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o ADMINISTRADOR PROFISSIONAL E AS PERSPECTIVAS DA SOCIEDADE BRASILEIRA LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA mister que o Aovêrno o'uça e empregue os chefes de emprêsa na elaboração de seus planos", O em- presariado precisa ser estimulado e nãq msr4inali- zeâo:" - Gen, EDMUNDO MACEDO SOARES, Presiden- te do CNI, março de 1966, Ninguém nega a existência de administradores profissio- nais, mas é muito comum ouvirmos a afirmação de que a Administração não é uma profissão. HARBISON e MYERS, por exemplo, afirmam que a Administração não é uma profissão liberal, como a Advocacia, a Engenharia, a Medicina.' Torna-se difícil compreender semelhante po- sição. A Administração é sem dúvida uma profissão, desde que é uma atividade especializada, remunerada, com objeto próprio e constitui a fonte de receita, por excelên- cia, daqueles que a exercem. E um administrador de em- prêsas profissional é aquêle indivíduo que, sem possuir a propriedade de uma emprêsa, toma decisões com auto- ridade sôbre seus recursos humanos e materiais, plane- jando, organizando e controlando suas operações. É o homem que realiza essas funções especializadas em razão de sua competência profissional, e não por ser o proprie- tário da emprêsa ou por manter com êste relações de pa- rentesco ou amizade. LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA - Professor-Adjunto do Departamento de Administração Geral e Relações Industriais e Coordenador do Curso de Pós- Graduação da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, 1) FREDERIC HARBISON e CHARLJ!:s MYERS, La Direccion de Empre.. en el Mundo Industrial, McGraw-Hill, 1962, Nova Iorque: pái. 81.

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o ADMINISTRADOR PROFISSIONALE AS PERSPECTIVAS

DA SOCIEDADE BRASILEIRALUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

"É mister que o Aovêrno o'uça e empregue os chefesde emprêsa na elaboração de seus planos", O em-presariado precisa ser estimulado e nãq msr4inali-zeâo:" - Gen, EDMUNDO MACEDO SOARES, Presiden-te do CNI, março de 1966,

Ninguém nega a existência de administradores profissio-nais, mas é muito comum ouvirmos a afirmação de quea Administração não é uma profissão. HARBISON eMYERS, por exemplo, afirmam que a Administração nãoé uma profissão liberal, como a Advocacia, a Engenharia,a Medicina.' Torna-se difícil compreender semelhante po-sição. A Administração é sem dúvida uma profissão, desdeque é uma atividade especializada, remunerada, comobjeto próprio e constitui a fonte de receita, por excelên-cia, daqueles que a exercem. E um administrador de em-prêsas profissional é aquêle indivíduo que, sem possuira propriedade de uma emprêsa, toma decisões com auto-ridade sôbre seus recursos humanos e materiais, plane-jando, organizando e controlando suas operações. É ohomem que realiza essas funções especializadas em razãode sua competência profissional, e não por ser o proprie-tário da emprêsa ou por manter com êste relações de pa-rentesco ou amizade.

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA - Professor-Adjunto do Departamento deAdministração Geral e Relações Industriais e Coordenador do Curso de Pós-Graduação da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, da FundaçãoGetúlio Vargas,

1) FREDERIC HARBISON e CHARLJ!:s MYERS, La Direccion de Empre.. en elMundo Industrial, McGraw-Hill, 1962, Nova Iorque: pái. 81.

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Existem fundamentalmente três tipos de administradores:o administrador patrimonial, o administrador político eo administrador profissional," Essa é uma classificação se-gundo a natureza do poder que possuem.

O administrador patrimonial é aquêle cujo poder é deri-vado da propriedade. Nas primeiras fases do desenvolvi-mento do sistema capitalista êle se identifica com a figurado empresário. Depois, passa a identificar-se com a figurade seus filhos, parentes ou amigos.

O administrador político tem como base de seu poder oprestígio político. É comum nas emprêsas estatais dospaíses subdesenvolvidos e nas primeiras fases de desen-volvimento dos sistemas socialistas.

A medida que ocorre o desenvolvimento econômico,porém, as emprêsas crescem, sua administração torna-secomplexa, surge a necessidade de organizá-las em moldesimpessoais e formais. Em outras palavras, torna-se neces-sário burocratizá-las, racionalizar sua administração, di-rigi-las segundo estritos critérios de eficiência. E é nessemomento que os administradores patrimoniais e políticosperdem a razão de ser, transformam-se em obstáculos aoprocesso de desenvolvimento e acabam sendo substituídospor administradores profissionais.

É claro que em certos casos o administrador patrimonialou político pode realizar um treinamento formal ou infor-mal e transformar-se em um administrador competente,tão competente quanto o profissional. Em todos os paísesdo mundo, inclusive no Brasil, isso tem ocorrido. Constitui,todavia, a exceção. Não só o número dêsses administra-dores é absolutamente insuficiente para ocupar os postosadministrativos abertos pelo crescimento e multiplicaçãodas emprêsas, como também boa parte dêles não consegueadaptar-se às novas exigências tecnológicas, o que osobriga a ceder seus postos aos administradores profis-sionais.

2) Idem, ibidem, pág. 74.

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Os administradores profissionais surgem, assim, como re-sultado de uma imposição tecnológica. A elaborada e com-plexa tecnologia das grandes organizações modernas sópode ser administrada - vale dizer, só podem ser tomadasdecisões sôbre suas operações - por administradores pro-fissionais. Essa é uma condição de. eficiência, e o que dis-tingue as grandes organizações modernas, particularmenteas emprêsas, é o fato de para sobreviverem terem de seradministradas segundo critérios de eficiência.

Colocado o problema nesses têrmos, uma conclusão seimpõe. O que distingue os administradores profissionaisnão é a posse de um diploma, não é o fato de haveremrealizado um curso de Administração de Emprêsas. Temoscerteza de que um curso dessa natureza poderá ser deextraordinária ajuda, mas não é essencial. O que distingueos administradores profissionais também não é o fato deocuparem um cargo administrativo, de ocuparem uma po-sição de poder em uma organização. O que distingue, antesde mais nada, os administradores profissionais doa demaistipos de administradores é o fato de o seu poder emanarde sua capacidade pessoal, de sua habilidade de adminis-trar com eficiência.

A POSIÇÃO ESTRATÉGICA DO ADMINISTRADOR PROFISSIONAL

Uma vez que se atinja êsse status de administrador pro-fissional, porém, é indiscutível a posição estratégica dessaprofissão nas sociedades industriais modernas.

Há três razões fundamentais que asseguram ao adminis-trador profissional essa posição estratégica: o poder eco-nômico de que dispõe, o poder político de que pode dispore o papel fundamental no processo de desenvolvimento .econômico que desempenha.

O poder econômico dos administradores profissionais de-riva do contrôle que alcançam sôbre as grandes organi-zações econômicas e, em particular, sôbre as emprêsas,substituindo os administradores patrimoniais e políticos

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de forma quase total. Dois exemplos conspícuos do queafirmamos são exatamente os dois maiores países indus-triais do mundo atual: os Estados Unidos da América e aUnião das Repúblicas Socialistas Soviéticas. No primeiroa administração profissional substituiu a administraçãopatrimonial. Os administradores das grandes emprêsasnorte-americanas não são mais os seus proprietários. NaURSS a administração profissional substituiu a adminis-tração política. Os chamados "administradores verme-lhos", que controlavam as emprêsas por pertencerem aoPartido, foram afastados e, em seu lugar, surgiram admi-nistradores profissionais desligados do processo político.

Isso não significa que tenha havido plena separação entreo contrôle e a propriedade das emprêsas. Nos EUA, porexemplo, a grande maioria das emprêsas continua sobcontrôle último de seus proprietários, e na URSS êsse con-trôle cabe ao Govêrno. Mas, tanto os proprietários quantoo Govêrno foram obrigados - e no futuro o serão cadavez mais - a delegar êsse contrôle aos administradoresprofissionais, proporcionando-lhes uma autonomia cadavez maior. Ao invés de os proprietários delegarem o con-trôle das emprêsas a seus parentes e amigos e o Govêrnoa seus partidários políticos, tiveram de delegar o podersôbre as emprêsas, em sua quase totalidade, aos adminis-tradores profissionais. De forma que, na grande maioriadas vêzes, os administradores profissionais nos EstadosUnidos da América e mesmo na União Soviética (onde atendência recente é para uma liberação ainda maior)tomam suas decisões com autonomia sôbre as grandesorganizações que dirigem, detendo assim um imenso podereconômico, um extraordinário_poder sôbre os recursoshumanos e materiais empregados na produção.

O poder político dos administradores profissionais é oriun-do, principalmente, das possibilidades de se organizarem,nas sociedades capitalistas, em poderoso grupo de pressão.A política de grupos de pressão, exercida não só direta-mente sôbre os órgãos do Legislativo e do Executivo, mas

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também indiretamente, sôbre a opinião pública, atravésdo contrôle da imprensa e dos meios de comunicaçãomassal em geral, é típica das sociedades capitalistasavançadas.Através dos grupos de pressão, os grupos social-econô-micos defendem seus interêsses. Os administradores pro-fissionais, pela grandeza dos interêsses econômicos querepresentam e pelo próprio poder econômico de quedispõem, são levados naturalmente a constituir-se emgrupos de pressão, que se entrelaçam e se sobrepõem, po-dendo atingir, dessa forma, extraordinária soma de poderpolítico.

Finalmente, o papel que desempenham no processo dedesenvolvimento econômico é fundamental. Nos textossôbre desenvolvimento econômico é comum dar-se im-portância extraordinária aos empresários industriais, en-quanto que os administradores profissionais são-deixadosem segundo plano. De fato, o papel que desempenham osempresários, como inovadores, transformando o desenvol-vimento tecnológico em realidade, e como investidores,comandando o processo de acumulação de capital, é real-mente essencial ao processo de desenvolvimento eco-nômico.

Entretanto, para que o problema seja colocado em seusdevidos têrmos, é preciso distinguir entre empresário eatividade empresarial. O empresário industrial é uma fi-gura historicamente determinada, com característicaspsicológicas especiais, que surge em determinado momentodo desenvolvimento capitalista de um país para liderarsua revolução industrial, provocando o rompimento dareferida sociedade com suas crenças, valôres e métodosde produção tradicionais, e encaminhado-a no sentido dospadrões culturais das sociedades industriais modernas.Para exercer êsse papel o empresário executa duas fun-ções: êle inova e êle comanda o processo de acumulaçãode capital. Ora, a atividade empresarial é exatamenteessa ação de inovar, de integrar o desenvolvimento cíentí-

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fico e tecnológico ao processo de produção, de lançar novosprodutos no mercado, de partir em busca de novos mer-cados e, ao mesmo tempo, de tomar as decisões finais sôbreo processo de acumulação de capital, sôbre onde, quandoe quanto investir.

Para o desenvolvimento econômico o que é realmenteessencial é a atividade empresarial, não a figura do em-presário. Esta só é fundamental na fase da revolução in-dustrial, do arranco para o desenvolvimento de uma so-ciedade capitalista. Quando a revolução industrial temlugar dentro de um regime socialista ou de capitalismode estado, a figura do empresário perde sua importância.O mesmo acontece nas fases mais avançadas do sistemacapitalista, quando os administradores profissionaisassumem o poder decisório nas emprêsas.

Isso acontece porque, em qualquer fase do desenvolvi-mento de uma economia socialista e na fase posterior àrevolução industrial nas economias capitalistas, a ativi-dade empresarial, que é sempre necessária, deixa de sero resultado do trabalho individual de empresários schum-peterianos para transformar-se em atividade coletiva,exercida por administradores profissionais de emprêsas epor planejadores macro-econômicos. As tarefas empresa-riais de inovar e investir continuam a ser realizadas, masnão dependem mais da ação de indivíduos isolados, doempresário-capitalista clássico. À medida que a emprêsacresce e se descentraliza, o processo decisório se dividepor um número crescente de administradores profissionais,que passam a exercer a atividade empresarial como parteintegrante de suas funções burocràticamente definidas.Dessa forma, a própria atividade empresarial se institu-cionaliza, torna-se uma peça necessária do sistema econô-mico, dentro do qual se estabelecem pressões para queela continue a ocorrer.

Essa institucionalização da atividade empresarial ocorrequando, terminado o processo de revolução industrial eestabelecida a economia como bàsicamente industrial, co-

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meçam a ser exercidos dois tipos de pressões nesse sen-tido. De um lado, temos as pressões externas, represen-tadas pela concorrência, pela pressão social por maior taxade desenvolvimento econômico, pelo desejo de maioreslucros e pelo desenvolvimento tecnológico. De outro lado,temos as pressões internas, representadas pela burocrati-zação das emprêsas, através da atribuição formal de fun-ções a seus administradores, entre as quais as funções deinovar e investir. Quando êsse último fato ocorre, o papeldos administradores profissionais no processo de desenvol-vimento econômico cresce em importância, constituindomais um argumento no sentido de demonstrar sua posiçãoestratégica nas sociedades industriais modernas.

Os Administradores Brasileiros em Fase de Transição

No Brasil estamos iniciando uma fase de transição, naqual os empresários industriais começam a ter a seu ladoos administradores profissionais, participando de seu podere prestígio, e ganhando importância cada vez maior naexecução da atividade empresarial institucionalizada. ouseja, na promoção do desenvolvimento econômico do País.Não podemos afirmar que os empresários já estejam per-dendo seu poder e prestígio em favor dos administradôr~sprofissionais. Os empresários que, entre 1930 e 1960,realizaram a revolução industrial brasileira estão ainda,em sua maioria, vivos e ativos. Mas é indiscutível o apa-recimento, dentro do cenário econômico brasileiro, doadministrador profissional com expressão cada vez maior.

As três décadas da revolução industrial brasileira tiveram,sem dúvida, como líderes econômicos, desde o início, osempresários industriais e, numa fase mais adiantada, oGovêrno. Durante êsses trinta anos de radicais transfor-mações econômicas, políticas e sociais, o Brasil instaloutôda a sua indústria de consumo, tanto leve quanto pesada,e fêz avanços consideráveis no setor da indústria de basee na de bens de capital. A industrialização é, pois, um

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fato consolidado no Brasil. Novos valôres e nÕtYasideo-logias surgiram. O padrão de vida da população' urbanasubiu. Nossa posição semi-colonial em relação às grandesnações industrializadas já não tem razão-de-ser. Novasclasses sociais surgiram, especialmente uma poderosaclasse média. A sociedade se modernizou e se pluralizou.

Entretanto, quer a consolidação do desenvolvimento in-dustrial brasileiro, quer a crise econômica e política que,a partir de 1961, atingiu o Brasil, marcaram ambas o fimda revolução industrial neste País. Passamos então - eaté agora essa situação bàsicamente perdura - por umafase de crise generalizada. Ora, com o fim da revoluçãoindustrial, a figura do empresário começa a perder suaposição estratégica no processo do desenvolvimento. Êstese realizará, não tanto mais através da criação de novasemprêsas que, surgindo de um quintal, se transformamem gigantescos' empreendimentos industriais, mas atravésdo reinvestimento dos lucros das emprêsas já instaladas,do seu crescimento, de sua diversificação, de sua entradaem ramos novos. E é nesse momento de transição quecresce em importância o administrador profissional noBrasil.

Não nos referimos apenas aos administradores de nívelmédio. Êstes já constituem uma realidade indiscutível navida econômica brasileira. São uma das causas do extraor-dinário crescimento da classe média no Brasil. Falamosdos administradores de cúpula, dos dirigentes das em-prêsas brasileiras. Numa pesquisa de que participamos,"realizada junto a emprêsas de São Paulo com mais de 250empregados, verificamos que em 49% das emprêsas pes-quisadas existiam diretores que não tinham relações de

3) Essa pesquisa foi realizada pelos professôres FLÁVIO PENTEADO SAMPAIO,ARY RIBEIRO DE CARVALHO,ORLANDOFIGUEIREDO,HEINRICH RATTNER e peloautorvsob coordenação do primeiro, sob os auspicios da FAPESP _ Fundaçãode Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e do Centro de Pesquisas ePublicações da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, da Fun-decção Getúlio VI!lrgas. Os resultados preliminares foram publicados pelo Prof.FLÁVIO PENTEADO SAMPAIO na Revista de Administração de EmprêMs, n.? 12,sob o título "Profissionalização do Administrador Paulista". .

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parentesco ou amizade com seus proprietários. Da amostratambém faziam parte emprêsas estrangeiras, mas em 43 %das emprêsas nacionais existiam diretores que não tinhamrelações de parentesco ou amizade com seus proprietários.

Os administradores profissionais já são, portanto, uma rea-lidade no Brasil. As emprêsas podem continuar fechadas,familiares, como de fato continuam. Estão fechadas, noentanto, apenas ao capital externo. Aos administradoresprofissionais de cúpula elas foram obrigadas a abrir suasportas.

Quais as perspectivas para êsses administradores profissio-nais? A resposta a essa pergunta depende das perspectivasda sociedade brasileira como um todo.

A Revolução de 1964

Antes de proceder a uma análise das perspectivas da so-ciedade brasileira, convém rever as características funda-mentais da Revolução de 1964. Não pretendemos, comisso, afirmar que êsse movimento tenha sido de tal modoimportante que seja capaz de fornecer tôdas as coorde-nadas do futuro desenvolvimento econômico e social doPaís. Na verdade, sob o aspecto estrutural, a Revoluçãode 1964 só teve efeitos transformadores relativamenteprofundos no setor político. E mesmo aí sua ação teve deser limitada. Já nos setores econômico e social as transfor-mações estruturais foram de pouca monta. Tratando-se,como veremos um pouco adiante, de uma revolução fun-damentalmente de classe média, adotou uma posiçãoreformista, mas seu reformismo é extremamente mode-rado. Foram aprovadas leis de reforma agrária, tributáriae bancária, mas estas reformas, caraterizadas antes demais nada pela timidez, visavam, ao invés de uma redistri-buição forçada da propriedade da terra e da renda, sim-plesmente a uma racionalização do processo econômico.Por estranho que pareça, a própria política econômico-fi-nanceira do atual Govêrno, na forma em que aparece noseu Programa de Ação Econômica, é muito semelhante à

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do Govêrno deposto, definida no Plano Trienal. A grandediferença é que o Govêrno demagógico e incapaz doSr. JOÃo GOULARTnão teve condições políticas para levarseu plano avante, enquanto que o atual as teve.

Mesmo sem ter provocado modificações estruturais na sociedade brasileira, porém, a interpretação da Revoluçãode 1964 é essencial para uma análise de perspectivas. Foiela, antes de mais nada, uma revolução da classe média,mais especificamente da classe média superior ou tradi-cional que, embora menos numerosa, já existia antes darevolução industrial brasileira. Foi uma revolução reali-zada por militares, particularmente pelo Exército que,muito antes da revolução industrial, já era uma organiza-ção de classe média, e recebeu o apoio mais decidido dosfuncionários públicos graduados, dos funcionários de nívelmédio das emprêsas e dos profissionais liberais, que cons-tituem o cerne da classe média superior, além do apoioda classe empresarial e da velha aristocracia agrário-co-mercial decadente. Êstes dois últimos grupos, que consti-tuem a classe alta brasileira, não tinham condições deliderar a revolução: os primeiros porque em momentoalgum conseguiram liderança política no Brasil; os últimosporque, como já sugerimos, constituem uma classe deca-dente, sem maior expressão econômica ou política noBrasil atual.

A classe média tradicional tinha condições de realizar umarevolução, não só devido a seu contrôle das Fôrças Arma-das, mas também porque, durante todo o processo da revo-lução industrial, suas fileiras foram engrossadas por novoscontingentes. A revolução industrial, todavia, não benefi-ciou êsse grupo; foram os empresários, os operários urba-nos e a nova classe média que dela se beneficiaram nasemprêsas ou em pequenos negócios. Assim, a insatisfaçãoda classe média tradicional, somada à demagogia esquer-dizante, ainda que inconseqüente, do Govêrno deposto, eà sua ineficiência e insegurança, levaram-nos à Revolu-ção de 1964.

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Subiu, imediatamente, ao poder um grupo de militaresque logo chamaram para assumir os cargos econômicoschaves do País um grupo de técnicos. E o País passoupara o contrôle de militares e tecnocratas, dois grupos típi-camente pertencentes à classe média superior. Os em-presários foram excluídos do poder, assim como os demaisgrupos social-econômicos.

Entretanto, as classes médias não possuem, em geral, umaideologia própria plenamente definida. Possuem apenascertos valôres políticos isolados e particulares, que nãochegam a constituir uma ideologia. Por isso, adotam comoregra a ideologia da classe alta. No Brasil foi exatamenteo que fizeram. Especialmente a classe média tradicionaljá possui enorme quantidade de relações com a classe altasuperior, com a aristocracia agrário-comercial, de formaque lhe foi fácil adotar a ideologia dessa classe alta.

Resultou daí que a Revolução de 1964 representou, antesde mais nada, a consolidação do sistema neo-capitalistano Brasil. O desenvolvimento industrial já se havia con-solidado no segundo lustro dos anos cinqüenta. Entre-tanto, o aparecimento das esquerdas como fôrça autô-noma e sua tentativa imatura de assumir o poder duranteo Govêrno GOULARTpuseram em risco, ainda que lon-ginquamente, o sistema capitalista. A Revolução de 1964encerrou o debate, consolidando o sistema capitalista noBrasil.

Entretanto, o processo social continuou a desenvolver-se.Já vimos que a Revolução de 1964 aconteceu num mo-mento de crise econômica e política. Suas conseqüênciasmais imediatas foram exatamente o agravamento da criseeconômica e da crise política. No setor econômico tivemos,no comêço de 1965, a recessão mais grave que a históriado Brasil industrial registra. No setor político estabele-cia-se um sistema de supressão das garantias democráticas.Agravava-se, assim, a crise de representatividade, que sem-pre fôra crônica no Brasil.

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Perspectivas Econômicas e Políticas

Entretanto, êsse agravamento da crise econômica e polí-tica não deverá perpetuar-se.

Na análise das perspectivas econômicas e políticas da so-ciedade brasileira é preciso sempre levar em consideraçãoum fato fundamental: o Brasil já realizou sua revoluçãoindustrial, já superou bàsicamente suas estruturas políticas,econômicas e sociais tradicionais, semi-feudais, para in-gressar em fase de desenvolvimento capitalista relativa-mente avançado. É preciso que fique claro que não que-remos dizer com isso que o Brasil já completou seuprocesso de industrialização, ou que já alcançamos umalto grau de desenvolvimento industrial." O que queremosafirmar é, simplesmente, o seguinte: na história econô-mica dos países há um momento, um período decisivo,que pode durar de 20 a 40 anos, durante o qual se realizaa sua revolução industrial. Ocorre, então, um processo rá-pido de industrialização, que geralmente se inicia pelaprodução de bens leves de consumo e termina pela pro-dução de matérias-primas e equipamentos industriais pe-sados. Pode-se afirmar que êsse período de transição ter-mina quando o parque industrial do país alcança umgrau de diversificação suficientemente grande, de formaque o desenvolvimento de seus diversos setores se cons-titua em amplo processo de complementação, um setorestimulando o desenvolvimento do outro e vice-versa. Aofim dêsse período, o país deixa econômicamente de ser ummero exportador de produtos agrícolas e importador deprodutos manufaturados de consumo; sua produção indue-trial transforma-se em dado fundamental da economia na-cional; novas classes sociais surgem, a sociedade se plura-liza, rompendo-se o dualismo tradicional da oligarquiaagrário-comercial de um lado e da classe baixa, de traba-lhadores rurais, no outro; a classe média passa a ter voz

4) Cf. L. C. BRESSER PEREIRA, "Desenvolvimento Econômico e o Empre-sário", Revista de Administração de Emprêsas, maio/agôsto de 1962, n,? 4,págs. 79 a 92.

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ativa na política nacional; a classe baixa começa a par-ticipar do processo político, organiza-se em sindicatos;surgem novas ideologias, como o nacionalismo e o indus-trialismo.

No Brasil podemos localizar essa fase crucial de desen-volvimento entre 1930 e 1961. A crise de 1929, a depres-são dos anos trinta, e a Revolução de 1930 marcam oinício dêsse período. Durante a Primeira Grande Guerrajá ocorrera no Brasil um surto industrial significativo, masé só a partir de 1930 que a industrialização brasileiraganha definitivamente impulso. O qüinqüênio do fLovêrnoKUBITSCHEK marca a consolidação e o fim da revoluçãoindustrial brasileira. Depois do grande desenvolvimentoindustrial ocorrido então, o País já possuía um diversifi-cado e poderoso parque industrial. Já instalara tôda a suaindústria de bens de consumo, tanto leve quanto pesada,e fizera progressos extraordinários nos setores da indústriade base e de equipamentos. Por outro lado, a partir de1962, tem início no País o que chamamos de "crise bra-sileira"." Econômica e politicamente o País entra em crise,tornando-se clara a localização em 1961 do término darevolução industrial brasileira.

É certo que êsse grande desenvolvimento econômico esocial teve como centro São Paulo e Guanabara e comoâmbito mais direto de influência o Centro-Sul do País.Mas é indiscutível que, indiretamente, todo o País foiengolfado nesse rápido processo de transformação econô-mica e social cujas conseqüências para o futuro do Brasilseriam fundamentais, como veremos.

No setor econômico o fato de havermos completado nossarevolução industrial significa que o desenvolvimentoeconômico brasileiro já é automático, necessário e autô-nomo. Automático porque o estímulo ao reinvestimento,em busca de maiores lucros, já está plenamente inseridono sistema; necessário, porque êsse reinvestimento é uma

5) Cf. L. C. BRESSER PEREIRA, Desenvolvimento e Crise no Brasil, livroa ser publicado em breve.

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condição de sobrevivência para as emprêsas modernasem regime de concorrência e de rápido desenvolvimentotecnológico; autônomo, porque já produzimos a maioriados equipamentos necessários ao nosso desenvolvimento.Nesses têrmos nada deixa prever a paralização do desen-volvimento econômico brasileiro, a não ser que sobreve-nham condições econômicas desfavoráveis extraordináriase prolongadas, o que é pouco provável. A longo e a médioprazo o desenvolvimento deverá continuar. A estagnaçãoda economia brasileira a longo prazo, como muitos pre-viram, é impossível ou, pelo menos, extremamente im-provável.

Sintomático disso é o fato de a economia brasileira já ter,no segundo semestre de 1965, apresentado nítidos sinaisde recuperação. Não voltou ainda a funcionar em regimede plena capacidade e pleno emprêgo, já que uma sériede dificuldades ainda não foram removidas. Mas é per-feitamente possível que tal fato venha a ocorrer dentroem breve.

No setor político a Revolução Industrial e a conseqüenteconsolidação da industrialização brasileira teve como re-sultado principal possibilitar, através da Revolução de1964, que se consolidasse o sistema capitalista no Brasil.Ora, nos sistemas capitalistas dinâmicos, ou seja, nos siste-mas capitalistas que já ultrapassaram a fase de sua revo-lução industrial, a manutenção do sistema democrático-representativo é uma condição de prosseguimento dodesenvolvimento. Só em ocasiões de crise a classe altae a classe média concordam com uma solução ditatorial.Mas essa solução terá de ser passageira. Os motivos sãoevidentes. Sem a democracia representativa a ideologiaburguesa perde qualquer fundamento, qualquer pontoonde se apoiar. Por outro lado, a democracia representa-tiva é importante para garantir à burguesia e à classemédia a liberdade de obter lucros e alcançar posições depoder e prestígio, sem estar constantemente ameaçada pordecisões arbitrárias do poder governamental. Um sistema

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ditatorial só é viável a longo prazo em sociedades tradi-cionais, de regime oligárquico. Num sistema capitalistadinâmico o número de pessoas que participa (OU tem aspi-rações e oportunidade de participar) do poder econômicoe político, embora esteja longe de abranger todo o povo,é muito maior. Tôda a classe alta e amplos setores daclasse média incluem-se nesse grupo. Por isso, da mesmaforma que a concorrência e a livre-iniciativa constituemuma necessidade dos participantes dêsse grupo para quetenham oportunidade de atingir o poder econômico, ademocracia representativa constitui condição essencialpara que tenham possibilidades de atingir o poder político.E mesmo as condições de obtenção de riqueza e prestígiosocial para a classe média e a classe alta são muito maisfavoráveis num sistema democrático representativo doque num sistema ditatorial, em que necessàriamente pou-cos terão as oportunidades de obtenção de poder, prestígioe riqueza.

Ora, no Brasil, como já completamos nossa revolução in-dustrial, o capitalismo é do tipo dinâmico e a sociedadejá possui uma classe média poderosa e diversificada nossetores que foram atingidos pelo processo de industriali-zação. Ela é tipicamente uma sociedade plural. Por isso,a supressão a longo prazo das liberdades democráticas,que também muitos previram, é altamente improvável.A médio prazo o Brasil deverá caminhar para o restabele-cimento da democracia. O simples fato de as liberdadesnão terem sido totalmente suprimidas, apesar de fortespressões de amplos setores das Fôrças Armadas e da di-reita brasileira, ratifica o que afirmamos.

Obstáculos ao Desenvolvimento

As perspectivas a médio e a longo prazo, que decorremda própria estrutura econômica e política brasileira, são,portanto, a de retomada do desenvolvimento capitalistae a de restabelecimento da democracia representativa.Alguns obstáculos, todavia, se antepõem a isso.

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Temos, em primeiro lugar, os obstáculos a longo prazo,inseridos na própria estrutura econômica e política doBrasil. Citaremos apenas os principais, sem entrar em suadiscussão.

No campo econômico temos: o esgotamento das possibi-lidades de fácil substituição de importações, já que osnovos investimentos substitutivos de importação exigematualmente enormes somas de capital inicial, reduzindo-se,assim, as oportunidades de investimentos; perspectiva deredução da relação marginal produto-capital, ou seja, daprodutividade dos novos investimentos; a exclusão do mer-cado interno de aproximadamente 3/4 da população bra-sileira; a distribuição desigual de renda que dificulta aintegração dêsse mercado interno e constitui forma de in-justiça social; a estrutura agrária superada e muitos outrosobstáculos. No campo político e social temos: o analfa-betismo; a mobilidade social reduzida; a tradicional in-transigência e a falta de visão da classe alta brasileira; afalta de representatividade política dos governos; a faltade independência política internacional do Brasil etc..

Além dêsses obstáculos a longo prazo, cabe citar os obstá-culos ao desenvolvimento brasileiro que estão diretamenterelacionados com a estrutura de poder atualmente exis-tente, com o poder governamental, de um lado, e com osempresários, de outro. Do lado do govêrno, o primeiroobstáculo que temos a citar é o caráter paradoxalmenteanti-empresarial da ideologia governamental. O paradoxoestá no fato de a ideologia governamental ser capita-lista e a favor do sistema da iniciativa privada. Essa po-sição, todavia, é teórica. No fundo, os elementos de classemédia que controlam o Govêrno, sendo bàsicamente mo-ralistas, idealistas e conservadores, como é típico da classemédia, defendem o sistema capitalista por não verem outraalternativa, mas dificultam a obtenção do lucro privado,do qual não podem participar. Detestara o lucro capi-talista e a moral permissiva, a moral comercial, que geral-mente o acompanham. Adotam, assim, uma posição teôri-

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camente capitalista, mas pràticamente anti-capitalista. Ora,é impossível o sistema capitalista desenvolver-se sem quea atividade empresarial possa ser realizada em ambientefavorável, que possibilite grandes lucros e não imponhamuitos contrôles. Especialmente na fase de desenvolvi-mento econômico em que se encontra o Brasil, os empre-sários não investirão na quantidade necessária se essascondições não estiverem presentes. E a classe média nocontrôle governamental, com seu moralismo estreito e comseu desligamento do mundo dos negócios, não está dispostaa garantir essas condições. Pelo contrário, através da le-gislação tributária e penal, bem como de uma fiscalizaçãocom sanções penais, seu objetivo parece ser exatamenteo oposto.

Outro problema relacionado com a política governamentaldiz respeito à sua falta de flexibilidade. O motivo funda-mental pelo qual falharam as previsões marxistas relativasao empobrecimento crescente das classes trabalhadoras, aoagravamento da luta de classes e ao desmoronamentofinal do sistema capitalista está na grande flexibilidadeeconômica e política de que se revelou dotado êsse sistema.As previsões de MARX ter-se-iam cumprido se as caracte-rísticas econômicas e políticas do sistema capitalista queprevaleciam durante o período de sua vida houvessempermanecido estáveis. O sistema capitalista, todavia, re-velou-se dotado de extraordinária flexibilidade. Flexibili-dade econômica, adotando especialmente uma política sa-larial liberal, em parte por pressão dos sindicatos, em partepor sua própria iniciativa, e garantindo um contínuo de-senvolvimento dos mercados internos dos respectivospaíses e uma relativa paz social. Flexibilidade política,permitindo a manifestação e a participação na vida polí-tica de forma relativamente livre dos grupos de esquerdamoderada e de extrema esquerda, possibilitando a orga-nização sindical e, afinal, canalizando e institucionalizandoas formas de protesto social de acôrdo com padrõesaceitáveis.

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Ora, o Govêrno atual não revelou ainda essa qualidadeessencial ao sistema capitalista, a de ser flexível. Especial-mente no campo político sua inflexibilidade tem sido quasetotal. Ela tem sido possível, como tem sido possível com-bater a inflação, e como foi possível realizar a própriaRevolução, em virtude do desequilíbrio de podêres entreos detidos pelas Fôrças Armadas, de um lado, e pelosdemais grupos social-econômicos no Brasil, de outro. Mas,a longo prazo, essa inflexibilidade e êsse desequilíbrio defôrças não ajudarão o desenvolvimento econômico e socialdo Brasil. Pelo contrário, dificultá-Io-âo.

Do lado dos empresários, temos um obstáculo fundamen-tal: a alienação política da classe empresarial brasileira.Os obstáculos acima citados ao desenvolvimento econô-mico e social do Brasil de origem no atual Govêrno nãoexistiriam, nem se poderia falar em falta de uma mentali-dade empresarial por parte do Govêrno, nem tampouco deinflexibilidade política, se no poder estivessem os empre-sários industriais, em lugar da classe média superior desli-gada do prccesso de produção. No sistema capitalista onormal é que a classe empresarial tenha o contrôle econô-mico do País. Para que haja desenvolvimento econômicocapitalista é preciso que a classe empresarial tenha parti-cipação ativa no poder político. Ora, no Brasil os empresá-rios industriais estão alienados do poder político. Sempreestiveram. Em determinados momentos, como no GovêrnoKUBITSCHEK, foram chamados a participar do poder e setornaram seus grandes beneficiários. Não importam asrazões dessa alienação, o fato de os empresários industriaisbrasileiros não constituírem um grupo social homogêneo,o fato de terem origens sociais e étnicas as mais diversas,o fato de terem surgido apenas recentemente, o fato denão terem valôres e ideologia próprios, e imitarem os pa-drões culturais da aristocracia agrário-comercial deca-dente, o fato de suas organizações formais terem sido cria-das de cima para baixo (observe-se que, em São Paulo,enquanto que as duas organizações oficiais, criadas decima para baixo, respectivamente dos fazendeiros e dos

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comerciantes, são menos representativas do que as an-tigas associações não oficiais, a única entidade representa-tiva dos empresários industriais é a oficial). A verdade éque essa alienação existe, e constitui um obstáculo ao de-senvolvimento capitalista do Brasil.

UMA IDEOLOGIA EMPRESÁRIO-ADMINISTRATIVA

Vimos os obstáculos. Pergunta-se então: quais as proba-bilidades de superação dêsses obstáculos e, de modo geral,qual a possibilidade de superação da crise brasileira?

Acreditamos que a crise brasileira será superada, que odesenvolvimento econômico será retomado e as garantiasdemocráticas restabelecidas. Mas, para isso há uma con-dição: a de que o poder nacional deixe de concentrar-senum grupo tão limitado e tão social e econômicamente de-finido como atualmente. Ê preciso que outros grupos so-ciais voltem a participar do Govêrno. Ê preciso que osempresários, afinal, exijam sua parcela de poder, que ospolíticos voltem a ter voz ativa, que os grupos sindicais,em geral, possam novamente participar do diálogo demo-crático. Só com essa ampla democratização será possívelsuperar a crise política e a crise econômica brasileira.

A nós, para concluir, interessa-nos, particularmente, umaspecto dêsse problema: a participação da classe empre-sarial no poder e o papel dos administradores profissio-nais nesse sentido.

Os empresários industriais brasileiros constituem, hoje, umgrupo social-econômico fora do poder, desorganizado, in-capaz de desenvolver uma ação política com objetivos ediretrizes próprios. Mais do que isso, porém, os empresá-rios brasileiros são um grupo - se é que se pode falarem grupo destituído de um sistema de valôres particular- que lhes garante o reconhecimento social. Para conse-guirem êsse reconhecimento são muitas vêzes levados acasar filhos ou filhas com membros da velha aristocraciabrasileira. O mais grave, sob o aspecto político, porém, é

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que os empresários não possuem uma ideologia própria.Da mesma forma que se vêem na contingência de copiaros padrões culturais e morais da velha aristocracia e daclasse média superior, imitam também a ideologia políticadessas classes. E o resultado é uma ideologia conserva-dora, imobilista, colonialista e, o que é mais grave, inau-têutica. Inautêutica não apenas porque não atende aosinterêsses nacionais, mas porque não atende aos seus pró-'prios interêsses.Os empresários industriais brasileiros precisam, portanto,delinear os fundamentos de uma ideologia própria, queseja não só capaz tie uni-los, mas também suficientementeampla para abranger largas camadas das novas classesmédias, da classe operária e das correntes progressistas,em geral, da política brasileira. Existem, entre os empre-sários, alguns homens que poderão liderar êsse movirnen-to.Parete-nos indiscutível, porém, que sem a participa-çãodos administradores profissionais essa tarefa será ine-xeqüível.Os administradores profissionais possuem a êsse respeitotrês grandes vantagens sôbre a grande maioria dos empre-sários industriais: são, em geral, mais jovens, mais pre-parados intelectualmente e mais desligados de um mes-quinho sistema de interêsses imediatistas. Têm, todavia,uma desvantagem. Ainda são poucos os que atingiram asposições de cúpula, e sua autonomia é ainda relativamen-te pequena. Por isso, não vemos possibilidade ainda deos administradores profissionais constituírem fôrça políti-ca autônoma. Terão de aliar-se aos empresários indus-triais, dos quais dependem. Dessa aliança, todavia, desdeque não se confunda com subserviência, poderá resultaruma ideologia empresário-administrativa que poderá terinfluência decisiva no desenvolvimento econômico e so-cial do Brasil.

Essa ideologia deverá ser, antes de mais nada, progressista,ao invés de conservadora. No Brasil há pouco que con-servar e muito que reformar. Deverá ser também huma-

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nista no sentido de colocar em seu centro o homem e suasnecessidades. Deverá, finalmente, ser pragmática, nãoaceitando dogmas de nenhuma natureza e procurando paracada problema a solução aqui e agora mais adequada.

Os objetivos fundamentais dessa ideologia deverão ser obem-estar a ser atingido pelo desenvolvimento econômico,a liberdade (só possível através do sistema democrático),a igualdade de oportunidades (ideal longínquo do qual amelhor distribuição da renda e a educação para todos po-derá aproximar-nos) e a independência nacional, sem aqual nenhum dêsses outros objetivos poderá ser garantido.Nesses têrmos essa ideologia deverá ser desenvolvimentis-ta, democrática, social e nacionalista. Em têrmos mais es-pecíficos, deverá ser uma ideologia que afirme como va-lôres não só a livre iniciativa, a democracia representativa,a administração profissional, a eficiência e a justiça social,em têrmos genéricos, mas também o planejamento econô-mico, o investimento estatal nos setores básicos da econo-mia, o nacionalismo sadio, a autodeterminação dos povos,o respeito às obrigações trabalhistas, a educação para to-dos, o direito dos trabalhadores a bons salários e boas con-dições de trabalho, uma distribuição mais justa da renda,o pagamento dos impostos, a liberdade das organizaçõessindicais, a condenação de tôda discriminação, seja racial,religiosa, social ou nacional, a imaginação, a inovação e,através da liberdade, o próprio inconformismo e protestosocial.

Uma ideologia delineada nessas bases, aberta e progres-sista, adaptada às necessidades do Brasil e de seu povo,e uma subseqüente prática política, poderão assegurar aoPaís um desenvolvimento econômico e social continuadoe seguro em moldes bàsicamente capitalistas, ainda quecom ampla faixa de planejamento e contrôle estatal.

Acreditamos que uma política nesses têrmos é pràtica-mente a única alternativa para o desenvolvimento capi-talista do Brasil. Uma ideologia conservadora, que vise àmanutenção dos privilégios e dQS $tatu quo, dificilmente

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terá êxito no sentido de levar os empresários e adminis-tradores profissionais a participarem do poder político e,o que é ainda mais grave, jamais levará o Brasil e seu povoem rumo do desenvolvimento econômico, da igualdade deoportunidades e da liberdade autêntica.