acp. urg e emerg. garantia de leitos uti

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _ VARA CÍVEL DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES – MINAS GERAIS O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, representando interesses indisponíveis da sociedade, por seu agente que esta subscreve, em exercício junto à Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde desta Comarca, usando das atribuições que lhes são conferidas pelos artigos 127, caput e 129, inciso III, da Constituição da República e fundamentado nos artigos 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei Federal n.º 8.625, de 12-2-1993, e 273 e 461, caput e parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil Brasileiro e demais disposições pertinentes, vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA Em face do ESTADO DE MINAS GERAIS , pessoa jurídica de direito público, neste ato representado pelo Excelentíssimo Sr. Antônio Augusto Junho Anastásia, Governador do Estado, que deverá ser citado na pessoa do Excelentíssimo 1

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Ação Civil Pública Garantia de Leitos UTI

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Page 1: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _ VARA

CÍVEL DA COMARCA DE GOVERNADOR VALADARES – MINAS GERAIS

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESTADO DE

MINAS GERAIS, representando interesses indisponíveis da sociedade, por seu agente que

esta subscreve, em exercício junto à Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde desta

Comarca, usando das atribuições que lhes são conferidas pelos artigos 127, caput e 129, inciso

III, da Constituição da República e fundamentado nos artigos 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei

Federal n.º 8.625, de 12-2-1993, e 273 e 461, caput e parágrafos 3º e 4º, do Código de

Processo Civil Brasileiro e demais disposições pertinentes, vêm, respeitosamente, à presença

de Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Em face do ESTADO DE MINAS GERAIS, pessoa jurídica

de direito público, neste ato representado pelo Excelentíssimo Sr. Antônio Augusto Junho

Anastásia, Governador do Estado, que deverá ser citado na pessoa do Excelentíssimo Sr. Dr.

Procurador Geral do Estado, em seu gabinete situado na Cidade Administrativa Presidente

Tancredo Neves, Bairro Serra Verde, Belo Horizonte (MG), em razão dos fatos e

fundamentos adiante deduzidos:

I. DOS FATOS

Diante da enorme demanda individual aportada a esta

Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde, visando transferência para unidade hospitalar, de

pacientes “internados” no Hospital Regional de Governador Valadares-MG, para hospital de

alta complexidade, foi instaurado o Inquérito Civil Público nº MPMG-0105.11.000828-8,

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Page 2: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

para apurar o déficit de leitos UTI no Município e as conseqüências à população, em

decorrência desse déficit ( Mortes na fila de procedimento de alta complexidade - SUSFACIL).

Conforme se sabe, esta Promotoria de Justiça de Defesa da

Saúde vem recebendo inúmeras reclamações de usuários nos últimos meses, que se encontram

na “fila de espera” da Central de Regulação(SUSFACIL), aguardando a disponibilização do

leito que fazem jus.

Assim, todos pacientes residentes na região do Município de

Governador Valadares, que necessitam de tratamento de alta complexidade, não disponíveis

no Hospital Municipal de Governador Valadares – HMGV e pela SMS/GV, por não dispor de

materiais, dispositivos e equipamentos adequados para a realização do tratamento cirúrgico

proposto, são referenciados para o Município de Belo Horizonte, cujos recursos destinados à

realização deste procedimento se encontram locados no teto daquele Município, uma vez que

o mesmo é referência para a Macro Leste em se tratando de procedimentos de Alta

Complexidade, cuja identificação da demanda reprimida fica a cargo da Central de Regulação

em Alta Complexidade de Belo Horizonte, conforme PPI – Programa Pactuada e Integrada.

Excelência, o Ministério Público, através desta Curadoria da

Saúde, tem dado uma atenção muito especial aos pacientes em alta complexidade que

aguardam por mais de 48 horas uma vaga na central de leitos SUS-FÁCIL para serem

transferidos para Belo Horizonte, recorrendo ao Judiciário a fim de defender seus direitos

indisponíveis.

Contudo, tais demandas individuais, oriundas o Ministério

Público, Defensoria Pública e dos próprios particulares estão aportando no Judiciário. Os

poderes públicos têm assistido essa via crucis dos cidadãos/pacientes, por décadas, sem

nenhuma providência EFETIVA que verdadeiramente solucionem essa demanda.

É absurda essa omissão, pois que viola os mandamentos

constitucionais que asseguram a todos os brasileiros o direito à saúde (art. 196 e ss, CRFB). A

dignidade das pessoas que necessitam de atendimento de saúde de urgência/emergência é

maculada, portanto, diuturnamente.

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Page 3: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

O Governo do Estado de Minas Gerais vem buscando

diagnosticar os problemas na área da saúde e vem promovendo planejamentos e gestões

visando debelar essas falhas. Entretanto, interesses menores de certos setores da sociedade e

do próprio poder público vem emperrando o equacionamento da questão.

Verbere-se que o Estado de Minas Gerais engendrou o Plano

Diretor de Regionalização (PDR), sendo dividido em 13 (treze) macrorregiões sanitárias. Em

cada uma delas foi instalada uma Central de Regulação Assistencial, com atribuições e

funcionalidades específicas, que a caracterizam como pólo de macrorregião. As centrais de

regulação são responsáveis pela regulação dos leitos hospitalares dos estabelecimentos de

saúde vinculados ao SUS, próprios, contratados ou conveniados. O escopo deve ser

configurado com os leitos das diversas clínicas, de UTI e de retaguarda aos pronto-socorros.

Todavia, não obstante a implementação da Central de

Regulação na região, os problemas de encaminhamentos são constantes. A Central, embora

venha, eventualmente, adquirindo leitos na rede privada, não está conseguindo transferir os

pacientes de acordo com suas necessidades, em tempo hábil (já tendo ocorrido diversas

mortes por conta da demora na transferência). A demanda tem-se apresentando muito maior

do que a capacidade de operacionalização ofertada pela Regulação.

Em termo de depoimento de fls.161, a Coordenadora da Central

Macrorregional de Regulação Assistencial de Governador Valadares-MG à Sra. Rosiléia da

Cunha de Souz, devidamente acompanhada pelo Advogado Geral do Estado, Sr. André Luis

de Oliveira Silva, informou o seguinte:

“[...] trabalha na Central de Regulação desde sua inauguração

em 2006, sendo que já está há mais de 20 anos na vida pública na área da

saúde. A Central de Regulação de Gov. Valadares funciona 24 horas por dia e

possui cerca de 22 servidores e aproximadamente 8 médicos, sendo 9 contato

consigo.

A Central de Regulação tenta fazer seu trabalho da melhor

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Page 4: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

forma possível, sendo que eventualmente alguns municípios não seguem

fielmente os protocolos do SUS e isso acaba dificultando o trâmite da análise

dos casos que vão aparecendo. No tocante a Norma Técnica 26/2010 declara

que só tem governabilidade dentro da própria área geográfica da Central de

Regulação que coordena. Sua autonomia é bastante limitada, sendo que

necessita da autorização da administração estadual. A NT 26/2010 é executada

em Belo Horizonte na Coordenação Estadual de Regulação Assistencial.

Não há prazos máximos para cada pessoa ser atendida, mas a

Central age com a maior rapidez possível, mas acredita que as pessoas (no

geral) não fiquem mais de 5 dias na fila de espera. Não há como precisar

tendo em vista que cada caso é um caso: uns são atendidos em 48 hora, outros

em 8 dias e outros em 24 horas.

Não há recursos financeiros para todos os atendimentos. A

demanda da Central de Valadares é pesada, mas há outras Centrais que

possuem demanda maior.[...].”

De acordo com a Portaria GM 1101, de 12/06/2002, o número

de leitos para cada 1.000 habitantes deve ser de 2,5 a 3 leitos, sendo que para leitos UTI, a

necessidade é de 4 a 10% do total de leitos hospitalares.

É fato e notório que no Município de Governador Valadares

o número de leitos (SUS, particular e convênio) é bem abaixo do mínimo estabelecido

pelo Ministério da Saúde e ainda o Hospital Regional não é credenciado para

procedimentos de alta complexidade e não dispõe de condições técnicas para a

realização dos procedimentos, de modo que, todos os recursos do Município de

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Page 5: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

Governador Valadares destinados a esse fim encontram-se no teto do Município de Belo

Horizonte-MG.

De acordo com a Secretária Municipal de Saúde em (fls

348/349), o número de leitos no Hospital Regional é de 231 (cadastrados), contando

ainda com 20 leitos de UTI neonatal e 08 leitos de UTI adulto. Número este Excelência

bem abaixo do mínimo estabelecido pelo Ministério da Saúde.

Além desses dados, o Estado descumpre a Nota Técnica nº

26/2010, expedida pela própria Secretaria Estadual de Saúde no setor da

Superintendência de Regulaçã o, em que regula a compra de leitos e do transporte, sendo

que no seu item nº 2 – Das Orientações (documento anexo), que diz o seguinte:

“A compra de leitos e a solicitação de fretamento de

transporte (aéreo e terrestre)/UTI imóvel deverá se dar somente nos casos

de emergência (risco iminente ou grave dano à saúde) e de urgência que

possam ocasionar prejuízo ou comprometer a saúde dos usuários do

SUS/MG e nos casos de determinações judiciais.A compra de leito e

solicitação de transporte de fretamento de transporte-UTI MÓVEL para

os casos de emergência e urgência está condicionada ao cadastro do

usuário no SUS-FACIL, com todas as informações clinicas necessárias,

bem como o relatório detalhado do medico assistente – declarando

explicitamente os benefícios para o paciente da transferência solicitada

2.1. Compra de leitos da iniciativa privada

O coordenador Macrorregional poderá solicitar compra de

leitos ofertados pela iniciativa privada somente quando as disponibilidades

do SUS forem insuficientes para garantir a assistência ao paciente e ao

cumprimento de ordem judicial. O coordenador estadual deverá ser

informado antes da comprar, para avaliar a necessidade. O coordenador

poderá delegar esta função ao medico plantonista.

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Page 6: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

1.1 – Da situação do Hospital Municipal

O Hospital Municipal de Governador Valadares, não tem

estrutura para tratamentos de alta complexidade.

Sabe-se que o Hospital Municipal não se destina a internações

de pacientes, mas sim à garantia de assistência às urgências, com observação até 24 horas.

Até as 24 horas de observação, o paciente deve, se for o caso, ser transferido para a

unidade hospitalar referenciada para fornecimento do tratamento médico hospitalar

adequado.

Todavia, não é o que se verifica, na prática.

O que se tem visto, com freqüência, é que pacientes – inclusive

aqueles com risco de morte ou risco de dano irreparável à saúde – têm permanecido dias no

Pronto Socorro, em regime de “internação”, inclusive com vários registros de óbitos

naquele nosocômio, o que é cediço. A título de ilustração as pacientes Rivany Mara Marlene

da Silva Dias, Marilene da Silva Dias e a Recém Nascida de Deuzita Batista dos Santos, as

quais permaneceram por 30 (trinta) dias, no Hospital Regional, à espera de vaga em Hospital

de Alta Complexidade, ambas falecendo sem a devida transferência (v.fls. 04/62, fls.30/97 e

fls.349/409).

A Secretária Municipal de Saúde em fls.132 e 347, informou

que somente nos anos de 2010 a 2012 foram registrados mais de 24 (vinte e quatro)

óbitos de pacientes, que aguardavam na fila do Sus-Fácil transferência para tratamento

em Hospital de Alta Complexidade (neste ano de 2012 já foram registradas 09 mortes).

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Page 7: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

A morte mais recente, fora da recém nascida de Deuzita Batista

dos Santos, a qual aguardava transferência para Hospital de Alta Complexidade por mais de

30 dias, sendo que já havia uma Ação Civil Pública ajuizada e uma ordem judicial concedida

determinando a internação da paciente (PROCESSO Nº 0265944/84.2012, FLS.349/409) foi

desobedecida pelo Estado de Minas Gerais. Contudo, o Estado devidamente ciente da

situação, ficou inerte e a RECÉM NASCIDA FALECEU por conta desse descumprimento

dessa ordem judicial!!!!!!!.

Esse caso mais recente, retrata o total desrespeito por parte do

Estado em garantir um direito básico, fundamental e indispensável que é a VIDA.

Como podem os gestores permanecerem impassíveis

diante de tantas omissões e mortes! Essa ausência de cuidados só é comparável aos

momentos de guerra. Nada justifica tamanha frieza. Para o paciente necessitado o Estado

monopoliza a saúde, de maneira diabólica, pois sendo seu único caminho, não tendo recursos

para custear serviços particulares, é condenado ao descaso, à humilhação e ao desrespeito.

No que se refere às Unidades de Terapia Intensiva (UTI), são

unidades hospitalares destinadas ao atendimento de pacientes graves ou de risco que dispõem

de assistência médica e de enfermagem ininterruptas, com equipamentos específicos próprios,

recursos humanos especializados e que tenham acesso a outras tecnologias destinadas ao

diagnóstico e terapêutica. Deve haver uma equipe multiprofissional mínima legalmente

habilitada (médico diarista e plantonista, enfermeiro, fisioterapeuta, técnico de enfermagem,

auxiliar administrativo e funcionários exclusivos para limpeza).

Ressalta-se, conforme apontado acima o número existente

de leitos no Hospital Regional é bem abaixo do exigido pelo Ministério da Saúde (231

leitos, sendo apenas 20 leitos UTI neonatal e 08 leitos de UTI adulto), conforme

estabelecido pela Secretária Municipal de Saúde em fls.346/347. Além disso o Estado

descumpre a Nota Técnica nº 26/2010, expedida pela própria Secretaria Estadual de

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Page 8: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

Saúde no setor da Superintendência de Regulação, em que regula a compra de leitos e

do transporte, sendo que no seu item nº 2 – Das Orientações (documento anexo).

II – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

A atual Constituição Federal e a Lei Orgânica de Saúde

consagraram a prevalência de determinados direitos fundamentais, dentre eles o direito à vida

e à saúde, que no caso concreto foram flagrantemente vulnerados.

A mera leitura dos dispositivos constitucionais que seguem, em

confronto com a hipótese dos autos, revela de pronto a lesão em causa:

Art. 1.° A República Federativa do Brasil, (...), constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: II- a dignidade da pessoa humana;

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Lei Orgânica da Saúde (Lei n° 8.080/90):

Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1°. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doença e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação .

Ademais, como já exposto existe também a Nota Técnica nº

26/2010, expedida pela própria Secretaria Estadual de Saúde no setor da

Superintendência de Regulaçã o, em que regula a compra de leitos e do transporte, sendo

que no seu item nº 2 – Das Orientações (documento anexo), que diz o seguinte:

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Page 9: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

“A compra de leitos e a solicitação de fretamento de

transporte (aéreo e terrestre)/UTI imóvel deverá se dar somente nos casos

de emergência (risco iminente ou grave dano à saúde) e de urgência que

possam ocasionar prejuízo ou comprometer a saúde dos usuários do

SUS/MG e nos casos de determinações judiciais.A compra de leito e

solicitação de transporte de fretamento de transporte-UTI MÓVEL para

os casos de emergência e urgência está condicionada ao cadastro do

usuário no SUS-FACIL, com todas as informações clinicas necessárias,

bem como o relatório detalhado do medico assistente – declarando

explicitamente os benefícios para o paciente da transferência solicitada

2.1. Compra de leitos da iniciativa privada

O coordenador Macrorregional poderá solicitar compra de

leitos ofertados pela iniciativa privada somente quando as disponibilidades

do SUS forem insuficientes para garantir a assistência ao paciente e ao

cumprimento de ordem judicial. O coordenador estadual deverá ser

informado antes da comprar, para avaliar a necessidade. O coordenador

poderá delegar esta função ao medico plantonista.

Portanto, a Constituição da República e a Lei Orgânica da

Saúde tutelam firmemente o direito do cidadão à saúde e impõe ao Estado o dever de garanti-

lo, reconhecendo ao usuário um direito público subjetivo que o legitima a exigir esse acesso e

assistência do Poder Público.

Ressalte-se, desde logo, que a aplicação destes princípios legais,

é imediata, não necessitando assim, de regulamentação.

Comentando o assunto, veja-se a doutrina de Sueli Gandolfi

Dallari:

"Isto significa que ninguém - legislador ou administrador pode alegar a ausência de norma regulamentadora para justificar a não aplicação imediata da garantia do direito à saúde”.

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Page 10: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

Por outro lado, a saúde não é apenas uma contraprestação de

serviços devida pelo Estado ao cidadão, mas sim um direito fundamental do ser humano,

devendo, por isso mesmo, ser universal, igualitário e integral, não se podendo prestar "meia-

saúde", ou seja, fornecem-se algumas prestações e negam-se outras, ou fornecem-se apenas

aquilo que permitem os recursos do momento.

Com tudo isto, diante do desrespeito aos direitos mais

comezinhos dessa coletividade que necessita de uma vaga em leito de UTI e atendimento

de urgência/emergência em ambiente hospitalar, e que se vêem, a cada minuto, sem a

devida assistência, suas chances de vida se reduzem drasticamente, é que se pleiteia a

tutela jurisdicional no sentido de determinar ao Poder Público a obediência às portarias nº

1.101/2002 e 3.432/98 no que concerne a disponibilização de número suficiente de leitos UTI

para atender à demanda populacional, impedindo mais mortes na mencionada “fila de espera”,

em respeito aos direitos fundamentais do cidadão encartados na Carta Federal.

A situação, que está estampada nos jornais diariamente,

espelha o desrespeito do poder público pela população e o descaso com o preceituado na

portaria citada, que atribui aos Municípios e Estados o dever de constituir referências

para orientar os gestores do SUS no planejamento, programação e priorização das ações

de saúde a serem desenvolvidas.

Tais referências, como se vê, não vêm sendo constituídas, uma

vez que na grande maioria das Regionais de Saúde do Estado faltam leitos (notadamente de

UTI e para atendimentos às emergências e urgências com risco de morte e/ou dano irreparável

à saúde), inviabilizando o tratamento imediato. Mister destacar que, nesses casos, o tempo de

resposta das solicitações é um determinante estratégico para garantia de vida com qualidade

aos usuários do SUS.

Desta forma, o direito da coletividade aqui assistida é

incontestável, de berço constitucional, devidamente demonstrado na sua existência e

individualizado na sua extensão.

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Page 11: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

Ademais, nos termos do art. 198, II da CR/88 e art. 6º, I da Lei

8080/90, o acesso à saúde deve ser integral, ou seja, impõe-se a garantia de tratamento até o

nível de complexidade necessária para o atendimento dos usuários do SUS.

O Ministério Público e o Poder Judiciário têm compromisso

com a lei, mas acima dela com os valores, direitos, princípios constitucionalmente

assegurados, enfim, com a Justiça.

No conflito entre a lei e os princípios constitucionais (dignidade

da pessoa humana e integralidade da assistência à saúde) e, principalmente, entre a lei e a

Justiça, prevalecem os princípios e a Justiça.

O reconhecimento de omissão do Estado no cumprimento de um

dever constitucionalmente explícito e legalmente reconhecido (artigo 7º - em especial inciso

II, da Lei n.º 8.080/90) não significa qualquer interferência na discricionariedade

administrativa.

O direito à saúde, embora topologicamente definido no título da Ordem Social, está umbilicalmente ligado e compõe o conjunto de direitos e garantias fundamentais (Título II), em especial os direitos à vida e à dignidade do viver, à dignidade da pessoa humana.

Sua efetivação não está sujeita, apenas, a critérios (falíveis)

estabelecidos de forma exclusiva pelo Estado-Executivo, dentro das noções de “seletividade”

e “distributividade”, e tampouco restrita à rígida previsão orçamentária em rubrica específica.

Não existe “vácuo” na atuação do Poder Judiciário.

Dessa forma, é vedado à Administração Pública impor

qualquer sorte de restrição quanto à cobertura e atendimento na área da saúde ,

conclusão esta haurida não só da leitura isolada do artigo 194 da Constituição, mas levando-se

em conta, também, a necessidade de interpretação sistemática que preserve os valores

fundamentais da vida e da dignidade da pessoa humana.

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Page 12: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

Nas falhas, omissões e abusos do Poder Público viceja, como esperança dos ofendidos, a atuação do Poder Judiciário, a corrigir ações ou omissões ilícitas, a repor nos trilhos o caminho do Estado.

Por outro lado, não se nega à possibilidade de aplicação da

teoria da reserva do possível; ela é louvável e retrata com fidelidade o entendimento de que

mesmo direitos constitucionalmente consagrados não são absolutos.

No entanto, a mera alegação de impactos financeiros e

invocação da tese, desacompanhada de provas objetivas e suficientes do que se afirma,

constitui verdadeiro ardil que demanda atenção e sensibilidade do Julgador para não chancelar

a omissão injustificável do Estado.

A respeito do tema, o Eminente Ministro CELSO DE MELLO talhou lapidar entendimento:

Não se mostrará lícito ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da 'reserva do possível' - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.1

E, mesmo que demonstrados impactos razoáveis no orçamento

da saúde, é preciso comprovar a impossibilidade do cumprimento do dever

constitucional em vista da totalidade do orçamento e dos relatórios atualizados de

execução orçamentária (que ordinariamente apontam, como se sabe, superávit de

arrecadação).

1- ADPF nº 45, decisão monocrática do Excelentíssimo Ministro Celso de Mello em 29.04.2004, Supremo Tribunal Federal. (g.n.)

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Page 13: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

O paradigma deve ser o orçamento global, e não apenas o da

saúde.

Com efeito, somente diante da visão completa do quadro é que

o Poder Judiciário pode aferir a impossibilidade alegada (a ‘reserva do possível’), pois a vista

parcial da peça orçamentária não possibilita avaliar a razoabilidade de outros gastos, em áreas

de relevância pública NÃO reconhecidas pela Constituição, ao contrário das ações e serviços

na saúde.

Quantas vidas foram salvas E AINDA SERÃO pela atuação

do Ministério Público e a intervenção do Poder Judiciário? Tem-se notícia de que o

Estado sofreu “abalo significativo” por conta dessas decisões?

Se o Estado evoca a cláusula da “reserva do possível” (cuja

aplicação não se nega), que comprove a incapacidade financeira – em vista do orçamento

global – e os impactos negativos no atendimento dos demais usuários do SUS.

Ocorre que, conforme reconhecido pelo Município, o problema

há muito tempo persiste e o problema é atual e urgente e o cidadão não pode mais aguardar

por soluções futuras.

Assim sendo, não resta outra alternativa ao Ministério Público a

não ser a propositura da presente ação.

III -DA LEGITIMIDADE PASSIVA

3.1 - ESTADO DE MINAS GERAIS

O Estado de Minas Gerais, a fim de viabilizar o acesso às

internações hospitalares, definiu como política pública de saúde a criação de centrais de

regulação em âmbito regional, cujo objetivo é receber as solicitações de internação e localizar

estabelecimento de saúde que possa atender à demanda apresentada. Para tanto editou a Lei

Estadual nº 15.474/2005 (modifica o Código Estadual de Saúde) e seu Decreto nº

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Page 14: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

44.099/2005, regulamentando as funções do Regulador Assistencial de Saúde e definindo-lhe

competências técnicas específicas, inclusive, de autoridade gestora.

Para tanto, atribuiu autoridade sanitária para os profissionais

que trabalham nas atividades de regulação (como a central macro-oeste), a fim de

responderem de forma técnica às demandas por vagas de internação no SUS para realização

de procedimentos em caráter de urgência/emergência (art. 12 da Lei estadual 15.474/2005).

Para conferir resolutividade às centrais de regulação, foi

concedida às autoridades sanitárias no exercício das atividades de regulação da assistência à

saúde a possibilidade de “requisitar recursos públicos e privados em situações

excepcionais e de calamidade pública, com pagamento ou contrapartida a posteriori,

conforme pactuação a ser realizada com as autoridades competentes” (art. 4º, IV, “d” do

decreto estadual nº 44.099/2005).

Com o intuito de definir sobre o fluxo de compra de leito, nos

casos de “VAGA ZERO”, a SES/MG expediu a já mencionada Nota Técnica nº 26/2010, a

qual dispõe sobre esclarecimentos/orientações para compra de leitos/transporte, nos casos de

necessidade clínica de urgência e emergência constatada pelas Centrais de Regulação

Assistencial ou determinação judicial.

Com efeito, esgotada a capacidade do sistema, incumbe à

autoridade sanitária, no caso o Coordenador da Central de Regulação Macro-Leste, requisitar

os recursos privados para atendimento da demanda, não podendo, portanto, utilizar-se do

argumento de insuficiência de leitos SUS.

IV - DA TUTELA ANTECIPADA

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Page 15: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

A concessão da tutela antecipada constitui-se em ferramenta de

extrema utilidade contra os males decorrentes do tempo de tramitação do processo, exigindo a

presença de dois requisitos essenciais: prova inequívoca do alegado e a verossimilhança da

alegação.

Sobre os requisitos ensejadores da tutela antecipada ensina

Teori Albino Zavascki:

“Atento, certamente, à gravidade do ato que opera restrição a direitos fundamentais, estabeleceu o legislador, como pressupostos genéricos, indispensáveis à qualquer das espécies de antecipação de tutela, que haja prova inequívoca e verossimilhança da alegação. O fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado: exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. Em outras palavras, diferentemente do que ocorre no processo cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados), a antecipação da tutela de mérito supõe a verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos.”

Para a agilização da entrega da prestação jurisdicional, não

subsiste qualquer dúvida quanto à existência – mais do que provável na espécie - dos direitos

alegados, consoante se infere dos argumentos e dispositivos legais mencionados. Ademais, tal

afirmativa parte do reconhecimento de que prova inequívoca não é aquela utilizada para o

acolhimento final da pretensão, mas apenas o conjunto de dados de convencimento capazes

de, antecipadamente, através de cognição sumária, permitir a verificação da probabilidade da

parte requerente ver antecipados os efeitos da sentença de mérito.

Na hipótese vertente, a prova material inequívoca pode ser

inferida pela notoriedade dos fatos e as legislações estaduais citadas, em especial a Lei

Estadual nº 15.474/2005 e seu Decreto nº 44.099/2005.

Por conseqüência, a verossimilhança do direito invocado acaba

também se tornando evidenciada, com forte juízo de probabilidade, ante a flagrante

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Page 16: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

desobediência dos requeridos às normas constitucionais e infra-constitucionais, o que cada

vez mais vem dificultando o alcance da reparação necessária.

Em outras palavras, o fator verossímil exigido está patenteado

nas conclusões apresentadas pela documentação coligida aos autos, no sentido de que

realmente o Poder Público não obedece ao preceituado nas Portarias nº 1.101/2002 e

3.432/98, ambas do MS, sendo insuficiente, para atender a demanda, o número atual de leitos

(no caso em tela, leitos para atendimentos às emergências/urgências com risco de morte e/ou

dano irreparável à saúde e leitos de UTI) no Município de Governador Valadares-MG.

A isso deve somar-se o grave receio de dano irreparável que a

ausência de leitos, aparelhagens e médicos habilitados ao integral funcionamento de tais leitos

ocasionam à pronta assistência aos pacientes, oferecendo-lhes riscos inadmissíveis à saúde.

Vale lembrar que as pessoas estão agonizando durante a

espera do atendimento de urgência/emergência em ambiente hospitalar e, sobretudo,

morrendo no Hospital Municipal, à espera de vaga.

Com efeito, inúmeros são os casos noticiados na imprensa sobre

óbitos ocorridos no “Pronto Socorro Municipal”, pela falta de leitos UTI.

Nesse mesmo diapasão, a título de ilustração, recente caso,

das pacientes Rivany Mara de Almeida ,Marilene da Silva Dias e da Recém Nascida de

Deuzita Batista dos Santos as quais permaneceram por 30 (trinta) dias, no Pronto

Socorro, à espera de vaga em Hospital de Alta Complexidade, ambas falecendo sem a

devida transferência. (doc. do Inquérito Civil anexo fls. 04/62 , fls. 30/97 e fls.349/409).

Assim, permitir que tal situação somente venha a ser

regularizada ao final da demanda, implica na persistência indefinida das omissões apontadas e

seus prejuízos.

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Na seara particular da saúde, a não resolução dos problemas, em

hipótese nenhuma pode ser admitida como realidade imutável e despida de qualquer

conseqüência. Sempre haverá conseqüências, algumas irreparáveis.

Não incide possibilidade do provimento antecipatório

produzir qualquer perigo de irreversibilidade, já que, a qualquer tempo, o estado

anterior à antecipação buscada tem fáceis condições de voltar a reinar, só que neste

caso, em flagrante prejuízo dos pacientes e da missão a que se destina a tutela

antecipatória.

Portanto, imprescindível à pronta intervenção judicial para que

o poder público estadual propicie aos pacientes usuários de leitos SUS (notadamente leitos

para atendimentos às emergências e urgências com risco de morte e/ou dano irreparável à

saúde e leitos UTI) bem como estrutura humana e física capaz de atender às ações e serviços

de saúde com resolutividade, até para que resultem observados os princípios da organização e

eficiência retratados no artigo 37 da Constituição Federal.

O Superior Tribunal de Justiça definiu:

“PROCESSUAL CIVIL.. TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º, DA LEI N.º 9.494/97.1. A tutela antecipada pressupõe direito evidente (líquido e certo) ou direito em estado de periclitação. É líquido e certo o direito quando em consonância com a jurisprudência predominante do STJ, o guardião da legislação infraconstitucional.2. O STJ firmou entendimento no sentido de que, para efeito de reembolso dos hospitais que prestam serviços ao SUS, o fator de conversão para o REAL é o equivalente a CR$ 2.750,00 (dois mil, setecentos e cinqüenta cruzeiros reais) e não o valor criado pelo Ministério da Saúde, autoridade incompetente frente à atribuição exclusiva do Banco Central do Brasil.3. Mercê do direito evidente, os hospitais que atendem parcela ponderável da população, fazendo às vezes do SUS, necessitam do reembolso iminente das verbas pelos seus valores reais para implementarem, em nome do Estado, o dever de prestar saúde a todos. A saúde, como de sabença, é direito de todos e dever do Estado.4. A tutela antecipada contra o Estado é admissível quando em jogo direitos fundamentais como o de prestar saúde a toda a coletividade. Proteção imediata do direito instrumental à consecução do direito-fim e dever do Estado.

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Page 18: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

5. Tutela antecipatória deferida em favor de Hospitais, que lidam com a prestação de serviços à comunidade carente, visa a preservação do direito personalíssimo à saúde. Inaplicação do art. 1º, da Lei n.º 9.494/97.6. A tutela antecipada é concebível tanto nos casos de periclitação do direito quanto nas hipóteses de direito evidente. É líquido e certo o direito dos hospitais ao percebimento dos valores de repasse dos montantes da conversão em URVs, fixada pelo Banco Central. Destarte, o pagamento a menor configura situação de periculum porquanto abala a capacidade de os hospitais implementarem as atividades necessárias à efetivação do direito constitucional à saúde. Direito evidente e em estado de periclitação. Manutenção da tutela antecipada. 7. É assente na doutrina que o provimento antecipatório é de efetivação imediata, auto-executável e mandamental, características inconciliáveis com a suspensividade da decisão. Não resistiria à lógica do razoável sustar provimento urgente, como sói ser a liminar antecipatória. Aliás, não foi por outra razão que a novel reforma do CPC esclareceu que o provimento antecipado submete-se à execução provisória, porém, completa”. (Recurso especial conhecido e desprovido. (RESP 441466-RS, Recurso Especial 2002/0074681-1, STJ, 1ª Turma, decisão em 22/4/2003, DJ 9/6/2003, p. 179, Rel. Min. Luiz Fux).

Pleiteia-se, pois, a concessão da tutela antecipada, no sentido

de determinar ao Estado de Minas Gerais, que, nos casos de esgotada a capacidade na

rede conveniada ao SUS, adquiram na rede particular, para os pacientes “INSCRITOS

NA LISTA DO SUS-FÁCIL” em Governador Valadares, leitos UTI e leitos para

atendimentos às emergências e urgências com risco de morte e/ou dano irreparável à

saúde, de acordo com a necessidade para atendimento, devendo o encaminhamento ser

imediato ou – a critério médico – no prazo máximo de 48 (quarenta e oito ) horas, do

ingresso na FILA DO SUS – FÁCIL.

a) ESTADO DE MINAS

GERAIS: aquisição de leitos (UTI e leitos para atendimentos às emergências e urgências

com risco de morte e/ou dano irreparável à saúde), na rede privada, de pacientes

residentes neste município;

b) ESTADO DE MINAS GERAIS: aquisição de leitos

(UTI e leitos para atendimentos às emergências e urgências com risco de morte e/ou

dano irreparável à saúde), na rede particular, dos pacientes de outros municípios

referenciados para Governador Valadares-MG.

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Dessa forma, presentes os requisitos necessários, requer o

Ministério Público seja concedida medida liminar, determinando a antecipação dos efeitos da

sentença de mérito para cessar, imediatamente, as omissões dos requeridos, assim

resguardando a ordem jurídica e os direitos indisponíveis dos pacientes de Governador

Valadares.

V - Da necessidade de imposição de multa diária ao Secretário Estadual, em caso de

descumprimento da decisão judicial

Lamentavelmente, muitas das vezes, a decisão judicial, por si

só, não garante o cumprimento da lei e a satisfação do direito. Neste aspecto, diante da

necessidade de fixação de determinadas medidas para efetivação do direito tutelado,

reputamos ser adequada a imposição de multa diária aos gestores municipal e estadual, para

coibir o cumprimento do comando judicial.

Vale dizer, uma vez descumprida a ordem judicial, deve ser

imposta multa ao gestor, que é quem possui atribuição para fazer valer o comando judicial.

Com efeito, cominar multa diária em caso de descumprimento da decisão judicial ao Município e Estado revela-se desproporcional e insuficiente, uma vez que o dinheiro sai do próprio ente municipal e estadual e, consequentemente, é a população que acaba sendo punida mais uma vez, pois acaba custeando uma multa devida em função da inércia dos gestores. O fato de o dinheiro da multa ser oriundo dos cofres públicos faz com que a medida não surta os poderes coercitivos esperados sobre quem tem poderes para cumprir a decisão judicial.

Por isso, não resta alternativa que não seja a imposição de multa

diária e pessoal ao Governador do Estado e Secretário Estadual de Saúde (representantes do

Estado), em caso de descumprimento da ordem judicial, já que são eles quem possuem o

poder para cumpri-la. Sobre esta possibilidade, temos o seguinte julgado:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - ORDINÁRIA - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - ESTADO -

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ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA - REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC - ANTECIPAÇÃO MANTIDA - MULTA DIÁRIA - APLICAÇÃO AO RESPONSÁVEL PELO DESCUMPRIMENTO. 1- Existindo prova inequívoca hábil a convencer o juiz da verossimilhança da alegação, aliada à comprovação do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao direito da parte, defere-se a antecipação da tutela. 2- A multa cominada pelo descumprimento de obrigação de fazer deve ser aplicada não ao ente público, mais sim ao agente político ou a qualquer pessoa a quem incumba cumprir a ordem judicial (AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 1.0439.08.084918-5/001 - COMARCA DE MURIAÉ - AGRAVANTE(S): MUNICÍPIO DE MURIAÉ - AGRAVADO(A)(S): GILBERTO BENTO DIAS - RELATOR: EXMO. SR. DES. MAURÍCIO BARROS - Data do Julgamento: 31/03/2009. Data da Publicação: 29/05/2009).

Importante também transcrever um outro trecho do acórdão

acima mencionado, da 6 ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

Com efeito, segundo o disposto no art. 14, V, do CPC, as partes e todos aqueles que de qualquer forma participam do processo têm o dever de "cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final". A violação dessa norma legal constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, "podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado". Desse modo, ante o não cumprimento da ordem mandamental, o que o juiz deve fazer é aplicar multa ao responsável pelo cumprimento da ordem judicial, sem prejuízo de ser processado por crime de desobediência. Não cabe, portanto, a imposição de multa ao ente público pelo eventual não cumprimento da ordem mandamental, mas sim ao agente publico que, estando obrigado a cumpri-la, não o faz.

Dessa forma, indispensável é a imposição de multa diária ao

Governador do Estado e Secretário Estadual de Saúde, em caso de descumprimento da ordem

judicial, por paciente que não for encaminhado no prazo da determinação judicial.

VI - DO PEDIDO

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Page 21: ACP. Urg e Emerg. Garantia de Leitos UTI

Isto posto, protestando-se pela produção de todas as provas

admitidas em direito, pleiteia-se:

a. a citação do requerido no endereço mencionado, para que,

querendo, apresentem no prazo da lei a contestação que entender pertinente;

b. o deferimento da tutela antecipada, sem justificação prévia e

inaudita altera pars, na forma e pelas razões invocadas, observado o procedimento legal;

c. a cominação de multa pessoal, no valor de R$ 2.000,00 (dois

mil reais), em caso de descumprimento da tutela antecipada, ao gestor estadual, os quais

possuem as atribuições para cumprirem o comando judicial, por paciente, por dia de

descumprimento; ou, subsidiariamente, seja aplicada multa diária de R$10.000,00 ao ente

público, importância que deverá ser revertida ao Fundo Municipal de Saúde.

d. seja a Central de Regulação notificada a fornecer, a este

Juízo, relatório diário sobre os pacientes que necessitaram de leito de UTI e leitos para

atendimento às emergências e urgências com risco de morte e/ou dano irreparável à saúde,

indicando data, hora e local da internação.

e. seja julgada procedente a ação nos termos do pedido de

tutela antecipada retro gizado, ou seja, determine-se ao Poder Público Estadual que, nos

casos de esgotada a capacidade na rede conveniada ao SUS, adquira, para os pacientes

“INSCRITOS NA LISTA DO SUS-FÁCIL”, junto a hospital da rede privada, leitos UTI

e leitos para atendimentos às emergências e urgências com risco de morte e/ou dano

irreparável à saúde, de acordo com a necessidade para atendimento, devendo o

encaminhamento ser imediato ou – a critério médico – no prazo máximo de 48 (quarenta

e oito) horas, do ingresso na FILA DO SUS – FÁCIL, conforme abaixo:

* ESTADO DE MINAS GERAIS: aquisição de leitos (UTI e

leitos para atendimentos às emergências e urgências com risco de morte e/ou dano irreparável

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à saúde), na rede privada, de pacientes residentes neste município, dividindo esta

responsabilidade, alternadamente, entre os entes políticos;

* ESTADO DE MINAS GERAIS: aquisição de leitos (UTI e

leitos para atendimentos às emergências e urgências com risco de morte e/ou dano irreparável

à saúde), na rede particular, dos pacientes de outros municípios referenciados para

Governador Valadares-MG.

f. a cominação de multa pessoal, no valor de R$ 2.000,00 (dois

mil reais), em caso de descumprimento da tutela definitiva, ao gestor estadual, os quais

possuem as atribuições para cumprirem o comando judicial, por paciente, por dia de

descumprimento; ou, subsidiariamente, seja aplicada multa diária de R$10.000,00 ao ente

público, importância que deverá ser revertida ao Fundo Municipal de Saúde.

g. caso deferida a tutela antecipada, seja determinada a

divulgação em todos os meios de comunicação locais, bem como afixação da decisão no

saguão do Hospital Municipal de Governador Valadares- MG.

h. caso deferida a tutela antecipada, seja oficiado ao comando

da Polícia Militar e da Polícia Civil para que encaminhem, a esta Promotoria de Justiça de

Defesa da Saúde, cópia dos Boletins de Ocorrência eventualmente lavrados em virtude de

demora no cumprimento da decisão judicial, o que, em tese, configura crime previsto no art.

330 do Código Penal, bem como ato de improbidade administrativa.

Dá-se à causa, por ser inestimável, apenas para fins fiscais, o

valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Nesses Termos,

Pede Deferimento.

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Governador Valadares-MG, 25 de Setembro de 2012.

Lélio Braga Calhau Promotor de Justiça

Rodrigo Luiz Nalon Moreira Estagiário do Ministério Público Portaria nº 794/2012

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