administração pública gerencial

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Administrao Pblica GerencialDisciplina na modalidade a distncia

Palhoa UnisulVirtual 2005

ApresentaoParabns, voc est recebendo o livro didtico da disciplina de Administrao Pblica Gerencial. Este material didtico foi construdo especialmente para este curso, levando em considerao o seu perfil e as necessidades da sua formao. Como os materiais estaro, a cada nova verso, recebendo melhorias, pedimos que voc encaminhe suas sugestes sempre que achar oportuno via professor tutor ou monitor. Recomendamos, antes de voc comear os seus estudos, que verifique as datas-chave e elabore o seu plano de estudo pessoal, garantindo assim a boa produtividade no curso. Lembre: voc no est s nos seus estudos, conte com o Sistema Tutorial da UnisulVirtual sempre que precisar de ajuda ou alguma orientao. Desejamos que voc tenha um excelente xito neste curso! Equipe UnisulVirtual.

Ruth Terezinha Kehrig

Administrao Pblica GerencialLivro didtico

Design instrucional Carmen Maria Cipriani Pandini Karla Leonora Dahse Nunes Flavia Lumi Matuzawa

Palhoa UnisulVirtual 2005

Copyrght Uniul rual2005 i s Vit Nenhum aparedesapublc opodes r oduzi porqual m ei s apr aaut i t t ia er epr da quer o em vi orzao des ai tt t ns iuio.351.81 K35 Kehrig, Ruth Terezinha Administrao pblica gerencial : livro didtico / Ruth Terezinha Kehrig ; design instrucional Carmen Maria Cipriani Pandini; Flvia Lumi Matuzawa, Karla Leonora Dashe Nunes Palhoa: UnisulVirtual, 2005. 239 p., il ; 28 cm.

Inclui bibliografia. ISBN 85-60694-00-5 ISBN 978-85-60694-00-6

1. Administrao pblica Brasil. 2. Administrao pblica Brasil Histria. 3. Servio pblico. 4. Brasil Poltica e governo. I. Pandini, Carmen Maria Cipriani; Matuzawa, Flavia Lumi; Nunes, Karla Leonora Dashe. II. Ttulo.

Fihacat ogr i el adapel Bi i ecaUni st i daUniul c al fca abor a blot ver ira s

Cr tos diUni -- Uni si sul - ver dade do Sulde Santa Catari na Uni Vitual-- Educao Superora Di sul r i stnci a RuaJoo Per r dosSant ,303 eia os Pal SC 88130-475 hoa Fone/ ( 279-1541 e279Fax: 48) 1542 E-m ai:cur ovit @uniulbr l s rual s . Sie:www. rualuniulbr t vit . s . Rei Uni tor sul Ger on Lui JonerdaSiveia s z l r Vi Rei e Pr ce tor -Rei tor Acadm i co Sebas i Sal i Her to so dt Pr -Rei Adm i str vo tor ni ati Mar Vi ci A.daSiva cus n us l Fereia rr Cam pusTubar o Diet :ValerSchm izNet r or t t o Diet adj o:Al r or unt exandr Or eni e s Cam pusUni Vitual sul r Diet :Joo Vi r or anney Diet adj o:Juci ar Roeser r or unt m a l Adm i str ni ao Renat Andr Luz o Val i Ven o I o m r ci nci Bi i blotecra Uni Vitual i sul r Sor ArudaW alrck aya r ti Coor denao dosCur sos Adrano Sr o da Cunha i gi AnaLuiaMl t s ber AnaPaul R.Pacheco a Di M arlaFl m i va i em ng Els Fl m i Luz ia em ng Iam arPedr Beviaqua t o l Janet El Fels no e za ibi Juci ar Roeser m a l Laur Jos Balock o l Maur Lui Heer i z dt Maur Facci Fiho o oni l Maur Pacheco Fereia o rr Nlo Her ann i zm OneiTadeu Duta r Pat aAl t rci beron Raf Pet f daSiva ael efi l Raulno Jac Br ng i ni Desi Gr i gn fco Crs i Ner Gonal Ri r itano i ves beio ( denador coor ) AdranaFereiadosSant i rr os Al Sandr Xavi ex o er Hi GhiiLuci gor s ano Pedr Paul Al Tei r o o ves xeia Raf Pes i ael s Vis Mari Fiho lon tns l Equi Di co-Pedaggi pe dti ca Angelt Mar Fl es ia al or Car en M araCi i Pandi m i prani ni Car i Bats a olne it Car i HoelerdaSivaBoei olna l l ng Crs i Klpp deOlveia itna i i r Dal MaraAl Godoy va i ves Dani aEr M ont r W il el ani eio l Dni Fal deBit a co tencour t Els Fl m i Luz ia em ng Enzo deOlveiaM or r i r eia Fl aLum iM at vi uzawa KaraLeonor Dahs Nunes l a e Mr aLoch ci MaraIabelOr i i s ofno Pat aM eneghel rci SivanaDenieGui ar l s m es Tade-AnedeAm orm i Vi aneBas os vi t Vi aniPoyer vi M oni i e Supor tora te Harion Las ( denador rs ke coor ) Ar l Ar di aceli al Edion Rodrgo Valm s i i Gil Fr s deSouza sane as on JosaneConceio Leal i Raf daCunhaLar ael a Vanes aFr neCora s anci r Vi ci M aycotSer i n us afm Pr oduo I ndustrale i Log ca sti ArhurEm m anuelF.Siveia t l r Jef s Cas i Al ei da er on sano m da Cos a t Mar aLuzdeOlveia ci i r Pr etosCor ati oj por vos VandereiBr i l asl Secr i de Ensi a etara no Di stnci a KarneAugus aZanoni i t ( ecr radeensno) s et i i Andr daRos Mazi o eza a er Cara Crs i Sbar l l itna dela Gr i aMari asel tns Jam esM ar SivaRi r cel l beio Lam uni Souza MaiaM arnaMari Godi r i tns nho Mar el Per r c o eia Mar Al desM edeiosJuni cos ci r or MaraIabelAr i s agon Ri do Al car exandr Bi ni e anchi SivanaHenrqueSiva l i l Secr i Executi etra va Vi aneSchal aMari vi at tns Tecnol a ogi Os ardeOlveiaBr Jni m i r z or Rodrgo deBar osMari i cel tns Si Rodrgo Bas dnei i ei Edi - Li o Di co o vr dti Pr essor Conteudi of a sta Rut Ter nhaKehrg h ezi i Desi I uci gn nstr onal Car en M araCi i Pandi m i prani ni KaraLeonor Nunes l a Fl aLum iMat avi uzawa Pr eto Gr i oj fco Equi Uniul rual pe s Vit Iustr l ao Capa Equi Uniul rual pe s Vit Di am ao agr Pedr Tei r o xeia Revi so Hel s Dor l oia neles

SumrioApresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 Palavras da professora. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 UNIDADE 1 Estado e governo na introduo administrao pblica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 UNIDADE 2 Origens conceituais da administrao pblica . . . . . . . . . . 35 UNIDADE 3 Aspectos histricos da administrao pblica brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 UNIDADE 4 Polticas pblicas integradas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 UNIDADE 5 Funes e estrutura dos servios pblicos no Brasil . . . . 133 UNIDADE 6 Reforma do aparelho de Estado e administrao pblica gerencial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161 UNIDADE 7 Gesto por resultados e controle na administrao pblica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181 UNIDADE 8 Fatores culturais e modernizao do Estado e do seu financiamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203 Para concluir o estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221 Referncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223 Sobre a professora conteudista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227 Respostas e comentrios das atividades de auto-avaliao . . . . . . . . . . . . 229

Palavras da professoraA complexidade atual da administrao pblica brasileira, seus vcios e potencialidades so expresses da sua prpria historia. Quem no conhece a histria est fadado a cometer os mesmos erros e se expe ao risco de retroceder no tempo. Ao contrrio, estudar a administrao pblica brasileira, a partir da sua relao histrica com Estado e governo, significa reunir condies para poder compreender seu funcionamento e contribuir com a sua modernizao. E, ainda, refletir criticamente sobre essa nossa histria institucional, de forma atrelada aos valores e princpios de organizao do governo e da concepo de Estado que sustenta a sociedade civil brasileira, um direito e dever de todo cidado. Atravs do estudo desta disciplina, voc vai compreender o movimento atravs do qual a sociedade brasileira conquistou um Estado democrtico que se desenha entre burocrtico e gerencial, cada vez mais condicionado por uma economia capitalista globalizada. nesse espao que operam as polticas pblicas integradas, enquanto objeto de trabalho privilegiado da administrao pblica, cujo entendimento um requisito para no se perder de vista o sentido do trabalho na administrao pblica.Naltimadcadaassistimosaumamudanaculturalde orientaodaadministraopblicabrasileira,queno contextodareformadoaparelhodeEstadoemsuatrajetria recentenopasbuscaassumirumcartermaisgerencial atravsdeumagestoporresultados. Segundoaorientaoacima,busconessadisciplinaassimilar princpios,mecanismoseinstrumentosoperacionaisde modernizaodaadministraopblica,potencialmente aplicveisnareadaseguranapblica. Bonsestudos! ProfessoraRuth

Plano de estudo

EmentaIntroduo administrao pblica. Aspectos histricos da administrao pblica brasileira. Polticas pblicas integradas. Estrutura da administrao pblica. Atividades administrativas. Servios pblicos. Controle da administrao pblica. Gesto por resultados.

Objetivos da disciplinan

Distinguir os conceitos de Estado, governo e administrao pblica. Reconhecer as concepes histricas das formas de governo e a lgica da separao dos trs poderes, como base para entrada no campo da administrao pblica. Conhecer as bases histricas e conceituais correspondentes da administrao pblica. Compreender a administrao pblica brasileira e as suas implicaes na atualidade. Identificar o espao das polticas pblicas integradas como objeto de trabalho privilegiado da administrao pblica. Compreender a estrutura da administrao pblica brasileira e aspectos formais do seu funcionamento.

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Assimilar as bases constitutivas e formas operacionais das atividades administrativas nos servios pblicos Refletir sobre as potencialidades do controle na administrao pblica. Identificar as caractersticas da administrao pblica brasileira na dcada de 1990, conceituando reforma do aparelho de Estado e sua trajetria recente no pas. Assimilar as possibilidades de uma gesto por resultados na denominada administrao pblica gerencial. Compreender os fatores culturais da administrao pblica, distinguindo as perspectivas de uma nova viso cultural de administrao pblica brasileira. Assimilar princpios e instrumentos de modernizao da administrao pblica.

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Carga horrian

60 horas aula 4 crditos

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Cronograma de estudoUtilize o cronograma a seguir para organizar seus perodos de estudo. E no esquea de anotar as datas de realizao das atividades de avaliao.Semanas Carga horria EventosIncio da disciplina

AtividadesLeitura da mensagem do tutor no Mural e do Plano de Ensino Atividades no AVA Estudo da Unidade 1 do livro didtico Atividades de auto-avaliao Atividades no AVA Estudo da Unidade 2 do livro didtico

Datas-chave

Unidade 1 1 Unidade 2

Atividades de auto-avaliao Atividades no AVA Estudo da Unidade 3 do livro didtico

Unidade 3

Atividades de auto-avaliao Avaliao no AVA Estudo da Unidade 4 do livro didtico

Unidade 4

Atividades no AVA Atividades de auto-avaliao Estudo da Unidade 5 do livro didtico

Unidade 5 2 Unidade 6

Atividades no AVA Avaliao de auto-avaliao distncia Estudo da Unidade 6 do livro didtico Avaliao a distncia. Atividades de auto-avaliao Estudo da Unidade 7 do livro didtico

Unidade 7

Atividades no AVA Avaliao de auto-avaliao distncia Estudo da Unidade 8 do livro didtico

Unidade 8 Avaliao presencial

Atividades no AVA Avaliao de auto-avaliao distncia

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Avaliao presencial de 2 chamada Avaliao presencial final (caso necessrio)

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UNIDADE 1

Estado e governo na introduo administrao pblicaObjetivos de aprendizagemn n

Compreender o conceito de Estado. Conceituar governo e reconhecer a sua existncia objetiva na sociedade. Assimilar um significado introdutrio para a administrao pblica. Distinguir os conceitos de Estado, governo e administrao pblica.

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Sees de estudoSeo 1 O que Estado? Seo 2 O que Governo? Seo 3 O que Administrao Pblica?

Universidade do Sul de Santa Catarina

Para incio de conversaVoc sabe o que Estado? O que Governo? E o que Administrao Pblica? Veja a seguir o que estas expresses significam e o que elas tm em comum. No esquea de relacionar as concepes aqui apresentadas com os seus conhecimentos sobre o assunto.

Nesta unidade voc vai encontrar uma breve apresentao conceitual sobre Estado, Governo e Administrao Pblica. Estas concepes vm sendo construdas e reconstrudas historicamente e sua compreenso se faz necessria para entender melhor a contextualizao da Disciplina no prprio Curso. O estudo dos assuntos propostos nesta unidade de fundamental importncia para que voc possa compreender melhor a atual administrao pblica brasileira a partir da sua histria. Em cada pas essas relaes tambm se manifestam com peculiaridades especficas da prpria realidade histrico-institucional. Antes de iniciar, devemos admitir que artificial, mesmo sendo pedagogicamente justificado, discutir a administrao pblica, que processada pelo governo e segundo as diretrizes das concepes vigentes sobre o Estado, separadamente da ao poltica e mais propriamente das polticas pblicas que incidem sobre a mesma. E, sobretudo, por entender que a poltica faz parte da administrao, tanto na teoria como na prtica. - Vamos unidade 1, ento? Comecemos com o conceito de Estado.

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Administrao Pblica Gerencial

SEO 1 -O que Estado?Vrios sentidos tm sido atribudos ao Estado, destacadamente segundo sua estrutura interna, com os quais voc vai estar se relacionando gradativamente. Alguns dos adjetivos comumente utilizados para qualificar o Estado so os seguintes: Estado de direito, moderno, soberano, federado, aparelho de Estado, poder poltico, comunidade. Gradualmente, voc vai se familiarizando melhor com estas terminologias. Veja, a seguir, como se pode definir ou compreender Estado.

O significado do termo EstadoO termo Estado tem sua origem etimolgica no latim status, com seu significado assim apresentado por Saldanha (1979, p.11):A plenitude de direitos do cidado romano correspondia ao fato de se achar ele na posse do status familiae, do status liberatis e status civitatis: a condio de chefe de famlia e no dependente, a de homem livre e no escravo, a de cidado romano e no peregrino.

Ainda em Roma a velha expresso status rei romanae, designadora das condies da coisa pblica como um todo, figurou na definio do Direito Pblico [...] posteriormente retomada no Ocidente. Ou ainda, de acordo com Tremel (2001, p.17), os romanos entendiam o Estado como sendo a civitas, quer dizer:a comunidade dos habitantes ou a res publica, isto , a coisa comum a todos. Com o crescimento de Roma e sua conseqente expanso ao mundo ento conhecido, modifica-se o conceito de Estado que se amplia para o de imperium, convertendo-se a res populi em res imperantis.

Os primeiros registros da palavra status, j com alguma equivalncia ao que hoje denominamos Estado, podem ser encontrados na Itlia e Inglaterra ao final da Idade Mdia e incio da Idade Moderna.

Unidade 1

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Voc sabia que na Itlia do sculo 14 o termo Estado se unia ao nome de uma cidade, como por exemplo, il Stato de Roma? Segundo Tremel (2001, p.18) possvel que nesse caso o vocbulo correspondesse ao significado antigo de [...] status, isto , situao, ordem, condio, havendo algum informe, no entanto, de que no sculo 14, j se encontra na Inglaterra a palavra status como equivalente de Estado.

Segundo Bobbio (2001, p.65), antes da publicao da obra de Maquiavel (em 1531), o vocbulo Estado no havia obtido [...] a penetrao que alcanou a partir da poca renascentista, em virtude mesmo da aceitao, at a, de outros nomes pelos quais fora designada tal instituio. Segundo Menezes (apud TREMEL, 2001), a partir do sculo 16 o termo italiano stato se incorporou linguagem corrente, adquirindo foros de universalidade e se generalizou para designar qualquer Estado, por referncia a qualquer pas, e ainda, na traduo correspondente em qualquer lngua. A Maquiavel (apud SALDANHA, 1979, p. 11-12), o pensador poltico do final da Idade Mdia, atribuda a introduo ao uso moderno do termo Estado, por haver iniciado aquele autor o primeiro captulo da sua obra O Prncipe, com a conhecida afirmao: todos os estados e domnios que tm imprio sobre os homens, so repblicas ou principados. Aps o amplo reconhecimento da referida obra sobre poltica de Estado e governo, o uso do termo Estado se generalizou, passando a significar no mundo contemporneo a instituio de uma unidade de poltica global.O que significa um Estado, ento?

Considerando a complexidade dos sentidos do Estado, tanto que existe uma Teoria Geral do Estado, para a sua noo introdutria nesta disciplina vamos nos apoiar em uma viso genrica, quer dizer, de origem mais enciclopdica.

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Administrao Pblica Gerencial

Entre os diferentes planos em que pode se pautar o estudo do Estado-cincia jurdica, cincia poltica e cincias sociais vamos nos ater a este ltimo enfoque, por sua maior proximidade com as cincias sociais aplicadas, onde se insere a administrao pblica. A sociologia poltica tem por objeto o estudo do Estado, como forma complexa de organizao social (BOBBIO, 2001, p.57). Um conceito bsico de Estado pode ser o seguinte: Estado um conjunto humano, um territrio e um poder poltico juridicamente orientado para objetivos de interesse pblico (VERBO, 1968). A definio acima est baseada na teoria tradicional dos trs elementos do Estado:n

coletividade (povo); territrio; poder poltico (soberania).

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Ao fazer parte da sociedade, o Estado assume caractersticas dessa mesma sociedade. Assim como o Estado faz parte da sociedade, esta tambm faz parte daquele. nessa mesma perspectiva que existe o entendimento do Estado como sendo a sociedade politicamente organizada.A relao entre o Estado e a sociedade civil uma discusso fundamental, pois o Estado tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado territrio. So as diferentes formas de relao entre o Estado e a sociedade que atribuem o verdadeiro carter de qualquer Estado.

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Veja que como o poder poltico e a soberania so exercidos pelo governo, bastante corrente o entendimento do Estado como um todo, que pressupe a integrao dos seus trs elementos tradicionais:n

territrio; povo e governo.

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Dessa forma, a existncia do Estado pressupe uma estrutura de governo para conduzir o seu funcionamento e a sua administrao. O Estado significa uma estrutura instituda de sociedade poltica e o governo compreende a organizao estabelecida para o seu funcionamento, a ao do Estado.Voc poderia destacar qual o sentido da existncia de um Estado? Caracterize algumas funes do Estado. Use o espao a seguir.

Em nome do interesse coletivo, o Estado tem um papel social fundamental. Nessa perspectiva podemos citar Cruz (apud TREMEL, 2001, p. 19), para quem: [...] o Estado no , pois, outra coisa seno uma forma de vida humano-social, vida em forma e forma que nasce da vida. Efetivamente o Estado uma realidade scio-cultural, que se coaduna com um modo especfico da vida social, cultural e historicamente construdo. Nas palavras de Bobbio (1988, apud BENTO, 2004), reside a indagao: - Qual a razo ltima que explica porque em toda a sociedade organizada h governantes e20

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governados, cujo relacionamento se estabelece no como relao de fato, mas como um vnculo entre o direito de governar dos primeiros e a obrigao de obedecer dos segundos? A relao entre Estado e povo tende a uma relao de autoridade-sujeio, o que no quer dizer que tenha que ser assim. Segundo entende Hobbes (1988, apud BENTO, 2004), esse poder conferido ao Estado, pelo sdito, absoluto, pois se conservasse um pouco para si, instauraria a guerra, e somente pode ser exercido pela fora, pois s a iminncia do castigo pode atemorizar os homens. No entender de Hobbes o homem o lobo do homem, assim, cumpre proteger o homem dele prprio, a partir de preceitos racionais, que se consolidam na constituio de um Estado soberano. Voc concorda com esta afirmao? Vamos ver o que o diz Max Weber sobre o que seria um Estado. Atribui-se a Max Weber (1976, citado por BENTO, 2004, p. 11), no entanto, o conceito do Estado Moderno, que o entende como: uma associao de domnio, que tratou com xito de monopolizar, dentro de um territrio, a violncia fsica, como meio de domnio e que, para esse fim reuniu todos os meios materiais nas mos de seu dirigente e expropriou todos os funcionrios, que anteriormente dele dispunham por direito prprio, substituindo-os pelas suas hierarquias supremas. Neste conceito voc pode perceber algumas idias que permanecem at os dias atuais: o monoplio da violncia legtima; a diretriz de possuir um exrcito forte, para domnio do territrio; e, a existncia de um corpo de funcionrios, para servir o Estado. Voc concorda com esta afirmao? Pense nisso e depois siga adiante. Vamos analisar governo?

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SEO 2 - O que Governo?Alm de se constituir em um dos elementos do Estado, o governo compreende o conjunto de rgos que colocam o Estado em ao. Em geral, na contraposio entre Estado e cidados, existe um senso comum que considera o primeiro superior e os demais inferiores, salvo numa concepo democrtica radical onde governantes e governados identificam-se ao menos idealmente numa nica pessoa e o governo se resolve no autogoverno. (BOBBIO, 2001, p.62-63). Historicamente os escritores trataram o problema do Estado principalmente do ponto de vista dos governantes. Seja na percepo dos dirigentes das organizaes pblicas, seja do ngulo dos seus usurios, a populao, conforme afirma Bobbio (2001, p.63), de qualquer forma, sempre predomina a lgica do governo: Mesmo a metfora, empregada por Plato no Poltico, do governante-tecelo o fim da trama da ao poltica uma boa tecedura no escapa desta perspectiva: a arte de tecer aquela que indica a cada um as obras que devem ser terminadas.Atravs do governo se organiza o poder de Estado e as relaes entre os dirigentes governamentais e os governados. A relao entre Estado e sociedade , em grande parte, mediada pelo governo. Esse papel lhe atribui maior importncia para o estudo da administrao pblica, pois, em ltima instncia o governo o seu gestor.

A relao entre governantes e governados alm do seu carter poltico, ao ser mediada por uma estrutura organizativa, tem um contedo gerencial, levando-nos ao campo da administrao pblica. - Mas antes de avanar nessa relao com a administrao pblica, vamos retomar as formas de governo historicamente existentes.

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Quais so as formas de governo?As formas de governo, segundo Saldanha (1979, p.31-32), indicam os modos de organizao das relaes de poder dentro da ordem estatal; apesar de as estruturas estatais serem concomitantemente problemas de governo, e de a organizao do poder ser enfim um problema do Estado.Mas, afinal, o que quer dizer formas de Governo?

Segundo Dallari (1995, p.188), a caracterizao das formas de governo derivada da organizao das instituies que exercem o poder soberano do Estado e das relaes entre essas instituies. bastante comum encontrar na literatura especializada forma de governo e regime poltico como expresses sinnimas. Concordamos com o entendimento do autor acima citado de que a expresso formas de governo contm maior preciso para referir-se ao estudo dos rgos de governo, atravs da sua estrutura de sustentao e relao entre os seus componentes.Classificao das formas histricas de governo

A classificao das formas de governo pode ser feita tanto em funo da sua estrutura de poder como das relaes entre os rgos de governo. Existem trs tipologias clssicas das formas de governo: a de Aristteles (Antiguidade grega), a de Maquiavel (final da Idade Mdia) e a de Montesquieu (Idade Moderna). Em sua obra intitulada Poltica, Aristteles classifica os governos, segundo o nmero de governantes, em:

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Monarquia o governo de um, que degenera em TIRANIA. Aristocracia - o governo de poucos, que degenera em OLIGARQUIA. Democracia - o governo de muitos (a sua politia).

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Etimologicamente, a palavra democracia significa o poder (cracia) do povo (demos). Na obra O Prncipe Maquiavel reduz as trs formas de Aristteles em apenas duas: a monarquia e a repblica. Seu fundamento que a diferena essencial saber se o governo de um s ou de uma assemblia, seja esta constituda por poucos ou muitos. Duas formas clssicas de governo podem ser destacadas:n

Monarquia Repblica

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Na forma republicana de governo, segundo Maquiavel, tanto pode existir uma repblica aristocrtica, governada por poucos ou repblica democrtica, governada por muitos. Na repblica devem ser adotadas regras, como a do princpio de maioria, para se poder alcanar a formao da vontade coletiva.Repblica o governo de um coletivo, conforme REGRAS da maioria.

J Montesquieu, importante cientista poltico da Frana do incio da idade moderna, elabora outra tipologia e distingue trs formas de governo: a monarquia, a repblica e o despotismo. Ou seja, apenas agrega esta ltima forma clssica de Maquiavel e aprofunda a reflexo a respeito.

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Esta classificao de Montesquieu se diferencia das anteriores, na medida em que define o despotismo como o governo de um s, mas sem lei nem freio, em outras palavras como a forma degenerada da monarquia (BOBBIO, 2001). A contribuio de Montesquieu, preocupado com o funcionamento da mquina de Estado, acrescenta um novo critrio para distinguir as formas de governo, seu atrelamento aos princpios que levam as pessoas a obedecer: a honra nas monarquias, a virtude na repblica e o medo no despotismo. Ao ter sido adotada no sculo 19 por Hegel, a tipologia de Montesquieu foi revalorizada, em sua contribuio. Veja o que ele diz:[...] para o delineamento histrico da humanidade, que teria passado por uma fase primitiva de despotismo correspondente ao nascimento dos grandes estados orientais, para atravessar a poca das repblicas (democrticas na Grcia, aristocrticas em Roma) e desembocar nas monarquias cristiano-germnicas que caracterizam a idade moderna.

Pode-se reconhecer que existe uma maior sincronicidade entre monarquia e aristocracia do que entre esta ltima e a democracia. Isso se corrobora ao considerarmos o ponto de vista do ordenamento jurdico, conforme enunciado por Kelsen (apud BOBBIO, 2001, p.106), segundo o qual as formas de governo podem ser sintetizadas em duas: governos autocrticos e democrticos. Autocracia - o ordenamento a partir do alto (Monarquia ou Aristocracia), segundo normas autnomas, onde, apenas um livre. Trata-se do monoplio do governo por uma elite.o Despotismo Oriental de Hegel (op cit.)

Democracia - o ordenamento a partir de baixo, ou melhor, do povo. Quer dizer, na prtica, que muitas elites concorrem entre si pelo governo.

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a Repblica de Rousseau (op cit.)

Quais as formas atuais de governo?As formas histricas de governo precisam ser adaptadas para entender suas conformaes atuais, pois, quando Maquiavel escreveu que todos os Estados so ou principados ou repblicas, fazia uma afirmao que correspondia perfeitamente realidade do seu tempo e distinguia aquilo que era realmente diverso: a monarquia de Frana e a repblica de Veneza. Segundo Bobbio (2001, p.108), o esquema de Maquiavel, bastante adequado sua poca, deformaria o entendimento das formas de governo atuais, porque levaria a distinguir artificialmente aquilo que no facilmente distinguvel.a monarquia inglesa em relao com a repblica italiana.

Pode-se distinguir ento, na atualidade, trs formas de governo:n

Estado Monrquico - o grande Estado territorial moderno Repblica - dos antigos e dos pequenos Estados modernos Formas Mistas - metade monarquia (o Rei); metade repblica (o Parlamento)Inglaterra

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Na atualidade bastante comum a existncia de um governo presidencial nas repblicas, um exemplo o governo presidencial em repblicas EUA e Brasil. Isso enquanto algumas dessas naes no optarem pela forma parlamentarista, em que o chefe do Legislativo assume a

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chefia de governo, reservando-se ento ao presidente apenas a funo de chefe de Estado. Este seria o caso das repblicas parlamentaristas.o Brasil de Juscelino Kubitschek (apenas em 1961).

- A compreenso dessa ltima composio de governo exige compreender a relao entre os poderes que o compe. Vamos l?

O que a separao dos poderes?Primeiramente interessante voc perceber que ao representar todo o aparelho de Estado o governo compreende a sua estrutura de funcionamento, atravs da qual o Estado se organiza. Ao ser formado pelos rgos e instituies de Estado, faz parte do governo tanto os rgos executivos como os legislativos e judicirios. Quer dizer, o governo inclui os rgos e instituies que constituem os seus poderes - Executivo, Legislativo e Judicirio. O exerccio do governo se processa pela via da separao dos poderes, e, conforme consta na Enciclopdia Luso Brasileira, essa uma caracterstica do Estado de direito organizar-se pela via da separao dos poderes, segundo a qual a atividade pblica (Executivo) subordinada lei (Legislativo) que, em tese, se coloca a servio do Direito (Judicirio). Os fundamentos da separao de poderes colocam-se como resultado do combate ao absolutismo por pensadores que defendem a idia de que se deve evitar o governo nas mos de um s ou de poucos, pois este o princpio que leva tirania (DALLARI, 1986).A doutrina da separao dos poderes tomou forma no pensamento de Montesquieu, cuja obra contribuiu com a concepo de criao do Estado norteamericano, que visava formar um governo eficiente e, ao mesmo tempo, protetor dos direitos democrticos, sem colocar em perigo as liberdades republicanas.Unidade 1

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Segundo a contribuio de Montesquieu as funes de Estado deveriam ser distribudas entre trs ramos do governo, de maneira que nenhum deles [...] pudesse prevalecer sobre os demais e cada um se constitusse numa barreira para conter excessos de outro (ibid). Assim entendidos, efetivamente a existncia de um Legislativo, de um Executivo e de um Judicirio permite o seu funcionamento como um sistema de freios e contrapesos (ibidem). Ao ser entendido como a resultante da interao entre os trs poderes de Estado, cabe ao governo a sua administrao. Ou melhor, enquanto materializao organizacional do Estado, em quaisquer dos seus poderes, na estrutura do governo que se tem o espao da administrao pblica. - Agora que voc estudou os conceitos de Estado e Governo sob vrias perspectivas, teorias ou doutrinas, voc vai estudar administrao Pblica. Vamos ver como podemos defini-la?

SEO 3 - O que Administrao Pblica?A administrao pblica compreende um conjunto de pessoas, entendidas no seu coletivo, enquanto sujeitos pblicos, que articulados atravs de rgos e servios desenvolvem a atividade ou funo administrativa de gesto governamental que lhe compete. Por gesto pblica se entende todo e qualquer processo gerencial que vise a consecuo de aes e polticas pblicas assumidas, direta ou indiretamente, por um ente estatal. Compreende os processos de formulao, de planejamento, de coordenao, de execuo e ou monitoramento das aes governamentais. Pode ser caracterizada como gesto pblica estatal, no estatal ou terceirizada. (DARIO, 2004, p.15). Compreendendo o conjunto das funes necessrias ao servio pblico em geral, em sua acepo mais operacional, a administrao pblica se constitui no desempenho sistematizado das aes e servios prprios do Estado, executando-os com a intermediao do governo.

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Gesto pblica a administrao de organizaes do setor pblico, podendo as palavras gesto e administrao ser entendidas como sinnimas. Na gesto pblica se define:n

como se tomam as decises; como se implementam as polticas; e no simplesmente a manuteno organizacional e melhorias nos sistemas de controle administrativo; mas, tambm, como as organizaes pblicas se desenvolvem e so utilizadas.

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Plato, filsofo clssico da Grcia Antiga, j estudado na Disciplina de Introduo Segurana Pblica, comparava a arte de governar com a arte de navegar, de conduzir o barco. Pois, o exerccio do governo est pautado em duas grandes categorias: a poltica e a administrao pblica. Aqui vamos buscar entender a expresso da poltica apenas na administrao pblica, o que j no pouco. E para introduzir o estudo da prxima unidade sobre a histria da administrao pblica barasileira, retomamos a metfora de Plato, segundo a qual, para que o barco no afunde matando a todos, necessrio redimensionar o peso e auxiliar o timoneiro na conduo do leme, necessitando para tanto adaptar-se constantemente, em tempo real, s condies que por todo o tempo se modificam. (SERRES, 2000, apud BENTO, 2004).

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O que podemos pensar sobre a sociedade de hoje a partir da metfora de Plato? Tente relacionar o que ele diz s prticas atuais quando se trata de sociedade, governo, gestores ou rgos. O que diz Plato pode ser visualizado? Como? Pense nisso e escreva suas concluses no espao a seguir.

- A seguir, para concluir o estudo dessa unidade, voc vai ter a oportunidade de analisar as relaes entre Estado, governo e administrao pblica.

Quais as relaes entre Estado, governo e administrao pblica? importante voc notar que as diferentes concepes de Estado e suas implicaes na administrao pblica so mediadas atravs do governo. Como o Estado opera, sobretudo, atravs do governo e as aes de governo so materializadas atravs da administrao pblica, pode-se afirmar que a administrao pblica se processa no governo. Em sua funo gestora, para gerir servios e atividades pblicas, o Estado opera atravs do governo. E os instrumentos tericos, conceituais e metodolgicos utilizados pelo governo para cumprir seu papel, so desenvolvidos pela via da administrao pblica. Veja que a melhoria do gerenciamento pblico uma necessidade consensualmente reconhecida, o que coloca a importncia da contribuio dessa disciplina na compreenso dessas possibilidades. - Conseguiu compreender os conceitos situando-os no contexto da administrao? Voc percebeu que estas entidades so complementares? Uma est na outra e, que as definies dependem da forma como so compreendidos e vividos os paradigmas? Vamos a algumas atividades? Responda e depois confira para os comentrios.30

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Atividades de auto-avaliao1) Elabore com suas palavras um conceito de Estado que seja passvel de explicitar sua importncia na administrao pblica. Justifique sua resposta.

2) Entre as formas de governo existentes na atualidade, como se insere o Brasil? Justifique sua resposta comparando a condio brasileira com outros dois expoentes internacionais de formas de governo.

3) Comente e critique com as suas prprias palavras um conceito de Estado.

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4) Que governo e qual sua importncia na sociedade?

5) Elabore uma definio prpria para a administrao pblica.

6) Como se relacionam Estado, governo e administrao pblica?

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SnteseNesta primeira unidade voc aprendeu os conceitos de Estado, governo e administrao pblica, podendo distingui-los. A realidade da administrao pblica processada pelo governo, o que coloca o reconhecimento da sua existncia objetiva na sociedade. E o governo carrega em sua materialidade a concepo de Estado que lhe sustenta. Assim, a administrao pblica reflete o governo em que se insere e o Estado ao qual serve. No contexto dessas relaes voc pode aprender um significado introdutrio para a administrao pblica.

Saiba maisSe voc quiser adquirir um livro-texto bsico sobre os contedos abordados, sugerimos: BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da poltica. 9a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. [Coleo Pensamento Crtico, v.69]. Se quiser aprofundar seus conhecimentos sobre a relao entre Estado e governo leia: BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Braslia: UnB, 1988.DALLARI,DalmodeAbreu.Elementos de teoria geral do Estado. 9aed.SoPaulo:Saraiva,1982.

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Origens conceituais da administrao pblicaObjetivos de aprendizagemSituar a administrao pblica nos primrdios da histria da administrao. n Reconhecer as bases histrico-conceituais da administrao pblica.n n

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Conhecer os antecedentes da administrao pblica na Antiguidade e Idade Mdia. Reconhecer as formas estamental e absolutista do Estado que marcaram a entrada da administrao pblica na Idade Moderna. Perceber as implicaes das concepes de Estado na idade moderna sobre a administrao pblica.

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Sees de estudoSeo 1 Antecedentes da administrao pblica:dos primrdios da histria da administrao administrao pblica. absolutistas Moderna?

Seo 2 O Estado estamental e as monarquias Seo 3 Quais as concepes de Estado na Idade

Seo 4 O Estado na concepo de Weber

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Para incio de conversaVoc estudou vrias definies de Estado na unidade 1, ento j deve ter elaborado o conceito de Estado, no mesmo? Porm este um conceito bastante complexo e, por isso, no pode simplesmente ser generalizado. preciso assinalar suas diferentes concepes ao longo da histria, para melhor o compreendermos em sua definio. O papel e mesmo a definio do Estado tm mudado consideravelmente nas diferentes pocas da humanidade. Contudo, determinadas expresses persistiram e deixaram significativos resqucios na compreenso vigente de Estado que ainda incidem diretamente sobre a administrao pblica. Na unidade anterior, voc estudou as formas histricas de governo e percebeu o quanto a administrao pblica est atrelada concepo de Estado e ao governo que a sustenta. Assim, nesta unidade, vamos recobrar as principais concepes histricas sobre o Estado, uma vez que estas so pr-requisitos bsicos para a sua aprendizagem a respeito da administrao pblica brasileira. Partindo das expresses da administrao pblica, nos primrdios da prpria administrao e das concepes de Estado e Governo na Antiguidade e Idade Mdia, voc compreender como esses primeiros fragmentos que iro compor a tessitura da administrao pblica europia aportaram em nosso continente. Os estudos dos temas propostos nesta unidade, ratificamos, so vitais para que voc compreenda as implicaes das diversas concepes de Estado sobre a administrao pblica no Brasil com a respectiva gesto governamental que a acompanha h, pelo menos, cinco sculos carregando heranas de tempos ainda mais longnquos.

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SEO 1 - Antecedentes da administrao pblica: dos primrdios da histria da Administrao Administrao PblicaA histria da administrao pblica acompanha a formao do pensamento administrativo. Os antecedentes histricos da administrao a configuram como resultado de contribuies cumulativas das obras e teorias de muitos precursores, destacando-se os filsofos, fsicos, economistas, estadistas e empresrios. As estruturas orgnicas piramidais, por exemplo, que so no presente, amplamente incorporadas na composio do conhecimento administrativo, desde h muito j haviam sido adotadas e utilizadas para a concretizao dos empreendimentos militares, sociais, polticos, econmicos e religiosos de povos do passado. J em tempos idos, no topo da pirmide, estavam as funes reconhecidas como de autoridade e poder de decidir, enquanto na base, concentravam-se as funes de execuo.Um exemplo clssico do uso da estrutura piramidal, como forma de organizao utilizada h muitos sculos, pode ser encontrada no Antigo Testamento (xodo, cap.18, v.13-27). Naquela ocasio, o sogro de Moiss lhe aconselhava delegar suas funes para chefias intermedirias como forma de organizao para conseguir atender toda a multido que lhe procurava cotidianamente.

Segundo Chiavenato (1983), se quisermos observar os antecedentes da administrao na Antiguidade, podemos faz-lo vislumbrando obras que, hoje ainda, so consideradas monumentais e revelam em sua magnitude, no s a existncia, mas tambm a capacidade de seus dirigentes em planejar e guiar as pessoas para concretizar realizaes de tamanha grandeza. Estes antecedentes servem-nos como exemplos que demonstram a importncia de uma administrao eficaz e competente das coisas pblicas em diversos contextos histricos. Como fontes desses exemplos de organizao administrativa, podemos destacar:

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No Egito os papiros: importncia da organizao poltica. Na Babilnia controle escrito e salrio mnimo. Na China parbolas de Confcio, prticas para a boa administrao pblica. Na Prsia estudo de movimentos fsicos (Ciro), relaes humanas e manuseio de materiais. Roma descrio de funes (Cato).

Por meio da organizao da Igreja Catlica na Idade Mdia, podemos observar, por exemplo, a importncia de existir uma unidade em torno de propsitos e objetivos a alcanar, princpio que foi fundamental para a organizao eclesistica daquele tempo. Valendo-se de orientaes por meio de normas administrativas, bem como da hierarquia de autoridade e da coordenao funcional, sua estrutura tem sido, at os dias atuais, comumente bastante usada. Sempre prxima do Estado, quando no fazendo parte diretamente dele, ou se constituindo como tal o Estado do Vaticano, o modelo de organizao da Igreja Catlica, tem sido usado como referncia, tanto da administrao pblica, quanto da organizao privada. J outro exemplo, freqentemente usado na administrao pblica e geral como um todo, nos vem da influncia das organizaes militares, destas, destacam-se os seguintes princpios: a) organizao linear, b) a unidade de comando, c) a escala hierrquica, d) a autoridade e responsabilidade, ampliao da escala de comando frente ao volume de operaes, e) o planejamento e controle centralizados e a instituio de operaes; descentralizadas.

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Ainda possvel salientar a influncia dos filsofos nos antecedentes da formao do pensamento administrativo, demonstradas a partir das seguintes contribuies:Scrates: habilidade pessoal, conhecimento tcnico e experincia.n

Plato: Na obra, A Repblica: administrao dos negcios pblicos. Aristteles: Na obra, Poltica: organizao do Estado. Bacon (sc. XVI): mtodo experimental e indutivo. Descartes (sc. XVII): o poder da RAZO. Hobbes (sc. XVII): o homem o lobo do homem. Rousseau (sc. XVIII): o Contrato Social. Marx (sc. XIX): dominao econmica do homem pelo homem.

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A Administrao Pblica no perodo Feudal

Os acontecimentos relacionados Idade Mdia, que habitualmente estudamos na escola, diz respeito, sobretudo, histria da Europa. Durante este perodo, muito extenso por sinal, prevaleceu uma organizao a qual costumamos designar de Feudalismo. Da Idade Mdia, costumeiramente, dizemos que durou cerca de 10 sculos, 1.000 anos, portanto. Mas claro que no podemos imaginar que durante todo este tempo, a Europa tenha permanecido estagnada. A histria dinmica e muitas coisas aconteceram durante este perodo que so ainda, muito importantes para entendermos nossa maneira de pensar e agir na atualidade. Embora prevalecesse o feudalismo em quase todo o seu territrio, h partes da Europa que se organizaram de outras formas, sendo que o feudalismo no foi igual em todo o territrio e nem durou todo este tempo em todas as regies. Porm, sobre o feudalismo, h caractersticas que nos interessam especificamente porque algumas so permanncias que perpassam os tempos, sendo que observamos muitas de suas prticas ainda vigentes na sociedade ocidental, em se tratando de administrao pblica.

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Apenas como uma forma de estudo, a Idade Mdia tradicionalmente dividida em dois momentos histricos:n

a Alta Idade Mdia (sculos V a IX), em que surge o sistema feudal na Europa, cresce o Imprio Bizantino (Romano do Oriente) e se instaura a forma de Estado Teocrtico na Pennsula Arbica (o Islo); a Baixa Idade Mdia (dos sculos X a XV), em que os modelos acima se consolidam.

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No sistema feudal, o modo de organizao econmica, poltica, social e cultural baseou-se na posse da terra. Quem a possua, via de regra, possua o poder. Nesse contexto, intensificou-se a obrigao servil. Sobre as bases do sistema feudal, verifica-se:n

Prevaleciam as relaes de vassalagem e suserania. O suserano era quem dava um lote de terra ao vassalo, sendo que este ltimo deveria prestar fidelidade e ajuda ao seu suserano. O vassalo oferecia ao senhor, ou suserano, fidelidade e trabalho, em troca de proteo e um lugar no sistema de produo. As redes de vassalagem se estendiam por vrias regies, sendo o Rei o suserano mais poderoso. O regime de trabalho tpico da poca denominava-se corvia (trabalho forado). Todos os poderes, jurdico, econmico, militar e poltico concentravam-se nas mos dos senhores feudais, donos de lotes de terras (feudos). As relaes sociais eram bastante hierarquizadas. Quem nascia servo ou senhor, assim se mantinha por toda a vida (imobilidade social). Havia, ainda, outras classes sociais intermedirias destas duas condies de senhor e servo que eram: os viles, escravos e ministeriais, sendo que estes ltimos podiam ascender condio de cavaleiros.Como era o Estado durante o feudalismo?

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Havia uma soberania piramidal e fragmentria na estrutura da sociedade feudal. Esse modelo de organizao caracteriza-se em trs tipos: 1. poder poltico local, descentralizado em relao ao rei; 2. proteo dos senhores feudais, obtida pelo juramento de fidelidade a outros senhores, tornando-se estes ltimos suseranos (superiores) dos protegidos que passavam a ser seus vassalos (outros senhores subordinados aos senhores feudais seus protetores); 3. estrutura hierrquica piramidal, com o Rei no topo, num status que se relaciona exclusivamente com seus vassalos diretamente ligados a ele, como duques, marqueses e condes, sucessivamente, ficando no espao central da estrutura, os bares como suseranos dos cavaleiros. Foi nessa estrutura que tiveram origem, na sociedade ocidental, os reinados e a conhecida nobreza. O Estado feudal pode ser visualizado como um estado cujas funes diretivas estavam a cargo dos senhores feudais em seus diversos feudos, portanto bastante fragmentado, no existindo um poder central. Segundo Faoro (2001, p.36), no se pode considerar a organizao poltica da sociedade feudal propriamente como um Estado, da maneira que o entendemos hoje. Em suas palavras: [...] O feudalismo, significa, um acidente, um desvio na formao da nao politicamente organizada em relao ao nosso conceito atual de Estado. Assim, pode-se afirmar que: O feudalismo no cria, no sentido moderno, um Estado. [...] apenas concilia, na realizao da homogeneidade nacional, os privilgios, contratualmente reconhecidos, de uma camada autnoma de senhores territoriais (FAORO, 2001, p.36).

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SEO 2 - O Estado Estamental e as Monarquias absolutistasLentamente, o incremento das relaes comerciais acelerou um rompimento com a ordem feudal e forneceu subsdios para o aparecimento do sistema patrimonial. O Estado, na transio entre Idade Mdia e Idade Moderna, assumiu ento, duas formas intermedirias entre aqueles perodos histricos que apenas antecedem a futura organizao do Estado Moderno no final da Idade Mdia:n

Estado Estamental; Monarquias Absolutistas.

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Mas afinal, o que foi mesmo o Estado Estamental?

Stnde (do alemo) = rgos colegiados. A expresso estamento corresponde a grupos de uma mesma posio poltico-social. No estamento, a instituio Estado, representa apenas os interesses da categoria que o compe.

Foi uma forma transitria entre o Estado descentralizado caracterizado no feudalismo e o Estado absolutista. Tratase de um Estado comandado por estamentos, surgidos como decorrncia das caractersticas do sistema feudal em que se destacava a produo auto-suficiente de cada feudo e o poder poltico local independente. Dessa forma, os movimentos que levaram formao de outra configurao de Estado foram criando uma espcie de comunidade privilegiada em torno dos senhores feudais que, por sua vez, passaram a constituir estamentos, como se fossem castas superiores e, estas, foram se instalando na prpria organizao do Estado. Os direitos e privilgios do estamento eram pretensamente legitimados pela via de assemblias deliberativas. Como exemplos de estamentos, temos:Exemplo 1 Cmara dos Lords (nobres e clero). Exemplo 2 Cmara dos Comuns (estamento burgus).

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O estamento pode ser considerado um fenmeno da organizao do Estado, governo e administrao pblica, que ganhou expresso no modelo assumido, por exemplo, em Portugal no perodo das grandes navegaes e que atravessou mares at suas colnias. O estamento pode ser considerado um antecessor do conceito de governo, hoje adotado pelo senso comum na sociedade, pois, no estamento estavam reunidos os funcionrios administrativoeconmicos que comandavam os interesses do rei.O que foi o Absolutismo?

O Estado absoluto corresponde ao tipo de Estado consolidado pelas Monarquias Absolutas que imperavam na Europa do incio da Idade Moderna. Durante o sculo 16, estabeleceram-se estados absolutistas na Frana, Inglaterra e Espanha. comum pensarmos que nas concepes absolutistas tem-se um Estado sem intermedirios. Na realidade, no entanto, mais provvel existir uma monarquia moderada, uma vez que quase sempre persiste alguma forma de intermediao entre o monarca e seus sditos. No Estado absoluto tpico, verifica-se a existncia de uma rgida concentrao e mesmo centralizao do poder nas mos do Rei. No absolutismo os costumes so ditados pela vontade do Rei, uma vez que, s existem leis que sejam toleradas pelo soberano. A idia do poder aliado fora como uma ao exclusiva do Estado se manifestava no absolutismo, como tambm, o poder de impor tributos. No Estado absoluto o rei detm o poder central e o exerce sobre cidades, corporaes e sociedades particulares. O Estado absolutista promoveu um equilbrio entre as classes sociais que durante o feudalismo, via de regra, no existiam, que foram se constituindo acirrando disputas entre a velha nobreza feudal e a nova burguesia urbana comercial nascente. Vale discorrer que o absolutismo, propriamente dito, foi se formando pelo desenvolvimento do comrcio.Unidade 2

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As grandes monarquias absolutistas eram protegidas por seus exrcitos e funcionrios, mantidos graas cobrana de impostos nacionais e garantidos pela legislao que era codificada, segundo os interesses do reino. Com o passar do tempo e frente ao surgimento da sociedade industrial, as monarquias absolutistas consolidam-se sob uma outra lgica, a chamada lgica liberal capitalista, o que vai desembocar em uma nova forma de Estado at hoje existente, quer seja, o Estado Moderno.

SEO 3 - Quais as concepes de Estado na Idade Moderna?Apenas para facilitar sua localizao temporal, podemos afirmar que a Idade Moderna inicia, aproximadamente, com a poca dos descobrimentos, das grandes navegaes, quando o mapa mundi foi modificado com a incluso, por exemplo, das Amricas. Segundo Gruppi (1980), o Estado moderno ou unitrio dotado de um poder prprio independente comeou a se formar na segunda metade do sculo XV na Frana, Inglaterra e Espanha, posteriormente, alastrou-se por outros pases europeus, entre os quais, muito mais tarde, a Itlia. O autor afirma que:Como sempre acontece, s quando se formam os Estados no sentido moderno da palavra que nasce tambm uma reflexo sobre o Estado. Desde o comeo de 1500, temos Nicolau Maquiavel, que o primeiro a refletir sobre o Estado. No Prncipe de Maquiavel encontramos esta afirmao Todos os Estados, todas as dominaes que tiveram e tm o imprio sobre os homens foram e so repblicas ou principados. (GRUPPI, 1980)

Gruppi ainda destaca trs elementos caractersticos, que fizeram diferir o Estado moderno dos Estados do passado:

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1) a autonomia, plena soberania do Estado, o qual no permite que sua autoridade dependa de nenhuma outra autoridade. 2) a distino entre Estado e sociedade civil, que vai evidenciar-se no sculo XVII, principalmente na Inglaterra, com a ascenso da burguesia. O Estado se torna uma organizao distinta da sociedade civil, embora seja expresso desta. 3) O Estado medieval propriedade do senhor, um Estado patrimonial: patrimnio do monarca, do marqus, do conde, do baro etc. O senhor dono do territrio, bem como de tudo o que nele se encontra (homens e bens); pode vend-lo, d-lo de presente, ced-lo em qualquer momento, como se fosse uma rea de caa reservada.

Bobbio (2001) desenvolve uma tipologia que clssica, segundo a qual se podem categorizar quatro tipos de Estado: o feudal, o estamental e o absoluto (j estudados ao longo desta unidade) e o Estado representativo, que a forma predominante do Estado Moderno. O Estado representativo aquele que se configura tendo um representante do povo frente a uma nao. Ele pode se constituir por revoluo, por guerra civil ou ainda por caminhos democrticos. As formas mais conhecidas de Estado representativo, segundo Bobbio (2001, p.116), so:n

Monarquia constitucional; Monarquia parlamentar (surgida na Inglaterra, aps a grande rebelio, e no resto da Europa aps a revoluo francesa); Repblica presidencial (surgida nos EUA).

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No Estado representativo existe um compromisso entre o poder do prncipe (legitimado pela tradio) e o poder dos representantes do povo (a burguesia), que so legitimados pelo consenso. Nessa concepo, cabe ao Estado representar os interesses em nome dos direitos polticos e direitos individuais. Essa fase de transformao do Estado dura at os dias atuais.Unidade 2

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A representao de interesses se d em termos de direitos polticos. Os direitos individuais tambm so protegidos pelo Estado. A populao pode se voltar contra o Estado que a representa, cabendo-lhe o recurso da desobedincia civil. Na relao entre governantes e governados se expressa a concepo de Estado que a sustenta. De acordo com a viso de Estado formulada por Aristteles, como tambm as formuladas posteriormente, dentre as quais destaca-se o posicionamento poltico de Hegel, as partes antecedem o todo e no o todo s partes (BOBBIO, 2001). Dessa forma, se fundamenta o pressuposto tico da representao pelo Estado dos indivduos singularmente considerados e se rejeita a ascenso pelo Estado de grupos de interesses contrrios ao bem coletivo.

A ascenso do Estado modernoNa constituio do Estado moderno, segundo Verbo (1968), os fundamentos do poder estiveram assentados em trs atributos: 1) economia mercantil e monetria; 2) autoridade nas mos do prncipe; 3) conscincia nacional. A reestruturao da vida poltica na configurao estatal tem sido historicamente modificada, de forma mais sensvel, no mundo moderno, a partir das seguintes razes:n

a revoluo industrial; a existncia de instituies democrticas; a ascenso social e poltica das massas.

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A modernidade consistiu, tambm, entre tantos fatores, na criao de um Estado nacional, de modo a se institucionalizar em um regime poltico mais estvel e que fosse capaz de impulsionar e conduzir a modernizao social desvinculando-se, sobretudo, dos preceitos teolgicos.

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Foi Maquiavel (BENTO, 2004), o primeiro a divulgar a palavra Estado para designar uma organizao poltica, como entendida hoje, quando elaborou por meio de seu livro, O Prncipe, sua receita de conquista de poder para um prncipe italiano, que pretendia unificar a Itlia. Assim, rompendo com as teorias clssicas derivadas dos grandes filsofos da Antiguidade (Scrates, Plato e Aristteles), Maquiavel construiu uma nova teoria poltica fundada em sua experincia como diplomata e conselheiro dos governantes de Florena do sculo XV . Deste modo, esse novo conceito de Estado, como entendido atualmente, comeou a ser concebido a partir do sculo 16, como forma de dominao poltica. De acordo com tal entendimento sobre o Estado, foi conferido a uma instncia impessoal o direito exclusivo ao uso da violncia, para matar, vingar, reprimir, pressupondo existir em nome (e lugar) da coletividade. Conforme enfatiza Maquiavel, a comunidade poltica no constituda para o bem comum e a justia como diziam os pensadores gregos, romanos e cristos. Entende ele que o discurso do bem comum e justia serve para encobrir os interesses da classe dominante. O papel econmico do Estado est sempre se alterando, pois essencial: garantir os direitos de propriedade, os contratos, cobrir falhas do mercado, promover o desenvolvimento econmico para assegurar a estabilidade dos preos, da balana de pagamento, e uma poltica comercial e industrial geradora de competitividade internacional da economia nacional. Nessa perspectiva, Bresser Pereira (TREMEL, 2001) entende que o Estado deve, principalmente, garantir a igualdade de oportunidades e uma razovel distribuio de renda. O moderno Estado de direito burgus tende a reunir as seguintes caractersticas:n

diversos princpios e elementos na sua forma de governo (democracia, monarquia e aristocracia, repblica), na lgica dos governos mistos;

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poder religioso separado do poder laico, estatal; e, poder econmico separado do poder poltico, segundo o discurso neoliberal, passando para o mercado grande parte da responsabilidade social do Estado.

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O conceito de Estado originado em Maquiavel foi profundamente desenvolvido por Weber, cuja contribuio na concepo moderna de Estado voc vai estudar na prxima seo. importante observar que as principais modificaes introduzidas na reestruturao da vida poltica na forma estatal no perodo Moderno deram-se a partir de um conjunto de fatores advindos, sobretudo, das conseqncias sociais e polticas motivadas pela Revoluo Industrial, pela criao de instituies democrticas e pela ascenso social e poltica das massas de trabalhadores.Temos a continuidade do nosso estudo sobre o Estado Moderno nas sees seguintes, lembrando que mesmo sem especificar o adjetivo moderno, essa a forma histrica de Estado at hoje existente.

Estado de Direito QualquertipodeEstado,desdequeestejaconstitudoporLei,pode serconsideradocomoumEstadodeDireito.Temcomofundamentos bsicos(VERBO,1968):n

estar moldado sobre os direitos individuais naturais (liberdade, segurana e propriedade); estar subordinado a normas jurdicas.O Estado de Direito existe, basicamente, para delimitar e tutelar as esferas pessoais de ao e organizao dos seus dirigentes, evitando-se assim o arbtrio e o despotismo da autoridade (VERBO, 1968).

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Algumas terminologias so usadas para diferenciar as formas possveis de um Estado de direito. Detre elas podemos destacar:n

Estado material de direito; Estado liberal de direito; Estado burgus de direito; Estado nacional socialista; Estado fascista de direito; Estado de legalidade.

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interessante perceber que por mais imprescindvel que seja a condio de Estado de Direito, cuja manuteno deve ser defendida, ela no define o carter ideolgico ou moral e nem sequer efetiva a legitimidade desse Estado, apenas sua legalidade. Uma vez estabelecida a Constituio de um pas, sem discutir a sua legitimidade poltica ou democrtica, pode-se chegar mesmo a ter modelos de Estado totalitrios ou autoritrios que se autodenominam como Estados de Direito. So Estados que de tal modo se constituram por instrumentos da legislao do pas, mesmo quando tenha sido modificada em condies excepcionais e por desrespeito legislao anterior, mas mesmo assim so reconhecidos, inclusive, por outros pases.Como exemplo tivemos um Chile democrtico, com um governo socialista at 1973, que por um golpe militar foi derrubado. Os militares derrubaram assim, tambm, a Constituio vigente e, logo aps, foi decretada uma nova constituio pelo governo militar do general Augusto Pinochet. Este Chile, ps 1973, depois de um primeiro momento do perodo de exceo, at a elaborao de uma outra constituio, mesmo sendo uma ditadura, tornava-se deste modo um Estado de direito (legalmente amparado), como o anterior Estado socialista democraticamente institudo tambm o fora.

Perceba, ento, que a qualificao de Estado de Direito trata de uma graduao referida a uma condio poltica-administrativa,Unidade 2

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como ocorreu tambm nos totalitarismos ou autoritarismos do sculo 20, aps a Segunda Guerra Mundial, o mesmo contexto em que, por outro lado, tambm surgem ou se fortalecem os Estados Sociais (VERBO, 1968), que vamos estudar na seo subseqente.Como exemplo, pode-se citar no primeiro caso, o Estado totalitrio na Espanha de Franco e, no segundo caso, a Frana social democrata.

O princpio democrtico exige uma preocupao constante em reafirmar e garantir os direitos fundamentais da populao. Isso se efetiva pela via da melhor submisso dos rgos do Estado s normas jurdicas, com reforo de sistemas de fiscalizao e das regras constitucionais (VERBO, 1968). por isso que se constata, conforme foi previsto por Weber no incio do sculo 20, que a democracia implica aumento da burocracia estatal. Por outro lado, para o desenvolvimento do princpio democrtico, preciso que a legislao seja efetivamente a expresso da vontade soberana do povo, o que historicamente se representa pelo Parlamento (VERBO, 1968). Sabe-se que, nas sociedades atuais, no tem sido assim a histria da representao poltica de direito. A rigor, para um uso legtimo da qualificao de Estado de Direito, implicaria reconhecer e assegurar: os direitos fundamentais do Homem, a independncia dos tribunais, a legalidade da administrao (VERBO, 1968). Contudo, na realidade, estes princpios nem sempre tm sido respeitados. Entre as tantas expresses possveis de um Estado de Direito, interessa estudar nesta unidade uma configurao especfica, por ser a existente em nosso pas um Estado Federal. Esse tema voc estudar na unidade 3. Antes, porm, voc ir buscar nas bases histricas, nos aspectos sociais, polticos, econmicos e culturais como vai se constituir o Estado brasileiro, o que voc comear a estudar na prxima unidade.50

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SEO 4 - O Estado na concepo de WeberNo sculo 19, anterior ao nascimento da chamada administrao cientfica, houve produes especficas sobre diferentes problemticas sociais. Nesse tempo, vimos surgir uma diferenciao entre a administrao pblica e empresarial o que deu espao para o reconhecimento de posies mais originais acerca da administrao e mesmo da necessidade da criao de teorias especficas sobre administrao. Como exemplo de alguns tericos daquele perodo, destacamse Fayol e Weber, autores clssicos da formao do pensamento administrativo no incio do sculo 20, que claramente indicavam a aplicao da teoria das organizaes para qualquer esfera. As teorias de administrao tm aplicao genrica nos mais diversos tipos de organizao, cabendo a cada setor de produo, absorver referenciais e modelos de gesto, segundo sua disponibilidade de acesso e oportunidades. Max Weber, mestre em economia, socilogo, historiador e cientista poltico um autor muito importante para o estudo desta disciplina. Voc ainda vai conhecer mais sobre suas contribuies nas prximas disciplinas, destacando-se a sua viso poltica e a sua explicao do modelo burocrtico. Para Weber (2002), o Estado, sociologicamente no se deixa definir por seus fins. [...] a no ser pelo especfico meio que lhe peculiar, da forma como , peculiar a todo outro agrupamento poltico, a saber, o uso da coao fsica. De acordo com Weber, o estado contemporneo uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado territrio [...] reivindica o monoplio do uso legtimo da violncia fsica (2002).O monoplio do uso legal da fora passa a ser a caracterstica fundamental que diferencia o Estado de outras instituies.

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A dominao organizada necessita tanto de um estado-maior administrativo (organizao de dominao poltica), quanto dos meios materiais de gesto (WEBER, 2002). Entre os motivos de obedincia, Weber destaca a busca pela retribuio material e pelo prestgio social. Assim sendo, o medo de perder o conjunto dessas vantagens o motivo decisivo da solidariedade que liga o estado-maior administrativo aos detentores do poder. Para conquistar a estabilidade da dominao por violncia, faz-se necessrio dispor de certos bens materiais. Weber (2002, p.64) define duas categorias de administraes:n

os proprietrios dos instrumentos de gesto, que formam o Estado maior; os privados dos meios de gesto, que so os funcionrios, e seu dirigente apenas ocupa um cargo pblico.

n

O elemento fora , portanto, essencial existncia do Estado na concepo weberiana. Contudo, Weber entende que no basta a fora, preciso que ela seja legtima. Para o mesmo autor, existem trs formas de legitimar a autoridade: 1. o poder carismtico, 2. o poder tradicional e a 3. racionalidade legal, Dessa forma, Weber diferencia dois tipos de Estado, pela perspectiva do seu poder:n

o poder patriarcal e patrimonial, que leva ao despotismo de Estado; os estados de estrutura burocrtica, pressupondo o desenvolvimento racional do Estado moderno.

n

No governo, o poltico atua, segundo Weber (2002, p.71), como uma espcie de empreendedor, pois so distribudos

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[...] empregos de toda espcie [...] pelos chefes de partido a seus partidrios, pelos bons e leais servios prestados. No so, por conseguinte, as lutas partidrias apenas lutas para consecuo de metas objetivas, mas sim, a par disso, e acima de tudo, emulao para controlar a distribuio de empregos.

Cabe destacar que essa configurao poltica dos governos afeta diretamente a administrao pblica. O mesmo autor afirma que, segundo o desenho burocrtico da racionalidade, a priori, se inviabilizaria a corrupo.Ope-se a essa tendncia, no entanto, o desenvolvimento moderno da funo pblica que [...] exige um grupo de trabalhadores intelectuais especializados, altamente qualificados e que se preparam, durante muito tempo (para realizar a sua) tarefa profissional, sendo animados por um sentimento muito desenvolvido de honra corporativa, em que se reala o sentimento da integridade (WEBER, 2002, p.72).

Weber (2002) identifica um conflito importante que se expressa em uma luta dissimulada entre os funcionrios especializados e a autocracia do prncipe, cujo enfrentamento necessrio para assegurar a unidade de direo poltica. Trata-se dos conflitos existentes entre os funcionrios de carreira, segundo a racionalidade burocrtica, e os funcionrios polticos, os atores do poder poltico. Dentro da lgica burocrtica, para Weber (2002, p.81), o verdadeiro funcionrio [...] no deve fazer poltica exatamente em virtude da sua vocao: deve administrar, antes de tudo, de forma apartidria. [...] Ele deve desempenhar sua misso [...] sem ressentimentos e sem preconceitos. A viso weberiana de organizao do aparelho de Estado privilegia sempre a racionalidade burocrtica, segundo a qual, os funcionrios devem apenas cumprir as competncias de seu cargo. A racionalidade comprometida com os objetivos da administrao pblica uma necessidade ainda atual nas organizaes pblicas brasileiras.

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Atividades de auto-avaliaoLeia com ateno os enunciados e responda s questes. Voc vai encontrar comentrios no final deste livro. 1) Indique trs contribuies conceituais derivadas da histria da administrao pblica para a formao da teoria da administrao.

2) Assinale quais das formas de Estado, abaixo, marcaram a entrada da administrao pblica no incio da Idade Moderna. a) ( ) patriarcado b) ( ) patrimonialismo c) ( ) repblica d) ( ) monarquias absolutistas e) ( ) Estado estamental

3) O que significa para um Estado ser representativo?

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4) O Brasil um Estado de direito? Justifique sua resposta.

SnteseJ que a construo e definio de conceitos tm histria e autores, voc comeou o seu aprendizado sobre a administrao pblica buscando seus antecedentes conceituais longnquos. Partindo das expresses nos primrdios da prpria administrao, as concepes de Estado e governo na Antigidade e Idade Mdia trouxeram os primeiros fragmentos que iro compor a administrao pblica europia, que aportou em nosso continente. Para finalizar esta unidade, voc conheceu melhor o significado da expresso Estado moderno, o tipo de Estado at hoje vigente em nossa sociedade assinalado, sobretudo, por seu carter representativo de Estado e de direito.

Saiba maisPara aprofundar seus conhecimentos sobre o contedo tratado nesta unidade, sugerimos alm da leitura dos livros citados ao longo da unidade, destaque para:FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Vol I e Vol 2. Porto Alegre: Globo, 2001.

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Aspectos histricos da administrao pblica brasileiraObjetivos de aprendizagemn

Reconhecer as principais caractersticas da administrao pblica brasileira, herdadas do Estado patrimonial e estamental portugus. Destacar aspectos do quadro administrativo dos seguintes perodos da histria brasileira: colnia portuguesa, sede do imprio lusitano aqui aportado, durante o movimento da independncia, perodo imperial brasileiro e Repblica Velha. Identificar as principais caractersticas da administrao pblica brasileira na era Vargas. Caracterizar a dependncia, o populismo e o desenvolvimentismo na administrao pblica brasileira dos anos 60. a configurao da administrao pblica nos governos militares do Brasil (de 1964 a 1984). o carter patrimonialista, estamental e burocrtico da administrao da repblica brasileira.

n

3

n

n

n Reconhecer

n Distinguir

Sees de estudoSeo 1 Origens portuguesas da administraopblica brasileira

Seo 2 Administrao pblica do Brasil colnia,

durante o movimento da independncia e no seu perodo imperial no Brasil

Seo 3 A formao de uma Repblica Federativa Seo 4 Administrao da Repblica Brasileira noperodo de Vargas

Seo 5 Administrao do populismo edesenvolvimentismo (1964-1984)

Seo 6 A administrao dos governos militares

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Para incio de conversaA reviso dos assuntos propostos nesta unidade vai lhe permitir compreender a atual administrao pblica brasileira, a partir da sua histria. A caracterstica histrica mais marcante da administrao pblica brasileira, e que tem se mostrado de difcil rompimento, o patrimonialismo, que voc vai compreender como uma marca consolidada pelo Estado estamental portugus. O movimento histrico da administrao pblica brasileira, finalmente, chega ao modelo burocrtico; mas cuja racionalidade teve srias dificuldades de se tornar uma realidade nas prticas observadas.

SEO 1 - Origens portuguesas da administrao pblica brasileiraComo a administrao pblica brasileira inicia, via de regra, com a chegada dos portugueses, vamos conhecer um pouco das influncias da organizao do Estado portugus, o que poder ajudar voc a compreender melhor as origens da administrao pblica brasileira, na atualidade. Naqueles antecedentes, podemos encontrar explicaes sobre as caractersticas histricas mais fortes na nossa administrao pblica que so: o patrimonialismo, a ordem estamental, o coronelismo e a burocratizao.

A conformao do Estado patrimonial portugusA existncia de uma ordem patrimonialista na organizao de Portugal pode ser constatada no desenvolvimento histrico lusitano. Entre as trocas comerciais costeiras tpicas da Idade Mdia e o comrcio moderno das grandes navegaes, criou-se uma nova burguesia. Esta se desvinculava da terra e financiava as mercadorias.

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Para dirigir aquelas operaes comerciais, surgiu um rgo centralizador que assumiu um papel diferente dos configurados at ento, fazendo com que o comrcio parecesse uma empresa privada. Assim o Estado se tornava [...] uma empresa do prncipe, que intervm em tudo, empresrio audacioso, exposto a muitos riscos por amor riqueza e glria: empresa de paz e empresa de guerra (FAORO, 2001). Foi esse carter comercial, assumido pela Coroa lusitana, que inaugurou o chamado patrimonialismo da administrao pblica de Portugal, vigente desde a poca das navegaes ultramares.O que foi o estamento portugus?

O termo patrimonialismo significa a propriedade do Estado sobre o patrimnio comercial de toda a nao que, nessa lgica, passa a ser administrado.

Para compreender o fenmeno da existncia do estamento, que se forma atrelado a uma concentrao de poder, preciso entend-lo como estruturao de uma espcie diferente de comunidade ou categoria social. Seria algo quase como os donos do poder, tratando-se de um poder especfico, quer seja, o poder econmico do reino. Como uma demonstrao de seu poder, o estamento controlava as questes comerciais e financeiras do Estado sobre o qual estava atrelado. O estamento poltico se constitui na forma de uma comunidade cujos [...] membros pensam e agem conscientes de pertencer a um mesmo grupo, a um crculo elevado, qualificado para o exerccio do poder (FAORO, 2001, p.60). O que unia o estamento era o interesse em conquistar vantagens materiais e espirituais exclusivas.O estamento no substituiu o patrimonialismo comercial da Coroa Portuguesa, mas se superps, coexistiu e somou-se a ele.

Lembrando: Estamento, segundo Faoro (2001), um grupo privilegiado de funcionrios, constituindo uma camada que comanda a economia junto ao rei.

Alguns autores afirmam que foi o estamento lusitano quem promoveu o movimento das grandes navegaes, pois, naquele contexto, a ideologia do estamento alimentava o mercantilismo59

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com suas idias e interesses ao mesmo tempo em que consolidava uma burguesia comercial. Estabelecia-se nas relaes econmicas, uma estrutura que Tremel (2001, p.31) denominou como de trs vrtices, ou seja, o rei, soberano que tudo prov, o denominado estamento poltico, e a burguesia comercial. Ao gerenciar as finanas do reino, o estamento se constituiu, ento, como um rgo do Estado, exclusivamente integrado por comerciantes destacados. O estamento foi vigoroso o bastante para sufocar o aparecimento de um pensamento social novo (FAORO, 2001, p.278). O mercantilismo que existiu em Portugal e que foi herdado pelo Estado brasileiro esteve fixado em um ponto fundamental transmitido pelas tradies medievais preservadas na monarquia lusitana: [...] acentua o papel diretor, interventor e participante do Estado na atividade econmica. O Estado organiza o comrcio, incrementa a indstria, assegura a apropriao da terra, estabiliza preos, determina salrios, tudo para o (dito) enriquecimento da nao e o proveito do grupo que a dirige (FAORO, 2001, p.81).Uma reflexo sobre os fatos acima, revela que a oligarquia brasileira teve suas origens no estamento lusitano.

SEO 2 - Administrao pblica do Brasil colnia, durante o movimento da independncia e no seu perodo imperialAqui, inicialmente, voc vai aprender como foi e o quanto existiu de administrao pblica no Brasil durante o seu longo perodo colonial (1500-1807).Como era a administrao das capitanias?

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Inicialmente as expedies e, depois, as primeiras capitanias hereditrias formadas no Brasil (1534-49), visavam povoao para garantir a defesa do territrio. Assim a colonizao correspondeu a [...] uma transmigrao, festiva e aventureira, na descoberta do outro mundo e do mundo novo, calado de promessas e iluses (FAORO, 2001, p.129). A colonizao brasileira se constituiu no regime poltico e administrativo das capitanias hereditrias, o que atravessou trs sculos inteiros: o 16, o 17 e o 18. Foi considerada uma obra necessria ao comrcio e posse da conquista portuguesa e, para tanto, se fazia necessrio haver muita gente aportando pelas terras deste mundo novo. Durante o incio do perodo colonial, na primeira metade do sculo 16, houve uma relativa ausncia do poder pblico portugus na colnia. A sua administrao era entregue aos capites, aos quais eram conferidos pelo rei quase todos os poderes sobre o respectivo territrio. Havia que encontrar uma forma de manter a esperana dos lucros gerados pela colnia, e para isso nasceu a proposta lusitana de um governo-geral para o Brasil. Para organizar o funcionamento da colnia, o controle da arrecadao tributria, em algumas capitanias, cabia ao prprio governador, ou capito dirigente de cada colnia e, nas colnias maiores, com populao mais numerosa, esse controle cabia diretamente a funcionrios de Lisboa, destacando-se neste caso o feitor ou almoxarife (FAORO, 2001). Assim sendo, na medida em que a Coroa julgava necessrio, fazia aumentar o seu brao administrativo na colnia, com a finalidade precpua de fiscalizar a arrecadao dos tributos, cotas que o reino se auto-atribua e, nessa mesma lgica, tambm tomava as medidas cabveis para marcar seu poder por via da presena militar.Como era a organizao do governo-geral?

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O governo-geral foi estruturado de forma centralizadora, considerada mais adequada para garantir o domnio do novo mundo. Como uma forma desconfiada de no permitir a concentrao exclusiva do poder na pessoa do governador-geral, foram criados mais dois cargos juntos ao mesmo: o provedor-mor e o ouvidormor, respectivamente, para os negcios da fazenda e da justia, com regimentos particulares. Quer dizer, suas atribuies eram especficas, mas sempre subordinadas ao governador (FAORO, 2001):n

o provedor-mor assumia amplas atribuies, reunindo dispersos agentes da fazenda, a quem cabia racionalizar e contabilizar as cobranas; e, o ouvidor-mor cuidava da justia nas capitanias, sujeitando-se aos recursos encaminhados para Lisboa.

n

Veja a figura a seguir:

Figura 1: Estrutura organizacional bsica do Governo Geral no Brasil colnia.

Com o governo-geral, foi instituda uma forma burocrtica, subordinada ao rei, que assumia a cpula da ordem poltica no Brasil colnia.

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Um cenrio poltico-administrativo da metrpole e da colniaPode-se conceber um esquema vertical na administrao pblica colonial, o qual pode ser traado, na ordem descendente do rei (FAORO, 2001, p.203), compreendendo: o governador-geral (vice-rei), os capites (capitanias) e as autoridades municipais.

O desenho linear uma simplificao da realidade. Em cada nvel de governo, havia especificidades bastante complexas. O quadro administrativo da colnia se completa ainda com a presena de mais [...] quatro figuras, que acentuam e reforam a autoridade metropolitana: o juiz, o cobrador de tributos e rendas, o militar e o padre (FAORO, 2001, p.216).

A mudana da Corte de Portugal para o BrasilA histria da administrao pblica em nosso pas, no sculo 19, inicia com a transmigrao da Corte de Portugal para o Brasil, em 1808, fugindo da invaso francesa comandada por Napoleo Bonaparte.

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Assista ao filme nacional CARLOTA JOAQUINA, disponvel nas locadoras, e responda: - Que prticas de administrao pblica podem ser deduzidas daquele contexto histrico retratado no filme?

Com o deslocamento da Corte para o Brasil, ocorre um novo aumento do seu aparelho administrativo. Havia que reproduzir na nova sede da monarquia lusitana a mesma estrutura administrativa dantes havida em Portugal, encontrando colocao para os portugueses que aqui chegaram desempregados. E, assim, aqui vo se reproduzindo rgos, simplesmente porque antes existiram em Portugal.

Tentativas de reorganizao poltica do pas meio independenteAntes da Corte portuguesa, transmutada em Brasil imperial, completar aqui seus dez primeiros anos, em alguns lugares, comeava a despertar um sentimento brasileiro, como uma surda corrente subterrnea, que se prope a emergir e a devastar aquelas [...] instituies e preconceitos, idias e convenes, costumes e vcios (FAORO, 2001, p.301). Daqueles momentos ficara prometido um [...] duelo entre a metrpole absolutista, enquistada na transitria corte do Rio de Janeiro, e as nativas foras desencadeadas, liberais por fora, anrquicas no seu contedo este duelo no houve (FAORO, 2001, p.304).

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O que houve? O grito do Prncipe! Este foi o nome dado pelo pintor Pedro Amrico (apud ALENCAR, CARPI e RIBEIRO, 1985, p.98) a um seu retrato romntico-oficial da independncia.

Comece agora a refletir sobre o que veio a ser a independncia para o Brasil e sua organizao pblica.Voc sabe o que foi a independncia do Brasil? Aquele movimento levou o Brasil a ser efetivamente independente, como um pas livre?

O processo de independncia pode ser entendido como uma semente que germinou a partir da crise colonial durante a segunda metade do sculo 18. O estabelecimento do Estado absolutista portugus transmigrado em terras brasileiras deu maior vulto a esse processo, pois deixou o Brasil administrativamente preparado para uma vida institucional com autonomia de Portugal. Conforme prossegue Faoro (2001, pp.304-305), as mesmas [...] bases que sufocaram a rebelio pernambucana (de 1817) o exrcito portugus, o comrcio transocenico de origem e interesses metropolitanos, a burocracia sofreram, dentro da sua cidadela, golpe inesperado nasce um primeiro movimento nacional na inquieta colnia: a partir do Rio de Janeiro, com a integrao de So Paulo e Minas Gerais, um movimento, nacional na essncia, conquistaria e uniria as foras polticas dispersas e descontentes. Por meio dele, a linha que parte da abertura dos portos levar ao sete de setembro, sem ruptura, seno na superfcie, do edifcio monrquico (ibid). Assim, foi por meio daquelas mesmas bases acima indicadas que se deu o grito da independncia. Quer dizer, o filho do rei, que (antes) ordenara a represso comanda o processo que separa o Brasil de Portugal (ALENCAR, CARPI e RIBEIRO, 1985, p.89).

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7 de setembro de 1822, s margens do Ipiranga: Se for para o bem de todos e a felicidade geral da nao, diga ao povo que fico. (Dom Pedro I).

Como o comando do novo pas que surgia era do herdeiro do trono portugus, no Brasil, ao contrrio das outras colnias americanas, foi o prprio governante colonizador quem assumiu a liderana ao final do processo de independncia do pas. Ou, como explicitam Alencar, Carpi e Ribeiro (1985, p.97): Era melhor ser Dom Pedro I (do Brasil) que Dom Pedro IV (em Portugal). De acordo com Arruda e Piletti (2000, p.280), a conseqncia dos fatos histricos acima pde [...] ser percebida na permanncia de quase todas as estruturas sociais, anteriores independncia, desde a escravido, at o comando do Estado por um imperador. Grosso modo, o novo pas que su rgia no cenrio americano mantinha a antiga roupagem. Ao passar de regente a Defensor Perptuo do Brasil (13/05/1822), Dom Pedro trata de reorganizar as bases do novo Estado brasileiro, com o auxlio do gabinete de Jos Bonifcio (janeiro de 1822 a julho de 1823). A administrao do [...] prncipe importou, desde logo, na continuidade da burocracia de Dom Joo, a burocracia transplantada e fiel ao molde do Almanaque de Lisboa, atrelada ao cortejo do futuro imperador (FAORO, 2001, p.319).

Inicia-se o perodo monrquico imperial brasileiro

Voc sabia que o Brasil j foi imprio?

Foi na esteira da pretensa independncia que se iniciou o imperialismo no Brasil.n

O Primeiro Reinado (1822-1831), que corresponde ao governo de Dom Pedro I.

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As Regncias (1831-1840), perodo em que o pas, aps a abdicao de Dom Pedro I, esperou a maioridade do novo imperador e foi governado por meio de regncias. O Segundo Reinado (1840-1889), o mais longo de todos e que corresponde ao governo de Dom Pedro II.

n

Veja, a seguir, as implicaes do perodo imperial para a administrao pblica brasileira. Nas trs prximas sub-sees, vamos abordar cada um dos perodos especficos acima indicados, respectivamente.

Como era o sistema poltico-administrativo do Primeiro Reinado?O novo governo do Brasil, depois de conquistada relativa independncia de Portugal, foi dirigido pelo jovem e inexperiente Dom Pedro I, que no foi capaz de manter apoio poltico e conservar sua autoridade, renunciando ao trono aps oito anos e meio (at o 7 de abril de 1831). Visando a criar uma aproximao sutil ao Estado de direito, a primeira Assemblia Constituinte do Brasil, que j havia sido convocada por Dom Pedro I antes do grito de independncia, foi dissolvida pelo prprio Dom Pedro I, que ento nomeou um Conselho de Estado, formado por dez membros e presidido por ele prprio, para elaborar a Carta Constitucional, outorgada em 25/03/1824, sem qualquer participao direta ou indireta da populao. Naquela Constituio foi criado o ento chamado Poder Moderador, exercido pelo imperador, em cujas mos se concentravam praticamente todos os poderes, cabendo-lhe nomear todos os dirigentes de todos os rgos criados. No quadro a seguir, consta a estrutura organizacional do Primeiro Reinado.

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Estrutura Organizacional do Primeiro Reinado. Fonte: Adaptado de Arruda e Piletti (2000, p.282).

O sistema de organizao, criado pela Carta de 1824, fiel tradio portuguesa, assumiu um carter oligrquico que presidido pelo imperador. Naquele contexto as municipalidades [...] cairiam categoria de corporaes meramente administrativas (Lei de 1o de dezembro de 1828). As provncias se ergueriam, na disputa de maior participao no governo central, infiis desconfiana do separatismo (FAORO, 2001, p.340). Com o fim do Primeiro Reinado se aperfeioou o 7 de setembro (de 1822). Foi em nome do sentimento nativista que brasileiros e portugueses se enfrentavam at nas ruas. Foi o episdio conhecido como a noite das garrafadas que marcou o final do Primeiro Reinado, levando Dom Pedro I a renunciar aps um choque no Rio de Janeiro com grupos de brasileiros entoando vivas Constituio e independncia. Ao abdicar do trono brasileiro, em favor de seu filho com apenas cinco anos de idade, o futuro imperador Dom Pedro II, o Brasil fica a aguardar a sua maioridade. E assume o governo brasileiro um conselho regencial.

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Como foi a administrao do Perodo Regencial?O poder passava a ser exercido por um conselho de trs regentes, que era eleito pela Cmara dos Deputados. Todavia, persistiam as rebelies nas provncias que, por pouco, no quebraram a unidade nacional.Quais reformas derivaram do sete de abril? Elas ocorrem em torno da descentralizao.

Diante da campanha liberal que conquistou o apoio do futuro imperador trs anos antes da sua maioridade, o governo conservador regencial, desgastado pelos movimentos relativamente revolucionrios em todo o pas, no teve como reagir a no ser aceitando o novo governo, iniciando-se o Segundo Reinado.

Qual foi o modelo de organizao adotado no Segundo Reinado?Findo o perodo regencial, os grupos ento considerados mais progressistas nos centros polticos de deciso, formaram o partido liberal e, os grupos chamados regressistas, formaram o partido conservador (ARRUDA e PILETTI, 2000, p.284). A principal caracterstica do Segundo Reinado (que durou 50 anos: 1840-1889), foi a alternncia entre conservadores e liberais no poder. Assim era que, uma vez os liberais assumindo o poder, estes se tornaram conservadores. De acordo com Arruda e Piletti (2000), a identidade de interesses entre liberais e conservadores, levou a formar um Ministrio da Conciliao (de 1853 at 1957), com a participao de ambos partidos. No Segundo Reinado houve uma reaproximao entre o comrcio e o quadro poltico-administrativo. O Estado voltara s suas origens patrimonialistas, alimentando-se do comrcio. O sistema parlamentar brasileiro foi o governo da maioria que assentava na Cmara dos Deputados. Duas circunstncias impediram o funcionamento desse mecanismo. Os partidos no estavam claramente definidos, resultando da maioriasUnidade 3

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ocasionais. Alm do que, a Cmara no reunia as reais influncias polticas e partidrias, uma vez que as eleies eram sempre obras do partido no poder. No fundo, permanecia sempre no poder a oligarquia, que mesmo denunciada se mantinha graas condio de vitaliciedade no Senado e no Conselho de Estado. (FAORO, 2001). Desde a reao centralizadora de 1837 at o ltimo ato de 1889, o sistema era considerado oficialmente representativo apesar da [...] imensa cadeia do cabresto e do comando da vontade do eleitor. (FAORO, 2001, p.430). No sistema poltico tem-se o predomnio do soberano, legitimado no Poder Moder