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Page 1: Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo ... · APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO Sumário: I – Sobre a sucessão

Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo: 0213/12Data do Acordão: 28-03-2012Tribunal: 2 SECÇÃORelator: FERNANDA MAÇÃSDescritores: PRESCRIÇÃO

OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO

Sumário: I – Sobre a sucessão no tempo das normas tributárias, designadamente as que disciplinam os diversos aspectos do instituto da prescrição, incluindo no que se refere às causas de suspensão e de interrupção, há que distinguir entre o facto tributário e factos interruptivos/suspensivos do prazo prescricional, sendo que a estes últimos se aplicam as normas que vigorarem no momento da ocorrência de tais factos. II – As normas da LGT que instituíram causas suspensivas e interruptivas do prazo de prescrição, sem correspondência com as previstas na lei antiga (nº 1 e 3 do art. 49º), não dispõem sobre as condições de validade formal ou substancial do facto tributário ou da respectiva obrigação, dispondo apenas sobre o conteúdo de situações jurídicas que, com base naqueles factos, se constituíram. Isto é, essas normas conexionam-se com o direito, sem referência aos factos geradores da obrigação e da respectiva prescrição, pelo que nada obsta à aplicação dessas normas da LGT às situações tributárias que subsistam à data da sua entrada em vigor. III – A LGT é competente para determinar e reger os eventos interruptivos e suspensivos que ocorram na sua vigência, ainda que atinentes a prazos prescricionais iniciados na vigência do CPT, sem que isso represente um efeito retroactivo da lei nova ou ofensa dos princípios da legalidade, da certeza e da segurança jurídica. IV – A aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais, em face da previsão normativa do art. 297º do CC não determina a aplicação em bloco do regime do CPT ou da LGT, pois só se refere à lei que altere o prazo, à sua medida, e não aos termos em que se conta e a tudo o mais que releva para o seu curso. V – Ainda que se admita que os prazos de prescrição e de caducidade fazem parte das garantias dos contribuintes e, por conseguinte, do âmbito da reserva de lei constitucionalmente fixada no art. 103º da CRP, o art. 49º, nº 3, da LGT não é organicamente inconstitucional porque a lei de Autorização nº 41/98, de 4 de Agosto, autorizou o Governo a rever o prazo de prescrição das obrigações tributárias, tendo o legislador ao abrigo da referida lei de autorização procedido ao encurtamento do prazo de 10 para 8 anos (art. 48º), não se podendo inferir que a previsão de causas de suspensão (no nº 3 do art. 49º) corresponde a um alargamento do prazo, pois o quantum do prazo prescricional e as causas de interrupção e de prescrição constituem realidades diversas, estando mesmo sujeitas a regras distintas do que concerne à aplicação da lei no tempo.

Nº Convencional: JSTA000P13938Nº do Documento: SA2201203280213Data de Entrada: 24-02-2012Recorrente: A..., S.A.

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Texto Integral

Recorrido 1: FAZENDA PÚBLICAVotação: UNANIMIDADEAditamento:

Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I. Relatório 1. A……, S.A., identificada nos autos, apresentou reclamação, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Porto 2, de 27/05/2010, que lhe indeferiu o pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda, respeitante a I.R.C. do exercício de 1993 e respectivos juros compensatórios e objecto do processo de execução fiscal nº. 3182199901018280, que foi julgada totalmente improcedente pela Mmª. Juíza daquele Tribunal.2. Inconformada, a A……, S.A., veio interpor recurso para este Tribunal, extraindo-se das suas alegações, as seguintes conclusões:“i. A discussão essencialmente processual das matérias relacionadas com a prescrição da obrigação tributária, quer doutrinal, quer jurisprudencialmente, desfocou a sua matriz intrínseca, e, porventura, fez obnubilar a sua razão de ser e os princípios subjacentes à sua criação e normatividade - limitando-se os Tribunais a apreciar se existe, ou não, prescrição da obrigação tributária, mas abstendo-se de considerar ou apreciar que o regime legal estabelecido pela Leide Orçamento de Estado de 2007, com a revogação pura e simples do levantamento da suspensão da prescrição, veio a estabelecer, em rigor, a imprescritibilidade das dívidas tributárias. ii. Nos termos da lei, em matéria de IRC, o facto tributário considera-se verificado no último dia do exercício a que respeita — que, in casu (IRC do exercício de 1993), corresponde a 31.12.1993 (Cfr. artigo 8º nº. 7 do CIRC.). iii. Atento o disposto no artigo 34º do Código de Processo Tributário (CPT), em vigor em 31.12.1993, o prazo de prescrição era de 10 anos contando-se desde o início do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o facto tributário ( Artigo 34º nº. 2 do CPT.), pelo que o referido prazo de prescrição iniciou a sua contagem em 01.01.1994 e, atento o sobredito prazo legal de prescrição, terminaria em 01.01.2004. iv. Quer à luz do artigo 34º nº 3 do CPT (em vigor à data do facto tributário, como se disse), quer sob a égide do artigo 49º nº 1 da LGT, a apresentação de impugnação judicial interrompia a prescrição, pelo que a dedução de Impugnação Judicial contra a liquidação exequenda, em 08.03.1999, interrompeu a prescrição. v. Nos termos dos artigos 34º nº 3 do CPT e 49º nº 2 da LGT (redacção aplicável), este efeito interruptivo da prescrição cessa se o processo de impugnação estiver parado durante mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte, somando-se, ao tempo que decorrer após este período, o que tiver decorrido até à data da autuação do processo interruptivo. vi. O processo de impugnação judicial esteve parado entre 08.03.1999 e 16.05.2002, pelo que, para efeitos do cômputo da prescrição, há que considerar todo o tempo decorrido entre 01.01.1994 e 08.03.1999, por um lado, e, por outro, todo o tempo decorrido depois de 08.03.2000. vii. Assim, quando a Recorrente solicitou ao órgão de execução fiscal a declaração da prescrição, já haviam decorrido mais de 15 anos desde a ocorrência do facto tributário. viii. Entende o Tribunal a quo, que o facto de a Recorrente ter prestado

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garantia em 22.07.1999, conjuntamente com o facto de pender impugnação judicial, determinou a suspensão da contagem do prazo de prescrição. ix. Como tem vindo entendimento deste Supremo Tribunal, só são admissíveis as interrupções sucessivas da prescrição, em virtude da sucessão temporal de factos interruptivos, se anteriormente cessar o efeito interruptivo da prescrição motivado por facto interruptivo precedente. x. Ora, quer aquando da instauração da execução fiscal, quer aquando da citação para a execução fiscal, em Abril e Maio de 1999, quer aquando da prestação de garantia, em Julho de 1999, o processo de impugnação judicial ainda não havia estado parado por mais de um ano. xi. O processo de impugnação judicial só completou um ano de paragem em 08.03.2000, e a garantia foi prestada anteriormente, em 22.07.1999, de modo que, naquelas datas, ainda não havia cessado o efeito interruptivo da prescrição decorrente da instauração da impugnação judicial. xii. A prestação de garantia (em 27.07.1999) não pode representar uma nova e sucessiva interrupção do prazo prescricional que, à data, já estava interrompido, por virtude da apresentação da impugnação judicial em 08.03.1999. xiii. Só com o aditamento de um novo n.º 4 ao artigo 49º da LGT, por meio do artigo 89º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 - entrado em vigor em 01.01.2007, conforme o respectivo artigo 163 - é que o legislador, inovadoramente, veio considerar que o prazo de prescrição legal se suspende enquanto não houver decisão transitada em julgado, no caso de impugnação judicial, pelo que esta nova lei é inaplicável ao caso, de ocorrência claramente anterior a 01.01.2007. xiv. O instituto da prescrição constitui um regime legal substancial de extinção ou preclusão dos créditos tributários, inserido no âmbito das “garantias” dos contribuintes e portanto, na reserva de lei parlamentar. xv. Não é possível considerar a pendência de impugnação judicial como uma causa de interrupção e suspensão do prazo de prescrição, quando o preceito aplicável, à data da apresentação da impugnação, não referia aquele facto interruptivo como uma causa de suspensão do início do prazo de prescrição, até ao trânsito em julgado da respectiva decisão, não sendo também possível invocar o disposto no artigo 327º do Código Civil, como faz o Tribunal a quo, uma vez que em matéria de garantias dos contribuintes, é vedada a aplicação analógica. xvi. Caso contrário, atropelam-se as legítimas expectativas e garantias dos contribuintes anteriormente constituídas, e o princípio da confiança e segurança jurídica, ínsitos ao princípio do Estado de Direito, além de ser violado o principio geral da irretroactividade das leis, designadamente daquelas que são restritivas dos direitos, liberdades e garantias, previsto, entre outros, nos artigos 12º da LGT, 12º do CC e 103º nº 3 da CRP. xvii. O artigo 49º nº 3 da LGT (na redacção anterior à Lei nº 100/99, de 26/7), enquanto lei “restritiva” de uma “garantia” dos contribuintes, se interpretado no sentido de que é aplicável a factos tributários e, por isso, a prazos prescricionais, ocorridos e iniciados anteriormente à sua entrada em vigor, padece de inconstitucionalidade material, por violação do primado da protecção da confiança e das garantias anteriormente constituídas, emergentesdo ideal de segurança jurídica que subjaz ao princípio constitucional do Estado de Direito Democrático, e por violação do princípio fundamental da proibição da normas retroactivas restritivas de garantias (cfr. artigos 2º, 18º nº 3 e 103º nº 3 da CRP). xviii. Refere o Tribunal a quo que o prazo de prescrição se suspendeu em virtude da apresentação, pela Recorrente, de oposição à execução fiscal -entre 14.09.2007 e 30.11.2009, entendendo, ainda, que o prazo de prescriçãose suspendeu em virtude da apresentação, pela Recorrente, de reclamação contra acto do órgão de execução fiscal. xix. Não pode o Tribunal a quo conferir efeito suspensivo à prestação da

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garantia com a impugnação e, simultaneamente, atribuir-lhe o mesmo efeito, com o mesmo fundamento, pela apresentação de reclamação e oposição. xx. À data da prestação da garantia, 22.07.1999, ainda não tinha cessado o efeito interruptivo da prescrição motivado pela apresentação da IJ (que só cessou em 08.03.2000), pelo que a prestação da garantia não pode voltar a interromper/suspender o prazo de prescrição. xxi. Ainda que se admitisse a suspensão da contagem do prazo prescricional, pela apresentação, em 14.09.2007, de oposição à execução fiscal, constata-se que, nessa altura, já havia decorrido o prazo de prescrição. xxii. Efectivamente, entre 01.01.1994 até 08.03.1999 decorreram quatro anos e dois meses, e entre 08.03.2000 até 14.09.2007 decorreram sete anos e dois meses — o que perfaz o total de onze anos e quatro meses. xxiii. Aliás, nunca poderia ser conferido efeito interruptivo à reclamação e, posteriormente, à oposição, porquanto o artigo 49º n.º 3 da LGT veio estabelecer que a interrupção se dá uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar. xxiv. A consideração de uma pluralidade de factos suspensivos/interruptivos do prazo de prescrição, viola frontalmente as razões de certeza e segurança jurídica que estão na base do regime da prescrição fiscal, a qual, a ser assim, se pode prolongar indefinidamente - em claro prejuízo do Contribuinte, e em violação dos princípios da certeza e segurança jurídica xxv. Após a revogação do n.º 2 do artigo 49º da LGT, é virtualmente impossível ocorrer a prescrição de uma dívida tributária uma vez que i) se for prestada garantia, como o prazo de prescrição está interrompido até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo, no final desse processo a garantia será executada; ii) se não for prestada garantia, o processo segue para penhora e, após trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo, para venda. xxvi. Na interpretação da sentença recorrida, a prescrição, em matéria tributária, deixou de ser possível; é adiável ad eternum - contrariando todos os ideais de segurança e paz jurídica que estão, e sempre estiveram, na génese do instituto da prescrição xxvii. O artigo 49º nº 3 da LGT, é organicamente inconstitucional, já que a respectiva lei de autorização legislativa — artigo 2, alínea 18) da Lei nº 41/98, de 4/8 - apenas facultava o encurtamento do prazo de prescrição e, não, na prática, o seu alargamento - que é, efectivamente, o que passou a suceder a suceder com essa “novidade” que foi passar a prever a suspensão do decurso do prazo de prescrição em consequência da suspensão do processo de execução fiscal. xxviii. É despiciendo, saber se o prazo de prescrição é de 10 ou 8 anos, ou até um prazo inferior porque, com a citação, por exemplo, fica interrompido o prazode prescrição, bastando que o Contribuinte se lhe oponha ou que reclame de um acto do órgão executivo para que a dívida jamais prescreva - ainda que o processo fique indefinidamente parado por facto não imputável ao Contribuinte.xxix. Uma leitura atenta daquela norma de autorização legislativa permite inferirque o Governo só havia ficado autorizado a regular a suspensão do prazo de caducidade, e não na “suspensão” do prazo de prescrição. xxx. A possibilidade do credor tributário poder influir o decurso do prazo de prescrição, por meio da suspensão do processo de execução fiscal, que conduz e do qual é titular, ofende de forma intolerável os ditos princípios da segurança jurídica e protecção da confianças imanentes ao dito princípio constitucional fundamental do Estado de Direito Democrático. xxxi. A revogação do n.º 2 do artigo 49º da LGT, que estabelecia o levantamento da suspensão da prescrição no caso de paragem do processo por um prazo superior a um ano, por facto não imputável ao Contribuinte, equivale a terminar com uma garantia com tradição no ordenamento jurídico tributário — na medida em que gozava de previsão legal no artigo 27º n.º 1

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CPCI e no artigo 34º nº 3 do CPT. xxxii. A revogação de uma norma que gozava, há muito, de uma implantação consolidada no nosso ordenamento jurídico - a qual se conjugava com a evolução legislativa, no sentido da redução do prazo de prescrição — veio colocar em causa o princípio da segurança jurídica, defraudando as legítimas expectativas dos destinatários da norma, pela simples razão de que, como se disse, com as alterações legislativas em causa o que se fez foi acabar com o instituto da prescrição em matéria tributária, imputando ao Contribuinte os encargos da morosidade na resolução dos litígios tributários, ainda que talmorosidade não lhe seja atribuível, e premiando-se injustificadamente a inércia do Estado na cobrança dos tributos e na atempada resolução dos litígios fiscais. xxxiii. A revogação do artigo 49.º n.º 2 da LGT, ainda que se justificasse como necessária para evitar que algumas dívidas tributárias ficassem por executar devido a prescrição, restringe desproporcionalmente as garantias dos Contribuintes, e é demasiadamente gravosa, mesmo em face do interesse creditório do Estado, uma vez que deixa os Contribuintes indefinidamente onerados com a dívida fiscal, mesmo que o respectivo processo se mantenha por vários anos sem qualquer movimentação processual; agora, coma contínua oneração de juros de mora (Cfr. o artigo 44º, nº. 2, da LGT, com a redacção dada pela LOE 2012.) e com a oneração dos encargos da garantia prestada, sem possibilidade de caducidade da mesma (Cfr. O art. 183º-A, CPPT.). xxxiv. Em suma: expurgadas do nosso ordenamento jurídico as normas sobre acessação do efeito interruptivo da prescrição, da caducidade da garantia e do levantamento da penhora, o Estado Fiscal não se sente minimamente pressionado a decidir os litígios jurídico tributários, ficando o Contribuinte, indefinidamente, refém de uma dívida fiscal com várias dezenas de anos - como é o caso dos autos - e com o agravamento financeiro decorrente da morosidade na resolução do litígio (de juros de mora e encargos com garantia) que, naturalmente, não consegue controlar e que não lhe é imputável, e com o efectivo risco de diminuição das suas garantias de defesa, na medida em que, fruto do tempo decorrido, não possa fazer prova da ilegalidade ou inexigibilidade da dívida de imposto, por já não poder produzir prova testemunhal, e, inclusivamente, por já não ter em seu poder qualquer prova documental que entendesse necessário juntar ao processo para sua defesa, xxxv. O próprio Tribunal Constitucional, a propósito da conformidade com a Constituição da interpretação dada ao n.º 3 do artigo 34º do CPT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, no sentido de a interrupção da prescrição tributária nele prevista ter natureza duradoura e não instantânea, entendeu que: «(...) ao fazer depender o reinício do curso do prazo de prescrição da verificação de uma situação de inércia processual, durante mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte, o legislador está justamente a introduzir um mecanismo que visa tutelar o direito a obter uma decisão em prazo razoável e mediante um processo equitativo.». xxxvi. Assim se conclui que o artigo 49º n.º 3 da LGT, na redacção e interpretação acima mencionadas, sufragadas na sentença recorrida, é materialmente inconstitucional, bem como a sua revogação pura e simples do artigo 49º n.º 2 da LGT é materialmente inconstitucional por violação das normas e princípios supra referidos — da proporcionalidade, da justiça, da certeza, segurança jurídica e protecção da confiança, da proibição do retrocesso social, da congruência, do acesso à justiça, e do direito a uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. xxxvii. Ao assim não decidir incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, a impor a revogação da sentença. Termos em que, com a procedência do presente recurso, deve a Douta sentença recorrida revogada, assim se cumprindo a Lei e se fazendo JUSTIÇA.”

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3. Não houve contra-alegações. 4. O Mmº. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso louvando-se na jurisprudência reiterada e pacífica deste Supremo Tribunal. 5. Não houve Contra-Alegações. 6. Com dispensa de vistos, por o processo ser urgente, cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos 1. De facto A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: A) Em 08/03/1999, a Reclamante deduziu impugnação judicial contra a liquidação adicional de I.R.C relativa ao exercício de 1993, junto da Repartição de Finanças do 6.° Bairro Fiscal do Porto. (Cfr. fls 18 a 27 dos presentes autos e fls. 2 do processo n.° IMP204/01/31 (impugnação) apenso aos presentes autos). B) Em 28/04/1999, foi instaurado, no Serviço de Finanças de Porto 2, contra a Reclamante, o processo de execução fiscal n° 31821999/010828.0, para cobrança coerciva de dívida resultante de liquidação adicional de I.R.C., relativo ao exercício de 1993, juros de mora e custas, no montante total de € 518.575,14. (Cfr. fls. 2 do processo de oposição n.° 1920/08.OBEPRT apenso aos presentes autos). C) Em 11/05/1999, a Reclamante foi citada para o processo de execução fiscal (cfr. aviso de recepção a fls.2 verso e citação a fls. 4 dos presentes autos). D) Em 22/07/1999, a Reclamante prestou garantia “apólice de seguro-caução”, “… destinada a garantir as responsabilidades que à A……..., vierem a competir nas obrigações assumidas em consequência da suspensão do Processo de Execução Fiscal n. 0318-99/101828.0...” (cfr. fls. 8 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). E) A garantia referida na alínea anterior vigora “Desde 21/7/99 até 20/7/2000, automaticamente prorrogável por períodos de 12 meses até que se verifique a extinção da obrigação caucionada ou seja comunicado pelo Segurado o cancelamento da Apólice.” (cfr. fls. 9 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). F) Por despacho do Chefe da Repartição de Finanças do 6.° Bairro Fiscal do Porto, de 26/07/1999, foi suspensa a execução fiscal nos seguintes termos: Dado que foi prestada a garantia, …, suspendam-se os autos nos termos do art. 255º do C.P.T.” (cfr. fls. 13 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). G) Em 06/07/2001, o Serviço de Finanças do Porto 6 remeteu a Impugnação Judicial referida na alínea A) para o Tribunal Tributário de 1ª instância do Porto,que correu termos sob o n.° IMP204/01/31 (cfr. fls. 148 do processo de Impugnação n.° IMP204/01/31 apenso aos presentes autos). H) Em 26/02/2002, foi proferido, pelo Tribunal Tributário de 1ª instância do Porto, despacho de admissão da impugnação e a ordenar a notificação da Fazenda Pública para contestar (cfr. fls. 149 do processo de Impugnação n.° IMP204/O1/31 apenso aos presentes autos). I) Em 16/05/2002, foi expedida carta registada para notificação da Reclamante do despacho referido na alínea anterior (cfr. fls. 149 v. do processo de Impugnação n.° IMP204/01/31 apenso aos presentes autos). J) A Impugnação Judicial foi julgada improcedente por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (T.A.F.) do Porto, proferida em 15/06/2004 (cfr. fls 242 a249 do processo de Impugnação nº IMP204/01/31 apenso aos presentes autos).

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K) Em 04/02/2005, foi expedida carta registada para notificação da Reclamanteda sentença referida na alínea anterior (Cfr. fls. 253 do processo de Impugnação n.° IMP204/01/31, apenso aos presentes autos). L) Em 17/02/2005, a Reclamante interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte (T.C.A. Norte) da decisão referida na alínea J) (cfr. fls. 256do processo de Impugnação n.° IMP204/01/31, apenso aos presentes autos). M) O recurso foi julgado parcialmente procedente, por douto acórdão do T.C.A. Norte, proferido em 22/03/2007 (Cfr. fls. 309 a 321 do processo de Impugnaçãon.° IMP204/O1/31, apenso aos presentes autos). N) Em 23/03/2007 foi expedido oficio para notificação da Reclamante, do acórdão referido na alínea anterior (Cfr. fls, 325 a 327 do processo n.° IMP204/01/31 (impugnação), apenso aos presentes autos). O) Em 17/04/2007, a Reclamante requereu a rectificação de parte do acórdão referido na alínea M), o que foi indeferido por decisão de 17/05/2007 (Cfr. fls 328 e 329 e 341 a 346 do processo de Impugnação n.° IMP204/O1/31, apenso aos presentes autos). P) Em 18/05/2007, foi expedido oficio para notificação da Reclamante da decisão de indeferimento da rectificação referida na alínea anterior (Cfr. fls 349 do processo de Impugnação n.° IMP204/01/31, apenso aos presentes autos). Q) Em 01/06/2007, a Reclamante requereu a nulidade do acórdão referido na al. M), nulidade processual, esta, por falta de emissão do despacho de sustentação ou reparação e, ainda, a “... extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento na prescrição da dívida decorrente da liquidação impugnada...” (cfr. fls. 353 e 360 do processo de Impugnação n.° IMP204/01/31, apenso aos presentes autos. R) Em 12/07/2007, o T.C.A. Norte decidiu “…julgar verificada a arguida nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia das questões ... e, passando à sua apreciação, negar provimento ao recurso na parte concernente…” , “... indeferir a arguida nulidade processual…” e “...não tomar conhecimento…, da questão da eventual prescrição da obrigação tributária emergente da liquidação impugnada...” (cfr. fls. 373 e 387 do processo de Impugnação n.° IMP204/01/31, apenso aos presentes autos). S) Em 13/07/2007, foi expedido ofício para notificação da Reclamante da decisão referida na alínea anterior (cfr. fls. 390 do processo de Impugnação n.° IMP204/01/31, apenso aos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). T) Em 01/06/2007, a Reclamante interpôs recurso do acórdão referido na alínea M) para o Tribunal Constitucional (T.C.). (Cfr. fls. 351 do processo de Impugnação n.° IMP204/01/31, apenso aos presentes autos). U) Em 15/11/2007, o Tribunal Constitucional proferiu decisão sumária, concluindo que “...a questão de constitucionalidade com o recorte normativo que a recorrente fixa no requerimento de interposição do recurso não foi suscitada durante o processo de modo que o Tribunal recorrido dela devesse conhecer…”, tendo decidido “...nos termos do artigo 78º-A, n. ° 1 da LTC, não conhecer do seu objecto.” (cfr. fls. 52 e 53 dos presentes autos e fls 397 e 398 do processo de Impugnação n.° IMP204/01/31, apenso aos presentes autos). V) Em 16/11/2007, foi expedido ofício para notificação da Reclamante da decisão sumária referida na alínea anterior (cfr. fls. 400 do processo de Impugnação n.° IMP204/O1/31, apenso aos presentes autos). W) A decisão sumária do Tribunal Constitucional transitou em julgado em 29/11/2007 (Cfr. “certidão de trânsito”, a fls. 492 do processo de Impugnação n.° IMP204/01/31, apenso aos presentes autos). X) Em 14/09/2007, a Reclamante deduziu oposição à execução fiscal, “...ao abrigo do artigo 204.° n.° 1 d) do CPPT”, “...com fundamento em prescrição da dívida exequenda.”, que correu termos no T.A.F. do Porto, sob o n.° 1920/08BEPRT (cfr. fls 3 a 6 do processo de Oposição n.° 1920/08.0BEPRT apenso aos presentes autos). Y) Em 10/11/2009, a oposição a que se reporta a alínea anterior foi

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liminarmente rejeitada, por intempestividade (Cfr. fls. 52 a 55 do processo de Oposição n.° 1920/08.0BEPRT apenso aos presentes autos). Z) Em 17/11/2009 foi expedido oficio pelo T.A.F. do Porto para notificação da Reclamante da decisão referida na alínea anterior (cfr. fls. 56 do processo de Oposição n.° 1920/08.OBEPRT, apenso aos presentes autos). AA) Em 15/01/2009, a Reclamante requereu a declaração da caducidade da garantia bancária referida na alínea D), tendo sido proferido despacho pelo T.A.F. do Porto, em 01/09/2009 que, abstendo-se de se pronunciar sobre o requerido, “uma vez que o processo de impugnação judicial já não se encontrava pendente na data da apresentação do pedido...”, dado que “...o processo de impugnação judicial invocado teve “visto em correição” em 5/9/2008 e, posteriormente, foi remetido ao Serviço de Finanças competente para cumprimento da decisão transitada em julgado.” (cfr. fls. 2 a 4 e 21 e 21 v. do processo relativo ao pedido de caducidade de garantia n.° INCDIVER204/01/31-A, apenso aos presentes autos). BB) Em 25/01/2010, a Reclamante requereu a declaração da prescrição da dívida exequenda a que se reportam, os autos, junto do Chefe do Serviço de Finanças do Porto 2 (Cfr. requerimento de fls. 72 a 76 dos presentes autos cujoteor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). CC) Em 27/05/2010, o Chefe do Serviço de Finanças do Porto 2 proferiu despacho a indeferir o pedido de declaração da prescrição (Cfr. fls. 175 a 177 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). DD) Em 11/06/2010, não se conformando com o despacho referido na alínea anterior, a Reclamante deduziu a presente reclamação judicial (cfr. fls. 184 a 211 dos presentes autos e carimbo aposto no rosto do articulado inicial). 2. Do Direito 2.1. Questões a apreciar e decidir Vem o presente recurso jurisdicional interposto pela A……, S.A., da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente improcedente a reclamação que havia apresentado contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Porto 2, que indeferiu o pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda, respeitante a IRC do exercício de 1993 e respectivos juros compensatórios. Para tanto a Mm.ª Juíza ponderou entre o mais:

Quanto à prescrição da dívida exequenda, considerando aplicável o prazo de prescrição de 10 anos, previsto no art. 34º do C.P.T, conclui que a mesma não se encontra prescrita, em virtude da verificação de factos suspensivos e interruptivos, que protelaram o seu termo; Assim, o prazo de prescrição esteve suspenso: entre 08/03/1999 e 08/03/2000 (o efeito interruptivo da impugnação deduzida em 08/03/1999, transmutou-se num efeito suspensivo pelo período de um ano, em virtude de o processo terestado parado por período superior a um ano, por causa não imputável ao contribuinte, nos termos do disposto no art. 49º, nº 2, da LGT; entre 22/07/1999, data da prestação de garantia, até 29/11/2007, data do trânsito em julgado da impugnação judicial, nos termos

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do disposto no art. 49º, nº 3, da LGT por força da suspensão/paragem do processo de execução fiscal; entre 14/09/2007 até 30/11/2009, desde a apresentação da oposição até ao trânsito em julgado da sua decisão final; O prazo de prescrição encontra-se ainda suspenso desde 11/06/2010, data da apresentação da reclamação, nos termos do disposto no art. 49º, nº4, da LGT. Verifica-se assim que o prazo prescricional esteve suspenso entre 08/03/1999 e 30/11/2009 e, ainda, desde 11/06/2010. O prazo decorreu entre 01/01/1994 e 07/03/1999 (5 anos, 2 meses e 6 dias) e entre 01/12/2009 e 10/06/2010 (6 meses e 9 dias), perfazendo no seu computo global o prazo de 5 anos, 8 meses e 15 dias, pelo que faltam, pois, 4 anos, 3 meses e 15 dias para terminar o prazo de prescrição (de 10 anos); Julgou ainda improcedente o alegado vício de inconstitucionalidade orgânica e material do nº 3 do art. 49º da LGT.

Contra este entendimento se insurge no presente recurso a reclamante ora recorrente concluindo que se o prazo de prescrição de dez anos se iniciou em 01/01/1994 teria terminado em 01/01/2004, ocorrendo erro de julgamento, argumentando, em síntese, o seguinte:

Como tem vindo sendo entendimento deste Supremo Tribunal, só são admissíveis as interrupções sucessivas da prescrição, em virtude da sucessão temporal de factos interruptivos, se anteriormente cessar o efeito interruptivo da prescrição motivado por facto interruptivo precedente (ponto IX das Conclusões); O n.º 4 do artigo 49º da LGT, aditado por meio do artigo 89º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 - é inaplicável ao caso, de ocorrência claramente anterior a 01.01.2007, sob pena de implicar o atropelamento das legítimas expectativas e garantias dos contribuintes anteriormente constituídas, e o princípio da confiança e segurança jurídica, ínsitos ao princípio do Estado de Direito, além de ser violado o principio geral da irretroactividade das leis, designadamente daquelas que são restritivas dos direitos, liberdades e garantias, previsto, entre outros, nos artigos 12º da LGT, 12º do CC e 103º nº 3 da CRP (pontos XIII, XV e XVI das Conclusões ); O artigo 49º nº 3 da LGT (na redacção anterior à Lei nº 100/99, de 26/7), enquanto “lei restritiva” de uma garantia dos contribuintes padece de inconstitucionalidade material, por violação do primado da protecção da confiança e das garantias anteriormente constituídas, emergentes do ideal de segurança jurídica que subjaz ao princípio constitucional do Estado de Direito Democrático, e por violação do princípio fundamental da proibição da normas retroactivas restritivas de garantias (cfr. artigos 2º, 18º nº 3 e 103º nº 3 da CRP)- (ponto XVII das Conclusões). O artigo 49º nº 3 da LGT, é organicamente inconstitucional, já

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que a respectiva lei de autorização legislativa — (artigo 2, alínea 18), da Lei nº 41/98, de 4/8 - apenas facultava o encurtamento do prazo de prescrição e, não, na prática, o seu alargamento- (ponto XXVII das Conclusões); A revogação pura e simples do artigo 49º n.º 2 da LGT é materialmente inconstitucional por violação das normas e princípios supra referidos — da proporcionalidade, da justiça, da certeza, segurança jurídica e protecção da confiança, da proibição do retrocesso social, da congruência, do acesso à justiça, e do direito a uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (ponto XXXVI das Conclusões).

Em face das conclusões que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos arts. 684º, nº3, e 685º-A, nº1, do CPC, as questões a decidir são as seguintes: a) erro de julgamento quanto à prescrição da dívida; b) Inconstitucionalidade orgânica e material do nº 3 do art. 49º da LGT; c) Inconstitucionalidade material da revogação do nº 2 do art. 49º da LGT pelo art. 89º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro. Acontece que em relação à alegada inconstitucionalidade, por revogação do n.° 2 do artigo 49.° da LGT, operado pela Lei 53-A/2006, só em sede de alegações veio a recorrente esgrimir essa questão, que não foi aduzida em sede de PI e que, por conseguinte, a sentença recorrida não teve oportunidade de analisar. O referido preceito estatuía que se o processo parasse, por mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte cessava o efeito interruptivo degenerando a interrupção em suspensão pelo período que ia desde a ocorrência do facto interruptivo até ao momento em que o processo perfizesse um ano de paragem. Ora, no caso em análise, a revogação desse normativo nem sequer teve qualquer relevância, uma vez que o único facto interruptivo que ocorreu foi a dedução da impugnação judicial 1999/03/08, que parou de imediato por mais de um ano por facto não imputável à recorrente. Por conseguinte, a alegada revogação do nº 2 do art. 49º da LGT pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, não se aplica sequer ao caso em apreço, uma vez que na data da entrada em vigor desta lei já se havia completado o prazo de paragem superior a um ano, conforme resulta do art. 91º da Lei nº 53º-A/2006, como bem decidiu a Mmª Juíza “a quo” (cfr. fls. 343, nota (6). De todo o modo, não tendo o tribunal recorrido formulado qualquer juízo sobre esta questão, também não pode agora este Supremo Tribunal pronunciar-se sobre ela, já que, como vem sendo pacificamente reiterado pela jurisprudência do STA “os recurso jurisdicionais não constituem o meio processual adequado a decidir questões não apreciadas pela decisão judicial com eles impugnada, pois que, por definição, visam apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação, salvo sempre o dever de conhecimento oficioso” (cfr., entre outros, o Acórdão do STA de 17/6/2005, proc. nº 28/2005). E o facto de se suscitar a eventual inconstitucionalidade de normas, questão precisamente de conhecimento oficioso, não obriga

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mesmo assim este Supremo Tribunal a emitir qualquer pronúncia porque a fiscalização concreta da constitucionalidade das normas só se justifica quando a questão da inconstitucionalidade possa influir na concreta solução do caso submetido a julgamento, o que não é, manifestamente, o caso uma vez que a normas cuja inconstitucionalidade é questionada não foi aplicada no caso sub judice. Termos em que o objecto do presente recurso se restringirá à análise das duas primeiras questões [alíneas a) e b)]. 2.1.1. Quanto ao alegado erro de julgamento da sentença recorrida por não considerar prescrita a dívida exequenda que se reporta ao IRC do exercício de 1993. Como vimos, a recorrente não contesta o prazo de prescrição que lhe foi aplicado pela Mmª Juíza “a quo”, centrando a sua divergência com o decidido no que se refere à ocorrência dos diversos factos interruptivos/suspensivos, mas sem razão. Antes de mais cumpre esclarecer que embora a recorrente se refira a interrupções sucessivas, a verdade é que no caso em apreço só se verificou um facto interruptivo - a impugnação judicial, cujo efeito interruptivo se transmutou em efeito suspensivo, nos termos do disposto no art. 49º, nºs 1 e 2, da LGT pelo que cumpre apenas apreciar a legalidade dos factos suspensivos que ocorreram. Vejamos. A dívida tributária exequenda reporta-se ao IRC de 1993, pelo que, tal como decidido pela sentença “a quo” e aceite pela recorrente, há que aplicar o prazo de prescrição de 10 anos estatuído no CPT, uma vez que à data da entrada em vigor da LGT faltava menos tempo para se verificar a prescrição face a tal diploma. Em 1999/01/01 entrou em vigor a LGT que, no seu art. 49°, nº 1, dispunha que a citação (após a entrada em vigor da Lei 100/99, de 26 de Julho), a reclamação, o recurso hierárquico a impugnação e o pedido de revisão oficiosa interrompem a prescrição. De acordo com o n° 2, entretanto revogado pela Lei 53-A/2006, de 29/12, mas cuja revogação só se aplica aos casos em que o ano de paragem do processo termina a partir de 2007/01/01, a paragem do processo por mais de 1 ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito interruptivo, somando-se neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação. Nos termos do n° 3, na redacção anterior à referida Lei 53-A/2006, o prazo de prescrição suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento a prestações legalmente autorizado ou de reclamação, impugnação ou recurso. O art. 89º da Lei nº 53-A/2006 veio dar nova redacção a este preceito que passou a dizer que “O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento em prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.

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Assim sendo, de acordo com o nº 4 do art. 49º de LGT, na redacção em vigor à data dos factos (redacção dada pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, em vigor desde 1/01/2007), o prazo de prescrição legal suspende-se no caso de oposição, quando determine a suspensão da cobrança da dívida. Perante este quadro normativo, aplicando a factualidade com relevo para a apreciação da prescrição temos o seguinte: 1. A recorrente deduziu impugnação judicial em 1999/03/08, tendo parado, de imediato por facto não imputável ao contribuinte, e na qual veio a ser proferida decisão que transitou em julgado em 2007/11/29;2. Em 1999/07/22 a recorrente prestou garantia; 3. Em 2007/09/14 a recorrente deduziu oposição judicial, que veio a transitar em julgado em 2009/11/30; 4. Em 2010.06.11 a recorrente interpôs a presente reclamação. Considerando que a lei aplicável ao quadro dos factos interruptivos/suspensivos do prazo de prescrição é a vigente no momento em que os mesmos ocorreram, nos termos do estatuído no artigo 12.°/2 do Código Civil, como bem salientou a sentença recorrida, o prazo de prescrição de 10 anos, iniciado em 1994/01/01 interrompeu-se em 1999/03/08, com a instauração da impugnação judicial, transmutando-se em suspensão com a paragem do processo por mais de um ano, por facto não imputável à recorrente (Cfr. JORGE DE SOUSA, Prescrição da Obrigação Tributária, 2ª ed., Áreas Editora, Lisboa, 2010, pp. 66 ss. Por sua vez, segundo jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal, vazada entre outros, no Acórdão, de 14/9/2011, proc. nº 01010/2010, pode ler-se que “das normas contidas nos artigos 169º, nº 1, do CPPT e 49º, nº 3, da LGT decorre que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de impugnação judicial que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda «desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195º ou prestada nos termos do artigo 199º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido» e que «o prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de (…) impugnação ou recurso». O que significa que, uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação de algum efeito interruptivo da prescrição”. Mais adiante pode ainda ler-se, no mesmo acórdão, em conformidade com jurisprudência assente, que “A impugnação judicial interrompe a prescrição, mas a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, faz cessar tal efeito, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação (nºs 1 e 2 do artigo 49º da LGT). Porém, se a execução se encontrar suspensa em virtude de prestação de garantia ou de penhora de bens que garantam a totalidade da dívida e do acrescido, ao abrigo do art. 169º do CPPT, a paragem do processo não releva para efeitos de prescrição, uma vez que, em face do disposto no nº 3 do art. 49º da LGT, a prescrição se suspende também com a paragem da execução”. Assim sendo, aplicando o disposto ao caso em apreço, existindo garantia prestada em 22/7/1999, logo que cessou o efeito interruptivo, o prazo de prescrição ficou suspenso até ao trânsito em julgado do processo de impugnação.), entre 1999/03/08 e 2000/03/08, o que associado à prestação de garantia, em 1999/07/12, vai determinar a suspensão até 2007/11/29 (data do trânsito da sentença proferida na impugnação judicial) (Cfr., entre outros, o Acórdão do STA de 22/6/2011, Proc. nº 0372/2011.); e suspendeu-se em 2007/09/14, com a instauração da oposição até ao respectivo trânsito, em 2009/11/30. Assim, sendo, o prazo de prescrição em causa esteve suspenso entre 1999/03/08 e 2009/11/30 e decorreu entre 1994/01/01 e 1999/03/07 (5 A, 2 M e 6 D) e a partir de 1/12/2009 (JORGE DE SOUSA (ob. cit., p. 55) defende que a reclamação, quando determine a suspensão da cobrança da dívida, suspende o prazo de prescrição, nos termos do disposto no nº 4 do art. 49º da LGT, na redacção dada

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pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, em vigor desde 1/1/2007, no entendimento de que a designação genérica de “reclamação” abrange, entre outros, a reclamação de actos praticados pelo órgão da execução fiscal, desde que seja invocado um fundamento de inexigibilidade, o que se verifica no caso atendendo ao resultante da alínea DD) do probatório. Esta não é, porém, a orientação seguida pela jurisprudência, vazada, entre outros, no recente Acórdão do STA, de 2/3/2011, proc. nº 0125/2011, onde se pode ler no Sumário que “I- A reclamação prevista nos arts. 276º sgts. do CPPT não se inclui entre os casos de suspensão da prescrição abrangidos pelas designações genéricas de meios processuais no nº 4 do art. 49º da LGT”. ), o que significa que o prazo de prescrição ainda não se completou. Nesta sequência, a sentença recorrida julgou não prescrita a dívida exequenda (IRC relativo ao exercício de 1993), por ter entendido, justificadamente, que embora o prazo de prescrição seja o de 10 anos, previsto no art. 34º do Código de Processo Tributário, contado desde 1 de Janeiro de 1994, era preciso computar no referido prazo as causas de interrupção e de suspensão previstas na lei em vigor à data da verificação desses mesmos factos. Ao contrário, na óptica da recorrente, o referido prazo de prescrição já teria terminado em 1/01/2004, insurgindo-se contra a aplicação ao caso sub judice dos referidos factos interruptivos/suspensivos e à sucessão no tempo de diferentes regimes legais - o previsto no CPT e o previsto na LGT- porquanto, na sua perspectiva, sendo aplicável à dívida exequenda o prazo de prescrição previsto no CPT, não se pode, concomitantemente, perfilhar o entendimento de que relativamente às causas de interrupção e de suspensão desse prazo é aplicável a lei nova (LGT). É o que se passa em especial com o aditamento do nº 4 ao art. 49º da LGT, por força do art. 89º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que entrou em vigor em 1/1/2007, que veio inovadoramente considerar que o prazo de prescrição legal se suspende enquanto não houver decisão transitada em julgado, no caso de impugnação judicial. Acontece que sobre a sucessão no tempo das normas tributárias, designadamente as que disciplinam os diversos aspectos do instituto da prescrição, incluindo no que se refere às causas de suspensão e de interrupção, existe jurisprudência reiterada e uniforme deste Supremo Tribunal no sentido de que há que distinguir entre facto tributário e factos interruptivos/suspensivos do prazo prescricional, sendo que a estes últimos se aplicam as normas que vigorarem no momento da ocorrência de tais factos. Não havendo razões para nos afastarmos dessa jurisprudência firme e consolidada, limitar-nos-emos a reiterá-la no caso em apreço. Assim, no Acórdão de 13/01/2010 (No mesmo sentido, cfr., entre outros, os Acórdãos de 27/07/2011, e de 29/09/2011, procs., respectivamente, nºs 0710/11 e 0790/11; e Acórdão de 02/02/2011, proc. nº 038/11. ), proc. nº 01148/09, pode ler-se, no respectivo sumário, o seguinte: “(…) IV- (…)” no que respeita à sucessão no tempo das normas tributárias que disciplinam os demais aspectos do instituto da prescrição das obrigações tributárias, em especial as causas de interrupção e de suspensão, o problema tem de ser resolvido “pela aplicação da regra contida no art. 12º da LGT e, subsidiariamente, pela regra geral de direito firmando no nosso sistema jurídico e constante no artigo 12º do C.Civil, das quais resulta que a lei nova apresenta, em regra, eficácia prospectiva. V- Pelo que a solução do problema da aplicação da lei no tempo dessas

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normas tributárias não depende da aplicabilidade do regime do CPT ou da LGTno que concerne à duração do prazo de prescrição, não existindo qualquer regra ou princípio que determine a aplicação em bloco de um ou desses regimes, até porque não vigora no âmbito do direito obrigacional tributário o princípio da aplicação mais favorável ao arguido. VI- Por força daquela regra da aplicação prospectiva da nova lei, as normas tributárias contidas na LGT não se aplicam a factos e efeitos consumados no domínio da lei anterior; mas se essas normas definirem o conteúdo (ou efeitos) de relações jurídico-tributárias duradouras, sem referência ao facto que lhes deu origem, elas vão aplicar-se não só às relações e situações jurídicas que se constituírem após a sua entrada em vigor, como, também, a todas aquelas que,constituídas antes, protelem a sua vida real para além do momento da entrada em vigor da nova regra. VII- As normas da LGT que instituíram causas suspensivas e interruptivas do prazo de prescrição sem correspondência com as previstas na lei antiga (nº1 e 3 do art. 49º), não dispõem sobre as condições de validade formal ou substancial do facto tributário ou da respectiva obrigação, dispondo apenas sobre o conteúdo de situações jurídicas que, com base naqueles factos, se constituíram. Isto é, essas normas conexionam-se com o direito, sem referência aos factos geradores da obrigação e da respectiva prescrição, pelo que nada obsta à aplicação dessas normas da LGT às situações tributárias quesubsistam à data da sua entrada em vigor. VIII- Assim sendo, a LGT é competente para determinar e reger os eventos interruptivos e suspensivos que ocorram na sua vigência, ainda que atinentes aprazos prescricionais iniciados na vigência do CPT, sem que isso represente um efeito retroactivo da lei nova ou a ofensa aos princípios da legalidade e da separação de poderes” Verifica-se, assim que, de acordo com a jurisprudência uniforme e reiterada deste Supremo Tribunal, a LGT é competente para determinar os eventos interruptivos e suspensivos que ocorram na sua vigência, ainda que atinentes a prazos prescricionais iniciados na vigência do CPT, e para determinar os efeitos que sobre esse prazo têm os eventos, não podendo esse efeito imediato da lei nova ser considerado como representando um evento retroactivo. Também tem sido repetidamente afirmado por este Supremo Tribunal que a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais, em face da previsão normativa do art. 297º do CC, não determina a aplicação de um ou outro regime em bloco, pois só se refere à lei que altere o prazo, à sua medida, e não aos termos em que se conta e a tudo o mais que releva para o seu curso (neste sentido, cfr., entre outros, os acórdãos de 28/05/2008, recurso nº 154/08 e em 21/05/2008, no recurso nº 7/08). Não procede, desta forma, o argumento da recorrente no sentido de que a aplicação de normas da LGT implica retroactividade, bem como toda a argumentação no sentido da violação do disposto no art. 103º da CRP, dos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da confiança, como melhor será analisado de seguida. 2.1.2. Da não violação dos princípios da legalidade tributária, da proibição da retroactividade da lei fiscal e da certeza e segurança jurídica Foi com a revisão constitucional de 1997 que o legislador constituinte

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optou por consagrar, no art. 103º, nº3, da CRP, o princípio geral da proibição de cobrança, pelo Estado, de impostos retroactivos. Note-se, porém, que, como vem afirmando o Tribunal Constitucional (Acórdão nº 85/2010, proc. 653/09), o preceito abrange apenas a retroactividade “própria” ou “autêntica”. “Ou seja, proíbe-se a retroactividade que se traduz na aplicação da lei nova a factos (no caso, factos tributários) antigos (anteriores, portanto, à entrada em vigor da lei nova)”. A retroactividade “autêntica”, em que a norma pretende ter efeitos sobre o passado (eficácia ex tunc), deve distinguir-se a “retroactividade aparente” “(parcial ou inautêntica)”, também denominada retrospectividade ou retroactividade quanto a efeitos jurídicos (Cfr. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 1998, p. 255. Sobre a retrospectividade da lei fiscal, cfr., também, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 298 ss. Ver igualmente o Acórdão do STA, de 8 de Fevereiro de 2012, proc. nº 33/12.). Nesta última cabem situações como a dos autos em que uma lei pretende vigorar para o futuro (designadamente as Leis nºs 100/99, de 26 de Julho, e 53-A/2006, de 29 de Dezembro), mas acaba por tocar em situações, direitos ou relações jurídicas desenvolvidas no passado mas ainda existentes à data da sua entrada em vigor (prazo de prescrição ainda em curso, que é o facto extintivo do direito à cobrança do imposto). Trata-se de situações, nas palavras de GOMES CANOTILHO (Cfr. Ibidem.), em que “há certos efeitos jurídicos da lei nova vinculados a pressupostos ou relações iniciadas no passado”. Assim sendo, para haver violação do princípio da proibição da retroactividade, consagrado no art. 103º, nº 3, da CRP, era necessário que ocorresse retroactividade autêntica, isto é, que a lei nova tivesse sido aplicada a um facto passado, inteiramente decorrido ao abrigo da lei antiga, o que como se demonstrou, não sucedeu. Do mesmo modo, não subsiste qualquer violação do princípio da protecção da confiança, na vertente da segurança jurídica. Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 28/9/2011, seguindo jurisprudência do Tribunal Constitucional, para averiguar se há violação destes princípios há que proceder “«a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam 'tocadas' relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte». “Sendo que só uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio de protecção da confiança, ínsito na ideia do Estado de direito”. No caso em apreço, tal como se conclui no mencionado Acórdão, não se pode dizer que a afectação das expectativas do recorrente quanto ao cômputo do prazo da prescrição tenha sido arbitrária ou deva considerar-se demasiado onerosa. Como pondera JORGE DE

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SOUSA (Cfr. ob. cit., p. 68.), reportando-se à sucessão de regimes combinando causas de interrupção com causas de suspensão, “(…) compreende-se que o efeito interruptivo cesse por paragem do processo por mais de um ano por facto imputável ao contribuinte, pois essa paragem será imputável aos serviços estaduais que devem fazer tramitar atempadamente os processos administrativos e judiciais. Mas, também se compreende que, sendo o fundamento da prescrição das obrigações a negligência do credor em cobrar a dívida, não se deixe correr o prazo de prescrição enquanto estes credor está legalmente impossibilitado de providenciar no sentido de a cobrança ser efectuada”. A solução dada ao caso pela Mmª Juíza a quo também não se afigura intolerável e constitucionalmente inadmissível, pois tal só sucederia, voltando à jurisprudência do Tribunal Constitucional, vazada no Acórdão citado, se não houvesse fundamento material (um interesse público relevante) capaz de justificar a mutação operada na ordem jurídica - uma mutação que, então, se apresentaria como imprevisível e injustificada, não podendo os cidadãos contar com ela. Não se verifica, pois, a invocada inconstitucionalidade do sentido decisório da sentença recorrida, pelo que improcede, também, nesta parte, a argumentação da recorrente. 2.1.3. Quanto à alegada inconstitucionalidade orgânica do n.° 3 do artigo 49.° da LGT Alega a recorrente, nesta sede, que o nº 3 do art. 49º da LGT é organicamente inconstitucional porque a lei de autorização legislativa apenas facultava o encurtamento do prazo de prescrição e não, na prática, o seu encurtamento, que é o que efectivamente o que se passou a suceder com a “novidade” que foi passar a prever a suspensão do decurso do prazo de prescrição em consequência da suspensão do processo de execução fiscal” (conclusão XXVII). Acontece que, também aqui, não assiste razão à recorrente. Vejamos. O art. 103º da CRP ao estabelecer, no seu nº 2, que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”, procede, desta forma, à delimitação, do âmbito da reserva parlamentar no tocante aos impostos e aos seus elementos essenciais. Cumpre começar por realçar que sobre a questão de saber se esta reserva abrange os próprios prazos de prescrição e de caducidade, como normas que delimitam poderes da Administração fiscal em relação aos direitos dos contribuintes, não existe sequer uniformidade na doutrina (Em sentido afirmativo, cfr. SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p.118. Em sentido contrário, cfr. SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p. 283, nota (453).). A questão não se coloca, porém, no caso em apreço, porque a lei de autorização da LGT (Lei 41/98, de 4/8), no artigo 2.°/17/18, autorizou o Governo a rever o prazo de prescrição das obrigações tributárias, podendo-os encurtar de modo consentâneo com as possibilidades e o aumento de eficiência da Administração e a rever os pressupostos da interrupção da prescrição.

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Ora, como bem sublinha a Mmª Juíza “a quo” “o legislador, através do artigo 48.° da LGT procedeu ao encurtamento do prazo de prescrição previsto no regime anterior (C.P.T), de 10 para 8 anos, não se podendo inferir que a previsão de causas de suspensão (no nº 3 do artigo 49º) corresponde a um alargamento do prazo, pois o quantum do prazo prescricional e as causas de interrupção e suspensão constituem realidades diversas, estando, mesmo, sujeitas a regras distintas no que concerne à aplicação da lei no tempo”. “Efectivamente o nº 3 do artigo 49º não estabelece qualquer prazo de prescrição, apenas se limita a dispor sobre a suspensão do seu decurso, influindo, assim, no modus de contagem do prazo, mas não no prazo em si mesmo, não se afigurando poder concluir, como defende a Reclamante, que esse normativo alargou o prazo de prescrição”. Recorda, ainda, a Mmª Juíza “a quo” que no âmbito do CPT a simples instauração do processo de execução fiscal determinava um efeito interruptivo que se mantinha até ao termo do processo, efeito que deixou de existir com a LGT, dado que esta apenas atribui efeito suspensivo à paragem do processo de execução, enquanto esta se mantiver inerte, deixando assim a instauração da execução de possuir qualquer efeito no decurso do prazo prescricional. Donde se conclui, ao contrário do alegado pela recorrente, que da comparação dos dois regimes (“efeito interruptivo da instauração da execução versus efeito suspensivo da paragem da execução)”, a virtualidade do termo da prescrição ser mesmo “antecipado e não “prolongado”. Finalmente, aderindo de novo à a argumentação da sentença recorrida, afigura-se carecer de autorização expressa da AR a estatuição da causa de suspensão do prazo de prescrição prevista no artigo 49.°/3 da LGT, pois que tal solução “correspondia a uma solução jurídica exigida pela lógica do sistema tributário, perfeitamente justificada, não fazendo sentido que a prescrição corresse durante um período em que o credor tributário se encontra legalmente cerceado da prática de qualquer acto concreto atinente à cobrança da dívida”. Acresce que, sendo a exigibilidade da dívida requisito da contagem do prazo de prescrição, em caso de impedimento legal à exigibilidade da dívida, não pode contar-se o prazo de prescrição, daí que sempre teria de dar-se à norma em causa carácter interpretativo e não inovador (Neste sentido, cfr. ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, 2001, Rei dos Livros, p. 231. citado na douta sentença recorrida, fls. 357 nota (29).). Assim sendo, improcede igualmente a tese da inconstitucionalidade orgânica do normativo do artigo 49.°/3 da LGT. Em face do exposto, é de concluir que a dívida exequenda relativa a IRC do exercício de 1993 e respectivos juros compensatórios não se encontra prescrita, razão pela qual a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo de manter, devendo, nesta sequência, improceder totalmente o presente recurso jurisdicional. III- DECISÃO Nestes termos, acordam os Juízes da Secção do Contencioso

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Administrativo do STA em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 28 de Março de 2012. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro Gonçalves – Pedro Delgado.