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Page 1: Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 2 ... · outorga de procuração irrevogável nos termos do n.º 3 do ... à aquisição do Imóvel, a Administração

Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo: 0989/10 Data do Acordão: 06-04-2011 Tribunal: 2 SECÇÃO Relator: ISABEL MARQUES DA SILVA Descritores: IMPUGNAÇÃO JUDICIAL

IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS PROCURAÇÃO

Sumário: I - No caso de impugnação judicial subsequente a

reclamação graciosa o acto tributário de liquidação integra também o objecto da mesma impugnação, desde que se impugne o mesmo acto de liquidação que foi objecto da decisão de reclamação. II - O IMT liquidado nas procurações irrevogáveis a ele sujeitas tem natureza de “antecipação do imposto devido a final pela transmissão definitiva operada com a escritura de compra e venda”, havendo, nesse momento, que operar o “acerto de contas final”.

III - O adquirente do imóvel isento de imposto pela aquisição em virtude da isenção prevista no artigo 8.º do Código do IMT, terá direito à anulação do IMT anteriormente pago por ocasião da outorga da procuração de que foi beneficiário (independentemente de a ter efectivamente usado na transmissão definitiva), ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 22.º do Código do IMT, sob pena de, por via do mecanismo da antecipação do imposto, lhe vir a ser denegada a isenção que o artigo 8.º do Código do IMT lhe reconhece.

Nº Convencional: JSTA000P12798 Nº do Documento: SA2201104060989 Recorrente: FAZENDA PÚBLICA Recorrido 1: A... Votação: UNANIMIDADE Aditamento:

Texto Integral Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do

Supremo Tribunal Administrativo:

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- Relatório - 1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé de 28 de Setembro de 2010, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela A… do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Bens Imóveis (IMT) e bem assim contra a mesma liquidação, apresentando para tal as seguintes conclusões: 1. A douta sentença recorrida considerou procedente a impugnação Judicial por considerar que a impugnante tem direito à restituição do imposto (IMT) pago pela outorga de procuração irrevogável nos termos do n.º 3 do art.º 22º do CIMT; 2. A impugnação foi deduzida contra o indeferimento de reclamação graciosa; 3. Nem o pedido de reclamação nem a decisão administrativa posta em crise aludem a tal fundamentação; 4. Com efeito, o pedido fundamentou-se na não utilização da dita procuração irrevogável na aquisição do bem como a sua posterior revogação; 5. Não pode a impugnante vir na impugnação alargar o pedido de reclamação com outros fundamentos porquanto ao órgão administrativo competente não foi dada oportunidade para se pronunciar; 6. A douta sentença recorrida não conheceu tal circunstância quando o devia ainda que a mesma não tenha sido invocada na contestação da FP atento o carácter indisponível dos direitos tributários; 7. Não tendo a impugnante utilizado a procuração irrevogável que outorgou na aquisição do bem não existe nexo de causalidade entre este aquele instrumento jurídico e o contrato definitivo pelo que não se verificam os pressupostos de aplicação do n.º 3 do art. 22.º do CIMT; 8. Não tem igualmente aplicação o n.º 4 daquele normativo porquanto não se verifica inexistência do facto tributário no prazo ali previsto; 9. O facto tributário previsto na alínea c) do n.º 3 do art. 2.º do CIMT é a outorga da procuração irrevogável não se tratando de um facto sob condição, ou seja, o mesmo verifica-se aquando da outorga independentemente das posteriores vicissitudes da mesma ou da sua não

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utilização; 10. Pelo que a decisão recorrida viola o disposto nos artº 2º nº3 c) e art. 4º f) ambos do CIMT e art. 22º nº3 e 4 do mesmo Código; Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas. deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA. 2 - Contra-alegou a recorrida, concluindo do modo seguinte: A. Não tem razão a Fazenda Pública quando refere que a impugnante não poderia utilizar, na petição de impugnação, outros fundamentos contra o acto de liquidação para além dos que foram invocados na reclamação graciosa que a precedeu. B. É jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que, no caso de impugnação judicial subsequente a reclamação, o acto tributário de liquidação integra também o objecto da mesma impugnação. C. Desta forma, todos os fundamentos contra o acto de liquidação que foi objecto de reclamação graciosa podem ser arguidos na impugnação judicial que se segue à referida reclamação. D. Também não é verdade que ao “órgão administrativo competente não foi dado oportunidade para se pronunciar” sobre o (alegadamente) novo fundamento de direito constante da p.i., uma vez que a própria Administração tributária tem a possibilidade de revogar o acto impugnado ao abrigo do artigo 112.º do CPPT. E. No presente caso, a situação nem sequer se coloca, uma vez que o fundamento invocado na p.i. e considerado procedente na sentença recorrida havia sido já o fundamento da reclamação graciosa que lhe antecedeu. F. Conforme decidiu a douta sentença recorrida, é aplicável à ora Recorrida o disposto no artigo 22.º, n.º 3, artigo 2.º, n.º 3, alínea c) e artigos 4.º, alínea f), todos do Código do IMT, pelo que, beneficiando a Recorrida de isenção de IMT prevista no artigo 8.º deste Código quanto à aquisição do Imóvel, a Administração Tributária deveria ter procedido à anulação total do imposto em causa, liquidado pela outorga da procuração irrevogável. G. A Fazenda Pública pretende a revogação da sentença, argumentando que a Recorrida não utilizou a procuração irrevogável para adquirir o Imóvel, pelo que se aplica o disposto no citado artigo 22.º n.º 3.

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H. Com efeito, a Recorrida não “utilizou” a procuração irrevogável que lhe dava poderes para alienar o mesmo nem tinha de a ter utilizado, como reconheceu e bem a sentença “a quo”. I. Isto porque o n.º 3 do artigo 22.º não impõe que a procuração irrevogável seja “efectivamente” “utilizada” na celebração do contrato em que se procede à alienação do imóvel, mas apenas que o imposto devido pela transmissão do imóvel já tenha sido pago anteriormente, aquando da outorga da procuração – evitando-se assim uma injusta dupla incidência do mesmo imposto sobre uma só aquisição de um imóvel – situação que se verificou. J. A outorga de uma procuração irrevogável à transmissão onerosa de um imóvel, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IMT, constitui, quer pela natureza da norma em causa, quer pela sua função, quer pela intenção do legislador expressa no preâmbulo do Código do IMT, quer ainda pela opinião da própria Administração Tributária, uma norma anti-abuso específica. K. Assim, e ao invés de seguir o ditame exposto pelo saudoso Prof. Saldanha Sanches sobre a aplicação das normas anti-abuso específicas – “corrigir o excessivo alcance da norma criada pela intenção anti-abusiva do legislador através de uma interpretação conforme à Constituição” – a Fazenda Pública pretende fazer, neste caso, exactamente o contrário e alarga o seu alcance, exigindo um requisito que não consta da lei (a efectiva “utilização” da procuração). L. A Fazenda Pública pretende assim dar origem a duplicação de impostos sobre a mesma realidade – a aquisição deste Imóvel pela Recorrida – violando a lei, o princípio constitucional da capacidade contributiva e o princípio constitucional da justiça tributária. Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve ser mantida a sentença “a quo”. 3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos: A questão objecto do presente recurso prende-se com a interpretação do art. 22.º, n.º 3, do CIMT, designadamente saber se após o pagamento de IMT pela outorga de procuração irrevogável que confira poderes de alienação de bem imóvel, o adquirente do prédio através de escritura de compra e venda, e que previamente fora

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instituído procurador em procuração irrevogável, terá direito a ver reconhecidas as isenções ou reduções de taxas previstas no CIMT a que tenha direito. Alega a recorrente Fazenda Pública que «não tendo a impugnante utilizado a procuração irrevogável que outorgou na aquisição do bem não existe nexo de causalidade entre aquele instrumento jurídico e o contrato definitivo pelo que não se verificam os pressupostos de aplicação do n.º 3 do art. 22º do CIMT». E que o facto tributário previsto na alínea c) do n.º 3 do art. 2.º do CIMT «é a outorga da procuração irrevogável não se tratando de um facto sob condição, ou seja, o mesmo verifica-se aquando da outorga independentemente das posteriores vicissitudes da mesma ou da sua não utilização». Como questão prévia argumenta também que o pedido constante da reclamação se fundamentou na não utilização da dita procuração irrevogável na aquisição do bem como a sua posterior revogação. E que não pode a impugnante vir na impugnação alargar o pedido de reclamação com outros fundamentos porquanto ao órgão administrativo competente não foi dada oportunidade para se pronunciar. Afigura-se-nos que o recurso não merece provimento em qualquer uma das suas vertentes. Desde logo, e quanto à questão prévia, porque no caso de impugnação judicial, subsequente a reclamação graciosa, o acto tributário de liquidação integra também o objecto da mesma impugnação – ver neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.05.2005, recurso 949/04, e jurisprudência ali citada. Por outro lado, e quanto à questão da transmissão definitiva também não assiste razão à recorrente, atenta a redacção do art. 22.º, n.º 3 do CIMT e a ratio legis que preside àquele normativo. Diremos até que a posição assumida pela Fazenda Pública não tem qualquer apoio na letra da lei e levaria, como bem refere a recorrida, a fundamentar a dupla incidência de imposto sobre uma única transmissão de um imóvel. Com efeito, e como se sublinha no respectivo preâmbulo, o CIMT ficciona como transmissões sujeitas a imposto, determinadas operações que directa ou indirectamente implicam a transmissão de bens imóveis e que se revestem de características económicas que justificam o seu

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enquadramento no âmbito da incidência. É o caso das procurações irrevogáveis em que o representado renuncia ao direito de revogar a procuração dando ao representante um resultado económico equivalente ao direito de propriedade passando a poder alienar o bem imóvel a um terceiro (alínea c) do n.º 3 do art. 2.º do CIMT – ver neste sentido Nuno Sá Gomes, Tributação do Património, Almedina, página 100). Nestes casos o acto ou facto translativo dos bens é a própria outorga da procuração, da qual a lei ficciona decorrer a existência de uma verdadeira transmissão onerosa. Porém o artigo 2.º do CIMT considera que existe transmissão tanto nos casos de celebração da escritura de compra e venda, como nos casos de outorga de procurações irrevogáveis relativas a bens imóveis. Ocorrem assim, como sublinha José Maria Pires, nas suas Lições de Impostos sobre o Património e do selo, ed. Almedina, pag. 235, duas transmissões para efeitos de IMT, sujeitas a imposto, apesar de para efeitos civis só haver uma transmissão, operada com a outorga da escritura de compra e venda. Por isso, continua aquele autor (ob. citada, pag. 235), «a fim de evitar a ocorrência de dupla tributação, o legislador determina no n.º 3 do artigo 22.º da Código do IMT que na data da escritura de compra e venda se efectua o acerto final da liquidação, de modo a que o imposto cobrado no final seja apenas um – o que corresponde à transmissão operada com a escritura de compra e venda. (…) Sendo certo que «na liquidação agora operada pela outorga da escritura de compra e venda, serão reconhecidas as isenções e reduções de taxas previstas no CIMT ou em legislação extravagante a que o sujeito passivo tiver direito» (ob. citada, pag. 236). Acresce dizer que o facto de na escritura de dação em cumprimento não ter sido utilizada a procuração irrevogável referida no ponto A do probatório não impede que o sujeito passivo beneficie do regime do art. 22.º, n.º 3 do CIMT, mesmo que na data da escritura já não seja procurador – cf., também neste sentido, ob. citada, pags. 238-239. O espírito da lei é por um lado evitar a dupla tributação e, por outro, assegurar a sua neutralidade relativamente à actividade económica, não condicionando as opções dos

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respectivos agentes. A decisão recorrida, que assim decidiu, não merece, pois, censura. Nestes termos e em face de tudo o exposto, somos de parecer que o recurso não merece provimento, devendo ser confirmada a sentença recorrida. Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 208 a 210 dos autos), nada vieram dizer. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação - 4 – Questões a decidir Importa decidir, antes da apreciação do mérito da decisão recorrida, se era lícito ao tribunal “a quo” anular o despacho impugnado de indeferimento do pedido de restituição do IMT pago por ocasião da outorga de procuração irrevogável com fundamento no disposto na parte final do n.º 3 do artigo 22.º do Código do IMT, atento a que este normativo não foi nem expressamente invocado na petição de reclamação, nem expressamente considerado no despacho impugnado, considerando a recorrente que não podia a impugnante na impugnação “alargar o pedido de reclamação com outros fundamentos” (cfr. conclusões 1 a 6 das alegações de recurso). Importará, depois, decidir do mérito da impugnação. 5 – Matéria de facto Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé objecto do recurso foram dados como provados os seguintes factos: A) Em 22 de Agosto de 2005, no Cartório Notarial de Albufeira a impugnante A…, CRL, celebrou com B… e marido C…, a escritura de procuração irrevogável de fls. 37/38, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, através da qual (…) lhe foram concedidos os necessários poderes para prometer vender e vender, a quem melhor entender, podendo fazer negócio consigo mesmo, pelo preço de trezentos e setenta mil euros e, pelas cláusulas e condições que entender convenientes, o prédio urbano, destinado a habitação edificado no lote de terreno para construção urbana, designado por lote de terreno número 121, situado em Vale Mangudo ou Areias de São João, freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória de registo Predial de Albufeira sob o nº 731, da dita freguesia de Albufeira e inscrito na respectiva matriz sob o artº 21730 (fls. 37 e 38, dos autos); B) A escritura de procuração irrevogável referida no

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ponto anterior contém cláusula expressa de revogação (fls. 38, dos autos); C) Na mesma data entre a impugnante e B… e marido C…, foi celebrado o contrato de dação “pro solvendo” de fls. 30 a 34, dos autos, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais; D) Para efeitos da realização da procuração irrevogável a impugnante pagou o IMT através do DUC 160105016316203, no valor de 24.050,00€ (fls 11, do processo apenso); E) Em 28 de Dezembro de 2005 a impugnante adquiriu o referido artigo por escritura de dação em cumprimento para pagamento dos empréstimos nºs 21546/56023162022, 11480/5601888464, 20899/56022585827 e 10176/61001866086, no valor global de 370.000,00€, celebrada no Cartório Notarial de Albufeira (fls 16, do processo apenso e fls. 23 a 44, dos autos); F) Na escritura referida no ponto anterior não foi utilizada a procuração irrevogável referida em A) (facto estabelecido por acordo); G) Pela escritura de dação em cumprimento a impugnante pagou IMT pelo DUC 160805025275503, no montante de € 18.992,00 (fls. 45, dos autos); H) À impugnante foi deferido o pedido de isenção de IMT, nos termos referidos no artº 8º (fls. 46 a 50, dos autos); I) A procuração referida em A) foi revogada em 29 de Maio de 2006 (fls. 53, dos autos); J) A impugnante em 4 de Junho de 2006, apresentou no serviço de Finanças de Albufeira requerimento que deu origem à reclamação graciosa nº 1007200604000706, onde requer a anulação e restituição do IMT pago pela escritura de procuração irrevogável, referida no ponto A) (fls. 53, dos autos); K) Sobre a reclamação graciosa referida no ponto anterior recaiu despacho de indeferimento do Director de Finanças de Faro, proferido em 8 de Julho de 2006, nos termos seguintes (fls. 19 e 20, do processo apenso): “(…) Analisados os documentos juntos ao processo, bem como informação e parecer de fls. 24 e 25, elaborados nos termos do n.º 2 do art. 73.º do CPPT, pelo órgão periférico local, conclui-se o seguinte: A reclamante pagou em 2005/08/22, o IMT no montante de €24.050,00, pelo DUC 260.205.016.316.203, Registo n.º 181351, referente à procuração irrevogável com

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poderes de alienação do imóvel sito em Urbanização Valmangude, lote 21, freguesia e concelho de Albufeira, inscrito na respectiva matriz sob o artº, P21730 (cfr. fls. 11,12). Aos 2005/12/28, no Cartório Notarial sito em Rua …, Albufeira, perante a notária D…, foi efectuada a escritura de dação em cumprimento entre B… casada com C… e A…, CRL., em que os primeiros dão aos segundos, para pagamento de empréstimos efectuados, o prédio urbano, acima referenciado, pelo valor de € 370.000,00,00, em cumprimento da respectiva responsabilidade, tendo sido pago, em 2005/12/22, o IMT no montante de € 18992,00, devido por essa dação, pelo DUC 1600805.025275503, registo 279238. Atento ao facto de na escritura pública realizada, na data acima referido, a reclamante não ter sido utilizada a procuração irrevogável, quando o poderia ter feito, mas ter sido efectuado o pagamento de imposto devido pela dação em pagamento, não assiste razão à impugnante na sua pretensão de lhe ser restituído o IMT inicialmente pago, por o mesmo se ter concretizado”. Pelo exposto, no uso da competência que me foi conferida pelo n.º 1 do art. 75.º do CPPT, INDEFIRO O PEDIDO não concedendo a anulação do IMT pago no valor de € 24.050,00”. L) A presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças em Setembro de 2006 (processo apenso). 6 – Apreciando 6.1 Do alegado “alargamento do pedido” Nas suas alegações de recurso, a Fazenda Pública começa por contestar (cfr. conclusões 1 a 6 das suas alegações de recurso) um “suposto alargamento do pedido” de impugnação relativamente previamente deduzido na “reclamação graciosa”, que o tribunal “a quo” alegadamente devia ter sancionado, “ainda que não tenha sido invocada na contestação da FP atento o carácter indisponível dos direitos tributários”. Na perspectiva da recorrente, tendo a impugnação sido deduzida contra o indeferimento de reclamação graciosa e este sido fundamentado na não utilização da dita procuração irrevogável na aquisição do bem como a sua posterior revogação, não poderia a impugnante vir na impugnação alargar o pedido de reclamação com outros fundamentos porquanto ao órgão administrativo competente não foi dada oportunidade para se

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pronunciar. Entende, deste modo, a recorrente que o tribunal “a quo” apenas poderia conhecer na impugnação dos fundamentos do pedido já expressamente invocados na petição de reclamação e por esta expressamente considerados. Não lhe assiste, contudo, razão. Como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal e a recorrida, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que no caso de impugnação judicial subsequente a reclamação graciosa o acto tributário de liquidação integra também o objecto da mesma impugnação, desde que, claro está, se impugne o mesmo acto de liquidação que foi objecto da decisão de reclamação (cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Janeiro de 2005, rec. n.º 949/04), o que sucede no caso dos autos. E o pedido formulado relativamente ao acto de liquidação que constituía o objecto imediato da reclamação e constitui o objecto mediato da impugnação é o mesmo, o de anulação da liquidação e restituição do imposto pago. É certo que, a par dos fundamentos invocados na reclamação outros foram invocados na impugnação, vindo a ser decisivo, na perspectiva adoptada na sentença recorrida, um fundamento de ilegalidade não invocado expressamente na petição de reclamação e como tal não expressamente ponderado na decisão de indeferimento. Sucede, porém, que, respeitada que seja a identidade do acto e a do pedido, não parece que a impugnante veja restringida a sua possibilidade de invocar em defesa da pretensão anulatória que deduziu na impugnação novos outros argumentos ou outros fundamentos integradores da ilegalidade, como não está o tribunal adstrito a considerar apenas o direito invocado pelas partes, pois que jura novit curia. Improcede, deste modo, a alegação da recorrente sintetizada nas conclusões 1 a 6 das suas alegações de recurso. 6.2 Do mérito do recurso A sentença recorrida, a fls. 125 a 138 dos autos, julgou procedente a impugnação deduzida, anulando em consequência o despacho proferido na reclamação (…) apresentada contra a liquidação de IMT e ordenando a devolução do imposto pago. Após algumas considerações tecidas a propósito das procurações irrevogáveis que têm por objecto negócios

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jurídicos sobre bens imóveis, da sua utilização no “giro comercial e bancário”, das razões apontadas pelo legislador para a sujeição da sua outorga a IMT e bem assim do seu regime neste imposto, fundamentou-se o decidido na aplicabilidade ao caso dos autos do n.º 3 do artigo 22.º do Código do IMT, nos termos do qual haveria lugar à anulação total ou parcial do imposto até porque a impugnante beneficia de isenção de IMT, circunstância que não é reconhecida ao procurador, mais se acrescentando que caso assim se não entendesse sempre haveria lugar à anulação e restituição do IMT, nos termos do n.º 4 desta mesma disposição legal, em virtude da revogação da procuração e, mesmo que não tivesse sido revogada a procuração (…) tinha já decorrido os dois anos previsto no n.º 4 do artigo 22.º do Código do IMT (cfr. sentença recorrida, a fls. 135 a 138 dos autos). O decidido quanto à aplicabilidade ao caso dos autos do n.º 3 do artigo 22.º do Código do IMT merece a concordância do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal no seu parecer junto aos autos e supra transcrito, que se apoia na mais recente doutrina publicada sobre o tema (cfr. JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 223 a 253 – Cap. IV, da Parte II “O regime das procurações irrevogáveis relativas a imóveis em IMT”). A recorrente imputa à sentença recorrida a violação do disposto nos artigos 2.º, n.º 3, alínea c), 4.º alínea f) e 22.º números 3 e 4 do Código do IMT, estes últimos a contrario sensu, alegando que não tendo a impugnante utilizado a procuração irrevogável que outorgou na aquisição do bem não existe nexo de causalidade entre este aquele instrumento jurídico e o contrato definitivo pelo que não se verificam os pressupostos de aplicação do n.º 3 do art. 22.º do CIMT e que não tem igualmente aplicação o n.º 4 daquele normativo porquanto não se verifica inexistência do facto tributário no prazo ali previsto, pois que o facto tributário previsto na alínea c) do n.º 3 do art. 2.º do CIMT é a outorga da procuração irrevogável não se tratando de um facto sob condição, ou seja, o mesmo verifica-se aquando da outorga independentemente das posteriores vicissitudes da mesma ou da sua não utilização (cfr. conclusões 7 a 9 das suas alegações de recurso). Vejamos pois.

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No caso dos autos, foi outorgada a favor da recorrida procuração irrevogável com poderes para alienar um imóvel da propriedade de seus clientes, tendo sido por ela pago o IMT devido pela outorga da procuração (cfr. as alíneas A) e D) do probatório fixado). Alguns meses depois, veio a recorrida a adquirir o imóvel por escritura de dação em cumprimento para pagamento dos empréstimos nºs 21546/56023162022, 11480/5601888464, 20899/56022585827 e 10176/61001866086, na qual a procuração irrevogável não foi utilizada, tendo sido também aí pago o correspondente imposto, não obstante este lhe ter sido posteriormente restituído em virtude da isenção de que goza ex vi do artigo 8.º do Código do IMT (cfr. as alíneas E) a H) do probatório fixado). Importa, pois, saber se a recorrida, que pagou IMT aquando da outorga de procuração irrevogável que lhe atribuía poderes de alienação de um imóvel, em conformidade com o disposto nos artigos 2.º, n.º 3, alínea c) e 4.º alínea f) do Código do IMT, tem direito a que o imposto pago lhe seja restituído. A sentença recorrida entendeu que sim, primariamente em virtude do disposto no n.º 3 do artigo 22.º do Código do IMT, que dispõe nos seguintes termos: «Sempre que o contrato definitivo seja celebrado com um dos contraentes previstos nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 3 do artigo 2.º, ou que o facto tributário ocorra antes da celebração do contrato definitivo que opere a transmissão jurídica do bem, e o contraente já tenha pago o imposto devido por esse facto, só há lugar a liquidação adicional quando o valor que competir à transmissão definitiva for superior ao que serviu de base à liquidação anterior. Procedendo-se à anulação parcial ou total do imposto se o adquirente beneficiar de redução de taxa ou de isenção». Entende a recorrente que o tribunal “a quo” cometeu erro de julgamento, pois que não se verificam os pressupostos de aplicação do n.º 3 do art. 22.º do CIMT, visto não ter utilizado a procuração irrevogável que outorgou na aquisição do bem, pelo que alegadamente não existiria nexo de causalidade entre aquele instrumento jurídico e o contrato definitivo. Não tem, contudo, razão a recorrente. Como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal a posição assumida pela Fazenda Pública não tem qualquer apoio na letra da lei, que em parte nenhuma exige que o “acerto de contas” a

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que manda proceder o n.º 3 do artigo 22.º do Código do IMT só tenha lugar nos casos em que a procuração cuja outorga deu já lugar ao pagamento de imposto venha a ser efectivamente utilizada na celebração do contrato definitivo. O que a lei exige, isso sim, é que tenha já havido prévio pagamento de imposto pelo mesmo sujeito passivo e que este se reporte ao mesmo bem, pois que, ao fim e ao cabo, como bem explica JOSÉ MARIA PIRES (op. cit., pp. 233 e ss.), o IMT liquidado nas procurações irrevogáveis a ele sujeitas tem natureza de “antecipação do imposto devido a final pela transmissão definitiva operada com a escritura de compra e venda”, havendo, nesse momento, que operar o acerto de contas final. E deste modo, se o adquirente está isento de imposto pela aquisição do imóvel, pois que beneficia da isenção prevista no artigo 8.º do Código do IMT, terá direito à anulação do imposto anteriormente pago por ocasião da outorga da procuração de que foi beneficiário (independentemente de a ter efectivamente usado na transmissão definitiva), ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 22.º do Código do IMT, sob pena de por via do mecanismo da antecipação do imposto lhe vir a ser denegada isenção que o artigo 8.º do Código do IMT lhe reconhece. É que, como diz a p. 236 o autor citado, «(…) o legislador determina no n.º 3 do artigo 22.º do Código do IMT que na data da celebração da escritura de compra e venda se efectua o acerto final da liquidação, de modo a que o imposto cobrado no final seja apenas um – o que corresponde à transmissão operada com a escritura de compra e venda. Para isso, ao imposto apurado resultante da transmissão da propriedade, é deduzido o que havia sido pago aquando da outorga da procuração irrevogável». No caso dos autos, em virtude da natureza de instituição financeira da adquirente e dos termos em que o imóvel veio a ser por ela adquirido, a recorrida beneficiava e viu-lhe ser reconhecida isenção do IMT devido pela aquisição (ex vi do artigo 8.º do Código do IMT), que, embora pago, lhe foi restituído. A sentença recorrida ordenou, e bem, que lhe fosse também restituído o IMT pago por ocasião da outorga da procuração irrevogável, sendo este julgado de manter, pois que de outro modo, por via da antecipação do imposto, lhe seria retirado o direito à referida isenção. Encontrando-se a sentença primária e suficientemente fundamentada no disposto no n.º 3 do artigo 22.º do

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Código do IMT e merecendo, nesta parte, ser confirmada por este Supremo Tribunal, desnecessário se torna conhecer das demais alegações da recorrente destinadas a fundamentar a inaplicabilidade ao caso dos autos do n.º 4 do mesmo preceito legal, pelo que deles se não conhecerá. O recurso não merece provimento.

- Decisão - 7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 6 de Abril de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) – António Calhau - Dulce Manuel Neto.