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EFN Nº 70051741577 (N° CNJ: 0480753-49.2012.8.21.7000) 2012/CÍVEL 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DANO AMBIENTAL. RIO DOS SINOS. MORTANDADE DE PEIXES. NEXO CAUSAL ENTRE A CONDUTA DA RÉ UTRESA E DANO OCORRIDO NÃO COMPROVADO. RESPONSABILIDADE DA FEPAM NÃO DEMONSTRADA. 1. Ausente nexo de causalidade entre a conduta adotada pela Utresa e o evento de mortalidade dos peixes. Voto vencido do relator, que entendeu comprovada a responsabilidade da ré UTRESA pelos danos causados ao autor. 2. Responsabilidade da FEPAM não demonstrada. 3. Honorários advocatícios fixados com razoabilidade, dentro das balizas ditadas pelo art. 20 do CPC. POR MAIORIA, DESPROVERAM AO APELO DA AUTORA E PROVERAM AO APELO DA ULTRESA. APELAÇÃO CÍVEL NONA CÂMARA CÍVEL Nº 70051741577 (N° CNJ: 0480753- 49.2012.8.21.7000) COMARCA DE SAPUCAIA DO SUL UTRESA UNIAO TRABALHADORES RESIDUOS ESPECIAIS E SANEAMENTO AMBIENT APELANTE/APELADO JOSE TELMO FARIAS DOS SANTOS APELANTE/APELADO FUNDACAO ESTADUAL DE PROTECAO AMBIENTAL HENRIQUE LUIS ROESSLER - F APELADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos.

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EFN Nº 70051741577 (N° CNJ: 0480753-49.2012.8.21.7000) 2012/CÍVEL

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DANO AMBIENTAL. RIO DOS SINOS. MORTANDADE DE PEIXES. NEXO CAUSAL ENTRE A CONDUTA DA RÉ UTRESA E DANO OCORRIDO NÃO COMPROVADO. RESPONSABILIDADE DA FEPAM NÃO DEMONSTRADA. 1. Ausente nexo de causalidade entre a conduta

adotada pela ré Utresa e o evento de mortalidade dos peixes. Voto vencido do relator, que entendeu comprovada a responsabilidade da ré UTRESA pelos danos causados ao autor.

2. Responsabilidade da FEPAM não demonstrada. 3. Honorários advocatícios fixados com

razoabilidade, dentro das balizas ditadas pelo art. 20 do CPC.

POR MAIORIA, DESPROVERAM AO APELO DA AUTORA E PROVERAM AO APELO DA RÉ ULTRESA.

APELAÇÃO CÍVEL

NONA CÂMARA CÍVEL

Nº 70051741577 (N° CNJ: 0480753-49.2012.8.21.7000)

COMARCA DE SAPUCAIA DO SUL

UTRESA UNIAO TRABALHADORES RESIDUOS ESPECIAIS E SANEAMENTO AMBIENT

APELANTE/APELADO

JOSE TELMO FARIAS DOS SANTOS

APELANTE/APELADO

FUNDACAO ESTADUAL DE PROTECAO AMBIENTAL HENRIQUE LUIS ROESSLER - F

APELADO

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos os autos.

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Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara

Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em negar provimento à

apelação da parte autora e dar provimento ao apelo da ré Utresa.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes

Senhores DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (PRESIDENTE) E DES. MIGUEL ÂNGELO DA SILVA.

Porto Alegre, 09 de outubro de 2013.

DES. EUGÊNIO FACCHINI NETO,

Relator.

R E L A T Ó R I O

DES. EUGÊNIO FACCHINI NETO (RELATOR)

UTRESA – UNIÃO DOS TRABALHADORES EM RESÍDUOS

ESPECIAIS E SANEAMENTO AMBIENTAL, de um lado, e JOSÉ TELMO

FARIAS DOS SANTOS, de outro, apelam de sentença do Juiz de Direito da

1ª Vara Cível de Sapucaia do Sul (fls. 629-634), que assim decidiu a lide:

(...)

Diante do exposto, julgo IMPROCEDENTE o feito ajuizado

por JOSÉ TELMO FARIAS DOS SANTOS contra FUNDAÇÃO

ESTADUAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL HENRIQUE LUÍS

ROESSLER – FEPAM, nos termos do art. 269, inciso I, do

CPC.

Julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação ajuizada por

JOSÉ TELMO FARIAS DOS SANTOS contra UTRESA –

UNIÃO DOS TRABALHADORES EM RESÍDUOS ESPECIAIS

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E SANEAMENTO AMBIENTAL, nos termos do artigo 269,

inciso I, do CPC, para condenar a empresa ré a efetuar o

pagamento, em favor da parte autora, a título de danos morais,

da importância de R$ 7.000,00 (sete mil reais), corrigido pelo

IGPM a partir desta data e acrescido de juros de 1% ao mês,

desde a citação.

Diante da sucumbência mínima do autor, condeno a parte ré

ao pagamento das custas processuais e honorários

advocatícios ao procurador da autora, os quais fixo em 15% do

valor da condenação, considerados o tempo e o labor

despendidos pelos causídicos, forte no art. 20, § 3º, e art. 21, §

único, ambos do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

(..)

A co-ré UTRESA, em seu apelo (fls. 641-677), aduz que: a) a

decisão recorrida não se sustenta ante ao conjunto probatório existente nos

autos; b) o fato de ter sido autuada à época dos fatos não é suficiente para

ensejar a sua condenação; c) a prova é farta no sentido de que não lhe pode

ser atribuída a responsabilidade pela mortandade dos peixes ocorrida em

outubro de 2006 no Rio dos Sinos; d) o evento ocorreu pela conjugação de

uma série de fatores, dentre os quais se destaca a poluição advinda do

esgoto doméstico não tratado (de responsabilidade do Poder Público), sendo

este o fator decisivo para a ocorrência do dano; e) o relatório do corpo

técnico da FEPAM (fl. 466) concluiu que não houve envenenamento dos

peixes, portanto, não pode ser responsabilizada pelo ocorrido; f) a prova oral

também foi farta à demonstrar que não deu causa ao evento danoso,

inexistindo nexo de causalidade entre sua ação e os supostos prejuízos

experimentados pelo requerente; g) logo, nenhuma indenização é devida.

Pede a reforma da sentença. Caso mantida, pede a redução do quantum

indenizatório.

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O autor, em seu apelo (fls. 679-691), insurge-se contra o

julgamento de improcedência do pedido contra a FEPAM, considerando-a

co-responsável pelo evento danoso, razão pela qual pede a reforma no

ponto. Além disso, pugna pela majoração do quantum indenizatório, bem

como dos honorários advocatícios.

Intimadas, as partes ofereceram contrarrazões (fls. 695-718;

719-756 e 757-761), pugnando pelo desprovimento dos recursos adversos.

Encaminhados os autos ao Ministério Público, sobreveio

parecer da Procuradora de Justiça (fls. 763-769v), manifestando-se pelo

provimento do apelo da ré e desprovimento do recurso do autor.

Inicialmente distribuído à 21ª Câmara Cível (fls. 770-782),

vieram-me os autos conclusos por redistribuição (fl. 785v).

Registro, por fim, terem sido cumpridas as formalidades dos

artigos 549, 551 e 552 do CPC, considerando a adoção do sistema

informatizado.

É o relatório.

V O T O S

DES. EUGÊNIO FACCHINI NETO (RELATOR)

Eminentes Colegas.

Como visto do relatório, ambas as partes apelam da sentença

do Juiz singular: o autor, pretendendo a majoração da indenização e a

responsabilização também da FEPAM; e a co-ré UTRESA, a reforma integral

do julgado e/ou a redução do quantum indenizatório.

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Pois bem. O caso é conhecido desta Câmara, pois já foi

enfrentado em outras oportunidades, inclusive nas duas sessões

imediatamente anteriores a essa, e versa sobre a reparação civil pretendida

por pescador atingido pela mortandade de cerca de 86 toneladas de peixes

no Rio dos Sinos, ocorrida no início de outubro de 2006.

Por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 70045254489,

de Relatoria do Desembargador Tasso Caubi Soares Delabary, interposta

pela “Colônia de Pescadores Z5 – Ernesto Alves” (da qual o autor deste feito

faz parte, tendo, entretanto, desistido da ação coletiva para ajuizar esta

individual), analisei exaustivamente os mais de 40 volumes que compunham o feito, e após profunda reflexão sobre o tema e provas produzidas, proferi voto divergente, dando provimento a pretensão dos pescadores.

É bem verdade que restei vencido. Porém, com a devida vênia da douta maioria, continuo convicto das razões que então expus em meu voto vencido.

E por se tratar exatamente do mesmo caso, dos mesmos fatos,

embora esses autos sejam bem menos volumosos, peço vênia para transcrevê-lo como parte das razões de decidir, o que faço de imediato, pois naquele voto eu procuro neutralizar algumas das objeções que integram a defesa da ré, e que inclusive foram também acolhidas no parecer ministerial de segundo grau:

(...)

“De início, impõe-se esclarecer que o Rio dos Sinos – que possui

extensão de aproximadamente 190 km, conforme bem descrito no laudo pericial do

IGP (fl. 4630) – divide-se “didaticamente” em três trechos ou percursos, a saber: o

superior (da nascente, em Caraá, passando, dentre outros, por Osório e Santo

Antônio da Patrulha); o médio ou intermediário (compreendendo, dentre outros, os

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Municípios de Taquara, Parobé, Sapiranga, Nova Hartz, Dois Irmãos); e o percurso

inferior (que perpassa, dentre outros, os Municípios Campo Bom, Novo Hamburgo,

São Leopoldo, Sapucaia do Sul, Nova Santa Rita, Esteio e Canoas, onde, por fim,

deságua). À fl. 55 consta um mapa que permite a visualização do Rio em meio à

localização dos Municípios. Também as imagens seguintes permitem tal

visualização:

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O desastre ambiental que originou esta demanda ocorreu no trecho

inferior, sendo que o local onde se verificou a maior concentração de peixes mortos

foi o Arroio Portão – tido, por isso mesmo, como foco principal (mas não o único

ponto de lançamento de resíduos tóxicos) –, conforme descrito e referendado nos

diversos laudos técnicos que se encontram no caderno processual, não sendo

desnecessário citar um por um neste momento.

A área de atuação/abrangência da autora – cuja legitimidade ativa

enquanto representante dos interesses de seus associados considero evidente,

concordando, nesse aspecto, com o eminente Relator – conforme consta no seu

Estatuto Social (fls. 45-54) engloba: Porto Alegre, Alvorada, Gravataí, Cachoeirinha,

Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, São Leopoldo, Portão, Nova Santa Rita, Novo

Hamburgo, Estância Velha, Ivoti, Dois irmãos, Sapiranga, Parobé, Campo Bom,

Guaíba, Eldorado do Sul, e Triunfo até Porto Batista.

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Presunção lógica – e que veio confirmada por diversas provas

constantes nos autos – é de que seus associados, residentes nos Municípios

supracitados, desenvolvem atividade pesqueira nos cursos d'água que compõem

a bacia do Rio dos Sinos em toda a sua extensão (GRIFO NOSSO), inclusive,

mas não de forma exclusiva, no trecho atingido de forma mais intensa pelo

sobredito desastre.

Friso. Há, nos autos, vários elementos que confirmam o exercício da

atividade pesqueira – e, por decorrência lógica, da existência de pescadores

associados da autora – no Rio dos Sinos e seus afluentes.

Para melhor analisar as provas a esse respeito, dividirei o voto por

tópicos, conforme segue:

NO QUE TANGE À PROVA DA EXISTÊNCIA DE PESCADORES E DE QUE

ESSES REALIZAVAM A PESCA NO RIO DOS SINOS E SEUS AFLUENTES:

Além da vasta documentação – legal, referendada pelos órgãos

competentes – dando conta do cadastramento de seus associados junto à Secretaria

Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República (fl. 56 e seguintes),

consta dos autos o Ofício-Resposta emitido pelo Ministério do Trabalho (fl. 400),

informando a relação dos pescadores associados da autora que foram beneficiados

pelo Governo Federal com o seguro-desemprego, tudo isso por conta do grave

desastre ambiental em análise (fls. 401-669).

Nesse ponto consigno que, diferentemente do que sustentam as

rés, os órgãos Públicos jamais concederiam o benefício, tampouco o manteriam

pelo período designado, caso houvesse a proibição legal de praticar a atividade

pesqueira no referido curso hídrico, sob pena de ofensa ao princípio da

legalidade. Se concederam o benefício, friso, é porque reconheceram que os

pescadores beneficiados foram de fato atingidos pelo evento danoso, restando

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impossibilitados – ainda que temporariamente – de exercerem suas atividades

laborais. (GRIFO NOSSO)

Não se ignora a possibilidade de ter ocorrido uma ou outra

incorreção na concessão do referido auxílio – o que, de regra, ocorre em todo e

qualquer programa de assistência social promovido pelo Poder Público (basta

lembrar os escândalos veiculados pela imprensa acerca das fraudes nos

programas “bolsa escola” e “bolsa família”). Mas o fato de existirem pessoas

que agem de forma antiética, burlando controles para obtenção de vantagens

indevidas, não importa na presunção de que todos os demais beneficiados

também estejam imbuídos do mesmo espírito. (GRIFO NOSSO)

No caso dos autos, friso, houve uma tentativa muito grande das

requeridas de “desmoralizar” os associados da autora, como se nenhum dos

pescadores relacionados nos autos exercesse, de fato, a pesca habitual – muito

menos profissional - no referido Rio. (GRIFO NOSSO) Tentaram fazer crer que

os mesmos são pessoas instruídas e com razoável padrão econômico, que exercem

outras atividades profissionais (jornalistas, militares, comerciantes, etc) como fonte

de subsistência, e que apenas teriam efetuado o registro como profissionais apenas

para evitar a fiscalização, já que habituados à pesca amadora. Veja-se, nesse ponto, o

depoimento da testemunha Maria Regina de Assis de Oliveira da Silva (fls. 8871-

8872), com a ressalva de que a mesma foi contratada pela co-ré Gelita para realizar

uma pesquisa de campo nesse sentido, o que, por si só, coloca em dúvida as

“conclusões” a que chegou.

Todavia, a tese construída pela defesa, não obstante a “confirmação”

feita pela sobredita testemunha, restou afastada com a resposta pontual da associação

demandante, que logrou demonstrar o seu escorreito proceder, bem como as

providências que tomou quanto àqueles que se utilizaram indevidamente de seu

nome e de seu respaldo institucional (fls. 7213-7226). Além disso, outra testemunha

arrolada pelas rés – Prof. Uwe Rost Schultz – tido como peça fundamental da defesa,

confirmou que os associados da autora são pescadores humildes, de precárias

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condições financeiras e que sobrevivem da pesca, o que afasta derradeiramente tal

tentativa. Reproduzo parte de seu depoimento, para ilustrar o acima dito:

(...)

Procuradora da parte autora: (...) A testemunha já disse aqui que

não há pescadores profissionais no rio dos Sinos. A colônia de

pescadores é formada por centenas de pescadores devidamente

registrados, que receberam o seguro defeso do Ministério e são

comprovadamente pescadores profissionais, esse é o objetivo da

minha pergunta: se ele esteve nesta colônia falando para os

pescadores?

Testemunha: Eu estive lá e falei com os pescadores.

Procuradora da parte autora: Quantos mais ou menos tinham?

Testemunha: Pescadores?

Procuradora da parte autora: Sim. Quantas pessoas...

Testemunha: Em reuniões diversas, variava entre um e oitenta, cem

pessoas.

Procuradora da parte autora: E qual, na sua avaliação pessoal, o

poder aquisitivo dessas pessoas? São pessoas abastadas ou pessoas

simples?

Testemunha: São pessoas simples.

(...)

A reportagem do Jornal Zero Hora do dia 10/10/2006, colacionada

à fl. 3041 – anexada ao inquérito da Polícia Civil de Sapucaia do Sul – traz

estampada uma fotografia que não deixa dúvida acerca da existência de

pescadores que viviam do exercício da atividade no Rio dos Sinos.

Além disso, a prova oral colhida nos autos também revela que

havia, sim, atividade pesqueira habitual no referido curso d’água, ainda que as

testemunhas arroladas pelas demandadas se esforçassem para demonstrar o contrário.

Senão, vejamos:

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A propalada testemunha Viviane Nabiguer (fls. 8.734-8.739), que em

vários momentos referiu-se à pesquisa feita pelo Professor Uwe no ano de 2000,

insistindo inexistir pescador profissional atuante no Rio dos Sinos, em dado

momento assim referiu:

(...)

Juiz: Deixa eu só sublinhar uma coisa que eu acho que é importante

para realização desse processo: a senhora está me afirmando que não

existem pescadores profissionais, que não existem pessoas que

sobrevivem da pesca profissional no Rio dos Sinos. Isto?

Testemunha: Dentro da pesca no Rio dos Sinos. Na nossa pesquisa,

que foi isso incansavelmente pesquisado, nós não registramos. O

que foi registrado e que foi pra nós o aspecto extremamente negativo

foi de encontrar um pescador predador. Aquele cidadão que faz a

pesca com equipamentos inadequados, fora da legislação, por

exemplo, uma rede de malha fina. Hoje em alguns trechos em São

Leopoldo a gente às vezes consegue identificar ainda que as redes

passam a ser submersas. Antigamente a gente ainda via. Hoje eles

fazem elas descerem pra gente não ter essa verificação. Em períodos

de piracema, semana passada ou duas semanas atrás, eu tava em

férias e ainda vi numa reportagem que saiu no Vale dos Sinos, uma

apreensão do controle ambiental da Brigada Militar fazendo uma

recolheção de redes em Parobé num volume bastante intenso. E isso

pra nós, no nosso cotidiano, era muito comum agente vivenciar. O

secretário de Meio Ambiente de Novo Hamburgo no período de 2004,

ele cansou de recolher e isso foram registrados, as redes

inadequadas pra pesca e em períodos justamente aonde acontece a

Piracema. Então essa realidade a gente se deparou. De um pescador

que ele não tinha essa preocupação em ter a sua pesca dentro

daquilo que a legislação nos oferece.

(...)

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Ora, como a referida testemunha poderia afirmar que esses pescadores

que disse ter visto com redes proibidas, praticando pesca predatória (no seu entender)

eram amadores e não profissionais, se não os entrevistou ou autuou?

Em outro trecho de seu depoimento, ainda reforçando a tese da defesa

(no sentido de inexistir pesca profissional do dito Rio), a testemunha assim

asseverou:

(...)

Juiz: Esse pescador, ele sobrevivia da pesca ou era pescador

eventual?

Testemunha: Eu não acredito que sobreviva. Primeiro, porque a

abundância e o tamanho do nosso peixe ele não tem essa dimensão pra

poder na verdade servir de meio de vida. (...) O aspecto que nós nos

preocupávamos muito era justamente de não haver pelos órgãos

oficiais, particularmente pela Secretaria da Saúde do Estado, um

estudo sobre a situação sanitária do peixe do Sinos pra fins de

consumo. Porque a gente sabe que muita gente consome. Não pra

sobrevivência que eu digo no sentido comercial, mas agente vê

aquele pequeno pescador que tá ali, tira dois ou três peixinhos e faz

pro consumo próprio. Mas uma quantidade que sirva pra ele

sobreviver, nós não acreditamos nisso justamente por conta dos

estudos que foram feitos. (...) O que existe é o pescador eventual,

que faz o seu lazer, que consome eventualmente esse peixe. Esse ele

existe e infelizmente sempre se tem essa notícia de que ele tá

associado agressão á vida aquática, neste período em particular da

Piracema.

(...)

O questionamento anterior repete-se aqui: como pode afirmar que tais

pescadores não sobreviviam da venda do referido peixe? Como sabia que pescavam

apenas para consumo próprio? Simples afirmações, sem fundamentar em fatos que

lhes dê sustento, não podem ser tidas como provas conclusivas.

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Vamos adiante.

A testemunha Uwe Rost Schultz (fls. 8.745-8.748), referiu que atuou

em vários projetos no rio dos Sinos desde 1995, sendo que um deles, referente ao

“peixe dourado”, iniciou em 1998. Na ocasião, monitorava os peixes de São

Leopoldo para cima, e disse que procurou pescadores profissionais que atuassem no

rio à época, não logrando êxito. Ressaltou que “pescador profissional no rio dos

Sinos era raro”.

Ora, dizer que um pescador profissional no Rio dos Sinos “é muito

raro de ser encontrado” não é o mesmo que dizer que inexistem pescadores que

exercem a atividade pesqueira e habitual no dito curso. Ademais, a referida

testemunha não monitorou a área afetada na época dos fatos, ressaltando que teve

“participação” periférica.

O mesmo se pode dizer da testemunha Adolfo Antônio Klein, que à fl.

8.511 foi categórico ao afirmar ter realizado pesquisa no dito Rio por volta do ano de

2000/2001 “para estabelecer o alongamento do tempo de defeso da pesca do peixe

dourado”, ocasião em que constatou inexistir pescadores que atuavam de forma

profissional no dito curso. Urge, então, questionar: se não havia pesca profissional do

referido rio, porque então elaborar estudo científico para estender /prolongar o tempo

de defeso? Outro detalhe chama a atenção e não pode passar despercebido - a sua

pesquisa foi realizada seis anos antes do evento danoso: então, como pretender

utilizar tais dados como verdadeiros, se é cediço que a realidade sócio-cultural-

ambiental transforma-se diuturnamente?

Informações similares se extraem dos depoimentos das testemunhas

Maria Regina de Assis de Oliveira da Silva e Henrique da Costa Pietro. Ambos

informaram saber apenas da existência de pescadores “amadores”, que se alimentam

do que pescam no Rio dos Sinos, mas não praticam a atividade para fins comerciais.

Resta perguntar: como sabem? Foram eles, de fato, entrevistados? Caso positivo,

onde estão as entrevistas? Onde restaram documentadas? (especialmente as

realizadas pela Sra. Maria Regina – que, friso, foi “contratada” por uma das rés para

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realizar tal levantamento, o que por si só torna questionável a conclusão à que

chegou). Nenhum documento aportou aos autos!

Destarte, diante das contradições e lacunas dos ditos depoimentos (que

revelam a intenção das testemunhas em minimizar a conduta das rés, imputando ao

Poder Público a responsabilidade pelo desastre em voga), é possível se extrair que

existiam, sim, pescadores exercendo suas atividades habituais no Rio dos Sinos e

seus afluentes à época do evento danoso, cidadãos esses que foram diretamente

atingidos e prejudicados pelo evento danoso.

Além disso, basta simples consulta à internet para constatar inúmeras

reportagens jornalísticas que versam sobre a situação periclitante enfrentada pelos

pescadores e comunidade ribeirinha desde o fatídico evento danoso, o que confirma

que dependiam do rio dos Sinos como meio de sobrevivência.1

Aliás, o simples fato de pré-existir uma associação de pescadores,

integrada por centenas de associados, já seria um sério indicativo da existência de

pescadores profissionais no Rio dos Sinos. Tal associação integra membros que

praticam a pesca em inúmeros municípios, como se vê de seu estatuto. O fato do

desastre ecológico discutido nos autos ter ocorrido num particular trecho do rio não

significa, minimamente, que tal fato não tenha prejudicado os pescadores, pois os

efeitos da mortandade de quase noventa toneladas de peixe, de dezesseis espécies

diversas, por óbvio que se fazem sentir em toda a bacia hidrográfica, já que os

peixes, livres na natureza, circulam por toda a bacia que compõe o ecossistema em

que vivem. Assim, com a devida vênia, é irrelevante eventual prova de que naquele

particular e específico trecho do rio inexistiam pescadores profissionais, em razão da

degradação da qualidade da água. Não fosse a enorme mortandade de peixes naquele

local, tais peixes teriam naturalmente circulado em direção a águas de melhor

qualidade, até pelo simples instinto natural de sobrevivência. E, nessas outras águas,

1 Apenas para exemplificar, veja-se: http://www.ambienteja.info/ver_cliente.asp?id=107169, http://noticias.ambientebrasil.com.br/clipping/2006/10/19 /27384 -salario-defeso-extra-socorre-pescador-do-rio-dos-sinos-no-rio-grande-do-sul.html;

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teriam sido eventualmente alvo de pesca daqueles associados. Portanto, não tenho

dúvidas de que a esmagadora maioria dos associados da autora eram, sim,

pescadores profissionais e foram prejudicados pela verdadeira catástrofe que se

abateu sobre o Rio dos Sinos – cujos sinos, se realmente badalassem, teriam

tocado em dobrado naqueles tristes dias. (GRIFO NOSSO)

NO QUE TANGE À PROVA DE QUE A PESCA ERA PERMITIDA

OFICIALMENTE NO RIO DOS SINOS E SEUS AFLUENTES:

Ao contrário do que foi afirmado na sentença, há elementos

oficiais a confirmar que a pesca não era proibida no Rio dos Sinos, ao menos na

amplitude afirmada. Tal conclusão é reforçada pelas portarias oficiais

emanadas do órgão competente – IBAMA – estabelecendo a época de defeso

aplicada ao dito Rio, a cada ano (geralmente entre novembro e janeiro,

considerando ser esta a época regular da piracema).

Ora, se em determinado período do ano – correspondente ao da

piracema – era proibida a pesca (a fim de permitir a reprodução dos peixes e

não colocá-los sob ameaça), por evidente, nas demais épocas a pesca era

permitida. Outra conclusão ofende à lógica! (GRIFO NOSSO)

Vale ressaltar, ainda, o teor da Instrução Normativa nº 121 de

18/10/2006, emitida pelo IBAMA, que assim refere:

(...)

Considerando a situação emergencial em que se encontra a bacia

hidrográfica do rio dos Sinos e do Arroio Portão, no Estado do

Rio Grande do Sul, em decorrência do acidente ambiental

ocorrido no dia 11 de outubro de 2006, gerando grande

mortandade de peixes; e

Considerando a proposição apresentada pela Diretoria de Fauna e de

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Recursos Pesqueiros - DIFAP, no processo Ibama nº

02001.005275/2003-14, resolve:

Art.1º Proibir, durante o período de 11 de outubro de 2006 a 31 de

janeiro de 2007, a pesca na bacia hidrográfica do rio dos Sinos e

do Arroio Portão, no Estado do Rio Grande do Sul.

Parágrafo único. Para efeito desta Instrução Normativa, entende-se por

bacia hidrográfica, o rio principal, seus formadores, afluentes, lagos,

lagoas marginais, reservatórios e demais coleções de água inseridas na

bacia de contribuição do citado rio.

Art.2º Durante o período de proibição fixado no art.1º desta Instrução

Normativa serão avaliadas as condições ambientais da área de

abrangência da bacia hidrográfica do rio dos Sinos e do Arroio Portão,

no Estado do Rio Grande do Sul, para fins de deliberação quanto à

prorrogação da proibição de que trata este ato.

(...)

Seu teor não deixa dúvidas: antes da referida data a pesca estava

liberada no Rio dos Sinos e seus afluentes, restando suspensa pelo período

mencionado, podendo a proibição ser prorrogada caso o órgão ambiental entendesse

necessário.

Por outro lado, a partir dos termos oficiais constantes do art. 1º e seu

parágrafo único, da referida Instrução Normativa, percebe-se que o IBAMA

reconhece que a catástrofe teve repercussão em toda a bacia hidrográfica do Rio

dos Sinos, considerada como tal não só o rio principal, mas também “seus

formadores, afluentes, lagos, lagoas marginais, reservatórios e demais coleções de

água inseridas na bacia de contribuição do citado rio”!

Destarte, de todo o exposto até aqui, imperioso concluir que a pesca

no Rio dos Sinos e seus afluentes não só era permitida, como também, de fato,

existia e era praticada regularmente – inclusive pelos associados da autora. Não fosse

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por isso, não teriam eles sido beneficiados com seguro-desemprego e regularmente

com o salário-defeso, como incontroversamente ocorreu.

NO QUE TANGE À CLASSIFICAÇÃO/CONAMA DO RIO DOS SINOS

As rés – e suas testemunhas – reiteraram que a qualidade das águas no

corpo hídrico, especialmente no trecho intermediário e inferior, era péssima, muito

ruim, recebendo a pior classificação de acordo com a Resolução 357/2005 do

CONAMA (4), o que impediria a pesca comercial.

Tal entendimento foi acolhido pela Colega sentenciante, e também

pelo Relator deste apelo, que consideraram o fato como decisivo para romper o nexo

de causalidade entre a conduta da rés e os danos experimentados pelos pescadores.

Contudo, como já adiantei no início deste voto divergente, com a

máxima vênia dos Colegas, esta premissa não é exata, tampouco concludente!

Isso porque o Rio dos Sinos não possui classificação única, mas sim,

por trechos/percursos (superior, médio e inferior, como visto), havendo distinção

entre eles de acordo com a situação: regiões mais degradadas recebem classificação

mais alta, enquanto outras mais preservadas recebem classificação mais baixa.

Tal conclusão prende-se não apenas à prova oral, como também à

documental. E neste ponto, ganha relevo a informação prestada pela FEPAM à fl.

8582, documento este firmado pela bióloga Maria Dolores S. Pineda, que assim

esclareceu:

(...)

“Em relação às informações requisitadas, referente ao enquadramento

do Rio dos Sinos bem como o período de piracema, temos a informar o

que segue:

1. As classes em que se enquadra o Rio dos Sinos, a partir de

Taquara até Portão:

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O Rio dos Sinos teve seu enquadramento executado entre os anos de

2000 e 2002. A definição dos usos futuros das águas da bacia

hidrográfica é resultado da proposta técnica formulada pela FEPAM,

consubstanciada nas expectativas apresentadas pela população

que vive e trabalha na bacia Sinos, através de ampla consulta

coordenada politicamente pelo COMITESINOS.

(.....)

Até a consolidação de uma nova proposta, o COMITESINOS e a

FEPAM tem adotado como referência a proposição referendada

pelo Comitê. Segundo esta proposta, o Rio dos Sinos em Taquara

foi enquadrado como Classe 2, e a partir de Campo bom, até a foz,

como Classe 3.

De qualquer forma, a Resolução 357/2005 define que para corpos

hídricos não enquadrados a classe de qualidade a ser adotada é a

Classe 2.

2. Período de Piracema:

A proibição da pesca de espécies em períodos de reprodução é de

competência do IBAMA. A instrução normativa nº 197 de

outubro/2008 (cópia em anexo) define: “Fica anualmente proibida a

pesa no período de defeso, fixado no interstício de 1º de novembro a

31 de janeiro, nas bacias hidrográficas dos estados do Rio Grande do

Sul e Santa Catarina”.

Em 22 de dezembro de 2008. (...)

É certo que as testemunhas antes citadas (arroladas pelas rés)

reforçaram a tese de que o Rio dos Sinos, especialmente na altura da foz dos Arroios

Portão e Luiz Rau, apresenta classificação 4, porquanto a qualidade de suas águas é

péssima, estando o corpo hídrico praticamente “morto” nestes pontos. Entretanto,

não se imagina que os pescadores permaneçam neles estagnados, parados com seus

barcos e anzóis esperando capturar o peixe que ali se encontra! De qualquer sorte, foi

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precisamente naquele trecho que 86 mil kilos de peixe encontraram sua morte. Ou

seja, peixe havia – e em abundância! – inclusive naquele trecho do rio.

Ora, o fato de os referidos locais apresentarem um quadro tão grave e

lamentável não importa na conclusão de que todo o rio e seus afluentes estivessem

no mesmo estado, e que, por isso, a pesca seria inviável e/ou inexistente em toda a

bacia. Ao contrário, as mesmas testemunhas confirmaram o que relatou o

documento emitido pela FEPAM, no sentido de que na parte intermediária e

superior a classificação é 3, senão 2, o que corresponde no caso desta última a água

limpa, potável, com preservação correta da vida aquática local, portanto, apta à

pesca.

Com a devida vênia da Julgadora monocrática e do eminente Relator,

reitero que foi olvidado que os peixes não ficam circunscritos a um trecho do Rio

(como se existissem cercas impedindo-os de adentrar para o trecho superior ou

para o inferior), mas, ao contrário, circulam livremente. E tal fato, salvo melhor

juízo, afasta a conclusão a que chegaram, pois estabelece suficientemente o nexo de

causalidade entre a mortandade de peixes e os danos experimentados pelos autores.

Aliás, como exigir dos pescadores associados da autora o

conhecimento de uma classificação que sequer é realizada de forma uniforme pelo

órgão competente, havendo divergência entre seu corpo técnico acerca da

classificação correta? Realmente não parece razoável tomar este elemento como

mote para justificar a exclusão do dever de indenizar o dano ambiental alegadamente

provocado pelas rés, até porque, friso, a prova carreada aos autos demonstra que

independentemente da classificação legal, a pesca era autorizada e praticada no

referido curso hídrico.

Tenho, assim, que havia abundância de peixe na bacia hidrográfica do

Rio dos Sinos, inclusive nas proximidades de suas áreas mais críticas, o que foi

revelado pela própria extensão da mortandade. Por outro lado, o simples fato de

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existir uma Associação de Pescadores que estatutariamente desenvolve atividades

profissionais ao longo de toda aquela bacia hidrográfica, já é um sinal sintomático de

que havia pesca profissional e que seus associados foram sim, inexoravelmente,

afetados pela tragédia. Reitere-se: o fato de terem eles recebido salário-defeso e

seguro desemprego, em razão dos fatos discutidos nos autos, além de toda a prova

documental já referida e ainda por referir, também é prova de que sofreram danos em

razão da mortantade.

Afastado o principal argumento da sentença – e do voto do eminente

Relator – no sentido da inexistência de danos sofridos pelos associados da autora, já

que não seriam pescadores ou de que a pesca na região era impraticável, passa-se a

analisar o dano ambiental em si e sua repercussão na atividade dos associados da

autora, bem como a responsabilidade das rés por tais fatos.

QUANTO AO DANO AMBIENTAL, SUA EXTENÇÃO E A

RESPONSABILIDADE DAS RÉS:

A tragédia ambiental que deu origem a esta demanda foi amplamente

divulgada nos meios de comunicação local, regional e nacional, dada à sua

magnitude. Consistiu ela na mortandade de aproximadamente 86 toneladas de peixes

de 16 espécies distintas no Rio dos Sinos. Esse lamentável episódio ocorreu no início

do mês de outubro do ano de 2006. Quanto a isso, trata-se de fato incontroverso, quer

em sua ocorrência, quer em sua extensão.

As investigações levadas a cabo à época pelos órgãos competentes –

FEPAM, Ministério Público, Polícia Civil, Brigada Militar, Prefeituras e

Organizações Civis – revelaram que o desastre foi provocado por uma combinação

de fatores e eventos, tendo sido decisiva a conduta das rés ao lançarem no referido

curso hídrico, efluentes industriais tóxicos e em quantidades absurdas, em total

desrespeito às suas Licenças Operacionais. Tais resíduos, em contato uns com os

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outros, provocaram uma combinação mortal que levou à redução extrema do nível de

oxigênio na água, e, por conseqüência, à asfixia dos peixes.

A mortandade dos peixes em si, bem como sua quantidade, é fato

incontroverso nos autos, estando sobejamente comprovada. Resta saber quais as

causas e a contribuição das rés para a tragédia.

Tenho que as rés violaram diversos dispositivos constitucionais e

legais, causando dano ao meio ambiente, razão pela qual devem responder objetiva e

solidariamente frente aos autores.

A contribuição de cada uma para a ocorrência do evento danoso veio

revelada através dos laudos periciais carreados aos autos. Deles se extraem seus

comportamentos lesivos, dentre os quais se destacam a manutenção de valas

clandestinas para escoamento de efluentes tóxicos especialmente para as águas do

Arroio Portão e Luiz Rau, afluentes do Rio dos Sinos.

Importante destacar o laudo pericial produzido pelo Instituto

Geral de Perícias (IGP), acostado às fls. 4623-4703 e anexos (fls. 4704- 5054). Tal

estudo – completo e exaustivo – revela em detalhes minuciosos o procedimento

adotado pelas demandadas, relatando as vistorias realizadas ‘in loco’, bem como o

resultado das análises técnicas. E o que revela é alarmante: as águas do Rio dos Sinos

e de seus afluentes, notadamente dos Arroios Portão e Luiz Rau, apresentaram altos

índices de contaminação por metais pesados, tais como bário, cádmio, chumbo,

cobre, cromo, fenol, ferro, manganês, níquel e zinco, decorrentes dos processos

produtivos das mencionadas empresas. Além disso, apresentavam concentração de

nitrogênio, nitrogênio amoniacal e sulfeto, extremamente alta, em total desacordo

com a legislação vigente. Veja-se, especialmente, o “resultado de análises e

medições” realizadas nas amostras coletadas durante os exames periciais (fls. 4680-

4684).

O laudo produzido pela FEPAM – denominado de Relatório de

Vistoria e Laudo Técnico – UTRESA - firmado pelo seu então diretor, biólogo

Jackson Müller, e que está acostado às fls. 1296-1391, não discrepou do produzido

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pelo IGP. E além de discriminar uma a uma as substâncias químicas que

contaminaram o Rio dos Sinos naquela ocasião, causando a referida mortandade,

trouxe informações relevantes acerca dos efeitos cumulativos que as mesmas podem

gerar. Vale destacar o seguinte trecho, apenas para exemplificar a gravidade das

conclusões:

(...)

Os pontos P1C, P2C e P3C CONSTITUEM AS EVIDÊNCIAS mais

contundentes dos lançamentos IRREGULARES praticados pela

UTRESA. Nos resultados das amostras é possível perceber a

magnitude da poluição que atingiu o Arroio Portão e

conseqüentemente o Rio dos Sinos. Elementos poluentes como fenol,

fósforo, magnésio, nitrogênio amoniacal (tóxico), e total, sulfeto,

cromo, zinco e surfactantes (detergentes), além de quantidades

expressivas e óleos e graxas, apresentaram níveis de toxidade e

capacidade de consumir oxigênio dissolvido em níveis extremamente

altos. São poluentes com efetivo potencial de causar mortandade de

peixes e outros seres vivos, além do seu efeito tóxico sobre a saúde

humana.

(...)

Os valores de metais pesados como o Cromo aumentaram 1080x,

além da carga poluente que não poderia estar sendo lançada.

(...).

Já o “Relatório de Vistoria do Serviço de Emergência” também

elaborado pela FEPAM, trouxe aos autos as fotografias dos locais degradados, além

das constatações técnicas iniciais, confirmando o lançamento de resíduos tóxicos

Ambos os laudos foram conclusivos acerca dos graves e nocivos

efeitos dessas substâncias ao meio ambiente, à vida de todas as espécies, inclusive a

humana, lançadas indevidamente pelas rés nos cursos d’água que deságuam no Rio

dos Sinos, valendo destacar a resposta dada ao quesito “5” pelo IGP, [sic]:

(...)

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Fls. 4698-4701, esp. Quesito 5.

Quais as conseqüências da poluição para a vida humana, animal e

vegetal?

Resposta: As conseqüências da poluição, neste caso, para a vida

humana foram a redução da quantidade de pescado, fonte de

alimentação e forma de subsistência da população ribeirinha,

associada à contaminação da água com substância em níveis

superiores aos permitidos em nossas normas ambientais pelo seu

potencial efeito tóxico, podendo causar danos à saúde no caso de

consumo da água. Para a vida animal foi a morte de expressiva

quantidade de peixes, estimada em 86 toneladas, o impacto desta

redução no estoque de peixes nas populações da avifauna ictiófaga e

demais organismos que estabeleçam relações tróficas com as

espécies afetadas, sem mencionar outros impactos no ecossistema

aquático da região, como modificações na estrutura e composição

das comunidades de organismos.” (grifos meus)

Ora, atualmente já é do conhecimento do público genericamente

informado que essas substâncias, notadamente os fenóis e benzenos, podem

transformar-se em estrogênio sintético, causando alterações genéticas graves nas

espécies afetadas, inclusive com a alteração de sexo e impossibilidade de reprodução,

além de câncer. Nesse sentido, esclarecedor e estarrecedor o estudo científico

promovido pela comunidade internacional, registrada no documentário produzido

pela BBC, intitulado “Assault on the male”.2

2 No vídeo (BBC – Assault on the male. Documentário. 1993), os pesquisadores relatam experimentos que demonstram o efeito dessas substâncias em animais, como camundongos, jacarés e peixes. O Dr. Richard Sharpe da Unidade de Biologia Reprodutiva de Edimburgo (Escócia) e o Prof. Niels Skakkebaek do Departamento de Crescimento e Reprodução do Hospital Universitário de Copenhagem (Dinamarca) descobriram que existia uma relação entre diversas doenças que estavam se tornando comum em indivíduos do sexo masculino, como a não descida do testículo, a feminilização do trato reprodutivo e a má formação da uretra, com a exposição excessiva a hormônios femininos. Na mesma época, a Dra. Ana Soto, do Departamento de Biologia Celular da “Tufts University School of Medicine” de Massachusetts (EUA), constatou que o nonifenol, um produto amplamente

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Esses efeitos chegaram a ser cogitados no caso dos autos. Muitas das

substâncias encontradas no Rio dos Sinos pelo IGP e pela FEPAM, decorrentes dos

lançamentos irregulares procedidos pelas rés, possuem efeito cumulativo, ficando

armazenadas na gordura dos peixes e animais aquáticos. Como afastar, então, a

possibilidade de os pescadores que se alimentam dessas espécies terem sido

contaminados? Os efeitos, por certo, demoram anos para serem descobertos.

Importante destacar, outrossim, que a FEPAM não descartou essa

possibilidade. Ao contrário, foi categórica ao asseverar a necessidade de, a curto

prazo: “Promover estudos quali-quantitativos sobre as condições do pescado na

bacia dos Sinos, com vistas a apurar possível contaminação daquelas espécies

utilizadas para consumo humano, integrando a Secretaria Estadual da Saúde”.

A prova constante no caderno processual é farta, portanto, a

demonstrar a conduta dolosa das rés que desrespeitaram suas licenças operacionais,

despejando no Rio dos Sinos e/ou seus afluentes substâncias extremamente tóxicas,

que, combinadas entre si e aliadas a outras (especialmente matéria orgânica

decorrente do esgoto doméstico não tratado), causaram a redução extrema de

oxigênio no referido corpo hídrico e, com isso, a maior mortandade de peixes já vista

neste Estado.

A conduta lesiva de cada uma das rés veio estampada nas

conclusões do laudo pericial elaborado pelo IGP, ora transcritas:

(...)

4. Conclusões

4.1 Relativas ao Rio dos Sinos e Arroio Portão (...)

4.2 Relativas à PSA Industrial de Papel:

utilizado nos anos 40, também mimetizava o estrogênio e causava a proliferação de células de câncer de mama. As imagens relacionadas ao lago Apopka (Flórida/USA) e as demais informações prestadas no documentário são impressionantes e nos fazem questionar se o mesmo não poderia estar ocorrendo com o nosso Rio dos Sinos, já que algumas substâncias encontradas naquele lago são as mesmas encontradas pelos peritos que analisaram as amostras do caso em debate.

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* O processo produtivo e os aditivos utilizados no processo da PSA

Industrial de Papel Ltda. conferem aos efluentes líquidos não

tratados, ou parcialmente tratados, características poluidoras que

podem resultar em danos à saúde humana ou provocar a mortandade

de animais ou destruição significativa da flora, dependendo das

características, vazão, condições hidrológicas e do porte do corpo

hídrico receptor e do volume de efluente não tratado lançado;

* Foi observado na empresa PSA Industrial de Papel Ltda. o

vazamento de efluentes líquidos não tratados, ou parcialmente

tratados, para o esgoto pluvial e para área não pavimentada nos

fundos da referida empresa, bem como a contaminação de

esgoto pluvial com resíduos de aparas de papel. A existência

destes fatos representa não cumprimento das normas

regulamentares exigidas na licença de operação concedida pelo

órgão ambiental competente (FEPAM – Fundação Estadual de

Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler).

* Foram observadas durante a realização do exame pericial medidas

por parte da administração da empresa PSA Industrial de Papel

Ltda., na forma de obras de construção civil, para corrigir o

extravasamento de efluentes não tratados e contaminação dos

esgotos pluviais, motivadas por auto de infração lavrado pelo

órgão ambiental competente (FEPAM);

4.3 Relativas à UTRESA A disposição de resíduos em valas sem cobertura e a deficiente ou

ausente impermeabilização das valas na UTRESA contribuem para

a geração de uma quantidade maior de líquido percolado que é

poluente potencial gerado em aterros de resíduos. O tipo de resíduos

depositados nas valas, em grande parte resíduos industriais

perigosos (Classe I conforme NBR 10.004), conferem ao percolado

características poluidoras que podem resultar em danos à saúde

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humana ou provocar a mortandade de animais ou destruição

significativa da flora;

* Foram observadas nos exames periciais medidas como vedação de

saídas de tubulações e construções de lagoas novas para contenção

de percolado, motivadas por auto de infração lavrado pelo órgão

ambiental competente (FEPAM);

* Foram constatados três pontos de lançamento de percolado

proveniente da UTRESA na margem direita do arroio Portão (Ponto

1, Ponto 2 e Ponto 3, Figura 10), sendo que um destes (Ponto 1) era

proveniente de uma lagoa de percolado existente no interior da

floresta ciliar do Arroio Portão, em Área de Preservação

Permanente; (grifo meu)

* A quantidade de percolado encaminhada para tratamento na empresa

BRESPEL era muito inferior a produzida pelas instalações da

UTRESA, inferindo-se que o excedente seria encaminhado para os

cursos d’água adjacentes, quais sejam: arroios Porão e Cascalho;

* Processos erosivos foram observados em diversos pontos na

UTRESA com a formação de sulcos e ravinas nos taludes e

carreamento de sedimentos em direção ao Arroio Portão, uma vez

que o solo da área na qual foi implantada a UTRESA apresentava

predominância da fração arenosa;

* O volume e características do percolado gerado pelas instalações da

UTRESA apresentariam potencial para causar reações químicas e

bioquímicas capazes de provocar expressivo consumo do oxigênio

dissolvido em grandes massas de água;

* As características e os vestígios de vazamento e erosão na área da

UTRESA indicam que os mesmos já estariam presentes

anteriormente à época da renovação da licença de operação pelo

órgão ambiental competente (FEPAM) da referida empresa em 05-

07-2006;

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* Foram encontrados vestígios de escorrimento de percolado em

meio à vegetação nativa e exótica causando morte e danos à

flora local;

4.4 Relativas à Gelita do Brasil Ltda. * O processo produtivo e os aditivos utilizados no processo da Gelita

do Brasil Ltda. conferem aos efluentes líquidos não tratados

características poluidoras que podem resultar em danos à saúde

humana ou provocar a mortandade de animais ou destruição

significativa da flora, dependendo das características, vazão,

condições hidrológicas e do porte do corpo hídrico receptor e do

volume de efluente não tratado lançado; Dado o grande volume de

efluentes licenciado pelo órgão ambiental (FEPAM) para

lançamento, os impactos no corpo receptor de qualquer

inadequação de parâmetros do efluente desta empresa são

muito significativos; (grifo meu)

* Foram constatadas durante a realização do exame pericial medidas

por parte da administração da empresa Gelita do Brasil Ltda., na

forma de obras de construção civil, para desvio de esgotos pluviais

do sistema de tratamentos visando à diminuição do volume de

efluente final e melhora no sistema de tratamento, motivadas por

auto de infração lavrado pelo órgão ambiental competente

(FEPAM); (grifo meu)

* No ponto de lançamento de efluentes tratados da Gelita do Brasil

Ltda. sobre a margem direita do Arroio Estância Velha foi

observada a deposição de uma massa gelatinosa sobre as pedras

existentes e sobre o leito do arroio;

4.5 Relativas ao Curtume Paquetá * O processo produtivo e os aditivos utilizados no processo do

Curtume Paquetá Ltda. conferem aos efluentes líquidos não

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tratados, ou parcialmente tratados, características poluidoras que

podem resultar em danos à saúde humana ou provocar a mortandade

de animais ou destruição significativa da flora, dependendo das

características, vazão, condições hidrológicas e do porte do corpo

hídrico receptor e do volume de efluente não tratado lançado;

* Durante a realização do exame pericial foram observados na

empresa Curtume Paquetá Ltda. vestígios de conexões recentemente

desativadas entre calhas de transporte de efluentes não tratados e

uma lagoa para captação de esgoto pluvial a qual possuía escape

para a margem esquerda do Arroio Estância Velha. A existência

deste fato representa não cumprimento das normas regulamentares

exigidas na licença de operação concedida pelo órgão ambiental

competente (FEPAM);

* Foram observadas durante a realização do exame pericial medidas

por parte da administração da empresa Curtume Paquetá Ltda., na

forma de obras de construção civil, para melhorar processos de

tratamento de efluentes motivadas por auto de infração lavrado pelo

órgão ambiental competente (FEPAM);

4.6 Relativas ao Curtume Kern Mattes S/A * O processo produtivo e os aditivos utilizados no processo do

Curtume Kern Mattes S/A conferem aos efluentes líquidos não

tratados, ou parcialmente tratados, características poluidoras que

podem resultar em danos à saúde humana ou provocar a mortandade

de animais ou destruição significativa da flora, dependendo das

características, vazão, condições hidrológicas e do porte do corpo

hídrico receptor e do volume de efluente não tratado lançado;

* Durante a realização do exame pericial foi observado na empresa

Curtume Kern Mattes S/A o escorrimento de efluentes líquidos não

tratados sobre a margem esquerda do Arroio Portão. A existência

deste fato representa não cumprimento das normas regulamentares

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exigidas na licença de operação concedida pelo órgão ambiental

competente (FEPAM);

* Foi encontrado no sistema de transporte de lodo do Curtume Kern

Mattes S/A – entre as etapas primária e secundária do tratamento –

um dispositivo sob a ponte do Arroio Portão capaz de permitir a

liberação deste tipo de efluente parcialmente tratado, diretamente

sobre a margem esquerda do Arroio Portão;

(...)

Restou evidenciado, a meu sentir, que a contribuição maior, mais

gravosa ou lesiva, partiu da UTRESA. Tal constatação, porém, não permite afastar

a responsabilidade concorrente das demais.

Nesse ponto, observo que a co-ré CURTUME PAQUETÁ, aduz em

sua defesa que a FEPAM, ao apreciar seu recurso administrativo (nº 10652-0567/06-

0), teria concluído pela isenção de sua responsabilidade quanto ao episódio da

mortandade dos peixes em análise nesta demanda. Para tanto, junta copia da decisão

(fls. 8351-8353).

Todavia, tal documento não tem o pretendido condão de afastar

totalmente a sua responsabilidade.

É fato notório – deveras comentado nos autos – que não houve apenas

um episódio de mortandade de peixes no Rio dos Sinos no final do ano de 2006,

sendo, todavia, o dos dias 07-09/10 o mais gravoso. Por ocasião desse primeiro

episódio, foram realizadas as vistorias in loco pelos órgãos ambientais (FEPAM,

Secretarias do Meio Ambiente de diversas Prefeituras), assim como pelo Ministério

Público e Brigada Militar, momento quem que coletaram provas e amostras. Estas,

por sua vez, foram submetidas à análise de vários laboratórios credenciados, tendo

concluído, à época, tanto o IGP quanto à FEPAM pela comprovação de que a ré

lançou produtos tóxicos no curso d’água, contribuindo decisivamente para o evento

danoso. Ainda, na seqüência do episódio, quando estavam procurando os causadores,

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os técnicos dos órgãos ambientais realizaram diversas vistorias nas empresas

requeridas (e noutras também), constatando as irregularidades e lavrando os

respectivos autos de infrações.

A decisão mencionada pela co-ré – referente ao processo

administrativo nº 10652-0567/06-0 – diz respeito à defesa que apresentou em face da

“Decisão Administrativa nº 547/2007”. Esta, por sua vez, não se encontra nos autos,

o que impede a este Julgador saber de qual fato a ré estava se defendendo, já que

ocorreram mais de dois episódios de mortandade de peixes no final do ano de 2006 e

início de 2007 no Rio dos Sinos, um inclusive poucos dias após (24/10/2006, fl.

4626).

Permite, entretanto, concluir que não se referia ao primeiro e mais

gravoso (objeto desta ação), porque o relator do processo administrativo assim

consignou:

(...)

“Em sua defesa, a administrada demonstrou ter cumprido a

advertência, apresentando relatório técnico, onde informa o

cumprimento do item 4.2 do referido auto de infração, apresentando

fotos da caixa de passagem dos filtros prensa já lacrada e verificada

na vistoria nº 585/2006-SELMI/DICOPI (fls. 120/121), onde foi

constatado o fechamento do ponto clandestino de saída de

efluentes líquido e desativado o by-pass para a lagoa, dos efluentes

gerados nos dois filtros-prensa, sendo atualmente captados em

reservatório e encaminhado para o tanque de homogeinização da ETE.

A empresa apresentou análise das Águas do Arroio Estância Velha e

da antiga lagoa, coletada em 31/10/2006. (...)” Grifos meus.

(...)

Ora, a amostra de água submetida à análise de laboratório particular

contratado pela ré para fazer sua defesa administrativa foi coletada em 31/10/2006,

ou seja, em data posterior às amostras coletadas pela FEPAM na vistoria

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emergencial, bem como nas vistorias posteriores que geraram o auto de infração nº

214/2006 (emitido em 16-10-2006).

Ademais, as vistorias posteriores realizadas pelo IGP (em 26/10/06

e 08/11/2006 confirmaram que o CURTUME PAQUETÁ continuava realizando

lançamentos indevidos no Rio dos Sinos, através de tubulações omitidas pelo

responsável técnico quando da primeira vistoria realizada pelos técnicos

públicos. Veja-se, especialmente, a narrativa de fls. 4666-4671.

A reforçar a conclusão de que esta decisão administrativa da então

Diretora Presidenta da FEPAM, proferida em 25/02/2008, não se referia à primeira

mortandade de peixes, está o fato de que esta concluiu pela manutenção da pena de

advertência, afastando penalidade de multa simples e gradação da pena por ter

entendido que a ré havia cumprido com as exigências legais decorrentes de auto de

infração.

Por tudo isso, não verifico da documentação apresentada pelo

Curtume Paquetá elementos suficientes que possam afastar sua responsabilização no

episódio da mortandade dos peixes ocorrida no início de outubro de 2006. Ao

contrário, o que veio aos autos permite concluir com extrema segurança pela sua

contribuição decisiva ao evento lesivo e, por isso mesmo, pela sua responsabilidade

solidaria e objetiva, nos termos do art. 3º, IV, da Lei 6.938/81.

Defesa semelhante apresentou a empresa PSA, argüindo que a própria

FEPAM havia reconhecido a regularidade de sua conduta ao julgar improcedente o

auto de infração nº 213/2006.

A decisão deste julgamento administrativo está acostada às fls. 7985-

7987. E dela se extrai que a obra realizada pela referida empresa, que anteriormente

havia sido considerada irregular, era lícita, porquanto de acordo com a licença prévia

de ampliação emitida pelo órgão competente. Isso não se discute.

Entretanto, a regularidade formal para a realização da obra não dava

direito à referida empresa de lançar resíduos químicos não tratados no rio. E a perícia

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técnica comprovou in loco tais lançamentos, conforme se extrai do relatório

detalhado de fls. 4644-4646.

Logo, a anulação do dito laudo em nada influencia na constatação da

sua responsabilidade pela participação decisiva no evento danoso.

O mesmo vale para as empresas GELITA DO BRASIL S/A e

CURTUME KERN MATTES, pois nas defesas que apresentaram não lograram

afastar às conclusões dos laudos periciais elaborados pelos órgãos oficiais.

E novamente chamo a atenção para o completo e complexo laudo

pericial produzido pelo IGP. Dele se extraem os relatórios de vistorias realizadas nas

sedes das rés, em datas diversas, onde os peritos imparciais puderam coletar as

amostras de água, efluentes, lodos e materiais produzidos pelas empresas,

verificando a situação de suas estações de tratamento e canais de despejo.

Nas ocasiões, os técnicos constataram a irregularidade e

clandestinidade de muitos canais de despejo, além de falhas nas construções dos

“legais” e/ou “regulares”. Os lançamentos de resíduos em desconformidade com as

licenças operacionais, em níveis muito acima do permitido – alguns absurdos – em

grau de toxidade inadmissível, foram constatados in loco.

No caso do Curtume Kern Mattes, consigno, ainda, que o laudo

pericial que encomendou de consultores particulares, acostado às fls. 7781-7924, não

foi suficiente, no meu sentir, para afastar as conclusões a que chegaram o IGP e a

FEPAM, notadamente porque esses órgãos constataram, in loco, os lançamentos

irregulares, coletando amostras e analisando-as e fotografando os locais de

contaminação. Vejam-se, nesse ponto, as fotografias de fls. 4920-4943, que revelam

as paredes umedecidas pelo vazamento e a ligeira formação de espuma poluente,

além do medidor demonstrando a condutividade excedente, testada na hora.

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No que tange à UTRESA, em face deste episódio em análise, tanto a

empresa quanto seu então Diretor, Sr. Luiz Ruppenthal, foram acusados dos crimes

de poluição (art. 54, §§ e incisos), construção, reforma ou manutenção de obras ou

serviços potencialmente poluidores sem licença ou autorização dos órgãos

ambientais (ou em desacordo com essas – art. 60), bem como de obstrução e

imposição de obstáculos à fiscalização do Poder Público (art. 69, todos da lei

9.605/98).

Peço vênia para transcrever partes da sentença do processo-crime nº

095/2.06.0002839-4, dada a percuciente exposição feita pelo Dr. Nilton Luís

Elsenbruch Filomena, porquanto melhor não diria.

(...)

A localização da UTRESA é estratégica para que suas águas,

pluviais ou não, sejam facilmente escoadas para os recursos hídricos de

suas divisas e, a partir daí, para o Rio dos Sinos, levando para muito

além das fronteiras da comarca de Estância Velha a poluição

gerada pela central de resíduos.

Sabidamente, não pode ser atribuído ao réu Luiz Ruppenthal a

escolha do local. Todavia, inegável que, pelo amplo conhecimento

demonstrado, inclusive com a juntada de seu currículo e gama de

experiência amealhada no país e no exterior, ele foi um dos grandes

responsáveis pelo planejamento, distribuição das valas ou células,

com saídas rotuladas de esgoto pluvial, visando à canalização de

percolado, chorume, águas contaminadas, de uma maneira geral,

para um destino final mortal de um rio já bastante agredido por

outros empreendimentos e pela omissão de muitos municípios.

A mortandade, como será visto mais adiante, teve uma decisiva

colaboração da UTRESA e de seu Diretor-Técnico, sem afastar

outros empreendimentos, nem isentar os poderes públicos.

(...)

Em outras palavras, e isso já foi abordado pelo juízo quando do

decreto de prisão preventiva, o empreendimento não poderia deixar

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que percolado, chorume ou águas contaminadas, chegassem aos

recursos hídricos (...).

Mas, e sob o falso rótulo de drenagem pluvial, o acusado

permitiu, deixando de cumprir com obrigação legal, que a poluição

chegasse aos arroios e, ao fim e ao cabo, ao Rio dos Sinos.

(...)

O vazamento de percolado foi alvo de Auto de Infração, fl. 154,

assim como de visual constatação pelos que vistoriaram a área

depois da mortandade, como exemplificativamente consta na fl.

497 e seguintes e trabalho da pericia da policia civil, fl. 3.334 e

seguintes, com claros vestígios de escorrimento de percolado

demonstrados no croqui (representação esquemática) de fl. 3.335.

A prova pericial concluiu que o empreendimento violou a LO,

lançando efluentes, ao invés de coletá-los e tratá-los, como

determinado.

(...)

A engenhoca foi bem concebida, utilizando-se do autorizado

escoamento pluvial. Porém, o acusado não se limitou a escolar as

águas pluviais superficiais, como consta da LO, somando a estas os

percolados que não eram canalizados para a lagoa, mas

criminalmente dirigidos aos arroios do entorno.

(...)

A constatação pericial não estava equivocada: foi criada uma

malha de transporte de percolado, pelo escoamento pluvial, a fim

de carregar a poluição para os recursos hídricos.

(...)

Não houve poluição?

A contaminação foi considerada como muito grave, fl. 89,

formando uma sinergia química que, atingindo o Rio dos Sinos,

nas parcas condições em que se encontrava naquele histórico

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período, foi definitiva para causar a mortandade, não por

envenenamento, mas por absoluta falta de oxigênio.

Esta constatação não é exclusivamente decorrente da prova que o

Promotor de Justiça carreou com a denúncia, firmada pelo combativo

biólogo Jackson Müller, mas pelo Município de São Leopoldo, fl.

2.150, que confirmou a alta carga poluente que chegou ao Rio dos

Sinos a partir da foz do Arroio Portão, carga esta não exclusivamente

decorrente dos esgotos, mas de origem industrial, exemplificando-as.

A poluição gerada, e sua alta demanda por oxigênio, também é

constatação do Departamento de Criminalística, ao responder aos

quesitos de fl. 3.382 e, a partir destes, justificar a mortandade de

peixes.

Quanto à presença de poluição, de acordo com o tipo penal

ambiental sob comento, a resposta foi clara, fl. 3.383, havendo

prejuízo à vida humana, animal e vegetal, pela presença de

percolados.

Por este contexto probatório, deverão os réus ser responsabilizados

pelos crimes do 7o, 9o e 15o, fatos, como incursos nas sanções do art.

54, V, da Lei Ambiental (Lei nº 9.605/98), já que não estão presentes

causas para afastar os crimes, ou isentá-los de penas.

(...)

É bom lembrar que os policiais que auxiliaram o Ministério

Público, a FEPAM e a Secretaria Municipal na vistoria do local

afirmaram que houve uma lavagem e que teriam largado argila,

etc.

(...)

Porém, lavar o local, derramar areia vermelha ou argila, como

constataram os policiais, está muito além do garantismo, chega a

ser um acinte, como se não houvesse inteligência no serviço de

investigação para, pelo solo, apurar a existência de resíduos, como

aqui ocorreu.

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O local ficou degradado. Com a lavagem, os resíduos superficiais

foram carregados para o arroio. Contudo, as amostras pouco profundas

da areia mostrou que a presença de chorume ou percolado era

constante na área.

(...)

Os resultados comparativos encontram-se na fl. 86 e 87, onde restou

consignado que “são alarmantes os valores encontrados neste ponto

junto ao arroio Portão. Os valores de condutividade (19.370),

revelam o lançamento de sais em alta concentração. A DBO-5 e a

DQO (4.224 mg/L e 14.642 mg/L, respectivamente) revelam alta

carga poluidora orgânica e química, capaz de consumir grandes

quantidades de oxigênio dissolvido junto ao Rio do Sinos. Os

valores de nitrogênio amoniacal e total (2.488 mg/L e 3.288 mg/L)

se revelam expressivos. São elementos que podem causar

toxicidade nesses níveis”.

(...)

Confirmando os dados obtidos pelo laboratório, a testemunha

Jackson Müller, fl. 3.935 lembrou que é comum a presença de cromo

no Rio do Sinos. Todavia, o que se encontrou na saída da UTRESA é

apenas 550 vezes superior ao tolerável.

(...)

A contaminação apontada pelo laudo do Laboratório Green Lab não

passou despercebida pela testemunha Claudenir Ferreira, fl. 3.938,

repetindo que a contaminação seria em nível de intervenção!

(...)

Passo ao exame do 20o fato, o mais controvertido e que, ao fim e ao

cabo, representa um dos maiores desastres ambientais da recente

história do Vale do Sinos.

Assim afirmou o Ministério Público:

“Entre os dias 06 a 08 de outubro de 2006, em horário incerto,

desde as margens dos arroios Portão e Cascalho, localizadas no

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entorno da empresa UTRESA...até o rio do Sinos, entre Sapucaia do

Sul e São Leopoldo, RS, os denunciados UTRESA e LUIZ

RUPPENTHAL causaram poluição hídrica e de solo em níveis que

podiam resultar danos à saúde humana e que provocaram a mortandade

de 90 toneladas de, pelo menos 16 espécies de peixes...

Na ocasião, os denunciados lançaram no arroio Portão,

especificamente no ponto denominado P3C, resíduos sólidos e

líquidos, como também substâncias oleosas, em desacordo com as

exigências legais e regulamentares.

(...)

Durante o trabalho de apuração dos fatos, cumprindo dever legal, o

Ministério Público, e os que lhe prestaram valioso auxilio, anotou que

do Ponto P3c (terceiro ponto após o terminal), foram recolhidas

amostras de efluentes do arroio Portão (relatório n.23102-06) e lodos

depositados nas margens (relatório n. 23112-06), provenientes da

drenagem com lodos depositados a partir do ponto P5c (para

localização, vide foto acima).

Os resultados foram transparentemente transcritos na inicial, aos

quais reporto-me, dispensando a desnecessária repetição.

A poluição é evidente, e a sinergia dos componentes do letal

coquetel causaram a insuperável redução do oxigênio, exigindo do

rio quantidade de água não presente, naquele momento, para

dissolver a concentração, o que resultou, ou melhor, contribuiu

decisivamente para a mortandade.

Não se olvide que o IGP afirmou categoricamente a existência de

poluição, como já analisado em fatos anteriores.

(...)

A FEPAM afirmou, fl. 144, que a UTRESA promoveu lançamentos

continuados, alterando as condições dos arroios, sendo mais

contundentes os pontos de verificação junto ao Arroio Portão (vide

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foto acima), onde tais apresentam níveis de toxicidade e capacidade de

consumir oxigênio dissolvido em patamares extremamente altos.

A localização da UTRESA é de menos de 10.500 m, através do

Arroio Portão, até o ponto da localização da maior mortandade, sendo

que a toxicidade de seus lançamentos, somados à piracema e à baixa

vazão do rio, foram decisivos para conduzir ao quadro danoso, fl. 146.

“Todos os valores encontrados se apresentam como de alto

potencial poluidor, em especial a DQO, DBO-5, os materiais

orgânicos, o sulfeto e os óleos e graxas. São valores extremos de

poluição, característicos de fluentes brutos não tratados, confirmando a

origem dos materiais que causaram a mortandade no Sinos”, fl. 146.

(...)

Especificamente quanto à mortandade, o Instituto-Geral de

Perícias - IGP afirmou que “pela alta demanda de oxigênio das

substâncias que as compõem causando drástica redução do

oxigênio dissolvido na água a níveis inferiores a 1mg/L, o que

inviabiliza a manutenção de diversas formas de vidas aquáticas”,

fl. 3.383.

Mais adiante, e ponderando claramente os lançamentos da

UTRESA, o Instituto-Geral de Perícias - IGP sentenciou: “não, apenas

foram constatados danos à flora por substâncias poluentes na área

interna da UTRESA e nas áreas de drenagem de percolado com

carregamento de sedimentos em trecho de área de preservação

permanente da margem direita do Arroio Portão e Adjacências”. “As

conseqüências da poluição, neste caso, para a vida humana foram

a redução da quantidade de pescado, fonte de alimentação e forma

de subsistência da população ribeirinha, associada à contaminação

da água com substâncias em níveis superiores aos permitidos em

normas ambientais pelo seu potencial efeito tóxico podendo causar

danos à saúde no caso de consumo de água. Para a vida animal foi a

morte de expressiva quantidade de peixes, estimada em 86 toneladas, o

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impacto desta redução do estoque de peixes nas populações da

avifauna ictiófaga e demais organismos que estabeleçam relações

tróficas com as espécies afetadas, sem mencionar outros impactos no

ecossistema aquático da região como modificações na estrutura e

composição das comunidades de organismos”, fl. 3.383.

(...)

Mesmo que pareça enfadonho, importante deixar claro que a

mortandade não decorreu de uma ação e poluição linear. A

situação foi bastante complexa, pois a causalidade não foi simples,

mas corolário de concorrência de causas, ou concausalidade,

decorrente da poluição cumulativa, da cadeia de poluidores e dos

fatores naturais.

Esta concausalidade não exclui o princípio do poluidor

pagador, não isenta os réus de pena, nem afasta o crime.

(...)

Como visto acima, a sobredita sentença foi exaustiva na apreciação

da conduta danosa praticada pela UTRESA e seu diretor, detalhando cada fato, cada

conduta criminosa, cada infração à Lei pelos mesmos praticados.

Mais: não excluiu a responsabilidade das demais rés deste feito. Ao

contrário, destacou que tramitam contra as demais rés deste feito (Curtume Paquetá,

Gelita do Brasil, Curtume Kern Mattes e PSA) e seus diretores, outras ações

criminais similares.

É bem verdade que a dita sentença criminal ainda não transitou em

julgado, pois se encontra pendente de julgamento os Recursos

Especial/Extraordinário manejado pelos réus (nº de origem 70035652288), que estão

suspensos/sobrestados até que seja julgado o paradigma nº 593827 pelo STF3, no

3 RE 593727 RG / MG - MINAS GERAIS. REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. CEZAR PELUSO. EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Ministério Público. Poderes de investigação. Questão da ofensa aos arts. 5º, incs. LIV e LV, 129 e 144, da Constituição Federal. Relevância. Repercussão geral

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qual se apura a constitucionalidade ou não do poder de investigação do Ministério

Público.

Mas mesmo que o argumento dos recorrentes venha a ser acolhido

pelos Tribunais Superiores (o que não parece ser o caso), o fato é que a prova

constante do caderno processual é farta para comprovar a conduta dolosa de Luiz

Ruppenthal, bem como a responsabilidade objetiva e solidária pelos gravíssimos

danos ambientais que provocaram.

Nesse contexto, embora enfadonho, ressalto que todas as empresas

demandadas neste feito tiveram irregularidades graves apontadas pelos laudos

periciais e não lograram demonstrar estarem os mesmos “equivocados”. Não

apontaram, através de documentos idôneos, incongruências ou incorreções nos dados

coletados pelos órgãos oficiais, não obstante tenham tentado desqualificá-los.

Tenho por evidente, portanto, o nexo de causalidade entre as

atividades das requeridas e a mortandade de peixes referida na inicial, bem como o

dano daí resultante para os associados da autora.

É bem verdade que as rés tentaram, neste feito, de todas as formas,

transferir para o Poder Público a responsabilidade pela tragédia, como se a redução

do oxigênio no Rio dos Sinos naquela data tivesse sido provocada exclusivamente

pelo esgoto doméstico lançado ‘in natura’ pelas companhias de saneamento e pela

própria população ribeirinha. Nesse sentido, a propalada testemunha Viviane assim

referiu:

(...)

Juiz: O que causa mais danos a população de peixes no Rio dos

Sinos? Essa pesca predatória que a senhora mencionou ou a

poluição industrial?

reconhecida. Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que verse sobre a questão de constitucionalidade, ou não, da realização de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público.

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Testemunha: Eu pelo menos tecnicamente não tenho esse conhecimento pra fazer essa comparação. O que a gente observa, e eu to dizendo agora como observador: setor industrial na verdade há muito tempo se tem meios, métodos. (...) Qualidade de água que eles fazem e a avaliação do Rio dos Sinos, eles mesmo apontam que o Rio dos Sinos do ponto de vista de contribuição industrial ela foi reduzida significativamente. Porque hoje existe um controle, existe um rigor, as empresas hoje contam com uma ISO que ela é extremamente focada na questão ambiental, as nossas empresas Vale dos Sinos tem essa característica da exportação. Quem exporta sabe que existe um rigor muito grande no seu produto e a questão sócio ambiental tá muito atrelada. Então o que a gente observa, pelo menos a minha trajetória no Comitê Sinos, eu diria que se teve um setor que fez o dever de casa foi a indústria. Nós temos com um passivo muito grande na Bacia dos Sinos que se refere a esgoto doméstico. Nós recentemente tivemos o resultado de um trabalho técnico que o Governo do Estado do Rio Grande do Sul mandou fazer, que se chama o plano de saneamento da Bacia dos Sinos, onde aponta que 3% do esgoto que é produzido na Bacia dos Sinos é tratado. Isso é carga orgânica que consome oxigênio. (...). Pra nós o esgoto doméstico realmente é um grande desafio e ele tem uma relação direta com a questão de qualidade de água. Especialmente no trecho inferior da nascer dos Sinos onde nós temos uma concentração de população...De Sapiranga pra baixo. Onde tá sendo a maior concentração urbana, industrial...Tem uma atividade muito intensiva.

(...)

Causa estranheza o depoimento da sobredita testemunha. Ora, se é tão

atuante na referida Bacia Hidrográfica, com exercício efetivo no Comitê dos Sinos há

mais de 20 anos conforme alega, como então não pode fazer tal comparação?

É de se estranhar que a testemunha refira uma longa atuação no

Comitê dos Sinos, ser conhecedora da referida bacia hidrográfica, e ao mesmo tempo

alega possuir “conhecimento técnico” para afirmar que a poluição maior decorre do

esgoto doméstico, mas não o possuir para falar acerca do potencial tóxico dos

resíduos lançados pelas indústrias locais? Como pode desconhecer tais dados, tais

informações, se a farta prova documental carreada aos autos – notadamente os laudos

periciais – que circularam pelo referido Comitê, demonstram de forma exaustiva e

completa justamente o contrário, ou seja, de que a participação das indústrias –

notadamente das rés – foi decisiva para a ocorrência da mortandade de

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aproximadamente 86 toneladas de peixe no Rio dos Sinos no início de outubro

de 2006?

Não se olvida que a falta de saneamento básico é fator gravíssimo que

contribui para a degradação dos corpos hídricos do país. Não se ignora o imenso

passivo existente nesta seara, assim como não se desconhece a triste realidade

enfrentada por aqueles cidadãos que são privados deste serviço público essencial,

indispensável para uma vida com dignidade.4 Da mesma forma, é evidente que a

ausência de políticas públicas efetivas e eficazes no setor tem afetado o

desenvolvimento da própria nação (para cada dólar investido em saneamento,

economizam-se cinco em saúde, conforme dados da Organização Mundial da Saúde

(OMS))5, e não condiz com a atuação de um Estado que se pretende seja

“Socioambiental de Direito”.6

E em momento algum – quer neste feito, quer no processo criminal

citado – este Poder (Judiciário) afastou a responsabilidade dos entes Públicos pela

contribuição que deram ao evento danoso. Ao contrário, sempre se ressalvou o fato,

que, entretanto, não pode ser apurado nestes autos, reclamando ação própria.

Estivessem os entes públicos no pólo passivo deste processo e também seriam

incluídos na condenação.

Mas o fato de se reconhecer a responsabilidade dos entes públicos pela

ausência de saneamento básico não afasta a responsabilidade das rés, tampouco

minimiza os efeitos de suas condutas lesivas e decisivas para a ocorrência do

evento danoso, o que restou confirmado pelos diversos laudos periciais carreado aos

autos.

4 Veja-se, dentre outros, SARLET, Ingo w. e FERSTEINSEIFER, Tiago. Estado Socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações. In. Estado Socioambiental e Direitos Fundamentais. SARLET, I. (org). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, pp. 11-38; DEMOLINER, Karine S. Água e Saneamento Básico: regimes jurídicos e marcos regulatórios. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.136. 5 Informação disponível em: http://www.who.int/en/. 6 SARLET, Ingo W. op. cit. p. 24.

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A esse respeito, colegas, destaco trechos do depoimento do Prof. Uwe

Rost Schultz (fls. 8.745/8.748), renomado acadêmico ao qual outras testemunhas

fazem referência e que igualmente ganhou destaque no voto do eminente Relator,

quando de sua apreciação das provas:

“(...) Testemunha: Eu trabalho no rio dos Sinos desde 1995, quando eu comecei a minha atividade de biólogo na Unisinos. Durante todo esse tempo, nós tivemos vários projetos de monitoramento da fauna de peixes em vários trechos do rio. (...) A gente sempre fala sobre a mortandade, na verdade tinha vários eventos de mortandade em 2006, que têm características diferentes. A mortandade que a maior parte das pessoas se referem ocorreu no início de outubro, dia 06 e 07 de outubro, e era um evento completamente diferente dos outros; existem fortes indícios que este evento foi oriundo de uma intoxicação de peixes com uma substância extremamente tóxica que causou uma mortandade instantânea e aguda. Todas as outras mortandades que se seguiram depois tinham uma outra característica, que eram provavelmente caracterizadas por falta de oxigênio, a primeira com certeza não. Infelizmente pela atuação da FEPAM, a gente não tem dados sobre esse primeiro evento, nós não sabemos qual foi a substância que causou essa mortandade. (...)Juiz: Mas não foi feita a análise das espécies (...)

Testemunha: É. A FEPAM não tem dados, quem fez uma análise foi a Prefeitura de São Leopoldo e eles tem dados de metais pesados em peixes que mostram concentrações extremamente altas, mas a maneira como foi feita esta análise foi errada porque eles não têm uma comparação, um branco, foram analisados peixes que morreram no evento e a prefeitura deveria ter dado comparativos de peixes da mesma espécie em áreas que não foram afetadas pela mortandade. Então, dessa forma eu não sei se hoje esses valores altos de metais pesados causaram a mortandade ou se é uma contaminação crônica que existe nos estoques. (...)”

Percebe-se, portanto, que esse renomado pesquisador afirmou,

categoricamente, que o desastre ecológico de que tratam esses autos se deu por

intoxicação dos peixes por uma substância extremamente tóxica, que causou uma

mortandade instantânea e aguda. Ou seja, tal mortandade não estaria ligada à

progressiva deterioração dos recursos hídricos, em razão de poluição urbana

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gradativa, crônica e constante. A ausência de aprofundamento das pesquisas e dos

trabalhos de monitoramento, apontadas pelo douto Professor, é lamentável. Todavia,

o que se sabe ao certo, a partir dos dados existentes, é que havia altos valores de

metais pesados (várias centenas de vezes superiores ao tolerável e aceitável, no caso

de alguns deles, como o cromo, que superou mil vezes o limite tolerável, como foi

visto acima), metais pesados esses que não são oriundos de dejetos urbanos, mas sim

de resíduos industriais.

Por fim, apenas reforço que o dano ambiental praticado pelas

requeridas e que resultou na referida mortandade no início de outubro de 2006,

ocorreu em época crítica para a vida aquática, na “pré-piracema”7 (cerca de 20 dias

antes do “início oficial”), momento em que os peixes começavam sua travessia anual

rumo ao ponto mais propício para a sua reprodução.

Logo, a ação das rés impediu aqueles peixes (equivalentes a 86

toneladas) de se reproduzirem. Dezesseis espécies foram atingidas. Dezesseis

espécies, por evidente, sofreram redução nos ciclos seguintes, o que, por evidente,

atingiu todos os pescadores da região.

Ainda no que tisna à responsabilidade civil das demandadas, não

obstante a sustentação em contrário pela co-ré Curtume Kern Mattes, observo que a

mesma é objetiva e solidária, nos termos dos arts. 3º, inciso IV, e 14, § 1º, da Lei

6.938/81, e art. 942 do Código Civil. Rezam tais dispositivos legais que:

“Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

7 O período “oficial” da piracema é fixado por Instrução Normativa pelo IBAMA. Naquele ano, o foi através da IN 117, de 19/09/2006, onde fixou entre 01/11/2006 a 31/01/2007. Entretanto, considerando a gravidade da situação, o dito órgão emitiu a Instrução Normativa nº 121, isso em 18/10/2006 (já citada no corpo deste voto), antecipando o período oficial de defeso, fazendo-o retroagir ao dia 11/10/2006, a fim de justificar e dar suporte para o Ministério da Aqüicultura e Pesca antecipar o seguro-desemprego aos pescadores da região.

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IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.” Art. 942 do Código Civil: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.”

É cediço que, em se tratando de dano ambiental, todos aqueles que

concorreram de alguma forma para a ocorrência do evento danoso, em maior ou

menor grau, direta ou indiretamente, respondem frente ao(s) lesado(s), bem como

pela reparação integral do corpo degradado. E o legislador (constitucional e

infraconstitucional) assim determinou porque o bem ambiental – indispensável para a

manutenção da vida das presentes e futuras gerações (art. 225 CF/88) – não pode

ficar relegado a segundo plano, dependente da boa vontade dos poluidores em

repará-lo.

A doutrina também é pacífica nesse sentido, valendo destacar a lição

de alguns especialistas em direito ambiental, como é o caso de Edis Milaré:

“Ora, verificado o acidente ecológico, seja por falha humana ou técnica, seja por obra do acaso ou por força da natureza deve o empreendedor responder pelos danos causados, podendo, quando

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possível, voltar-se contra o verdadeiro causador, pelo direito de regresso, quando se tratar de fato de terceiro. É essa interpretação que deve ser dada à lei 6.938/81, que delimita a política nacional do meio ambiente, onde o legislador, claramente, disse menos do que queria dizer, ao estabelecer a responsabilidade objetiva.”8

No mesmo sentido posiciona-se o preclaro Min. Benjamin9:

“A solidariedade, no caso, é não só decorrência de atributos particulares dos sujeitos responsáveis e da modalidade de atividade, mas também da própria indivisibilidade do dano, consequência de ser o meio ambiente uma unidade infragmentável. A responsabilidade in solidum em matéria ambiental, encontra seu fundamento originário no Código Civil, na teoria geral dos atos ilícitos; com maior ímpeto e força reaparece na norma constitucional, que desenhou de forma indivisível o meio ambiente, “bem de uso comum de todos”, cuja ofensa estão os “poluidores” (no plural mesmo) obrigados a reparar, propiciando, por isso mesmo, a aplicação do art. 892, primeira parte, do Código Civil, sendo credora a totalidade da coletividade afetada”

Também esse é o sentir da especialista Annelise M. Steigleder10:

“A solidariedade entre os copoluidores deve ter incidência, ainda, nas situações de causalidade alternativa, quando não é possível estabelecer com precisão a contribuição causal de cada uma das fontes geradoras da contaminação, como ocorre nas hipóteses em que o dano manifesta-se de forma lenta e progressiva, como resultado de comportamentos cumulativos, que operam a longo prazo.”

8 MILLARÉ, Edis. Ação Civil Pública. 15 anos. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, p. 151. 9 BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil por dano ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, vl. 9, ano 3, jan./mar. 1998, p. 38. 10 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental – As dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. 2ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 187. No mesmo sentido também se posicionam JORGE ALEX NUNES ATHIAS, no artigo “Responsabilidade Civil e Meio Ambiente – Breve Panorama do Direito Brasileiro”, na obra coletiva organizada por ANTONIO HERMAN V. BENJAMIN, DANO AMBIENTAL – Prevenção, Reparação e Repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 245. Na mesma coletânea, idêntico posicionamento é adotado por ADALBERTO PASQUALOTTO, no artigo “Responsabilidade civil por dano ambiental: considerações de ordem material e processual”, op. cit., p. 470.

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O constitucionalista José Afonso da Silva11, que igualmente aborda o

tema, em razão de seu viés constitucional, afirma a solidariedade de todos os

poluidores: “Nem sempre é fácil determinar ou identificar o responsável. Sendo apenas um o foco emissor, a identificação é simples. Se houver multiplicidade de focos, já é mais difícil, mas é precisamente por isso que se justifica a regra da atenuação do relevo do nexo causal, bastando que a atividade do agente seja potencialmente degradante para sua implicação nas malhas da responsabilidade. Disso decorre outro princípio, qual seja o de que à responsabilidade por dano ambiental se aplicam as regras da solidariedade entre os responsáveis, podendo a reparação ser exigida de todos e de qualquer um dos responsáveis”.

Os clássicos ambientalistas são incisivos ao salientar que a

responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, fundada na teoria do risco

integral, na inversão do ônus da prova, além do abrandamento da carga

probatória no que tange ao nexo de causalidade.12

A jurisprudência do STJ também é firme nesse sentido, como se vê

dos seguintes acórdãos:

11 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 217. 12 Nesse sentido, veja-se ANTUNES, Paulo de Bessa. Curso de direito ambiental: doutrina, legislação e jurisprudência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 216; BENJAMIN, Antonio Herman. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Revista de Direito Ambiental, n. 9, São Paulo, RT, p. 5-52, 1998, p. 39 a 45; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Introdução ao direito do ambiente. Lisboa, Universidade Aberta, 1998, p. 49; FERRAZ, Sérgio. Responsabilidade civil por dano ecológico. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 49, n. 50, p. 28; FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; ABELHA, Marcelo; NERY, Rosa Maria Andrade. Direito Processual ambiental brasileiro. Belo Horizonte, Del Rey, 1996, p.142; MILARE, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência e glossário. São Paulo: RT, 2001, p. 431; SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 8ª. ed. revista. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 315; STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 171 e ss; e Considerações sobre o nexo de causalidade na responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. Revista de Direito Ambiental, n. 32, São Paulo, RT, p. 83-103, 2003, p. 89-94.

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PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA – ARTS. 3º, INC. IV, E 14, § 1º, DA LEI 6.398/1981 – IRRETROATIVIDADE DA LEI – PREQUESTIONAMENTO AUSENTE: SÚMULA 282/STF – PRESCRIÇÃO – DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO: SÚMULA 284/STF - INADMISSIBILIDADE. 1. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade. 2. Excetuam-se à regra, dispensando a prova do nexo de causalidade, a responsabilidade de adquirente de imóvel já danificado porque, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos, imputa-se ao novo proprietário a responsabilidade pelos danos. Precedentes do STJ. 3. A solidariedade nessa hipótese decorre da dicção dos arts. 3º, inc. IV, e 14, § 1º, da Lei 6.398/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente). 4. Se possível identificar o real causador do desastre ambiental, a ele cabe a responsabilidade de reparar o dano, ainda que solidariamente com o atual proprietário do imóvel danificado. (REsp. n. 1.056.540 – GO, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 25.08.09) PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEGITIMIDADE PASSIVA: SOLIDARIEDADE. 1. A solidariedade entre empresas que se situam em área poluída, na ação que visa preservar o meio ambiente, deriva da própria natureza da ação. 2. Para correção do meio ambiente, as empresas são responsáveis solidárias e, no plano interno, entre si, responsabiliza-se cada qual pela participação na conduta danosa. 3. Recurso especial não conhecido. (REsp 18567/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 16/06/2000). RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO AMBIENTAL. EMPRESAS MINERADORAS. CARVÃO MINERAL. ESTADO DE SANTA CATARINA. REPARAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. (...)

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4. Havendo mais de um causador de um mesmo dano ambiental, todos respondem solidariamente pela reparação, na forma do art. 942 do Código Civil. (...) (REsp. n. 647.493-SC, Min. João Otávio de Noronha, j. em 22.05.07).

AMBIENTAL. DRENAGEM DE BREJO. DANO AO MEIO AMBIENTE. ATIVIDADE DEGRADANTE INICIADA PELO PODER PÚBLICO E CONTINUADA PELA PARTE RECORRIDA. NULIDADE DA SENTENÇA. PARTE DOS AGENTES POLUIDORES QUE NÃO PARTICIPARAM FEITO. INOCORRÊNCIA DE VÍCIOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO. SOLIDARIEDADE PELA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL. IMPOSSIBILIDADE DE SEPARAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DOS AGENTES NO TEMPO PARA FINS DE CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DO NICHO). ABRANGÊNCIA DO CONCEITO DE "POLUIDOR" ADOTADO PELA LEI N. 6.938/81. DIVISÃO DOS CUSTOS ENTRE OS POLUIDORES QUE DEVE SER APURADO EM OUTRA SEDE. (...) 3. Também é remansosa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pela impossibilidade de que qualquer dos envolvidos alegue, como forma de se isentar do dever de reparação, a não-contribuição direta e própria para o dano ambiental, considerando justamente que a degradação ambiental impõe, entre aqueles que para ela concorrem, a solidariedade da reparação integral do dano. (...) 5. Inexiste, nesta esteira, dúvidas acerca da caracterização do dano ambiental e da contribuição da parte recorrida para isto – embora reconheçam as instâncias ordinárias que também o DNOS é agente degradador (a título inicial). 6. Aplicáveis, assim, os arts. 3º, inc. IV, e 4º, inc. VII, da Lei n. 6.938/81. 7. Óbvio, portanto, que, sendo demandada pela integralidade de um dano que não lhe é totalmente atribuível, a parte recorrida poderá, em outra sede, cobrar de quem considere cabível a parte das despesas com a recuperação que lhe serão atribuídas nestes autos. 8. Recurso especial provido. (REsp 880160, 2ª Turma do STJ, Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, j. 04/05/2010).

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Nesse contexto, não vislumbro a menor possibilidade de afastar a

responsabilidade das requeridas pelo evento em liça, considerando que as mesmas

infringiram as suas licenças operacionais, bem como a legislação vigente, causando

grave prejuízo ao meio ambiente, à vida aquática, à população ribeirinha, aos

pescadores evidentemente, e à sociedade como um todo.

No intuito de obter lucros cada vez mais excessivos, descuidaram de

suas obrigações, notadamente de prevenção quanto aos danos ambientais,

negligenciando nos seus sistemas de tratamento, e lançando, dolosamente, resíduos

não tratados nas águas do Rio dos Sinos e/ou seus afluentes, que, em conjunto com

outros fatores, acabaram ocasionando o maior desastre ambiental já visto neste

Estado.

Feriram, por certo, os princípios basilares e fundamentais que regem

nosso ordenamento jurídico – do desenvolvimento sustentável, da prevenção e da

precaução, da solidariedade inter-geracional, da ética ecológica, e em especial o da

ubiqüidade –, pois olvidaram que na natureza tudo está interligado e que o dano

ambiental não conhece fronteiras.

Devem, pois, além de recuperar o ambiente degradado (objeto de

outra ação civil pública manejada pelo Ministério Público), responder perante os

terceiros que lesaram, no caso dos autos, os associados da autora.

Nada impede, porém, que em ação própria discutam entre si o

percentual de responsabilidade de cada qual, a fim de repartir os ônus decorrentes da

condenação ora imposta.

Passo, assim, ao tópico seguinte, para arbitrar as indenizações

correspondentes.

(...)

QUANTO AOS DANOS MORAIS SOFIDOS PELOS PESCADORES:

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Como intróito a esse tema, reproduzo inicialmente a famosa carta-

resposta enviada pelo chefe índio norteamericano Seattle, à proposta do então

presidente dos Estados Unidos, para comprar suas terras, em 1854, reproduzido no

famoso livro “Enterrem meu coração na curva do rio”, de Dee Brow, que analisa a

conquista do Oeste norteamericano, sob a ótica dos índios habitantes daquelas

plagas:

“Se nós vendermos nossa terra , vós deveis lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e também vossos. E vós deveis dar aos rios a ternura que mostrais a um irmão. Sabemos que o homem branco não entende nossos costumes. Um pedaço de terra , para ele , é igual ao pedaço de terra vizinho, pois é um estranho que chega, às escuras, e se apossa da terra de quem tem necessidade. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e uma vez conquistada, o homem branco vai mais longe. Seu apetite arrasará a terra e não deixará nela mais que um deserto.” “O que é o homem sem os animais? Se os animais desaparecerem, o homem morrerá dentro de uma grande solidão. Ensinai também a vossos filhos aquilo que ensinaremos aos nossos: que a terra é nossa mãe. Dizei a eles que a respeitem, pois tudo que acontecer à terra acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no chão , eles cospem sobre eles mesmos. Ao menos sabemos isto: a terra não é do homem; o homem pertence à terra. Todas as coisas são dependentes. Não foi o homem que teceu a teia de sua vida, ele não passa de um fio dessa teia. Tudo que fizer para essa teia estará fazendo a si mesmo.”

Reproduzi esse excerto, que desde minha longínqua juventude me

impressiona, para tentar demonstrar que certas pessoas, pelo seu histórico de vida,

pela sua cultura, pela sua profissão, pelos seus valores, possuem uma ligação maior e

mais estreita com o meio ambiente – ou com a ‘mãe-terra’ como diziam não só os

índios, mas mais antigamente ainda também os gregos, que na sua riquíssima

mitologia identificam em Gaia, a mãe (deusa) terra. Pode-se dizer que os povos

primitivos, pela sua maior dependência direta da terra (no sentido de meio ambiente

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natural), tivessem uma ligação mais ‘umbilical’ com ela, a ponto de nela identificar

verdadeira mãe.

Todavia, ainda que a chamada ‘civilização’ contemporânea tenha

logrado afastar um pouco tal dependência (haja vista que o setor terciário da

economia, que é o que menos depende do meio ambiente, é aquele que atualmente

mais produz e faz circular riquezas, empregando cada vez mais contingentes enormes

de pessoas), há que se pontuar duas coisas: em primeiro lugar, o valor “proteção do

meio ambiente” está em alta e, em nível legislativo, nacional e internacional, vem

recebendo crescente positivação. Em nosso ordenamento jurídico, tal proteção possui

status constitucional. Em segundo lugar, ainda que a maior parte da população

atualmente habite em cidades e escasseiam seus contatos com a natureza, fato é que

há pessoas que ainda mantém esse vínculo estreito com a ‘mãe-terra’ e seus

dadivosos frutos. Pessoas que profissional e culturalmente estão vinculadas aos

ciclos da natureza – como é o caso dos agricultores, dos pecuaristas, dos extrativistas

e dos pescadores. Essas pessoas é que são as mais diretamente atingidas na sua

essência axiológica, quando se deparam com uma catástrofe ambiental. E são essas

as pessoas que vieram a juízo manifestar sua estupefação e sua indignação. E,

portanto, é nesse contexto que se analisam os danos morais de que se ostentam

titulares. Provavelmente qualquer cidadão minimamente informado tenha se sentido

chocado com a catástrofe. Mas poucos sofreram forte e intimamente como esses

pescadores. Poucos foram atingidos tanto no seu dia a dia como esses pescadores.

Para muitos, a tragédia não passou de um tema de discussão apenas enquanto a

imprensa continuou a pautar o assunto em seus noticiários – para esses pescadores, o

silêncio da imprensa, após o esgotamento da discussão, não fez cessar a importância

do evento em seu cotidiano. Portanto, quando se fala em danos morais, neste

processo, não se está a levar em conta parâmetros genéricos, aplicáveis aos

jurisdicionados em geral. Trata-se de analisar os danos sofridos por estes particulares

jurisdicionados, com sua umbilical vinculação àquele ecossistema, fortemente

abalado pelos fatos descritos na inicial e comprovados nos autos.

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Assim, tenho como inquestionável o abalo moral sofrido pelos

pescadores em face do evento dramático e trágico ora em exame, este que foi

considerado o maior desastre ambiental no Estado.

Trata-se do dano moral puro, pois evidente a angústia, a dor, a tristeza

dos autores em ver o rio de onde tiram o seu sustento completamente poluído, com

camadas e camadas de peixes agonizando na superfície, morrendo por falta de

oxigênio (este, subtraído pelo coquetel químico produzido pelas rés).

Do laudo confeccionado pelo Instituto Martim Pescador – acostado às

fls. 8768-8778, extraem-se os seguintes trechos, que bem ilustram a situação:

(...) No dia 07 de outubro do corrente ano, o Barco Martim Pescador,

após três semanas realizando navegações em Porto Alegre, retornava para a sua sede em São Leopoldo. O ponto de partida deste retorno foi a doca nº 1 do Cais Navegantes de Porto Alegre às 9 horas. Após uma navegação de aproximadamente 1 hora e 30 minutos por entre as ilhas do Lago Guaíba e uma pequena parada na Ilha da Pintada para almoço, o barco seguiu em direção ao Rio dos Sinos para alcançar seu destino.

(...) Assim, por volta das 17:30h, já no trecho por onde o Rio dos Sinos

percorre o Município de Esteio, começaram a aparecer cardumes de peixes agonizando na superfície da água, em busca de oxigênio. A medida em que se subia o rio, apareciam alguns exemplares mortos e o número de peixes agonizando era maior. Até que, no município de Sapucaia do Sul, deparou-se com uma camada branca que encobria o rio por completo: eram cardumes inteiros de peixes mortos sobre a superfície da água.

Convém citar que a revolta e indignação das pessoas presentes no barco era geral. Ficaram todos pasmados com o que estavam presenciando e de certa forma, ansiavam por respostas que, naquele momento, não podiam ser dadas.

(...) Também foi aproveitado para a realização de navegações com

grupos de estudantes e professores, para visualização in loco da situação (...). Dentre as crianças a indignação era geral, pois nunca haviam se deparado com situação semelhante. O grupo de professores se mostrou indignado com o que viam, e a reação e angústia era unânime (...).

E mais adiante:

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(...) Um fator que deve ser considerado também, é que desta vez, o topo

desta teia alimentar também foi atingido: o homem. As comunidades pesqueiras da região estão com sua matéria-prima esgotada e comprometida por tempo, ainda, indeterminado. Qual será a atitude que o pescador deverá tomar para sustentar a partir de agora sua família? Sem pescado no rio, tirará de onde seu sustento? Chamou a atenção da equipe do Martim Pescador o depoimento emocionado de um pescador da região que, com os olhos cheios d’água disse ao repórter que em toda a sua vida jamais havia visto “seu rio desse jeito”. Além do imenso impacto ambiental causado, temos o fator social gravemente atingido.

(...)

Como visto, se a reação de pessoas da comunidade, sem ligação direta

com o rio, já foi nesta proporção, isto é, se pessoas leigas se sentiram chocadas,

indignadas, angustiadas e revoltadas com a cena que viram, que dirá aqueles que

utilizam o rio como fonte de sobrevivência, como os pescadores. Para estes,

evidentemente, o impacto, a dor, a angústia, o sentimento de impotência frente a um

desastre desta magnitude, é muito maior.

Nesse mesmo sentido, foi o depoimento emocionado do Biólogo

Jackson Muller à fl. 1298, na introdução do laudo técnico de vistoria que realizou na

UTRESA à época dos fatos, ocasião em que relatou a consternação que sentiu ao

presenciar tamanha mortandade.

Além disso, a fotografia estampada na capa do jornal Zero Hora do

dia 10/10/2006, já comentada no início deste voto, fala por si só: a imagem desolada

do pescador diante da tragédia posta diante de si: inúmeros peixes mortos no rio que

lhe concedia o alimento para sobreviver e para manter sua família.

Friso, difícil crer que alguém que estude a natureza, que viva em

função direta do meio ambiente, que desenvolva suas atividades profissionais nesta

área, que sobreviva do rio, utilizando-o para a própria mantença, não tenha se sentido

horrorizado, impotente, angustiado, triste e abalado com o referido quadro que se

apresentava.

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Cristalino, portanto, o dano moral sofrido pelos pescadores associados

da autora, os quais considero in re ipsa, desnecessitando provas maiores.

Em relação ao quantum indenizatório, é sabido não existir consenso

jurisprudencial a esse respeito, pois não há parâmetros consolidados na

jurisprudência dos tribunais pátrios. Esta Câmara e este Tribunal não fogem à regra.

Analisando caso semelhante de desastre ambiental envolvendo a

contaminação de cursos d’água, com impedimento temporário do exercício da pesca,

o Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão de origem, que havia fixado a

indenização em R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais) para cada pescador atingido.

Trata-se do REsp 1.133.842/PR julgado em 09/11/09 pelo Min. Sidnei Benetti.

O mesmo entendimento restou esposado no precedente abaixo

ementado: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VAZAMENTO DE OLEODUTO. INDENIZAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. ELEMENTOS DOCUMENTAIS SUFICIENTES. LEGITIMIDADE ATIVA DO PESCADOR ARTESANAL COM CARTEIRA PROFISSIONAL REGISTRADA NO DEPARTAMENTO DE PESCA E AGRICULTURA DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E DO ABASTECIMENTO. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR. MATÉRIAS DECIDIDAS PELA SEGUNDA SEÇÃO. VALOR DA CONDENAÇÃO. RAZOABILIDADE. 1. Acerca do cerceamento de defesa, a modificação das conclusões a que chegaram as instâncias ordinárias, nos moldes em que pretendido, encontra óbice na Súmula n° 7/STJ por demandar o vedado revolvimento de matéria fático-probatória. 2. A legitimidade ativa está configurada tendo em vista a qualificação do autor de pescador profissional com documento de identificação profissional fornecido pelo Ministério da Agricultura e Abastecimento. 3. "O dano ambiental, cujas consequências se propagam ao lesado, é, por expressa previsão legal, de responsabilidade objetiva, impondo-se ao poluidor o dever de indenizar" (REsp 1.114.398/PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Segunda Seção, julgado em 8/2/2012, DJe 16/2/2012 ). 4. A fixação da indenização baseia-se nas peculiaridades da causa e somente comporta revisão por este Tribunal quando irrisória ou exorbitante, o que não ocorreu na hipótese dos autos, em que o valor foi fixado em R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais). 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 119624 / PR, Terceira Turma do STJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, j. 06/12/2012

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Em outras demandas similares, também submetidas à apreciação do

STJ, o Juízo de origem havia fixado a indenização em R$ 7.500,00 (sete mil e

quinhentos reais) por pescador, tendo o Tribunal local reduzido a mesma para R$

3.000,00. O recurso especial (REsp 1.354.536, Min. Luis Felipe Salomão),

entretanto, ainda não foi apreciado, estando suspenso em face de questão de ordem a

ser decidida (e que envolve várias outras ações decorrentes do mesmo evento

danoso).

Neste Tribunal, há precedente fixando indenização em R$ 16.350,00

para cada pescador atingido no caso de vazamento de ácido sulfúrico por um navio.

Trata-se da Apelação Cível 70048990360, abaixo ementada:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL. VAZAMENTO DE PORÕES DE UM NAVIO. ÁCIDO SULFÚRICO. CONTAMINAÇAO DE ÁGUAS UTILIZADAS PARA PESCA PROFISSIONAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NEXO DE CAUSALIDADE DEMONSTRADO. DEVER DE INDENIZAR. DANO MORAL. QUANTUM. I - Trata-se de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, ou seja, de responsabilidade sem culpa, ou de responsabilidade objetiva, fazendo-se necessária apenas a comprovação do nexo de causalidade entre uma atividade de risco ao meio ambiente e os danos dela decorrentes. II - A prova testemunhal e pericial demonstrou que houve a contaminação da água pelo ácido. Provado, igualmente, ter sido o demandado responsável pelo descarte. Fato, de resto, público e notório. III - Dano moral demonstrado, pois as adversidades sofridas pelos autores, que ficaram privados de seu sustento, a aflição e o desequilíbrio em seu bem-estar, fugiram à normalidade e se constituíram em agressão à sua dignidade. IV - Ocorrência de danos matérias, corretamente quantificados na sentença. IV - Fixação do montante indenizatório, considerando o equívoco da ré, o aborrecimento e o transtorno sofridos pelos demandante e o caráter punitivo-compensatório da reparação. Indenização mantida nos parâmetros estabelecidos na sentença. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70048990360, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 23/05/2013)

Dito isso, e considerando os parâmetros acima mencionados, bem

como todas as particularidades do caso dos autos, entendo como razoável fixar a

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indenização em R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada pescador, valor que

considero justo para compensar o dano, sem, contudo, ensejar enriquecimento ilícito.

Levo em consideração, ainda, o elevado nível de proteção legal e

constitucional que o ordenamento jurídico confere ao meio ambiente, ao seu enorme

e permanente valor para a humanidade, passada, presente e futura, a gravidade do

dano provocado pelas rés, a extensão dos danos sofridos pelos associados da autora,

bem como o potencial econômico que possuem as rés.

Nesse contexto, por tudo o que foi exposto, considero suficientemente

demonstrado o nexo de causalidade entre os atos praticados pelas rés e os danos

experimentados pelos autores nesse episódio ocorrido no início de outubro de

2006, e que foi considerado o maior desastre ambiental do Estado, razão pela qual

entendo que a sentença deve ser reformada.

Em conseqüência, é de se negar provimento ao recurso adesivo

interposto pela ré Curtume Kern Mattes S.A., pois, por todo o exposto, não

vislumbro espaço para a alegada litigância de má-fé da autora.

Ante o exposto, e novamente rogando vênia ao eminente Relator e seu

douto voto, NEGO PROVIMENTO AO APELO ADESIVO DA RÉ CURTUME

KERN MATTES S.A. e DOU PROVIMENTO à apelação dos autores, a fim de

julgar procedente o pedido inicial, condenando as rés, solidariamente, ao

pagamento:

A) De indenização por danos morais, fixada em R$ 10.000,00 (dez

mil reais) para cada pescador associado da autora, relacionado nos

autos. Tal importância deverá ser corrigida pelo IGP-M desde a

data desta decisão e acrescida de juros moratórios, à taxa de 1º ao

mês, desde a data do evento danoso (outubro de 2006), nos termos

do art. 398 do CCB, c/c Súmula 54 do STJ.

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B) De indenização por danos materiais, fixada em um salário mínimo

por mês, desde a data do evento danoso até 14/04/2008, pelos

valores vigentes à época em que se venceram. Quanto aos valores

depositados, deverão ser levantados em favor dos associados dos

autores, com seus rendimentos e acréscimos. Relativamente a

valores eventualmente ainda não depositados, deverão eles ser

atualizados monetariamente pelo IGP/M, desde a data em que

deveriam ter sido depositados, até o efetivo depósito, acrescidos de

juros moratórios, à taxa de 1% ao mês, a contar do mesmo termo

inicial.

C) Das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em

10% sobre o valor atualizado da condenação total.”

(...)

No caso dos autos, friso, o pedido foi apenas de indenização

por danos morais, tendo como parte ré em comum com a ação acima

mencionada apenas a UTRESA. Ademais, inovou em relação à inclusão da

FEPAM no pólo passivo da lide.

Diferentemente daquele feito, nesse a sentença de primeiro

grau foi de procedência do pedido contra a UTRESA, tendo o Magistrado

singular condenado a requerida ao pagamento de indenização de R$

7.000,00 (sete mil reais) ao autor. Em relação à FEPAM, o pedido foi julgado

improcedente, entendimento que, adianto, comungo.

Isso porque, no meu sentir, embora a direção da FEPAM tenha

sofrido alterações, e seu posicionamento (inicialmente rígido e pontual

contra as empresas poluidoras) tenha sido suavizado no curso dos

processos (talvez pelo receio de alguns técnicos de virem a ser

responsabilizados por omissão na fiscalização), o fato é que sua atuação

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revelou-se adequada por ocasião do evento danoso, não restando

demonstrado – ao menos de forma cabal e suficiente – qualquer falha

anterior de seus técnicos que pudesse ter contribuído para o desastre em

comento.

Destarte, não prospera a pretensão do autor nesse ponto,

devendo ser mantida a improcedência da lide em relação ao órgão ambiental

co-demandado.

Mas no que tange à UTRESA, por tudo o que mencionei acima,

no voto em que restei vencido, evidente que a considero uma das

responsáveis (a maior, inclusive) pelo evento danoso, tendo sua ação

criminosa sido decisiva para a severa mortandade de peixes que ocorreu no

Rio dos Sinos naquela data, razão pela qual sua pretensão de ver reformada

a sentença e/ou reduzida a indenização não merece acolhida.

Em relação ao quantum, friso, procede a pretensão do autor,

comportando majoração para R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos da

fundamentação acima transcrita.

Por fim, no que tange aos honorários advocatícios, tenho que

foram fixados em percentual razoável, de acordo com as balizas ditadas pelo

art. 20 do CPC, o que se revela justo para remunerar o trabalho do

advogado, considerando a natureza da causa, o valor econômico que

expressa, assim como o tempo de tramitação.

Ademais, a majoração da indenização importa, ainda que

indiretamente, no aumento da verba honorária, já que fixada em percentual

sobre a condenação.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da ré, e

DOU PARCIAL PROVIMENTO à do autor, tão somente para majorar o

quantum indenizatório para R$ 10.000,00 (dez mil reais), importância esta

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que deverá ser corrigida pelo IGP-M a contar desta data, e acrescida de

juros de 1% ao mês desde o evento danoso (outubro de 2006), forte no que

dispõe o art. 398 do CCB. Fica mantida, no mais, a sentença.

É o voto.

DES. MIGUEL ÂNGELO DA SILVA (REVISOR)

Eminentes colegas.

Como ressaltado no minucioso voto do eminente Relator, Des.

Eugênio Facchini Neto, o caso em testilha é conhecido desta Câmara, já

tendo sido enfrentado em julgamentos anteriores, como, ademais, também

se pode inferir dos inúmeros precedentes trazidos à colação no voto da

eminente Des. Iris Helena Medeiros Nogueira, que especificamente neste

julgamento atua como Vogal.

Portanto, os precedentes são conhecidos e o tema está a

suscitar acesa polêmica.

A despeito disso, não encontro motivos para tecer maiores

considerações acerca do tema controvertido, porquanto já suficientemente

explorado e versado nos precedentes trazidos à baila.

Como ressalta o voto do relator, no julgamento da Apelação

Cível nº 70045254489, em o qual foi relator o eminente Desembargador

Tasso Caubi Soares Delabary, recurso esse interposto pela “Colônia de

Pescadores Z5 – Ernesto Alves”, da qual o autor deste feito faz parte, tendo

desistido da ação coletiva para ajuizar esta ação individual, prevaleceu a

orientação ora sustentada pela eminente Desembargadora Iris Helena, que

lá acompanhou o Des. Tasso e aqui está votando na condição de vogal, e a

cujo voto estou manifestando adesão, com a devida vênia do culto relator.

De efeito.

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Adiro à orientação perfilhada por aqueles colegas, integrantes

deste Quinto Grupo Cível, que entendem não configurado o nexo causal

entre o evento danoso – o acidente ecológico que acarretou severa e

extensa mortandade de peixes no Rio dos Sinos no início do mês de outubro

de 2006 – e os prejuízos invocados pelo demandante, que se diz pescador

profissional e afirma retirar o seu sustento das águas poluídas desse outrora

glorioso Rio, que o saudoso escritor Vianna Moog, em página poética,

cognominou de “o rio que imita o Reno”. Isso porque por ele se deslocaram

os desbravadores imigrantes alemães que aportaram no Brasil em meados

do século XIX e fizeram a colonização e a pujança dos Vales do Rio dos

Sinos e do Rio Paranhana, em cuja confluência – faço aqui a confissão - me

banhei e nadei nos idos tempos da minha infância.

Creio – como muitos que já se debruçaram sobre a questão

posta sob controvérsia – que a atividade de pesca no Rio dos Sinos –

enquanto atividade profissional e não meramente eventual e diletante – já se

mostrava inviável antes mesmo da ocorrência do desastre ambiental de que

aqui se cogita, ocorrido em outubro de 2006, e do qual esses autos dá triste

notícia.

Com essas singelas ponderações, estou aderindo ao voto

vogal lançado pela eminente Des. Iris Helena -, que, ora saliento, já se

debruçara detidamente sobre o caso ao examinar a prefalada ação coletiva -

para, neste feito, negar provimento à apelação do autor e dar provimento ao

apelo da UTRESA, julgando de todo improcedente a ação, nos moldes por

ela preconizados.

É como voto, renovada vênia do douto relator.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (PRESIDENTE)

Colegas.

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Com a devida vênia do Nobre Relator, estou a divergir parcialmente do rumo dado ao presente caso.

Com efeito, conforme já ressaltado no voto condutor, a

presente demanda diz respeito com situação fática que recentemente foi

objeto de análise por esta Colenda Nona Câmara Cível, mais

especificamente quando do julgamento da Apelação Cível n.º 70045254489,

na qual a Colônia de Pescadores Z5 – Ernesto Alves (da qual o ora autor,

inclusive, faz parte) ajuizou demanda indenizatória em face da ora ré

UTRESA e de outras empresas tendo como fundamento o evento danoso

representado pela mortandade de peixes ocorrida no leito do Rio dos Sinos

no final do ano de 2006.

Dessa forma, considerando a similitude entre os casos,

mantenho meu anterior posicionamento no sentido de julgar improcedente a

pretensão indenizatória dirigida em face da UTRESA, diante da

impossibilidade de verificação do nexo de causalidade entre a conduta

adotada e o lamentável evento da mortandade de peixes ocorrido. Em

relação à FEPAM, entidade que não compunha aquela demanda, o rumo a

ser dado é o mesmo, contudo, por outras razões, as quais serão expostas a

seguir.

Pois bem.

Inicialmente, registro que, para que se faça a melhor análise

acerca do rumo a ser dado à presente ação indenizatória, imprescindível se

esclarecer nitidamente o objeto da pretensão autoral, bem como a

abrangência de sua causa de pedir.

Não se pode olvidar que aqui não se está a fazer um

julgamento acerca da (i)legalidade lato sensu das condutas eventualmente

praticadas pelas requeridas em desfavor do patrimônio ambiental hídrico do

Rio Grande do Sul, mas sim uma análise acerca da possibilidade de

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responsabilização civil das requeridas por danos supostamente causados ao

autor, que se identifica como pescador profissional residente em Sapucaia

do Sul.

Disso se conclui que, para autorizar o julgamento de

procedência da presente demanda indenizatória não é suficiente a

demonstração de ocorrência de prática (comissiva no caso da UTRESA, ou

omissiva no caso da FEPAM) que represente infringência às normas

ambientais vigentes à época, o que, destaco, foi objeto de processo

administrativo junto às instâncias de proteção ambiental competentes, e,

ainda processo criminal, mas sim a comprovação cabal de que diretamente da conduta específica adotada tenham se originado danos ao pescador que ora figura do polo ativo da ação. Em outras palavras, necessário verificar, basicamente, se da prova dos autos é possível verificar, de forma inequívoca, o nexo causal, ou seja, que os danos, consistentes na impossibilidade de o autor continuar pescando regularmente, ou utilizando-se do Rio para lazer, decorreram diretamente do despejo de material poluente no Rio dos Sinos pela requerida UTRESA e pela omissão no dever de fiscalização por parte da FEPAM.

Destarte, ressalto que, em que pese em demandas análogas tenha me manifestado no sentido da inexistência de provas de que os membros da Colônia de Pescadores Z5 – Ernesto Alves (como o autor) laborassem na área afetada pela mortandade, considerando que tal ponto não é objeto de controvérsia no presente caso, reconheço a condição do autor como pescador profissional atuante no Rio dos Sinos.

Nessa linha, em que pese seja de notório conhecimento o

lamentável evento de mortandade de peixes ocorrido em trecho do Rio dos

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Sinos no começo do mês de outubro de 2006, tenho que o pleito

indenizatório não merece prosperar, pois não há demonstração do nexo de

causalidade entre a conduta das rés e o dano sofrido pela parte autora.

Com efeito, nunca é demais lembrar que o nexo causal não pode ser presumido.

Por escolha clara do legislador (art. 403, Código Civil13), a

investigação do nexo causal não está submetida à teoria da conditio sine

qua non, criticada por permitir o regresso ao infinito.

Neste norte, adota-se a teoria dos danos diretos e imediatos,

só podendo ser considerada causa aquela que se filie ao dano segundo um

vínculo de necessariedade.

A respeito da teoria dos danos diretos e imediatos, a lição de

CARLOS ROBERTO GONÇALVES: 14

“A interrupção do nexo causal ocorreria ... toda vez

que, devendo impor-se um determinado resultado como normal conseqüência do desenrolar de certos acontecimentos, tal não se verificasse pelo surgimento de uma circunstância outra que, com anterioridade, fosse aquela que acabasse por responder por esse mesmo esperado resultado. Tal circunstância outra se constituiria na chamada causa estranha. (...)

Assim, “é indenizável todo dano que se filia a uma causa, ainda que remota, desde que ela lhe seja causa necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano. Quer a lei que o dano seja o efeito direto e imediato da inexecução” [citando Agostinho Alvim].

13 Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual. (grifei) 14 In Responsabilidade Civil, 8. ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 523 (item 92). No mesmo sentido, cf. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, in Novo Curso de Direito Civil, Vol. III, 9. ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 128 e ss.

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O agente primeiro responderia tão-só pelos danos que se prendessem a seu ato por um vínculo de necessariedade. Pelos danos conseqüentes das causas estranhas responderiam os respectivos agentes.” (grifei)

Trazendo esta lição aos autos, não há comprovação do efetivo

nexo causal entre o ilícito ambiental praticado pela UTRESA e os danos

ambientais verificados, mormente porque o resultado tem origem

multicausal, havendo prova testemunhal de lavra de técnicos da área (no

presente feito e em diversos outros julgados por este órgão fracionário) no

sentido de que o evento ocorreria ainda que não houvesse o lançamento de

dejetos pela requerida.

Os elementos trazidos aos autos limitam-se a apontar a

possibilidade remota de que os danos tenham resultado do ilícito praticado

pelas requeridas; não há comprovação, porém, de que tal ilícito tenha

causado direta, imediata e necessariamente os danos suportados pela parte.

De acordo com a prova dos autos, lamentavelmente o Rio dos

Sinos, no trecho em que corta a Região Metropolitana de Porto Alegre,

desde antes do ano de 2006 já apresentava níveis de poluição

elevadíssimos, ao ponto de tornar inviável a pesca, sob pena de pôr em

risco a saúde dos eventuais compradores, com o que carece de

verossimilhança a alegação de que diretamente por responsabilidade da

atuação especifica da UTRESA tenha o autor se visto impedido de realizar

atividade pesqueira profissional, ou de usufruir do Rio dos Sinos para

atividades de lazer.

Conforme foi demonstrado pela Fundação Estadual de

Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler – FEPAM, eventos de

mortandades de peixes na região entre a foz do Arroio Luiz Rau e a foz do

Arroio Portão são eventos que já ocorreram diversas vezes, apresentando

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diversas magnitudes, sendo que aquela região é crítica em termos de

poluição da água.

É fato de conhecimento público as condições do Rio naquele

local têm se deteriorado de forma contínua desde aquela época até os

presentes dias, diante da inércia dos governos em realizar investimentos em

saneamento básico, e consequente continuidade de despejo de esgoto

domiciliar, inclusive, em quantidades cada vez maiores, diante do aumento

da população da região.

Assim, considerando ser inequívoco que mais de 90% do

esgoto domiciliar dos moradores dos municípios localizados no entorno do

leito do curso inferior do Rio dos Sinos é despejado sem tratamento

diretamente em seu leito, e que, mesmo antes da mortandade de outubro de

2006, aquele trecho do Rio dos Sinos já se enquadrava dentro da pior

classificação possível atribuível à corpos de água doce, não é crível que

fosse realizada pesca no local para posterior comercialização, e também não

há indícios suficientes a se concluir que a mortandade de peixes ora

debatida tenha ocorrido diretamente por conta de incorreções no

procedimento adotado pelas requeridas.

Destaco que o argumento de que a morte de oitenta e seis

toneladas de peixes seria suficiente para conclusão em sentido contrário não

merece acolhida, pois é extremamente duvidoso o estado em que se

encontravam esses peixes, sendo provável que mesmo sem que tivesse se

dado a morte por asfixia, fossem impróprios ao consumo humano. Lembro

que por vezes até mesmo em trechos que sabiamente apresentam

inaceitáveis níveis de poluição em nosso Lago Guaíba é visível a existência

de vida animal, e nem por isso é realizada pesca para consumo humano.

Ressalto que o julgamento de improcedência dos pedidos

formulados pelo autor em face da UTRESA nos presentes autos encontra

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eco na jurisprudência este Quinto Grupo Cível, que, ao apreciar diversas

outras ações movidas por individuais contra supostos responsáveis por

danos decorrentes do mesmo episódio de mortandade de peixes ocorrido

em outubro de 2006, sempre se manifestou majoritariamente pela

improcedência dos pedidos de indenização, ante a ausência de

demonstração do nexo de causalidade.

Exemplificativamente:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DESASTRE AMBIENTAL NO RIO DOS SINOS. MORTANDADE DE PEIXES. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. Assente nos autos que a conduta das rés não foi a causa determinante para a impossibilidade do autor exercer sua atividade de pescador profissional no Rio dos Sinos, resta afastado o dever de indenizar, diante da ausência de nexo causal entre a conduta dos requeridos e os supostos danos suportados pelo demandante. Hipótese em que a atividade de pesca no Rio dos Sinos já se mostrava inviável antes mesmo da ocorrência do desastre ambiental. Improcedência mantida. APELAÇÃO IMPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70045504651, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 15.12.2011) (grifei) RESPONSABILIDADE CIVIL. DESASTRE AMBIENTAL NO RIO DOS SINOS. MORTANDADE DE PEIXES. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. UTRESA. NEXO DE CAUSALIDADE AFASTADO. Trata-se de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, ou seja, de responsabilidade sem culpa, ou de responsabilidade objetiva, fazendo-se necessária apenas a comprovação do nexo de causalidade entre uma atividade de risco ao meio ambiente e os danos dela decorrentes. A prova testemunhal comprovou: (I) 90% do esgoto doméstico é lançado diretamente no Rio dos Sinos sem tratamento pelos diversos municípios localizados na área da bacia hidrográfica; (II) o nível de poluição no Rio dos Sinos não diminuiu apesar da redução no lançamento de efluentes pelas indústrias; (III) o

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desastre ambiental de 2006 poderia ter ocorrido ainda que a Utresa não tivesse despejado qualquer líquido poluente no rio. Comprovado que o lançamento clandestino de efluentes pela Utresa não foi responsável pelo dano ambiental ocorrido em 2006. A morte dos peixes não decorreu de envenenamento com as substâncias lançadas pela requerida, mas sim em função da drástica diminuição de oxigênio no Rio dos Sinos em decorrência do esgoto cloacal, da baixa vazão do rio e da estiagem. FEPAM. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. Em se tratando de omissão do ente público, exige-se a prova da culpa (negligência, imprudência ou imperícia), ou seja, aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Não há prova de qualquer conduta ilícita por parte da requerida FEPAM, que foi diligente ao adotar as medidas necessárias diante dos fatos, procedendo às vistorias e acompanhando a situação do Rio dos Sinos. A FEPAM há muito tempo alerta para a necessidade de adoção de medidas preventivas, a exemplo de intensificação quanto à fiscalização dos efluentes industriais, bem como da necessidade dos Municípios procederem ao saneamento básico dos esgotos cloacais lançados na bacia hidrográfica do Rio dos Sinos. APELAÇÃO DA RÉ PROVIDA. APELO DO AUTOR DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70043531342, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 24.11.2011) (grifei) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. MORTANDADE DE PEIXES. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA UTRESA. NEXO DE CAUSALIDADE AFASTADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DA FEPAM NÃO CONFIGURADA. 1. UTRESA - CENTRAL DE RESÍDUOS. Em se tratando de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, desnecessária a demonstração da culpa do agente poluidor no evento danoso, na medida em que sua responsabilidade é objetiva. Incidência da Teoria do Risco Integral, segundo a qual não se admitem excludentes de responsabilidade, tais como caso fortuito, força maior, ação de terceiros ou da própria vítima, bastando a relação de causa e efeito entre uma conduta do

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poluidor e os prejuízos então advindos. Caso concreto em que restou afastado o nexo causal entre a atuação da demandada e os danos reclamados. 2. FEPAM. A responsabilidade civil pela omissão estatal é subjetiva, exigindo para sua configuração a comprovação de dolo ou culpa, esta última em uma de suas três facetas: a negligência, a imperícia ou a imprudência. Não restando demonstrada efetiva omissão da FEPAM em envidar esforços para afastar ou reduzir os danos, improcede a demanda. APELO DA UTRESA PROVIDO, POR MAIORIA. APELO DA AUTORA DESPROVIDO, À UNANIMIDADE. (Apelação Cível Nº 70046327722, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 28.03.2012) (grifei)

Já em relação à ré FEPAM, a prova dos autos refere que a

fundação atua há décadas na proteção ao meio-ambiente, inclusive com

levantamento pontual da Bacia dos Sinos.

No mesmo sentido, a sentença lançada na origem refere que “ficou evidenciado nos autos que a requerida FEPAM foi diligente ao adotar as

medidas necessárias diante dos fatos, procedendo vistorias e acompanhando a

situação do Rio dos Sinos, imediatamente após a sua ocorrência. Aliás, a prova dos

autos não foi contundente em apontar a responsabilidade da FEPAM pelos fatos,

na medida em que se pode verificar pelo caderno probatório que a fiscalização

vinha sendo feita em momento anterior e posterior aos fatos. ” (fl. 633).

Logo, não há de se cogitar da responsabilidade da Fundação.

E mais: embora a sua atuação não tenha sido suficiente ao

ponto de prevenir ou remediar a situação tem termo ideais, não se pode

esquecer que a Administração Pública tem seus limites

orçamentários/humanos.

Nos termos do art. 5º, §1º, também da Carta Magna, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Não é incomum, porém, que a efetividade dos direitos

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fundamentais encontre óbice na desestrutura do Poder Público – material e,

principalmente, financeira.

A cláusula da reserva do possível tem origem em caso judicial

alemão, no qual um estudante, que foi preterido no seu intuito de ingressar

no ensino superior público, ajuizou demanda sob o argumento de que a Lei

Fundamental alemã garantia a livre escolha do trabalho, ofício ou profissão.

Naquela oportunidade, entendeu-se que os intitulados direitos sociais “estão

sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira

racional, pode esperar da sociedade”. 15

Isso se dá porque, dentro de um cenário de limitação dos

recursos públicos, é o momento histórico que concretiza o razoável

prestacional que pode ser esperado pelo cidadão. Refugindo a pretensão ao

razoável, há de ser negada, sob pena de exaurir ou desfalcar os recursos

públicos em favor de um sujeito apenas, em prejuízo de outros cidadãos.

É o que ensina Paulo Gilberto Cogo Leivas: 16

“A colocação da reserva do possível junto ao direito

fundamental prima facie diz nada mais que os direitos fundamentais sociais prima facie exigem a ponderação com os outros direitos fundamentais. São princípios constitucionais que colidem regularmente com os direitos fundamentais sociais: os princípios democráticos e da separação dos poderes, inclusive a competência do administrador e do Legislativo para a proposta e aprovação da lei orçamentária, e os direitos fundamentais de terceiros.

Aquilo que o indivíduo possa esperar razoavelmente da sociedade significa, então, que o indivíduo alcança um direito definitivo caso os outros direitos fundamentais, em colisão com o

15 Andreas Joachim Krell, Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: os

(des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 52.

16 LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 98-99.

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direito fundamental social que lhe assiste, não tenham peso suficientemente alto para restringir o seu direito fundamental.

Portanto, a reserva do possível, como cláusula restritiva ao direito prima facie, não significa a ineficácia ou não-aplicabilidade imediata do direito (...). Ela expressa simplesmente a necessidade de ponderação entre princípios (...).”

A fiscalização da intervenção humana sobre o meio-ambiente

não é tarefa simples, exigindo um complexo logístico humano e material,

além do emprego de recursos orçamentários de peso.

Por isso, diversamente do que ocorre em relação a pequenas

prestações que, em razão de sua menor complexidade, podem ser

legitimamente exigidas do Estado17, não é razoável que os cidadãos

esperem que prestações de maior envergadura sejam prestadas de modo

absoluto, perfeito ou ideal pelo ente estatal.

Entendendo-se que a prestação estatal deva ser absoluta,

perfeita, ideal, o sucesso da tese da parte autora perpassaria pela

interferência direta do Judiciário nas políticas públicas do Poder Executivo,

hipótese em que atuaria como administrador, múnus que, via de regra, não

lhe compete. Além disso, o problema encerra uma perspectiva macro

sociológica, dependendo de acurado estudo das condições fáticas e

financeiras para a implementação de uma fiscalização adequada.

Por isso, entendo que a conduta da ré FEPAM, ao promover

acompanhamento histórico da Bacia Hidrográfica e depois, por ocasião da

mortandade, ao atuar pontualmente na solução do evento, afasta a tese

autoral.

17 A distinção é relevante. A respeito: Apelação Cível Nº 70045863610, Nona Câmara Cível,

Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 14/12/2011.

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EFN Nº 70051741577 (N° CNJ: 0480753-49.2012.8.21.7000) 2012/CÍVEL

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Com essas considerações, NEGO PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR, e DOU PROVIMENTO AO APELO da UTRESA, para julgar totalmente improcedente a pretensão inicial.

Diante da alteração no alcance da decisão, redimensiono a divisão dos ônus de sucumbência, condenando o autor ao pagamento da integralidade das custas processuais, bem como honorários advocatícios aos patronos das rés, os quais fixo em R$1.000,00 (mil reais), para cada parte demandada. Suspensa, contudo, a exigibilidade dos ônus sucumbenciais, ante a concessão do benefício da gratuidade judiciária (fl. 24).

É o voto.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível

nº 70051741577, Comarca de Sapucaia do Sul: "POR MAIORIA,

DESPROVERAM AO APELO DA AUTORA E PROVERAM AO APELO DA

RÉ ULTRESA."

Julgador(a) de 1º Grau: ROGERIO DELATORRE