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0 UNISALESIANO Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Civil e Processual Civil Flávia Renata Anequini ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS LINS – SP 2008

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UNISALESIANO

Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium

Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Civil e

Processual Civil

Flávia Renata Anequini

ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS

LINS – SP 2008

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FLÁVIA RENATA ANEQUINI

ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS

Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Direito Civil e Processual Civil sob a orientação dos Professores M.Sc. Sérvio Túlio Marques de Castro e M.Sc. Heloisa Helena Rovery da Silva.

Lins – SP 2008

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FLÁVIA RENATA ANEQUINI

ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS

Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium,

para obtenção do título de especialista em Direito Civil e Processual Civil.

Aprovada em: ___/___/___

Banca Examinadora:

Prof. M.Sc. Sérvio Túlio Marques de Castro

Mestre em Direito pela Unimar – SP

_______________________________________________________________

Profª M.Sc. Heloisa Helena Rovery da Silva

Mestre em Administração pela CNEC/FACECA – MG

_______________________________________________________________

Lins – SP

2008

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Dedico este trabalho a minha família, que me ensinou que a sua essência encerra qualquer preconceito ou definições pré-estabelecidas, me fazendo respeitar as diferenças.

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Agradecimentos: À Deus, em primeiro lugar, que me brinda todos os dias com o milagre da vida. Aos professores Sérvio Túlio Marques de Castro e Heloisa Helena Rovery da Silva pelos ensinamentos transmitidos. À todos aqueles que de alguma forma me incentivaram e me apoiaram nessa trajetória. Minha especial gratidão a minha sócia Juliana, pela compreensão às minhas faltas e às horas dedicadas a essa especialização, permitindo sua conclusão.

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RESUMO

O presente trabalho tem como proposta enfrentar com uma visão mais ampla a problemática suscitada pela crescente demanda social de adoção de crianças por homossexuais. Para isso, abordou-se a questão atual no quadro da evolução da própria instituição familiar no mundo Ocidental, mostrando como a clássica idéia de família transformou-se, ainda que mantendo as características originais de núcleo constituído por homem e mulher ligados pelos laços do matrimônio. Essa mudança ocorreu principalmente no alargamento da própria concepção de família, que passou a abranger, também, casais não unidos pelo matrimônio, mas que vivem como marido e mulher. A família deixou de ser patriarcal, hierarquizada, constituída por critérios de obediência dependência da mulher e dos filhos ao marido e pai. As profundas modificações ocorridas nas relações homem-mulher, de um lado, e a progressiva aceitação da união estável, da união livre e da monoparentalidade como formas de organização do grupo familiar, terminam por abrirem as portas para a incorporação de novos tipos de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo. Sustenta-se que a semelhança entre a união homoafetiva e a união estável encontra-se no fato de que ambas têm uma mesma fonte, as relações de afeto com vistas a constituição de uma família. Isto porque, a norma constitucional deve ser lida no quadro mais amplo dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade, logo, é possível atribuir-se conseqüências jurídicas idênticas a união homossexual, àquelas atribuídas à união estável. Sendo assim, em virtude de ter a Constituição estabelecido como legítimas a família monoparental e a união estável, ambas podendo adotar crianças, logicamente conclui-se que a união homossexual, sendo semelhante as demais formas de organização familiar, pode ser também contemplada com o direito de adoção. Ademais, procura-se neste trabalho defender e priorizar os interesses e o bem-estar da criança e do adolescente, acima de questões discriminatórias e preconceituosas.

Palavras-Chave: Direito de Família. Adoção. Adoção por Homossexuais.

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ABSTRACT

The present work has as proposal to face with a wider vision the problem raised by the crescent disputes social of children's adoption for homosexuals. For that, the current subject was approached in the picture of the evolution of the own family institution in the Western world, showing as the classic family idea changed, although maintaining the original characteristics of nucleus constituted by man and woman called by the bows of the marriage. That change happened mainly in the enlargement of the own family conception, that started to include, also, couples no united for the marriage, but that live as husband and woman. The family stopped being patriarchal, nested, constituted by criteria of the woman's obedience dependence and of the children to the husband and father. The deep modifications happened in the relationships man-woman, of a side, and the progressive acceptance of the stable union, of the free union and of the monofamily, family composed by the father or by the mother and your children, as forms of organization of the family group, finish for they open the doors for the incorporation of new types of relationships among people of the same sex. It is sustained that the similarity between the union homosexuals and the stable union is in the fact that both have a same source, the relationships of affection with views the constitution of a family. This because, the constitutional norm should be read in the widest picture of the constitutional beginnings of the human person's dignity, of the freedom and of the equality, therefore, it is possible to attribute identical juridical consequences the union homosexual, the those attributed to the stable union. Being like this, because of having the Constitution established as legitimate the monofamily and the stable union, both could adopt children, logically it is ended that the union homosexual, being similar the other forms of family organization, it can also be contemplated with the adoption right. Besides, it is sought in this work to defend and to prioritize the interests and the good to be of the child and of the adolescent, above discriminatory subjects and prejudice person. Key words: Right of Family. Adoption. Adoption for Homosexuals.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................... 9

CAPÍTULO I - ORIGEM E EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA.......... ........................... 11

1 A FAMÍLIA E SUA TRANSFORMAÇÃO NO DIREITO......... ....................... 11

1.1 Os povos primitivos.................................................................................... 11

1.2 A família romana........................................................................................ 13

1.3 A família moderna no Brasil ....................................................................... 15

1.4 A família homoafetiva ................................................................................ 18

CAPÍTULO II - A ADOÇÃO............................. ................................................ 20

2 ADOÇÃO E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA.................... ................................. 20

2.1 Breve histórico .......................................................................................... 20

2.2 Adoção no código civil de 1916 ................................................................. 21

2.3 Adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente..................................... 23

2.4 Adoção no novo código civil....................................................................... 27

2.5 Adoção no projeto de lei nº 6.960 de 2002 ................................................ 29

CAPÍTULO III - ENFOQUE CONSTITUCIONAL SOBRE AS RELA ÇÕES

FAMILIARES......................................... .......................................................... 31

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELACIONADOS AO TEMA.. .............. 31

3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ................................................ 31

3.2 Princípio da isonomia................................................................................. 37

3.3 Princípio do melhor interesse da criança ................................................... 40

CAPÍTULO IV - ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS....... ................... 43

4 ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS E SUAS CONSEQÜÊNCI AS.. 43

4.1 Aspectos patrimonais................................................................................. 43

4.2 Vínculo afetivo ........................................................................................... 46

4.3 Avanços jurisprudenciais ........................................................................... 50

CONCLUSÃO.......................................... ........................................................ 54

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REFERÊNCIAS ............................................................................................... 56

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INTRODUÇÃO

Importantes modificações ocorreram em relação ao direito de família

com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Diante desse novo panorama jurídico que vem se delineando em

conformidade com a dinâmica social, o presente trabalho tem por finalidade

estudar a situação dos homossexuais em relação ao instituto da adoção, em

especial de crianças e adolescentes. Dessa forma, busca-se investigar se,

nesse novo quadro social, em que a família pós-moderna se apresenta de

forma plural, edificada sobre alicerces afetivos com amparo constitucional, há

espaços para o ordenamento jurídico tutelar a pretensão dos casais

homossexuais de adotar. Em outras palavras, cumpre verificar se o instituto da

adoção, face as mutações sociais dos tempos modernos, contempla novas

figuras paterno-maternas, em muito diferenciadas do modelo tradicional.

Portanto, a pergunta que se pretende responder com a presente pesquisa é se

há possibilidade de adoção de crianças e adolescentes por casais

homossexuais diante do ordenamento jurídico pátrio e das decisões tomadas

pelos Tribunais. Para tanto, como método cientifico, utiliza-se a pesquisa

teórica doutrinária e jurisprudencial com análise em casos em concreto.

Objetiva-se, por meio deste trabalho, formular um conhecimento

científico acerca do tema, possibilitando, por conseguinte, dispensar-lhe um

tratamento jurídico, uma vez que não existe expressa previsão legal em nosso

ordenamento.

O estudo está dividido em quatro capítulos. O primeiro, intitulado origem

e evolução da família, aborda o processo de transformação do organismo

familiar. Com o passar do tempo, a família abandonou a sua característica de

ordem autoritária e hierarquizada para, com o advento da nova ordem

constitucional se firmar como uma instituição de afeto e cooperação, em busca

do desenvolvimento pessoal dos seus membros.

O segundo capítulo trata da adoção propriamente dita. Traz um breve

histórico do instituto e percorre a sua disciplina desde o Código Civil de 1916,

passando pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, até a chegada do novo

Código Civil e do projeto de lei nº 6.090 de 2002.

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O terceiro capítulo é dedicado ao enfoque constitucional nas relações

familiares, trazendo os princípios constitucionais relacionados à adoção por

casais homossexuais, tais como: o princípio da dignidade da pessoa humana, o

princípio da isonomia e o princípio do melhor interesse da criança.

No quarto e último capítulo aborda-se um estudo detalhado e específico

sobre a adoção por homossexuais e seus pares, verificando as conseqüências

desta adoção para as crianças e adolescentes, tanto em seu aspecto

patrimonial, como no vínculo afetivo que se forma com a convivência dessas

pessoas. Tem-se, ainda, neste capítulo, um estudo jurisprudencial sobre como

os tribunais vem se posicionando frente a este novo modelo de família.

Enfim, busca-se neste trabalho uma reflexão sobre a possibilidade legal

de os homossexuais em seus pares virem a adotar uma criança ou um

adolescente.

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CAPÍTULO I

ORIGEM E EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA

1 A FAMÍLIA E SUA TRANSFORMAÇÃO NO DIREITO

No presente capítulo procurou-se abordar a origem e a evolução do

organismo familiar desde os povos primitivos, passando pela família romana e

chegando até os dias atuais em que se reconhecem as uniões afetivas como

entidade familiar, ou seja, as chamadas famílias sócio-afetivas passam a ter

seus direitos reconhecidos e receber a proteção do Estado.

No curso das primeiras civilizações de importância, tais como assíria,

hindu, egípcia, grega e romana, o conceito de família foi de uma entidade

ampla e hierarquizada, retraindo-se hoje, fundamentalmente, para o âmbito

quase exclusivo de pais e filhos menores, que vivem no mesmo lar. (VENOSA,

2005)

1.1 Dos povos primitivos

Para Caio Mário da Silva Pereira (2005), na investigação sociológica da

família em seus estágios primitivos, mais atua a força da imaginação do que a

comprovação fática, mais prevalece a generalização de ocorrências

particulares do que a indução de fenômenos sociais e políticos de franca

aceitabilidade, ou seja, não há registros históricos oficiais sobre a família

primitiva, o que se tem são dados esparsos sobre os quais se procurou

reconstituir o organismo familiar primitivo.

As obras da Mac Lennan, Morgan, Spencer, Engels, D’Aguano,

Westermarck, Gabriel Tarde, Bachofen (apud PEREIRA, 2005), procuraram

reconstituir o organismo familiar em suas origens, com base em monumentos

históricos ou na observação dos chamados primitivos atuais, as tribos

indígenas da América, os grupos polinésios ou africanos, os agrupamentos

étnicos que no século XIX e ainda no XX cultivavam um padrão de vida

rudimentar ou quase selvagem. Oferecendo dados inequivocamente valiosos.

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Mas pecam, muitas vezes, pelas afirmações generalizadas, pois nem todos os

povos primitivos se comportavam da mesma maneira.

Não obstante a inegável autoridade dos que as sustentam, não é de

todo imune às críticas a ocorrência de uma pretensa promiscuidade originária,

defendida por Mac Lennan e Morgan (apud PEREIRA, 2005), em que todas as

mulheres pertenceriam a todos os homens. Tal condição é incompatível com a

idéia exclusivista do ser humano e até mesmo de muitos irracionais, e

contraditória com o desenvolvimento da espécie.

Na mesma linha de promiscuidade, inscreve-se o tipo de familiar

poliândrico, em que ressalta a presença de vários homens para uma só mulher

ou ainda o do matrimônio por grupo, caracterizado pela união coletiva de

algumas mulheres com alguns homens. (PEREIRA, 2005)

Conforme descrição feita por Friedrich Engels (apud VENOSA, 2005),

em sua obra sobre a origem da família, editada no século XIX, no estado

primitivo das civilizações o grupo familiar não se assentava em relações

individuais. As relações sexuais ocorriam entre todos os membros que

integravam a tribo (endogamia). Disso decorria que sempre a mãe era

conhecida, mas se desconhecia o pai, o que permite afirmar que a família teve

de início um caráter matriarcal, porque a criança ficava sempre junto a mãe,

que a alimentava e a educava.

Mesmo aí a controvérsia não se extingue. Com efeito, não faltam

referências a que a família haja passado pela organização matriarcal, que não

se compadece com tudo, com a proclamação de que foi estágio obrigatório na

evolução da família. Pode ter acontecido eventualmente que em algum

agrupamento a ausência temporária dos homens nos misteres da guerra ou da

caça haja subordinado os filhos à autoridade materna, que assim a investia de

poder. Ou pode supor-se, como de fato supôs Engels (apud VENOSA, 2005),

que a certeza da maternidade foi erigida com elemento determinante das

relações de parentesco, desprezando-se ou relegando-se a plano secundário o

parentesco na linha masculina. (PEREIRA, 2005)

Mas aceitar como certa a existência de um tipo de família preenchendo

todo um período evolutivo, no qual à mulher estaria reservada a direção do lar,

parece realmente pouco provável. (PEREIRA, 2005)

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Diante disso, não há como precisar o tipo de família existente e

predominante dos povos primitivos, havendo registros de famílias promiscua,

poliândrica, matriarcal.

Para Caio Mário da Silva Pereira (2005), fato certo e comprovado pelos

registros históricos, pelos monumentos literários, pelos fragmentos jurídicos, é

que a família ocidental viveu largo período sob a forma patriarcal. Assim a

reconheceram as civilizações mediterrâneas. Assim a divulgou a

documentação bíblica. E na civilização romana, encontra-se documentada nas

pesquisas históricas de Mommsenn e Fustel de Coulanges (apud PEREIRA,

2005), ou referida nos depoimentos de Aulo Gélio e Tito Lívio (apud PEREIRA,

2005). As regras fixadas através dos tempos, desde a época anterior ao

Código Decenviral até a codificação justinianéia do século VI, dão testemunho

autêntico dessa tipicidade familiar.

Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 19) conclui que:

a monogamia desempenhou um papel de impulso social em benefício da prole, ensejando o benefício do poder paterno. A família monogâmica converteu-se em um fator econômico de produção, pois esta se restringiram quase exclusivamente aos interiores dos lares, nos quais existiam pequenas oficinas. Essa situação reverteu-se somente com a Revolução Industrial, que fez surgir um novo modelo de família. Com a industrialização, a família perdeu a sua característica de unidade de produção. Perdendo seu papel econômico, sua função relevante transferiu-se ao âmbito espiritual, fazendo-se da família a instituição na qual mais se desenvolvem os valores morais, afetivos, espirituais e de assistência recíproca entre seus membros.

1.2 A família romana

Caio Mário da Silva Pereira (2005) retrata a família romana como padrão

no tipo institucional desse organismo no ocidente, tendo em vista que a família

brasileira no século XIX muito se lhe assemelhava.

Em Roma, a família era organizada sobre o princípio da autoridade e

abrangia quantos a ela estava submetidos. (PEREIRA, 2005)

O pater era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz.

Comandava, oficiava o culto dos deuses domésticos e distribuía justiça.

Exercia sobre os filhos direito de vida e de morte, podia impor-lhes pena

corporal, vendê-los, tirar-lhes a vida. A mulher vivia totalmente subordinada à

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autoridade marital, nunca adquirindo autonomia, pois que passava da condição

de filha à de esposa, sem alteração na sua capacidade, não tinha direitos

próprios. Podia ser repudiada por ato unilateral do marido. (PEREIRA, 2005)

Para Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 20):

o poder do pater exercido sobre a mulher, os filhos e os escravos era quase absoluto. A família como grupo era essência para a perpetuação do culto familiar. O afeto natural, embora pudesse existir, não era o elo de ligação entre os membros da família. Nem o nascimento nem a afeição foram fundamento da família romana. O pater podia nutrir o mais profundo sentimento por sua filha, mas bem algum de seu patrimônio lhe poderia legar. A instituição funda-se no poder paterno ou poder marital.

Essa situação deriva do culto familiar. Os membros da família antiga

eram unidos por vínculo mais poderoso que o nascimento: a religião doméstica

e o culto dos antepassados. Esse culto era dirigido pelo pater. A mulher, ao se

casar, abandonava o culto do lar de seu pai e passava a cultuar os deuses e

antepassados do marido, a quem passava a fazer oferendas. (VENOSA, 2005)

Era sempre necessário que um descendente homem continuasse o culto

familiar. Daí a importância da adoção no velho direito, como forma de perpetuar

o culto, na impossibilidade de assim fazer o filho de sangue. Da mesma forma,

o celibato era considerado uma desgraça, porque o celibatário colocava em

risco a continuidade do culto. Não bastava porém gerar um filho, este deveria

ser fruto de um casamento religioso. O filho bastardo ou natural não poderia

ser o continuador da religião doméstica. As uniões livres não possuíam o status

de casamento, embora se lhes atribuísse certo reconhecimento jurídico. O

Cristianismo condenou as uniões livres e instituiu o casamento como

sacramento, pondo em relevo a comunhão espiritual entre os nubentes,

cercando-a de solenidades perante a autoridade religiosa. (VENOSA, 2005)

Desaparecida a família pagã, a cristã guardou seu caráter de unidade de

culto, que na verdade nunca desapareceu por completo, apesar de o

casamento ser tratado na história mais recente apenas sob o prisma jurídico e

não mais ligado a religião oficial do Estado. A família sempre foi considerada a

célula básica da igreja. (VENOSA, 2005)

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A partir do século IV com o Imperador Constantino, instala-se no Direito

Romano a concepção cristã da família, na qual as preocupações de ordem

moral predominam, sob inspiração do espírito de caridade. (PEREIRA, 2005)

Mas, em todo tempo, sobrevivendo mesmo a codificação de Justiniano,

a organização da família romana conservou-se autocrática, muito embora já se

positivasse no sexto século a decomposição da família romana primitiva, como

igualmente a da família germânica já a esse tempo se iniciara. (PEREIRA,

2005)

1.3 A família moderna no Brasil

Tem-se assistido, nas últimas décadas, a uma revolução no Direito Civil,

em especial no campo do direito de família, em decorrência das modificações

sofridas na ordem social, mais especificamente no organismo familiar. (PERES,

2006)

Na opinião de Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 19):

entre os vários organismos sociais e jurídicos, o conceito, a compreensão e a extensão de família são os que mais se alteram no curso dos tempos [...] a sociedade de mentalidade urbanizada, cada vez mais globalizada pelos meios de comunicação, pressupõe e define uma modalidade conceitual de família bastante distante das civilizações do passado.

De acordo com o Código Civil de 1916, por uma herança do direito

romano, a mulher casada era considerada relativamente incapaz. A capacidade

plena alcançada com a maioridade civil cedia lugar à incapacidade relativa, por

força do casamento. Nessa época a sociedade conjugal necessitava de uma

única chefia, confiada ao homem. No entanto, a Constituição Federal de 1988,

em seu art. 226, § 5º, estabeleceu a igualdade jurídica plena do homem e da

mulher no tocante aos seus direitos e deveres referentes à sociedade conjugal.

(PERES, 2006)

Antes do advento da Constituição Federal de 1988 os vínculos afetivos

matrimoniais, por não serem admitidos como família, eram condenados a

invisibilidade. Ainda sim existiam. Chamada a justiça para solver as questões

de ordem patrimonial, com a só preocupação de não chancelar o

enriquecimento sem causa, primeiro foi identificada uma relação de natureza

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trabalhista, e “só via labor onde existia amor” (DIAS, 2007, p. 104). Depois, a

jurisprudência passou a permitir a partição do patrimônio, considerando uma

“sociedade de fato o que nada mais era do que uma sociedade de afeto”

(DIAS, 2007, p. 104). Mas as ações eram julgadas nas vara cíveis e segundo o

direito das obrigações.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi rompido o

monopólio jurídico da família legítima, constituída pelo matrimônio,

reconhecendo novas formas de família. Assim, segundo a Constituição

Federal, a união estável entre o homem e a mulher e comunidade formada por

qualquer dos pais e seus descendentes são reconhecidas como entidades

familiar. (PERES, 2006)

A partir disso, observa-se, que a família abandonou a sua característica

de ordem autoritária e hierarquizada para, com o advento da nova ordem

constitucional, se firmar como uma instituição de afeto e cooperação, em busca

do desenvolvimento pessoal dos seus membros.

Nesse sentido, Paulo Luiz Netto Lôbo (2002, p. 41) elenca algumas das

unidades de vivência encontrada atualmente no Brasil:

a) par andrógino, sob regime de casamento, com filhos biológicos; b) par andrógino, sob o regime de casamento, como filhos biológicos e filhos adotivos, ou somente com filhos adotivos, em que sobrelevam os laços de afetividade; c) par andrógino, sem casamento, com filhos biológicos (união estável); d) par andrógino, sem casamento, com filhos biológicos e adotivos ou apenas adotivos União estável; e) pai ou mãe e filhos biológicos (comunidade monoparental); f) pai ou mãe e filhos biológicos e adotivos ou apenas adotivos (comunidade monoparental); g) união de parentes e pessoas que convivem em interdependência afetiva, sem pai ou mãe que a chefie, como no caso de grupo de irmãos, após falecimento u abandono dos pais; h) pessoas sem laço de parentesco que passam a conviver em caráter permanente, com laços de afetividade e de ajuda mútua, sem finalidade sexual ou econômica; i) uniões homossexuais, de caráter afetivo e sexual; j) uniões concubinárias, quando houver impedimento para casar de um ou de ambos companheiros, com ou sem filho; l) comunidade afetiva formada com filhos de criação, segundo generosa e solidária tradição brasileira, sem laços de filiação natural ou adotivo regular.

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Há uma nova concepção de família que se constrói em nossos dias.

Fala-se na sua desagregação e no seu desprestígio. Fala-se na crise da

família. Não há tal. Um mundo diferente imprime feição moderna à família. Não

obstante certas resistências e embora se extingam os privilégios nobiliárquicos,

a família ainda concede prestígio social e econômico, cultivando os seus

membros certo orgulho por integrá-la. Recebe inequívoca proteção do Estado,

que intervém cada vez mais e na medida em que os poderes privados

declinam. (PEREIRA, 2005)

Maria Berenice Dias (2008, p. 01) afirma que:

o atual conceito de família prioriza o laço de afetividade que une seus membros, o que ensejou também a reformulação do conceito de filiação que se desprendeu da verdade biológica e passou a valorar muito mais a realidade afetiva.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, § 6º, estabeleceu um

tratamento igualitário entre todos os filhos, quer tenham nascidos dentro ou

fora do casamento, quer tenha sido adotados.

Para Maria Berenice Dias (2007) o casamento, o sexo, e a procriação

deixaram de ser os elementos identificadores da família.

A Constituição, ao outorgar proteção a família, independentemente da

celebração do casamento, vincou um novo conceito de entidade familiar,

vinculando vínculos afetivos outros. Mas é meramente exemplificativo o

enunciado constitucional ao fazer referência expressa à união estável entre um

homem e uma mulher e às relações de um dos ascendentes com sua prole. O

caput do art. 226 é, conseqüentemente, cláusula geral de inclusão, não sendo

admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade,

estabilidade e ostensibilidade. (DIAS, 2007).

Ana Paula Ariston Barion Peres (2006, p. 58) entende que:

[...] a norma constitucional que reconhece a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar não pode ser interpretada no sentido de, a contrario sensu, concluir-se que não constitui entidade familiar a união entre dois homens ou duas mulheres.

Houve, pois, sensível mudança nos conceitos básicos. A família

modifica-se profundamente. Ainda não se pode definir a suas linhas de

contorno precisas, dentro do conflito de aspirações. Não se deve, porém, falar

em desagregação, nem proclamar-se verdadeiramente uma crise. Como

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organismo natural, a família não acaba. Como organismo jurídico, elabora-se a

sua nova organização.

1.4 A família homoafetiva

Segundo Maria Berenice Dias (2007, p. 105) “as uniões entre pessoas

do mesmo sexo, ainda que não prevista expressamente na Constituição

Federal e na legislação infraconstitucional, fazem jus à tutela jurídica”. A

ausência de regulamentação impõe que as uniões homoafetivas sejam

identificadas como entidades familiares no âmbito do Direito de Família. A

natureza afetiva do vínculo em nada o diferencia das uniões heterossexuais,

merecendo ser identificado como união estável.

Preconceitos de ordem moral não podem levar a omissão do Estado,

nem a ausência de leis nem o conservadorismo do Judiciário servem de

justificativa para negar direitos aos relacionamentos afetivos que não tem a

diferença de sexo como pressuposto. É absolutamente discriminatório afastar a

possibilidade de reconhecimento das uniões estáveis homoafetivas.

Diante da abertura conceitual, levada a efeito pela Constituição, nem o

matrimônio e nem a diferenciação dos sexos ou a capacidade procriativa

servem de elementos caracterizador da família. Se prole ou capacidade

procriativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça

reconhecimento e proteção legal, não mais cabe excluir do conceito de família

as relações homoafetivas, pois excepcionar onde a lei não distingue é forma de

excluir direitos. (DIAS, 2007)

Em face do silencio do constituinte e da omissão do legislador, deve o

juiz cumprir com sua função de dizer o direito, atendendo a determinação do

artigo 4º da Lei de Introdução do Código Civil. Enquanto não existir regramento

específico, mister se faz a aplicação analógica das regras jurídicas que

regulam as relações que têm o afeto por causa: o casamento e a união estável.

Para Maria Berenice Dias (2007, p. 107):

não se pode falar em homossexualidade sem pensar em afeto. Enquanto a lei não acompanha a evolução sexual, a mudança de mentalidade, ninguém tem o direito de fechar os olhos, assumindo postura preconceituosa ou discriminatória, para não enxergar essa nova realidade. Os aplicadores do direito não

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podem ser fonte de grandes injustiças. Descabe confundir questões jurídicas com questões morais e religiosas.

Paulatinamente, os Tribunais vêm acompanhando esse entendimento

doutrinário, como bem retrata a decisão da 7ª Câmara Cível do Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul, de 14 de março de 2001, que, mediante a

aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevados sempre os

princípios constitucionais da dignidade humana, reconheceu a existência de

união homossexual e a produção de efeitos jurídicos dela decorrentes. (Rio

Grande do Sul. 7ª Câmara do Tribunal de Justiça. AP. Civ. Nº 70001388982,

rel. José Carlo Teixeira Giorgis)

Também a Justiça gaúcha definiu competência aos juizados

especializados de família para apreciar as uniões homoafetivas, assim, acabou

inserindo-as no âmbito do Direito de Família como entidade familiar.

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 1.151/95, de autoria

da então Deputada Marta Suplicy (PT/SP), disciplinando a união civil entre

pessoas do mesmo sexo e dando outras providências. O referido projeto teve

como relator o então Deputado Roberto Jefferson (PTB/RJ) e foi aprovado em

10 de dezembro de 1996, pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados,

que opinou pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa e, no

mérito, pela aprovação com substitutivo, com complementação de voto, nos

termos do parecer do relator. Não obstante o parecer favorável da Comissão, o

projeto não foi reapresentado. O então Deputado Roberto Jefferson apresentou

um substitutivo do Projeto de Lei nº 1.151/95 (Projeto de Lei nº 5.252/20011 –

Pacto de Solidariedade), ampliando as disposições do projeto de Parceria Civil

Registrada para alcançar todos os casais. Desde de junho de 2003, o PL nº

5.252 encontra-se na Comissão de Constituição de Justiça e de Cidadania

(CCJC), aguardando parecer. (PERES, 2006)

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CAPÍTULO II

A ADOÇÃO

2 ADOÇÃO E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

Realizou-se no presente capítulo um estudo sobre o instituto da adoção,

trazendo um breve histórico da adoção antes do Código Civil de 1916, no

próprio Código Civil de 1916, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no

atual Código Civil e no Projeto de Lei nº 6.960 de 2002.

Na atualidade, a adoção está voltada para a pessoa do adotado e o seu

bem-estar, acima dos interesses do adotante.

2.1 Breve histórico

O instituto era utilizado na antiguidade como forma de perpetuar o culto

doméstico. Atualmente, a filiação adotiva é uma filiação puramente jurídica,

baseando-se na presunção de uma realidade não biológica, mas afetiva.

(VENOSA, 2005)

Foi em Roma, porém, que a adoção difundiu-se e ganhou contornos

precisos. A idéia fundamental já estava presente na civilização grega: se

alguém viesse a falecer sem descendente, não haveria pessoa capaz de

continuar o culto familiar, o culto aos deuses-lares. Nessa contingência, o pater

famílias, sem herdeiro, contemplava a adoção com essa finalidade. O adotado

assumia o nome e a posição do adotante e herdava seus bens como

conseqüência da assunção do culto. (VENOSA, 2005)

Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 298) esclarece que:

duas eram as modalidades de adoção no direito romano: a adoptio e a adrogatio. A adoptio consistia na adoção de uma pessoa capaz, por vezes um emancipado e até mesmo um pater famílias, que abandonava publicamente o culto doméstico originário para assumir o culto do adotante, tornando-se seu herdeiro. A adrogatio [...] abrangia não só o próprio adotando, mas também sua família, filho e mulher, não sendo permitida ao estrangeiro. [...] Havia interesse do Estado na adoção porque a ausência de continuador do culto doméstico poderia redundar na extinção de uma família.

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Em ambas as modalidades de adoção, era exigida idade mínima do

adotante, 60 anos, bem como que não tivesse filhos naturais, devendo o

adotante ter 18 anos a mais que o adotado. A mulher não podia adotar no

direito mais antigo. Na fase imperial já podia fazê-lo, com autorização do

imperador.

Em época mais recente do Direito Romano, com Justiniano, surgiram

duas formas de adoção: adoptio plena, realizada entre parentes, e adoptio

minus plena, realizada entre estranhos. Em ambos os casos, o adotado

conservava os direitos sucessórios da família natural.

Silvio de Salvo Venosa (2005) explana que na Idade Média, sob novas

influências religiosas e com a preponderância do Direito Canônico, a adoção

caiu em desuso. Na Idade Moderna, com a legislação da Revolução Francesa,

o instituto da adoção voltou a baila, tendo sido posteriormente incluído no

Código de Napoleão de 1804.

Silvio Rodrigues (2004, p. 336) observa que “no direito brasileiro anterior

a 1916 o instituto não vinha sistematizado, havendo, entretanto, numerosas

referências à adoção, que era, assim, permitida”.

Com maior ou menor amplitude, a adoção é admitida por quase todas as

legislações modernas, acentuando-se o sentimento humanitário e o bem estar

do menor como preocupações atuais dominantes.

2.2 Adoção no Código Civil de 1916

O Código Civil de 1916 disciplinou a adoção como instituição destinada

a dar filhos, ficticiamente, àqueles a quem a natureza os havia negado.

(RODRIGUES, 2004)

Naquele regime, a adoção era possível aos maiores de 50 anos, sem

prole legítima ou legitimada.

Silvio Rodrigues (2004, p. 337) ensina que:

A primeira modificação importante trazida pelo legislador, no campo da adoção, ocorreu com a Lei nº 3.133, de 8 de maio de 1957. Tal lei, reestruturando o instituto, trouxe transformações tão profundas à matéria que se pode afirmar, sem receio de exagero, que o próprio conceito de adoção ficou, de certo modo, alterado. Isso porque, enquanto, dentro de sua estrutura tradicional o escopo da adoção era atender ao justo interesse

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do adotante, de trazer para a sua família e na condição de filho uma pessoa estranha, a adoção [...] passou a ter, na forma que lhe deu a lei de 1957, uma finalidade assistencial, ou seja, a de ser, principalmente, um meio de melhorar a condição do adotado.

A Lei nº 3.313/57 alterou aquela concepção de 1916, pois permitiu a

adoção por pessoas de 30 anos, tivessem ou não prole natural.

Essa mesma lei aboliu o requisito da inexistência de prole para a

adoção, determinou que, quando o adotante tivesse filhos naturais, a relação

de adoção não envolvia a de sucessão hereditária.

Tal preceito vigeu até a Constituição de 1988, cujo art. 227, § 6º,

equiparou, para quaisquer efeitos, os filhos de qualquer natureza, incluídos os

adotivos.

Para Silvio Rodrigues (2004) a segunda grande inovação, no campo da

adoção, foi a criação, pela Lei nº 4.655, de 2 de junho de 1965, da legitimação

adotiva. Tratava de instituto que tirava algo da adoção e algo da legitimação,

pois, como naquela estabelecia um liame de parentesco de primeiro grau, em

linha reta, entre adotante e adotado e, como na legitimação, esse parentesco

era igual ao que liga o pai ao filho consangüíneo.

O Código de Menores, Lei 6.697/79, substituiu a legitimação adotiva pela

adoção plena, esta com aproximadamente as mesmas características daquela.

De modo que, durante um tempo no Brasil e até o novo Estatuto da Criança e

do Adolescente, tivemos duas diversas adoções, a adoção simples, que era a

tradicional, e a adoção plena, de muito mais abrangência do que aquela.

(RODRIGUES, 2004)

A adoção simples, disciplinada no Código Civil de 1916, criava um

parentesco civil entre adotante e adotado, parentesco que se circunscrevia a

essas duas pessoas, não se apagando jamais os indícios de como esse

parentesco se constituíra. Ela era revogável pela vontade concordante das

partes e não extinguia os direitos e deveres resultantes do parentesco natural.

A adoção plena, ao contrário, apagava todos os sinais do parentesco

natural do adotado, que entrava na família do adotante como se fosse filho de

sangue. Seu assento de nascimento era alterado, os nomes dos progenitores e

avós paternos substituídos, de modo que, para o mundo, aquele parentesco

passava a ser o único existente.

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Para Rodrigues (2004, p. 338) “a grande modificação trazida pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente foi a de que nas adoções de menores de

18 anos passou a não existir adoção simples ou adoção plena, já que todas

passaram a ser plenas”.

Com este panorama, vinham marcadas as distinções entre as duas

modalidades de adoção. A do Código Civil, para os maiores de 18 anos; a do

Estatuto da Criança e do Adolescente, para os menores de 18 anos, cada qual

com as suas características e efeitos. (RODRIGUES, 2004)

A adoção do maior de 18 anos promovia-se por escritura pública,

restringia o parentesco entre o adotante e o adotado. Também havia efeito

sucessório distinto para essa adoção.

Pela adoção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente o

adotado incorpora o status de filho, como se natural fosse, passando ele a

integrar em sua plenitude a família do adotante. (RODRIGUES, 2004)

Segundo Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 303) eram características e

requisitos da adoção do Código Civil de 1916:

1. adotante 16 anos mais velho que o adotando, com mais de 30 anos de idade; 2. se o adotante fosse casado, casamento com duração superior a cinco anos; 3. duas pessoas não podiam adotar conjuntamente se não fossem marido e mulher; 4. adotando com mais de 18 anos; 5. o tutor ou curador podia adotar, depois de prestadas as contas; 6. escritura pública; 7. possibilidade de adoça por estrangeiro sem restrições.

2.3 Adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente

O Código Civil de 2002 não alterou, em princípio, a filosofia e a estrutura

do Estatuto da Criança e do Adolescente, sua competência jurisdicional e seus

instrumentos procedimentais. Desse modo, mantém-se a atribuição dos

juizados da infância e da juventude para concessão de adoção dos menores,

havendo que se compatibilizar ambos os diplomas. (VENOSA, 2005)

Como bem observa Silvio de Salvo Venosa (2005), no sistema atual do

Estatuto da Criança e do Adolescente a adoção dos menores de 18 anos é

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uma só, gerando todos os efeitos da antiga adoção plena. O Estatuto,

especificamente quanto à adoção, descreve que a criança ou adolescente tem

direito fundamental de ser criado e educado no seio de uma família, natural ou

substituta.

O Estatuto considera criança a pessoa até 12 anos de idade

incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos. Essa lei também se

aplica excepcionalmente às pessoas entre 18 e 21 anos de idade. Esse

diploma define como família natural a comunidade formada pelos pais ou

qualquer deles e seus descendentes. Define-se também como família a

unidade monoparental. Ao lado da família natural, coloca-se a entidade

denominada família substituta, sendo que a colocação do menor em família

substituta é medida excepcional de proteção destinada a amparar as crianças e

adolescentes cujos direitos fundamentais se encontram suprimidos ou

ameaçados.

A adoção estatutária é concebida na linha dos princípios constitucionais

e objetiva a completa integração do adotando na família do adotante,

desligando-se de qualquer vínculo com os pais e parentes, salvo os

impedimentos matrimoniais. Sem sentença judicial não haverá adoção, para os

menores de idade, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente,

nem para os maiores, de acordo com o Código Civil vigente. (VENOSA, 2005)

Para Venosa (2005, p. 313) “o estado de pobreza [...] não é elemento

definitivo para possibilitar a adoção. A destituição do poder familiar deve

anteceder a adoção, ainda que decretada na mesma sentença”.

Segundo o estatuto, a adoção é ato que requer a iniciativa e presença

dos adotantes, sendo proibida expressamente a adoção por procuração. O

processo de adoção deve tramitar, sempre que existente na comarca, por vara

especializada da infância e da juventude.

O cônjuge ou o companheiro pode adotar o filho do consorte, ficando

mantido os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou companheiro do

adotante e respectivos parentes, a lei permite que, com a adoção, o padrasto

ou a madrasta assuma a condição de pai ou mãe. (VENOSA, 2005)

A adoção, segundo o Estatuto, não somente iguala os direitos

sucessórios dos adotivos como também estabelece reciprocidade do direito

hereditário entre o adotado, seus descendentes, o adotante, seus ascendentes,

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descendentes e colaterais, até o 4º grau, observada a ordem de vocação

hereditária.

No Estatuto, a idade mínima de adoção foi sensivelmente diminuída

nessa modalidade, podiam adotar os maiores de 21 anos, independentemente

do estado civil. O corrente Código Civil, levando em conta a maioridade que

assume, permite que a pessoa maior de 18 anos possa adotar. A adoção pó

ambos os cônjuges ou companheiros pode ser concedida, desde que um dos

consortes tenha completado 18 anos, de acordo com o presente Código.

Não é dado aos pais adotarem seus próprios filhos. A proibição é

expressa vedando a adoção pelos ascendentes e irmãos do adotando.

Não há qualquer restrição quanto ao estado civil do adotante, podendo

ser solteiro, divorciado, separado judicialmente, viúvo, concubino. A adoção

pode ser singular ou conjunta. Para Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 315)

“poderá o individuo homossexual adotar, contudo, dependendo da avaliação do

juiz, pois nessa hipótese, não se admite qualquer discriminação”.

Exige a lei que o adotante seja pelo menos 16 anos mais velho que o

adotado.

Os divorciados e os separados judicialmente poderão adotar

conjuntamente, contando que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e

desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da

sociedade conjugal.

Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 317) esclarece que o Estatuto:

permite que a adoção seja deferida quando o adotante vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença. O procedimento já deve ter sido iniciado em vida, cabendo ao juiz analisar sobre a conveniência de adoção post mortem [...]. A adoção, como regra geral, produz efeito a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto nessa situação post mortem, em que a lei determina o efeito retroativo à data do óbito.

O Estatuto também estabelece a proibição temporária para o adotante

tutor ou curador, enquanto ele não prestar contas de sua administração e as

tiver aprovadas, não pode adotar o pupilo ou curatelado.

O consentimento dos pais ou do representante legal do adotando é

necessário. Em situações excepcionais, a adoção pode ser deferida ainda que

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na ausência da manifestação dos pais, quando desconhecidos, e mesmo

contra sua vontade, quando destituídos do poder familiar.

O menor com mais de 12 anos de idade também deverá ser ouvido, e

será necessário seu consentimento.

O estágio de convivência tem por finalidade adaptar a convivência do

adotando ao novo lar. O estágio é um período em que se consolida a vontade

de adotar e de ser adotado. Nesse estágio, terão o juiz e seus auxiliares

condições de avaliar a conveniência da adoção. O juiz poderá dispensar o

estágio se o adotando tiver idade inferior a um ano ou se, qualquer que seja

sua idade, já estiver na companhia do adotante tempo suficiente para poder ser

avaliada a conveniência da constituição do vínculo. (VENOSA, 2005)

Silvio de Salvo Venosa expõe que:

em se tratando de adoção internacional, o envio de crianças brasileiras para o exterior somente é permitido quando houver autorização judicial. Desse modo, na adoção por estrangeiro residente ou domiciliado fora do país nunca será dispensado o estágio, que será cumprido no território nacional, com duração mínima de 15 dias para as crianças de até dois anos de idade e de no mínimo 30 dias quando se tratar de adotando acima de dois anos de idade. [...] O estrangeiro, domiciliado no Brasil, submete-se às regras nacionais de adoção e pode adotar, em princípio como qualquer brasileiro. (VENOSA, 2005, p. 319)

A adoção deve ser deferida preferencialmente a brasileiro, pois a adoção

por estrangeiros deve ser excepcional.

O pretendente estrangeiro, residente ou domiciliado no exterior, deverá

comprovar a habilitação para adotar segundo as leis de seu país, devendo

também apresentar estudo psicossocial elaborado por agencia especializada e

credenciada no país de origem. O juiz, de ofício ou a requerimento do

Ministério Público, poderá determinar a apresentação do texto pertinente à

legislação estrangeira, acompanhado de prova da respectiva vigência. Nos

termos da lei processual, o documento em língua estrangeira deve ser

apresentado com tradução juramentada, devidamente autenticado pela

autoridade consular. Não será permitida a saída do adotando do país,

enquanto não consumada a adoção. (VENOSA, 2005)

O Estatuto dispõe que a adoção internacional poderá ser condicionada a

estudo prévio e análise de uma comissão estadual judiciária de adoção, que

fornecerá o respectivo laudo de habilitação para instruir o processo

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competente. A lei estabeleceu nesse dispositivo uma faculdade, não tendo

fixado obrigatoriedade do estudo prévio.

Para Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 323) “a sentença que concede a

adoção, seja nacional ou internacional, tem cunho constitutivo. Quando

prolatada a sentença de adoção, opera-se simultaneamente a extinção do

poder familiar anterior”.

Após o trânsito em julgado, será inscrita no Cartório de Registro Civil

mediante mandado do qual não será fornecida certidão. É cancelado o registro

original do adotado, não mais se fazendo menção quanto a modificação.

A adoção é irrevogável. Uma vez estabelecida a adoção, a sentença de

adoção somente pode ser rescindida de acordo com os princípios processuais.

A morte dos adotantes ou do adotado não restabelece o vínculo originário com

os pais naturais.

A adoção estatutária pressupõe perfeita integração do adotado em sua

nova família, com ruptura de seus vínculos biológicos com os pais e parentes

naturais. O poder familiar é assumido pelo o adotante, com todos os deveres

respectivos, suprimindo-se o poder familiar dos pais biológicos a partir da

sentença que defere a adoção.

A inscrição do adotado no registro civil consignará o nome dos adotantes

como pais, bem como o nome de seus ascendentes, permitindo-se também, a

pedido do adotante, a modificação do prenome. Se é a mulher casada que

adota, é seu sobrenome que é conferido ao adotado e não o do marido e vice-

versa. (VENOSA, 2005)

Para Silvio de Salvo Venosa (2005) impedimento matrimonial, por força

do parentesco biológico, é irremovível na esteira de razões morais, éticas e

genéticas. Nesse diapasão, os impedimentos atingem o adotado com relação a

ambas as famílias, a adotante e a biológica.

Quanto aos efeitos materiais, consideramos que o adotado passa a ser

herdeiro do adotante, sem qualquer discriminação, e o direito a alimentos

também se coloca entre ambos de forma recíproca.

2.4 Adoção no novo código civil

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O Código Civil de 2002 preocupa-se com a adoção de menores e

maiores, resta a questão da competência, pois os procedimentos relativos a

menores serão processados pelo juízo da infância e da juventude, onde

houver, e a adoção de maiores de 18 anos, deverá ter seu curso nas varas de

família. Alguns dos dispositivos do Estatuto são substituídos pelo Código Civil,

mas, em síntese, toda a base de direito material e de direito procedimental

descrita nessa lei continua aplicável. Na ausência de outra norma

regulamentadora, também deve ser aplicado o Estatuto analogicamente, no

que for compatível, com relação a adoção por maiores. (VENOSA, 2005)

Desse modo, persiste a aplicação do Estatuto da Criança e do

Adolescente em matéria de adoção, em tudo que não conflitar com normas

inovadoras introduzidas no corrente Código Civil.

Conforme o Estatuto, essa lei regula a adoção dos menores de 18 anos,

até a data do pedido, salvo se o adotando já estiver sob guarda ou tutela dos

adotantes.

O atual Código manteve a mesma diferença de 16 anos entre adotante e

adotado, tal como já constava no sistema de 1916.

O presente Código, em consonância com o estabelecido pela Carta

Constitucional de 1988, permite a adoção pelo casal unido pelo matrimônio ou

pela união estável, mantendo a regra relativa à adoção por divorciados e

judicialmente separados. Na visão de Silvio de Salvo Venosa (2005, p.329)

“não existe previsão legislativa para adoção por duas pessoas do mesmo sexo,

pelos casais homoafetivos”.

Na opinião de Venosa (2005, p. 329) “a adoção deve imitar a família

biológica, essa é a linha a ser seguida, ao menos em nosso atual estágio

histórico. Muito se tem dito a respeito. O futuro nos indicará o caminho.”

O novo Código enfatiza que a adoção rompe os vínculos com os

parentes biológicos, salvo os impedimentos para o casamento. Nenhuma

distinção é feita entre os filhos adotivos e os biológicos, para todos os fins,

inclusive os hereditários. (VENOSA, 2005)

O Código prevê a denominada adoção unilateral, já prevista no Estatuto

da Criança e do Adolescente.

O Código exige que a adoção de maiores de 18 anos seja formalizada

por sentença e como assistência efetiva do Poder Público.

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Verifica-se, portanto, que não há incompatibilidade, sendo simples a

harmonização entre as disposições do vigente Código sobre a adoção e o

Estatuto da Criança e do Adolescente, embora persista, porém, a

inconveniência de termos dois diplomas legais tratando do mesmo assunto.

2.5 Adoção no Projeto de Lei nº 6.960 de 2002

O legislador, após promulgado o mais recente Código, percebeu o quão

lacunoso e confuso se mostra o vigente diploma. Nem sempre esse projeto

esclarece devidamente, mas melhora o texto do Código em muitos aspectos.

(VENOSA, 2005)

Existem muitos dispositivos que o projeto procurou esclarecer, no

entanto, serão abordados apenas os mais relevantes.

No art. 1618, acrescenta-se parágrafo para estabelecer que não podem

adotar os ascendentes e os irmãos do adotando. A adoção não tem por

finalidade regular a filiação existente, mas estabelecer uma relação nova.

Estabelece também no mesmo dispositivo que é proibida a adoção por

procuração e que a adoção é irrevogável. Esses dispositivos já constam no

Estatuto da Criança e do Adolescente. (VENOSA, 2005)

No art. 1.623, acrescenta-se parágrafo para determinar que a autoridade

judiciária deverá manter, em cada comarca ou foro regional, registro de

menores em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na

adoção.

O projeto trata da adoção de maiores de 18 anos, cuja disciplina foi

absolutamente lacunosa no atual Código. O Projeto faz isso no parágrafo 3º do

art. 1.623. Sugere que se volte ao sistema de 1916, estabelecendo que a

adoção de maiores seja feita por escritura pública, após homologada pelo

Ministério Público. (VENOSA, 2005)

Para Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 331):

É rara a adoção de maiores e mais rara ainda a que não seja feita por interesses meramente patrimoniais. O projeto procura acautelar o interesse da família do adotado, dada a repercussão que pode ter essa adoção, mormente se casado for e tiver filhos. É de mencionar que qualquer pessoa com legítimo interesse pode impugnar a adoção, se provar que há intuito de fraude ou simulação.

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No art. 1.626, o projeto acrescenta parágrafo para enfatizar que a morte

dos adotantes não restabelece o poder familiar dos pai naturais. A adoção, na

sistemática atual, rompe definitivamente todos os vínculos como os pais

biológicos, sem qualquer possibilidade de retorno, salvo, é claro, as situações

patológicas de nulidades no processo de adoção, que devem ser examinadas

caso a caso. (VENOSA, 2005)

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CAPÍTULO III

ENFOQUE CONSTITUCIONAL SOBRE AS RELAÇÕES FAMILIARES

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELACIONADOS AO TEMA

O presente capítulo procurou abordar os princípios constitucionais

comumente invocados para discutir a questão da homossexualidade, bem

como sopesar esses princípios com o princípio do melhor interesse da criança

e assim concluir sobre a conveniência, ou não, da adoção por homossexuais,

tendo como parâmetro o embasamento constitucional.

3.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Com o advento da Constituição Federal de 1988 pode-se estimar a

incidência direta dos princípios dessa Constituição sobre o direito civil e as

relações por ele reguladas.

Observando a família contemporânea e buscando apoio nos elementos

que formam a nossa realidade cultural, histórica e sociológica, não excluindo a

econômica, pode-se constatar que na verdade o núcleo familiar se modificou

sensivelmente e, em sentido amplo, deslocou seu centro de constituição do

princípio da autoridade para o princípio da compreensão e do amor, que nos

moldes da Constituição brasileira, reflete e preenche o princípio basilar do

ordenamento jurídico brasileiro que é o atendimento à promoção da dignidade

da pessoa humana. (GIRARDI, 2005)

Para Viviane Girardi (2005) a Constituição Federal adotou um sistema

aberto, pois, ainda que tenha abarcado novas formas de famílias, não o fez de

forma a incluir todas as uniões afetivas possíveis e já constatadas no cenário

social. Especificamente no capítulo destinado a família, deixou de considerar

expressamente as uniões formadas por pares homossexuais, como também

não declarou uma tutela típica para outros arranjos familiares, tais como os

constituídos por avós e netos, irmãos entre si, tios e sobrinhos, demonstrando

que persistem situações não envolvidas pelo direito positivado, deixando para a

jurisprudência e legislação infraconstitucional a incumbência de construí-lo pela

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concretização dos princípios constitucionais e da aplicação dos direitos

fundamentais. Para tanto, o princípio da dignidade da pessoa humana serve

como cláusula geral dos direitos de personalidade, porque estes estão

intimamente relacionados ao direito de família, na medida em que a

personalidade do indivíduo se origina e processa a partir da gestação, do

nascimento e das relações de troca que ele, sujeito, vai estabelecendo ao

longo do seu desenvolvimento físico, emocional e intelectual.

Ainda que as uniões homossexuais não possam ser consideradas aos olhos da lei e do direito positivado vigente como idêntica ou similares ao instituto do casamento dadas as especificidades delineadas pela doutrina a este último instituto, não se pode ignorar que a partir do conceito de família como instância de transmissão de valores formativos ao individuo na construção de sua organização subjetiva em prol da realização do pressuposto da dignidade humana, tais uniões inserem-se no âmbito social como possibilidade de se constituírem como uma família, quer sob o eixo da filiação, esta biológica ou não, dado que existem famílias formadas por pais e mães homossexuais e filhos. (GIRARDI, 2005, p. 35)

Esse entendimento deriva do principio da igualdade visto sob o ângulo

da não-discriminação por causa do sexo e, portanto, em função da liberdade de

opção sexual de cada pessoa, decorrente da autonomia ética que lhe deve ser

assegurada para definir o que entende como seu projeto de realização pessoal

e seu contexto de felicidade. (GIRARDI, 2005)

Os princípios fundamentais, inscritos na ordem constitucional,

impuseram a necessária reformulação de toda normativa infraconstitucional,

entre elas a codificação civil que se abre para recepcionar os princípios e

valores constitucionais, tendo renovado o sentido de vários de seus artigos ao

mesmo tempo em que foram derrogados outros tantos sob o império dos novos

valores e máximas constitucionais, sobretudo a incidência do princípio da

igualdade e da própria norma de isonomia familiar, tanto na filiação quanto na

conjugalidade, assim como a proteção de outras formas de organização

familiar que não somente o casamento. Para Viviane Girardi (2005, p. 37) “a

essa incidência e permanente penetração do direito constitucional sobre a

matéria infraconstitucional dá-se o fenômeno hermenêutico da

constitucionalização do direito civil”.

Os valores constitucionais, na seara da família, penetram fortemente no

direito privado brasileiro, a ponto de o Código Civil vigente ter incorporado em

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seus artigo vários dos princípios já consagrados constitucionalmente, o que, se

entende seria desprezível na perspectiva de uma interpretação sistematizada

do ordenamento legal pelo operador, entretanto válida no sentido de reafirmar

o conteúdo informador do sistema normativo positivado.

A constitucionalização do direito privado, em especial, no tocante à

família, presta-se, igualmente, como um mecanismo, um meio a possibilitar a

penetração e o ingresso das normas constantes dos diplomas internacionais na

órbita interna dos países signatários, refletindo um movimento universal de

preocupação com a família e com as pessoas do núcleo familiar. (GIRARDI,

2005)

A Constituição Federal de 1988, ao contrário das constituições

brasileiras anteriores, incorporou o princípio da Declaração Universal do

Direitos do Homem no sentido de ser a família a base da sociedade e merecer

proteção do Estado. Assim, importa ressaltar o reconhecimento amplo e plural

da família e não somente aquela considerada legítima porque fundada no ato

civil do casamento.

A sociedade brasileira, refletida na Constituição de 1988, se pretende

mais justa e os direitos fundamentais, de forma explícita no conteúdo do seu

art. 5º, afirmaram a proibição de toda e qualquer forma de preconceito ou

discriminação. Festejando a igualdade e tendo como fundamento a dignidade

da pessoa humana.

[...] o ordenamento constitucional brasileiro recepcionou o princípio da dignidade de pessoa humana como um dos Fundamentos da República Federativa do Brasil, estabelecendo com isso que a proteção da pessoa humana é pressuposto e fundamento da ordem jurídica nacional, devendo o ser humano, enquanto tal, ser respeitado independentemente de diversos outros atributos, tais como raça, religião, condição social, sexo, idade [...]. (GIRARDI, 2005, p. 49)

Sob o princípio da dignidade da pessoa humana a norma constitucional

se propõe a viabilizar a plena realização das mais diversas necessidades do

ser humano, portanto, valendo-se dessa prerrogativa, os homossexuais vêm

buscando e obtendo um novo tratamento no contexto jurídico.

A jurisprudência brasileira, acompanhando a tônica internacional, vem

reconhecendo, com base no princípio a dignidade da pessoa humana, que as

necessidades humanas no plano da realização da personalidade e, em

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decorrência disso, da sexualidade, não são isonômicas, e que as uniões

homossexuais vão além do simples fato de se constituírem por pares de

mesmo sexo, pois são uniões que têm sua gênese no afeto, na mútua

assistência e solidariedade entre os pares e, dessa forma, não seria mais

possível se deixar de reconhecer efeitos jurídicos para esse tipo de união.

(GIRARDI, 2005)

Com o reconhecimento jurisprudencial de alguns efeitos jurídicos às

relações afetivas formadas por casais homossexuais, o cenário jurídico e, em

especial, o direito privado abriu-se para acolher novos sujeitos até então

excluídos do sistema legal.

Poder-se-ia, então, afirmar que as decisões jurisprudenciais no que

concerne ao reconhecimento e respeito à homossexualidade, estariam

concretizando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e sua

irradiação na efetivação e concretude dos direitos e garantias fundamentais.

Os direitos fundamentais esculpidos na Carta Constitucional, tais como

os direitos de liberdade e igualdade, têm uma correspondência direta e mediata

com a realização do princípio da dignidade da pessoa humana. Falar em

dignidade da pessoa humana significa e importa, antes de tudo, afirmar que

todos “os seres humanos são dotados da mesma dignidade” (SARLET apud

GIRARDI, 2005, p. 52).

O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana visa ao

tratamento humano igualitário naquilo que é essencial à natureza humana,

todos iguais em dignidade, bem como o respeito à diferença quanto ao pleno

desenvolvimento de todas as potencialidades e necessidades humanas que

podem se apresentar como diferentes e plurais porque estão intimamente

vinculados à diversidade dos valores que se manifestam nas sociedades

democráticas contemporâneas.

A razão da inclusão da reivindicação dos direitos relativos às uniões ou

mesmo do direito ao exercício da homossexualidade se justifica no fato de, por

pertencer à comunidade humana, as pessoas de orientação sexual

homossexual devem ter o direito à realização de suas capacidades e

necessidades humanas respeitadas, tanto pelos demais membros da

comunidade como pelo próprio Estado. Trata-se de se assegurar no plano

individual a tutela ao direito personalíssimo de orientação sexual e, no plano

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público, o respeito a esse direito, com práticas jurídicas e políticas legislativas

que vedem qualquer forma de discriminação por conta da preferência ou

orientação sexual de cada pessoa. (GIRARDI, 2005)

O princípio da dignidade da pessoa humana assegura a toda e qualquer

pessoa o direito de tratamento igualitário, que no seu reverso é o direito a não

ser discriminado.

Para Viviane Girardi (2005, p. 53) o princípio em comento

pode ser tido como cláusula geral de tutela da personalidade no ordenamento brasileiro, prestando-se como instrumento legal a servir, a um só tempo, tanto de fundamento como de limite à tutela ou à intervenção do Estado sobre os indivíduos.

Diante da insuficiência jurídica em conseguir abarcar no texto legal quer

constitucional, quer infraconstitucional, todas as possíveis formas de projeção e

tutela dos direitos de personalidade, revela-se extremamente importante e

particularmente útil, no nosso ordenamento legal, a possibilidade de se dar ao

princípio da dignidade da pessoa humana a característica e interpretação de

cláusula geral da personalidade, na medida em que dessa interpretação

decorre a possibilidade de proteção estatal e, portanto, jurídica, de toda e

qualquer situação real que viole ou ameace violar os múltiplos direitos

decorrentes da personalidade humana, tidos, por isso, como direitos

personalíssimos. (GIRARDI, 2005)

Assim sendo, o individuo pode assegurar-se concretamente de direitos

que entende ser essenciais à realização de sua personalidade, reivindicando

do Estado a promoção de tais direitos, visto que condizem, em última instância,

com a plena satisfação de sua pessoa nos aspectos biopsicofísicos.

Viviane Girardi (2005) acredita que nesse cenário jurídico se localiza a

possibilidade da reivindicação do exercício a paternidade ou maternidade, via

adoção de crianças, por pessoas de orientação homossexual, sempre que tal

exercício não importar em violação aos direitos e interesses da criança

envolvida e representar uma satisfação das necessidades essenciais da

personalidade daquele que se pretende pai ou mãe pela adoção.

Decorrente da impossibilidade de se aferir quais seriam os direitos que,

uma vez assegurados juridicamente, realizariam a personalidade de todos os

indivíduos, o mecanismo legal disponível para a concretização da possibilidade

de reivindicação dos direitos individuais de personalidade se dá por meio da

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utilização do princípio da dignidade da pessoa humana, como clausula geral a

recepcionar e tutelar todo e qualquer direito relacionado com a realização

pessoal de cada pessoa.

Com base na dimensão do princípio da dignidade da pessoa humana,

que confere a todo o ser humano a prerrogativa de autodeterminar-se como

pessoa e como sujeito de sua própria existência, é que faz sentido para o

direito o reconhecimento e a promoção do respeito à orientação sexual como

direito personalíssimo.

Para tratar-se das questões relativas à condição jurídica dos

homossexuais, o princípio constitucional inserto no art. 3º, inciso IV, da

Constituição Federal, bem como os direitos fundamentais esculpidos no art. 5º

da Carta Constitucional de 1988, em especial o inciso X, poderiam ser

invocados para fundamentar os denominados direito de quarta geração, ou

seja, direitos que surgem de um processo de diferenciação de um indivíduo em

relação ao outro. (GIRARDI, 2005)

Desse forma, é possível se constatar que a reivindicação das pessoas

ou pares homossexuais refere-se à proteção jurídica da liberdade e da

intimidade, mas, também, diz respeito ao direito de igualdade de tratamento no

sentido de poderem ser o que são. De poderem estabelecer livremente suas

escolhas pessoais, suas relações, seus afetos e receberem do Estado a ampla

tutela jurídica, tanto para a própria pessoa como para o feixe de efeitos que tais

relações estabelecidas, de cunho afetivo muito mais que meramente sexual,

irradiam.

Portanto, a reivindicação do reconhecimento da homossexualidade em

si, como uma prerrogativa natural do sujeito expressar ou exteriorizar a sua

sexualidade, bem como das relações afetivas entre homossexuais, não diz

respeito, simplesmente, aos anseios de uma minoria social, mas sim da

recolocação conceitual do sujeito de direito visto na contemporaneidade. A

inserção jurídica da homossexualidade possibilita a retirada desses sujeitos da

esfera marginal da sociedade, pois a legalidade imprime uma qualificação aos

fatos jurídicos, dotando-os de maior aceitação pelo grupo social aos quais

correspondem.

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O direito à orientação sexual, entendido um direito personalíssimo é

assegurado implicitamente pela aplicação do princípio constitucional da

dignidade da pessoa humana.

A opção sexual não pode ser elemento depreciativo ou valorativo para a

desqualificação da pessoa. Essa assertiva tem implicação, por exemplo, ao se

afirmar que os homossexuais enquanto pessoas que são, potencialmente,

possuem capacidade e atributos jurídicos para, no caso de assim desejarem,

poderem exercitar a faculdade, como direito subjetivo, a ter filhos. Aliada a

essa possibilidade, dada por uma releitura do sistema jurídico, informado por

novos conceitos e valores de ordem constitucional, como princípio da igualdade

e da liberdade vistos sob seus aspectos concretos e reais, tem-se a viabilidade

de os homossexuais realizarem-se como pais, não somente por meio da

adoção de crianças, mas também, pela geração biológica de filhos, dado que

para a engenharia genética a concepção humana pode prescindir do ato

sexual. (GIRARDI, 2005)

Portanto, diante da constatação de entidades formadas por pais

homossexuais e seus filhos, importa a reflexão sobre qual é o papel do direito

frente a essas novas formas de organização familiar, na medida em que à

ciência jurídica é dado o dever de regular a problemática social, não tendo tal

ciência o poder de ignorar perenemente fatos que aos poucos vão a ela se

impondo.

3.2 Princípio da Isonomia

A questão da igualdade é uma preocupação permanente do direito, pois

está intimamente ligada ao próprio sentido de justiça.

A verdadeira igualdade resulta na possibilidade do tratamento igualitário,

considerando-se, para tanto, as diferenças presentes, pois, do contrário, o

princípio da igualdade tomado por seu conceito formal e absoluto quase

sempre resulta em grandes desigualdades, as quais acirram o abismo entre os

não-iguais ao invés de equipará-los a partir das diferenças a estes inerentes.

(GIRARDI, 2005)

Viviane Girardi (2005) afirma que a igualdade formal refere-se ao Estado

de Direito visto sob sua natureza formal, no sentido de ser a igualdade perante

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a lei a preocupação e o comando legal do tratamento igualitário sem aferições

sobre qualidades ou atributos pessoais e explícitos dos destinatários da norma.

Assim, todos são iguais perante a lei como forma de garantia dos direitos

fundamentais estabelecidos por este Estado legal.

O princípio da igualdade formal no Estado de Direito decorre e realiza-se

na perspectiva de ser vedado às autoridades estatais negar o direito vigente

em favor ou às custas de algumas pessoas.

o princípio da igualdade visto somente sob o seu aspecto meramente formal, ou seja, igualdade universal, genérica e absolutamente considerada frente à lei, tem como seu reverso o não-reconhecimento das particularidades dos destinatários da norma. (GIRARDI, 2005, p. 76)

Por outro lado, a igualdade formal, ainda que insuficiente, muitas vezes,

para tratar do caso em concreto, exige o tratamento igualitário, isto é, proíbe

por sua ampla incidência no sistema jurídico, como princípio constitucional que

é, tanto o tratamento não isonômico quanto a implícita discriminação por

qualquer traço de diferença.

O princípio da igualdade constitucionalmente informa o sistema para a

busca da igualdade material, ou seja, da promoção da isonomia no contexto da

diferença, proibindo a discriminação. (GIRARDI, 2005)

A aplicação concreta do princípio da igualdade implica, pois um juízo

necessário de comparação entre duas ou mais pessoas, categorias ou

situações, possibilitado a partir desse juízo de comparação o tratamento

diferenciado de um em relação ao outro sempre que a situação concreta assim

o exigir.

Para o direito, fora as questões de ordem moral que impregnaram os

conteúdos jurídicos, o sexo sempre esteve atrelado a procriação, sendo

legitimado na geração de filhos no seio da família matrimonializada. Entretanto,

dada a fantástica evolução da genética e das modernas técnicas de

inseminação artificial, esvaziou-se de significado o conceito do sexo

meramente procriativo, abrindo-se um novo horizonte para o conceito da

sexualidade também na ótica jurídica. O tema da sexualidade está latente no

discurso jurídico e aponta intrigantes problemáticas sociais para as quais deve

voltar-se o tratamento legal, ou seja, a tutela jurídica do Estado.

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No que concerne ao tema da sexualidade, menciona-se as

considerações médico-psicológicas quanto ao transexualismo. Assim, a partir

da constatação da incompatibilidade entre a anatomia física da pessoa e sua

percepção psíquica correlata, o direito transformou-se para permitir legalmente

as intervenções cirúrgicas para a mudança do sexo. Já, em relação à

homossexualidade, as pesquisas que as desqualificam como doença, ou como

desvio comportamental a merecer tratamento no sentido do restabelecimento

da normalidade, ou seja, a heterossexualidade, tem demonstrado ao direito que

tal identidade sexual é somente mais um outro modo de exercer a sexualidade

humana e de possibilitar àqueles que assim se percebem o direito da busca da

plena felicidade individual, que somadas formam o bem comum perseguido

como o fim do Estado Democrático de Direito. (GIRARDI, 2005)

O Estado Democrático de direito material implica o respeito e a garantia

de realização dos direitos fundamentais para todos os cidadãos

individualmente considerados, e na questão atinente aos homossexuais

implica, além da possibilidade do reconhecimento dessa identidade sexual, na

proibição de discriminação ou de tratamento diferenciado oriundo da única e

exclusivamente da identidade, ou da orientação sexual das pessoas.

Olhando a questão a homossexualidade pelo prisma do princípio da

igualdade da lei, não há como se negar a quem possui identidade homossexual

os mesmos direitos concedidos aos heterossexuais, unicamente por causa da

opção sexual daqueles. De fato, o princípio da igualdade será violado sempre

que o fator diferencial utilizado para embasar o tratamento diferenciado for

única e exclusivamente a orientação sexual do indivíduo. Ou seja, quando este

fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamento

jurídico dispensado, estar-se-á diante de uma arbitrariedade, e não de um

tratamento legitimamente diferenciado. (GIRARDI, 2005)

Viviane Girardi (2005, p. 81) afirma que:

o princípio isonômico em relação aos homossexuais estará violado quando a homossexualidade for utilizada como um critério discriminatório, sem justificativas racionais, as quais encontram suas bases nos valores estabelecidos na ordem constitucional, especialmente nos direitos fundamentais.

Em relação à faculdade de exercício da paternidade, aqui estendido

também à maternidade, considerando com um direito subjetivo de todo e

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qualquer cidadão, assegurando pelo princípio da igualdade estabelecido nos

moldes do art. 5º da Constituição Federal de 1988, resta juridicamente possível

que os homossexuais busquem na adoção de crianças a forma de conformar a

faculdade de exercer a paternidade ao mesmo tempo que tal direito subjetivo

viabiliza a concretização do princípio constitucional da criança ou adolescente à

convivência familiar e comunitária, ou seja, efetiva um direito que a sociedade

entendeu como fundamental a toda criança, que é o direito a pertencer a uma

família nos moldes estabelecidos pelo art. 227 da Constituição Federal de

1988. (GIRARDI, 2005)

Não parece sustentável sob o ponto de vista ético e também jurídico que

se negue o direito à formação de uma família tanto a uma criança quanto a um

indivíduo ou casal somente por conta da orientação sexual destes, na medida

em que o art. 5º da Constituição Federal veda a discriminação por conta do

sexo, neste entendido todo o contexto da sexualidade.

3.3 Princípio do Melhor Interesse da Criança

O princípio do melhor interesse da criança encontra-se duplamente

previsto em nosso ordenamento, de forma genérica e específica,

respectivamente no art. 1º, III da CF e no art. 6º do Estatuto da Criança e do

Adolescente.

Diante deste princípio, cumpre averiguar se a adoção por homossexuais

preencheria essa função, ou se, ao revés, os homossexuais devem

permanecer, nesse particular, excluídos do universo de titularidades que o

próprio sistema tem por tarefa distribuir. O sistema jurídico pode ser um

sistema de exclusão, conquanto, essa exclusão deve decorrer de uma

apreciação valorativa despida de qualquer preconceito. No caso da adoção por

homossexuais, buscar-se-á desvendar se a sua exclusão está calcada no

perverso sistema de discriminação, resquício de um compreensão moralista em

relação à concepção sócio-histórica da humanidade, ou no simples fato de ser

essa providência a que melhora atende ao interesse da criança. (PERES,

2006)

A legislação infraconstitucional, Estatuto da Criança e do Adolescente,

seguindo a diretriz traçada pela Constituição Federal, fixou como critério

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interpretativo de todo o ordenamento a absoluta prioridade à tutela da formação

da personalidade do filho, ainda que se faça em detrimento da vontade dos

pais. Disposição idêntica está prevista no novo Código Civil, que condiciona o

deferimento da adoção à exigência de constituir efetivo benefício ao adotando.

Por esse motivo, o pedido de adoção deve ser denegado quando não cumprir

essa finalidade.

Conquanto se tenha afirmado que, com fundamento na Carta Magna, o

ordenamento pátrio tenha sobreposto o interesse da criança aos demais

interesses em jogo, não é menos correto o fato de os indivíduos terem

constitucionalmente garantido o direito de formar uma família, somando ao fato

de que constitui um dos objetivos fundamentais da Republica Federativa do

Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ante a incidência desses

princípios, caso seja vedado o direito de adoção ao homossexual em razão, tão

somente, de sua opção sexual, se estará diante de um conflito entre princípios

constitucionais, pois, conforme mencionado, a Constituição Federal de 1988

assegura o direito a igualdade sem distinção de sexo e de orientação sexual.

Verifica-s e, assim, uma colisão entre os referidos cânones constitucionais,

caso os homossexuais sejam proibidos de adotar.

Para Ana Paula Ariston Barion Peres (2006) a resposta para o problema

dos conflitos entre princípios será obtida através do método da ponderação de

bens.

o mecanismo de atuação do critério da ponderação de bens se faz pela mensuração de cada cânone constitucional, à luz da situação fática apresentada, fazendo incidir o princípio da proporcionalidade, através do qual todas as restrições recíprocas entre os princípios são efetivadas. (PERES, 2006, p. 120)

No caso apresentado de adoção por homossexuais, antes de se chegar

a qualquer conclusão, é necessário dizer, primeiramente, que o conflito entre

os princípios constitucionais do melhor interesse da criança e do direito à

igualdade só vai eclodir caso fique comprovado que o desempenho da

maternidade/ paternidade por homossexuais pode trazer malefícios para o

menor, caso contrário não há conflito entre esses dois princípios. Para tanto,

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ainda que muitos, de antemão, apontem prejuízos para a criança, será

imprescindível analisar cada caso concretamente. (PERES, 2006)

Partindo-se do pressuposto de que este tipo de adoção possa ser

considerado nocivo ao menor, há que se avaliar a situação fática à vista do

método da ponderação de bens. Assim, é de se concluir, nesse caso, pela

prevalência do resguardo de melhor interesse da criança em detrimento das

aspirações de paternidade/ maternidade do homossexual, pois o interesse da

criança deve ser priorizado, quando em conflito com o de outras pessoas, ou

mesmo instituições, por desfrutar de uma condição peculiar de pessoa em

desenvolvimento. Cada situação deve ser avaliada concretamente.

A conseqüência imediata do princípio da proteção integral da criança e

do adolescente é o reconhecimento jurídico da paternidade afetiva, capaz de

proporcionar ao menor a realização dos direitos fundamentais da pessoa

humana.

O fato de que a criança adotada por homossexuais sofra

constrangimentos e discriminações no meio social é uma possibilidade real,

apesar de todo o amadurecimento e esclarecimento sobre a questão. No

entanto, ainda assim, será melhor a colocação nessas famílias do que a

permanência em instituições. A convivência num ambiente familiar permite que

a criança desenvolva sua individualidade e cidadania, ao passo que na

instituição lhe é dispensado um tratamento coletivo. Ademais, a assistência

profissional por psicólogos ou assistentes sociais e o próprio amor da família

farão com que supere essa dificuldade, que é apenas mais uma entre tantas

outras que ocorrerão no decurso da vida e que, se trabalhadas corretamente,

contribuirão para que se torne um adulto mais forte e preparado. (PERES,

2006)

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CAPÍTULO IV

ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS

4 ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS E SUAS CONSEQÜÊNCI AS

No presente capítulo foi abordado, de forma específica, a adoção por

homossexuais e seus pares, de crianças e adolescentes, evidenciando os

aspectos patrimoniais dessa adoção e o vínculo afetivo que se forma com a

convivência dessas pessoas, bem como os avanços jurisprudenciais em

relação ao tema.

4.1 Aspectos Patrimoniais

A forma utilizada pelos parceiros homossexuais para driblar a resistência

existente no caso da adoção em conjunto é candidatar-se somente um deles.

Mesmo sendo adotada por um, a criança vai ter dois pais ou duas mães. Por

isso é impositivo estabelecimento do vínculo jurídico paterno-filial com ambos

os genitores, ainda que sejam dois pais ou duas mães. Vetar a possibilidade de

juridicizar a realidade só traz prejuízos ao filho, que não terá qualquer direito

com relação a quem exerce o poder familiar, isto é, desempenha o papel de pai

ou mãe. Para Maria Berenice Dias (2007, p.108) “presentes todos os requisitos

para o reconhecimento de uma filiação sócio-afetiva, negar sua presença é

deixar a realidade ser encoberta pelo véu do preconceito”.

A existência de um núcleo familiar, identificada como união estável,

torna imperioso o reconhecimento da possibilidade da dupla paternidade. Para

assegurar a proteção do filho, os dois pais precisam assumir os encargos do

poder familiar.

É importante que se defira a adoção conjunta a casais homossexuais,

pois o adotado estará mais amparado no caso de ausência de um dos

parceiros, quer ocorra a morte de um deles, quer venha a se separar. Dessa

forma, a criança terá seus direitos ampliados, pois poderá pleitear eventuais

alimentos, benefícios previdenciários ou herança de ambos. Nada mais justo

se, de fato, o casal participa igualmente da criação dessa criança e esta os

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considera como sendo seus pais, apesar do fato de legalmente a adoção ter

sido deferida a apenas um deles. (PERES, 2006)

Sobre a possibilidade da adoção conjunta por um par homossexual,

entende-se ser esta possível aos olhos da lei, mediante a utilização de

mecanismos jurídicos de interpretação somados ao contexto legal que

estabelece a pluralidade das formas de organização familiar. (GIRARDI, 2005)

A ausência de tutela legal do vínculo formado entre adotado e

companheiro do adotante não parece trazer conseqüências para a criança, ao

menos sob o prisma formal, enquanto dure a relação afetiva entre o par

homossexual. No entanto, inúmeras conseqüências jurídicas poderão surgir a

partir da ruptura dessa relação, quer por opção do par que resolve se separar,

ou pela ocorrência de morte de um dos companheiros. Igualmente preocupante

seria ma situação que levasse a incapacidade física ou mental permanente do

adotante, que perante a lei se constitui no único genitor do adotado, pois

certamente atingiria os interesses da criança sob exclusiva responsabilidade

legal. (GIRARDI, 2005)

No que diz respeito à ruptura ou dissolução da união existente entre

adotante e seu companheiro, poderia este último vir a reivindicar o direito de

contato e convivência com a criança, entretanto, num primeiro momento,

esbarraria na ausência completa de base legal e vínculo familiar a permitir-lhe

que um juízo ou Tribunal assegure tal desejo. Por outro lado, retiraria da

criança, também, o direito de vir a pleitear alimentos do consorte do pai ou mãe

no caso de necessitar deles, na hipótese de ser o companheiro do adotante o

mantenedor econômico da família.

Para Viviane Girardi (2005) a situação de não se poder conferir a adoção

ao par homossexual, parece ficar ainda mais complexa sob o planos dos fatos,

quando ocorre a morte do adotante, ou uma eventual incapacidade permanente

deste, na medida em que a solução paliativa possível para essa criança

permanecer no seio da família onde estava integrada seria um pleito de guarda

e tutela por parte do companheiro do adotante, já que um pedido seu de

adoção estaria impossibilitado, pois necessitaria da declaração de ausência de

qualquer vínculo entre criança e pai ou mãe falecido ou incapacitado, o que

certamente não seria possível juridicamente.

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Ainda vale lembrar que essa solução é meramente paliativa e não atinge

os melhores interesses da criança tal qual ma adoção conjunta pelo par

homossexual, pois a guarda judicial e a tutela, apesar de serem instituto

jurídico que visem a tutelar o bem-estar da criança, além de não estabelecerem

vínculos jurídicos permanentes e indissolúveis entre o guardião ou tutor e a

criança, deixam de abrigar alguns direitos próprios do estatuto da filiação, como

são os recíprocos direitos de sucessão e de alimentos.

Sendo assim, a suposta barreira que impede uma criança de ter

legalmente, dois pais e duas mães, num plano secundário, poderá gerar uma

série de incertezas quanto ao destino e futuro da criança.

Gustavo Ferraz de Campos Mônaco (2002, p.46) sustenta que:

a adoção da criança por apenas um dos componentes do casal homossexual refere-se a uma loteria, não apenas no que diz respeito aos aspectos patrimoniais decorrentes principalmente da morte da pessoa que não o adotou, mas que pode também se verificar com o rompimento da relação mantida por seu adotante com aquela pessoa que, de certa forma, o assumiu. É que a totalidade do patrimônio daquele que não constar do seu registro civil, não terá a criança qualquer direito, salvo se, no caso de morte, existir um testamento e inexistirem herdeiros necessários do falecido.

Essas conseqüências, oriundas dos vínculos afetivos existentes entre os

componentes de uma família formada por pessoas e pares homossexuais e

suas crianças, se traduzem numa problemática verificada no plano social e que

o sistema legal não pode mais ignorar, sob pena de o direito perder sua

eficácia como ciência que visa regular a vida em sociedade.

Para Maria Berenice Dias (2007, p. 108) “negar a realidade, não

reconhecer direitos só tem uma triste seqüela: o filho é deixado a mercê da

sorte, sem qualquer proteção jurídica com relação a um dos pais”. Livrar um

deles da responsabilidade pela guarda, educação e sustento da criança é

deixar de assegurar-lhe proteção integral. Além de retrógrada, a negativa de

reconhecimento à dupla paternidade escancara flagrante inconstitucionalidade,

pois é expressa a proibição de quaisquer designações discriminatórias relativas

à filiação.

Não se pode esquecer que crianças e adolescentes têm, com absoluta

prioridade, direito à vida, saúde, alimentação, convivência familiar, e negar o

vínculo de filiação é vetar o direito à família: lugar idealizado onde é possível, a

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cada um, integrar sentimentos, esperanças e valores para a realização do

projeto pessoal de felicidade.

4.2 Vínculo Afetivo

Verifica-se que o interesse acerca do assunto da adoção por

homossexuais começa a despontar, pois tem aumentado o número de

homossexuais que ingressam no judiciário com o pedido de adoção. Há,

portanto, uma crescente onda de demandas no sentido da adoção por

homossexuais, devendo, assim, o operador do direito ter acesso a pesquisas

que considerem este problema sob o seu ângulo, necessariamente,

interdisciplinar. (PERES, 2006)

Embora haja um consenso doutrinário de que se deva priorizar o

interesse da criança em detrimento dos demais interesses em jogo, diverge a

doutrina pátria quanto à adoção por homossexuais, por entenderem alguns que

a adoção, nesses casos, é nociva ao adotado, ao passo que outros acolhem

posicionamento inverso. O ordenamento jurídico brasileiro nada dispõe acerca

da questão, razão pela qual Heloísa Helena Barboza (apud PERES, 2006)

sustenta não haver em princípio, impedimento, salvo se for comprovadamente

prejudicial ao adotante menor. Defendendo ponto de vista contrário, há quem

argumente que as crianças são introduzidas em categorias de identidade, em

que cada um dos pais ocupa uma determinada posição e exerce uma certa

função, motivo pelo qual a pretensão dos homossexuais não deve ser acolhida,

pois destruiria esse sistema institucional da filiação.

Estudiosos sobre o assunto afastam a preocupação de que as crianças desses grupos familiares careçam de referencias de ambos os gêneros e que, por esse motivo, tenham problemas com relação à sua própria identidade sexual. (PERES, 2006, p. 147)

Um outro argumento favorável a esse tipo de adoção pode ser extraído

do papel essencial atribuído ao afeto na concepção jurídica da família

contemporânea.

Em função disso, é relevante a importância jurídica outorgada ao afeto,

uma vez que, na atualidade, as relações familiais ultrapassam a noção

estritamente formal da família constituída exclusivamente pelo vínculo legal do

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matrimônio. Assim a doutrina e a jurisprudência passam a associar o afeto à

concepção jurídica de família de modo a conferir-lhe um lugar significativo.

(PERES, 2006)

Pelo fato da legislação brasileira permitir a adoção por pessoas solteiras

e em função do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e seus

corolários, a homossexualidade do candidato não pode ser um obstáculo ao

exercício desse direito.

No estágio atual das normas jurídicas que disciplinam o instituto da

adoção no Brasil, tem-se a possibilidade de ser conferida a adoção de uma

criança ou adolescente a um adotante solteiro que seja homossexual na

medida em que o sistema legal determina, expressamente, que a opção sexual

do adotante seja um requisito para a adoção. (GIRARDI, 2005)

Portanto, a adoção de uma criança ou de um adolescente por uma

pessoa homossexual está possibilitada pela lei brasileira na medida em que a

opção sexual do adotante não é um critério impeditivo da adoção. Por outro

lado, pelo dever de não-discriminação dado pelo direito constitucional à

igualdade, a não-concessão da adoção somente por conta do adotante ter

orientação homossexual constitui-se numa discriminação que a lei proíbe.

(GIRARDI, 2005)

Viviane Girardi (2005, p. 146) acredita que “para o sistema legal

brasileiro, a adoção por pessoa solteira que se declare ou não homossexual é

possível sempre que essa adoção demonstrar atender aos melhores interesses

da criança ou do adolescente adotando”.

O Projeto de Lei nº 1.151, de 1995, de autoria da então Deputada Marta

Suplicy, que disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo, silenciou a

respeito da adoção, sob o argumento de que tal questão tem foro próprio. Já o

substitutivo adotado pela Comissão Espacial, cujo relator era o então Deputado

Roberto Jefferson, introduziu o parágrafo 2º ao artigo 3º, dispondo que são

vedadas quaisquer disposições sobre adoção, tutela ou guarda de crianças e

adolescentes em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos parceiros.

(PERES, 2006)

Deve-se permitir ao casal homossexual o direito de adotar, pois não há

desrespeito ao interesse superior da criança, sendo, ao revés, uma forma de

protegê-la, na medida em que essa família irá promover o seu pleno

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desenvolvimento. Não há que se falar que, dessa maneira, os interesses e

direitos de terceiros estejam sendo relativizados, em especial os da criança e

do adolescente. Em verdade, essa é uma forma de tutela específica, que visa

assegurar o direito à convivência familiar, respeitando a dignidade da criança e

do adolescente. (PERES, 2006)

Quando o núcleo da adoção, que é o melhor interesse da criança, o qual

se traduz e irradia no respeito não só ao bem-estar físico e emocional, mas

também numa boa ambiência social para a criança, encontra-se preenchido de

maneira favorável pelos pretendentes à adoção, torna-se secundário e

desmerece de maiores atenções as preferências sexuais do adotante.

(GIRARDI, 2005)

Entende-se que a não concessão da adoção conjunta aos homossexuais

pode, muitas vezes, interferir nos melhores interesses da criança, pois a

realidade social aponta para a formação de um vínculo entre o adotando e o

parceiro do adotante. Mais tais situações reais não encontram proteção jurídica

que assegure a manutenção ou os reflexos jurídicos oriundos desse vínculo

afetivo formado pelo companheiro do adotante, em que pese a constatação na

maioria dos casos, analisados de vínculos emocionais fortes estabelecidos

entre a criança e o companheiro do pai ou da mãe adotante. Vínculos afetivos

esses que possuem a mesma natureza dos vínculos emocionais das relações

entre pais e filhos heterossexuais. (GIRARDI, 2005)

Em matéria de adoção, o que se privilegia são os melhores interesses

da criança, necessário se faz buscar socorro em outras ciências que versem

sobre essa temática, de maneira especial a psicologia, pois quanto às questões

de ordem socioeconômica, objetivo primeiro da assistência social, os fatos

indicam que as crianças recebem melhor atendimento de suas necessidades

básicas tanto de forma quantitativa quanto qualitativamente na companhia da

família substituta, entre elas a composta por homossexuais, do que nos lares e

casa de abrigo onde lhes falta o essencial que é a convivência familiar, o

atendimento carinhoso, afetivo e personalizado, próprio de quem deseja com

ela, criança ou adolescente, estabelecer vínculos e laços emocionais

recíprocos e permanentes. (GIRARDI, 2005)

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Os requisitos essenciais para adotar não dizem respeito à preferência

sexual dos adotantes, mas sim a questões bem mais importantes, de uma

amplitude que vai muito além da orientação sexual. (GIUSTO, 2003)

Para Maria Berenice Dias (2007, p. 108):

a enorme resistência em aceitar a homoparentalidade decorre da falsa idéia de que são relações promíscuas, não oferecendo um ambiente saudável para o bom desenvolvimento de uma criança. Também é alegado que a falta de referências comportamentais pode acarretar seqüelas de ordem psicológicas e dificuldades na identificação sexual do filho. Mas estudos realizados ao longo do tempo mostram que essas crenças são falsas. O acompanhamento de famílias homoafetivas com prole não registra a presença de dano sequer potencial no desenvolvimento, inserção social e sadio desenvolvimento dos vínculos afetivos.

Nenhuma pesquisa médica ou psicológica obteve êxito em comprovar

que a homossexualidade dos pais é fator suficiente o bastante para determinar

a sexualidade dos filhos. Isso se torna bastante evidente no fato de serem os

adultos homossexuais, na sua grande maioria, filhos de pais heterossexuais,

tendo convivido desde tenra idade em ambiente familiar e social onde

imperavam os modelos de relacionamentos heterossexuais. Essa constatação

empírica conforma um indicativo forte que afasta a hipótese de ser a

sexualidade dos pais, por si só, motivo suficiente para determinar a

sexualidade dos filhos. (GIRARDI, 2005)

Por conta desses fatos é que a simples constatação da

homossexualidade do adotante não pode ser ator suficiente a afastar a

possibilidade da adoção quando elementos outros indicarem que a criança

estará em ambiente familiar favorável ao desenvolvimento amplo de suas

potencialidades humanas. Também, pensando exclusivamente nas crianças e

adolescentes abandonados e à mercê da adoção, é que o Estado, por meio do

sistema jurídico deve efetivar aquilo que a sociedade institui como seu dever,

que é conferir o direito à convivência familiar e comunitária às crianças e aos

adolescentes, assim como tutelar-lhes os melhores interesses, por isso a

necessidade de se suplantarem os formalismos que impedem uma criança ou

um adolescente de ser adotado conjuntamente por duas pessoas de mesmo

sexo, pois estas terão condições jurídicas de melhor assegurar a efetivação

dos direitos essenciais da criança do que somente um deles. (GIRARDI, 2005)

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Não se pode fechar os olhos e tentar acreditar que as famílias

homoparentais, por não disporem de capacidade reprodutiva, simplesmente

não possuem filhos. Estar-se-á a frente de uma realidade cada vez mais

presente, crianças e adolescentes vivem em lares homossexuais. Gays e

lésbicas buscam a realização de um sonho de estruturarem uma família com a

presença de filhos. Não ver essa verdade é usar mecanismo da invisibilidade

para negar direitos, postura discriminatória com nítido caráter punitivo, que só

gera injustiças. (DIAS, 2007)

É mister que o legislador infraconstitucional elabore norma

contemplando a adoção conjunta por parceiros homossexuais, pois esse tipo

de adoção está em conformidade, primeiramente, com a Constituição Federal.

Além do mais, coaduna-se com o art. 29 do Estatuto da Criança e do

Adolescente, bem como beneficia o menor, nos termos preconizados no art.

43. O que terá que ser levado em conta quando do pedido de adoção é se os

candidatos têm condições de desempenhar o papel paterno ou materno com

habilidade, abstraindo-se o julgador da orientação sexual dos postulantes. Na

ausência de legislação, têm os Tribunais o dever de suprir essa lacuna,

aplicando analogicamente as regras previstas para a união estável. De toda

forma, é importante um pronunciamento legislativo. (PERES, 2006)

4.3 Avanços jurisprudenciais

O fato de não haver previsão legal não significa inexistência de direito à

tutela jurídica. Ausência de lei não quer dizer ausência de direito, nem impede

que se extraiam efeitos jurídicos de determinada situação fática. A falta de

previsão específica nos regramentos legislativos, não pode servir de

justificativa para negar a prestação jurisdicional ou de motivo para deixar de

reconhecer a existência de direito. O silêncio do legislador precisa ser suprido

pelo juiz, que cria a lei para o caso que se apresenta a julgamento. Na omissão

legal, deve o juiz se socorrer da analogia, dos costumes e princípios gerais de

direito. (DIAS, 2007)

Omitindo-se o legislador em regular situações dignas de tutela, as

lacunas precisam ser preenchidas pelo Judiciário. Na presença de vazios

legais, a plenitude do reconhecimento de direito deve ser implementada pelo

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juiz, que não pode negar proteção jurídica nem deixar de assegurar direitos sob

a alegação de ausência de lei. Precisa assumir sua função criadora do direito.

Para Maria Berenice Dias (2007, p. 109)

o legislador intimida-se na hora de assegurar direitos às minorias excluídas do poder. A omissão da lei dificulta o reconhecimento de direitos, sobretudo em frente a situações que se afastam de determinados padrões convencionais, o que faz crescer a responsabilidade do Poder Judiciário.

As uniões de pessoas com a mesma identidade sexual, ainda que sem

lei, acabaram batendo as portas da justiça para reivindicar direitos. As uniões

homossexuais tiveram que trilhar o mesmo caminho percorrido pelas uniões

extramatrimoniais. Em face da resistência de ver a afetividade nas relações

homossexuais, foram elas relegadas ao campo obrigacional e rotuladas de

sociedade de fato dando ensejo a mera partilha dos bens amealhados durante

o período de convívio. Logrando um dos sócios provar sua efetiva participação

na aquisição de bens amealhados durante o período de convívio, era

determinada a participação do patrimônio, operando-se verdadeira divisão de

lucros. (DIAS, 2007)

A jurisprudência nacional tem evoluído, ainda que de forma bastante

lenta e gradual, passando a reconhecer, em algumas decisões, o direito de

adoção por parte dos homossexuais. A 17ª Câmara Cível do Tribunal de

Justiça do Estado do Rio de Janeiro confirmou, em 21 de janeiro de 1999, por

decisão unânime, a sentença do juiz Siro Darlan de Oliveira, da 1ª Vara da

Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, que julgou estar Marcelo Gosling,

homossexual declarado na ficha de cadastro do Juizado de Menores, habilitado

a adotar uma criança. O Tribunal de Justiça confirmou a sentença, apesar da

prova nos autos de ser o adotante homossexual e de conviver com parceiro do

mesmo sexo, exarando o entendimento de que a discriminação por questão de

sexualidade afronta sagrados princípios constitucionais e de direitos humanos

e da criança. (PERES, 2006)

Outras foram as decisões da 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio

de Janeiro favoráveis ao pleito, como é possível ilustrar com a sentença no

processo nº 97/1/03710-8 de 20 de julho de 1998, em que restou consignado

que a lei não acolhe razões que tem por fundamento o preconceito e a

discriminação, portanto, o que a lei não proíbe não pode o intérprete inovar.

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Com fulcro na Constituição Federal, que assegura a igualdade de todos

perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, foi acolhido o pedido, uma

vez que o suplicante demonstrou reunir condições para o pleno exercício do

encargo postulado através da Declaração de Idoneidade para Adoção com o

parecer favorável do Ministério Público. (PERES, 2006)

Por sua vez, o juiz Marcos Henrique Caldeira Brant, de Santa Luzia,

Minas Gerais, concedeu a um casal homossexual o direito de criar e educar a

filha natural de um deles, de dois anos e meio, tendo a menor sido registrada

como os sobrenomes da mãe, do pai e de seu companheiro, com o

consentimento materno. (PERES, 2006)

Em 31 de outubro de 2002, a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões do

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu que o filho de nove anos da

cantora Cássia Eller, em virtude do seu falecimento, ficará sob tutela definitiva

da sua companheira Maria Eugênia Martins. Maria Eugênia disputava com o

avô paterno a guarda da criança, sendo que, ao final, o mesmo desistiu do

pleito, mediante acordo que lhe assegura o direito de visitar o menino duas

vezes ao ano, no período de férias escolares, desde que ele consinta. (PERES,

2006

É interessante notar que muitas vezes a Justiça, mesmo quando defere

a guarda a um homossexual reconhecendo essa ser a melhor solução para o

menor, estabelece medidas fiscalizatórias, em receio de que a

homossexualidade do adotante possa vir a prejudicá-lo, desvirtuando a sua

formação psicológica. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São

Paulo negou provimento ao apelo do Ministério Público Estadual contra a

sentença que deferiu a guarda de K.D.O a H.F.C., pelo prazo de 180 dias,

determinando, contudo, que fosse monitorada a situação, com o fito de se

evitar um comprometimento na educação da criança. (PERES, 2006)

Aponta Enézio de Deus (2006, p. 01) que:

a primeira abertura do Poder Judiciário brasileiro para adoção por casal homossexual foi vislumbrada na cidade de Catanduva, Estado de São Paulo, quando um magistrado, Dr. Júlio César Spoladore Domingos, aceitou que dois homens, que já conviviam há mais de 10 anos em união afetiva estável, entrasse para a fila de espera de pais adotivos em 2004. Tanto o referido juiz, quanto o representante do Ministério Público, dentre outros fundamentos para a aceitação, orientaram-se pela Resolução nº 01/99, do Conselho Federal de Psicologia

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que, estabelecendo normas de atuação para os psicólogos em relação à orientação sexual humana, veda qualquer tipo de tratamento discriminatório com relação à homossexualidade, ratificando que esta não se trata de doença, desvio ou distorção e que, por isso, os profissionais da psicologia não devem colaborar com eventos e serviços que proponham tratamento e cura da homossexualidade.

A segunda e marcante abertura judicial se deu na cidade de Bagé-RS,

quando o Dr. Marcos Danilo Edon Franco, Juiz da Infância e da Juventude,

possibilitou a constituição do vínculo legal de filiação, através da adoção, de

duas mulheres para com dois menores. Ambas convivem juntas, em união

afetiva sólida, há mais de oito anos, e uma delas já havia conseguido a adoção

de duas crianças. A decisão do magistrado revelou extrema sensibilidade e

coerência, ao estender, à companheira da mãe adotiva, o vínculo de

maternidade para com os menores, pois além de esses já estarem, de fato,

sendo educados e convivendo com ambas, o pedido da outra mãe sócio-afetiva

se baseou no claro desejo de compartilhar, juridicamente com sua

companheira, as mesmas responsabilidades e deveres jurídico-parentais para

com os pequenos. (DEUS, 2006)

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através de sua 7ª Câmara

Cível, negou provimento, por unanimidade, à apelação cível interposta pelo

Ministério Público, confirmando a possibilidade de adoção por casal

homoafetivo nestes termos:

Reconhecida com entidade familiar, merecedora de proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, tem como decorrência inafastável a possibilidade de que seus componentes possam adotar. (DEUS, 2006, p. 01)

Não é qualquer união ou namoro homossexual que pode ensejar tal

colocação definitiva de menor em seio familiar homoafetivo. A responsabilidade

do magistrado é extrema, em todos os processos em torno dos quais pairem os

interesses dos menores, pois deverá averiguar despedido de pré-julgamentos,

se a união afetiva dos candidatos à adoção revela ou não solidez, afetividade

edificante e equilíbrio. Não permitir que um casal homossexual integre a fila de

pretendentes a pais adotivos é flagrante desrespeito aos princípios

constitucionais de igualdade e do respeito a dignidade humana.

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CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como escopo principal enfrentar a polêmica

questão sobre a adoção de crianças e adolescentes por casais homossexuais.

Diante disso, foi necessário realizar uma análise envolvendo a referida questão

no ordenamento jurídico pátrio, verificando, em primeiro lugar, se a união

homoafetiva foi elevada pela Constituição Federal ao status de família.

Verificou-se no capítulo I do presente estudo, que a família brasileira

deixou o velho modelo patriarcal e hierarquizado pelo vínculo afetivo e de

cooperação mutua. Diante desse cenário, foi reconhecida pala Constituição

Federal como família a monoparentalidade e a união estável. O que se pode

notar é que o matrimônio não é mais requisito para a formação de uma família,

mas sim o afeto.

Se é de afeto que se forma uma família, não há como negar que as

uniões homossexuais são de fato uma família. Mesmo porque, muito se

assemelha com a união estável, reconhecida expressamente pela Constituição

como família, recebendo proteção pelo Estado e garantia de seus direitos.

Interpretar a Constituição de forma ampla, incluindo as uniões

homossexuais no conceito de família, é aplicar de maneira correta o princípio

da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade, garantindo a

essas uniões conseqüências jurídicas idênticas a s que foram atribuídas à

união estável pela norma constitucional.

Diante do princípio do melhor interesse da criança, que vigora no

ordenamento jurídico brasileiro por força do art. 5º, § 2º da Constituição

Federal, há que se deferir o pedido de adoção por casais homossexuais, pois

esse princípio garante que a adoção está voltada, principalmente, ao bem-estar

do menor, e, estando o menor inserido em uma família com laços de afeto,

estará suprido de suas necessidades básicas e do carinho e atenção que não

poderiam desfrutar nas instituições de abrigo.

No atual panorama jurídico, é possível se deferir o pedido de adoção

singular ou conjunto feito por homossexuais, por ter a Lei Maior contemplado a

família monoparental e, de forma implícita, a união livre, apresentando-se a

adoção como um corolário legítimo do novo status familiar. Não obstante,

mostra-se necessário que o legislador infraconstitucional regule a matéria,

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delimitando o alcance dessa proteção constitucional, de modo a garantir a

segurança jurídica que a vida em sociedade requer. Até lá, importante será o

papel desenvolvido pela jurisprudência e doutrina, fornecendo contribuição

para a futura legislação.

A colocação de uma criança ou de um adolescente em uma família

substituta, que lhe assegure condições saudáveis de convivência familiar e

comunitária, levou à constatação de que a adoção por homossexuais pode

igualmente conformar o atendimento dos melhores interesses da criança ou do

adolescente, na medida em que a sua inserção numa família composta por

pessoas homossexuais lhes assegura igualmente o acesso a uma gama de

outros direitos constitucionalmente a eles garantidos, tanto quanto o fazem as

famílias de pais homossexuais.

Ao se investigar os requisitos legais exigidos pelo Estatuto da Criança e

do Adolescente para a concessão da adoção de uma criança ou de um

adolescente, conclui-se que a adoção por homossexuais solteiros é

possibilitada pelo ordenamento jurídico brasileiro, posto que a lei não faz

menção a forma pela qual o adotante exerce a sua sexualidade. E a não

concessão da adoção somente por causa da orientação homossexual do

adotante revela-se uma discriminação arbitrária porque não contemplada pelo

direito da igualdade.

A partir da análise dos julgados que concederam a adoção a uma

pessoa homossexual sozinha, mas que viva com um companheiro chegou-se a

conclusão que são criados fortes vínculos afetivos entre a criança adotada e o

companheiro do seu pai ou da sua mãe, o que encaminhou o presente trabalho

a concluir que há necessidade de também se tutelar juridicamente esse

vínculo, pois assim se estará atendendo ao melhor interesse da criança já

inserida nessa modalidade de família.

Evidenciou-se, ainda, a necessidade do aprofundamento e da

continuidade da investigação e pesquisa nessa área do direito, para quem sabe

um dia, despidos de todo preconceito que circunda o tema, consiga-se abrir os

olhos de toda sociedade para a garantia e reconhecimento do direito a seus

iguais.

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REFERÊNCIAS

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