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242 ADAPTAÇÕES LITERÁRIAS PARA O MEIO AUDIOVISUAL E ANÁLISE DA OBRA “DOIS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA”, DE PLÍNIO MARCOS Guilherme Oliveira da Silva¹ Letícia Passos Affini² RESUMO A idéia do projeto é analisar adaptações literárias e suas respectivas obras cinematográficas em um âmbito geral, demonstrando as dificuldades, as qualidades, e respondendo às perguntas: “ Porque há tantas adaptações e porque fazem tanto sucesso?”; “ Será que faltam roteiro originais?; “O mercado está escasso de novidades?”. Buscando responder essas questões, analisaremos a obra “Dois perdidos numa noite suja”, de Plínio Marcos, que conta com duas adaptações para o cinema, uma realizada em 1970, do diretor Braz Chediak, e outra em 2002, do diretor José Joffily , olhando certas características peculiares, com o roteiro, e possíveis diferenças entre as obras. Existem dois focos no trabalho, o primeiro é entender porque adaptações literárias fazem tanto sucesso, porque são tão bem aceitas pelos espectadores e porque são realizadas com tanta fre- qüência. Partindo da análise da obra buscaremos entender como elas são elaboradas, produzidas, observando as dificuldades na realização, no roteiro e na produção, questionando se ao resultado da produção audiovisual segue fielmente o que foi proposto por Plínio Marcos ao escrever o con- to de, e se o diretor do filme conseguiu transmitir a essência da obra e se o receptor conseguiu assimilá-la. O trabalho é importante para entendermos o porque do sucesso comercial das pro- duções audiovisuais que adaptam roteiros de livros, peças teatrais e histórias em quadrinhos. A presente pesquisa busca analisar uma obra não reconhecida pelo grande público, nem enquanto peça teatral, de 1966, e nem enquanto filme, mesmo sendo sucesso de crítica, recebendo diversos prêmios, como é o caso de “Dois perdidos numa noite suja”, 2002 dirigida por José Joffily. _____________________________________ ¹Aluno do curso de Comunicação Social com Habilitação em Radialismo, da FAAC – Faculdade de Ates, Arquite- tura e Comunicação, Unesp Bauru. ²Orientadora. Professora do Departamento de Comunicação Social da FAAC-Unesp.

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AdAptAções LiteráriAs pArA o meio AudiovisuAL e AnáLise dA obrA “dois perdidos numA noite sujA”, de pLínio mArcos

Guilherme Oliveira da Silva¹ Letícia Passos Affini²

resumoA idéia do projeto é analisar adaptações literárias e suas respectivas obras cinematográficas em um âmbito geral, demonstrando as dificuldades, as qualidades, e respondendo às perguntas: “ Porque há tantas adaptações e porque fazem tanto sucesso?”; “ Será que faltam roteiro originais?; “O mercado está escasso de novidades?”. Buscando responder essas questões, analisaremos a obra “Dois perdidos numa noite suja”, de Plínio Marcos, que conta com duas adaptações para o cinema, uma realizada em 1970, do diretor Braz Chediak, e outra em 2002, do diretor José Joffily , olhando certas características peculiares, com o roteiro, e possíveis diferenças entre as obras. Existem dois focos no trabalho, o primeiro é entender porque adaptações literárias fazem tanto sucesso, porque são tão bem aceitas pelos espectadores e porque são realizadas com tanta fre-qüência. Partindo da análise da obra buscaremos entender como elas são elaboradas, produzidas, observando as dificuldades na realização, no roteiro e na produção, questionando se ao resultado da produção audiovisual segue fielmente o que foi proposto por Plínio Marcos ao escrever o con-to de, e se o diretor do filme conseguiu transmitir a essência da obra e se o receptor conseguiu assimilá-la. O trabalho é importante para entendermos o porque do sucesso comercial das pro-duções audiovisuais que adaptam roteiros de livros, peças teatrais e histórias em quadrinhos. A presente pesquisa busca analisar uma obra não reconhecida pelo grande público, nem enquanto peça teatral, de 1966, e nem enquanto filme, mesmo sendo sucesso de crítica, recebendo diversos prêmios, como é o caso de “Dois perdidos numa noite suja”, 2002 dirigida por José Joffily._____________________________________¹Aluno do curso de Comunicação Social com Habilitação em Radialismo, da FAAC – Faculdade de Ates, Arquite-tura e Comunicação, Unesp Bauru.²Orientadora. Professora do Departamento de Comunicação Social da FAAC-Unesp.

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A metodologia empregada no desenvolvimento da pesquisa será: - levantamento bibliográfico sobre adaptação literária para cinema; - leitura do conto que deu origem aos filmes; - estabelecer convergências e divergências entre a obra cinematográfica e a literária baseadas na sintaxe au-diovisual como determinante de sentidos. As conclusões serão feitas a partir da análise de como as adaptações literárias que chegam ao cinema e a televisão fazem tanto sucesso, ou qual é o maior motivo de fracasso. Se geralmente são fiéis a suas obras-primas, e se há disparidades entre personagens ou cenários. Ainda haverá a análise da obra “Dois perdidos numa noite suja”, para exemplificar o que foi dito.

palavras-chave: Adaptações literárias. Cinema. Plínio Marcos.

introdução

Desde a origem do cinema, as obras literárias (romances, contos, novelas, peças de teatro, crô-nicas, etc) têm fornecido uma enorme quantidade de material para a elaboração de filmes. Apesar disso, contudo, muito se tem debatido sobre a real possibilidade de se adaptar um texto literário para um meio eminentemente audiovisual como o cinema. Em geral, adaptações literárias para o cinema são recebidas desfavoravelmente pela crítica e pelo público que já tenha lido as obras adaptadas. As críticas e comentários negativos costumam enfatizar que as versões cinematográfi-cas de livros são, fundamentalmente, traições aos seus originais literários; que elas não passam de interpretações ou releituras parciais feitas pelos diretores, freqüentemente repletas de omissões ou simplificações de trechos ou personagens das obras literárias.

Isto ocorre porque muitas pessoas costumam julgar a qualidade de um filme adaptado de um livro em termos de sua fidelidade à obra original, cobrando uma espécie de aderência completa do filme ao livro e criticando quando o diretor toma liberdades interpretativas ou faz alterações em elementos do texto. Há pelo menos dois problemas com este tipo de visão. O primeiro deles é o de que, como se costuma dizer, uma vez pronto, o livro deixa de pertencer ao seu autor e passa a pertencer aos seus leitores; ou seja, ele é passível de gerar diferentes leituras e interpretações em diferentes pessoas e a do diretor é apenas mais uma delas . O segundo, mais fundamental, decorre do fato de ser impossível converter uma obra literária, palavra por palavra, para um meio completamente diferente como o cinemático. Cinema e literatura pertencem a universos midiáti-cos diferentes, que utilizam elementos distintos para veicular suas mensagens: a palavra escrita, no caso da literatura, e a imagem em movimento, associada ou não ao som, no caso do cinema. Portanto, não há como evitar: adaptações literárias para o cinema devem, necessariamente, conter mudanças em relação às obras originais.

Talvez a melhor maneira de se julgar uma adaptação literária para o cinema seja, então, não pelo seu grau de fidelidade literal à obra original, mas por sua eficácia em adequar para um meio estética e formalmente diferente uma dada trama ou estória. É curioso notar que a maioria dos filmes considerados importantes e que foram adaptados de textos literários não é formada por adaptações de obras da chamada “grande literatura universal” mas de livros quase desconhecidos de autores obscuros, de gêneros literários considerados “menores”, como o policial, o de misté-rio, o de terror ou o de ficção científica), ou de histórias curtas publicadas em revistas periódicas. Por causa disso, uma questão que é freqüentemente colocada quando se fala da relação entre cinema e literatura é a de se é realmente possível realizar uma obra-prima do cinema a partir de

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uma obra-prima da literatura.Outro fator importante, é que a transposição da literatura para o cinema ou para a televisão, é

o aumento em muito ás vendas das obras, incentivando a cultura e favorecendo as adaptações. A televisão, por ser o maior meio de comunicação nacional e presente em grande parte dos lares brasileiros, assume assim um papel fundamental na disseminação cultural.

plínio marcos

De família modesta, Plínio Marcos não gostava de estudar e terminou apenas o curso primário. Foi funileiro, quis ser jogador de futebol, serviu na Aeronáutica e chegou a jogar na Portuguesa Santista, mas foram as incursões ao mundo do circo, desde os 16 anos, que definiram seus cami-nhos. Atuou em rádio e também na televisão, em Santos.

Em 1958, por influência da escritora e jornalista Pagu, começou a se envolver com teatro amador em Santos. Nesse mesmo ano, impressionado pelo caso verídico de um jovem currado na cadeia, escreveu sua primeira peça teatral, Barrela. Por sua linguagem crua, ela permaneceria proibida durante 21 anos após a primeira apresentação.

Em 1960, com 25 anos, foi para São Paulo, onde inicialmente trabalhou como camelô. Depois, trabalhou em teatro, como ator (apareceu no seriado Falcão Negro da TV Tupi de São Paulo), administrador e faz-tudo, em grupos como o Arena, a companhia de Cacilda Becker e o teatro de Nydia Lícia. A partir de 1963, produziu textos para a TV de Vanguarda, programa da TV Tupi, onde também atuou como técnico. No ano do golpe militar, fez o roteiro do espetáculo Nossa gente, nossa música. Em 1965, conseguiu encenar Reportagem de um tempo mau, colagem de textos de vários autores, e que ficou apenas um dia em cartaz.

Em 1968, participou como ator da telenovela Beto Rockfeller, vivendo o cômico motorista Vitório. O personagem seria repetido no cinema e também na telenovela de 1973, A volta de Beto Rockfeller, com menor sucesso. Ainda nos anos 70, Plínio Marcos voltaria a investir no teatro, chegado ele mesmo a vender os ingressos na entrada das casas de espetáculo. Ao fim da peça, como a de Jesus-Homem, ele subia ao palco e conversava pessoalmente com a platéia.

Na década de 1980, época da censura, Plínio Marcos viveu sem fazer concessões, sendo in-tensamente produtivo e sempre norteado pela cultura popular. Escreveu nos jornais Última Hora, Diário da Noite, Guaru News, Folha de S. Paulo e Folha da Tarde e também na revista Veja, além de colaborar com diversas publicações, como Opinião, O Pasquim, Versus, Placar e outras.

Depois do fim da censura, Plínio continuou a escrever romances e peças de teatro, tanto adulto como infantil. Tornou-se palestrante, chegando a fazer 150 palestras-shows por ano, vestido de preto, portando um bastão encimado por uma cruz e com aura mística de leitor de tarô.

Plínio Marcos foi traduzido, publicado e encenado em francês, espanhol, inglês e alemão; es-tudado em teses de sociolingüística, semiologia, psicologia da religião, dramaturgia e filosofia, em universidades do Brasil e do exterior. Recebeu os principais prêmios nacionais em todas as atividades que abraçou em teatro, cinema, televisão e literatura, como ator, diretor, escritor e dramaturgo.

Morreu aos 64 anos, na cidade de São Paulo, por falência múltipla dos órgãos em decorrência de um derrame.

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Ficha Técnica do filme de 1970Título Original: Dois Perdidos Numa Noite SujaGênero: DramaDuração: 100min.Lançamento (Brasil): 1970Distribuição: Ipanema FilmesDireção: Braz ChediakAssistente de direção: Sindoval AguiarRoteiro: Braz Chediak, Emiliano Queiroz e Nelson XavierProdução: Jece ValadãoProdução executiva: José OliosiGerente de produção: Hélio OliveiraAssistente de Produção: Romeu VieiraCo-produção: Magnus FilmesMúsica: Almir ChediakSonografia: Antônio Smith GomesFotografia: Hélio SilvaCenografia: Ely CaetanoFigurino: Antônio Murilo Montagem: Raimundo Higino

ElencoEmiliano Queiroz (Tonho)Nelson Xavier (Paco)Paulo Sacramento (Banzo)Pepa RuizFernando JoséVanda FritzlikayaRomeu VieiraJota Diniz

Premiações- Melhor Filme, Diretor e Ator (Emiliano Queiroz), Troféu “Dedo de Deus”, V Festival de Cine-ma de Terezópolis, RJ, 1968.

Ficha Técnica do filme de 2003Título Original: Dois Perdidos Numa Noite SujaGênero: DramaTempo de Duração: 100 minutosAno de Lançamento (Brasil): 2003Site Oficial: www.doisperdidos.com.brDistribuição: RiofilmeDireção: José Joffily

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Roteiro: Paulo Halm, baseado em peça teatral de Plínio MarcosProdução: Alvarina Souza SilvaFotografia: Nonato EstrelaDesenho de Produção: Direção de Arte: Cláudio Amaral PeixotoFigurino: Ellen MiletEdição: Eduardo Escorel

Prêmios e indicaçõesFestival de Brasília (2002)•Vencedor (Troféu Candango) nas categorias:Melhor atriz (Débora Falabella)Melhor diretor (José Joffily)Melhor roteiro (Paulo Halm)Grande Prêmio Cinema Brasil (2004)•Vencedor na categoriaMelhor atriz (Débora Falabella)•Indicado nas categoriasMelhor montagem (Eduardo Escorel)Melhor roteiro adaptado (Paulo Halm)Festival de Gramado (2002)•Vencedor nas categorias:Melhor montagem (Eduardo Escorel)Melhor trilha sonora (David Tygel)•Indicado na categoriaMelhor filmeCine-PE (2003)•Vencedor na categoria:Melhor fotografia (Nonato Estrela)

Adaptações Literárias para o cinema

É fato que adaptações literárias, sejam elas provenientes de livros, gibis ou peças de teatro para o meio audiovisual fazem muito sucesso. Grande parte do brilho de todo o trabalho está associado ao pré-sucesso dessas histórias, se por exemplo determinado best-seller foi sucesso de vendagens, provavelmente ele será sucesso também nas telonas.

Criar um roteiro para um novo projeto audiovisual é investir em uma história que acredita-se que virá a ter sucesso, é apostar em uma idéia que foi anteriormente julgada como positiva, investir uma grande quantia e, após muito esforço, esperar que obtenha-se êxito, entretanto, há o risco de uma não-aceitação coletiva ou da crítica especializada, a idéia que antes parecia nova, inédita e inovadora, pode não ser bem julgada por quem realmente entende de cinema e arte ou simplesmente não cair no gosto popular. Essa é uma das grandes vantagens das adaptações literá-

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rias: se a obra que está sendo trabalhada já estiver na mídia e obtiver uma boa aceitação popular, provavelmente grande parte do público que à assistirá está garantido. É claro, a responsabilidade em executar um ótimo trabalho também aumenta, é necessário organizar as idéias transmitidas no conto de forma que fiquem bem claras ao expectador, que haja verossimilhança entre os persona-gens e nos cenários, a essência da obra não pode ser perdida no roteiro final, mesmo existindo a dificuldade em adaptar centenas de páginas para cerca de duas horas nos cinemas. A quantidade de leitores, é diretamente proporcional a quantidade de expectadores dispostos a apreciar o novo trabalho, portanto, se a obra audiovisual pecar em determinados aspectos, será elevado o número de reclamações, podendo vir a ser um projeto totalmente fracassado. Fãs incondicionais são um público alvo altamente exigente.

Ações: Livro “dois perdidos numa noite suja”.

Personagens: Paco e Tonho, dois homens que trabalham fazendo serviço pesado em um super-mercado.

Cenário: quarto de hospedaria.

1-Paco toca gaita e lustra os sapatos. Tonho entra no quarto. Há uma discussão pelo barulho que Paco fazia com sua gaita. Tonho agride Paco e lhe retira o instrumento. Paco jura matar Tonho, caso ele desfaça-se da gaita. Paco pula sobre Tonho visando recuperar o instrumento, entretanto, Tonho leva vantagem na discussão.Fazem um acordo de não haver barulho, Tonho devolve então a gaita. Paco a guarda e lustra os sapatos.2- Paco afirma que Tonho sujou seus sapatos,este, pergunta de quem ele roubou “o pisante”, o primeiro afirma que não roubou, fica nervoso e começa a chorar.Instantaneamente, Paco para de chorar e começa a rir, afirma que ganhou o sapato trabalhando. Tonho diz que eles trabalham no mesmo lugar,e que o salário que recebem mal dá para eles se alimentarem. Paco insiste que ganhou o sapato, e diz que Tonho tem ciúmes por não possuir um artefato tão bonito, sempre de maneira muito irônica e zombeteira.3- Brigam novamente, Tonho leva vantagem e acaba fazendo com que Paco desmaiasse, o pri-meiro, cuidadoso, preocupa-se com seu amigo, tentando elucidar o companheiro de quarto com água.4- Após mais uma discussão, Tonho afirma que estudou,que deseja um emprego de funcionário público, infelizmente a sorte ainda não lhe sorriu, por isso que ele leva essa vida ruim.Tonho diz também que não conseguiu um emprego por não possuir um sapato decente, se possuísse algo bo-nito para se apresentar em uma entrevista, conseguiria um trabalho digno e melhor remunerado. 5-Tonho conta alguns de seus sonhos e medos a Paco, e diz considerá-lo amigo, este segundo afirma que “quem tem amigo é puta de zona”, tira a gaita do bolso e Tonho o libera para tocar.6-Dia seguinte. Paco traz a notícia que o “ negão” que trabalha junto com elesno mercado, deseja brigar com com Tonho, devido a sua “frescura”. Tonho decide conversar como possível agressor para resolver os problemas.7- Após mais uma discussão, em que Paco faz uso de muita ironia para menosprezar seu compa-nheiro de quarto, Tonho insiste que possui estudos, comenta da família, e insiste que se possuísse

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um sapado decente, conseguiria um emprego.8-Tonho pede o sapato de Paco emprestado9- Novo dia.Tonho diz ter resolvido seus problemas com o “negão”, porém, pagou pinga e deu parte de seu salário para o companheiro de trabalho.Paco como sempre ironiza e diz que Tonho é a “boneca do negão”.10- Tonho mostra uma arma que pretende vender. Paco diz que seu grande dom é tocar flauta, Tonho insiste que se possuísse um bom sapato, conseguiria um emprego melhor. Paco diz que gostaria muito de conseguir uma flauta. Tonho propõe um assalto.Depois de uma boa conversa, do acordo de não machucar ninguém,resolvem sair para assaltar11-O assalto é bem sucedido, porém Paco agride o assaltado, descumprindo o acordo que haviam realizado.12- Dividem os lucros do assalto, discutem para ver quem fica com o quê. O dinheiro fica meta-de para cada um, as jóias também são divididas, entretanto, Paco não cede o sapato para Tonho. Após mais discussão, Tonho desejando que não houvesse brigas, resolve ceder as pressões de Paco, que sempre acha estar sendo passado para trás, e aceita ficar apenas com o sapato.13-Tonho decide pegar suas coisas e ir embora, o sapato roubado fica pequeno em seu pé, propõe então uma troca de sapatos entre ele e Paco, que não aceita a proposta e o ironiza.14-Tonho se desespera, afirma que estudou e não merece essa vida que leva, enquanto Paco ri do companheiro. 15-Tonho,em um momento de desespero, pega a arma e mata Paco.

Ações: Filme “dois perdidos numa noite suja”, 1970, de braz chediak

Cenário: quarto de hospedaria, depósito de mercado e ruelas escuras de uma vila.Personagens: Paco e Tonho

1-Cenas de homens trabalhando em um mercado, e homens trabalhando em um escritório.2-Tonho chega a quarto da hospedaria é apresentado a Paco,que já reside no quarto. Tonho diz que ficará por pouco tempo, que está em busca de algum trabalho melhor, enquanto Paco toca gaita. Há uma discussão pelo barulho que Paco fazia com sua gaita. Tonho agride Paco e lhe retira o instrumento. Tonho devolve então a gaita após um acordo de silêncio. Paco afirma que Tonho sujou seus sapatos.3-Após mais uma discussão, Tonho afirma que estudou,que deseja um emprego de funcionário público, infelizmente a sorte ainda não lhe sorriu, por isso que ele leva essa vida ruim.Tonho diz também que não conseguiu um emprego por não possuir um sapato decente, se possuísse algo bo-nito para se apresentar em uma entrevista, conseguiria um trabalho digno e melhor remunerado. 4-Paco afirma que o “ negão”, eu trabalha junto com eles no depósito do mercado, deseja brigar com Tonho, este, decide conversar com sua desavença e esclarecer o mal-entendido.5-Tonho pede o sapato de Paco emprestado para procurar um bom emprego.6-Tonho mostra a Paco a arma que conseguiu e pretende vender. 7-Começam a tramar um assalto, decidem ir a um Parque escuro, onde os namoradas vão para “dar uns amassos”. Combinam que Tonho seria o líder, eque Paco acataria suas decisões.8-Paco descumpre o trato, e no assalto, maltrata o homem assaltado e tenta violentar a mulher.

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9-Dividem os lucros do assalto, discutem para ver quem fica com o quê. O dinheiro fica metade para cada um, as jóias também são divididas, entretanto, Paco não cede o sapato para Tonho. Após mais discussão, Tonho desejando que não houvesse brigas, resolve ceder as pressões de Paco, que sempre acha estar sendo passado para trás, e aceita ficar apenas com o sapato.10-Tonho decide pegar suas coisas e ir embora, o sapato roubado fica pequeno em seu pé, propõe então uma troca de sapatos entre ele e Paco, que não aceita a proposta e o ironiza.11-Tonho, no ápice de seu desespero, não pestaneja, pega a arma, calibra-a com uma bala, e mata Paco.

Ações: Filme “ dois perdidos numa noite suja”, 2003, d josé jofilly.

Personagens: Paco, brasileiro que foi tentar a vida nos Estados Unidos, entretanto, não obteve êxito e por lá está á 5 anos.Tonho, mulher que veste-se de homem e se prostitui.Tem como grande sonho tornar-se cantora de hip-hop.

Cenário: Quarto onde Paco e Tonho residem, algumas ruas de Nova Iorque e no início, uma ca-deia.1-Tonho encontra-se na cadeia, preso nos Estados Unidos. É estuprado por um “negrão”. Escreve uma cata para sua mãe que está no Brasil, ele diz estar tudo bem, que possui um ótimo trabalho e sendo bem remunerado, quando na verdade, vive uma vida medíocre. 2-Tonho após ser liberto da prisão, volta para sua casa e defronta-se com Paco, que na ocasião que Tonho foi preso, fugiu. Paco ironiza Tonho por ter passado 6 meses na prisão, é então agredido por Tonho, que chama Paco de Rita e é repreendido por isso.3-Paco faz uso de crack e se recorda de um trabalho que fez para um cliente, na ocasião em que se conheceram e foi ajudada por Tonho, este, diz ter estudado, que não teve sorte de encontrar um emprego bom ainda.4-No flashback, Tonho convida Paco para morar ali com ele. 5-Tonho vai atrás de um emprego e nada consegue.6-Tonho assiste à um show de Paco na rua, ambos concordam que Paco tem talento como cantora de hip hop. 7-Conversam enquanto Paco usa drogas.Tonho quer voltar parao Brasil, já que sua vida está um horrível,entretanto, não tem dinheiro para pagar a passagem.8-Tonho presencia um assassinato e consegue ficar com a arma do crime.9-Tonho recebe a notícia que seu passaporte expirou, e que será deportado para o Brasil e deses-pera-se, já que sua família acha que ele conseguiu uma vida digna nos Estados Unidos. 10-Tonho pede dinheiro emprestado à Paco para poder voltar, o segundo, ironiza e humilha o companheiro. Discutem e Tonho agride Paco, Tonho arrepende-se e pede desculpas. 11-Após fazer um programa, Paco resolve comprar um sapato que custou a mesma quantia que custaria a passagem de volta de Tonho para o Brasil. Tonho fica muito chateado enquanto Paco ironiza.12-Tonho mostra a Paco a arma que achou.13-Paco tenta um emprego em uma boate como cantora e não obtém êxito.

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14-Paco chega em casa, não acha Tonhoe quebra parte da mobília.15-Desiludidos, Tonho propõe a realização de um assalto. Resolvem assaltar os clientes de Paco. 16-No assalto,Paco age agressivamente e agride o assaltado. Roubam bastante, Paco acha que matou o cliente e vangloria-se disso. 17-Dividem os artefatos roubados, Tonho sai perdendo e não sabe se com o dinheiro conseguirá pagar sua passagem de volta para o Brasil, após uma discussão, acaba assumindo que ama Paco, que ironiza-o fortemente.18-Tonho resolve assaltar Paco, pega todos os lucros do assalto, as botas e resolvei deixar Paco nua.19-Tonho Pega tudo e vai embora.

convergências e divergências entre a obra “dois perdidos numa noite suja”, de plínio mar-cos, e suas adaptações para o cinema

Plínio Marcos, ao escrever a peça “Dois perdidos numa noite suja”, tinha como objetivo ironi-zar a sociedade, seus sonhos e objetivos de vida. Pouco tempo após a peça ser lançada e encenada nos palcos nacionais, o diretor Braz Chediak resolve adaptar a peça para o cinema, entretanto, por não existirem muitos recursos disponíveis na época, a adaptação acabou sendo basicamente o roteiro da peça somada a alguns planos extras e externas. Os diálogos acabaram sendo prati-camente o que estava escrito na obra de Plínio Marcos. Já a segunda adaptação, de 2003 de José Jofilly foi mais ousada. Conseguiu mudar grande parte do enredo, mas mantendo a essência da obra original, modificando uma obra que continha basicamente diálogos, deixando-a dinâmica, com ações, e sem perder o sentimento que era proposto por Plínio ao escrever a Peça teatral.

O primeiro semelhança a ser analisada, é que as três obras possuem dois protagonistas, no caso Paco e Tonho, entretanto, no filme de José Jofilly, de 2003, Paco é uma mulher que veste-se e age como homem, enquanto na obra original e na adaptação de 1970, de Braz Chediak, são dois ho-mens. Outro fator interessante, é que no filme de 2003, Paco, interpretada por Débora Fallabella tem como profissão a prostituição, e não o trabalho descarregando caminhões em um mercado.

Os cenários das obras também distinguem-se bastante, na obra original, a peça trata-se de ba-sicamente uma sequência de diálogos que ocorrem em um quarto de hospedaria. A obra de 1970, por ser muito semelhante a original, possui o mesmo cenário, entretanto, por tratar-se de um filme e exigir uma certa dinâmica, há algumas externas, como por exemplo cenas do depósito do mercado onde Paco e Tonho trabalham e a cena em que realizam o assalto na praça. O filme de 2003 possui muito mais rebuscamento, a primeira novidade trata-se do filme passar-se em Nova Iorque, e não no Brasil. Tonho é um imigrante que decide buscar uma vida melhor nos Estados Unidos, e lá, por acaso conhece Paco. Há também uma grande quantidade de cenas externas , algumas até mostrando pontos turísticos da cidade americana. Na obra original, Tonho por um motivo banal, recebe ameaças de agressão de “negão”, um homem parrudo e robusto que traba-lha com eles no depósito, porém Tonho lhe cede parte de seu salário e tudo normaliza-se, mesmo comas ironias constantes de Paco. Na obra de 1970, a sequência é idêntica a da peça, a única dife-rença é que mostra-se a persona de “negão”, mas sem nenhum diálogo. O filme de 2003 inicia-se com Tonho na Prisão, pagando o preço por ter ajudado Paco em certa ocasião, e na cadeia, Tonho é estuprado por um “negão”.

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Na obra original, Paco afirma ter como grande talento a música, sonha em ser flautista, entre-tanto, não possui dinheiro para comprar uma flauta. A adaptação de 1970 não diferencia-se, Paco cita o fato de ter um dom para a música, mas sem muita ênfase. Já na adaptação de 2003, Paco possui também dom para a música, entretanto, sonha em ser cantora de hip hop, faz apresentações nas ruas americanas nos momentos em que não trabalha como prostituta, tenta também conseguir emprego para cantar em meio a dançarinas de streap tease em uma boate, mas é recusada.

Outro fator interessante a ser analisado, é que as adaptações literárias de 1970 e de 2003, mesmo possuindo roteiros muito diferentes, possuem praticamente o mesmo tempo de duração, sendo a primeira com 97 minutos, e a segunda com 99. Isso nos dá margem para acreditarmos que não existem limites para as adaptações, mantendo sempre a idéia básica, a essência do roteiro, pode-se mudar os personagens, os cenários, etc. Nesses pequenos fatores, observamos a quali-dade dos roteiros, dos roteiristas e dos diretores, que tentam inovar histórias peculiares, mesmo havendo o risco de não saírem-se tão bem.

O assalto, fator de suma importância nas três obras também é retratada de forma diferente. Na obra original, ele é comentado, arquitetado, mas nada é dito sobre o exato momento do ato, enquanto na adaptação de 1970, o assalto é encenado e filmado exatamente como o roteiro da obra original indicou. Já na adaptação de 2003, Paco e Tonho tramam algo totalmente diferente: resolvem assaltar um dos clientes de Paco, fingem que um programa será feito, e surpreendem o assaltado. Um fator em comum nas três obras, é a crueldade explícita de Paco nos assaltos, sendo então repreendido por Tonho.

O momento histórico também é de suma importância para as adaptações literárias: notamos que a adaptação de 1970 traz Tonho como um emigrante, saindo de sua terra natal e indo para São Paulo em busca de melhores condições de vida, assim como a obra original. Isso retrata o momento histórico do país naquela época, havendo um forte êxodo para os grandes centros, enquanto o filme de 2003 coloca Tonho como brasileiro que tentou a sorte nos Estados Unidos, mais uma vez sendo fiel a realidade sócio-econômica que o Brasil vivia, com grande parte de brasileiros saindo do país em busca de melhores condições de vida no exterior.

Plínio Marcos enfatiza na obra original a importância dos sapatos na vida de Tonho. A todo momento a personagem afirma que “se possuísse um belo par de sapatos conseguiria um empre-go digno”, mas só pelo fator de não possuir, vive aquela vida medíocre. Tal importância também merece destaque nas duas adaptações, na primeira, de 1970, por ser altamente semelhante a obra original, os diálogos são basicamente retratados e o enredo é o mesmo, mas, na adaptação de 2003, Paco sonha em ser cantora de Hip Hop, Tonho está prestes a ser deportado para o Brasil, já que seu passaporte expirou, então pede 500 dólares emprestado a Paco, que afirma não possuir o dinheiro para emprestar a Tonho, ainda ironiza-o e o faz ajoelhar para conseguir o empréstimo. Pouco tempo após o ocorrido, Paco aparece com um belo par de botas, e diz que agora que possui tão belo “pisante” será uma estrelada música, diz então que gastou exatos 500 dólares nos sapa-tos. Tonho sente-se totalmente traído por sua companheira, a partir daí, resolvem tramar o assalto que possivelmente, mudaria suas vidas. No desfecho do filme, quando Tonho aponta a arma para Paco, lhe toma tudo e vai embora, Tonho retoma sua gratidão, sua hombridade, sua dignidade roubando as botas de Paco, mesmo que lhe servissem apenas como “troféu”e mais nada.

Duas grandes divergências nas adaptações, encontram-se no desfecho: na obra original, Tonho acumula tanto ódio de Paco e suas ironias no decorrer da história, que ao término do assalto e

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da divisão dos lucros, resolve matá-lo. Na adaptação de 1970 não há grandes diferenças, Tonho também mata Paco da mesma forma da obra original, com um tirana cabeça. A adaptação de 2003 traz embutida a segunda novidade, Tonho deixa explícito que nutre sentimentos por Paco, um amor carnal, de homem para mulher, e por esse motivo, não atira em Paco, somente retoma sua dignidade, rouba tudo o que era de Paco, inclusive o par de botas, deixa-a nua, passando vergonha e retira-se, sem matá-la.

Outra característica marcante nas adaptações encontra-se não projeto audiovisual idealizado por José Jofilly, em seu filme de 2003, o diretor faz uso de diversos apelos emocionais para fazer com que seu filme caia no gosto popular: primeiramente podemos citar o final inusitado, em que Tonho não mata Paco, justamente por nutrir um amor humano e carnal pela personagem encenada por Débora Falabella. A edição também é realizada de uma forma a aumentar a carga emocional contida no final idealizado pelo diretor, fazendo uso de um apelo com o contraste de sombras, um ótimo truque de iluminação para transmitir sentimento, além da trilha sonora composta por Ar-naldo Antunes, especialmente para o filme, com a música “Dois perdidos” sendo tocada enquanto Tonho, anda sem rumo pelas ruas norte-americanas, deixando para o público refletir como teria sido seu final.

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conclusões Ao realizar um paralelo entre a peça de teatro “Dois perdidos numa noite suja”, de Plínio Mar-

cos, e suas adaptações para o meio audiovisual, sendo uma de 1970, do diretor Braz Chediak, e outra de 2003, de José Jofilly, concluímos que há duas formas de se realizar uma adaptação: a primeira é seguindo fielmente o que foi proposto pelo autor, a segunda e possivelmente mais atra-ente, é fazer com que o diretor e o roteirista que desejam realizar a adaptação, consigam expandir o universo presente na obra, mudando cenários, personagens e o que mais for necessário, mas cla-ro, mantendo sempre a essência fundamental que o autor do conto original desejava transmitir, e não julgar uma adaptação literária pelo seu grau de fidelidade literal à obra original, mas por sua eficácia em adequar para um meio audiovisual a estética e a forma diferente de uma dada trama ou história, podendo assim, demonstrar a qualidade dos profissionais que realizaram a transição da adaptação para o meio audiovisual. Outro fator que deve ser ressaltado, é que com os recursos que possuímos atualmente, conseguimos transmitir determinados sentimento com muito mais facilidade, realizando uma boa edição, fazendo uso de iluminação característica e trilha sonora específica. Quem sai ganhando, são sempre os expectadores, que possuem material farto para saciarem-se de entretenimento.

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referências

MARCOS, Plínio: dois perdidos numa noite suja, 1966, Global Editora.

CARRIERE, Jean-Claude; BONITZER, Pascal: Prática do roteiro e cinema gráfico, 1996, Jsn Editora.

FIELD, Syd: manual do roteiro, 1979, Editora Objetiva