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Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo: 01954/13 Data do Acordão: 19-06-2014 Tribunal: 1 SECÇÃO Relator: FERNANDA MAÇÃS Descritores: RECURSO HIERÁRQUICO FACULTATIVO PRAZO PARA DECISÃO CONTAGEM DE PRAZO FALTA DE NOTIFICAÇÃO PROCESSO ADMINISTRATIVO CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO Sumário: I - Terminado o prazo de decisão da impugnação administrativa facultativa e constituída a situação de inércia, o acto primário objecto daquela impugnação converte-se em acto final do procedimento, iniciando-se o decurso do prazo para a utilização do meio contencioso, tendo em conta a redacção dada ao nº 3 do art. 175º do CPA, sob pena de caducidade do direito de acção, nos termos do regime dos arts. 171º, nº 1, 172º, nº 1, e 175º, nº 3, do CPA, conjugado com os arts. 58º, nº 2, alínea b), e nº 4 do artº 59º do CPTA. II - É a partir do termo do prazo legal de 15 dias, para o autor do acto se pronunciar e o remeter ao órgão competente para conhecer do recurso (arts. 171º, nº 1, e 172º, nº 1, do CPA), que se conta o prazo, de 30 dias, fixado no questionado nº 1 do art. 175º CPA, para decisão do recurso hierárquico, sempre que não seja respeitado o prazo legalmente estabelecido, para a remessa do processo ao órgão competente para decidir. III - Se, nos termos do disposto no art. 59º, nº 4, do CPTA, a impugnação administrativa suspende e, na medida da respectiva duração, inutiliza o prazo da impugnação contenciosa, então, sob pena de se eternizar a indefinição acerca da situação jurídica das partes, é forçoso, em nome da segurança jurídica, impor um limite à duração da suspensão, de modo a conciliar de forma equilibrada estes princípios com o da tutela judicial efectiva. Nº Convencional: JSTA000P17682 Nº do Documento: SA12014061901954 Data de Entrada: 28-03-2014 Recorrente: A............, SA Recorrido 1: MINISTÉRIO DA ECONOMIA, DA INOVAÇÃO E DO DESENVOLVIMENTO Votação: UNANIMIDADE Aditamento: Texto Integral Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I-RELATÓRIO Página 1 de 19 Acordão do Supremo Tribunal Administrativo 14-07-2014 http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9c33f0e65d113daa...

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Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal AdministrativoProcesso: 01954/13Data do Acordão: 19-06-2014Tribunal: 1 SECÇÃORelator: FERNANDA MAÇÃSDescritores: RECURSO HIERÁRQUICO FACULTATIVO

PRAZO PARA DECISÃOCONTAGEM DE PRAZOFALTA DE NOTIFICAÇÃOPROCESSO ADMINISTRATIVOCADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO

Sumário: I - Terminado o prazo de decisão da impugnação administrativa facultativa e constituída a situação de inércia, o acto primário objecto daquela impugnação converte-se em acto final do procedimento, iniciando-se o decurso do prazo para a utilização do meio contencioso, tendo em conta a redacção dada ao nº 3 do art. 175º do CPA, sob pena de caducidade do direito de acção, nos termos do regime dos arts. 171º, nº 1, 172º, nº 1, e 175º, nº 3, do CPA, conjugado com os arts. 58º, nº 2, alínea b), e nº 4 do artº 59º do CPTA.II - É a partir do termo do prazo legal de 15 dias, para o autor do acto se pronunciar e o remeter ao órgão competente para conhecer do recurso (arts. 171º, nº 1, e 172º, nº 1, do CPA), que se conta o prazo, de 30 dias, fixado no questionado nº 1 do art. 175º CPA, para decisão do recurso hierárquico, sempre que não seja respeitado o prazo legalmente estabelecido, para a remessa do processo ao órgão competente para decidir.III - Se, nos termos do disposto no art. 59º, nº 4, do CPTA, a impugnação administrativa suspende e, na medida da respectiva duração, inutiliza o prazo da impugnação contenciosa, então, sob pena de se eternizar a indefinição acerca da situação jurídica das partes, é forçoso, em nome da segurança jurídica, impor um limite à duração da suspensão, de modo a conciliar de forma equilibrada estes princípios com o da tutela judicial efectiva.

Nº Convencional: JSTA000P17682Nº do Documento: SA12014061901954Data de Entrada: 28-03-2014Recorrente: A............, SARecorrido 1: MINISTÉRIO DA ECONOMIA, DA INOVAÇÃO E DO DESENVOLVIMENTOVotação: UNANIMIDADE

Aditamento:

Texto Integral

Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

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1- A…………, S.A., identificada nos autos, propôs, no TAF do Porto, acção administrativa especial, contra o MINISTÉRIO DA ECONOMIA, DA INOVAÇÃO E DO DESENVOLVIMENTO e o INSTITUTO DE GESTÃO DO FUNDO SOCIAL EUROPEU, impugnando «o Despacho do Senhor Gestor do PRIME de 19 de Junho de 2009, bem como de todos os actos do mesmo consequentes, mormente o acto administrativo de execução exarado no Despacho do Senhor Presidente do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, I.P., datado de 02 de Fevereiro de 2010».

1.1- O TAF do Porto, por sentença, fls. 214-223, proferida, em 22 de Outubro de 2012, fls. 214/223, considerando que «o prazo para impugnação contenciosa do acto do Gestor do PRIME» já havia caducado, absolveu a entidade demandada e o contra-interessado da instância [cfr. art.s 89º, nº 1 alínea h) do CPTA e 288º, alínea e) e 493º, nº 2 do CPC aplicáveis ex vi art. 1º do CPTA].»

1.2- A…………, S.A., inconformada, interpôs, a fls. 263, recurso para o TCA-N, ao abrigo dos art.s 140º, 141º, 142º, 143º e 144º do CPTA e ainda dos arts. 646º, 684º-B, 601º e 691º-A do CPC, que, por acórdão proferido em 13-09-2013 (fls. 313-324), negou provimento ao recurso jurisdicional.

2- Não se conformando com tal Acórdão, a Recorrente interpôs recurso excepcional de revista para este STA, nos termos dos artigos 141º, nº 150º do CPTA (fls. 333-377), concluindo as alegações do modo seguinte:“1. O presente recurso vem interposto do acórdão proferido a fls. dos autos, pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, por via do qual esse Tribunal a quo negou provimento ao recurso interposto pela A…………, S.A. - ora Recorrente -, da decisão proferida, em sede de primeira instância, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a qual julgou procedente, por provada, a excepção dilatória da caducidade do direito de acção, alegada pelo Contra-Interessado, aqui Recorrido, e, no seguimento, absolveu o mesmo bem como o Réu Ministério da Economia e do Emprego, aqui também Recorrido, da Instância.II. A admissão do presente recurso de revista, e consequente revogação da decisão recorrida, revelam-se manifestamente necessárias para a apreciação de uma

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questão de importância fundamental e para uma melhor aplicação do direito.III. Reveste-se de importância fundamental, em virtude da sua relevância jurídica, saber como se articula o disposto no artigo 175.º com o vertido no n.° 1 do artigo 172º, ambos do CPA.IV. Reveste-se de importância fundamental, em virtude da sua relevância jurídica, saber qual a natureza da obrigação de notificação a que alude a parte final do n.° 1 do artigo 172.º do C.P.A. e quais os reflexos do incumprimento dessa formalidade sobre o prazo para formação do acto de indeferimento tácito constante do artigo 175.° do mesmo Código.V. Reveste-se de importância fundamental, em virtude da sua relevância jurídica, saber qual a natureza da obrigação de remessa de um recurso hierárquico, apresentado por um Particular, para o órgão superior competente para dele conhecer, e quais as consequências do incumprimento, pelo autor do acto recorrido, de tal formalidade, em estreita violação do disposto no n.° 1 do artigo 172.° do CPA.VI. Reveste-se de importância fundamental, em virtude da sua relevância jurídica, saber qual o prazo de impugnação contenciosa aplicável aos casos de indeferimento tácito decorrentes do disposto no n.° 1 do artigo 172.° e nos n.°s 1 e 3 do artigo 175.° do CPA: o prazo de três meses constante da alínea b) do n.° 2 do artigo 58.° do CPTA ou o prazo de um ano constante — consoante os casos — do n.° 4 do artigo 58.º ou do n.° 1 do artigo 69.º do CPTA.VII. A caducidade da presente acção não é uma conclusão a que se chegue com base numa simples interpretação da lei.VIII. O autor do acto recorrido não notificou a Recorrente da remessa do recurso hierárquico apresentado para o órgão superior competente para dele conhecer nem efectuou a remessa desse recurso.IX. O autor do acto recorrido vedou, ao Recorrente, o direito de ver o seu recurso apreciado pelo órgão hierárquico superior, competente para dele conhecer.X. A admissão do presente recurso revela-se necessária para uma melhor aplicação do direito, na medida em que assume uma relevância jurídica de cariz objectivo dada a elevada probabilidade de esta situação se verificar em diversos casos, passados e futuros.XI. O presente recurso contende, essencialmente, com os direitos de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, os quais não só possuem assento constitucional

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— nos artigos 20.° e 268°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP) — como assumem um cariz supra-individual.XII. A decisão recorrida é causa de séria lesão no direito que a cada Administrado assiste de fazer uso de qualquer impugnação administrativa, acreditando que a mesma vai ser apreciada, como — acima de tudo — de aceder ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.XIII. Quando a lei não fixe prazo diferente, o recurso hierárquico deve ser decidido no prazo de 30 dias, o qual passa a ser de 90 dias nos casos em que tenha havido lugar à realização de nova instrução ou de diligências complementares.XIV. Após receber um recurso hierárquico interposto pelo Particular, o autor do acto recorrido deve cumprir três formalidades: (i) pronunciar-se sobre o teor do mesmo no prazo de 15 dias (ii) remetê-lo, posteriormente, ao órgão superior competente para dele conhecer, e (iii) notificar o Recorrente dessa mesma remessa.XV. Só mediante tal notificação é possível ao Recorrente conhecer do início da contagem do prazo para a formação do acto de indeferimento e da cessação do efeito suspensivo a que alude o n.° 4 do artigo 59.° do C.P.T.A.XVI. À data de entrada da presente acção judicial — 18 de Novembro de 2010 - a Recorrente ainda não havia sido notificada de qualquer remessa do recurso hierárquico para o órgão ad quem competente para dele conhecer.XVII. Tanto quanto é do conhecimento da Recorrente, o recurso hierárquico por si interposto não foi remetido ao órgão competente para dele conhecer, continuando o processo junto do autor do acto recorrido.XVIII. Mesmo que esta remessa tenha sido efectuada, a mesma não lhe pode ser oponível, uma vez que não foi cumprida a formalidade essencial prescrita pelo n.° 1, in fine, do artigo 172.° do C.P.A.XIX. Não tendo havido notificação da remessa do processo ao superior hierárquico, o prazo de 90 dias para formação do acto de indeferimento não teve início.XX. Na data de entrada da presente acção judicial, a contagem do prazo para interposição da impugnação contenciosa mantinha-se suspensa.XXI. Tendo a Recorrente interposto a presente acção administrativa especial no dia 18 de Novembro de 2010, com fundamento na nulidade e na anulabilidade do acto suspendendo, o fez tempestivamente.

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XXII. Mal andou o Tribunal a quo, porquanto assumiu quase dogmaticamente que o decurso do prazo referido no n.° 1 do artigo 175.º do CPA, sem que qualquer decisão expressa seja proferida pelo órgão superior, significa, sem mais, uma concordância deste órgão com a decisão do órgão hierarquicamente inferior.XXIII. Mal andou o Tribunal a quo, porquanto não atentou nos direitos de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva dos Particulares, e na forma como os mesmos são violados ao fazer recair sobre estes o ónus de uma contagem de prazos preclusivos do seu direito de acção a partir de factos que desconhecem se e quando foram praticados.XXIV. Mal andou o Tribunal a quo, porquanto não cuidou, ainda, de atentar na ratio da norma prevista no n.° 4 do artigo 59.° do CPTA.XXV. O Tribunal a quo não cuidou de distinguir entre os casos de falta de notificação, ao Recorrente, da remessa e de falta de remessa pura e simples.XXVI. Não é lícito à Administração demitir-se conscientemente do dever de decidir expressamente.XXVII. Não é lícito para o inferior hierárquico abster-se de remeter um recurso interposto por um particular para o órgão hierarquicamente superior competente para dele conhecer.XXVIII. Dos artigos 171.° e 172.° do CPA não resulta qualquer presunção de acordo com a qual se deve ter por garantido que o órgão autor do acto remete sempre o recurso ao superior hierárquico.XXIX. A conduta do inferior hierárquico é manifestamente ilegal e fere violentamente os direitos do Particulares de ver a sua questão decidida, decorrentes dos princípios da legalidade, da justiça e da confiança, plasmados nos artigos 3.° e 6.º do CPA.XXX. In casu, não existe, qualquer prova de que o Autor do acto impugnado tenha remetido o recurso hierárquico impróprio apresentado pela Recorrente a 09 de Setembro de 2009 para o seu superior hierárquico competente para dele conhecer.XXXI. O Recorrido reconheceu que a, 12 de Abril de 2010 o recurso encontrava-se, ainda, junto dos serviços do autor do acto.XXXII. A falta de remessa consubstancia uma violação da obrigação imposta no n.° 1 do artigo 172.° do CPA, e uma denegação dos direitos essenciais da Recorrente em obter uma decisão justa, e impede que se inicia a contagem a que alude o artigo 175.º do CPA.

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XXXIII. Para que se inicie a contagem do prazo para a decisão é necessário que o processo seja remetido pelo órgão a quo ao órgão ad quem (superior hierárquico).XXXIV. Não resulta provado, da prova produzida nos autos, ter o órgão recorrido, como lhe competia, remetido o recurso interposto pela Recorrente para o seu superior hierárquico.XXXV. A acção interposta pela Recorrente é tempestiva.XXXVI. A 06 de Abril de 2010 — muito depois do termo do aludido prazo de 15 dias - o órgão autor do acto recorrido comunicou, à Recorrente, que os seus serviços não logravam localizar o recurso hierárquico por esta apresentado.XXXVII. Nessa data, o autor do acto recorrido não só não havia, ainda, remetido o recurso hierárquico interposto pela Recorrente para o órgão ad quem competente para dele conhecer como não se havia pronunciado sobre o teor do mesmo.XXXVIII. Em 12 de Abril de 2010, o autor do acto recorrido IAPMEI comunicou expressamente, à Recorrente, que o recurso ainda se encontrava no seio dos seus serviços, aguardando apreciação.XXXIX. A entender-se que a remessa do recurso hierárquico interposto pela Recorrente teve já lugar e que é oponível à Recorrente, apesar da falta de notificação, à mesma, dessa remessa, nunca se poderá entender que a mesma ocorreu antes de 12 de Abril de 2010.XL. Mostra-se ilidida a presunção dos 15 dias, prevista no n.° 1 do artigo 172.° do CPA.XLI. Caso se entenda que, no caso em apreço, houve efectivamente lugar à remessa a que alude o n.° 1 do artigo 172.° do CPA e que a mesma é oponível à Recorrente, deve considerar-se que o recurso em apreço foi remetido, pelo autor do acto recorrido, ao órgão ad quem competente para dele conhecer, apenas em 12 de Abril de 2010.XLII. Pelo que, o prazo de que superior hierárquico dispunha para decidir terminou em 18 de Agosto de 2010, só aí se retomando a contagem do prazo para impugnação contenciosa do acto.XLIII. Não é certo ser o prazo de 3 meses — 90 dias — previsto na alínea b) do n.° 2 do artigo 58.° do CPTA — o prazo de impugnação aplicável no caso sub judice.XLIV. Ao caso em apreço é aplicável o prazo de impugnação de um ano previsto no n.° 4 do artigo 58.° do CPTA.XLV. O órgão recorrido sempre referiu, à Recorrente, que

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o recurso hierárquico seria alvo de decisão expressa.XLVI. O órgão recorrido, com a sua conduta, gerou, na Recorrente, a expectativa de que o seu recurso seria decidido, independentemente do sentido e que teríamos um acto novo, e não apenas um acto confirmativo do acto contido no Despacho do Senhor Gestor do Prime de 19 de Junho de 2009.XLVII. A Recorrente dispunha do prazo de um ano para impugnar contenciosamente o acto em apreço, pelo que, tendo a presente acção judicial sido apresentada em juízo a 18 de Novembro de 2010, é a mesma tempestiva.XLVIII. A presente acção é, também, tempestiva mediante a aplicação, do prazo de impugnação de 90 dias previsto na alínea b) do n.° 2 do artigo 58.° do CPTA.XLIX. O prazo de 90 dias para impugnação contenciosa alcançou o seu término em 18 de Novembro de 2010, data em que, conforme referido acima, a Recorrente apresentou em juízo a presente acção administrativa especial.L. A Recorrente dispunha do prazo de um ano para impugnar contenciosamente o acto administrativo proferido pelo Senhor Gestor do PRIME.LI. A presente acção é tempestiva independentemente de se considerar que o recurso administrativo interposto pela Recorrente se teve por tacitamente indeferido a 18 de Agosto de 2010 (como é nosso entendimento) ou a 09 de Fevereiro de 2010 (como decorre do acórdão em crise).LII. São vários os argumentos que sustentam a aplicação a este caso do prazo impugnatório de um ano, quer por via da aplicação do disposto nas alínea a) e b) do n.° 4 do artigo 58.° quer do vertido no n.° 1 do artigo 69°, todos do CPTA.LIII. A Recorrente pretende, com o presente recurso, fazer valer o direito de acesso à justiça que lhe é constitucionalmente reconhecido.LIV. A situação fáctica trazida à apreciação deste Tribunal ad quem contende, essencialmente, com os direitos de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, os quais não só possuem assento constitucional — nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP — como assumem um cariz supra-individual.LV. A decisão proferida pelo Tribunal a quo é demasiado pesada e exigente para a posição do particular e é desproporcionada em face dos valores a acautelar.LVI. A todos é reconhecido o direito à protecção jurídica através dos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, significando, isto, que não é suficiente garantir, aos

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Administrados, o direito de acção.LVII. No caso sub judice, persistindo este Tribunal de recurso na absolvição dos Recorridos da instância com fundamento na caducidade do direito de acção da Recorrente, estará, com isso, a penalizá-la sem que a mesma, tenha de forma alguma, dado causa a essa decisão.TERMOS EM QUE,Deve o presente Recurso de Revista ser admitido, em cumprimento do disposto no n.º 1, in fine, do artigo 150.° do C.P.T.A., e, BEM ASSIM,Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, julgando-se em conformidade com as precedentes conclusões, e, nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 150.º do C.P.T.A., revogando a decisão recorrida na parte em que julga procedente a excepção dilatória de caducidade do direito de acção da Recorrente e absolve os Recorridos da instância, e proferindo uma nova que julgue a presente acção tempestiva e ordene a descida do presente processo, ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, para prosseguimento dos autos.ASSIM SE FAZENDO INTEIRA JUSTIÇA!”

3- Não foram deduzidas contra-alegações.

4- A revista foi admitida por acórdão (fls.396-407), em 06-03-2014, da formação deste STA a que alude o nº 5 do artº 150º do CPTA.

5- Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

1- DE FACTO

No Acórdão recorrido deram-se como provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:“1- A autora apresentou a sua candidatura a concessão de incentivo de financiamento para formação profissional, no âmbito do Programa de Incentivos à Modernização da Economia [PRIME], em 01.08.2006, tendo-lhe sido atribuído o nº 00/22458; 2- Em 11.04.2007, a autora foi notificada pelo IAPMEI - Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, IP, [doravante IAPMEI] da decisão condicionada à existência de disponibilidade orçamental de concessão do financiamento ao projecto de formação profissional em

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questão, no valor de 68.240,98€ [ver documento 1 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais];3- Em 15.06.2007, a autora foi notificada do levantamento, por despacho emitido pelo Gestor do PRIME, a 28.05.2007, da condicionante da disponibilidade orçamental ficando, definitivamente, aprovada a decisão de concessão do financiamento em questão [ver documento 2 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais];4- Em 26.01.2009, a autora foi notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 100º do CPA, da intenção da Comissão de Gestão de Incentivos do IAPMEI de proceder à revogação da decisão de aprovação da concessão do financiamento previamente aprovado, com a consequente desactivação do incentivo atribuído, no valor de 68.240,98€, bem como a restituição das verbas já auferidas, no montante de 18.226,55€ [ver documento 3 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais];5- A autora pronunciou-se em 05.02.2009 em sede de audiência prévia [ver documento 4 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais];6- Em 29.07.2009, a autora foi notificada da decisão tomada pelo Gestor do PRIME em 19.06.2009, no sentido da revogação da decisão de aprovação do pedido de financiamento apresentado [ver documento 5 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais];7- A autora interpôs, em 09.09.2009, recurso hierárquico impróprio para o Secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação [ver documento 6 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais; documento de folhas 263 e 264 dos autos e folhas 382 a 402 do PA apenso];8- Em 04.11.2009, a autora foi notificada, pelo IAPMEI, para proceder à junção dos depoimentos escritos, das testemunhas por si arroladas [ver documento 7 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais];9- A autora apresentou os referidos depoimentos em 18.11.2009 [ver documento 8 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais];10- A autora foi, em 19.02.2010, notificada para, no

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seguimento do Despacho do Senhor Gestor do PRIME, de 19.06.2009, e do Despacho do Presidente do IGFSE, IP, datado de 02.02.2010, proceder à restituição das verbas recebidas na sequência do pedido de Financiamento nº 00/22458 [ver documento 9 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais];11- A presente acção foi intentada em 18.11.2010 – ver folha 3 dos autos”.

2- DE DIREITO

2-1. Como resulta do probatório, a ora Recorrente apresentou a sua candidatura à concessão de incentivo de financiamento para formação profissional, no âmbito do Programa de Incentivos à Modernização da Economia [PRIME], em 1/8/2006, tendo, sido notificada, em 11/4/2007, pelo IAPMEI - Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, IP, [doravante IAPMEI] da decisão condicionada à existência de disponibilidade orçamental de concessão do financiamento ao projecto de formação profissional em questão, no valor de 68.240,98€.Em 15/6/2007, foi a Recorrente notificada, por despacho emitido pelo Gestor do PRIME, a 28/5/2007, do levantamento da condicionante da disponibilidade orçamental, com a consequente aprovação da concessão do referido financiamento. Posteriormente, em 29/7/2009, a Recorrente foi notificada do despacho de homologação do Gestor do PRIME de 19/6/2009, ao abrigo da sub-delegação de competência do Secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, da anulação daquele financiamento (fls. 12 do PA).Em 9/9/2009 a Recorrente interpôs daquele despacho recurso hierárquico impróprio, para o Secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, no âmbito do qual foi notificada, em 4/11/2009, para proceder à junção dos depoimentos escritos das testemunhas arroladas, a que deu cumprimento em 18/11/2009.Entretanto, foi a Recorrente notificada, em 19/2/2010, do despacho de 2 de Fevereiro de 2010 da Presidente do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu (IGFSE), o qual, no seguimento do despacho do Gestor do PRIME, de 19/6/2009, ordena a restituição do montante em dívida (18 226, 55 Euros), no prazo de 30 dias, sob a cominação de em caso de incumprimento se seguir a cobrança coerciva da dívida.

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Na parte final do referido ofício refere-se expressamente que “(…) do presente acto de notificação do IGFSE não cabe recurso tutelar, podendo, porém, ser objecto de impugnação no Tribunal Administrativo competente, enquanto acto de execução da decisão do Gestor que lhe foi comunicada pelo ofício nº 10755, de 27/7/2009 (vd. O citado nº 3 do art. 45º do Decreto Regulamentar nº 84-A/2007)” (cfr. fls. 19 do PA).O Recorrente intentou a presente acção administrativa especial, em 18/11/2010, contra o Ministério da Economia da Inovação e do Desenvolvimento (MEID) e o IGFSE pedindo a anulação do Despacho do Gestor do PRIME, de 19/6/2009, com todos os efeitos legais, e a anulação de todos os seus actos consequentes, designadamente do acto de execução vertido no Despacho da Presidente do IGFSE de 02/2/2010, que ordena a restituição das verbas já auferidas no montante de 18.226,55€, acrescido da quantia de 880,17€ a título de juros à taxa legal.O TAF do Porto, por sentença proferida, em 22 de Outubro de 2012, julgou procedente e provada a excepção da caducidade do direito de acção, com a consequente absolvição da instância, decisão que foi confirmada pelo Acórdão recorrido.Para tanto ponderou-se no mencionado Acórdão que:“O TAF entendeu, na sentença sob censura, que o acto administrativo do Gestor do PRIME, de 19.06.2009 [ponto 6 do provado], de que a autora da AAE foi notificada em 29.07.2009 [ponto 6 do provado], constitui acto susceptível de imediata impugnação judicial, e que a mesma deveria ser efectuada no prazo de 3 meses a contar da respectiva notificação [artigos 58º, nº 2 alínea b), e 59º, nº 1, CPTA], uma vez que os vícios que lhe são apontados na petição inicial apenas poderão ser indutores da sua anulabilidade [artigo 135º do CPA].Porque a autora optou por interpor recurso hierárquico impróprio desse acto do Gestor do PRIME, em 09.09.2009 [ponto 7 do provado], entendeu o TAF que o prazo para impugnação judicial, de 3 meses, contado nos termos do artigo 144º do CPC [artigo 58º, nº 3, do CPTA], esteve suspenso, ao abrigo do nº 4 do artigo 59º do CPTA, desde essa data até 09.02.2010, altura em que se completou o prazo de 90 dias para decidir o recurso gracioso [artigos 175º, nº 1 e nº 2, ex vi 176º, nº 3, do CPTA], acrescido do prazo de 15 dias previsto no artigo 172º, nº 1, do CPA [ex vi artigo 176º, nº 3, do CPA], prazos esses contados nos termos do artigo 72º do CPA.E realizada assim a contagem do prazo de impugnação

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judicial do acto do Gestor do PRIME, de 3 meses, desde 29.07.2009 até 09.09.2009, altura em que foi suspenso, e retomada desde 09.02.2010, altura em que se terão completado os 105 dias úteis [90 + 15], conclui o TAF que ele se completou a 10.05.2010, pelo que ao tempo em que foi proposta a AAE, em 18.11.2010, já tinha caducado o direito da autora o poder fazer”.O Acórdão recorrido seguindo a tese sufragada pelo TAF do Porto, concluiu, entre o mais, que “a contagem de prazos, de 3 meses, reduzidos a 90 dias, para intentar a acção impugnatória, e de 105 dias de suspensão [90 + 15], se encontra bem feita. O prazo de 3 meses, assim reduzido, e contado conforme é previsto no artigo 144º do CPC, e ainda suspenso durante os 105 dias, contados nos termos do artigo 72º do CPA, verdade é que termina no dito dia 10.05.2010.”No tocante ao argumento da Recorrente no sentido de o prazo de três meses decorrido entre 29/7/2009 e 9/9/2009, ter ficado suspenso por tempo indeterminado, uma vez que o recurso hierárquico impróprio ou nunca foi enviado ao órgão competente para o decidir, ou, pelo menos, a remessa nunca lhe foi notificada, sendo-lhe inoponível, ponderou-se no Acórdão recorrido o seguinte: “Essa notificação, indispensável para concluir pelo indeferimento tácito do recurso, não se mostra indispensável, porém, para determinar «a contagem do prazo para impugnação judicial» do acto recorrido, pois, se o fosse, teríamos o prazo de caducidade do direito de acção acorrentado a um acto procedimental, o que conduziria a um resultado que desvirtua a vontade do legislador, isto é, os objectivos de segurança e de certeza jurídicas por ele perseguidos mediante a consagração legal de prazos de caducidade do direito de recorrer ao tribunal ficaria dependente do cumprimento ou não de uma notificação procedimental. E não poderá ser esta a melhor interpretação da sua vontade vertida na lei, a qual deverá ter como base e limite a letra da lei, sim, mas também a «unidade do sistema jurídico» [ver artigo 9º do CC].Cremos, pois, que a falta de notificação da remessa do processo ao órgão competente para decidir o recurso administrativo apenas será ineficaz, para o recorrente, se a remessa tiver sido anterior ao expirar dos 15 dias concedidos pelo nº 1 do artigo 172º do CPA, isto porque, a não ser assim, ele disporá dos elementos indispensáveis para poder contar, com toda a certeza, o período de suspensão do prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo que se encontra prevista no artigo 59º, nº 4,

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do CPTA. Bastará, para tanto, adoptar e somar os prazos máximos do artigo 172º e do artigo 175º do CPA, como fez o TAF: 15 + 30, ou 15 + 90, conforme estejamos perante a hipótese do nº 1 ou do nº 2 do artigo 175º do CPA.Mesmo a eventual «falta de remessa do processo» ao órgão competente para decidir o recurso gracioso configura uma ilegalidade interna, com natureza procedimental, que embora impeça a formação do «indeferimento tácito» que é previsto no artigo 175º, nº 2, do CPA, não poderá repercutir-se, pelas razões já aduzidas, na contagem do prazo de caducidade do direito de impugnação e sua respectiva suspensão ao abrigo do artigo 59º, nº 4, do CPTA.”Contra este entendimento, argumenta a Recorrente, entre o mais, que, nos termos do n.º 1 do artigo 172.º do CPA (em conjugação com o n.º 1 do artigo 171º), o prazo para a autoridade administrativa proferir decisão em recurso gracioso – 30 ou 90 dias – se inicia no final dos 15 dias concedidos à entidade que praticou o acto, para sobre o mesmo se pronunciar, mas exige que o interessado seja notificado da remessa do processo para o órgão competente para emitir a decisão final. Acontece que segundo a Recorrente esta até ao momento ainda não foi notificada daquela remessa, a qual seria essencial para lhe permitir conhecer o início da contagem do prazo do n.º 3 do artigo 175.º do CPA, e, assim, conhecer seguramente quando cessa a suspensão do prazo impugnatório, determinada pelo n.º 4 do artigo 59º do CPTA, pois só assim fica balizado o início e o limite do prazo para interpor esta acção (principal). A Recorrente argumenta ainda que, o autor do acto recorrido IAPMEI não enviou o recurso hierárquico para despacho antes de 12/04/2010 e assim está elidida a presunção de remessa em 15 dias prevista no nº 1 do artigo 172º do CPA, com base na qual o TCA considerou que estavam reunidos os dados temporais objectivos para que aquela pudesse lançar mão da contagem do prazo de impugnação contenciosa. Ainda segundo a Recorrente, o prazo para o superior hierárquico decidir o recurso terminou em 18 de Agosto de 2010, momento a partir do qual se retomou o prazo para a impugnação, sendo que ao caso deve será aplicável, não o prazo de 3 meses - 90 dias, previsto na alínea b) do nº 2 do art. 58º do CPTA , mas sim o prazo de impugnação de um ano previsto no nº 4 do art. 58º do CPTA.Em face do exposto, a questão central a decidir é a de saber se o Acórdão recorrido incorreu em erro de

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julgamento ao considerar caducado o direito de acção da Recorrente com fundamento na tese segundo a qual o prazo de impugnação contenciosa aplicável aos casos de indeferimento tácito decorrentes do disposto no nº 1 do artº 172º, e n.°s 1 e 3 do artº 175. ° do CPA, é de três meses [alínea b) do n.º 2 do artigo 58.° do CPTA] e não de um ano conforme dispõe o nº 1 do artº 69.º do CPTA, contando-se o mesmo a partir do termo do prazo de 15 dias dado pelos arts. 171º, nº 1, e 172º do CPA, em conjugação com o disposto no nº 4 do art. 59º do CPTA.Vejamos.

3.1. Segundo o nº 1 do art. 175º do CPA, “Quando a lei não fixe prazo diferente, o recurso hierárquico deve ser decidido no prazo de 30 dias contados a partir da remessa do processo ao órgão competente”, prazo este que será elevando, segundo o disposto no nº 2, até ao máximo de 90 dias, “quando haja lugar à realização de nova instrução ou diligências complementares”.Por sua vez, estabelece o nº 3 que “Decorridos os prazos referidos nos números anteriores sem que haja sido tomada uma decisão, considera-se o recurso tacitamente indeferido”.Para alguma doutrina, como a expressão “o recurso considera-se tacitamente indeferido”, em caso de silêncio do órgão ad quem, usada no art. 175º, nº 3, do CPA é diferente da recebida no art. 109º do CPA, ao dizer-se que a falta de decisão final sobre a pretensão dirigida ao órgão administrativo competente confere ao interessado “a faculdade de presumir indeferida essa pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal”, o silêncio figurado nos preceitos legais em análise tem alcance diferente.Extrai-se daqui que, no primeiro caso, teríamos um verdadeiro acto de indeferimento e, no segundo, apenas uma “ficção” destinada a propiciar o acesso à via judicial, sendo que as consequências em termos processuais são muito relevantes na medida em que se ao considerar-se o silêncio como um verdadeiro acto o particular fica obrigado a impugná-lo contenciosamente de forma imediata, no respectivo prazo normal. Esta questão já foi analisada exaustivamente pela doutrina, em especial, após a prolação do Acórdão deste Supremo Tribunal, de 24 de Novembro, de 2004, proc nº 903/2004, que se debruçou sobre o regime das impugnações administrativas do procedimento pré-contratual da empreitada de obras públicas, tendo por referência o art. 99º, nº 4, do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de

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Março.A propósito do mencionado Acórdão a doutrina ponderou precisamente a questão de saber se a natureza do silêncio consagrado no nº 3 do art. 175º do CPA é substancialmente diferente do consagrado no art. 109º do CPA, porque no primeiro caso o legislador estabelece um indeferimento tácito com verdadeira natureza de acto administrativo, enquanto que, no art. 109º do CPA, o indeferimento tácito origina tão-só uma faculdade de presumir um acto negativo.Na verdade, segundo este modo de ver as coisas, o art. 109º do CPA visava regular aquelas situações em que a Administração se mantém em silêncio no âmbito de procedimentos administrativos de primeiro grau desencadeados através da apresentação de um requerimento. Sendo o silêncio instituído para proteger as situações jurídicas pretensivas dos interessados, que aspiram à emissão do acto por eles requerido, o legislador do nº 1 do art. 109º conferia ao interessado “a faculdade de presumir indeferida essa pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação”. Admitia-se assim que o interessado pudesse optar entre abrir a via judicial ou continuar a aguardar a resposta da Administração. Com o CPTA, revogado o art. 109º do CPA, assiste-se à substituição do acto presumido pela situação de pura inércia [artº 67º, nº 1, alínea a)], estabelecendo a lei um prazo de caducidade para o exercício do direito de acção (de um ano), podendo o particular lançar mão da acção de condenação à prática de acto devido (artº 69º, nº 1, do CPTA), com carácter facultativo, no fundo um regime em tudo idêntico ao que vigorava no âmbito da LPTA em que o lesado dispunha da faculdade de impugnar o indeferimento tácito no prazo de um ano [artº 28º, nº 1, alínea d), da LPTA].Já nos casos de inércia resultantes da omissão de actos de segundo grau, a proferir no âmbito de impugnações administrativas, a resposta tem sido diferente.Nas situações em que a Administração se mantém em silêncio, no âmbito de procedimentos administrativo do segundo grau, partindo da redacção dada ao nº 3 do art. 175º do CPA, que considera indeferido o recurso, se não for decidido no prazo de 30 dias, alguma doutrina sustenta que, uma vez decorrido esse prazo começa a correr o prazo normal para aceder ao tribunal (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “Recurso hierárquico, acto tácito e condenação à prática de acto devido”, Anotação ao Acórdão do STA de 24/11/2004, Cadernos de Justiça

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Administrativa, nº 53, 2005, p.19; e Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 307 e 308).Também para SÉRVULO CORREIA quando a inércia se dá ao primeiro nível decisório e se é contra esta que se move a impugnação administrativa, será aplicável o nº 1 do art. 69º do CPTA: “[a] formação da inércia ao nível do órgão ad quem desencadeia a contagem do prazo de um ano para a propositura da acção de condenação à prática de acto devido”. Mas se a inércia respeita a um pretendido acto secundário, o decurso do prazo legal para o órgão ad quem tomar decisão sobre a impugnação administrativa, sem que aquela a tenha sido proferida, “faz com que retome o seu curso o prazo de propositura do meio contencioso que tenha por objecto ou por pressuposto o acto primário”, que adquire a plenitude de efeitos para fins de tutela contenciosa (cfr. “O incumprimento do dever de decidir”, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 54, 2005, pp. 19 a 23).

3.1.2. Aplicando o exposto ao caso dos autos, como se refere no Acórdão recorrido, o acto de 19/6/2009 do Gestor do PRIME, “é um acto impugnável”, por ser dotado de eficácia externa, “tendo sido opção da ora recorrente dele interpor recurso hierárquico impróprio”, do qual não obteve resposta.Assim sendo, não estamos perante a omissão de actos administrativos de primeiro grau, mas sim perante o silêncio do superior hierárquico, ou seja, no âmbito de procedimentos administrativos de segundo grau, o que dispensa o uso do silêncio como objecto de impugnação, porquanto, se dispõe para o efeito do acto primário (acto de 19/6/2009 do Gestor do PRIME).Por aplicação da jurisprudência do Acórdão deste STA, de 24/11/2004, quando “terminado o prazo de decisão da impugnação administrativa e constituída a situação de inércia, o acto primário objecto daquela impugnação se converte em acto final do procedimento, iniciando-se o decurso do prazo para a utilização do meio contencioso.” Assim sendo, na ausência de decisão do recurso hierárquico, no prazo de (90 + 15 dias) por ter havido diligências instrutórias, a Recorrente dispunha de três meses para impugnar o acto de 19/6/2009 do Gestor do PRIME. Não o tendo feito, a Recorrente viu caducado o seu direito, nos termos do regime dos arts. 171º, nº 1, 172º, nº 1, e 175º, nº 3, do CPA, conjugado com os arts. 58º, nº 2, alínea b), e nº 4 do artº 59º do CPTA.E nem se argumente que não tendo havido notificação da

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remessa do processo ao superior hierárquico, tal regime de impugnação representa um atentado contra as garantias de defesa do particular que fica impossibilitado de conhecer o início da contagem do prazo para a formação do acto de indeferimento.Ao contrário da tese da Recorrente, o legislador é taxativo na fixação do momento em que se considera o recurso hierárquico indeferido, ou seja, no prazo de 30 dias que se eleva até ao máximo de 90 dias quando haja lugar à realização de nova instrução ou diligências instrutórias (cfr. art. 175º, nºs 1 e 2, do CPA). Quanto ao momento inicial da contagem do prazo, deve entender-se que é a partir do termo do prazo legal de 15 dias, para o autor do acto se pronunciar e o remeter ao órgão competente para conhecer do recurso (arts. 171º, nº 1, e 172º, nº 1, do CPA), “que se conta o prazo, de 30 dias, fixado no questionado nº 1 do art. 175º CPA, para decisão do recurso hierárquico, sempre que, como no caso dos presentes autos, não seja respeitado o prazo legalmente estabelecido, para a remessa do processo ao órgão competente para decidir” (cfr. o Acórdão do STA, de 25/2/2010, proc nº 320/08). Ainda segundo o mesmo Acórdão, nos casos em que “cumprindo o estabelecido no art. 172º do CPA, a autoridade recorrida remeta o processo dentro do prazo fixado, o prazo para a decisão do recurso conta-se a partir da data dessa remessa…”, relevando apenas a data da remessa do processo quando a mesma seja efectuada antes dos 15 dias.A tese apontada, ao evitar que se caia num indefinido protelamento da data em que, por falta de decisão, o recurso hierárquico se possa considerar tacitamente indeferido, é a que melhor garante a protecção equilibrada, por um lado, do princípio da tutela judicial efectiva, e, por outro lado, os princípios da confiança e da segurança jurídica. No fundo, na interpretação dos preceitos em jogo, em especial, os constantes dos arts. 171º, nº 1, 172º, nº 1, e 175º, nº 3, do CPA, deve ser tido em conta o estatuído no art. 59º, nº 4, do CPTA, preceito pensado para as impugnações administrativas facultativas, como é o caso, e que determina:“A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo

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legal”.Como ficou consignado no Acórdão deste STA, de 27/2/2008, proc nº 848/06:“(…) para o termo da suspensão do prazo de impugnação, o legislador elegeu dois factos: (i) a notificação da decisão da impugnação administrativa e (ii) o decurso do respectivo prazo legal”, estando estas duas causas de cessação da suspensão do prazo de impugnação contenciosa “em situação de paridade”.E, mais adiante, no mesmo Acórdão pode ler-se que “a caducidade do direito de acção é consagrada a benefício do interesse público da segurança jurídica que reclama que a situação das partes fique definida de uma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo”. (…) “A certeza jurídica é, seguramente, o fim da norma do art. 59º, nº 4, enquanto estabelece um termo final para a suspensão. Se a impugnação administrativa suspende e, na medida da respectiva duração, inutiliza o prazo da impugnação contenciosa, então, sob pena de se eternizar a indefinição acerca da situação jurídica das partes, é forçoso, em nome da segurança jurídica, impor um limite à duração da suspensão”. Em face do exposto, não se afigura existirem razões para se considerar que a tese do Acórdão recorrido é atentatória do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva [artigos 20º e 268º, nº 4, da CRP].Com efeito, como já ficou dito, no âmbito do modelo do CPTA, a impugnação administrativa emerge como uma faculdade dos interessados, não sendo os mesmos obrigados a deduzir impugnação administrativa prévia para abrir a via judicial, além de que não estão igualmente impedidos de proceder à impugnação contenciosa na pendência da impugnação administrativa. Neste contexto, a interpretação sufragada é, repete-se, a que melhor permite conciliar de forma equilibrada os interesses da certeza e segurança jurídicas com o direito à tutela judicial efectiva dos interessados. Por estas razões, deve improceder o recurso, mantendo-se o Acórdão recorrido.

III – DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso confirmando o Acórdão recorrido.

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Custas pela Recorrente

Lisboa, 19 de Junho de 2014. – Maria Fernanda dos Santos Maçãs (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.

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