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  • 7/25/2019 Admirvel Mundo Novo e a IlhaII

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    XII Congresso Internacional da ABRALICCentro, Centros tica, Esttica

    18 a 22 de julho de 2011UFPR Curitiba, Brasil

    Admirvel mundo novoeA ilha: O Romantismo anticapitalista deAldous Huxley

    Prof. Dt. Evanir Pavloski (UEPG)

    ...

    Resumo:

    Em seus escritos utpicos, Huxley encontra o ponto de convergncia entre a crtica sociocultural e

    a capacidade imaginativa. Seja por meio do cenrio distpico e aterrador de Admirvel mundonovo, publicado em 1932, seja por meio da idealizao de uma comunidade, ao mesmo tempo,modelar e frgil em A ilha, de 1962, o autor analisa e questiona os rumos, os ideais e os smbolosdas sociedades modernas. Enquanto projeto de reconstruo social, a dico literria do autor se

    alinha a uma perspectiva crtica que Lukcs definiu como romantismo anticapitalista. Diante disso,

    o presente trabalho visa discutir as relaes de oposio e semelhana entre os dois romances de

    Aldous Huxley com o propsito de delinear no apenas a esttica literria do autor em sua vertenteutpica, mas tambm o seu pensamento crtico-analtico perante a expanso do racionalismo

    capitalista.

    Palavras-chave: Huxley, utopia, distopia, romantismo, capitalismo.

    1 Introduo

    Enquadrar os mltiplos aspectos que compem a obra de Aldous Huxley em um nicoconceito pode parecer, a princpio, excessivamente generalizador diante da longevidade do autor ede sua produtividade crtica e ficcional. Entretanto, justificamos o ttulo da presente seo de duas

    maneiras. Primeiramente, referimo-nos caracterizao que o escritor faz de si mesmo como umromntico tardio e seguidor incorrigvel de William Wordsworth, um dos fundadores do movimentona Inglaterra1. Evidentemente, tal influncia no pode ser apontada como o signo principal de toda asua bibliografia, mas, como demonstraremos, ela pode ser percebida como uma das caractersticasdas projees utpicas de Huxley. Alm disso, os dois romances que delimitam o escopo analticodo presente trabalho representam momentos nos quais o esprito romntico se mostra inicialmenteabrasado e, posteriormente, amadurecido.

    2 Perspectivas tericas

    Primeiramente, necessrio definir o conceito que utilizamos para caracterizar esses aspectos dopensamento do autor britnico: a concepo de romantismo anticapitalista criada por Lukcs analisada na obraRomantismo e polticade Michael Lwy e Robert Sayre, publicada em 1993.

    Na fonte dessa viso h uma reao de hostilidade realidade atual, umarecusa quase total, e, freqentemente, de grande intensidade afetiva, dopresente. Tal atitude extremamente crtica do real no presente determina osoutros elementos da temtica. Para definir o romantismo, fez-se muitas vezesuma enumerao ou uma configurao de temas presentes de maneira abstrata

    1Em uma palestra pronunciada em 02 de abril de 1959, trs anos antes da publicao do romance A ilha, Huxley afirma

    que: precisamos de uma esttica, uma sensibilidade organizada que polarize de maneira artstica nossas emoes emrelao ao mundo. Sou um velho e incorrigvel wordsworthiano; considero Wordsworth um dos quatro ou cincomaiores poetas ingleses, um homem que contribuiu com idias de enorme importncia sobre qual deveria ser nossarelao com o mundo (HUXLEY, 1977, p. 40-41).

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    e atemporal, sem se compreender que os aspectos que parecem ser os maispuramente espirituais ou intelectuais esto estreitamente ligados temporalidade. O romantismo comea como revolta contra um presenteconcreto e histrico (LWY et SAYRE, 1993, p. 20).

    Todo o potencial crtico que caracteriza os trabalhos dos autores includos sob a gide dessaperspectiva analtica deriva, em grande medida das frustraes e distores histrico-sociais queadvm com o sculo XX. Esse posicionamento, no raras vezes catalisado por um sentimento deestranhamento em relao nova conjuntura das sociedades, pode levar a uma posturacaracteristicamente nostlgica que pode encontrar a sua sublimao na idealizao utpica.Distingue-se, ento, um desejo de retornar as estruturas e formas de pensamento do passado comoforma de transformar o presente e construir o futuro. Como afirma o professor Paulo Soethe,

    A viso de intelectuais anticapitalistas romnticos caracteriza-se pela perda,pela convico de que faltam ao real certos valores essenciais que foram

    alienados. Muitas ezes essa alienao vivida como exlio, e a atitude geralvem marcada pelo desejo intenso de reencontro de um lar perdido, sob osigno da nostalgia. Anseia-se por um passado anterior ao capitalismo, e aidealizao desse momento pode transform-lo em utopia. dessa forma queo passadismo romntico pode representar um olhar para o futuro (SOETHE inCODATO, 2006, p. 34).

    Assim, o descontentamento com o ethospresente faz com esses romnticos desviem o olharpara uma poca considerada modelar na qual no havia os conflitos atuais. Os sentimentos dedeslocamento e estranhamento impulsionam uma nsia pelo retorno a esse tempo aparentementeperdido.

    Deseja-se ardorosamente reencontrar o lar, retornar ptria, e precisamentea nostalgia do que foi perdido que est no centro da viso romnticaanticapitalista. O que o presente perdeu existia antes, num passado mais oumenos longnquo. A caracterstica determinante desse passado sua diferenacom o presente o perodo em que as alienaes do presente ainda noexistiam. J que essas alienaes provinham do capitalismo tal como opercebem e concebem os romnticos, trata-se de uma nostalgia por umpassado pr-capitalista, ou, ao menos, por um passado em que o sistemacapitalista era menos desenvolvido do que no presente (LWY et SAYRE,1993, p. 22-23) [grifo do autor].

    Entretanto, essas caractersticas do pensamento romntico no estariam restritas aomovimento que se desenvolveu de maneira difusa no sculo XIX? Como a longevidade dessainfluncia pode ser verificada nas obras de autores da gerao de Aldous Huxley? Lwy e Sayre, aocaracterizarem a crtica ao capitalismo como um dos eixos centrais do romantismo, associam suaperenidade ao prprio desenvolvimento do sistema. Portanto, quanto mais as relaes sociais secondensam de acordo com a lgica capitalista, mais o discurso crtico se propaga

    Nenhuma das datas de encerramento que foram propostas para delimitar ofenmeno da viso romntica anticapitalista aceitvel: nem 1848, nem avirada do sculo, marcam o seu desaparecimento ou mesmo a suamarginalizao. tambm o que acontece com o romantismo nas artes: se nosculo XX os movimentos artsticos deixam de denominar-se assim, no menos verdadeiro que correntes to importantes como o expressionismo e o

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    surrealismo estampam o selo profundo da viso romntica. Se nossa hiptese que a viso romntica por essncia uma reao contra as condies devida na sociedade capitalista se justifica essa viso se estenderia ao prpriocapitalismo (LWY et SAYRE, 1993, p. 19-20).

    importante salientar que o romantismo anticapitalista no definido unicamente pelacontestao das estruturas presentes, mas tambm pela defesa de valores positivos que se buscaalcanar ou, mais comumente, recuperar. Esses princpios representam aquilo que, segundo asensibilidade romntica, foi perdido com a consolidao do capitalismo. O primeiro deles avalorizao da subjetividade individual diante da fragmentao, do isolamento e, ao mesmo tempo,da massificao do sujeito moderno.

    Ora, o desenvolvimento do sujeito individual est diretamente ligado histria e pr-histria do capitalismo: o indivduo isolado desenvolve-secom e por causa do capitalismo. Entretanto, a est a fonte de uma importante

    contradio da sociedade capitalista, pois esse mesmo indivduo por elacriado s pode viver frustrado em seu seio e acaba por revoltar-se contra ela(...) O romantismo representa a revolta da afetividade reprimida, canalizada edeformada sob o capitalismo, e da magia da imaginao banida do mundocapitalista (LWY et SAYRE, 1993, p. 26).

    O outro valor, aparentemente contraditrio, mas em verdade apenas complementar aoprimeiro, a unidade ou totalidade. Segundo a viso romntica, o sujeito alm de buscar aafirmao de sua individualidade, tambm necessita estabelecer uma relao equilibrada com doisoutros universos: o da natureza e o da coletividade humana. Essa perspectiva integradora sedesdobra, portanto, em trs nveis distintos, mas mutuamente dependentes para a realizao do

    indivduo, ou seja, o particular, o natural e o coletivo. Nesse sentido, o capitalismo seria um sistemaavesso integrao harmoniosa desses valores, uma vez que a explorao tanto da natureza quantodos seres humanos por meio da atribuio de funes scio-econmicas inviabiliza esse processo.

    O princpio capitalista de dominao e explorao da natureza est emcontradio absoluta com a inspirao romntica integrao e harmonia dohomem no universo. A aspirao recriao humana (considerada sobmltiplas formas: na comunicao autntica com outrem, na participao doconjunto orgnico de um povo Volk e do seu imaginrio coletivo expressonas mitologias e folclores, na harmonia social ou na sociedade futura semclasses etc.) a contrapartida da recusa da fragmentao da coletividade e do

    isolamento do indivduo no capitalismo (LWY et SAYRE, 1993, p. 27).

    Delineadas de maneira geral as caractersticas do romantismo anticapitalista, devemos agoradiscorrer especificamente sobre as particularidades que permitem a incluso dos romances utpicosde Aldous Huxley nessa corrente de pensamento romntica

    3

    Desenvolvimento

    A literatura de Huxley no se enquadra perfeitamente em nenhuma das categorias propostaspor Lwy e Sayre para as manifestaes do romantismo anticapitalista, ainda que elementos formaise temticos da escrita de Huxley remetam a diferentes obras dessa vertente crtica. Segundo os

    prprios autores, a organizao desse tipo de tipologia sempre envolve certo nvel de generalizaoe arbitrariedade.

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    Esta tipologia deve ser manejada com precauo, no apenas porque geralmente aobra de um autor no corresponde totalmente a nenhum dos tipos ideais o que inevitvel mas tambm por causa dos movimentos, transmutaes, negaes ereviravoltas to habituais no romantismo, que se manifestam pelo deslocamento deum mesmo autor de uma posio a outra no interior do espectro de cores romnticas

    anticapitalistas (LWY et SAYRE, 1993, p. 33).

    No obstante essa dificuldade tipolgica, a herana cultural do escritor, enquanto membroda chamada burguesia esclarecida, parece ter gerado um senso de responsabilidade crtica e decomprometimento com a discusso dos elementos problemticos da modernidade. Esse impulso serevela em seus textos ficcionais e, de maneira complementar, em seus diversos artigos e ensaios.Nesse contexto, os textos utpicos proporcionam no s um quadro geral dos principais conceitosde Huxley, mas tambm do seu crivo romntico e anticapitalista.

    We can use his early novels as a guide to an understanding of the post-World War

    One generation of the privileged classes, their frustration, their cynicism, theirdisillusion, their experimentation with different aims in life () They are peopledwith characters who are experiencing post-war (and post-Victorian) disenchantment,to whom it seems only too clear they can no longer believe in the old ways of doingthings, in the old social and moral structures, the old artistic conventions, but whoare uncertain, in some cases tormented, about what to put in their place2(CALDER,1976, p. 11).

    Assim, cabe-nos estabelecer aproximaes com os tipos propostos por Michael Lwy eRobert Sayre como forma de caracterizar a veia romntica inerente ao discurso utpico de Huxley.Para facilitar tais aproximaes, inverteremos a ordem cronolgica dos romances ao longo da

    anlise, uma vez que a distopia se insere em um gnero especfico e caracterstico do sculo XXque, em grande medida desconstri o discurso utpico tradicional.Em linhas gerais,A ilhapode ser vista como um arqutipo do discurso nostlgico que define

    em grande medida o romantismo anticapitalista. Como vimos, o impulso crtico desse grupo demodernistas denota um desejo de recuperao das estruturas slidas e da organizao social queantecediam a consolidao do capitalismo. Ao buscar no passado respostas para os aspectosquestionveis do panorama social contemporneo, esses autores atribuam ao seu prpriopensamento reacionrio as nuanas de idealizao utpica. Dentre as formas passveis de seremassumidas por essa atitude crtica, Lwy e Sayre definem um delas como

    Romantismo resignadoou desencantado, que compreende que o restabelecimento

    das estruturas pr-capitalistas impossvel e considera, mesmo se lamentandoprofundamente, que o advento do capitalismo industrial um fato irreversvel aoqual preciso se resignar. Segundo os autores, esse tipo de romantismo pode darlugar a uma viso trgica do mundo (contradio insupervel entre os valores e arealidade) ou uma atitude reformista que visa remediar certos males mais evidentesda sociedade burguesa, graas ao papel regulador de instituies de carter pr-capitalista (LWY et SAYRE, 1993, p. 30-31).

    2Traduo livre: Ns podemos usar os seus primeiros romances para entender a gerao das classes privilegiadas doperodo posterior Primeira Guerra Mundial, a sua frustrao, o seu cinismo, a sua desiluso, a sua experimentao

    com diferentes objetivos de vida (...) Eles so povoados com personagens que esto experimentando o desencanto ps-guerra ( e ps-vitoriano), para as quais parece muito claro que elas no podem mais acreditar nos modos antigos de agir,nas estruturas sociais e morais, nas antigas convenes artsticas, mas que esto incertas, em alguns casos atormentadas,sobre como preencher esse vazio.

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    Essa atitude reformista, fundamentada na justaposio de aspectos pr e ps-capitalistas,pode ser apreendida na narrativa utpica produzida por Huxley em 1963. Nesta obra, o autormistura elementos sociais de ambos os perodos e conceitos da cultura oriental para representar aidlica ilha de Pala. Contudo, o espao utpico figurado no texto no se mostra nem distante,temporal ou espacialmente, da modernidade capitalista, nem imune s suas influncias. Talconfigurao qualificaA ilha, segundo a tipologia de Jerzy Szachi, como uma utopia escapista comcertas caractersticas monsticas, ou seja, uma projeo que revela uma profunda frustrao com arealidade experimental e que se baseia na idealizao de um ethos que tenta preservar seusconceitos e costumes diante de uma ordem mundial tida como negativa.

    Utopias desse tipo so vez por outra elaboradas por indivduos bem integrados nasua sociedade, que fazem tudo o que ela exige, e que somente no sossego de seuquarto se deixam transportar em viagens para a ilha feliz (...) Em outras ocasies,no h dvida, trata-se de indivduos rebelados contra a sociedade, mas incapazes delutar contra ela com sua utopia nas mos (SZACHI, 1972, p. 23).

    Nesse sentido, a escolha do ttulo do romance, ao remeter obra de Thomas More, enfatizano apenas o resgate da tradio problematizadora do pensamento utpico, mas tambm o grau deisolamento, tanto geogrfico quanto tico, do ncleo social representado. Em sntese, a separaoespacial de Pala reflete o seu distanciamento do sistema de valores das sociedades que a cercam.Assim, o conflito que d progresso ao enredo justamente a incompatibilidade entre o modo devida da comunidade palanesa e os interesses que impulsionam o racionalismo capitalista inscrito namodernidade. Deriva da o carter trgico do romantismo anticapitalista do texto, uma vez que nodesfecho da obra o modelo social da ilha sucumbe diante das presses externas contra as quaistentava se resguardar. Devido riqueza mineral de Pala, a inevitabilidade dessa forosa integrao ordem mundial mencionada diversas vezes ao longo da narrativa at que, por meio de umainterveno, o processo de dominao iniciado efetivamente. Dentre essas passagens do texto,destacamos a previso resignada do Dr. MacPhail, uma das personagens centrais do ncleo utpico:

    A despeito das diferenas ideolgicas, as grandes potncias talvez prefiram ver Palasubordinada a Rendang e com o seu petrleo explorado, a v-la independente, pormsem permitir qualquer explorao. Se Dipa nos atacar, diro que foi um atodeplorvel, porm no levantaro um s dedo para det-lo. E quando formosdominados e os homens do petrleo forem chamados, ficaro realmente deleitados(HUXLEY, 1967, p. 141).

    Assim, obra de Huxley pode ser atribudo um conceito proposto por Lwy e Sayre quecontribui para a caracterizao de uma vertente da viso romntica anticapitalista: o irrealismo

    crtico. Segundo os autores, o realismo enquanto categoria no consegue abranger um nmeroconsidervel de textos que apresentam elementos no-realistas.

    Seria preciso introduzir um conceito novo, o irrealismo crtico, para designar aoposio de um universo imaginrio, ideal, utpico ou maravilhoso realidadecinzenta, prosaica e desumana do capitalismo, da sociedade burguesa/industrial. Atmesmo quando ela toma a forma aparente de uma fuga da realidade, esteirrealismo crtico pode conter uma potente carga negativa (implcita ou explcita)de contestao da nova ordem burguesa (filistia) em andamento (LWY etSAYRE, 1993, p. 15) [grifo do autor].

    justamente essa oposio entre uma realidade considerada negativa e um espaoidealizado que lhe serve, ao mesmo tempo, de modelo e de anttese que caracteriza a utopia deHuxley. Contudo, o autor transcende a simples descrio das diferenas entre os dois espaos e

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    aprofunda a sua perspectiva crtica ao representar a submisso forada de uma estrutura social pelaoutra. No romance em questo, o modelo utpico comprometido pelo avano irrefrevel da lgicaintervencionista e dominadora do capitalismo, elemento trgico do texto que, como vimos, se alinhacom as caractersticas romnticas salientadas por Lwy e Sayre.

    Por sua vez, Admirvel mundo novo representa uma tendncia da literatura utpica prpriado sculo XX que, segundo o entendimento de alguns autores como Martin Schfer, possui umaligao intrnseca com a crtica romntica.

    Besides its obvious function as a "superweapon of anti-communism," it is thisromantic influence which has given the antiutopia its name and its reactionaryreputation. Even to a "value-free" sociologist such as Schwonke, Romanticism andpolitical conservatism seemed to be as natural a pairing as science and utopianism atthe other end of the spectrum. There is no doubt about the extent of the romanticinfluence. The very atmosphere of the antiutopia is one of Gothic horror, only half-concealed in Brave New World by Huxley's irony, and devouring everything in

    Nineteen Eighty-Four.3(SCHFER, 1979, p. 287).

    Schfer acrescenta que uma ligao ainda mais profunda pode ser percebida entre oRomantismo e as antiutopias do sculo passado. Para o autor, a ascenso da burguesia progressistano Oitocentos o conflito entre os valores defendidos por esse grupo e sua ao efetiva na sociedadegeraram a deturpao dos ideais que sustentavam o conceito de razo. Assim, o autor coloca comofatores fortemente interligados o fortalecimento das classes burguesas e a realizao da utopiaprogressista sob os auspcios do racionalismo capitalista, aspectos que, como vimos, soimportantes para um melhor entendimento dos romances de Huxley e, de forma mais ampla, deconsidervel parte da literatura modernista.

    This is the problem with all politically progressive Romantics. Hoping, as they did,

    for freedom, democracy, and social justice, why did they not use the language ofreason? We have to consider the spiritual and political climate in those countrieswhere the bourgeoisie had actually come to power. This victory unleashed a veryreal "Dialectic of Enlightenment," to use Adorno's and Horkheimer's celebratedphrase. A total fulfillment of the promises of "libert, galit, fraternit" must haveendangered the new masters. Thus these ideals were converted into an ideology forSunday use, and the Enlightenment's belief in reason degenerated into simplisticrationalism4(SCHFER, 1979, p. 291).

    Diante disso, os distopistas problematizam a realidade social no pela inverso, mas pelaradicalizao de suas caractersticas. Ao contrrio da descrio do pas dos cavalos em As viagens

    de Gulliver, de Jonathan Swift, por exemplo, o espao ficcional de Admirvel mundo novono uma projeo invertida do universo experimental, mas uma projeo do nvel de especializao

    3Traduo livre: Alm da sua bvia funo como uma super arma do anticomunismo, essa influncia romntica quedeu antiutopia o seu nome e a sua reputao reacionria. Mesmo para um socilogo livre de valores comoSchwonke, o Romantismo e o conservadorismo poltico parecem ser to pares quanto a cincia e o utopismo do outrolado do spectrum. No h dvida sobre a extenso da influncia romntica. A prpria atmosfera da antiutopia aquelado horror gtico, apenas levemente ocultado em Admirvel mundo novopela ironia de Huxley e devorando tudo em1984.4Traduo livre: Esse o problema com todos os romnticos politicamente progressistas. Esperando, como eles, porliberdade, democracia e justia social, por que eles no usavam a linguagem da razo? Ns temos que considerar oclima poltico e espiritual naqueles pases onde a burguesia verdadeiramente assumiu o poder. Essa vitria libertou uma

    Dialtica do Esclarecimento bastante real, para usar a to celebrada expresso de Adorno e Horkheimer. Umcompleto cumprimento das promessas de liberdade, igualdade, fraternidade deve ter ameaado os novos mestres.Conseqentemente, esses ideais foram convertidos em uma ideologia para o uso dominical e a crena iluminista narazo degenerou em racionalismo simplista.

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    possvel de ser alcanado pelas estruturas capitalistas. Neste topos, elementos como aindustrializao, o consumismo e a instrumentalizao dos corpos em favor do regime sopotencializados e caracterizados como as bases de todo o arcabouo social.

    Dessa forma, o horizonte retrico nessas narrativas se constri pela apropriao do prpriodiscurso racionalista a ser criticado e pela representao das possveis conseqncias de suaconstante expanso. Por conseguinte, o perfil reacionrio das distopias no se define pela

    justaposio entre a realidade emprica e um ncleo social idlico, mas pelo esboo de um futuro aser consolidado pela manuteno das respectivas tendncias sociais. Assim, a crtica aoracionalismo capitalista se desenvolve atravs da percepo e da exposio dos elementosirracionais e arbitrrios que o compem. Once again, utopian hope for a rational society had totake on an irrational form. Since technological and social progress had been confused, since reasonhad seemingly become the instrument of institutionalized unreason, the antiutopians had to speak upfor true reason by way of speaking up for irrational things5(SCHFER, 1979, p. 292).

    Em Admirvel mundo novo, os mecanismos de controle so aplicados geneticamente ereforados ao longo de toda a vida, fazendo com que os paradigmas racionais que sustentam a

    estrutura social sejam naturalizados nos prprios indivduos. E para aqueles que conseguem dealguma maneira suplantar esse condicionamento, como as personagens Bernard Marx e John, OSelvagem, o exlio ou a morte so os nicos caminhos possveis. Em outras palavras, nacomunidade distpica de Huxley, a eficincia do sistema controlador imposto previne a organizaode individualidades ou movimentos de contestao.

    Alm do carter cientfico, coercitivo e no violento dos mecanismos de controle apresentadopor Huxley, o autor insere em seu universo ficcional outro aspecto importante para a sua inclusono pensamento romntico anticapitalista: o consumismo. EmAdmirvel mundo novo, o consumo deprodutos a base principal sobre a qual se sustenta o progresso industrial da comunidade. Por isso,o Estado Mundial no apenas estipula a sua obrigatoriedade, mas tambm desenvolve mtodos paranaturaliz-lo enquanto comportamento padro dos indivduos. Para tanto, Huxley descreve um

    processo sistemtico de internalizao de frases e jarges que incentivam o consumo desenfreado.Isso se d por meio de tcnicas como o condicionamento pavloviano e a hipnopdia. Assim, possvel afirmar que Huxley apresenta em seu romance uma naturalizao da lgica de consumo,propiciada, em grande medida, pela imposio cientfica de discursos semelhantes aos dapublicidade moderna.

    Huxley identified advertising as one of the formative influences on modern life ()Advertising was a direct expression of the capitalist, consumer society ethic andlinked with the tyranny of the machine () Right through Huxley's writings HenryFord is a symbol both of the machine age and of conspicuous consumption, and in

    Brave New World God has become Our Ford, money and machine inexorably

    linked. Money is one of the problems the new world has solved, for class isdetermined in the test tube and possessions are determined by class () Theproblems has been solved by rationalizing the status quo, confirming inequality in acleanly scientific way6(CALDER, 1976, p. 11, 12).

    5Traduo livre: Uma vez mais, a esperana utpica de uma sociedade racional tem que assumir uma forma irracional.Uma vez que a tecnologia e o progresso social foram confundidos, uma vez que a razo aparentemente se transformouno instrumento institucionalizado da anti-razo, os antiutopistas tinham que falar em nome da verdadeira razo por meioda fala de coisas irracionais.6 Traduo livre: Huxley identificou a propaganda como uma das influncias formativas da vida moderna (...) Apropaganda era a expresso direta do tica social capitalista e consumista e ligada tirania da mquina (...) De formadireta nos escritos de Huxley, Henry Ford um smbolo ao mesmo tempo da era da mquina e do consumo conspcuo e,

    noAdmirvel mundo novo, Deus se tornou Nosso Ford, o dinheiro e a mquina inexoravelmente ligados. O dinheiro um problema que o novo mundo solucionou porque a classe determinada no tubo de ensaio e as posses sodeterminadas pela classe (...) Os problemas foram solucionados por meio da racionalizao do status quo, confirmandoa desigualdade de uma forma cientificamente limpa.

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    Em sntese, a instrumentalizao da cincia, a naturalizao do consumismo e a rgida hierarquizaosocial constituem a base da estrutura distpica de Aldous Huxley. Nesse contexto, interessante perceberque tais elementos no so inverses, mas radicalizaes de tendncias que o autor apreendeu da realidadeexperimental no incio do sculo. Como afirma Calder, the social structure of society is based entirely onproduction and consumption. It is a logical extension of the capitalist consumer society that Huxley

    experienced in the 1920s7

    (CALDER, 1976, p. 54).Esse discernimento de Huxley assume um teor proftico quando o autor, em 1958, escreve uma srie

    de ensaios intitulada Regresso ao Admirvel mundo novo. Nesta obra, o escritor reavalia as reflexesdesenvolvidas em seu romance prvio e entende que a expanso do racionalismo capitalista e oaperfeioamento de seus mecanismos coercitivos no apenas se mantiveram, mas tambm seguiram umritmo muito mais acelerado do que ele acreditava ser possvel.

    Em 1931, quando o Admirvel mundo novo estava para ser escrito, achava-meconvencido de que restava ainda muito tempo. A sociedade completamenteorganizada, o sistema cientfico de castas, a abolio da vontade livre atravs de umcondicionamento comedido, a servido que se tornara aceitvel atravs de dosesregulares de felicidade artificialmente transmitidas, as ortodoxias propagadas em

    cursos noturnos ministrados enquanto se dorme estas coisas aproximavam-se taiseu as dizia, mas no chegariam no meu tempo, nem mesmo no tempo de meus netos(...) As profecias feitas em 1931 esto para realizar-se muito mais depressa do que eucalculava (HUXLEY, 2000, p. 15, 16).

    Diante dessa constatao, podemos compreender de forma mais representativa acomplementaridade retrica dos dois principais romances utpicos de Huxley. Se a prospecodistpica emAdmirvel mundo novose caracteriza por uma evoluo do sistema capitalista em umregime totalitrio, a destruio de uma comunidade como aquela representada emA ilhapor razespuramente econmicas pode ser entendida como um dos estgios desse processo. Em outraspalavras, a runa do idlio utpico pr-capitalista refora a crtica de Huxley sobre os paradigmas

    socioculturais do sculo XX. O fim da utopia desvela a realidade distpica que, na viso de Huxley,se constri sob o signo da lgica do capital.

    Concluso

    Diante de tudo o que foi exposto, percebemos que a dico literria de Aldous Huxley seinscreve de maneira aparente na linha de pensamento crtico designada por Lukcs comoromantismo anticapitalista. Seja pela comparao de seus textos com os princpios definidos porMichael Lwy e Robert Sayre, com a produo de outros autores que compartilham da mesma visoou com os distopistas do sculo XX, parece-nos indelvel um posicionamento, ao mesmo tempo,resignado e reacionrio de Huxley em relao ao capitalismo e suas respectivas idealizaes. Dessa

    forma, o autor britnico participa de maneira efetiva de um eixo representativo das profcuasdiscusses que permearam a modernidade nos ltimos sculos, processo dialgico que pareceencontrar em seus romances utpicos a sua mais instigante realizao.

    Referncias Bibliogrficas

    1] CALDER, Jenni.Huxley and Orwell: Brave New World and Nineteen Eighty-Four. London:Edward Arnold, 1976.

    2] CODATO, Adriano. (org.) Tecendo o presente. Curitiba: SESC Paran, 2006.

    3] HUXLEY, Aldous Leonard.A ilha. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1974.

    7Traduo livre: A estrutura social da sociedade baseada inteiramente na produo e no consumo. uma extensolgica da sociedade capitalista e consumidora que Huxley conheceu nos anos 20.

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    XII Congresso Internacional da ABRALICCentro, Centros tica, Esttica

    18 a 22 de julho de 2011UFPR Curitiba, Brasil

    4] _______________________. Admirvel mundo novo. So Paulo: Globo, 1995.

    5] _______________________. Regresso ao admirvel mundo novo. Rio de Janeiro: Itatiaia,2000.

    6] LWY, Michael; SAYRE, Robert.Romantismo e poltica. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

    1993.

    7] SCHFER, Martin. The rise and fall of antiutopia: utopia, gothic romance, dystopia. In:Science Fiction Studies, nmero 19, volume 06, p. 287-295. Greencastle: DePauw University,1979.

    8] SZACHI, Jerzy.As Utopias ou a Felicidade Imaginada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.