobre a simplicidade do culto é o que chamo de

portabilidade (de portátil) de culto. Portabilidade significa que nós

podemos realizar nossa adoração em qualquer lugar. Essa é a sim-

plicidade da adoração, nós apenas precisamos de um púlpito, uma

mesa para a comunhão, um livro de louvor, um pequeno frasco de

água, um pouco de vinho e um pão ― isso é o suficiente”. Quão dife-

rente dos dias de hoje! Não preciso mencion ar as distorções cúlticas

praticadas hoje quando este princípio da simplicidade é esquecido.

Deus adverte no 2º mandamento: “porque eu sou o SENHOR,

teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até

à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem e faço miseri-

córdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus

mandamentos” (Ex 20:5-6).

Boa leitura.

O Culto Simples

REVISTA OS PURITANOSAno XVII - Número 4 - 2009

EditorManoel [email protected] EditorialJosafá Vasconcelos e Manoel Canuto

RevisoresManoel Canuto; Linda OliveiraTradutoresLinda Oliveira; Marcos Vasconcelos, Márcio Dória, Josafá VasconcelosProjeto Gráfico e CapaHeraldo F. de AlmeidaImpressãoFacioli Gráfica e Editora Ltda.Fone: 11- 6957-5111 — São Paulo-SP

OS PURITANOS é uma publicação trimestral da CLIRE — Centro de Literatura ReformadaR. São João, 473 - São José, Recife-PE, CEP 52020-120Fone/Fax: (81) 3223-3642E-mail: [email protected] CLIRE: Ademir Silva, Adriano Gama, Waldemir Magalhães.

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Adoração ReformadaMas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, porque o Pai procura a tais que assim o adorem (Jo.4:24)

Dr. David Murray

Muitos crentes e igrejas, em todo mundo, estão redescobrindo a verdade a respeito da adora-ção reformada. Isso é uma providência mara-

vilhosa da parte de Deus, mas na maioria das vezes essa verdade reformada tem se limitado apenas à doutrina da salvação. Em outras palavras esta reforma estancou no ponto referente às doutrinas da graça e não foi além, não progrediu para outras áreas, como por exemplo, a vida cristã e o culto cristão. Isto na verdade não é uma reforma plena porque a reforma verdadeira e plena atinge todas as áreas da plenitude de vida dos cristãos e da Igreja. Quero falar sobre o tópico da necessidade de se trazer reforma para toda a área que diz respeito à adoração. Gostaria de tratar de três áreas neste tema. Na primeira gostaria de tratar da história da reforma na adoração. Em segundo lugar tratar da regulamenta-ção da adoração bíblica e em terceiro lugar tratar das razões para termos uma adoração bíblica.

I) A Reforma da Adoração Bíblica → Quando os reformadores redescobriram o evangelho bíblico, eles também perceberam a necessidade da redescoberta da adoração bíblica. Quando perceberam a salvação em termos de glorificar a Deus, nos termos da centralidade de Deus, então perceberam que a adoração resultan-te disso também deve ser uma adoração centrada em Deus e que O glorifique. Os reformadores viam muitas coisas e acréscimos humanos colocados na adoração a Deus como os altares, as vestimentas, as velas, os ou-tros sacramentos, incensos, etc. e para retornar a uma adoração centrada em Deus eles teriam de jogar fora todos aqueles acréscimos humanos. Martinho Lutero iniciou este processo. Zuínglio, Martin Bucer e Calvino continuaram depois dele. Cada um deles ia jogando fora mais e mais aquilo que pertencia à imaginação humana e trazendo mais e mais aquilo que era centrado em Deus.

Eles entenderam que nesta área da adoração, a melhor forma de se centralizar em Deus era se centralizar na Palavra. Quando eles jogaram fora tudo que era feito pelo homem, isso deixou um vácuo a ser preenchido. Dentro deste vácuo eles tinham de colocar a adoração centrada na Palavra de Deus.

Inicialmente vamos focalizar esta área dos cânticos de louvor. A Reforma passou por dois estágios na re-forma dos cânticos na Igreja. Em primeiro lugar, Lute-ro foi o pai do cântico congregacional. Ele viu que por mais de mil anos na Igreja os cânticos estavam nas mãos dos corais, dos monges e das freiras e não nas mãos do povo de Deus. Uma das primeiras coisas que Martinho Lutero fez em 1524 foi introduzir na Igreja o uso do hinário. Lutero trouxe de volta ao povo de Deus o cântico congregacional. Eles não precisavam mais vir ao culto vendo-o apenas como uma forma de simples performance, mas eles vinham para partici-par. A segunda etapa foi com Calvino. Lutero restau-rou o louvor congregacional, mas Calvino restaurou a cântico bíblico. Calvino via que na igreja primitiva, no início do Novo Testamento, a igreja cantava os salmos. Ele percebeu que o coração não apenas deve ser guiado pela Bíblia, mas que a adoração deve ser repleta de Bíblia e que o cântico na adoração bíblica não precisa apenas ser guiado pelos princípios bíbli-cos, mas deveria ser cheio de conteúdo bíblico. Então, Calvino reintroduziu o saltério na igreja de Cristo. Para Calvino a adoração a Deus deveria ser o encon-tro com a Palavra, a leitura da Palavra, a pregação da Palavra, o cântico da Palavra. Tudo tinha de ser centralizado na Palavra de Deus. Esta é uma breve história da reforma na adoração bíblica.

II) A Regulamentação da Adoração Bíblica → Todo cristão tem algum tipo de regulamentação acer-ca da adoração. Todo crente coloca uma linha (limite) em algum lugar no culto. De um lado da linha há uma

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adoração aceitável e do outro lado da linha uma que é inaceitável. Todos nós estamos de acordo que existem algu-mas coisas que são boas para o culto e outras que não devem existir no culto. A única questão é: Como e onde vamos colocar esta “linha” demarcatória? Qual a regra que vamos seguir para saber o que é aceitável e o que é inaceitável? Deixe-me dar algumas regras que são usadas em nossos dias. Todos nós te-mos alguma destas regras.

a. O PASSADO. “Sempre foi assim!”, muitos dizem. E se foi suficiente para as pessoas do passado, será bom para nós também hoje. “Nossos pais adoraram assim então, assim nós adoraremos”. Dessa forma o passado é a regra para o presente.

b. A PREFERÊNCIA. Esta a regra do que eu gosto, do que eu quero e do que eu acho agradável. Eu gosto assim; eu me sinto bem com isso; isso está de acordo com minha personalidade; é a minha preferência.

c. PRAGMATISMO. Isso funciona, atrai pessoas e é popular? Então, vamos fa-zer assim! Não fazer de outra forma, porque não seria popular e não atrai-ria as pessoas. Assim, nossa regra é o pragmatismo: o que funciona.

d. PROIBIÇÃO. Tudo é permitido no culto desde que não seja explicitamente proibido na Palavra de Deus. Esse foi o princípio que Lutero usou. Ele basica-mente disse: Se a Bíblia não proíbe as velas, então podemos usá-las e assim por diante. Então, se conclui, não ha-vendo uma clara proibição, podemos fazer. Bem, a Bíblia não proíbe em ne-nhum lugar a dramatização no culto, então pode-se usar o drama, o teatro e assim por diante.

Eu diria que estas são as quatro re-gras mais usadas hoje pelas pessoas para saber o que devem fazer no culto. Mas a pergunta a ser feita é: Elas são Bíblicas? A resposta é: Não! Então, qual é a regra bíblica?

e. PRESCRIÇÃO. É a regra usada por Calvino que a descobriu na Palavra de Deus: Somente aquilo que é ordenado na Bíblia deve ser permitido e usado no culto a Deus. Verdadeira adoração é adoração ordenada nas Escrituras con-forme a vontade de Deus. Se não for ordenado, não é autorizado. A Bíblia ordena dramatização, teatro, no culto? Não. A Bíblia ordena o uso de velas? Não. A Bíblia ordena o uso de vestimen-tas clericais? Não. Então, temos aqui a regra mais radical de todas. É o Princí-pio Regulador. Mas, de certa forma nós podemos dizer que todas aquelas regras são “princípios reguladores”. Todas elas regulam o culto. Então, todos nós temos algum tipo de princípio regulador. As-sim a pergunta é: Será que este nosso princípio regulador é o Princípio Regu-lador da Bíblia? O Princípio Regulador bíblico, como podemos demonstrar, é a prescrição. Somente aquilo que foi pres-crito e ordenado é permitido. Quando estamos considerando nossa adoração, é esta a pergunta que devemos fazer: Deus ordenou isso? Não devemos per-guntar: Ele proibiu isso? Isso foi sempre feito assim? Gostamos disso? Também não devemos perguntar: “isso funcio-na?”. E assim por diante.

Por que Deus fez assim com o cul-to? Em parte é porque temos corações pecaminosos e corruptos. Nossos co-rações não são confiáveis! E não pode-mos confiar em nossos corações para acharmos a forma correta de adorar a Deus. Por isso Deus nos deu direcio-namento suficiente para que sigamos. E este direcionamento é uma direção externa a nós. Deus tem o direito de decidir como Ele mesmo quer que seja adorado. Pense no presidente do Brasil. É ele quem decide como fun-ciona seu governo, como as pessoas devem se aproximar dele. Ele decide o cerimonial para receber as pessoas. Se nós desejamos agradá-lo, então va-mos seguir tudo aquilo que ele deter-

minou. E se os governadores humanos fazem assim, quanto mais o Rei dos Reis e o Senhor dos Senhores. De onde tiramos isso na Bíblia? Vejamos em Levítico 10. 1-3:

“Nadabe e Abiú, filhos de Arão, tomaram

cada um o seu incensário, e puseram

neles fogo, e sobre este, incenso, e trou-

xeram fogo estranho perante a face do

SENHOR, o que lhes não ordenara. Então,

saiu fogo de diante do SENHOR e os con-

sumiu; e morreram perante o SENHOR.

E falou Moisés a Arão: Isto é o que o

SENHOR disse: Mostrarei a minha san-

tidade naqueles que se cheguem a mim

e serei glorificado diante de todo o povo.

Porém Arão se calou” (Lv 10:1-3).

Vejamos aqui a frase-chave, no final do v. 1: “o que lhes não ordenara”.

Estes homens eram religiosos e ado-radores; tinham boas intenções e prova-velmente eram sinceros, mas fizeram o que não havia sido ordenado por Deus.

E também em 1 Crônicas 15.13:“Pois, visto que não a levastes na pri-

meira vez, o SENHOR, nosso Deus,

irrompeu contra nós, porque, então,

não o buscamos, segundo nos fora or-

denado”.

Lembramos que aqui Davi e o povo de Israel tentaram levar a arca da alian-ça para Jerusalém e isto era uma coisa boa; estavam com muita sinceridade, ti-nham boas motivações. Mas eles não fi-zeram segundo as ordenanças de Deus. Por isso, quando Uzá tentou tocar na arca, Deus o matou. Assim eles disse-ram: “não o buscamos, segundo nos fora ordenado”. Podemos ver a mesma coisa com o Rei Jeroboão e o Rei Uzias que foram castigados por terem adorado a Deus de uma forma que Ele não tinha ordenado. Deus tem nos dado muitas advertências sobre o que Deus nos fará se não respeitamos aquilo que Ele tem definido. Quando nós realmente abra-çamos este princípio de que somente aquilo que Deus tem ordenado é legíti-mo no culto, o que sobra, então?

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aDORaçãO RefORMaDa

A Confissão de Fé de Westminster que inclui estes dois textos citados, no 2º Mandamento da Lei e no Capítulo XXI, I (Do Culto e do Dia de Repouso), afirma:

“Mas a forma aceitável de cultuar o Deus

verdadeiro é instituída por sua própria

vontade revelada, de modo que ele não

pode ser cultuado segundo as imagina-

ções e invenções humanas, nem segun-

do as sugestões de Satanás, sob alguma

representação visível, ou por qualquer

outra forma não prescrita na Sagrada

Escritura” (CFW).

Veja o que lemos aqui. Nós não po-demos adorar a Deus usando ídolos ou qualquer outra forma não ordenada na Palavra. Mas alguém poderia di-zer: “Eu nunca iria adorar a Deus com ídolos”. Mas aqui a Confissão de Fé de Westminster reúne o ensino bíblico sobre este assunto e diz que qualquer adoração que não encontra prescrição ordenada por Deus na Palavra, é idola-tria. Não é que você está adorando ao Deus errado, mas a questão é que você está adorando a Deus de forma errada; de uma forma não ordenada nas Sagra-das Escrituras. Então, podemos usar isso também na área do louvor, nos cânticos, porque podemos e devemos aplicar este princípio a todas as áreas do culto. Do início até o fim, Deus tem ordenado esta área ou aquela; Ele orde-na isto e aquilo. E nos cânticos de lou-vor, o que Deus nos ordenou a usar? Segundo o pensamento dos reforma-dores, Deus nos ordenou o cântico dos Salmos. No Velho Testamento temos exemplos dos Salmos sendo cantados, mas também no Novo Testamento. Por exemplo, Colossenses 3:16 ― “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamen-te em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espiri-tuais, com gratidão, em vosso coração”. Vemos também isso em Efésios 5:19. À primeira vista, vendo estes versículos você pode dizer: “Então eu posso cantar

não apenas Salmos, mas outros hinos e cânticos também”. Temos duas coisas a dizer em resposta a esta afirmação:

1. OS TÍTULOS DOS SALMOS DO VE-LHO TESTAMENTO → Primeiro, veja-mos os títulos dos Salmos do VT. Eles são tra duzidos em grego (na Septua-ginta) usando estes três títulos coloca-dos nestes versículos citados. Quando Paulo está falando deste cantar os “sal-mos, cânticos e hinos espirituais”, ele está se referindo ao livro de Salmos que con-tém “salmos, hinos e cânticos espiritu-ais”. Esta ex pressão,

“cânticos espi rituais”, significa cânticos do Espírito Santo ― Cân-ticos inspirados pelo Espírito Santo. Pelos títulos dos Salmos, nós entendemos que Paulo está dizendo: “Salmos, Salmos e mais Salmos”.

2. EXEMPLO DO NOVO TESTAMENTO → A segunda coisa é o exemplo que temos no NT. Por exemplo, Mateus 26.30: “E, tendo cantado um hino, saíram para o monte das Oliveiras”. Veja: “... tendo can-tado um hino”. Aqui Jesus estava senta-do com seus discípulos na última Ceia Pascal e na primeira mesa da Santa Ceia.

Aqui mais uma vez hino, no grego, significa Salmo. Naquela época, esta era uma prática bem conhecida na igreja judaica. Quando os judeus estavam celebrando a páscoa, eles cantavam os hinos pascais. Esses hinos pascais nós os encontramos dos Salmos 113 ao 118. Jesus cantou com seus discípu-los estes hinos. Um comentarista disse que o canto destes Salmos de Hallel, por Cristo e seus discípulos na noite da Sua traição, marca o momento no qual o saltério passa da antiga dispensação

para a nova dispensação, porque acom-panhou a última celebração da páscoa e a primeira celebração da Santa Ceia do Senhor. Neste versículo Jesus está dizendo que estes mesmos Salmos do Antigo Testamento são adequados e suficientes no Novo Testamento.

Então, como vimos antes, no Velho Testamento nós temos prescrição e exem-plo. Mas também no Novo Testamento

nós temos prescrição e exemplo. Vemos, por-tanto, como os refor-madores restauraram o Princípio Regulador do culto. Sendo assim, o culto precisa ser algo ordenado hoje.

Recentemente li uma citação de Ray Lanning que é um pe-rito reformado neste assunto de culto e ele dizia: “Das muitas mu-danças implementa-das pelos reformado-res, nenhuma foi mais dramática do que a mudança do culto pú-blico”. Calvino disse:

“Todo serviço a Deus que é inventado pelo cérebro do homem na religião de Deus sem o Seu expresso mandamen-to é idolatria”. Estas palavras são bem sérias.

III. As Razões do Culto Bíblico → Por que tudo isso é importante? Por que estamos enfatizando estas coisas? Por que Deus deseja assim?

1º) SimplicidadePrimeiro, porque seguindo este pa-

drão bíblico, conseguiremos ter simpli-cidade. Todas as decisões sobre o que deve existir no culto se tornam tão simples. Não importa quantas pessoas, sejam elas jovens ou velhas, cheguem dizendo: “Esta é uma idéia ótima para o culto”. Nós não precisamos consultar

A Verdadeira adoração

é adoração ordenada nas

Escrituras

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o passado, não precisamos perguntar se isso vai ser popular, não precisamos perguntar se isso vai funcionar, não é necessário procurar na Bíblia para ver se há uma proibição, mas simplesmen-te perguntar: “Isso foi ordenado? Isso é requerido?”. Simplicidade! Realmente isso iria simplificar de forma impressio-nante os cultos de adoração nas igrejas.

2º) EspiritualidadeUm segunda razão é a espiritualida-

de. A igreja Católica Romana chegou a ter um sistema de culto tão complexo que o povo ficava assistindo apenas aquilo que é externo na adoração. Eles esqueceram que Deus quer ver nosso coração e que é necessário que o culto seja espiritual. Quanto mais tornamos complexo nosso culto, mais externo, mais exterior ele se torna. Mas se tira-mos tudo que apela aos nossos olhos e nossos sentidos, nossa visão, nosso tato, então chegarem a ter algo bem simples e assim podemos nos focar no coração e não naquilo que está lá fora. Por isso os reformadores pintaram de cal todas as igrejas, por dentro e por fora. Tiraram todas as janelas com seus vitrais coloridos; aboliram todas as vestimentas clericais; todos os in-censos e sinos; tudo que impressiona-va os olhos. “Vamos simplificar”, eles disseram “para que o povo possa nova-mente adorar de coração. Isso melhora a espiritualidade”. Já participei de cul-tos onde a adoração era bem extrava-gante, bem impressionante aos olhos e aos ouvidos. De fato isso tem sido de-masiado para ser provado, vivenciado. Nestas adorações os sentidos têm sido tão estimulados que nos faz perguntar se aqui está sendo realizado um culto que parte do coração.

3º) UnidadeA terceira razão é a unidade. Qual é a

conseqüência quando as pessoas estão seguindo várias regras quanto ao culto? A consequência é a divisão da igreja de Cristo! Cada igreja faz aquilo que agra-

da aos seus próprios olhos. Um dia você entra em uma igreja, outro dia em outra igreja, e percebe uma diferença enorme entre elas. Uma diferença tão grande que estas igrejas nunca chegarão a se reu-nir para adorar juntas. Todas aquelas regras não bíblicas têm levado a Igreja às chamadas guerras litúrgicas. Imagi-nemos se todas as igrejas no Brasil fe-chassem as suas portas e tivessem uma reunião a portas fechadas. Dissessem:

“Vamos abrir a Bíblia e, baseados na Pa-lavra de Deus, vamos decidir o que Deus ordena para estar presente em nossos cultos; se acharmos alguma coisa que é ordenada na Bíblia, isso estará presente; se não acharmos uma ordenança para determinada coisa, isso fica fora”. Não temos dúvida de que muitas coisas se-riam colocadas fora. Mas, imaginemos se depois dessa decisão as portas fos-sem abertas e todos se reunissem para uma adoração conjunta. Todos eles es-tariam no “mesmo script”. Talvez isso requeresse algum tempo, mas todos chegariam ao mesmo ponto. Isso uniria as igrejas de forma extraordinária e im-pressionante. Impressionaria o mundo, também. Isso impactaria o mundo mais do que nossas divisões estão fazendo.

4º) A glória de DeusUma quarta razão é a glória de Deus.

Se nós dissermos: “Nós não somos con-fiáveis para dizer o que é apropriado para o culto; só Deus tem o direito de dizer o que é legítimo na adoração e eu me submeto a tudo aquilo que Ele orde-na”, o que isso me diz? Diz que Deus es-teja em seu trono e eu esteja no pó! Isso dá a Deus todo o seu direito e nos torna seus servos. Assim Deus é glorificado.

Mais uma vez vamos nos focar ape-nas nos Salmos.

1) Podemos cantar os Salmos a Cris-to. Quando lemos a palavra “Deus” ou

“Senhor” ou “Rei”, nos Salmos, podemos cantar estas coisas a Cristo o Senhor, Cristo o Rei. Seus títulos e seus nomes se acham em todos os Salmos. Cristo o

Criador, Cristo o Provedor, Cristo o Guia, Cristo o Defensor, e assim por diante... Então cantaremos estes Salmos de uma forma trinitariana.

2) Em segundo lugar podemos can-tar os Salmos de Cristo (acerca de Cris-to). Quantos salmos estão profetizando sobre a vinda de Cristo a este mundo? Fiz uma lista rápida. Veja o Salmo 45:6 que fala da divindade de Cristo; Salmo 2:7 que diz que Ele é o Filho eterno; o Salmo 8:5 fala da encarnação de Cristo; os ofícios de Cristo como mediador no Salmo 40:9-10 e Salmo 110:4; Salmo 41:9, que fala da traição do Senhor; o julgamento de Cristo no Salmo 35:11; a rejeição de Cristo no Salmo 22:6; o sepultamento e rejeição de Cristo no Salmo 16: 9-11; a ascensão de Cristo no Salmo 47:5; a segunda vinda de Cristo no Salmo 50:3-4. Como pode alguém di-zer que Cristo não está nos Salmos? Está ou não está? Muitos têm a vista curta. Todos os Salmos que estamos entoando, cantam Cristo. Nós cantamos a Cristo e nós cantamos de Cristo.

3) Em terceiro lugar cantamos por meio de Cristo. Quando estamos ofere-cendo um culto a nosso Deus, devemos oferecê-lo pela mediação de Cristo.

4) Em quarto lugar cantamos com Cristo. Que hinário Cristo usava quando esteve neste mundo? Ele usava o livro de Salmos. Isso era o maná da Sua alma. Esses foram os cânticos que sua mãe o ensinou a cantar. Foram os cânticos que Ele tinha na memória quando estava na Sinagoga; foram estes os cânticos que gradativamente lhe revelavam todas as implicações do seu trabalho como Mediador. Portanto, vemos que em momentos críticos e importantes de sua vida, estes Salmos surgem em seu coração. Estes Salmos edificavam sua própria alma. O primeiro Salmo que uma mãe judia ensinava a seu filho era aquele que dizia: “Em tuas mãos entrego o meu espírito”. Quais foram as últimas palavras que saíram da boca de Jesus?

DaviD MuRRay

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Revista Os PuRitanOs 4•2009 7

Veja o Salmo 22 e o 69. Eles nos revelam tudo que estava se passando na mente e no coração de Jesus quando ele estava morrendo. Os Evangelhos nos revelam e relatam muitas coisas dos sofrimentos externos de Cristo, mas não chegam a nos informar aquilo que estava se pas-sando no seu coração. Mas os Salmos nos informam disso. Mil anos antes do evento da morte de Jesus estes Salmos profetizam e nos predizem os pensa-mentos, temores e desejos que enche-ram o coração de Jesus. Então, quando estamos cantando os Salmos guardemos em nossas mentes o fato de que Cristo cantava estes Salmos, o Senhor medita-va neles. Onde e quando Cristo cantou estes Salmos? Como Ele cantou estes Salmos? Você não teria muito prazer e gozo em ouvir o próprio Cristo cantan-do estes Salmos? Por exemplo, não seria prazeroso ouvi-lo cantando as palavras do Salmo 118.17-19?

“Não morrerei, mas viverei; e contarei as obras do SENHOR. O SENHOR me cas-tigou muito, mas não me entregou à mor-te. Abri-me as portas da justiça; entrarei por elas, e louvarei ao SENHOR”.

Veja o Salmo 69. 19-21: “Tu conheces a minha afronta, a minha vergonha e o meu vexame; todos os meus adversários estão à tua vista. O opróbrio partiu-me o coração, e desfaleci; esperei por piedade, mas debalde; por consolado-res, e não os achei. Por alimento me de-ram fel e na minha sede me deram a beber vinagre”.

São palavras muitíssimo emocionan-tes. Procure pensar em Cristo cantando estes cânticos no culto doméstico e em particular. Lemos de Cristo saindo à noi-te para o deserto para orar e clamar a seu Pai. Não teria Ele usado destas pa-lavras em seus lábios santos? Não teria cantados estes cânticos com todo sen-timento e paixão? Jesus cantava aquilo que Ele mesmo iria experimentar. Como Ele os cantou? Quando Ele os cantou? Ele era o Salvador dos Salmos. Que pri-

vilégio podermos tomar estes mesmos cânticos em nossos lábios e podermos cantar com Cristo como Ele cantou. Ele cantou assim e nós cantamos também. Nós cantamos a Ele, nós cantamos Dele, canta-mos por meio Dele e com Ele.

Deixe-me encerrar com algumas co-locações finais:

1) Por que fazemos o que fazemos? Qualquer que seja o modo de nosso culto é preciso que entenda-mos o porquê estamos fazendo assim. Não é suficiente dizermos que sempre foi feito assim ou que todo mundo faz assim ou que nos agrada fazer assim, porque isso não é uma defesa contra a corrupção do nosso coração. A única defe-sa contra a corrupção do nosso culto é o se-guinte: Isto Deus tem nos ORDENADO! Se-gure, entenda, exami-ne e aplique este prin-cípio e seja capaz de defender toda a par-te da sua adoração à luz deste princípio.

2) Adore de verdade. Uma coisa é dar uma palestra sobre adoração. Uma coisa é lermos muitos livros sobre ado-ração, e podemos até nos tornar peritos no assunto de adoração. Mas você sabe adorar? Você se dobra a Deus? Em sua vida há uma adoração real, de coração a coração, ao seu amado Salvador?

3) Vamos ter a coragem de fazer uma reforma em nosso culto se assim for necessário. Lembram-se do que Je-sus disse em Mateus 15.8-9: “Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim. Mas, em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens”. Notem que não são os preceitos de Deus, mas de

homens. Ele diz: “em vão me adoram”. Então, vamos ter a coragem de fazer uma reforma na adoração.

4) Vamos tentar persuadir outras pessoas. É esta a palavra correta: PER-SUADIR. Mas não vamos agir de forma a destruir igrejas, mas usar de gentileza, de sabedoria, de forma gradativa, ten-tando ganhar as pessoas, tendo paciên-cia com elas porque por muitas vezes

elas foram abençoa-das com outros hinos e corinhos em suas vidas. Você não deve esperar que de uma forma súbita elas en-tendam tudo isso. De uma forma gradativa vamos introduzindo mais e mais um cul-to bíblico. Um pu-ritano, William Ro-maine, disse: “Eu sei que esta adoração é um ponto que dói, por isso eu vou tocar nele de uma forma muito delicada, com a maior gentileza que eu posso, na es-

perança de fazer algum bem”. Ninguém se achega a um ferimento para magoá-lo no intuito de curar. Mas vai, como uma mãe ou uma amável enfermeira, com muita habilidade, limpando e cui-dando lentamente. Mantenha sempre na mente o grande propósito: Não ape-nas uma igreja pura e purificada, mas uma igreja unida e cheia de amor.

Existem duas formas eficazes para se persuadir e que são muito melhor do que todas as palestras que você possa dar:

(a) Cante os Salmos com alegria no coração.

(b) Se você é pastor pregue os Sal-mos. Se olhar para trás, para a his-tória do culto bíblico, verá a época quando os Salmos caíram em desuso e que essas épocas também coincidi-

Lutero restaurou o louvor

congregacional, mas Calvino o cântico bíblico

aDORaçãO RefORMaDa

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ram com o momento quando não se ti-nha a pregação de Cristo nos Salmos. Quando você estiver pregando Cristo nos Salmos será muito mais fácil per-suadir o povo a cantar os Salmos para Cristo.

5) Em último lugar. Toda nossa ado-ração deve ser uma antecipação do céu. Deve ter um sabor do céu vindouro. Esse é o grande fim da adoração, nos levar ao céu e até trazer o céu até nós. Naquele dia quando não houver mais nenhuma divisão e nenhum argumen-to restar, todo propósito da adoração aqui na terra deve ser para nos dá um pequeno sabor do céu vindouro. Espe-ramos e oramos que esta seja nossa experiência.

Transcrição da palestra proferida por Dr. David Murray na Sala de Leitura da CLIRE e do Projeto Os Puritanos em Recife e repetida no Simpósio Os Puritanos em Maragogi/AL/2009.

Perguntas e respostas feitas após a palestra em Recife

1ª Pergunta:Na Bíblia existem outros cânticos. O de Maria, o de Ana, o de Simeão, nas cartas de Paulo, em Apocalipse e outros locais. Muitos argumentam contra Salmodia exclusiva afirmando que estes hinos eram cantados, e não eram Salmos. O que dizer deste argumento? Resposta: É sempre bom, em todas as áreas da vida, começar com um princípio e depois tratar dos casos mais difíceis. Mas, por exemplo, no caso do aborto, muitas pessoas começam este tema com os casos mais difíceis como incesto e estupro e concluem que devemos praticar aborto livre (para evitar esta gestação indeseja-da). Elas não começam com um princípio e, à luz deste princípio, olham para os casos mais difí-ceis. Então, a primeira pergunta a ser feita é: Isto é um princípio bíblico? Se for, então devemos começar por ele e depois olhar tudo à luz deste princípio; olhar os casos mais difíceis à luz deste princípio. Não devemos olhar para os casos difí-ceis e jogar fora o princípio. Como nós devemos ver estes cânticos que as pessoas alegam serem cânticos das Escrituras e que não são Salmos? Primeiro, eu acho que muitos dos cânticos que as pessoas alegam serem cânticos na verdade não são cânticos. Por exemplo, em Filipenses 2:6-11, nada indica que seja um cântico, apenas os comentaristas dizem que é um cântico. Em segundo lugar, o cântico de Maria e o cântico de Simeão, foram realmente cânticos de louvor inspirados, mas nunca foram usados no louvor público a Deus. O princípio do qual estamos mencionando fala do culto público, onde Deus é adorado de uma forma organizada e for-mal. Este princípio não diz que as pessoas, em seus momentos devocionais particulares, não

possam cantar cânticos de louvor a Deus que surgem de seus próprios corações. Não há evi-dência de que os cânticos de Maria e Simeão te-nham sido usados de uma forma geral na igreja primitiva. Há uma ou duas evidências do uso do cântico de Maria na literatura da igreja primitiva, mas considerando a grande quantidade de lite-ratura existente, isso não é considerado como menção.

2ª Pergunta:O que dizer de pastores que usam o livro de Apocalipse e o louvor no céu como modelo de louvor para nós hoje na igreja? Apocalipse é um princípio que devemos usar?Resposta: Aqui há uma diferença grande. Há uma diferença entre o céu e nós. Usar a adora-ção celestial como modelo para nós hoje é um pecado. O que é seguro para ser permitido no céu, talvez não seja seguro para ser permitido aqui na terra. Se no céu só existe santos perfei-tos e glorificados, é muito mais seguro dar a eles liberdade para cantarem o que eles desejam. É muito mais seguro dá-lhes esta liberdade no céu do que a nós na terra. Se a nós, que temos corações pecaminosos, nos for dada esta liber-dade, veremos exatamente o que tem sido visto no mundo inteiro. Esta é uma diferença muito grande e sem paralelo.

3ª Pergunta:Qual o princípio que está por trás do uso de tre-chos da Escritura para fazer cânticos de louvor? Devemos ver isso como fogo estranho? Resposta: Tenho duas respostas que desejo dar a este tipo de pergunta. Em primeiro lu-gar, a Bíblia contém cânticos que Deus nos deu para que cantemos, e todo o resto da Es-critura está lá para lermos e pregarmos. Mas o preceito para o louvor, tanto no VT como NT, é o cântico dos salmos. Então, se apenas algu-mas partes das Sagradas Escrituras nos foram dadas para cantarmos, isso não significa que todas as suas partes nos foram dadas para can-tarmos. Então, perguntamos, é fogo estranho cantarmos o cântico de Maria no culto públi-co? Acho que devemos ver as coisas de uma forma escalonada (gradação). Por exemplo, vejamos o caso do homicídio. Matar alguém é errado. Mas se você mata cem pessoas, isso é bem pior. E matar mil pessoas é mais grave ainda. Aos olhos de Deus algumas coisas são vistas de forma mais grave do que outras. Ve-jamos nossas roupas. Uma das recomendações da Bíblia é a modéstia no trajar. Vejamos uma escala. De um lado da escala há uma pessoa que se veste perfeitamente modesta, e do ou-tro lado da escala há alguém que nem vestiu qualquer roupa, mas entre estas duas pessoas há alguém que está no meio. Vendo isso, va-mos considerar a questão do culto. De um lado há um culto perfeito e nenhum de nós chegou a este ponto nesta terra. Olhando na direção da escala da perfeição, vemos no outro lado o bezerro de ouro ou o lado de Nadabe e Abiú. Isso é fogo estranho!Mas há um espectro muito grande entre os dois extremos. Todos nós estamos em algum lugar nesta escala e estamos tentando nos aproximar mais e mais do culto perfeito. O fato de você não chegar do lado perfeito da escala, isso não significa que seja fogo estranho. Eu teria muita

relutância em usar esta terminologia. Mas onde eu teria uma preocupação a enfatizar é que se você realmente souber o que é errado e mesmo assim faz e continua a fazer, isso é muito gra-ve. Muitas pessoas, por ignorância não estão tão adiantadas nesta escala e eu não devo me aproximar destas pessoas e dizer: é fogo estra-nho! Devemos de uma forma gentil, sábia, num primeiro tempo, tentar empurrá-las no sentido da perfeição e chamar outros a fazer o mesmo. Há casos difíceis. Se eu tivesse dado esta pales-tra na Escócia ou nos Estados Unidos eu teria recebido as mesmas perguntas.Todos nós sabemos quais os casos difíceis. Mas não devemos deixar estes casos difíceis nos desviar a atenção da necessidade maior de aplicar os princípios bíblicos.

4ª Pergunta: Quando nos convidam a visitar uma igreja que tem um culto que não é bíblico, do que deve-mos participar? Como participar dos hinos, das orações e leitura da Palavra? Resumido, quando nos convidam a visitar uma igreja e esta é uma chance que temos de levá-las à nossa igreja como retribuição à nossa visita, como devemos participar deste culto não bíblico?Resposta: Esta é uma pergunta difícil. Depende de onde estamos e onde eles estão na escala. Vinte anos atrás eu passei um período de um ano no leste europeu. Eu estava ajudando o pastor numa congregação bem remota na Hungria. Um grupo de garotas estava chegan-do para um retiro em um convento católico romano, perto dali. Estas jovens disseram que poderiam participar do nosso culto naquele dia se, no outro dia, nós participássemos na ado-ração com elas. Nossos jovens e eu pensamos:

“Isso parece ser muito bom”. À noite elas partici-param conosco no culto e durante todo o culto pregamos a graça de Deus. Nenhuma obra, ne-nhuma obra, nenhuma obra...! Somente Cristo... Somente Cristo...! Estávamos ali martelando estas verdades. Mas no outro dia, ao amanhe-cer, logo pensamos: “Puxa, temos hoje de ir à capela católico-romana”. Então, todos nós fo-mos lá constrangidos e nunca vou me esquecer da sensação que tive logo ao entrar, porque vi que teria de pregar debaixo de um enorme crucifixo dourado. Havia imagem de Maria, de José e, em todo lugar, havia uma imagem de um santo. Percebi que havia tomado a decisão errada, pois a Bíblia nos diz que devemos fugir da idolatria. Então, todos devemos nos pergun-tar: Será que podemos chegar a este nível de ser tão ofensivos a Deus? Há um versículo que acredito ser relevante aqui: Mateus 15:8-9. “Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim. Mas, em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens”. Veja que há duas coi-sas erradas com este culto. Um culto que não tem coração e não tem ordenanças (prescri-ções) divinas. Eles tinham adoração somada às ordenanças dos homens. Deus está dizendo aqui: “Era melhor fecharem suas bíblias e volta-rem para casa porque sua adoração é vã”. Esta pergunta deve estar sempre em nossas mentes:

“Como isto pode me parecer algo muito bom ou lindo?”. Esta não é a pergunta correta e sim:

“Isto é bom aos olhos de Deus?”.

DaviD MuRRay

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Revista Os PuRitanOs 4•2009 9

O que Fazer no Culto no Dia do Senhor?

Pr. Terry Johnson

Qual a importância de respondermos esta ques-tão? Vamos colocar desta maneira: Que impor-tância tem a adoração? Você precisa parar para

pensar nisso por um instante, comparando a adoração com outras várias atividades da vida. E mesmo se fi-zermos uma consideração superficial, iremos chegar, indubitavelmente à conclusão de que, nada do que fa-zemos é tão importante quanto a adoração. Não, nada de natureza secular, como trabalho, diversão, ou mes-mo a vida familiar, nem mesmo as atividades de cunho religioso, como evangelismo, comunhão, caridade ou qualquer disciplina espiritual particular é tão impor-tante. Não há, portanto, pergunta mais importante a ser respondida que essa!

No texto básico que iremos examinar, Jesus diz que o Pai “procura” verdadeiros adoradores (Jo 4:23). É dessa forma que Jesus resume a atividade salvífica do Pai. Qual o interesse do Pai na pregação do evangelho? O que Ele intenta fazer por meio do seu Filho? Qual é o fim último da encarnação, da expiação e de toda a redenção? É o Pai buscando adoradores! Que forma inusitada e não habitual de Deus se dirigir a pecadores! No entanto, é assim. Robert G. Rayburn ressalta que “Em nenhum lugar nas Escrituras lemos que Deus tenha bus-cado qualquer coisa dos pecadores”. A Bíblia não nos diz que Deus busca testemunhas, servos ou contribuintes. Ele busca adoradores. Rayburn continua, “não é sem motivo que a única vez na Escritura onde a palavra buscar é usada como atividade de Deus, é em conexão com a busca de verdadeiros adoradores”.1

Há, então, um sentido verdadeiro em que o Evange-lho Cristão trata da adoração. O “evangelho eterno” que pregamos é resumido pelo anjo em Apocalipse 14:7, como: “Temei a Deus e dai-lhe glória (…) e adorai aquele que fez o céu (…)” Como já vimos, a vida cristã é apre-sentada pelo apóstolo Paulo como um ato de adoração

quando “apresentamos” a Deus o nosso corpo como um “sacrifício vivo e santo”. Esse é um “culto racional” (Rm 12:1). A finalidade do evangelho é tornar pecadores san-tos, a fim de serem adoradores. Note como o Senhor Jesus passa do tópico adoração para o de salvação no verso 22, “Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos porque a salvação vem dos judeus” (Jo 4:22). Ser salvo é ser liberto da ignorância e da opres-são da idolatria. Para os judeus, “saber” como adorar, é possuir a “salvação”, nada menos. Talvez não estejamos acostumados a ver a coisa dessa forma, como estou apresentando agora, mas esse é o ensino do Novo Tes-tamento. A finalidade ou o propósito do evangelismo e de missões é criar um povo para adorar a Deus. Os discípulos de Cristo são “pedras vivas”, “edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de ofere-cerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus” (1Pd 2:5; Ef 2:18-22). Deus criou “um povo para si mesmo” para que “proclamassem as virtudes dAquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pd 2:9). Nisso se constitui a obra missionária da igreja, a vida cristã e a vida de adoração. John Piper resume bem nosso ponto:

Missões não é o objetivo principal da igreja, mas sim a

adoração. Missões existem porque Deus é o alvo e não o

homem. Quando esta era passar e os incontáveis milhões

de redimidos caírem com o rosto em terra diante do trono

de Deus, não haverá mais missões. Trata-se de uma neces-

sidade temporária, mas a adoração existirá para sempre.2

A adoração é a nossa “prioridade máxima”, como o título de um recente livro declara. Cada Filho de Deus deveria saber disso.

Não é apenas a Bíblia que enfatiza a importância da adoração; a herança Presbiteriana e Reformada faz o mesmo. Muitos historiadores modernos do período da Reforma, têm feito com que a personalidade marcante de Lutero, na sua luta pela fé, acabe obscurecendo o coração da Reforma Suíça e Calvinista. Para Lutero e os

Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional (Rm.12:1).

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PR. teRRy JOhnsOn

luteranos, o foco principal era a Justifi-cação pela Fé. “Como pode um homem ser justo diante de Deus?” era a ques-tão fundamental. Mas para Zuínglio, Calvino e a “nata dos Reformadores”, o tema principal não era a justificação, conquanto reconhecessem sua impor-tância. O foco deles era a adoração.

“Como Deus deveria ser adorado?” cons-tituía a pergunta crucial. Para os lute-ranos, o inimigo da fé eram as “obras”. Para os Reformados, a “idolatria”.

Carlos M. N. Eire, em seu aclamado War Against the Idols (Guerra contra os ídolos), relembra à nossa geração aquilo que os antigos historiadores já haviam percebido. “O foco central do Protestan-tismo Reformado foi a interpretação da adoração (…)”. Distinguindo os lutera-nos dos zuinglianos, ele diz:

A diferença principal é que, para os zuinglianos, a proposta Reformada não era encontrar um Deus justo, mas em voltar-se da idolatria para o Deus verdadeiro.3

O mesmo pode ser dito das obras de Heinrich Bullinger (sucessor de Zu-ínglio em Zurique), Martin Bucer em Estrasburgo, William Farel em Neu-chatel, e mais tarde João Calvino em Genebra. A Reforma se espalhou com esses homens pregando contra a adora-ção medieval idólatra, e o povo respon-deu com sua fúria iconoclasta. Vitrais eram quebrados, relíquias eram profa-nadas, estátuas despedaçadas, altares danificados e igrejas lavadas e caiadas novamente. Farel, diz Eire, “usava as imagens e a missa como tema dos seus sermões para dar curso à Reforma”.4 Em Genebra durante os primeiros anos da Reforma, “o foco da atenção não era o assunto da justificação, mas as missas e as imagens e tudo que dizia respei-to aos seus abusos”.5 Ambos, Farel e Calvino descreveram suas conversões, não como sendo salvos das obras de injustiça prioritariamente, mas da ido-latria. Como os tessalonissences, eles ti-

nham “deixado os ídolos para servirem ao Deus vivo” (1Ts 1:9).

Em 1543, um folheto intitulado On the Necessity of Reforming the Chur-ch (Sobre a necessidade de Reformar a Igreja), Calvino lista os dois elementos que definem o Cristianismo, os quais, em suas palavras, constituem “o todo da substância do Cristianismo”. Esses dois elementos são primeiro “um conheci-mento de qual é a maneira certa de se adorar a Deus; e o segundo é a fonte de onde emana a salvação”.6 W. Robert Godfrey comenta, “De forma enfática Calvino coloca a adoração à frente da salvação em sua lista dos dois elemen-tos mais importantes do Cristianismo bíblico”.7 Eire comenta mais adiante:

Calvino define o lugar da adoração como

nenhum dos seus predecessores tinha

feito antes (…) Adoração, ele diz, deve

ser o interesse central dos cristãos. Não

é uma questão periférica, mas a “subs-

tância última” da Fé Cristã (…) alguém já

disse que esta se tornou a definição fun-

damental que caracteriza o Calvinismo.8

Qual é o ponto central do estudo bíblico e teológico do evangelismo e de missões, do conhecimento de Deus e de toda a religião cristã? A resposta é: a adoração. O verdadeiro conhecimento de Deus leva à adora-ção correta, que por sua vez, leva ao viver correto. Os teólogos da Reforma pregaram Soli Deo Gloria em todas as áreas da vida, porque eles tinham em vista a adoração.

Fazendo da adoração o componente

existencial necessário do conhecimento,

Calvino a torna o elo entre pensamento

e ação, entre a teologia e a sua aplicação

prática. Foi uma teologia eminentemen-

te prática que Calvino desenvolveu como

resultado disso. Religião não é meramen-

te um conjunto de doutrinas, mas antes,

uma forma de adorar, um estilo de vida.9

Não somente no continente Euro-peu, mas também na Grã-Bretanha, o coração da batalha entre os seguidores

de Calvino e os da Igreja Anglicana oficial era a questão da adoração. Por cem anos os Puritanos lutaram para re-formar o Livro Comum de Orações de acordo com os padrões de Genebra, cul-minando com a Guerra Civil, a convoca-ção da Assembléia de Westminster e a aprovação por parte do Parlamento do Diretory for the Public Worship of God (Diretório do Culto Público de Deus)10

para os reinos da Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda.

Não, de fato não estamos acostuma-dos a pensar na adoração dessa forma hoje. A situação presente não poderia ser mais irônica, mesmo onde encon-tramos igrejas que se identificam como herdeiras da Reforma, como a PCA, a qual, em nome da liberdade, falha em prover diretórios para a adoração. Pou-cos têm disposição para pensar com cuidado a respeito da adoração. Um número menor ainda vê a necessidade disso. Não somente muitos não vêem nenhuma conexão entre doutrina e vida prática, como também não vêem conexão entre adoração e vida prática. Assim, para que regularmos a adoração, quando geralmente se presume que isso só serviria para dividir e é algo que não tem valor prioritário? Nós tendemos a ser como os detratores de Calvino, que o acusaram de fraturar a unidade da igreja com futilidades. Como esses de-tratores, no entanto, estamos errados acerca disso. Questões acerca de como devemos adorar a Deus são as mais im-portantes de todas, por direito próprio e por suas aplicações abrangentes.

Pr. Terry JohnsonNOTAS: 1. O Come Let Us Worship, pp. 15, 16.; 2 Let The Nations Be Glad, the Supremacy of God in Mis-sions, Grand Rapids: Baker Books, 1993; 3 Carlos M. N. Eire, War Against the Idols (Cambridge: Cambrid-ge University Press, 1986), pp. 2, 85; 4 Ibid., p.119; 5 Ibid., p.143; 6 Ibid., p.126; (também encontrado na Selected Works of John Calvin, vol. 1, p.126); 7 Robert W. Godfrey, “Calvin and the Worship of God” (manuscrito não publicado, s.d.); 8 Carlos M. N. Eire, War Agaisnt the Idols, pp. 232, 233; 9 Ibid., p. 232.10 Publicado pela Editora Os Puritanos – Diretório de Culto de Westminster

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Revista Os PuRitanOs 4•2009 11

Os Puritanos e o Quarto MandamentoO sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado. (Mc 2:27)

J.I.Packer

Neste ponto, os puritanos iam à frente dos refor-madores. Estes últimos tinham seguido Agos-tinho e o ensino medieval em geral, negando

que o domingo fosse, em qualquer sentido, um dia de descanso. Eles afiançavam que o sábado, prescrito pelo quarto mandamento, era um mandamento tipicamen-te judaico, prefiguração do “descanso” da relação da graça-fé com Cristo.

Eis a explicação de Calvino: “... é extremamente apta a analogia entre o sinal externo

e a realidade simbolizada, visto que a nossa santificação

consiste na mortificação de nossa própria vontade... Deve-

mos desistir de todos os atos de nossa própria mente a fim

de que, operando Deus em nós, possamos descansar nEle,

conforme ensina o apóstolo (Hb.3:13;4:3,9).

Mas agora que Cristo já veio, o tipo foi cancelado, e seria

um erro perpetuá-lo, tal como seria um equívoco continuar

a oferecer os sacrifícios levíticos.

Calvino apelava aqui para Colossenses 2:16, que ele interpretava como alusão ao dia semanal de descanso. Ele admitia que, além e acima de sua significação típica, o quarto mandamento também ensina o princípio que deve haver adoração pública e privada, além de servir de dia de descanso para os servos e empregados, pelo que a plena interpretação cristã seria:

Primeiro, por toda a nossa vida podemos ter por alvo um

descanso constante de nossas próprias obras, a fim de que

o Senhor possa operar em nós por meio do Seu Santo Es-

pírito; segundo, cada indivíduo deveria se exercitar com

diligência em meditação devota nas obras de Deus, e... to-

dos devem observar a ordem legal determinada pela Igreja

para que se ouça a Palavra, administrando as ordenanças e

a oração pública; terceiro, devemos evitar oprimir àqueles

que nos estiveram sujeitos.

Mas Calvino falava como se isso fosse tudo quanto aquele mandamento agora prescreve, nada encontran-

do no mesmo, em seu sentido cristão, que proíba traba-lho ou diversão no domingo, com prejuízo do tempo de culto. A maior parte dos reformadores falava no mesmo tom. O que há de notável é que suas declarações, em outros contextos, mostram que “os reformadores, como um grupo, defendiam a autoridade divina e a obrigação de se observar o quarto mandamento, requerendo que um dia em cada sete fosse empregado na adoração e serviço de Deus, admitindo somente as obras de neces-sidade e de misericórdia, em favor dos pobres e aflitos”. É um quebra cabeça, porém, porque eles nunca per-ceberam a incoerência entre afirmar isso, em termos gerais, ao mesmo tempo em que defendiam a exegese de Agostinho sobre o domingo cristão. Podemos apenas supor que isso se deve ao fato que não queriam entreter a idéia de que Agostinho poderia estar enganado, razão que os cegava para o fato que estavam montando dois cavalos ao mesmo tempo.

Os puritanos, contudo, corrigiram essa incoerência. Eles insistiam, de forma virtualmente unânime que, embora os reformadores estivessem certos ao enxer-garem apenas um sentido típico e temporário em al-gumas das prescrições detalhadas no sábado judaico, contudo, eles também percebiam o princípio de um dia de descanso, para efeito de adoração pública e privada a Deus, no fim de cada seis dias de trabalho, como uma lei da criação, estabelecida em benefício do homem, e, portanto, obrigatória para o homem, enquanto ele vi-ver neste mundo. Também destacavam que, figurando entre nove leis indubitavelmente morais e permanentes do decálogo, o quarto mandamento dificilmente teria uma natureza apenas típica e temporária.

De fato, eles viam esse mandamento como parte in-tegral da primeira tábua da lei, que aborda sistematica-mente a questão da adoração: “O primeiro mandamento fixa o objetivo, o segundo, o meio, o terceiro, a maneira, e o quarto, o tempo”. Também observaram que o quarto mandamento começa com as palavras “lembra-te...”. E

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J. i. PackeR

isso nos faz recuar até antes da institui-ção mosaica. Observaram que o trecho de Gênesis 2:1 ss. representa o sétimo dia de descanso como o próprio descan-so de Deus, terminada a criação, e que a sanção atrelada ao quarto mandamen-to, em Êxodo 20:8 ss., olha de volta para aquele fato, retratando o dia como um memorial semanal da criação, “para ser observado para a glória do Criador, como dever que temos de servi-Lo, e como um encorajamento para confiarmos naquele que criou os céus e a terra. Por meio da santificação do sábado, os judeus decla-ravam que eles adoravam ao Deus que criou a terra...”. Assim falou Matthew Henry, exegeta de um período posterior aos puritanos, mas que os representou em sua própria época ao comentar sobre Êxodo 20:11. Henry também frisou que o mandamento afirma que Deus santificou o sétimo dia (ou seja, apropriou-o para Si mesmo) e o aben-çoou (isto é, “injetou bênçãos no mes-mo, encorajando-nos a esperar bênçãos da parte Dele, na observância religiosa daquele dia”); e também frisou que Cris-to, embora tivesse reinterpretado a lei sobre o sábado, não o cancelou, mas antes, firmou-o, observando-o Ele mes-mo, e mostrando que esperava que seus discípulos continuassem a observá-lo (cf. Mt.24:20).

Tudo isso, argumentavam os purita-nos, mostra que o descanso do sétimo dia, era mais que um mandamento ju-daico; antes, era um memorial da cria-ção, parte da lei moral (primeira tábua,

que prescreve a adoração apropriada ao Criador), e, como tal, era perpetu-amente obrigatória para todos os ho-mens. Assim, quando o Novo Testamen-to diz-nos que os cristãos se reuniam para adorar no primeiro dia da semana (ver Atos 20:7; cf. I Co.16:1), guardan-do aquele dia como “o dia do Senhor” (Ap.1:10), isso só pode significar uma coisa: por preceito apostólico, e, prova-velmente, de fato, por injunção domi-nical durante os quarenta dias antes da ascensão, esse tornara-se o dia em que os homens, doravante, deveriam guardar o dia de descanso prescrito pelo quarto mandamento. Os puritanos notavam que essa mudança, do sétimo dia da semana (o dia que assinalara o fim da antiga criação) para o primeiro (o dia da ressurreição de Cristo, que assinala o início da nova criação), não excluída pelas palavras do quarto man-damento, meramente determina que

“devemos descansar e guardar, como descanso, cada sétimo dia...mas...de modo algum determina onde deve co-meçar a seqüência de dias... Não há, no quarto mandamento, qualquer orienta-ção sobre como computar o tempo...”. Portanto, coisa alguma impede-nos de supor que o Novo Testamento parece requerer que foram os apóstolos que fi-zeram a alteração. Nesse caso, tornara-se claro que a condenação (em Cl.2:16) do sabatismo judaico nada tem a ver com a observância do dia do Senhor. Essas, em esboço, eram as considera-ções feitas pelos puritanos, com base

na doutrina do dia do Senhor, a qual é bem sintetizada na Confissão de Fé de Westminster (XXI: vii-viii):

vii. Como é lei da natureza que, em geral, uma devida proporção do tempo seja des-tinada ao culto de Deus, assim também em sua palavra, por um preceito positivo, moral e perpétuo, preceito que obriga a to-dos os homens em todos os séculos, Deus designou particularmente um dia em sete para ser um sábado (descanso) santificado por Ele; desde o princípio do mundo, até a ressurreição de Cristo, esse dia foi o úl-timo da semana; e desde a ressurreição de Cristo foi mudado para o primeiro dia da semana, dia que na Escritura é chamado Domingo, ou dia do Senhor, e que há de continuar até ao fim do mundo como o sábado cristão.Ref. Ex. 20:8-11; Gen. 2:3; I Cor. 16:1-2;

At. 20:7; Apoc.1:10; Mat. 5: 17-18.

viii. Este sábado é santificado ao Senhor quando os homens, tendo devidamente preparado os seus corações e de antemão ordenado os seus negócios ordinários, não só guardam, durante todo o dia, um santo descanso das suas próprias obras, palavras e pensamentos a respeito dos seus empre-gos seculares e das suas recreações, mas também ocupam todo o tempo em exercí-cios públicos e particulares de culto e nos deveres de necessidade e misericórdia.Ref. Ex. 16:23-26,29:30, e 31:15-16;

Isa.58:13.

J. I. Packer

Catecismo Maior de WestminsterP.116 → Que se exige no quarto mandamento?

O quarto mandamento exige de todos os homens o santificar ou o guardar santos para Deus todos os tempos espe-cificados que Deus designou em Sua Palavra, expressamente um dia inteiro em cada sete; que era o sétimo desde o princípio do mundo até à ressurreição de Cristo, e o primeiro dia da semana desde então até ao dia de hoje, e há de assim continuar até ao fim do mundo; o qual é o sábado cristão, e no Novo Testamento é chamado o dia do Senhor (Domingo).

Ref. Gn. 2:3; 1 Co. 16:2; At. 20:7: Jo. 26:19, 26: Ap. 1:10.

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A Natureza da Verdadeira AdoraçãoJesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus (João 3:3)

Geoffrey Thomas

1A verdadeira adoração é prestada a Deus somen-te por aqueles que nasceram do Espírito de Deus.

“Aquele que é nascido da carne, é carne”, disse Jesus e, portanto, toda assim chamada adoração feita por pecadores não rege nerados é carnal. Somente um coração regenerado pode cantar o novo cântico (Salmo 40:3).

2. A verdadeira adoração só pode ser realiza-da através do Espírito Santo → “Os verdadeiros adoradores adoram o Pai em espírito” disse Jesus e, por-tanto, unicamente através da iluminação que o Espírito concede às nossas mentes, e os sentimentos dela pro-duzidos em nossos corações é que a nossa adoração pode ser edificante para nós e agradável a Deus. Os dons de liderança concedidos pelo Espírito a pastores e mestres são uma parte essencial de adoração pública.

3. A verdadeira adoração é estruturada pelas Escrituras → “Os verdadeiros ado radores adoram... em verdade”, disse Jesus. A Bíblia nos revela o Deus a Quem devemos adorar e como devemos fazê-lo: “com reverên-cia e santo temor”. As Escrituras produzem a atmosfera e fornecem os temas, as orações, os louvores e a pregação. Dessa forma, possuímos um padrão para conhecer o que é certo e o que é errado em tudo o que é falado e cantado. Desfrutamos, também, uma maravilhosa liber-dade de todas as tradições e artefatos que são introdu-zidos por homens não espirituais, na inútil tentativa de

“tornar” a adoração mais “importante” e “sig nificativa”. A verdadeira adoração é essencialmente simples.

4. A verdadeira adoração é centralizada em Deus → Não é centralizada na “ins piração”, tampouco nos sentimentos; nem mesmo é centralizada em Jesus ― não somos adoradores só de Jesus. Ela se centraliza no

Pai. Disse Jesus: “os verdadeiros adoradores adoram o Pai”. Naturalmente, o Pai só pode ser adorado através do Filho e o objeto da nossa adoração é a divindade como um todo: Pai, Filho e Espírito Santo. Certamente nós adoramos a Jesus, mas é errado adorarmos somen-te a Jesus e torná-lo o centro de nossa adoração, negli-genciando ao Pai.

5. A verdadeira adoração surge a partir de um contínuo andar com Deus → Um homem que difi-cilmente pensa em Deus durante os seis dias da semana, não está apto a adorá-lo correta mente no sétimo dia. Se tal pessoa fala o quanto está se “regozijando” na ado-ração, al guma coisa está errada com ele! Ele está se entretendo ou está recebendo aquela vaga sensação de desafio que o homem natural desfruta. Por outro lado, em meio à verdadeira adoração, tal pessoa deveria sen-tir quanto está afastada de Deus e sentir uma tristeza santa por sua negli gência com a glória do Senhor.

6. A verdadeira adoração requer prepa ração → Um homem não pode simplesmente achegar-se à pre-sença de Deus sem qualquer preparação de coração e alma e esperar, então, por uma “adoração instantânea”. Davi disse: “Ao meu coração me ocorre: buscai a minha presença; buscarei, pois, Senhor, a Tua presença”. (Sl. 27:8). A verdadeira adoração, no dia do Senhor, surge de uma mente preparada para Deus, encorajada por uma oração ardorosa pela bênção do Senhor sobre a noite do sábado e a manhã do dia do Senhor.

7. A verdadeira adoração deveria ser acompa-nhada pela meditação → Eis por que exortamos as pessoas a cuidarem da maneira pela qual empregam o seu tempo após o término do culto. Todo o proveito advindo da exposição e aplicação da Palavra de Deus pode ser destruído. A graça é uma planta delicada, pode ser facilmente danificada. Se quisermos aproveitar da

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GeOffRey thOMas

adoração prestada, isso deve ser feito por meio de uma tentativa verdadeira de reter a principal lição da pregação.

8. A verdadeira adoração é sempre um produto e uma perspectiva da grandeza de Deus e da nossa pe-quenez → O profeta Isaías vê a gran-deza de Deus e clama: “Ai de mim! Es-tou perdido! porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exér citos!” (Is.6:5). João, na ilha de Patmos, vê o Senhor e nos diz: “Quando o vi, caí a seus pés, como morto” (Ap.1: 17). Qualquer coisa de novo que introduzimos na adoração, que não tenha como objetivo exaltar a Deus é simplesmente uma concessão ao desejo por novidade que, caracteriza todos os homens naturais.

9. A verdadeira adoração sempre é aceita por Deus → Devemos ser mui-to cuidadosos para não abrigar pensa-mentos que inferiorizam a nossa ado-ração! Expressões depreciativas, tais como aquelas que descrevem a adora-ção como um “san duíche de hinos”, so-mente encorajam a atitude que revela que nossa adoração é formal, exterior e sem liberdade e que, se nós estivésse-mos realmente adorando, então deverí-amos ter barulho, liderança espontânea e excitação. Na realidade, na verdadeira adoração, as pessoas não ficam sempre sentadas na ponta dos bancos imagi-nando quem será o próximo a dizer ou

fazer algo inesperado. Não, e les não devem con centrar-se muito nos meios de adoração; seus pensamentos devem estar centralizados em Deus. A verda-deira adoração é caracterizada pelo esquecimento de si mesmo e ausência de qualquer concentração no homem. O publicano permaneceu em pé, distan-te, abaixou sua cabeça e orou: “Ó Deus, sê misericordioso comigo, pecador”. Em nossos cultos, dirigidos pelas Escritu-ras e dependentes de Cristo, estamos ver dadeiramente adorando a Deus; não deixamos simplesmente que as coisas caminhem, mas unicamente queremos adorar; nós adoramos o Deus vivo em espírito e em verdade, sabendo que o Pai está buscando ativamente tais pes-soas que o adorem! Nós não cremos que todas essas novas ênfases na esponta-neidade e na condução da adoração por homens, mulheres e jovens nos estejam levando a uma conscientização maior sobre Deus e à verdadeira adoração. Pelo contrário, existem abundantes evi-dências de que a adoração se encontra em declínio. Consideremos, por exem-plo, a mudança em nosso modo de nos dirigirmos a Deus, o que tem ocorrido nos últimos vinte anos.

Será que isso repre senta um pro-gresso e um amadurecimento no culto e oração públicos? O que será que signi-fica essa nova linguagem utilizada para orarmos: “Nós só queremos te adorar, Te louvar”; “Somente a Ti, Jesus, que-remos adorar”? As frases truncadas e curtas podem ser comparadas desfa-

voravelmente com os argumentos bem construídos e confiantes, acoplados com a reverência constante observados nas orações das gerações anteriores.

10. A verdadeira adoração tem seu clímax no dia do Senhor → A liber-dade que o povo de Deus desfruta sob a nova aliança não lhes dá o direito de se reunirem somente quando se senti-rem conduzidos ou dirigidos a fazê-lo. Na Igreja apostólica, a adoração tinha períodos pré-determinados para ocor-rer. No primeiro dia da semana eles se reuniam para partir o pão, ouvir a Pala-vra de Deus e recolher as ofertas (Atos 20:7; I Co.16:2). Mesmo que eles não sentissem o mesmo ânimo para realizar essas coisas naquele dia e se sentissem mais inclinados às coisas religiosas no terceiro dia, por exemplo, era no pri-meiro dia que eles deviam reunir-se para adorar. O mesmo pode ser dito hoje. Nós não somos “Adventistas do quinto dia”, daqueles que se reúnem na quinta feira à noite e nos orgulhamos das bênçãos maravilhosas e da fantás-tica comunhão quando o Senhor “real-mente” se reúne com dez de nós. Não, nós devemos reunir -nos no Espírito no dia designado, o dia do Senhor e com todo o povo de Deus.

Em 1994, Geoffrey Thomas era pastor da Igreja Ba-tista Alfred Place Baptist Church em Aberystwyth, Pais de Gales. Ele também trabalhava como editor Assistente da Banner of Truth e do The Evangelical Times (Banner of Truth – Nº 153, junho/1976).

*Artigo publicado no Jornal Os Puritanos, Ano II – Nº 5 – Setembro/Outubro - 1994

Catecismo de HeidelbergP.103 → Que é que Deus requer no quarto mandamento?

Primeiro, que o ministério do Evangelho e as escolas cristãs sejam mantidas1 e que eu, especialmente no dia de descanso, seja diligente em ir à igreja de Deus2 para ouvir à Palavra de Deus3, participe dos sacramentos4, para invocar publicamente ao Se-nhor5 e para praticar a caridade cristã para com os necessitados6. Segundo, para que em todos os dias da minha vida eu cesse as minhas más obras, deixe o Senhor operar em mim por Seu Espírito Santo, e assim começar nesta vida o descanso eterno7.

1. Dt 6.4-9; 20-25; 1Co 9.13, 14; 2Tm 2.2; 3.13-17; Tt 1.5. 2. Dt 12.5-12; Sl 40.9, 10; 68.26; At 2.42-47; Hb 10.23-25. 3. Rm 10.14-17; 1Co 14.26-33; 1Tm 4.13. 4. 1Co 11.23, 24. 5. Cl 3.16; 1Tm 2.1. 6. Sl 50.14; 1Co 16.2; 2Co 8; 9. 7. Is 66.23; Hb 4.9-11..

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O Supremo Triunfo de Cristo“Ditas estas palavras, foi Jesus elevado às alturas, à vista deles, e uma nuvem o encobriu dos seus olhos” (Atos 1:9)

John R. de Witt

No Novo Testamento, nem de longe se fala da as-censão o tanto que se fala da ressurreição de Cristo. A ressurreição é o grande foco do ensino

do Novo Testamento. A sua ressurreição dos mortos selou tudo o que ele fizera em obediência ao Pai. Por-que Cristo se levantou da sepultura, sabemos que ele realizou de fato aquilo a que se propusera. Mas o Novo Testamento fala muito especificamente da ascensão do Senhor aos céus. Devemos tentar compreender um pouco do que a ascensão pode e deve significar para nós.

Além disso, pode-se dizer que a ressurreição e a as-censão são da mesma categoria, são uma única peça de tecido, e não podem ser facilmente separadas.

F.F. Bruce, em seu comentário sobre Atos, disse:“Na pregação apostólica a ressurreição e ascensão de Cris-

to parecem representar um movimento contínuo e ambos

juntamente constituem sua exaltação. Mas essa exaltação à

mão direita de Deus, aquilo que o Dia da Ascensão de Jesus

Cristo de fato comemora [no calendário litúrgico católico],

não foi adiada para o quadragésimo dia após seu triunfo

sobre a morte”.

A verdade é que o Senhor não entrou primeiro na presença do Pai, não foi primeiro assentado à mão di-reita do Pai, no dia exato da ascensão. Conquanto Ele estivesse com seus discípulos durante os quarenta dias entre a ressurreição e a ascensão, a maior parte desse período foi passada noutro lugar. Mas como devemos entender esse “outro lugar”? Talvez o Senhor estivesse recolhido num aposento em algum lugar da terra ― numa caverna, numa casa segura, num túmulo?

Ele estava e com toda a certeza estivera na presença do seu Pai e à sua mão direita, já exaltado ao mais alto grau.

Você observará imediatamente, do que Lucas nos conta nesta passagem, que a ascensão é a subida visível

― Cristo está sendo elevado ― para o céu na presença dos seus discípulos. Em vista aqui, está uma transição local. Cristo esteve com os seus discípulos. Jesus falou com eles. Cristo passou aproximadamente trinta e três anos nesta terra, mas agora Ele está conosco não mais naquele literal e físico sentido da palavra. Ele foi ele-vado ao céu, recebido na presença do seu Pai e nosso Pai. Do monte chamado das Oliveiras onde Ele e seus discípulos se encontravam, foi tomado, recebido para dentro do céu. “E uma nuvem o encobriu dos seus olhos” (Atos 1:9). Frequentemente nas escrituras “nuvem” ou

“nuvens”, podem ser mencionadas em relação a Deus e à sua majestade e glória. No Antigo Testamento quando Deus mostrava-se para o seu povo ele frequentemente fazia isto por intermédio de uma nuvem. Deus guiou Israel através do deserto naqueles longos e fatigantes anos do seu vaguear, por meio de uma coluna de nuvem durante o dia e uma coluna de fogo durante a noite. Quando Deus se mostrou presente na dedicação do ta-bernáculo no deserto, a nuvem, a glória, a shekkinah (a manifestação da presença do ser divino) cobriu o lugar e depois disso permaneceu acima da Arca da Aliança no Santo dos Santos.

Depois, foi-nos dito também, que quando o Senhor Jesus Cristo foi transfigurado, quando algo da sua glória suprema brilhou através da sua natureza humana, Ele e seus discípulos com Ele foram envolvidos numa nuvem. Então, da nuvem Deus disse: “Este é o meu filho amado em quem me comprazo” (Mc. 17:5). Depois há a segunda vinda: “Eis que vem com as nuvens, e todo o olho o verá, até quantos o transpassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Certamente, amém!” (Ap. 1:7).

Podemos entender de que as Escrituras nos falam nestas passagens e em muitas outras, que “nuvem” em relação a Deus, fala de glória, grandeza e majestade.

“Nuvem”, nestas circunstâncias, pode ser teofania. E quando nos é dito que o Senhor Jesus foi recebido fora

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da sua vista por uma nuvem, não deve-mos entender que Ele subiu até que pas-sou a barreira fornecida pelas nuvens e depois continuou indo para cima até que seus discípulos não mais puderam vê-Io mas, ao contrário, que Ele foi re-cebido na glória celestial.

Deus, o Pai, tornou-o à si uma vez mais Deus O Filho, e assentou-o à sua própria mão direita com toda a majes-tade e glória devidas a Ele como Mediador e como Rei. A ascen-são é a festa da en-tronização do nosso Rei Mediador, da sua exaltação para o lugar de honra e preeminência à mão direita de Deus Pai.

Mas agora, em se-gundo lugar, um ou-tro problema tem de ser tratado aqui com relação à ascensão do Senhor Jesus Cristo por causa de um pos-sível mal-entendido ou de uma má inter-pretação. Neste sen-tido dois problemas podem levantar-se em nossas mentes ao pensarmos neste ser recebido na glória.

O primeiro deles é este: Por que o Se-nhor precisava de qualquer argumen-tação de sua majestade quanto a que a ascensão lhe deu? Não era Ele desde a eternidade o próprio Filho de Deus? Quem pode acrescentar qualquer coisa à sua dignidade e poder? “No principio era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus” (Jo 1:1). Desde a eter-nidade, por definição, na natureza do caso, Ele já tem todo poder e toda glória.

O outro, o segundo problema, é sim-plesmente este: Antes da sua ascensão Ele mesmo prometeu aos seus discípulos:

“E eis que estou convosco todos os dias até à consumação dos séculos” (Mt. 28:20).

Mas, se isto é verdade, se Ele está conosco de acordo com sua própria promessa, e mesmo até o fim do mundo, então que devemos entender da ascensão? A ascen-são, na natureza do caso, significa que Ele foi levado de nós, que Ele não está mais conosco, que não mais podemos falar com Ele como os seus discípulos eram acostu-mados a fazer. Ele foi embora. Nós, porém, precisamos compreender muito claro e

cuidadosamente em nossas próprias men-tes que a ascensão não fala do aumento da glória e majesta-de dadas ao Senhor Jesus Cristo como a segunda pessoa da Trindade ou de qual-quer mudança em seu ser. Da mesma forma devemos entender claramente que a as-censão não significa que, quanto à sua dei-dade, o Senhor Jesus Cristo, a despeito da sua própria promes-sa em contrário, não mais está conosco.

O que está em jogo aqui é nossa com-preensão da exaltação da pessoa do mediador que não é apenas Deus, mas também homem. Ele é o homem-Deus. Ele é Emanuel. E Emanuel signifi-ca “Deus conosco” ou “Deus que está conosco”. Ele tomou para si mesmo a nossa natureza. Ele é o eterno Filho de Deus, e é completamente apropriado que devamos nos dirigir a Ele como a deidade. “Meu Senhor e meu Deus” disse-lhe Tomé (Jo 20:28). Mas Ele é também um de nós. Ele é um homem. Ele assumiu nossa natureza. Jesus tem um corpo. Esse corpo está agora glori-ficado realmente; mas não é menos que um corpo por conta disso. E a transição local que teve lugar; e a subida da ter-ra para o céu da pessoa do Mediador,

fala, portanto, da exaltação dessa pes-soa no sentido de que nossa natureza foi glorificada e elevada à posição de honra à mão direita de Deus. Mas, o Se-nhor Jesus Cristo quanto à sua deidade, sendo Deus como o é, e por essa ra-zão, onipresente, está sempre conosco como prometeu que estaria.

Agora vamos refletir um pouquinho sobre o que isto significaria. A ascen-são não é meramente uma doutrina que pode interessar aos especialistas no campo da Teologia Sistemática e que não nos toca ou move. Ao contrário, a ascensão do nosso Senhor relaciona-se com a minha experiência e com a sua.

1. Devemos compreender imedia-tamente que a ascensão fala da aceitabilidade à vista do Pai, da obra que o seu Filho realizou → O Salvador completou sua incumbência mediatória e o Pai elevou-o para su-prema dignidade e honra. Porque Deus altamente o exaltou, e deu-lhe um nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus todo joelho deverá se dobrar; nos céus, na terra e debaixo da terra, e que toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai (Fp. 2:9-11).

Eu digo que a ascensão é um atesta-do de aceitabilidade da sua obra reden-tiva. Que Ele ascendeu e que governa da sua posição de dignidade à mão direita do Pai e deve significar para nós que Deus agradou-se do que Ele fez. O que Ele nos diz no evangelho, no Novo Tes-tamento, na palavra que vem para nós de redenção, a qual é nossa em e atra-vés do seu sangue, é verdadeiro. Nós podemos depender dela.

2. A ascensão de Cristo significa que nós temos um porta-voz na presença de Deus o Pai → É uma grande coisa ter um amigo na corte, um que pode falar por nós. Deixados por nós mesmos na sala-do-trono de

JOhn R. De Witt

É uma grande coisa ter um

amigo na corte, um que pode falar por nós

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Deus, tendo de responder por tudo que temos feito e tudo o que temos falha-do em fazer, nós estaríamos sem voz e sem defesa. Devemos ser cuidadosos a respeito de orar por justiça. Você pede justiça? Deus proíbe que a justiça deve ser feita a mim, pois nesse caso eu devo perecer totalmente e estar para sempre coberto de vergonha e confusão na face. A justiça não é feita a mim a não ser no sentido de que a própria justiça santa de Deus foi satisfeita através da morte, sepultamento e ressurreição do Senhor Jesus Cristo.

Daí, eu não tenho que temer na sala do tribunal, a sala do trono de Deus. É uma coisa maravilhosa saber da pre-sença de Cristo ao meu lado, ali. Quan-do eu tropeço e caio no pecado, quando eu cometo erros, quando eu falho em fazer o que devia, e quando eu faço o que não devia, eu O tenho ali. Aquele que faz intercessão por mim, Aquele que fala a meu favor e cuja influência é infinita porque Ele próprio é o Filho de Deus.

O Senhor está ao lado de seu Pai para nos representar e interceder por nós: “Eis que estou convosco sempre”. Ele quis que soubéssemos que, muito embora esteja à mão direita do nosso Pai celestial e não fisicamente conosco, Ele está ali como nosso Mediador e nos-so Rei. Por conta disso podemos dormir à noite, podemos levantar dia após dia

e começar nosso trabalho novamente com consciências lavadas e limpas e com coração cheio de grande regozijo. Não importa quão escuro esteja o céu, não importa quão problemática a vida possa nos parecer algumas vezes, não importa quão repleta de dificuldades e com problemas aparentemente insolú-veis, há vitória porque o Senhor Jesus Cristo reina à mão direita do Pai.

3. A ascensão de Cristo significa que a ressurreição, que agora ain-da está em perspectiva para nós, também já nos é uma realidade em princípio → porque o nosso Salva-dor é, mesmo agora, como nós seremos um dia. Quando Ele levantou-se dentre os mortos, Ele assim o fez, não como um espírito desincorporado, mas em carne e osso (Lc. 24:39). Agora Ele ascendeu aos céus. Além disso, Jesus provou que ainda tinha um corpo, um corpo glorifi-cado mesmo quando comeu peixe e mel (Lc. 24:41-43). Agora Ele ascendeu aos céus e está à mão direita do nosso Pai celestial. Ele está lá como o testemunho, o atestado, a evidência de que nós, um dia igualmente, estaremos lá.

Não deixe que o seu coração se perturbe: Vós credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas: se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Eu vou preparar-vos lugar (Jo 14:1-3). Você ouve o que Ele

está dizendo para você? Ele está asse-gurando a você ― você que crê nele e cuja vida tem sido transformada pelo seu poder ― que porque Ele está lá como ascendeu, o que vive e reina, você também estará lá um dia.

4. A ascensão de Cristo significa que Ele nos enviou o seu Espírito Santo → Dez dias depois da ascensão ocorreu o Pentecostes. A Igreja recebeu o dom do Espírito Santo em poder. O próprio Senhor disse em tantas pala-vras que sua ascensão significava ao mesmo tempo o dom do Espírito Santo:

“Mas eu vos digo a verdade: Convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o consolador não virá para vós outros; se porém eu for, eu vo-lo enviarei”. (João 16:7).

Assim o Senhor, por meio de sua as-censão, deu-nos uma garantia de que nós teremos a capacitação da qual ne-cessitamos. Ser-nos-á dado o comissio-namento que devemos ter, se teremos de fazer sua obra. O Espírito Santo dá vida nova; Ele é o autor da regeneração; Ele é o capacitador do povo de Deus; Ele é aquele que toma a mensagem do evangelho e a comprova de maneira convincente. Veja a ligação, a inelutável ligação, entre a ascensão, por um lado, e o dom do Espírito Santo, por outro lado. John R. de Witt

O suPReMO tRiunfO De cRistO

A Confissão de Fé Escocesa10º Capítulo A Ressurreição → Visto que era impossível que as dores da morte pudessem reter cativo o Autor da vida,1 cremos sem nenhuma dú-vida que nosso Senhor Jesus Cristo foi crucificado morto e sepultado, o qual desceu ao inferno, ressuscitou para nossa justificação2 e para a destruição daquele que era o autor do pecado, e nos trouxe de novo a vida, a nós que estávamos sujeitos à morte e ao seu cativeiro 3. Sabemos que sua ressurreição foi confirmada pelos testemunhos de seus inimigos4 e pela ressurreição dos mortos, cujos sepulcros se abriram e eles ressuscitaram e apareceram a muitos dentro da cidade de Jerusalém,5 e que foi também confirmada pe-los testemunhos dos anjos,6 pelos sentidos e pelo julgamento dos apóstolos e de outros que privaram com ele e com ele comeram e beberam depois da sua ressurreição 7.

1. At 2:24.; 2. At 3:26; Rm 6:5, 9; 4:25.; 3. Hb 2:14-15; 4. Mt 28:4.; 5. Mt 27:52-53; 6. Mt 28:5-6; 7. Jo 20:27; 21:7,12-13; Lc 24:41-43.

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A Escolha da Pessoa do Nosso RedentorQuando Deus designou a redenção da humanidade, Sua grande sabedoria revelou-se no fato de que Ele mesmo deter-minou que o Seu Único Filho fosse a pessoa que executaria essa tarefa. Ele era o redentor escolhido pelo próprio Deus e, por essa razão, é chamado nas Escrituras de “O Escolhido de Deus” (Is 42.1). A sabedoria na escolha dessa Pessoa se manifesta no fato dEle ser, em todos os aspectos, a pessoa mais apropriada para executar essa tarefa. Era necessário que a pessoa do Redentor fosse uma pessoa divina. Ninguém, senão um ser divino era competente o suficiente para essa grande obra. Ela era totalmente inadequada para qualquer outra criatura. Era imprescindível que o Redentor dos pecadores fosse infinitamente santo em si mesmo. Ninguém poderia remover a infinita maldade do pecado, senão alguém que fosse infinitamente separado do pecado e contra o pecado. E em relação a esse aspecto, Cristo é a pessoa mais adequada para ser o Redentor.Para que a pessoa fosse competente o suficiente para realizar essa tarefa, era imprescindível que ela fosse uma pessoa infinitamente digna e excelente e pudesse ser merecedora de infinitas bênçãos. E em relação a esse aspecto, o Filho de Deus é pessoa mais adequada. Era necessário que essa pessoa fosse alguém com sabedoria e poder infinitos, pois essa era uma obra tão difícil que exigia alguém com esses atributos. E em relação a esse aspecto, Cristo é a pessoa mais adequada para ser o Redentor. Era imprescindível que essa pessoa fosse muito amada por Deus Pai para que Ele concedesse um valor infinito ao acordo feito entre os dois, devido a Sua estima por essa pessoa, de modo que o amor do Pai por essa pessoa pudesse equilibrar a ofensa e a provocação causada pelos nossos pecados. E em relação a esse aspecto, Cristo é a pessoa mais adequada para ser o Redentor. Somos aceitos pelo Pai, “no Amado” (Ef 1.6).Era imprescindível que essa pessoa fosse alguém com autoridade absoluta para agir por si mesmo; alguém que não fosse um sevo ou um súdito, pois alguém que não pudesse agir por sua própria autoridade não teria valor algum. Aquele que fosse um servo e não pudesse fazer nada além do que aquilo que era obrigado a fazer não seria digno para essa tarefa. E aquele que não possuía coisa alguma que não fosse absolutamente sua não poderia pagar o preço da redenção de outro. E em relação a esse aspecto, Cristo é a pessoa mais adequada para ser o Redentor. Ninguém, senão um ser divino poderia ser adequado para ser esse Redentor. Essa pessoa deveria ser alguém que possuísse misericórdia e graça infinitas, pois nenhuma outra pessoa, senão alguém como Ele, poderia realizar uma obra tão difícil em prol de uma criatura tão indigna quanto o homem. E em relação a esse aspecto, Cristo é a pessoa mais adequada para ser o Redentor.Era imprescindível que essa pessoa possuísse verdade e fidelidade perfeitas e imutáveis. Caso contrário, não seria uma pessoa adequada, de quem poderíamos depender para realizar tamanha tarefa. E em relação a esse aspecto, Cristo é a pessoa mais adequada para ser o Redentor.A sabedoria de Deus em escolher Seu Filho Eterno se manifesta não somente no fato dEle ser a pessoa mais adequada, mas também no fato dEle ser a única Pessoa adequada dentre todas, quer criadas ou não. Nenhum ser criado ― quer fosse homem, quer fosse anjo ― era adequado para realizar essa tarefa… Isso revela a sabedoria divina em saber que Cristo era a pessoa adequada. Nenhum outro, senão Aquele que possui a sabedoria divina poderia conhecer esse fato. Nenhum outro, senão Aquele que possui a sabedoria divina poderia pensar em Cristo para ser o Redentor dos pecadores. Pois, visto que Cristo também é Deus, Ele é uma das Pessoas contra Quem o homem pecou e que foi ofendida pelo pe-cado de rebelião do homem. Quem, senão o Deus infinitamente sábio poderia pensar em Cristo para ser o Redentor de pecadores que haviam pecado contra Ele, os quais eram Seus inimigos e mereciam o mal infinito de Suas mãos? Quem poderia pensar nEle como Aquele que colocaria o Seu coração no homem e teria amor e compaixão infinitos por ele, exibindo sabedoria, poder e merecimento infinitos pela redenção do homem?

Jonathan Edwards

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A Piedade nas OrdenançasAs ordenanças fortalecem nossa fé, ajudando-nos a nos oferecermos como um sacrifício vivo a Deus

Dr. Joel Beeke

Calvino define as ordenanças como testemunhos “da graça divi na para conosco, confirmada por um sinal exterior, com atestação mútua de nossa pie-

dade para com Ele”.1 As ordenanças são “exercí cios da piedade”. As ordenanças fortalecem nossa fé, ajudando-nos a nos oferecermos como um sacrifício vivo a Deus.

Para Calvino, assim como para Agostinho, as orde-nanças são a Palavra visível. A Palavra pregada nos al-cança pelos ouvidos; a Palavra visível, pelos olhos. As ordenanças mostram o mesmo Cris to apresentado na Palavra pregada, comunicando-O de um modo diferente.

Nas ordenanças, Deus se acomoda à nossa fraqueza. Quando ouvimos a Palavra pregada indiscriminadamen-te, podemos inda gar: isto é realmente para mim? Isto se aplica a mim? No entanto, nas ordenanças Deus nos atinge e toca de modo individual, dizendo:

“Sim, é para você. A promessa se estende a você”. As-sim, as ordenanças ministram à nossa fraqueza, tor-nando pessoais as promessas, para aqueles que crêem em Cristo para a salvação.

Nas ordenanças, Deus vem ao seu povo, encoraja-o, capacita-o a conhecer a Cristo, edifica-o e o alimenta nEle mesmo. O batismo promove a piedade como um símbolo do fato de que os crentes es tão enxertados em Cristo, que são renovados pelo Espírito e adotados na família do Pai celestial.2 De modo semelhante, a Ceia do Se nhor mostra como esses filhos adotados são alimentados por seu Pai amoroso. Calvino gostava de referir-se à Ceia do Senhor como a nutrição para a alma. “Os sinais são o pão e o vinho que repre sentam para nós o alimento invisível que recebemos da car-ne e do sangue de Cristo”, ele disse. “Cristo é o único alimento de nossa alma; portanto, o Pai celestial nos convida a vir a Cristo, para que, renovados pelo par-tir dEle, obtenhamos forças, repetidas vezes, até que cheguemos à imortalidade celestial”.3

Como crentes, precisamos constantemente de ali-mento. Nunca atingimos um ponto em que não preci-samos mais ouvir a Palavra, ou orar ou ser nutridos pelas ordenanças. Temos de crescer e desen volver permanentemente. Visto que continuamos a pecar, porque portamos uma natureza pecaminosa, temos necessidade constante de perdão e graça. Assim, a Ceia do Senhor, juntamente com a pre gação da Pala-vra, nos diz vez após vez: precisamos de Cristo, pre-cisamos ser renovados em Cristo, edificados nEle. As ordenanças prometem que Cristo está presente para receber-nos, abençoar-nos e renovar-nos.

Para Calvino, a palavra conversão não significava apenas o ato inicial de vir à fé; também significava renovação e crescimento di ário no seguir a Cristo. As ordenanças nos guiam a esta conversão diária. Elas nos dizem que precisamos da graça de Cristo todos os dias. Temos de obter forças em Cristo, es-pecialmente por meio do corpo sacrificado na cruz em nosso favor.

Calvino escreveu: “Visto que a eterna Palavra de Deus é a fonte da vida, a carne de Cristo é o canal que derrama sobre nós a vida que reside intrinsecamente em sua divindade. Na carne de Cristo foi realizada a redenção do homem; nela, foi oferecido um sacri fício para expiar o pecado, e uma obediência foi rendida a Deus, a fim de reconciliá-Lo conosco. A carne de Cristo estava cheia da santificação do Espírito Santo. Final-mente, tendo vencido a mor te, Cristo foi recebido na glória celestial”.4 Em outras palavras, o Espírito santi-ficou o corpo de Cristo, que Ele ofereceu na cruz como expiação pelo pecado. Aquele corpo foi ressuscitado dentre os mortos e recebido no céu. Em cada etapa de nossa redenção, o corpo de Cristo é o caminho para Deus. Na Ceia do Senhor, Cristo vem ao nosso encontro e diz: “Meu corpo ainda é dado em favor de vocês. Pela fé, vocês podem ter comunhão comigo e receber o meu corpo e todos os seus benefícios salvíficos”.

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20 Revista Os PuRitanOs 4•2009

JOel Beeke

Calvino ensinava que, na Ceia, Cristo não nos dá apenas os seus benefícios, Ele se dá a Si mesmo e os seus benefí-cios, assim como o faz na pregação da Palavra. Cristo também nos torna parte de seu corpo, quando se dá em nosso favor. Calvino não podia explicar com exatidão como isso acontece na Ceia do Senhor, pois isso é mais fácil de ser ex-perimentado do que de ser explicado.20 No en tanto, Calvino não disse que Cristo deixa o céu para entrar no pão. Pelo con-trário, na Ceia do Senhor somos chama-dos a elevar nosso coração ao céu, onde Cristo está, e a não nos prendermos ao pão e ao vinho externos.

Somos elevados ao céu mediante a obra do Espírito Santo em nosso cora-ção. Conforme disse Calvino: “Cristo está ausente de nós no que se refere ao seu corpo; mas, habitando em nós por meio do seu Espírito, Ele nos eleva ao céu, ao encontro dEle mesmo, trans-mitindo-nos o poder vivificador de sua carne, assim como os raios de sol nos revigoram por meio de seu calor vital”.5 Participar da carne de Cristo é um ato espiritual, e não um ato carnal que en-volve uma “transfusão de substâncias”.6

As ordenanças podem ser vistas como escadas pelas quais as cendemos ao céu. “Porque somos incapazes de voar suficientemen te alto para nos aproximarmos de Deus, Ele nos orde-nou as orde nanças, como escadas”, dis-se Calvino. “Se um homem deseja pular até às alturas, quebrará seu pescoço na tentativa; mas, se ele tem escadas, será capaz de prosseguir com confiança. De modo seme lhante, se temos de chegar ao nosso Deus, temos de usar os meios que Ele instituiu, visto que Ele sabe o que é adequado para nós. Deus nos deu esse maravilhoso amparo, encorajamento e vigor em nossa fraqueza”.7

Nunca devemos adorar o pão, por-que Cristo não está no pão. Antes, en-contramos a Cristo por meio do pão. Assim como nossa boca recebe o pão a

fim alimentar nosso corpo físico, assim tam bém a nossa alma recebe, pela fé, o corpo e o sangue de Cristo para alimen-tar nossa vida espiritual.

Quando temos comunhão com Cris-to por meio das ordenanças, crescemos em graça. Essa é a razão por que as ordenanças são cha madas de meios de graça. As ordenanças nos estimulam em nosso progresso em direção ao céu. Promovem confiança nas promessas de Deus, por meio da morte redentora de Cristo, “significada e se lada”. Visto que as ordenanças são alianças, elas con-têm promessas pelas quais “a consci-ência pode ser despertada à segurança de sal vação”, disse Calvino.8 O Espírito capacita o crente a “ver” a Palavra gra-vada nas ordenanças e receber a “paz de consciência” que lhe é oferecida nas ordenanças.9

Finalmente, as ordenanças promo-vem a piedade por nos mo tivarem a agradecer e louvar a Deus por sua graça abundante. As ordenanças também exi-gem que “confirmemos nossa piedade para com Ele”. Como disse Calvino: “O Senhor traz à nossa memória a grande generosidade de sua bondade e nos ins-pira a reconhecê-la; e, ao mesmo tempo, nos adverte a não sermos ingratos em relação a tão profusa liberalidade; an-tes, devemos proclamar com louvores adequados e celebrar [a Ceia do Senhor] dando-Lhe graças”. 10

Duas coisas acontecem na Ceia do Senhor: o receber de Cristo e o render-se do crente. Do ponto de vista de Deus, a Ceia não é eu carística — disse Calvino, pois Cristo não é oferecido novamente. Tampouco é eucarística em termos dos méritos do homem, pois não podemos oferecer nada a Deus como sacrifício. No entanto, a Ceia é eucarística em ter-mos de nossas ações de graça.11 Esse sacrifício é uma parte indispensável da Ceia do Senhor, que inclui “todos os deveres de amor”.12 A Ceia é uma festa agape em que os comungan tes animam

uns aos outros e testemunham os laços que desfrutam com os outros crentes na unidade do corpo de Cristo.13

Oferecemos esse sacrifício de grati-dão em resposta ao sacrifí cio de Cristo por nós. Rendemos nossa vida em res-posta ao ban quete celestial que Deus coloca diante de nós, na Ceia. Pela gra-ça do Espírito, a Ceia do Senhor nos ca-pacita, como um sacerdócio real, a nos oferecermos como um sacrifício vivo de louvor e grati dão a Deus.14

A Ceia do Senhor nos impulsiona tanto à piedade da graça como à da gra-tidão, como mostrou Brian Gerrish.15 A liberalidade do Pai e a resposta de gratidão da parte de seus filhos são um tema recor rente na teologia de Calvino.

“Devemos reverenciar grandemente esse Pai, com piedade grata e amor intenso”, Calvino nos adverte, “a ponto de nos de-dicarmos totalmente a obedecer-Lhe e a honrá-Lo em tudo”.16 A Ceia do Senhor é a dramatização litúrgica da graça e da gratidão, que estão no âmago da pieda-de.17

Na Ceia do Senhor, o elemento huma-no e o divino da piedade são mantidos em tensão dinâmica. Nesse intercâmbio dinâmico, Deus se move em direção ao crente, enquanto o Espírito Santo consu-ma a união fundamentada na Palavra. Ao mesmo tempo, o crente se move em di-reção a Deus, por contemplar o Salvador que o revigora e fortalece. Nisso, Deus é glorificado, e o crente, edificado.18

Extraído do livro Vencendo o Mundo, Dr. Joel Beeke, Editora FIEL, pgs. 57-62Notas: 1. Institutes. 4.14.1; 2. Institutes. 4.16.9. Ver também: WALLACE, Ronald S. Calvin’s doctrine of the Word and sa-crament. London: Oliver and Boyd, 1953. p. 175-183. OLD, H. O. The shaping of the reformed baptismal rite in the sixteen century. Grand Rapids: Eerdmans, 1992. 3. Institutes. 4.17.8-12. 4. Ibid. 5. Institutes. 4.17.24,33. 6. Institutes. 4.17.12. 7. C0. 9:47,522. 8. Institutes. 4.14.18. 9. Commentary, 1 Coríntios 11.25. 10. Commentary, Mateus 3.11; Atos 2.38; 1 Pedra 3.21. 11. OS. 1:136, 145. 12. Institutes. 4.18.3. 13. Institutes. 4.18.17. 14. Institutes. 4.17.44. 15. Institutes. 4.18.13. 16. CALVIN’S eu-charistic piety. In: FOXGROVER, David. The legacy of John Cal-vin. Grand Rapids: CRC, 2000. p. 53. 17. OS. 1:76. 18. GERRISH, Brian A. Grace and gratitude: the eucharistic theology of John Calvin. Minneapolis: Fortress Press, 1993. p. 19-20. 19. GREVE, Lionel. Freedom and discipline in the theology of John Calvin, William Perkins, and john Wesley: an examination of the origin and nature of pietism. Dissertação (Ph. D). 1975. f. 124¬-125. Hartford Seminary Foundation, 1975.

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A Igreja — Agente da EvangelizaçãoIncontestavelmente, a Igreja cristã é a agente que Deus designou para a obra de evangelização

R. B. Kuiper

Incontestavelmente, a Igreja cristã é a agente que Deus designou para a obra de evangelização. Contu-do, ao se afirmar isso, é bom definir o termo Igreja.

Neste contexto o vocábulo tem dois pontos de refe-rência que, embora inseparáveis, apropriadamente se distinguem um do outro. Tanto a Igreja como organi-zação, operando por meio dos seus ofícios especiais, como a Igreja como organismo de crentes, cada um dos quais desempenha um ofício geral ou universal; são agentes da evangelização ordenada por Deus.

O que se segue é uma demonstração bíblica e um desenvolvimento dessa proposição dupla.

A Igreja Como Organização → Nem todas as Igre-jas têm o mesmo grau de organização. Umas ordenam oficiais, outras não. Nem todas as Igrejas que adotam oficiais reconhecem o mesmo número deles. Todavia, inevitavelmente, toda Igreja tem organização em algu-ma extensão. E a Escritura o requer. Organizar grupos de cristãos em Igrejas era o invariável costume do mis-sionário Paulo. Na Ásia Menor, ele e Barnabé ordena-ram presbíteros em cada uma das Igrejas (Atos 14.23).

A Bíblia ensina claramente que a evangelização é tarefa da Igreja organizada.

Os apóstolos, a quem a Cabeça da Igreja dera o man-damento mis sionário, foram o alicerce da Igreja orga-nizada neotestamentária. Quando Pedro, como porta-voz dos doze, tinha confessado que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus vivo, disse o Senhor: “Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mateus 16.18). A “pedra” de que Jesus falou não era nem Pedro como indivíduo, nem meramente sua confis-são, mas, sim, o Pedro confessante como representante dos apóstolos. E a “Igreja” mencionada era uma orga-nização, como transparece do fato de que foi adiante e confiou “as chaves do reino dos céus” aos apóstolos

(Mateus 16.19; 18.18), autorizando-os deste modo a formular as condições para a relação de membros da Sua Igreja. É evidente que, histórica e doutrinariamen-te, os apóstolos foram o alicerce da Igreja organizada do Novo Testamento. Mudando a metáfora, os apóstolos foram a Igreja em embrião. Conclui-se que, quando Cristo encarregou seus apósto los de fazerem discípulos de todas as nações, deu essa ordem a eles e à Igreja organizada dos tempos subsequentes.

O pentecostes não é a data de nascimento da Igre-ja Cristã. A Igreja veio à existência no jardim do Éden. Entretanto, aconteceram algumas mudanças verdadei-ramente grandes da Igreja quando o Espírito Santo foi derramado sobre ela. Como já foi dito, uma dessas mudanças foi a transição do nacionalismo para o uni-versalismo.

Outra mudança, estreitamente relacionada com a anterior, foi a separação de Igreja e Estado. Na velha dis-pensação a Igreja e o estado, se bem que não identifica-dos, estavam interligados intimamente. Israel era uma teocracia; pode-se dizer um Esta do-Igreja. Agora que a Igreja se havia tornado universal, tinha que ser cortada do estado judaico. Pois foi o que ocorreu. E este é um modo de dizer que no Pentecoste a Igreja adquiriu sua organização próp ia e distinta. Não é impróprio afirmar que, embora o Pentecoste não assinale o natalício da Igreja cristã como tal, ele assinala o dia do nascimento da organização da Igreja neotestamentária. Foi nesse sentido que a Igreja recebeu poder do Espírito Santo para testemunhar de Cristo “em Jerusalém, em toda a Judéia, em Samaria, e até os confins da terra” (Atos 1.8).

Havia uma Igreja organizada em Antioquia da Síria. Ela recebeu esta ordem do Espírito Santo: “Separai-me agora a Barnabé e a SauIo para a obra a que os tenho chamado”. A Igreja obedeceu. É significativo que se diz que Barnabé e Saulo foram enviados como missionários pela Igreja e pelo Espírito Santo. “Então, depois que jeju-aram, oraram e lhes impuseram as mãos, os despediram.

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R. B. kuiPeR

Enviados, pois, pelo Espírito Santo, des-ceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre” (Atos 13.2-4). Em resumo, Sau-lo e Barnabé foram ordenados missio-nários, divina e eclesiasticamente.

A argumentação recém apresen-tada é incontestável. É preciso ano tar como fato estabelecido que a Igreja como organização é agente que Deus nomeou para a obra de evangelização. Daí, seus oficiais devem aplicar-se à evangelização, ordenar missionários e enviar trabalhadores para a seara. Não se conclua, porém, que somente os seus oficiais têm o dever de dedicar·se ativa-mente à evangelização. Sob os seus aus-pícios, direção e governo os membros da Igreja em geral têm a obrigação de levar o Evangelho aos não salvos.

Aqui é preciso dizer algo acerca do uso bíblico do termo evangelista. Apa-rece três vezes no Novo Testamento. Em Atos 21:8 Felipe é chamado de

“evangelista”. Efésios 4:11: “E ele deu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres”. Em 2 Timóteo 4:5 Paulo admoesta o seu filho espiritual di-zendo: “Faze o trabalho de evangelista”. À luz destas passagens, parecem ter base certas conclusões.

O evangelista não ocupou um quar-to ofício da Igreja apostólica em acrés-cimo aos três ofícios de presbítero regente, presbítero docente e diácono. Isso parece que devia ser uma conclu-são já evidente, pois Cristo, a Cabeça da Igreja, exerce o tríplice ofício de rei, profeta e sacerdote, e os três ofí-cios eclesiásticos mencionados acima O representam nesse tríplice ofício. Dificilmente se pode pensar num quar-to ofício em coordenação com os três. Esta conclusão é confirmada pelo fato de que Filipe, o evangelista, era diáco-no (Atos 6:5) e Timóteo, o evangelista, era sem dúvida presbítero (1 Timóteo 4:14; 1 Tessalonicenses 3:2). É impro-vável que qualquer deles, em virtude de

ser evangelista, exercesse um segundo ofício.

Evidentemente o nome evangelista era dado às vezes a homens que ser-viam como pregadores itinerantes. De-pois de pregar o Evangelho num lugar, partiam logo para outro. Em rápida sucessão Filipe foi levado pelo Espíri-to para pregar em Samaria, na estrada de Jerusalém a Gaza, e em Azoto (Atos 8:5,26,40). Assim o evangelista, saindo de uma dada locali dade, deixava lugar para um pastor ou mestre. Talvez seja esta a razão porque os pastores e mes-tres são mencionados logo em seguida aos evangelistas em Efésios 4:11.

O fato de que em Efésios 4:11 a fun-ção dos evangelistas é introdu zida en-tre as funções temporárias de apóstolos e profetas e as funções permanentes de pastores e mestres, dá surgimento à questão se era para os evangelistas servirem somente à Igreja apostólica ou também à Igreja das eras posterio-res. Não é difícil encontrar a resposta. Os evangelistas exerceram autoridade extraordinária, com estreita afinidade com a dos apóstolos. Tinham autorida-de para nomear presbíteros (Tito 1:5) e para exercer disciplina individualmen-te (Tito 3:10). Evidentemente os evan-gelistas receberam autoridade especial dos apóstolos, com os quais estavam associados intimamente. Poder-se-ia dizer que eram apóstolos por delega-ção. E isto só pode significar que sua posição na Igreja era temporá ria, como a dos apóstolos.

Se a palavra evangelista não pode ser empregada hoje pela Igreja é ou-tra coisa. Tirar essa conclusão poderia demonstrar um biblicismo doen tio. É certo que no presente a Igreja já não tem evangelistas no sentido especial e específico em voga na era apostólica. Mas isto não é razão bastante para le-var-nos a evitar aquele nome. Por exem-plo, os pregadores ordenados pela Igre-ja organizada para levar o Evangelho

particularmente aos não salvos, bem podem ser assim denominados. Retirar esse título dos obreiros não ordenados que fazem trabalho evangelizante não deve ser considerado como exigência de princípio. E como será demonstrado a seguir, é próprio afirmar que, num sentido real, todo cristão está obriga-do a ser evangelista, por dever sagrado.

O assunto recém-considerado é de importância relativamente menor. Res-ta considerar uma questão decidida-mente importante.

Desde a Reforma do século dezes-seis, o protestantismo sempre ensinou que três marcas distinguem a verda-deira Igreja da falsa. São a autêntica pregação da Palavra de Deus, a mi-nistração dos sacramentos de acordo com os preceitos de Cristo, e o fiel exercício da disciplina eclesiás tica. Em vista da incondicional exigência da Palavra de Deus de que a Igreja se aplique à evangelização, pergunta-se se não deveria ser acrescen tada uma quarta marca, a saber, a evangelização dos não salvos. Esta matéria merece séria consideração. Talvez se possa indagar se existe em algum lugar al-guma Igreja que negligencie comple-tamente a evangeliza ção. Mas caso haja uma Igreja assim, ela está-se ne-gando a si mesma abertamente. Para usar uma expressão um tanto banal, a evangelização é essencial, não somen-te ao bem estar da Igreja, mas à pró-pria existência dela. Evangelizar é da essência da verdadeira Igreja. Contudo, isto não indica que deve ser adicionada uma quarta marca às três tradicionais. Pois a evangelização está implícita na primeira e principal marca. Pregação autêntica é pregação da Palavra de Deus não adulterada, por certo, mas é também pregação de toda a Palavra. Não se pode dizer que a Igreja que deixa por completo de evangelizar os não salvos esteja proclamando todo o conselho de Deus. A evangelização faz

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a iGReJa, aGente Da evanGelizaçãO

parte integrante da pregação legítima. Quem sabe se poderia reformular a ex-pressão verbalizada da primeira marca da verdadeira Igreja de modo que res-salte essa verdade.

Outra matéria de considerável im-portância precisa ser mencionada. Pau-lo ordenou ao evangelista Timóteo: “O que de mim ouviste, entre muitas teste-munhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idô neos para instruir a outros” (2 Timóteo 2:2). Uma implica-ção dessa ordem é que a Igreja precisa fazer provisão para o preparo de evan-gelistas, particularmente daqueles que têm em mente dedicar a vida toda à apre sentação do Evangelho aos per-didos. Neste ponto muitas Igrejas são falto sas. Quase todas as denominações possuem uma ou mais escolas teológi-cas para a preparação de ministros. O currículo de muitos desses seminários visa principalmente ― quase exclusi-vamente até ― ao preparo de homens para servirem como pastores de Igrejas estabelecidas. Muitíssimo mais atenção devia ser dada à preparação de evan-gelistas.

A Igreja como Organismo → A Igre-ja organizada foi instituída por Deus. Ele é seu fundador. Não declarou o Fi-lho de Deus: “Sobre esta pedra edificarei a minha igreja”. (Mateus l6.l8)? Por essa razão os homens deviam escrupulosa-mente tomar cuidado para não privá-la de suas prerrogativas. E ela não tem prerrogativa mais preciosa do que a de evangelizar o mundo.

Apesar disso, não segue que todo empreendimento evangelístico deve estar sob o direto e completo controle da Igreja como organização. A Igreja tem outro aspecto. Além de ser organi-zação, é organismo. Como organização ela opera por meio dos seus oficiais; como organismo ela opera por meio dos seus membros, individualmente considerados.

Deus instituiu oficiais especiais em Sua Igreja. Mas a Escritura tam bém ensina que há um ofício universal de que participam todos os Cristãos. Todo crente em Cristo detém o tríplice ofício de profeta, sacerdote e rei. Esta verdade é afirmada sucintamente em 1 Pedro 2:9: “Vós,porém, sois raça eleita, sacer-dócio real, nação santa, povo de proprie-dade exclusiva de Deus, a fim de procla-mardes as virtudes daquele que vos cha-mou das trevas para a sua maravilhosa luz”. A Igreja é uma reale-za de sacerdo tes, um sacerdócio de reis. E cada sacerdote e rei tem o dever de procla-mar as excelências do seu Salvador. É sua função como profeta.

A experiência de Eldade e Medade nar-rada em Números 11 é tão instrutiva como interessante. Moisés não podia levar so-zinho a carga de julgar os filhos de Israel durante a sua peregrinação no deserto. À ordem de Deus, foram desig-nados setenta anciãos como seus assis-tentes. Em dada ocasião, eles estavam reunidos no tabernáculo, o Espírito de Deus veio sobre eles, e profetizaram. Entretanto, Eldade e Medade, embora pertencentes aos setenta, estavam fora do tabernáculo, no acampamento. Sur-preendentemente, o Espírito veio sobre eles também, e profetizaram. Um jovem correu a contar a Moisés esta flagran-te irregularidade. Josué, filho de Num, zeloso servidor de Moisés, exclamou:

“Moisés, meu senhor, proíbe-os”. Que foi que Moisés fez? Repreendeu Eldade e Medade? Não fez nada disso. Ao invés, disse: “Oxalá todo o povo do Senhor fosse profeta, que o Senhor lhes desse o Seu

Espírito!” (vers. 29). Esse foi um desejo profético. Séculos mais tarde, o profe-ta Joel predisse o cumpri mento desse desejo. Deus disse por intermédio dele:

“E acontecerá depois que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; e também sobre os servos e so-bre as servas derramarei o meu espírito

naqueles dias” (Joel 2.28,29). Essa profecia cumpriu-se no Pente-costes, quando não só os apóstolos, mas todos os membros da Igreja de Jerusa-lém estavam reunidos unânimes num mesmo lugar, e “todos ficaram cheios do Espírito San-to, e começaram a fa-lar em outras línguas, confor me o Espírito lhes concedia que falas-sem” (Atos 2.1,4). Tem-se dito com acerto que o Pentecostes dá lugar ao sacerdócio universal dos crentes.

Pode-se muito bem dizer igualmente que o derramamento do Espírito fez de cada membro da Igreja um evangelista. Assim foi no dia de Pentecoste e assim continua sendo hoje. Cada cristão é um agente da evangelização, ordenado por Deus.

Desta maneira, o crente dá testemu-nho de Cristo aos seus vizinhos, aos seus companheiros de trabalho na loja, no armazém ou no escritório, a seus colegas de estudos e a seus professo-res, àqueles sobre os quais tem auto-ridade e àqueles que têm autoridade sobre ele. Convida os seus vizinhos que não pertencem a nenhuma Igreja a que frequentem os cultos de sua Igre-ja, reúne em casa os filhos deles para contar-lhes histórias bíblicas e coloca

Pregação autêntica é

pregação da Palavra de Deus,

mas é também pregação de

toda a Palavra

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folhetos evangélicos ao alcance de toda gente em lugares públicos. Distribui Bíblias nos lares, hotéis e motéis. Em suma, semeia a se mente do Evangelho onde pode e lança o pão do Evangelho a muitas águas. E para fazer isso tudo não tem por que pedir autorização aos oficiais da sua Igreja. Cristo, seu Senhor, o autorizou. Não obstante, ele o faz na qualidade de membro do corpo de Cris-to, a Igreja.

Aquilo que o crente pode fazer como indivíduo, pode fazer também em co-laboração com outros cristãos. Grupos ou associações voluntárias de cristãos podem traduzir, publicar e distribuir as Escrituras, trans mitir o Evangelho pela produção e disseminação de literatura cristã, e por muitos e variados meios pode propagar as boas novas da salva-ção onde esta não é conhecida.

Tem-se tentado algumas vezes traçar uma aguda linha de demarca ção entre a atividade evangelística da Igreja como organização, e a obra evangelística ade-quadamente levada adiante pela Igreja como organismo, mas nunca se alcan-çou pleno sucesso nessas tentativas. Proeminentes teó logos evangélicos chegaram à conclusão de que isto não é nem necessário nem possível. Entre-tanto, pelo menos um ponto precisa ser estabelecido. Visto que a Igreja organi-zada foi instituída por Deus e deve apli-car-se à evangelização, ao passo que as associações voluntárias de cristãos, ain-da que legítimas e bem intencionadas,

são de origem humana e podem apli-car-se à evangelização, estas devem vi-giar sempre no sentido de evitarem que venham a suplantar a primeira em sua qualidade de agente da evange lização.

Nestes dias em que ― geralmente falando ― a Igreja organizada não goza tão alta estima como devia, nem mesmo por seus próprios membros, essa adver-tência está longe de ser supérflua. Não é nem um pouco raro que missões e cam-panhas evangelísticas sejam dirigidas por juntas ou comissões independentes do controle eclesiástico. Normalmente isto não deveria acontecer. Sabe-se de associações dessas que costumam enviar evangelistas ordenados e mes-mo costumam ordenar evangelistas. Em condições normais essas práticas devem ser julgadas completamente irregula res. É evidente que atividades dessa natureza são prerrogativas da Igreja organizada.

Se as condições de uma Igreja po-dem ou não tornar-se tão anormais que justifiquem esses modos de proceder, é outra questão. Quando a Igreja da In-glaterra negligenciou as missões, mui-tos dos seus membros se congregaram em sociedades missionárias. Elas se en-carregaram de fazer o que competia à Igreja, e que esta deixou de fazer. Quan-do, em meados do século dezenove, a Igreja oficial da Holanda sucumbiu ao modernismo teológico, alguns dos seus membros fundaram uma organização para a direção de missões fiéis à Palavra

de Deus, e aquela organização sentiu-se constrangida a apelar para a ordenação de missionários verdadeiramente evan-gélicos. Quando, no primeiro quartel do século atual, a Igreja Presbi teriana nos Estados Unidos da América caiu sob o fascínio do modernis mo, homens e mulheres fiéis criaram a Junta Inde-pendente de Missões Presbiterianas Estrangeiras. Esses são exemplos de medidas radicais, justificadas porém pelas situações de emergência ― medi-das dignas de louvor, verdadeiramente heróicas. Todavia, deve-se reconhecer que são exceções à regra. Antes de se darem tais passos, deve-se fazer todo o possível para persuadir a Igreja organi-zada a cumprir o seu dever, e a fazê-lo a contento. E, se forem tomadas aquelas medidas extremas, deverão ser postas de lado assim que surgir uma Igreja ca-paz e desejosa de levar adiante a obra de evangelização verdadeiramente cris-tã.

A Igreja como organização, e a Igreja como organismo são ambas agentes da evangelização, agentes ordenados por Deus. Não podem entrar em conflito uma com a outra, pois são dois aspectos do corpo uno de Cristo. Devem traba-lhar harmoniosamente para apressar o dia em que todas as nações que Ele fez, venham perante o Senhor, adorem-no, e glorifiquem o Seu nome (Salmo 86:9).

Extraído com permissão de “Evangelização Teocên-

trica”, PES - PP. 93-100

R. B. kuiPeR

Segunda Confissão Helvética16. Da fé e das boas obras, e da sua recompensa, e do mérito do homem

Obras de escolha humana → E na verdade, obras e cultos que escolhemos por nosso arbítrio não são agradáveis a Deus. A estes São Paulo denomina ethelothreskia (CI 2.23). Desses o Senhor diz no Evan-gelho: “Em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens” (Mt. 15.9). Portanto, desaprovamos tais obras, mas aprovamos e estimulamos aquelas que são da vontade e de mandado de Deus.

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As Escrituras — Nossa Conselheira“Com efeito, os teus testemunhos são o meu prazer, são os meus conselheiros” (Sl 119:24)

Charles Bridges

O que mais poderíamos desejar em tempos de lutas senão conforto e direcionamento. Davi possuía estas bênçãos. Como fruto de sua “me-

ditação nos mandamentos do Senhor”, eles eram o seu “deleite” na angústia e conselheiros na perplexidade. Ele não trocaria este deleite pelo maior dos prazeres terrenos (vv. 14, 97, 103 e 127 com Sl 4:7). Tão sabia-mente estes conselheiros dirigiram seus passos, que, não obstante “príncipes se assentaram e falaram contra ele”, não puderam acusá-lo por nenhum motivo ou falta (1 Sm. 18:14; Sl 101:2; com Dn. 6:4, 5).

Os mandamentos do Senhor foram verdadeiramen-te “os homens do seu conselho”. Ele se conduziu pelas ordenanças do Livro de Deus, colocadas diante de si, como recurso vindo do mais experiente dos conselhei-ros. Ou ainda quando os profetas lhe entregavam a Pa-lavra diretamente da boca de Deus. Desta forma, mesmo como súdito ou como Rei, Davi possuía conselhos. De um lado estava Saul e seus conselheiros (v. 23). No ou-tro, Davi e os testemunhos do seu Deus. Pensemos: qual estava mais bem provido daquela sabedoria que é útil para guiar? Posteriormente já como Rei, Davi estava obrigado a fazer dos “testemunhos do seu Deus seus conselheiros” (Dt. 17:18-20); e certamente através da constante consideração à voz destes mandamentos, ele usufruiu grande prosperidade terrena.

Em um mundo como este cercado de tentações por toda a parte, precisamos principalmente de conselhos sábios e sadios. Mas em nosso interior, todos nós tra-zemos um péssimo conselheiro e nossa tolice é dar ou-vidos à sua voz. Deus nos tem concedido sua Palavra como um conselheiro infalível e “aquele que dá ouvidos ao conselho é sábio” (Pv.12:15)

Pois bem, nós valorizamos o privilégio deste conse-lho celestial? Cada progresso tem de aprofundar nosso deleite nele. Um interesse leviano impede esta benção.

Todavia para aqueles que fazem da Palavra seu deleite, sempre haverão de considerá-la seu conselheiro. Uma leitura superficial nunca nos fará compreender acerca do gozo santo e do conselho nela contidos. Ela deve ser aplicada em nossa experiência particular, em nos-sa conversação diária e consultada naquelas ocasiões rotineiras quando, esquecidos de nossa necessidade de orientação divina, somos freqüentemente inclinados a seguir nosso próprio conselho. O cristão é um homem de fé em cada passo de sua caminhada. O uso cotidia-no e a familiaridade com os testemunhos de Deus (Nm 9:15-23) revelar-se-ão como a coluna e a nuvem em todos os reveses de sua vereda celestial. Para o cristão, a Palavra será como o Urim e Tumim — um infalível conselheiro.

Entretanto, algumas vezes a perplexidade se ergue em meio ao conflito, não aquele entre nossa consciên-cia e a indulgência pecaminosa (na qual a sinceridade cristã invariavelmente determinaria o rumo a trilhar), mas entre deveres e deveres. Quando, porém, certas obrigações parecem conflitar-se entre si, o conselho da Palavra definirá a importância relativa delas, conexão e dependência, a disposição da providência, a orientação que tem sido concedida ao povo de Deus em situações semelhantes e a luz que a vida diária de nosso Modelo Maior demonstra diante de nós. A questão principal, porém, é cultivar o hábito mental que se encaixa mais naturalmente com o conselho da Palavra. “Caminhando no temor do Senhor” (veja Salmo 25:12,14) com espírito humilde de dependência, fugindo da idolatria de tomar conselho com nossos corações, não podemos material-mente errar. Deve haver uma confluência entre nossa disposição e a promessa divina — uma vigilância contra a propensão impetuosa da carne; uma consideração vi-gorosa pela glória de Deus e uma submissão mansa ao seu gracioso desígnio.

Se, contudo, o conselho não se mostrar infalível, a falta não está na Palavra, mas na obscuridade de nossa

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percepção. Neste caso, não precisamos de uma regra mais clara ou um guia mais seguro, mas de uma visão precisa. E por fim, se não pudermos definir cada ato de nosso dever (já que para tal, até o mundo em si mesmo “não poderia con-ter os livros que deveriam ser escritos”) mesmo assim o conselho determina o padrão pelo qual a mais insignificante das ações da mente deve ser submetida (1Co. 10:31 e Cl 3:17) e a postura que refletirá a luz da vontade de Deus sobre nossa conduta (Mateus 6:22,23).

Porém estejamos apercebidos que qualquer desejo de sinceridade no co-ração (1Sm 28.6; Ez 14:2-4) qualquer concessão à auto-suficiência sempre bloqueará as avenidas desse conselho e luz divinos. Volta e meia estamos inconscientemente andando “nas laba-redas do nosso próprio fogo, e entre as faíscas, que acendemos” (Isaías 50:11).

Talvez, de acordo com o que con-cebemos, buscamos a orientação do conselho do Senhor, supondo que es-távamos caminhando nele. Mas, no ato e durante a preparação para a busca, sujeitamos nossas intenções e inclina-ções a um escrutínio severo, cauteloso, e com uma atitude de auto-suspeita? O coração foi educado na disciplina da cruz? “Cada pensamento foi trazido cati-vo à obediência de Cristo”? (II Co. 10:5). Ou nosso coração não foi possuído pelo objetivo almejado antes que o conselho fosse buscado da boca do Senhor? (Jr 42). Oh! Quão cuidadosos devemos ser

para caminharmos cautelosamente naqueles pontos de dúvida em relação ao conselho celestial, que podem co-mungar com nossa inclinação natural. No retrospecto de nossas experiências passadas, quantos passos equivocados podem ser atribuídos ao conselho de nossos próprios corações, buscados e seguidos pela nossa negligência ao con-selho de Deus (Josué 9:14 Isaías 30:1-3), ainda que nenhuma circunstância de incerteza tenha nos assaltado, mes-mo estando nós em espírito de humil-dade, simplicidade, santidade, quando aparentemente o conselho do Senhor nos faltava!

Uma dependência exagerada do conselho humano (Isaías 2:22), seja ele de vivos ou de mortos, obstrui grandemente a influência completa da Palavra. Ainda que tais conselhos possam ser de grande valia; ainda que possam estar bem próximos e em con-cordância com a Palavra, não devemos esquecer que eles não são a Palavra, mas que são falíveis. Portanto não po-dem ser colocados em primeiro plano ou seguidos com aquela total confiança a que somos advertidos a colocar na re-velação de Deus.

Por outro lado, o que é ter a Palavra de Deus como nosso Conselheiro? Não é estar nele mesmo, “o único Deus sábio”? Quando nossas Bíblias, em períodos de dificuldade, são buscadas em humilda-de, oração e espírito dócil, tornamo-nos tão dependentes do Senhor como se es-

tivéssemos ouvindo uma revelação di-reta dos céus. Não queremos uma nova revelação, ou uma voz sensível do alto para cada novo acontecimento. Basta apenas aquilo que nosso Pai nos deu: esta abençoada “lâmpada para nossos pés e luz para nossos caminhos” (Sl 119: 105; compare Pv. 6:23).

Deixe-me então inquirir — Qual é o conselho de Deus que me fala direta-mente? Se eu sou um pecador adorme-cido, ele me adverte para deixar o peca-do (Pv.1:24-31; Ez. 33:11); convida-me ao Salvador (Isaías 55:1 João 7:37) e me instrui a esperar em Deus (Os. 12:6). Se for um mestre, ensoberbecido na for-ma da piedade, o conselho me mostra a minha real condição (Ap. 3:17). Ele me educa na completa suficiência de Cris-to (Ap.3:18) e adverte acerca do perigo da hipocrisia (Lc.12:1). Se pela graça sou filho de Deus, ainda necessito do conselho paterno para me restaurar da constante apostasia (Jr. 3:12,13), para motivar-me à redobrada vigilância (I Ts 5:6 Ap. 3:2), fortalecer minha confiança na plenitude de sua graça (Is. 26:4) e na fidelidade de seu amor (Hb. 12:5,6). Sempre terei motivo para agradecer e reconhecer - “Louvarei ao Senhor que me aconselhou” (Sl 16:7). Em cada passo da minha caminhada, avançarei glorifi-cando ao meu Deus e Pai pela fidelidade de seu conselho até o fim: “Guiar-me-ás com teu conselho, e depois me receberás na glória” (Sl 73:24) .Charles Bridges

chaRles BRiDGes

Salmo 84:1-41Quão amáveis são os teus tabernáculos, SENHOR dos Exércitos! 2A minha alma está desejosa, e desfalece pelos átrios do SENHOR; o meu coração e a minha carne clamam pelo Deus vivo. 3Até o pardal encontrou casa, e a andorinha ninho para si, onde ponha seus filhos, até mesmo nos teus altares, SENHOR dos Exércitos, Rei meu e Deus meu. 4Bem-aventurados os que habitam em tua casa; louvar-te-ão continuamente.

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Não Dê Ouvidos ao Diabo“Mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? (Lucas 12:20)

Edward Donnelly

O objetivo de satanás é conduzir você gentilmen-te para o inferno, e ele é o mestre das trevosas artes da persuasão. Se você tem algum conhe-

cimento da Bíblia, ele pode adotar uma abordagem teo-lógica, concitando você a esperar por uma experiência tipo “caminho de Damasco”, por alguma intervenção cataclísmica e irresistível de Deus. Aqui está satanás, o estudioso da Bíblia, persuadindo você a raciocinar desta maneira: “Deus é soberano, não é? Ele tem os Seus eleitos, dos quais nenhum se perderá. E ninguém poderá crer, se Deus não lhe der capacidade para isso. Muito bem, pois, se eu sou um dos eleitos, que Deus desça do céu, detenha meus passos, e me desperte e me leve à fé. Quando Ele fizer isso, vou crer. Enquanto não chegar esse momento especial, continua rei como estou”.

Você se lembra do rico da parábola que queria um momento especial como esse para os seus irmãos incré-dulos? Ele na verdade pediu que lhes fosse enviado um mensageiro do além. “Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai. Pois tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento” (Lucas 16:27,28). Que reunião evangelística sensacional teria sido essa! Imaginemos quão dramático seria o convite impresso: “Na próxima semana, na Igreja Reformada Betânia - Orador Especial, Vindo Diretamente da Eternidade. Somente uma apre-sentação. Não deixe de ouvir esse visitante que vem do mundo futuro!” Mas a resposta de Abraão foi água fria na caldeira: “Têm Moisés e os profetas; ouçam-nos. Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acredi-tarão, ainda que algum dos mortos ressuscite” (Lucas 16:29,31). Para a sua conversão você não pode depen-der de intervenções extra ordinárias de Deus. Nem pre-cisa disso, pois EIe proveu na Bíblia toda a informação de que você necessita para a salvação. Se você recusar-

se a crer no que Ele lhe diz nenhuma exibição de som e luz mudará o seu destino.

Se você ainda é jovem, forte e saudável, o diabo pode indicar a você o absurdo de se incomodar agora com a morte e com o juízo. Ora, você tem muitos anos pela frente! Haverá bastante tempo quando você ficar velho. Mas, como você sabe que viverá até à velhice? A um ho-mem que estava convencido de que contava ainda com muitos anos e que dissera a si mesmo: “descansa, come bebe e folga”, Jesus disse: “Mas Deus lhe disse: louco, esta noite te pedirão a tua alma” (Lucas 12:19,20). Na memorável ilustração de Jonathan Edwards, os ímpios são como pessoas que estão andando sobre um poço cuja cobertura apodrecida em muitos pontos está fraca de mais para lhes suportar o peso. Mas elas não sabem onde estão os lugares fracos, e cada passo está cheio de perigo. A qual quer momento você pode escorregar através da estrutura do tempo, e cair no mundo por vir. Deus o está mantendo vivo até agora e, se você não é um convertido, Ele está tão irado com você quanto o está com os que já estão no inferno. Esta noite você vai para a cama nas mãos de um Deus irado. Que motivo você tem para acreditar que vai acordar? E, se não acordar, onde estará você?

Talvez você tenha medo de que riam de você. Você sabe que deve fazer as pazes com Deus, mas, e os seus amigos? Eles são espertos, sofisticados, irreverentes. Você tem ouvido as zombarias que eles fazem da reli-gião, e provavelmente se juntou a eles nisso. Que diriam eles, se você se tornasse cristão? Você já pode ouvir as críticas deles, ver as suas expressões de desprezo e dó. Mas você vai deixar que outras pessoas o envi em para o inferno? Vai permitir que o riso escarninho delas o mantenha fora da salvação? Que horrível paródia de amizade! Quantos “amigos” amaldiçoarão uns aos ou-tros no mundo vindouro? “Cristo Se aproximou de mim”, eles rosnarão, “mas eu pensei demais na boa opinião de vocês. Vocês me arruinaram. É em parte por causa de

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vocês que eu estou aqui”. E se odiarão uns aos outros por toda a eternidade. A condenação eterna é um preço dema-siado alto ara pagar pela amizade.

Ou talvez você esteja gostando mui-to dos prazeres este mundo pecamino-so, e reluta em abandoná-los. Há uma ter rível ironia nas palavras de Abraão ao rico que estava no inferno: “Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida” (Lucas 16:25). “Os teus bens.” Como essas palavras devem ter raspado angustiosamente a alma daquele ser condenado e atormentado!

“Meus bens! Sim eu achava que eram “bens”, que eram “coisas boas” (VA). Eu me entreguei a elas, ao dinheiro, ao luxo e ao egocentrismo. Eu as avaliei co-locando-as acima de tudo mais e vendi por elas a minha alma imortal. Contudo, que penso dessas “coisas boas” agora?”

Haverá freqüentadores de igreja no inferno. No dia do juízo alguns prega-dores, evangelistas e líderes estarão diante de Cristo com anelante sorriso no rosto, esperando receber o Seu “Bem está”. Mas, para seu assombro e horror, Ele dirá: ‘’Apartai-vos de mim”. Eles pro-

testarão: “Senhor, Senhor, não profeti-zamos em teu nome? E em teu nome não expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitas maravilhas? (Mateus 7:22,23). Certamente não va-mos para o inferno”. Entretanto irão, pois nunca nasceram de novo, nunca foram feitas novas pessoas. Sua fé era superficial e irreal.

Pode ser que, mesmo agora, você não creia. Você não vai deixar um pregador intimidá-lo com um espantalho primiti-vo como esse. Você não aceita - nem acei-tará - que existe inferno, ou, se aceita, não admite que vai para lá. Certamente esse é o ponto de vista da maioria. Numa recente pesquisa da Gallup, nos Estados Unidos, não mais que quatro por cento das pessoas consultadas achavam que poderiam acabar indo parar no inferno. Outrora muitas almas perdidas pensa-vam o mesmo. Não acreditavam no infer-no. Acreditam agora por que é onde elas estão. Mas para elas é tarde demais. Para você não é tarde demais - ainda. Deus lhe está dando uma oportunidade de livrar-se clamando a Seu Filho para que seja o seu Salvador.

Que mais posso dizer? Pela Palavra de Deus você viu um pouco de como é o inferno. Não posso acreditar que você queira ir para lá. Todavia, se não clamar a Cristo para que o salve, esse é o desti-no que você estará escolhendo. Estaria você realmente determinado a escolher tal desgraça?

E o aspecto mais estulto de todos é que a sua condenação eterna é des-necessária. Pois o Senhor Jesus Cristo está pleite ando com você neste exato momento. Enquanto você lê estas pa-lavras, ele o está chamando a Si, orde-nando-lhe que abandone o pecado, que só leva à destruição. Ele é infinitamente misericordioso e bondoso. Se Lhe pedir que seja o seu Salvador, Ele o receberá e lhe perdoará. Ele o lavará e o purificará, e o tornará salvo e seguro para sempre, e você será santo e feliz, aguardando uma eternidade de gozo e glória no céu.

“Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endure-çais os vossos corações” (Hebreus 4:7).

Extraído do livro Depois da Morte — O Quê?, Editora

PES, PP. 68-71

eDWaRD DOnnelly

Confissão de Fé de WestminsterCapítulo XVII → Da Perseverança do Santos

I. Os que Deus aceitou em seu Bem-amado, os que ele chamou eficazmente e santificou pelo seu Espírito, não podem decair do estado da graça, nem total, nem finalmente; mas, com toda a certeza hão de perseverar nesse estado até o fim e serão eternamente salvos1.II. Esta perseverança dos santos não depende do livre arbítrio deles, mas da imutabilida-de do decreto da eleição, procedente do livre e imutável amor de Deus Pai, da eficácia do mérito e intercessão de Jesus Cristo, da permanência do Espírito e da semente de Deus neles e da natureza do pacto da graça; de todas estas coisas vêm a sua certeza e infalibi-lidade2.

I. Ref. • Fl. 1: 6; João 10: 28-29; I Pe. 1:5, 9. II. II Tm. 2:19; Jer. 31:3; Jo. 17:11, 24; Hb 7:25; Lc. 22:32; Rm. 8:33, 34, 38-39; Jo 14:16-17; I Jo 2:27 e 3:9; Jr. 32:40; II Ts. 3:3; I João 2:19; Jo. 10:28.

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Nosso Lugar de Refúgio“E será aquele varão como um esconderijo contra o vento, e um refúgio contra a tempestade, como ribeiros de água em lugares secos...”(Isaías 32:2)

Jonathan Edwards

Vivemos num mundo pervertido, onde enfrenta-mos constantemente um exército de tristezas e problemas. Grande parte de nossa vida é gasta

em chorar os males presentes e passados ou em temer os que ainda estão no futuro.

Ora, existe um firme alicerce de paz e segurança para aqueles que experimentam tais aflições em favor de outros, ou que, pessoalmente, enfrentam tais peri-gos. Jesus Cristo é um refúgio em qualquer situação; há uma base para apoio racional e paz na Sua pessoa sem importar o que nos ameace. Aquele cujo coração está firmado e confiante em Cristo não precisa temer más notícias. “Como em redor de Jerusalém estão os montes, assim o Senhor, em derredor do seu povo, desde agora a para sempre” (Salmos 125:2) ― assim está Cristo em derredor daqueles que nEle confiam.

Vejamos como Jesus Cristo é um alicerce suficiente para a paz e a segurança.

Cristo comprometeu-se a amparar todos aqueles que O temem, contanto que O busquem. Essa é a obra na qual Ele se empenhou antes mesmo da fundação do mundo. É o que sempre ocupou seus pensamentos e intenções; desde a eternidade, encarregou-se de ser o refúgio dos temerosos.

Sua sabedoria é tal que jamais tomaria sobre Si um en-cargo para o qual não fosse idôneo. Aqueles que estão afli-tos e na tormenta do medo, se vierem a Jesus Cristo, serão libertados de seus temores, pois Ele tem prometido protegê-los. Ele disse aos seus discípulos: “Não temais” (Mt.10:31).

Cristo, por sua livre vontade, se tornou a garantia da-queles que nEle confiam. Espontaneamente se colocou no lugar deles. Por sua própria iniciativa, encarregou-Se de ser o responsável por eles, como o bom pastor que dá a vida por suas ovelhas (João 10:11).

Se então em Cristo Jesus, a tempestade dos proble-mas recai sobre Ele e não sobre aqueles; assim como

quando estamos debaixo de um bom abrigo, a tempes-tade que deveria cair sobre nossas cabeças, cai sobre o abrigo.

Cristo foi escolhido e encarregado pelo Pai para essa obra de amparo das almas desamparadas. Jesus Cristo quis que a ira do Pai fosse descarregada contra sua própria cabeça, e não sobre nós, miseráveis pecadores.

Por muitas vezes, Cristo é chamado de eleito de Deus, ou Seu escolhido, por haver sido selecionado pelo Pai para essa obra. Os nomes “Messias” e “Cristo” signifi-cam “ungido”, porquanto Deus O nomeou e capacitou para a tarefa de salvar o Seu povo. Cristo disse: “A von-tade daquele que me enviou é esta: que todo aquele que vê o Filho e crê nele tenha a vida eterna” (João 6:40).

No tocante à salvação, se estamos em Cristo Jesus, a justiça e a lei passam de largo com respeito aos nossos pecados, sem nos atingir. A razão do medo e do deses-pero do pecador é a justiça e a lei de Deus. Cada letra e cada sinal da lei têm de ser cumpridos (Mateus 5:18). É mais fácil que o céu e a terra sejam destruídos do que a justiça não venha a ser executada; não há possibilidade de que o pecado escape à justiça.

Mas, se a alma trêmula e desesperada, temerosa da justiça, correr para Cristo, encontrará nEle um escon-derijo seguro. “De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo” (Gálatas 3:24). Cristo sofreu o golpe da justiça, e a maldição da lei caiu toda sobre Ele; Cristo sofreu toda a vingança que se destinava ao pecado que cada um de nós cometeu. “Cristo nos res-gatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar” (Gálatas 3:13).

Portanto, se Cristo sofreu pelo crente, já não é neces-sário que este sofra; e por que teria o crente de temer? Se aqueles que temem se aproximarem de Cristo, nada mais terão a temer das ameaças da lei. Ela não lhes diz respeito.

O amor de Cristo, sua compaixão e misericordiosos cuidados são tais, que podemos ter a certeza de que

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JOnathan eDWaRDs

Ele está pronto a receber todos quantos vêm a Ele. Ele é tão cheio de amor e bon-dade, que está disposto a nada menos que nos receber e defender, se formos a Ele. “O que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora” (João 6:37). Cristo está mais do que pronto a compadecer-se de nós. Seus braços estão abertos para receber-nos. Deleita-Se quando almas desesperadas O procuram.

A excelência de Cristo é mais do que suficiente e satisfatória para a alma. A alma busca aquilo que lhe é superior. A alma carnal imagina que as coisas ter-renas são excelentes. Alguns dão mais valor às riquezas, outros têm na mais alta estima as honras, e, para outros, os prazeres carnais parecem ser os mais revigorosos. Porém, a alma não pode achar contentamento em nenhuma dessas coisas, pois cedo descobre o fim daquilo que lhe dava algum consolo.

A verdadeira excelência acha-se em Jesus Cristo, e quando os homens che-gam a conhecê-la, sua busca termina, e suas mentes encontram o descanso. Em Cristo, as suas mentes vêem uma glória transcendente e agradável. Percebem que até então estiveram perseguindo sombras, mas que, agora, encontraram a substância, a realidade. Antes, bus-cavam a felicidade num riacho, mas agora encontraram-na no oceano. É exatamente como Cristo prometeu.

“Vinde a mim, todos os que estais cansa-dos e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28).

A manifestação do amor de Cristo dá à alma satisfação abundante. Entre amigos terrenos tem havido exemplos de grande afeição. Mas nunca houve amor igual ao de Cristo para com os crentes.

Sendo Ele o caminho para o Pai, há nEle provisão para satisfazer e conten-tar a alma sedenta e ansiosa. Estamos naturalmente separados de Deus por causa de nossos pecados; e Deus está longe de nós — nosso Criador não está

em paz conosco. Em Cristo, porém, há um meio de livre comunicação entre Deus e nós, a fim de que possamos ir a Deus e de que Ele se comunique conosco pelo Espírito Santo.

Jesus deixou isso claro, ao dizer: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; nin-guém vem ao Pai senão por mim” (João 14:6).

Cristo infunde forças e um princí-pio vital e novo na alma cansada que apela para Ele. O pecador, antes de vir a Cristo, está tão enfermo quanto um homem enfraquecido e esgotado, cujo organismo tenha sido consumido por grave enfermidade. Está cheio de dores e tão fraco, que não pode andar nem ficar de pé. Por isso, Cristo é comparado a um médico. “Os são não precisam de médico, e sim os doentes” (Mateus 9:12). Quando Ele vem e profere uma palavra, instila um princípio vital naquele que antes estava morto (João 11:25-26). Ele transmite o início da vida espiritual e o começo da vida eterna.

Cristo proporciona o seu Espírito, o qual acalma o coração e é como uma brisa refrescante. Ele outorga aquela força mediante a qual ampara as mãos prostradas e fortalece os joelhos débeis.

Cristo dá profundo consolo e gozo àqueles que vêm a Ele, e isso basta para que se esqueçam de toda a luta ante-rior. Um pouco de paz verdadeira, um pouco da alegria do evidente amor de Cristo, um pouco da esperança da vida eterna, são todo-suficientes para com-pensar toda a luta e a fraqueza e para apagá-las de nossa memória. Essa paz, que resulta da verdadeira fé, ultrapassa o entendimento e é um gozo inefável (Filipenses 4:7).

Considere a Cristo como um re-médio para as suas aflições. Você não precisa de asas de pomba para voar a um refúgio distante e descansar, pois Cristo está bem perto.

Não é mister realizar prodígios para obter esse descanso. O caminho está

desimpedido. Basta vir a Cristo; é sufi-ciente sentar-se à sombra dEle, a “gran-de rocha em terra sedenta” (Isaías 32.2). Cristo não exige dinheiro em troca de sua paz. Mas chama-nos para O buscar-mos livremente e sem preço. Ainda que pobres e sem dinheiro, podemos ir a Ele. Cristo não se dá por aluguel; Ele deseja tão-somente outorgar-lhe esse descan-so. Como Mediador, sua obra consiste em dar descanso aos exaustos. E nisso Ele se deleita.

Há em Cristo descanso e doce refri-gério para aqueles que estão cansados das perseguições. A maior parte do tem-po, o povo de Deus tem sido perseguido neste mundo. Há intervalos ocasionais de paz e prosperidade, mas geralmente acontece o contrário.

Satanás tem usado de grande malí-cia contra o povo de Deus, na medida em que esse povo procura seguir a Deus. Assim, por muitas vezes, o povo de Deus tem sido extremamente perse-guido, e milhares têm sido condenados à morte. Satanás está sempre pronto,

“como leão que ruge procurando alguém para devorar” (1 Pedro 5.8).

Cristo tem se dado a nós para ser tudo aquilo de que precisamos. Neces-sitamos de vestes, e Cristo não apenas nos dá vestes, mas também a Si mesmo, para ser a nossa vestimenta. “Porque to-dos quantos fostes batizados em Cristo, de Cristo vos revestistes” (Gálatas 3.27).

Em Cristo há provisão para satisfa-ção e pleno contentamento das almas sedentas e necessitadas. Cristo é “como ribeiros de águas em lugares secos” (Isa-ías 32:2) ou em um deserto ressequido, onde há grande escassez de água e os viajantes morrem de sede.

Cristo é um rio de águas, pois há nEle uma plenitude tal, uma provisão tão abundante, que satisfaz a alma mais necessitada e ansiosa. Cristo é suficien-te não só para uma alma sedenta, mas também é a fonte que nunca seca, sem importar quantos venham a Ele. Um

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nOssO luGaR De RefúGiO

Como Posso livrar-me do Vício em Entretenimento?Pastor, eu creio que amo a Cristo de verdade, mas a maior parte do tempo eu prefiro passar entretendo-me do que gastá-lo na Palavra de Deus. Como eu quebro essa influência que o entretenimento tem sobre o meu coração?Essa é uma pergunta muito boa. E eu penso que ela é especialmente pertinente porque nós vivemos, eu creio, mais agora do que nunca, em dias em que coisas que entretêm estão imediatamente acessíveis. Eu estava pensando esses dias na diferença entre nossas tentações e, digamos, as tentações de 250 anos atrás, nos dias de Jonathan Edwards. Edwards escreveria sobre a tolice de pessoas jovens que se juntam para ter “conversações frívo-las” ou outras coisas ainda piores. (Uma delas chamava-se “Empacotar”: ir juntos para a cama, permanecendo vestidos. Apenas apimentando a vida um pouco. A vida era enfadonha há 250 anos na Nova Inglaterra.) Hoje nós levamos em nossos bolsos, rádio, televisão, internet e jogos e qualquer coisa que seja excitante e cheia de diversão! E “diversão” é uma palavra que é usada hoje na igreja de forma desenfreada! É um adjetivo, é um substantivo, é um verbo, porque nós exercemos o ministério buscando ajustar-nos a essa mentalidade. Estou profundamente preocupado com isso. Eu quero defender a seriedade a respeito de Deus, em vez de torná-lo palatável fazendo com que Ele pareça “divertido”, transformando-O em mais uma peça de entretenimento. Assim, a pergunta é: “Como você se livra dessa dependência?”.

1. Reconhecer que ela existe é um enorme passo na direção certa.2. Busque a Deus seriamente sobre isso. Ore como um louco para que Deus abra seus olhos para ver coisas mara-vilhosas na Sua lei.3. Aprofunde-se na Bíblia, até mesmo quando você não tem vontade, suplicando a Deus que abra seus olhos para ver o que realmente está lá.4. Entre em um grupo onde se conversa sobre coisas sérias.5. Comece a compartilhar sua fé. Uma das razões porque nós não somos movidos por nossa própria fé como de-veríamos é porque nós quase nunca conversamos sobre ela com os não-crentes. Nossa fé começa a ficar como um tipo de coisa de estufa e então começa a gerar um sentimento de irrealidade sobre si mesma. E então as forças do entretenimento começam a ter maior influência sobre nossas vidas.

Portanto essas seriam algumas das coisas, mas no final das contas é um presente da graça poder sentir a glória de Deus. Uma última sugestão: pense em sua morte. Pense muito em sua morte. Pergunte a si mesmo o que você gostaria de estar fazendo no fim da vida, ou nas horas, ou dias, que antecedem o encontro com Cristo. Eu tenho feito muito isso por esses dias. Eu penso no impacto da morte e o que eu gostaria de estar fazendo e como eu me prepararia para encontrá-lO e prestar contas a Ele.

John Piper. Extraído do site Desiring God. Tradução: Juliano Heyse ([email protected])

homem sedento não esgota esse rio, ao saciar nEle continuamente a sua sede.

“Aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrá-rio, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna” (João 4.14).

Como somos felizes quando nossos corações ficam persuadidos a se ache-

garem a Jesus Cristo! Oh! Que sejamos persuadidos a nos ocultarmos nEle! Que maior segurança poderíamos de-sejar? Ele se comprometeu a defender-nos e salvar-nos.

Nada temos a fazer, além de descan-sar nEle calmamente. Aquiete-se e veja o que o Senhor Jesus fará por você. Se tiver de haver sofrimento, esse será da

parte do Senhor Jesus por você; nada terá de sofrer. Se alguma coisa tiver de ser feita, Cristo há de fazê-la. Você nada terá de fazer, além de permane-cer quieto e olhar. “Mas os que esperam no SENHOR, renovam as suas forças” (Isaías 40.31).

Fonte: Revista “Fé para Hoje”, número 15, Editora Fiel.

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Verdadeira Educação Através da EducaçãoMas, avancemos expondo o que é próprio desta matéria. Paulo escreve que Cristo “deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo” [Ef 4.10-13]. Vemos como Deus, que poderia levar os seus à perfeição num instante, contudo não queria que eles crescessem à idade adulta senão pela educação da Igreja; vemos expressar-se o modo pelo qual esta educação se processa: que aos pastores foi incumbida a pregação da doutrina celeste; vemos que todos, à uma, estão sujeitos à mesma disposição, de sorte que se permitam ser dirigidos, com espírito brando e dócil, pelos mestres criados para esta função.

E com esta marca Isaías assinalara outrora o reino de Cristo: “Meu Espírito, que está em ti, e as palavras que pus em tua boca, jamais se apartarão nem de tua boca, nem da boca de tua semente e de seus descendentes” [Is 59.21]. Do quê se segue que são dignos de que pereçam de fome e inanição todos e quaisquer que desprezam o alimento espiritual da alma a si divinamente oferecido pelas mãos da Igreja. Deus instila em nós a fé, mas pela instrumentalidade de seu evangelho, como adverte Paulo, de que “a fé vem do ouvir” [Rm 10.17], assim como também em Deus reside seu poder de salvar, mas, segundo atesta o próprio Paulo, o exibe e o desenvolve na pregação do evangelho [Rm 1.16].

Com este propósito Deus outrora quis que se realizassem assembléias sacras no santuário, a fim de que a dou-trina proferida pela boca do sacerdote alimentasse o senso comum da fé. Tampouco visam a outra coisa esses títulos magníficos onde o templo é chamado “o lugar do descanso de Deus” [Sl 132.14], o santuário de seu domicílio [Is 57.15]; onde se diz ele estar assentado entre querubins [Sl 80.1]; donde apreço, amor, reverência e dignidade granjeiem ao ministério da doutrina celeste, aos quais, de outra sorte, derrogaria não pouco a aparência de um homem mortal e desprezado. Portanto, para que saibamos que diante de nós põe um tesouro inestimável em vasos de barro [2Co 4.7], Deus mesmo se apresenta em nosso meio; e visto que ele é o Autor desta ordem, quer ser reconhecido presente em sua instituição.

Consequentemente, depois que proibiu aos seus a se devotarem a augúrios, a adivinhações, a artes mágicas, a necromancia e a outras superstições [Lv 19.31; Dt 18.10, 11], acrescenta que dará o que em tudo deva ser suficiente, isto é, que nunca estarão destituídos de profetas [Dt 18.15]. Mas, assim como não delegou aos anjos o povo antigo, pelo contrário, suscitou mestres da terra que, de fato, desempenhassem o ofício angélico, assim também quer ensinar-nos por meios humanos. Com efeito, assim como outrora Deus não se contentou com a mera lei, mas acrescentou sacerdotes que fossem intérpretes, de cujos lábios o povo lhe indagasse o verdadeiro sentido, assim também hoje não quer apenas que lhe estejamos atentos à leitura, mas ainda lhe prepõe mestres por cuja obra sejamos ajudados, coisas tais de dupla utilidade, pois, de um lado, nos prova a obediência por meio de ótimo teste, quando ouvimos seus ministros falando não de forma distinta dele mesmo; por outro lado, também nos socorre em nossa fraqueza quando, para nos atrair a si, nos prefere falar através de intérpretes, em vez de atroar em sua majestade e fazer-nos fugir dele. E de fato, quanto nos convenha esta forma familiar de ensinar, todos os piedosos sentem o pavor com que, com razão, a majestade de Deus os consterna.

João Calvino, Intitutas 4.1.5

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Morton H. Smith

Para um breve estudo do assunto da inerrância das Escrituras, eu indico a vocês o ensaio que pode ser encontrado na internet se procurarmos

por “inerrância das Escrituras” ou na “Latimer House”, escrito pelo Dr. Kevin Vanhoozer, Professor Honorário de Teologia e Estudos Religiosos em New College, Uni-versity of Edimburg. Considero o seu tratamento tão útil, que estou seguindo o seu esboço a respeito desse assunto.

Quando falamos da inspiração das Escrituras, esta-mos falando da maneira pela qual Deus transmitiu a Escritura aos autores humanos. A palavra traduzida por

“inspirada” em II Timóteo 3:16 significa literalmente “so-prada por Deus”. As Escrituras são tidas como “sopradas por Deus”, o que significa dizer que elas são as verda-deiras Palavras de Deus. Assim, a inspiração fala da “ori-gem da autoridade bíblica”, enquanto a inerrância des-creve a sua natureza. “Por inerrância nos referimos não apenas ao fato de que a Bíblia “não contém erro”, mas também a sua impossibilidade de errar.” A inerrância e a infalibilidade, definidas positivamente, referem-se à absoluta veracidade da Bíblia. Essa é uma propriedade crucial e central da Bíblia.

A base para a doutrina da inerrância bíblica deriva-se tanto da natureza de Deus como do ensino da Bíblia a respeito dela própria. Em primeiro lugar, a doutrina bí-blica e cristã sobre a pessoa de Deus concebe-O perfeito em todos os seus atributos. Ele é, portanto, onisciente, totalmente sábio e totalmente bom. Sendo assim, segue-se que Deus fala a verdade. Ele não diz mentiras; Ele não ignora coisa alguma. Dessa forma, a Palavra de Deus está livre de todo erro que provenha de engano cons-ciente ou de ignorância inconsciente. Essa é a confissão unânime do salmista, dos profetas, do Senhor Jesus e dos apóstolos. Em segundo lugar, a Bíblia apresenta a si mesma como “soprada por Deus”, sendo ela, portanto,

a Palavra de Deus escrita. Isso significa que apesar de ela chegar até nós através de autores humanos (o que nunca se negou), a Bíblia é também a Palavra de Deus, e como Palavra de Deus ela é completamente confiável, a regra infalível de fé e de prática.

Alguns têm argumentado que a doutrina da inerrância foi “inventada” no século XIX pelos teólogos de Princeton, B. B. Warfield e A. A. Hodge. É importan-te lembrar que a formulação de doutrinas particulares ocorre apenas quando há necessidade para isso. Isto é, uma doutrina específica pode ser formulada apenas quando algo que está implícito a esta fé é negado. O falso ensino provoca uma repreensão explícita. Isto é tão verdadeiro com respeito à doutrina da inerrância como o foi com relação às doutrinas da Trindade, ou da justificação pela fé.

O conceito da veracidade da Bíblia era assumido im-plicitamente durante toda a história da Igreja anterior ao século XIX. Esta visão das Escrituras consistia num reflexo da visão dos próprios autores bíblicos. Pode-mos, dessa forma, concluir, com respeito a todo este assunto do testemunho do Antigo Testamento sobre si mesmo, que ele certamente reivindica ser divinamente originado. Uma porção menciona outra porção como autoritativa. Finalmente, não há contradição entre quaisquer partes do Antigo Testamento. Em virtude disso, alguém bem poderia supor que a visão da ins-piração sustentada pelo Antigo Testamento é a que chamamos de inspiração plenária verbal, resultando numa Palavra Infalível. À medida que estudamos o testemunho do Novo Testamento a respeito do Anti-go, descobriremos que esta é exatamente a doutrina que nos está sendo apresentada por Cristo e por Seus discípulos. Que esta era a visão predominante do povo judeu pode ser visto na maneira pela qual as declara-ções de Jesus e dos seus discípulos sobre o assunto não provocam nenhuma reação dos judeus que não seja a aceitação deste ponto de vista.

A Inerrância das Escrituras“Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir”. (Mt.5:17)

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MORtOn h. sMith

O próprio Jesus diz que a Escritura não pode falhar. A visão que Ele tinha do Antigo Testamento era a de que este era verdadeiro, fidedigno, digno de con-fiança. Os autores do Novo Testamen-to compartilhavam e refletiram essa mesma estima elevada que possuíam das Escrituras. O testemunho de Jesus referente ao Antigo Testamento como refletido em Mateus 5:17-18 é especial-mente relevante num dia e numa época que tem presenciado uma rejeição generalizada da inspiração verbal. Primeiro, os termos

“a lei e os profetas” da maneira como foi usa-do por Jesus aqui, re-fere-se provavelmen-te à totalidade do An-tigo Testamento. Se, entretanto, alguém insiste que se refira apenas às duas pri-meiras sessões do An-tigo Testamento, não há motivo para a acre ditar que Jesus faria qualquer distin-ção ou trataria a terceira porção de ma-neira diferente. Essa passagem fornece a visão própria de Jesus sobre o Antigo Testamento, ou pelo menos, sobre uma boa parte dele. Ele não veio para des-truí-lo. A palavra para destruir (katalu-sai) significa ab-rogar, demolir, desinte-grar ou anular. Jesus afirma aqui que a sua obra messiânica não destruirá a Lei e os profetas, mas os deixará intactos. Positivamente, Ele veio para cumprir. A palavra usada para cumprir (plerosai) fala de um cumprimento completo.

No versículo 18, Jesus aplica essa afirmação geral para os detalhes me-nores da lei. Ele veio para cumprir, não apenas em termos gerais, mas até mesmo as minúcias da lei. O “i” e o “til” referem-se à menor letra do alfabeto

hebraico, e para a minúscula projeção que distingue uma letra da outra. Seria semelhante a nos referirmos ao ponto da letra “i” e ao traço do “t”, no portu-guês. O professor J. Murray diz:

Haveria alguma outra maneira de estabe-

lecer de modo mais conclusivo a acuraci-

dade meticulosa, a validade e a verdade da

lei do que a linguagem a que Jesus atrela

sua própria e única formula de assevera-

ção?... É difícil compre-

ender por que aqueles

que aceitam a doutrina

da inspiração tropecem

na doutrina da inspira-

ção verbal. Pois as pa-

lavras são as mediado-

ras do pensamento, e

no que diz respeito às

Escrituras, as palavras

escritas são as únicas

mediadoras da comuni-

cação. Se os pensamen-

tos são inspirados, as

palavras devem ser... A

indissolubilidade da lei

se estende a cada um

de seus “is” e “tils”. Tal

indissolubilidade não

seria um atributo da lei

se esta fosse falível em algum detalhe,

pois se assim fosse, ela seria algum dia

reduzida a nada. E assim é justo dizer que,

em cada detalhe, a lei era considerada

por ele infalível e portanto, indissolúvel. É

realmente uma estranha predisposição a

de professar a aceitação da infalibilidade

de Cristo e ao mesmo tempo rejeitar as

claras implicações dos seus ensinos. Nada

poderia ser mais claro que isso, qual seja,

que nos menores detalhes a Lei é toma-

da por Cristo e encontra, no seu cumpri-

mento, sua permanente personificação e

validade. Pela mais absoluta necessidade,

existe apenas uma conclusão, qual seja,

que a Lei é infalível e inerrante.

A segunda passagem que nos mos-tra a visão particular de Jesus com re-ferência ao Antigo Testamento é João

10:33-36. Jesus havia acabado de ser desafiado quanto a sua reivindicação de ser um com o Pai. Ele citou o Salmo 82:6 em resposta ao desafio.

É justamente esse apelo às Escritu-ras o eixo de toda a sua defesa. É difícil achar explicação para isso em qualquer outra base se não que Ele considerava as Escrituras como o irrefutável instru-mento de defesa. Pois, “a Escritura não pode falhar”.

A passagem citada era da porção das Escrituras que pode ter sido omitida de Mateus 5:17 e seguintes. Aqui, ele mos-tra a mesma alta consideração por esta porção do Antigo Testamento como Ele fez com respeito à Lei e aos Profetas.

Ele apela para a Escritura porque ela é verdadeira e intrinsecamente uma finalidade. E quando ele diz que a Es-critura não pode falhar, ele está certa-mente usando a palavra Escritura, no seu sentido mais compreensivo, como incluindo tudo o que os judeus da épo-ca reconheciam como Escritura, a saber, todos os livros canônicos do Antigo Tes-tamento. Assim, é ao Antigo Testamen-to que sem qualquer reserva ou exce-ção ele se refere ao dizer que ele “não pode falhar”... Ele afirma a infalibilidade da Escritura na sua totalidade e não dei-xa lugar para qualquer suposição como a de graus de inspiração ou falibilidade. A Escritura é inviolável. O testemunho do nosso Senhor não significa nada menos que isso. A natureza crucial de tal testemunho enfatizada pelo fato de que é dado em resposta à mais séria das acusações e é em defesa desta mais es-tupenda reivindicação que ele sustenta tal testemunho.

Além dessas passagens específicas, há também uma série de materiais nos Evangelhos que nos levam a concluir que ele mantém esta mais alta avalia-ção das Escrituras como um todo.

Sua atitude é a de meticulosa acei-tação e reverência. A única explicação para tal atitude é que o que a Escritura

Por inerrância nos referimos não apenas ao fato de que a Bíblia “não

contém erro”, mas também a sua

impossibilidade de errar

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a ineRRância Das escRituRas

disse, Deus disse, que a Escritura era a Palavra de Deus, que era a Palavra de Deus porque era Escritura e que era ou se tornou Escritura porque era a Pala-vra de Deus.

Como já foi notado, as doutrinas particulares são formuladas com o propósito de refutar erros. A reforma protestante adotou o desenvolvimento da doutrina da autoridade bíblica como parte das confissões protestantes no sé-culo XVI em oposição à idéia Católica Romana das tradições humanas como a autoridade suprema na Igreja. A doutri-na da inerrância bíblica foi formulada em oposição às negações da veracidade da Bíblia. Essas negações surgiram com o alto criticismo liberal do fim do sécu-lo XIX. Por trás desse desenvolvimento estavam os tão conhecidos pensadores

“iluministas” do século XVII. O Deísmo daquele século aceitou a idéia de que a fonte da verdade era a razão ao invés da revelação. Mais e mais a Bíblia passou a ser vista como qualquer outro livro. As suposições naturalistas dos deístas re-jeitavam a possibilidade da ação divina na história. O resultado foi que a crítica Bíblica procurou explicar a origem da Escritura por uma visão naturalista. A origem sobrenatural da Escritura foi assim abandonada. Dentro desta nova visão do mundo, a idéia da autoridade bíblica foi abandonada. Os críticos li-berais históricos argumentaram que os autores da Bíblia foram homens do seu tempo, limitados pela visão de mundo/imaginário daqueles dias. Foi contra essa generalizada rejeição da autoria que a doutrina da inerrância bíblica, im-plícita de início, foi explicitamente for-mulada (por Warfield e Hodge). A dou-trina da inerrância bíblica, entretanto, não é uma nova doutrina teológica. É a articulação do que sempre fôra a visão implícita e pressuposta da Igreja duran-te a maior parte da história da Igreja.

O que a doutrina da inerrância bíblica estabelece explicitamente? A doutrina

pode ser definida da seguinte maneira: “A inerrância da Escritura significa que a Escritura, em seus manuscritos origi-nais e quando interpretada de acordo com o sentido pretendido, fala verdadei-ramente sobre tudo o que afirma”. Essa definição fornece duas qualificações.

1) Primeira: só se afirma a inerrância dos textos originais → Se for objeta-do que agora nós não possuímos os manus-critos originais, deve ser observado que es-tudos da crítica tex-tual têm sido capazes essencialmente de re-construir o texto origi-nal. Mesmo onde for possível haver mais de uma leitura, que possa ser verdadeira, não há maiores dou-trinas da fé cristã que seriam modificadas com a escolha de uma das leituras.

2) A segunda quali-ficação é “quando interpretada conforme o sentido pretendido” → Deve-se ser sempre bastante cuidadoso ao interpretar a Bí-blia conforme o propósito para que ela foi escrita. É tentador reivindicar para as interpretações de alguém a mesma autoridade que tem o próprio texto bíblico. Se for objetado que nós não temos uma sentença definida de qual seja a interpretação de uma passagem, a resposta deve ser encontrada na dou-trina da perspicuidade das Escrituras, não na doutrina da inerrância. Ou seja, a Escritura não é sempre igualmente clara, mas pela comparação de Escri-tura com Escritura, ela se interpreta a si mesma, de modo que tudo o que é necessário para a salvação e para a vida está suficientemente claro num

ou noutro lugar para que o crente mais simples encontre tal ensino. Quando há conflito a respeito de alguma particu-lar interpretação bíblica, “ela deve ser atribuída ao intérprete falível e não ao texto infalível”.

No processo de escrita, Deus usou a instrumentalidade humana dos escrito-res. Isso incluía o uso do vocabulário e da personalidade dos escritores individuais.

Ao fazer isso, ele não permitiu que o erro adentrasse na Bíblia. Ele usou as formas da linguagem humana, da cultura do escritor. Por exemplo, falar do sol se levantando é refletir a experiência humana. Isso não sig-nifica que tal expres-são tem o propósito de afirmar o entendi-mento científico com-pleto da relação do Sol com a Terra. Usar formas humanas de comunicação não quer dizer necessa-riamente que há erro

na comunicação. Pode-se sugerir uma analogia com a encarnação da Segunda Pessoa da Trindade. Do mesmo modo que assumir a natureza humana não o envolveu em pecado, assim também a Palavra de Deus foi escrita sem prescin-dir da sua veracidade.

Algumas vezes a doutrina da inerrância é mal representada como se implicasse em que todo o que a sustenta pratica uma interpretação literalista da Escritura. Deve-se fazer uma distinção entre verdade literal e interpretação literal. Alguém pode apegar-se à inerrância, e por conse-guinte, à verdade literal das proposi-ções feitas na Bíblia sem sustentar que toda a Bíblia deve ser interpretada de uma maneira literal, quando este não

A visão que Jesus tinha

do AT era a de que este era verdadeiro,

fidedigno, digno de confiança.

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era “o propósito do autor ou da forma literária do texto”.

O contexto de qualquer texto parti-cular deve ser considerado quando bus-camos determinar se um erro existe ou não. Por exemplo, na conversa regular nós freqüentemente usamos figuras gerais, ao invés de figuras precisamen-te exatas. Podemos dizer que uma pa-lestra durou uma hora, quando ela só durou 55 minutos. Por outro lado, se alguém estiver dirigindo um programa de televisão, ele teria que ser mais pre-ciso ao designar a duração da palestra. Dessa forma, o contexto determina o tipo de precisão que deve ser esperado. Em outras palavras, o erro é dependen-te do contexto. A questão quanto a uma passagem ser interpretada de maneira literal depende do seu gênero literário. Por exemplo, quando Jesus fala de si mesmo como sendo uma “porta” (João 10:1), ele não pretende que procuremos pela maçaneta ou dobradiça. Devemos ser sensíveis ao fato de que isto é uma metáfora, que não se propõe a ser to-mada literalmente.

A pergunta que devemos fazer quan-do interpretamos a Bíblia é: “que tipo de literatura é essa? Ela visa ser histó-rica e cronológica, ou a ênfase está no conteúdo da mensagem do que fala? A literatura de parábolas é bem diferente de uma narrativa histórica, ou da litera-tura apocalíptica. Se levantamos a ques-tão com relação a se o texto deve ser to-mado literalmente, a resposta será dada em termos do contexto. “O sentido lite-ral é o seu sentido literário: o sentido que o autor tencionava transmitir, na e através de uma forma literária particu-lar. Inerrância significa que cada frase, quando interpretada corretamente (de acordo com o seu gênero literário e seu senso literário), é totalmente confiável.

O termo mais antigo para se expres-sar a autoridade bíblica — infalibilida-de—permanece útil. Infalibilidade quer dizer que a Escritura nunca falha no seu propósito. A Bíblia cumpre todas as suas reivindicações da verdade. A Palavra de Deus nunca leva ao erro. É importante relembrar que a linguagem pode ser usada para vários propósitos

diferentes, e não apenas para declarar fatos. A inerrância, então, é um deriva-do da infalibilidade: Quando o propósi-to da Bíblia é fazer afirmações verdadei-ras, ela o faz também sem falha. Ainda assim, os demais atos pronunciados

― advertências, promessas, questões ― são infalíveis também.

O próprio entendimento da Bíblia sobre a verdade destaca a questão da confiança. A Palavra de Deus é verda-deira, pois ela é digna de confiança ― digna de confiança para atentar, para tornar verdade sua reivindicação e para cumprir seu propósito. Podemos, assim, falar das promessas da Bíblia, das suas ordens, advertências, etc. como sendo verdadeiras à medida que estas sejam também dignas de confiança. Juntos, os termos inerrância e infalibilidade lem-bram-nos de que a Palavra de Deus é totalmente digna de confiança, não ape-nas quando fala, mas também quando exemplifica a verdade.

Dr. Morton Smith é Prof. de Teologia Sistemática e Bíblica no Greenville Presbyterian Teological Semi-nary – SC, USA

MORtOn h. sMith

A Lei do Culto... oferecei sacrifício de louvores do que élevedado, e apregoai ofertas voluntárias, epublicai-as, porque disso gostais, ó filhos deIsrael, disse o SENHOR Deus.Am 4.5

Ao afirmar que os israelitas gostavam de fazer essas coisas, Deus repreende a presunção de inventarem por conta própria novos modos de culto; é como se ele dissesse: “Não exigi de vocês nenhum sacrifício senão os apresentados em Jerusalém, mas vocês os oferecem a mim em lugares profanos. Por isso conside-rem os seus sacrifícios como oferecidos a vocês mesmos, e não a mim”. Sabemos verdadeiramente como os hipócritas, quando praticam quaisquer de suas obras e cerimônias frívolas, sempre convertem Deus em devedor deles; pois acham

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que Deus está obrigado a eles. “Vocês deviam ter me consultado e apenas obe-decido à minha palavra, deviam ter atentado àquilo que me agrada, o que eu ordenei; mas vocês desprezaram a minha palavra, negligenciaram a minha lei e foram atrás do que lhes agradava e procedia das suas próprias fantasias. Assim, visto que a própria vontade é a lei de vocês, busquem a recompensa em si mes-mos, pois eu não admito nada disso. O que eu exijo é submissão implícita, nada mais procuro senão obediência à minha lei; como vocês não cumprem nada disso, mas agem segundo a própria vontade, isso não é adorar o meu nome”.

Oração:Concede, ó Deus onipotente, que assim como queres que a nossa vida seja moldada pelo preceito da tua lei, na qual nos revelaste aquilo que é do teu agrado, para não deambularmos na incerteza, mas te prestemos obediência — ó concede que nos submetamos inteiramente a ti e te consagremos não somente toda a nossa vida e todos os nossos labores, mas também te ofereçamos como sacrifício o nosso enten-dimento e toda prudência e bom senso que tenhamos, de sorte que, ao te servirmos espiritualmente possamos realmente glorificar o teu nome, por meio de Cristo nos-so Senhor. Amém.

João Calvino. Devotions and prayers of John Calvin, 52 one-page devotions with selected prayers on facing pages. Org. Charles E. Edwards. Old Paths Gospel Press. S/d. Pags. 42 e 43. Tradução: Marcos Vasconcelos, ju-lho/2009. E-mail: [email protected]; Blog: http://mensreformata.blogspot.com/

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