acompanhamento plenus ministÉrio pÚblico · 3.4 exame de lesões corporais ... a conclusão dos...

64
ACOMPANHAMENTO PLENUS MINISTÉRIO PÚBLICO -------------------------------------------------------------- DIREITO PROCESSUAL PENAL SEMANA 12 SINOPSE DE ESTUDO #SouPlenus #AquiéMP #TôDentro

Upload: letu

Post on 08-Feb-2019

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

ACOMPANHAMENTO PLENUS

MINISTÉRIOPÚBLICO

--------------------------------------------------------------DIREITO PROCESSUAL PENAL

SEMANA 12

SINOPSE DE ESTUDO

#SouPlenus#AquiéMP#TôDentro

2

MINISTÉRIOPÚBLICO

SUMÁRIO

1. PERÍCIAS EM GERAL ...................................................................................................................... 32. EXAME CORPO DE DELITO ........................................................................................................... 63. OUTRAS ESPÉCIES DE PERÍCIAS .................................................................................................. 73.1 Exame necroscópico ................................................................................................................... 73.2 Exumação ................................................................................................................................... 73.4 Exame de lesões corporais ......................................................................................................... 83.5 Exame do local em que foi praticada a infração ....................................................................... 93.6 Exame laboratorial ..................................................................................................................... 93.7 Exame de destruição ou rompimento de obstáculos e escalada ........................................... 103.8 Avaliação ................................................................................................................................... 103.9 Exame de local de incêndio ..................................................................................................... 113.10 Exame grafotécnico ................................................................................................................ 113.11 Exame dos instrumentos do crime ........................................................................................ 124. INTERROGATÓRIO ...................................................................................................................... 125. CONFISSÃO ................................................................................................................................. 186. DECLARAÇÕES DO OFENDIDO ................................................................................................... 217. PROVA TESTEMUNHAL ............................................................................................................... 228. RECONHECIMENTO DE PESSOAS E COISAS ............................................................................... 289. ACAREAÇÃO ................................................................................................................................ 2910. PROVA DOCUMENTAL ............................................................................................................... 3011. INDÍCIOS E PRESUNÇÕES ......................................................................................................... 3112. BUSCA E APREENSÃO ............................................................................................................... 3213. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA ................................................................................................. 3613.1 Procedimento ......................................................................................................................... 3814. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS, FINANCEIROS E FISCAIS ................................... 4315. COLABORAÇÃO PREMIADA ....................................................................................................... 4716. AÇÃO CONTROLADA ................................................................................................................. 5717. INFILTRAÇÃO DE AGENTES ....................................................................................................... 60BIBLIOGRAFIA UTILIZADA .............................................................................................................. 62

3

MINISTÉRIOPÚBLICO

Superado o estudo da teoria geral da prova, necessário se faz estudar as provas em espécie.

1. PERÍCIAS EM GERAL

Perícia é o exame realizado por pessoa que tenha conhecimento técnico específico em determinada área do conhecimento. Sua existência é necessária pelo fato de que o juiz não domina todas as áreas de conhecimento, necessitando de auxílio para a compreensão de certas informações.

Art. 159.  O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.        (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)§ 1º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.                 (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)§ 2º Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.           (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

A regra é que as perícias sejam realizadas por peritos oficiais, ou seja, servidores pú-blicos do Estado, não havendo necessidade de compromisso. Nesse caso, basta um profissional para a elaboração do laudo. Porém, nada impede que, em sendo a perícia complexa, necessi-te-se de mais de uma perito de especialidades diversas (art. 159, § 7º). Ainda que não seja esse caso, a atuação de dois peritos é mera irregularidade que não tem o condão de gerar a nulidade do exame.

Excepcionalmente, a perícia será realizada por dois peritos não oficiais, os quais devem prestar compromisso e serem portadores de diploma de curso superior. A ausência de compromisso consiste em mera irregularidade inapta a macular o laudo.

Súmula 361-STF: No processo penal, é nulo o exame realizado por um só pe-rito, considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência de apreensão.

Ressalta-se que a súmula supracitada refere-se apenas à perícia realizada por perito não oficial, na qual são necessários dois. Se for perito oficial, basta um. Ademais, a nulidade apontada é relativa, devendo ser arguida em momento oportuno, sob pena de preclusão, e demonstrado o prejuízo.

Importa salientar que a Lei de Drogas possui disposição especial sobre a realização

4

MINISTÉRIOPÚBLICO

de perícia, bastando um perito não oficial, que não ficará impedido:

Art. 50.  Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciá-ria fará, imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo--lhe cópia do auto lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministé-rio Público, em 24 (vinte e quatro) horas.§ 1º Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabele-cimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na fal-ta deste, por pessoa idônea.§ 2º O perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1º deste artigo não ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo.

Cabe lembrar que os peritos devem ser imparciais, de forma que as hipóteses de suspeição dos juízes lhes são aplicáveis (art. 280). Dessa forma, as partes não intervêm na no-meação dos peritos (art. 276). O que é possibilitado às partes, ao assistente da acusação e ao ofendido é a formulação de quesitos e a nomeação de assistente técnico:

Art. 159 (...)§ 3º Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e in-dicação de assistente técnico.                   (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)§ 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão.                        (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)§ 5º Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia:                   (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para res-ponderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedên-cia mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar;                   (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.                  (In-cluído pela Lei nº 11.690, de 2008)§ 6º Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.                (In-cluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

5

MINISTÉRIOPÚBLICO

§ 7º Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

O assistente técnico é o perito de confiança da parte e vai atuar com a finalidade de ratificar ou impugnar as informações do laudo oficial. Obviamente, não necessitam ser im-parciais. A não admissão do assistente técnico pelo juiz é decisão irrecorrível, sem prejuízo do manejo de mandado de segurança ou do habeas corpus ou, ainda, alegação em preliminar de apelação, por cerceamento do direito de defesa ou de acusação.

Conforme demonstrado pelos dispositivos acima, o CPP é omisso quanto ao prazo do assistente técnico para apresentar seu laudo, devendo ser fixado pelo juiz. Parte da doutrina defende que deve ser de 10 dias, igual ao laudo oficial, sem prejuízo de dilatação em caso de motivo justificado.

Quanto ao procedimento das perícias, dispõe o art. 160:

Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão mi-nuciosamente o que examinarem, e responderão aos quesitos formula-dos.                 (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994)Parágrafo único.   O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de 10 dias, podendo este prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento dos peritos.                 (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994)

O laudo é o documento em que o perito expõe, discute e conclui sobre os elementos que lhe foram apresentado. Se for elaborado por mais de um perito e havendo divergências entre eles, o juiz tem a faculdade de nomear um terceiro e até mesmo determinar novo exame por outros peritos (art. 180).

Em relação ao valor da prova pericial, expõe o art. 182 que o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte. Assim, conclui-se que o CPP adotou o sistema liberatório, pelo qual o magistrado possui liberdade em analisar o laudo, de forma motivada. O sistema liberatório se opõe ao sistema vinculatório, no qual o juiz está vin-culado às conclusões do perito.

Por fim, cabe ressaltar que o juiz também pode negar as perícias que considere des-necessárias ou protelatórias. A única perícia que não pode ser negada é o exame de corpo de delito:

Art. 184.  Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autori-

6

MINISTÉRIOPÚBLICO

dade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.

2. EXAME CORPO DE DELITO

Corpo de delito são os vestígios materiais deixados pela infração penal. O exame de corpo de delito é a perícia que tem como objeto esses vestígios. Trata-se de um exame obriga-tório:

Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Art. 161. O exame de corpo de delito poderá ser feito em qualquer dia e a qualquer hora.

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalva-do o disposto no Art. 167;

Exame de corpo de delito direto é o qual os peritos dispõe dos próprios vestígios para análise. Por outro lado, no exame de corpo de delito indireto, os vestígios já desapareceram, devendo os peritos utilizar meios acessórios, tais como fotos, prontuários médicos, etc.

Não sendo de forma alguma possível a realização do exame de corpo de delito, em nenhuma hipótese a confissão tomará seu lugar. Por outro lado, a prova testemunhal pode atestar a materialidade delitiva:

Art. 167.   Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.

Dessa forma, há uma gradação a ser seguida: exame de corpo de delito direto, exame indireto, quando não possível aquele, e prova testemunhal, quando não possível a realização de nenhum dos anteriores.

O entendimento do STF, do STJ e da doutrina majoritária é no sentido de que o exa-me de corpo de delito indireto carece de qualquer rigor formal, dispensando a elaboração do laudo pericial. Ademais, no caso de prova testemunhal para suprir a falta, basta o depoimento de uma única testemunha para firmar o convencimento do julgador.

A denúncia pode ser oferecida sem estar acompanhada do exame de corpo de deli-

7

MINISTÉRIOPÚBLICO

to, desde que ele seja realizado no curso do processo, com exceção das hipóteses em que sua existência seja uma condição de procedibilidade (ex.: infrações contra a propriedade imaterial e tráfico de drogas). Sobre a perícia em infrações contra a propriedade imaterial:

Súmula 574-STJ: Para a configuração do delito de violação de direito autoral e a comprovação de sua materialidade, é suficiente a perícia realizada por amostragem do produto apreendido, nos aspectos externos do material, e é desnecessária a identificação dos titulares dos direitos autorais violados ou daqueles que os representem.

3. OUTRAS ESPÉCIES DE PERÍCIAS

3.1 Exame necroscópico

Autópsia ou necropsia é um tipo de prova pericial em que são examinadas as partes externas e internas de um cadáver, para aferir a causa da morte, bem como comprová-la:

Art. 162.   A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto.Parágrafo único.  Nos casos de morte violenta, bastará o simples exame externo do cadáver, quando não houver infração penal que apurar, ou quando as lesões externas permitirem precisar a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de alguma cir-cunstância relevante.

Como se infere do artigo supra, o tempo mínimo de segurança para a realização da necropsia é de 6 horas. Esse tempo é necessário para se ter certeza dos sinais tanatalógicos, com a constatação da morte, de modo a evitar qualquer equívoco fatal. No entanto, quando a morte for evidente, não há necessidade de esperar esse tempo, devendo ser declarado no auto pelo perito.

Todavia, em caso de morte violenta, ou seja, morte não natural, poderá ser feito ape-nas simples exame externo do cadáver, de acordo com as hipóteses do parágrafo único do art. 162 do CPP. Ex.: decapitação ou carbonização da vítima.

3.2 Exumação

A exumação é outra modalidade de prova pericial. Está prevista nos arts. 163 a 166 do CPP e significa desenterrar ou tirar o cadáver do túmulo em que foi enterrado, para a realização de autópsia, em caso de dúvida posterior ao sepultamento, para o refazimento de perícia ou para a complementação de dados já colhidos.

8

MINISTÉRIOPÚBLICO

É necessária justa causa para que seja feita a exumação, por meio de autorização ju-dicial, devendo ser seguido o procedimento legal, sob pena de cometimento de contravenção penal (art. 67 da Lei de Contravenções Penais).

Quem pode determinar a exumação? Em regra, cabe à autoridade policial (que con-duzirá a diligência), mas o juiz e o Ministério Público também podem determiná-la (art. 47).

A legislação prevê algumas regras procedimentais:

Art.  163.    Em caso de exumação para exame cadavérico, a autoridade providenciará para que, em dia e hora previamente marcados, se realize a diligência, da qual se lavrará auto circunstanciado.Parágrafo único.    O administrador de cemitério público ou particular indicará o lugar da sepultura, sob pena de desobediência. No caso de recusa ou de falta de quem indique a sepultura, ou de encontrar-se o cadáver em lugar não destinado a inumações, a autoridade procederá às pesquisas necessárias, o que tudo constará do auto.

Art. 165. Para representar as lesões encontradas no cadáver, os peritos, quando possível, juntarão ao laudo do exame provas fotográficas, es-quemas ou desenhos, devidamente rubricados.

Art. 166. Havendo dúvida sobre a identidade do cadáver exumado, pro-ceder-se-á ao reconhecimento pelo Instituto de Identificação e Estatísti-ca ou repartição congênere ou pela inquirição de testemunhas, lavran-do-se auto de reconhecimento e de identidade, no qual se descreverá o cadáver, com todos os sinais e indicações.Parágrafo único. Em qualquer caso, serão arrecadados e autenticados todos os objetos encontrados, que possam ser úteis para a identificação do cadáver.

Para se identificar o cadáver, podem ser utilizados impressões datiloscópicas, exame de arcada dentária, DNA ou, como indica o dispositivo acima, prova testemunhal. Os objetos são úteis para o reconhecimento por familiares ou outras pessoas próximas.

3.4 Exame de lesões corporais

No crime de lesão corporal, é necessário aferir se as lesões são leves, graves ou gra-víssimas para possibilitar o enquadramento na qualificadora devida, se for o caso.

Entretanto, se ficar constatado que o primeiro exame pericial está incompleto, pode-rá ser realizado exame complementar, o qual será determinado pela autoridade policial ou ju-

9

MINISTÉRIOPÚBLICO

diciária, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do ofendido, do acusado, ou de seu defensor, a fim de aferir a extensão da lesão corporal (art. 168). Assim, na realização do exame completar, os peritos deverão estar de posse do primeiro auto de corpo de delito, para comple-mentá-lo ou ratificá-lo (art. 168, § 1º).

O exame pericial complementar deve ser feito no caso de crime de lesão corporal grave (art. 129, § 1º, I, do CP) logo que completado os 30 dias, para se atestar a gravidade da lesão (art. 168, § 2º). A sua ausência resulta na desclassificação do delito, assim como o exame realizado antes dos 30 dias é ineficaz e o feito após a recuperação é considerado não realizado.

Porém, caso os vestígios do crime desapareçam, a prova testemunhal suprirá o exa-me complementar (art. 168, § 3º).

3.5 Exame do local em que foi praticada a infração

Para possibilitar a realização desse exame, a autoridade policial tomará as providên-cias necessárias para conservar o local do crime inalterado até a chegada dos peritos, os quais irão fotografar a cena do crime, fazer desenhos ou esquemas elucidativos para instruir seus laudos (art. 169, caput).

Art. 169.  Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se al-tere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.Parágrafo único.  Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do esta-do das coisas e discutirão, no relatório, as consequências dessas altera-ções na dinâmica dos fatos. 

Caso haja alteração no lugar do crime, este fato deverá constar no relatório, em que os peritos tirarão suas conclusões levando-se em consideração as alterações havidas, devendo os peritos levantar diversas hipóteses do que pode ter ocorrido.

3.6 Exame laboratorial

É o exame feito em laboratório, com o auxílio dos aparelhos e dos elementos quí-micos necessários, devendo o material do produto analisado ser armazenado, para o caso de ser necessário realizar novo exame ou contraprova, até a prolação da sentença (caso a lei seja omissa).

Art. 170.  Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material su-ficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente,

10

MINISTÉRIOPÚBLICO

os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográfi-cas, desenhos ou esquemas.

Um exemplo dessa modalidade de perícia é o exame de identificação de substân-cias entorpecentes ilícitas. No entanto, destaque-se que é suficiente a lavratura de um laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, que deve ser feito por um perito oficial ou, na falta deste, por uma pessoa idônea (art. 50, § 1º, da Lei nº 11.343/06). Será necessário o laudo definitivo no caso de ter sido feito o laudo de constatação por pessoa idônea, o qual deverá ser lavrado por dois peritos. Já no caso de o laudo de constatação ter sido lavrado por perito oficial, já tem força de laudo definitivo.

Há também o exame de dosagem alcoólica, que é feito por etilômetro (o popular “bafômetro”) ou por exame de sangue. Nesse caso, importa mencionar que, para a constatação do crime previsto no art. 306, caput, da Lei 9.503/97, é admitido qualquer meio de prova, como teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal, etc., sem-pre observado o direito à contraprova.

3.7 Exame de destruição ou rompimento de obstáculos e escalada

Esse exame também é chamado de perícia em furto qualificado, o qual é realizado com o intuito de demonstrar as qualificadoras de destruição ou rompimento de obstáculos e escalada do crime de furto (art. 155, §4º, I e II, do CP):

Art. 171.  Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obs-táculo a subtração da coisa, ou por meio de escalada, os peritos, além de descrever os vestígios, indicarão com que instrumentos, por que meios e em que época presumem ter sido o fato praticado.

A realização dessa perícia é obrigatória quando há vestígios, podendo ser suprida por prova testemunhal no caso de desaparecimento, nos termos do art. 167 do CPP.

3.8 Avaliação

O laudo de avaliação das coisas destruídas, deterioradas ou que constituam produto do crime é feito em casos de crimes contra o patrimônio:

Art. 172.  Proceder-se-á, quando necessário, à avaliação de coisas des-truídas, deterioradas ou que constituam produto do crime.Parágrafo único.  Se impossível a avaliação direta, os peritos procederão à avaliação por meio dos elementos existentes nos autos e dos que re-sultarem de diligências.

11

MINISTÉRIOPÚBLICO

A avaliação poderá ser direta, quando o perito tem contato direto com objeto do exa-me, ou indireta, quando será feita por meio de elementos existentes nos autos e dos que resul-tarem de diligências, como dispõe o parágrafo único.

Esse exame é importante tanto para a dosimetria da pena quanto para a aferição do furto de pequeno valor (art. 155, § 2º, do CP).

3.9 Exame de local de incêndio

Essa modalidade de perícia é utilizada para verificar o crime do art. 250 do Código Penal:

Art. 173.  No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato.

3.10 Exame grafotécnico

Também chamado de exame caligráfico ou exame de reconhecimento de escritos, é conceituado como o exame que tem o fito de certificar que a letra posta em determinado es-crito pertence à pessoa investigada, de modo que é muito utilizado na determinação de autoria em certos crimes, como de estelionato ou de falsificação.

O procedimento do exame grafotécnico está descrito no art. 174 do CPP:

Art. 174.  No exame para o reconhecimento de escritos, por comparação de letra, observar-se-á o seguinte:I - a pessoa a quem se atribua ou se possa atribuir o escrito será intimada para o ato, se for encontrada;II - para a comparação, poderão servir quaisquer documentos que a dita pessoa reconhecer ou já tiverem sido judicialmente reconhecidos como de seu punho, ou sobre cuja autenticidade não houver dúvida;III - a autoridade, quando necessário, requisitará, para o exame, os do-cumentos que existirem em arquivos ou estabelecimentos públicos, ou nestes realizará a diligência, se daí não puderem ser retirados;IV - quando não houver escritos para a comparação ou forem insuficien-tes os exibidos, a autoridade mandará que a pessoa escreva o que lhe for ditado. Se estiver ausente a pessoa, mas em lugar certo, esta última diligência poderá ser feita por precatória, em que se consignarão as pa-lavras que a pessoa será intimada a escrever.

Ressalta-se que a ausência de intimação do réu resulta na nulidade da prova colhida, mesmo que o escrito não lhe seja atribuído.

12

MINISTÉRIOPÚBLICO

Importante salientar que o acusado ou o investigado não é obrigado a fornecer mate-rial de próprio punho para esse exame, por conta do princípio de que ninguém é obrigado a pro-duzir prova contra si mesmo. A omissão não pode ser interpretada em seu desfavor, da mesma forma caso disfarce a letra ou escreva com a mão que não é de costume. No entanto, a doutrina (Nestor Távora e Rosmar Rodrigues de Alencar, p. 672) defende que poderá ser determinada a condução coercitiva do acusado ou do investigado no caso de recusa injustificada.

3.11 Exame dos instrumentos do crime

Instrumentos do crime são aqueles que servem de agente mecânico para a realização do crime, esse exame é feito para verificar a natureza e a eficiência do instrumento (art. 175).

Entende-se por natureza a espécie, o tipo de objeto. Ex.: arma de fogo, arma branca, veneno, etc.

Ele é importante para verificar a ocorrência de crime impossível (art. 17 do CP). Por outro lado, sua ausência não implica em nulidade do processo, podendo ser suprido por outros meios de prova.

4. INTERROGATÓRIO

O interrogatório, incontroversamente, é um meio de prova e está disciplinado nos arts. 185 a 196 do CPP.

Convém mencionar que o interrogatório, quando da ditadura militar, era utilizado com o objetivo de obter a confissão do crime, uma vez que o acusado era tido como o objeto da prova e a confissão era a “rainha das provas”. No entanto, atualmente, considerando a visão garantista do processo penal, o contexto do sistema acusatório e sendo o acusado detentor de direitos, o interrogatório possui natureza mista ou híbrida, pois além de ser meio de prova, também é meio de defesa, uma vez que é oportunizado ao réu apresentar sua versão dos fatos ao juiz, exercendo a autodefesa.

Assim, no exercício da autodefesa, é permitido ao acusado calar-se, sendo assegura-do que o silêncio não seja interpretado em seu desfavor (art. 186, parágrafo único), bem como também poderá mentir, o que decorre do seu direito ao silêncio (art. 5º, LXIII, CF/88).

O interrogatório é dividido em três partes:

I. Fase preliminar: o juiz adverte o acusado sobre o seu direito ao silêncio (interroga-tório sub-reptício), sob pena de nulidade do feito;

13

MINISTÉRIOPÚBLICO

II. 1ª parte: fase de qualificação do réu, fundamental para aferição das circunstâncias judiciais (art. 187, § 1º);

III. 2ª parte: diz respeito aos fatos ou ao mérito da causa (art. 187, § 2º).

Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pes-soa do acusado e sobre os fatos.§ 1º Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a resi-dência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou pro-cessado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais.§ 2º Na segunda parte será perguntado sobre:I - ser verdadeira a acusação que lhe é feita;II - não sendo verdadeira a acusação, se tem algum motivo particular a que atribuí-la, se conhece a pessoa ou pessoas a quem deva ser im-putada a prática do crime, e quais sejam, e se com elas esteve antes da prática da infração ou depois dela;III - onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notí-cia desta;IV - as provas já apuradas;V - se conhece as vítimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem o que alegar contra elas;VI - se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qual-quer objeto que com esta se relacione e tenha sido apreendido;VII - todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração;VIII - se tem algo mais a alegar em sua defesa.

Importante! No interrogatório, o direito ao silêncio é relativizado, de modo que o acusado não poderá mentir na 1ª parte do procedimento, devendo fornecer informações verdadeiras a respeito de sua qualificação, sob pena de cometer contravenção penal (art. 68 da Lei de Contravenções Penais), ou de cometer o crime de falsa identidade (art. 307 do CP).

Na segunda parte do interrogatório, o acusado poderá calar-se ou mentir, sal-vo para fazer imputação falsa a alguém, sob pena de cometer o crime de denun-ciação caluniosa (art. 339 do CP) ou fazer autoimputação falsa (art. 341 do CP).

Tem-se que o interrogatório é ato personalíssimo e somente deve ser feito na pre-

14

MINISTÉRIOPÚBLICO

sença de um juiz (judicialidade), devendo, ainda, prevalecer a oralidade no seu procedimento. Significa dizer que apenas a pessoa do próprio acusado poderá prestar depoimento e, no caso de o acusado ser pessoa jurídica, será prestado depoimento por pessoa portadora de carta de preposição.

Ressalte-se que a oitiva do investigado em sede de inquérito policial não se trata de interrogatório, dado o caráter inquisitivo desse procedimento, em que não se é permitido o exercício do contraditório ou da ampla defesa, de modo que o art. 6º, V, do CPP, é aplicado somente no que for cabível.

Em que pese o interrogatório ser regido pela espontaneidade, o Código de Processo Penal permite a condução coercitiva do acusado, caso ele seja intimado e não compareça ao ato, devendo haver a impossibilidade de realizar algum procedimento sem a sua presença (art. 260, caput). Esse ponto é extremamente criticado pela doutrina, que considera o dispositivo como não recepcionado pela constituição, tendo em vista que a autodefesa é renunciável.

Nesse sentido foi, inclusive, o entendimento adotado pelo STF no julgamento das ADPFs 395 e 444. Entendeu-se que “o emprego da medida representa restrição à liberdade de locomoção e viola a presunção de não culpabilidade, sendo, portanto, incompatível com a Constituição Federal”. Ressaltou-se, no entanto, que os atos até então realizados são conside-rados válidos, mas daqui para frente, os agentes ou autoridades públicas que desconsiderarem a decisão do STF poderão responder nos âmbitos civil, administrativo e criminal pelo ato, sem prejuízo da ilicitude de interrogatório e consequente impossibilidade de utilização dos elemen-tos ali angariados.

Em relação ao local do interrogatório, o réu poderá ser ouvido por carta precatória, caso resida em comarca diversa da que tramita o processo, bem como, poderá ser ouvido na sua residência, em caso de velhice ou de enfermidade (arts. 222 e 220, por analogia).

Frise-se que o entendimento do STF é de que a falta de oportunidade do interrogató-rio enseja nulidade relativa do feito, caso haja demonstração do prejuízo.

Nada obsta que se proceda a novo interrogatório de ofício pelo juiz ou a requeri-mento de qualquer das partes, desde que cumpridas todas as etapas processuais por todos os agentes envolvidos no feito, inclusive o acusado, o que evidencia que esse dispositivo não gera o direito ao acusado de ser ouvido a qualquer tempo no processo:

Art. 196. A todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das partes. 

Além disso, nos procedimentos ordinário e sumário, o interrogatório deve ser o últi-

15

MINISTÉRIOPÚBLICO

mo ato da audiência de instrução e julgamento:

Art. 400.  Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no pra-zo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declara-ções do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusa-ção e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

A importância do interrogatório como último ato de instrução é tamanha que o STF determinou sua aplicação ao processo penal militar:

A exigência de realização do interrogatório ao final da instrução crimi-nal, conforme o art. 400 do CPP, é aplicável no âmbito de processo penal militar.A realização do interrogatório ao final da instrução criminal, prevista no art. 400 do CPP, na redação dada pela Lei nº 11.719/2008, também se aplica às ações penais em trâmite na Justiça Militar, em detrimento do art. 302 do Decreto-Lei nº 1.002/69.Logo, na hipótese de crimes militares, o interrogatório também deve ser realizado depois da oitiva das testemunhas, ao final da instrução.STF. Plenário. HC 127900/AM, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/3/2016 (Info 816).

O STF, por questões de segurança jurídica, afirmou que a tese fixada só se tornou obrigatória a partir da data de publicação da ata deste julgamento (10/03/2016), sendo todos os interrogatórios realizados até essa data válidos, ainda que não tenham observado o art. 400 do CPP, ou seja, ainda que tenham sido realizados como primeiro ato da instrução.

Ademais, durante os debates, os Ministros afirmaram que a tese se aplica ao proce-dimento da Lei de Drogas e ao processo de crimes eleitorais, devendo o interrogatório também ser o último ato da instrução, mesmo não havendo previsão legal neste sentido. Portanto, fi-quem atentos!

Em se tratando de Tribunal do Júri, é possível que o réu não compareça ao plenário, de modo que não será interrogado (art. 457, § 2º), o que não acarretará nulidade do ato ou do feito. Caso o réu compareça, as perguntas formuladas pelas partes, poderão ser feitas direta-mente ao réu, porém, as perguntas feitas pelos jurados, serão feitas por intermédio do juiz (art. 474, §§ 1º e 2º).

16

MINISTÉRIOPÚBLICO

Observação: o interrogatório não é ato privativo do juiz, de modo que as partes podem par-ticipar do procedimento, inclusive formulando perguntas ao réu (art. 188), ocasião em que o juiz atuará como fiscal dos questionamentos, podendo indeferi-los (sistema presidencialista de perguntas no interrogatório). Além disso, é adotada a individualidade do interrogatório, em que serão feitos interrogatórios separados, quando houver mais de um réu.

Em relação às respostas, o procedimento será o seguinte:

I. Se o réu negar a acusação, poderá prestar esclarecimentos e indicar provas (art. 189);

II. Se o réu confessar a autoria, será perguntado sobre os motivos e as circunstâncias do fato e se outras pessoas concorreram para a prática do delito (art. 190).

Sendo certo que o interrogatório importa em exercício de defesa, o acusado deve ser acompanhado por defensor, ainda que dativo, bem como, tem direito a entrevista prévia com este, sob pena, em ambos os caso, de nulidade absoluta, podendo ser oferecida correição parcial.

Art. 185 (...)§ 5º Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se rea-lizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.

Quanto ao interrogatório do réu preso, em regra, deve ser feito no estabelecimento prisional, desde que assegurada a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares, além de ser garantida a presença do defensor e a publicidade do ato:

Art. 185 (...) § 1º O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no es-tabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato.§ 2º Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de trans-missão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja ne-cessária para atender a uma das seguintes finalidades:I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão,

17

MINISTÉRIOPÚBLICO

possa fugir durante o deslocamento;II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por en-fermidade ou outra circunstância pessoal;III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconfe-rência, nos termos do art. 217 deste Código;IV - responder à gravíssima questão de ordem pública

Note-se que, excepcionalmente e nas hipóteses dos incisos acima transcritos, pode-rá ser feito interrogatório por videoconferência ou meio virtual ou online ou por meio eletrôni-co. As partes serão intimadas com antecedência de 10 dias (art. 185, § 3º). O réu terá direito a assistir a todos os outros atos referentes à audiência, bem como a ter contato com seu defensor a todo momento, através de telefone. A sala de conferência será fiscalizada por corregedores, pelo juiz, pelo Ministério Público e pela OAB (art. 185, §§ 4º a 6º).

A videoconferência pode ser realizada em qualquer ato que dependa da participação da pessoa presa, como acareação, reconhecimento de coisas e de pessoas, inquirição de teste-munhas ou tomada de declarações do ofendido, sempre acompanhados pelos acusados e pelo defensor (art. 185, §§ 8º e 9º).

Por fim, ressalta-se que esses dispositivos sobre videoconferência foram acrescen-tados ao CPP pela Lei 11.900/09, de modo que o STJ considera eivado de nulidade absoluta o interrogatório realizado por videoconferência antes da referida lei por violação ao devido pro-cesso legal.

Observação: parcela da doutrina entende ser inconstitucional o interrogatório por videocon-ferência, justificando que a presença física do juiz é indispensável à ampla defesa.

Ainda sobre o assunto, atente-se para o seguinte julgado

Não configura nulidade a negativa de pedido da Defensoria Pública de requisição de réu preso para entrevista pessoal com a finalidade de sub-sidiar a elaboração de defesa preliminar. Isso porque inexiste previsão legal que autorize a Defensoria Pública a transferir ao Poder Judiciário o ônus de promoção de entrevista pessoal do réu preso.STJ. 6ª Turma. RHC 50.791-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 14/10/2014 (Info 551).

Quando o interrogatório do réu preso não puder ser realizado no estabelecimento prisional nem por videoconferência, deverá ser feito por requisição em juízo, ocasião em que o Estado fará o encaminhamento do réu à sede do juízo para que seja realizado o interrogatório.

18

MINISTÉRIOPÚBLICO

Em relação à oralidade no interrogatório, o art. 192 do CPP traz as seguintes possibi-lidades: em interrogatório de surdo, será feito por perguntas escritas, que serão respondidas oralmente; em interrogatório de mudo, as perguntas serão orais e as respostas serão escritas; em interrogatório de surdo-mudo, as perguntas e as respostas serão escritas; no caso de o in-terrogando não saber ler ou escrever, pessoa habilitada intervirá no ato como intérprete.

Ademais, se o acusado não falar língua nacional, exceto no caso de o idioma ser o português de Portugal ou o castelhano, o interrogatório será feito por intérprete (art. 193).

O curador participará do interrogatório do réu inimputável por doença mental ou que não possua plena capacidade.

Por fim, o acusado, no interrogatório, deverá dar informação acerca da existência de filhos, suas idades e se possuem alguma deficiência, bem como o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos.

5. CONFISSÃO

A confissão ocorre quando o réu reconhece os fatos narrados na peça acusatória e está disciplinada nos arts. 197 a 200 do CPP. Sua natureza jurídica é de meio de prova.

Tem-se que a confissão, embora já tenha sido considerada como a rainha das provas, não mais o é, em virtude do sistema de livre convencimento motivado, bem como da inexistên-cia de hierarquia entre as provas, o que possibilita ao juízo, não obstante o réu ter reconhecido a veracidade de sua acusação, determinar a produção de outras provas no processo, para que se possa aferir a sua credibilidade (art. 197).

Apesar de ter o mesmo valor que qualquer prova produzida no processo, lembrem--se que a confissão não supre a ausência de exame de corpo de delito quando não realizado (art. 158).

A confissão é classificada nos seguintes termos:

Confissão extrajudicial

É a feita fora do processo penal, geralmente perante à autoridade poli-cial, sem observância do contraditório e ampla defesa.

Confissão judicialFeita perante a autoridade judicial. Se realizada perante a autoridade competente, será própria. Se realizada perante a autoridade incompe-tente, será imprópria.

19

MINISTÉRIOPÚBLICO

Confissão explícita Feita de maneira evidente, confessando a prática do crime sem deixar dúvidas.

Confissão implícita Quando o acusado paga a indenização. Não tem qualquer valor no pro-cesso penal.

Confissão simples O acusado simplesmente confessa a prática do fato delituoso.Confissão complexa Quando o réu confirma mais de um fato delitivo contido na acusação.

Confissão qualificada

Além de confessar a prática do fato delituoso, o acusado invoca uma excludente de ilicitude ou de culpabilidade. Também chamada de pon-te de bronze.

Confissão fictaQuando o acusado não contesta os fatos que lhes são imputados. No processo penal, não há que se falar em confissão ficta por conta do princípio da presunção de inocência.

Confissão delatóriaÉ a delação premiada. O acusado confessa a prática do fato delituoso e aponta coautores ou partícipes em troca de benefícios previstos em lei. Também chamada de chamamento do corréu.

Confissão parcial O acusado confessa apenas parte dos fatos narrados na inicial.

Confissão retratada Ocorre quando o agente confessa a prática do delito e, posteriormente, se retrata, negando a autoria.

A confissão extrajudicial é admitida, mas deverá ser reduzida a termo nos autos (art. 199). A menos que feita na presença de defensor, apenas ela não pode fundamentar uma con-denação, com exceção do procedimento do júri, no qual prevalece o sistema da íntima convic-ção do juiz.

Importante ressaltar que a confissão espontânea consiste em atenuante da pena (art. 65, III, “d”, do CP), de caráter subjetivo, aplicada na segunda fase da dosimetria da pena. Assim, o STJ firmou o entendimento de que as confissões parcial, qualificada e retratada, quan-do utilizadas para condenar o réu, servem para a aplicação da atenuante:

Súmula 545-STJ: Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal.

Se a confissão, ainda que parcial, serviu de suporte para a condenação, ela deverá ser utilizada como atenuante (art. 65, III, “d”, do CP) no mo-mento de dosimetria da pena.STJ. 6ª Turma. HC 217683/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 25/06/2013.STJ. 5ª Turma. HC 328021/SC, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (De-sembargador convocado do TJPE), julgado em 03/09/2025 (Info 569).

A confissão qualificada (aquela na qual o agente agrega teses defensivas

20

MINISTÉRIOPÚBLICO

discriminantes ou exculpantes), quando efetivamente utilizada como elemento de convicção, enseja a aplicação da atenuante prevista na alí-nea “d” do inciso III do art. 65 do CP.STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1198354/ES, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 16/10/2014.

Se a confissão do agente é utilizada pelo magistrado como fundamento para embasar a condenação, a atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea “d”, do CP deve ser aplicada em favor do réu, não importando que, em juízo, este tenha se retratado (voltado atrás) e negado o crime.STJ. 5ª Turma. HC 176405/RO, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 23/04/2013.

Ressalte-se que o STF possui alguns julgados em sentido contrário, mas é mais prová-vel que na sua prova seja cobrado o entendimento do STJ, devendo a súmula ser memorizada.

São as características da confissão:

Personalíssima: somente a pessoa do acusado poderá fazê-la, sendo proibida ao preposto ou mandatário, bem como a confissão de um agente não importa a dos demais, em caso de concurso de agentes;

Espontânea: não pode haver qualquer forma de constrangimento para o agente confessar;

Retratável: o réu pode voltar atrás, o que não vincula o juiz, o qual poderá utilizar a confissão anteriormente feita no momento da sentença (art. 200);

Divisível: o juiz pode considerar apenas parte dela, desde que preservada a coe-rência da confissão (art. 200);

Informal: não existe procedimento para a realização da confissão;

Expressa: não há confissão tácita ou ficta, bem como a revelia não induz a presun-ção da veracidade dos fatos;

Importante! O silêncio do acusado não poderá ser considerado negativamente como elemen-to de formação do convencimento do juiz. Desse modo, a parte final do art. 198 do CPP não foi recepcionada pelo ordenamento jurídico atual, em homenagem aos princípios da não autoin-criminação e do direito ao silêncio.

21

MINISTÉRIOPÚBLICO

6. DECLARAÇÕES DO OFENDIDO

O ofendido, pessoa que foi vítima da conduta delitiva praticada pelo réu, quando in-timado a ser ouvido, não é considerado testemunha, não tem direito ao silêncio (salvo quando seu depoimento puder incriminá-lo), bem como, não tem compromisso de dizer a verdade, de modo que não poderá incorrer em crime de falso testemunho (art. 203 do CP), sendo possível, no entanto, ser responsabilizado pelo crime de denunciação caluniosa (art. 339).

Art.  201.  Sempre que possível, o ofendido será qualificado e pergun-tado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.§ 1º Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.§ 2º O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao in-gresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para au-diência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou mo-difiquem.§ 3º As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrôni-co.§ 4º Antes do início da audiência e durante a sua realização, será reserva-do espaço separado para o ofendido.§ 5º Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado.§ 6º O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimi-dade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.

Caso o ofendido não compareça em juízo, após ser devidamente intimado, nem jus-tifique o motivo de sua ausência, este poderá ser conduzido coercitivamente, haja vista o seu dever de depor, sob pena de praticar o crime de desobediência, sendo certo também que a não oitiva da vítima é causa relativa de nulidade do feito, devendo, pois, ser demonstrado o prejuízo.

Em caso envolvendo o incêndio da boate “Kiss”, ocorrido em Santa Maria/RS, o STF (Info 823), entendeu que não seria obrigatória a oitiva de todas as vítimas do homicídio ten-tado. Com isso, afirmou que não há direito absoluto à produção da prova, devendo, em casos complexos, ser priorizada a prudência do arbítrio do juízo da causa, quanto à pertinência e

22

MINISTÉRIOPÚBLICO

relevância das provas requeridas pelas partes, uma vez que, entre outros motivos pelos quais fundamentou a dispensa da oitiva de todas as vítimas, demandaria mais de 954 horas para co-lher o depoimento das 638 vítimas.

Na oitiva do ofendido, é possível que haja a participação das partes, por meio de perguntas diretamente formuladas à vítima, sendo permitido também em Tribunal do Júri (art. 473). Frise-se que o juiz deverá analisar o depoimento do ofendido, uma vez que este possui peculiar interesse na condenação do ofensor.

Caso seja constatado que a presença do réu poderá causar humilhação, temor ou sério constrangimento ao ofendido, podendo vir a interferir na verdade dos fatos, o juiz poderá determinar que seja feita a inquirição por videoconferência ou, caso não seja possível, deter-minará a retirada do réu, prosseguindo com a inquirição na presença de seu defensor (art. 217, caput).

Na oitiva judicial de crianças e adolescentes que foram supostamente vítimas de cri-mes contra a dignidade sexual, é importante a realização do chamado depoimento sem dano, o qual é um procedimento especial, que consiste no seguinte: a criança ou o adolescente fica em uma sala reservada, sendo o depoimento colhido por um técnico (psicólogo ou assistente social), que faz as perguntas de forma indireta, por meio de uma conversa em tom mais infor-mal e gradual, à medida que vai se estabelecendo uma relação de confiança entre ele e a vítima. O juiz, o Ministério Público, o réu e o Advogado/Defensor Público acompanham, em tempo real, o depoimento em outra sala por meio de um sistema audiovisual que está gravando a conversa do técnico com a vítima.

Essa prática não é expressamente prevista em lei. Apesar disso, o STJ reconhece sua validade nos crimes sexuais contra criança e adolescente:

Não configura nulidade por cerceamento de defesa o fato de o defen-sor e o acusado de crime sexual praticado contra criança ou adolescente não estarem presentes na oitiva da vítima devido à utilização do método de inquirição denominado “depoimento sem dano”.STJ. 5ª Turma. RHC 45.589-MT, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 24/2/2015 (Info 556).

7. PROVA TESTEMUNHAL

A prova testemunhal é um meio de prova lícito admitido pelo Direito Processual Pe-nal e é consubstanciada pela pessoa que declara em juízo algo acerca dos fatos ocorridos.

Assim, é uma prova essencialmente produzida em juízo, devendo o depoimento prestado na fase de inquérito ser repetido perante o juiz. De outra sorte, diferentemente do que

23

MINISTÉRIOPÚBLICO

ocorre no processo civil, toda e qualquer pessoa pode ser testemunha.Art.  203.    A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de di-zer a verdade do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, expli-cando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.

Note-se que a regra é que a testemunha preste compromisso de dizer a verdade, in-dependentemente de lembrança feita pelo juiz. Ela não terá direito ao silêncio, salvo quando os fatos puderem incriminá-la. Assim, incorrerá no crime de falso testemunho, em caso de de-satenção ao compromisso de dizer a verdade ou em caso de exercício do silêncio injustificada-mente.

O depoimento da testemunhal é sempre oral, sendo possível a consulta aponta-mentos. Entretanto, o STJ (Info 431) decidiu que é permitido o depoimento escrito a ser con-feccionado em audiência de instrução e julgamento, na presença de juiz, quando se tratar de vítima de crime contra a dignidade sexual, menor de idade, em razão de abalo psicológico.

Apesar de ser permitido que toda e qualquer pessoa preste depoimento, é necessá-rio fazer algumas ressalvas:

São dispensados do depoimento o ascendente, descendente, afim em linha reta, cônjuge ou companheiro, ainda que separado, irmão, pai, mãe, filho adotivo do réu (não da ví-tima), conforme art. 206 do CPP, salvo em caso de impossibilidade de obter ou integrar a prova do fato e de suas circunstâncias, quando deverão depor;

São dispensadas de prestar compromisso as pessoas doentes e deficientes men-tais e os menores de 14 anos (art. 208), bem como as acima referidas, sendo chamadas de de-clarantes ou informantes, de modo que não integram o número legal de testemunhas;

São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho (art. 207). É o exemplo de padres, médicos, psicólogos, etc. O sigilo inci-dirá apenas sobre os fatos passados, não sobre os futuros. Em caso de desobrigação pela parte, essas pessoas poderão prestar depoimento, ocasião em que prestarão compromisso de dizer a verdade, sob pena de prática de crime de falso testemunho (art. 342).

24

MINISTÉRIOPÚBLICO

Observação: os advogados podem recusar-se a depor, ainda que autorizados pela parte inte-ressada.

Os deputados e senadores não são obrigados a depor em relação a fatos ocorridos no exercí-cio do mandato.

Os magistrados e membros do Ministério Público são impedidos de atuar em qualquer ato da persecução penal.

O corréu não pode depor em relação aos fatos que atingem o seu coautor.

As testemunhas classificam-se do seguinte modo:

Testemunhas numerárias Arroladas pelas partes, compromissadas e integram o número legal.

Testemunhas extranumerárias

Cuja oitiva é determinada de ofício pelo juiz. Em regra, são compro-missadas.

Testemunhas referidas ou referenciais Pessoas citadas ou referidas pelas testemunhas numerárias.

Testemunhas inócuas Aquelas que não sabem nada acerca do fato criminosoTestemunhas de beati-

ficação (laudadores) Elogiam o réu em relação ao seu comportamento social.

Testemunhas da coroa Agentes infiltrados na investigação criminal.Testemunhas próprias Prestam depoimento sobre os fatos delitivos, o objeto da causa.

Testemunhas fedatá-rias (impróprias/ins-

trumentárias)

Não prestam depoimento, mas participam da regularidade formal dos atos praticados pelas autoridades, a exemplo da testemunha que assina o auto de formalização de diligência de busca e apreen-são (art. 245, § 7º).

Hearsay Testimony(testemunha indireta)

É a testemunha de “ouvi dizer”. Relata fato que não presenciou, ape-nas ouviu falar, a qual é tida como prova lícita, devendo apenas ser valorada com bastante cautela pelo magistrado.

Quanto a esta última, importante ter em mente o recente julgado do STJ:

O testemunho por ouvir dizer (hearsay rule), produzido somente na fase inquisitorial, não serve como fundamento exclusivo da decisão de pro-núncia, que submete o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri. STJ. 6ª Turma. REsp 1.373.356-BA, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julga-do em 20/4/2017 (Info 603).

Quanto ao procedimento da prova testemunhal, tem-se que as testemunhas devem ser arroladas na peça acusatória ou na resposta escrita do réu à acusação, sob pena de preclu-

25

MINISTÉRIOPÚBLICO

são.

Caso a testemunha resida em comarca diversa da que tramita o processo, poderá ser ouvida por meio de videoconferência. Restando essa impossibilitada, deverá a testemunha ser ouvida por carta precatória (prova fora da terra), sendo fixado prazo razoável para o seu cum-primento. Esse procedimento não suspenderá o processo, mas o julgamento só poderá ser feito após o decurso do prazo fixado, independentemente da devolução da carta precatória, de modo que, por ocasião da devolução, mesmo após o julgamento, deverá ser juntada aos autos (art. 222, caput, §§ 1º e 2º).

Súmula 155-STF: É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para inquirição de testemunha.

Súmula 273-STJ: Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessá-ria intimação da data da audiência no juízo deprecado.

Ademais, a presença do réu poderá ser dispensada na audiência a ser realizada no juízo deprecado, devendo, no entanto, estar presente o seu defensor, podendo ser nomeado defensor dativo.

Em caso de não comparecimento injustificado da testemunha devidamente intima-da, o juiz poderá determinar a sua condução coercitiva, a ser efetivada por oficial de justiça, o qual poderá ser auxiliado por força policial, caso haja necessidade (art. 218), bem como, poderá ser condenada a pagar multa de 1 a 10 salários-mínimos, custas da diligência, além de conde-nação ao crime de desobediência, devendo, ainda, comunicar ao juízo mudança de endereço, sob pena de incorrer nas penas aqui expostas.

Observação: a testemunha que não reside na comarca do juízo em que foi intimada para pres-tar depoimento não está obrigada a comparecer.

É possível que a parte contradite as testemunhas, o que significa requerer que os depoimentos de certas testemunhas não sejam tomados, em virtude de serem suspeitas de parcialidade ou indignas de fé, devendo a parte fazer prova imediata do alegado (logo após a qualificação das testemunhas), após o que será oportunizada a oitiva da outra parte e da tes-temunha contraditada. Assim, formado o contraditório, o juiz julgará a respeito da contradita, podendo ouvir a testemunha contraditada sem o compromisso de dizer a verdade ou, em caso de dúvida ou por conveniência, poderá o juiz postergar a decisão acerca da contradita, facultan-do-lhe tomar o depoimento desde logo:

Art. 214.  Antes de iniciado o depoimento, as partes poderão contraditar a testemunha ou arguir circunstâncias ou defeitos, que a tornem suspei-

26

MINISTÉRIOPÚBLICO

ta de parcialidade, ou indigna de fé. O juiz fará consignar a contradita ou arguição e a resposta da testemunha, mas só excluirá a testemunha ou não lhe deferirá compromisso nos casos previstos nos arts. 207 e 208.

Algumas autoridades públicas possuem certas prerrogativas quando prestam depoi-mentos como testemunhas, veja-se:

Art. 221. O Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às Assembleias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tri-bunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajus-tados entre eles e o juiz.§ 1º O Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Se-nado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, lhes serão transmitidas por ofício.§ 2º Os militares deverão ser requisitados à autoridade superior.§ 3º Aos funcionários públicos aplicar-se-á o disposto no art. 218, deven-do, porém, a expedição do mandado ser imediatamente comunicada ao chefe da repartição em que servirem, com indicação do dia e da hora marcados.  

Observação: esse rol é estendido aos advogados públicos federais pela Lei 13.327/2016, em seu art. 38, inciso VI.

Segundo o STJ (Info 547), essa do art. 221 NÃO é aplicada quando a autoridade é con-vocada para ser ouvida na condição de investigado ou de acusado.

Ademais, com base no art. 210 do CPP, deve-se tomar o depoimento das testemunhas separadamente, devendo, ainda, ser garantido espaço reservado para que umas não entrem em contato com as outras. No entanto, caso isso ocorra, haverá mera irregularidade no feito.

O juiz fiscalizará as perguntas formuladas pelas partes diretamente às testemunhas, podendo indeferir perguntas indutivas, que não tiverem relação com a causa, ou importarem a repetição de outra pergunta já respondida (art. 212, caput).

Em relação à ordem das perguntas, primeiro serão formuladas pela parte que arro-

27

MINISTÉRIOPÚBLICO

lou a testemunha (direct examination), depois pela parte contrária (cross examination) e, só en-tão, o juiz formulará as perguntas complementares (art. 212, parágrafo único). A inversão dessa ordem gera nulidade relativa, devendo ser demonstrado o prejuízo (STJ, Info 423).

Observação: no Tribunal do Júri, os jurados não podem fazer perguntas diretamente ao ofen-dido e às testemunhas, somente por intermédio do juiz (sistema presidencialista).

Observados os procedimentos previstos nos arts. 213 e 215 do CPP, o depoimento da testemunha será reduzido a termo (devem ser transcritos até os erros de português), devendo ser assinado por ela, pelo juiz e pelas partes. É permitido que outra pessoa assine pela testemu-nha, caso esta não saiba ou não possa fazê-la.

Deve ser observado também o art. 405, § 1º, CPP, em relação à gravação magnética, digital, audiovisual do depoimento:

Art. 405 (...)§ 1º Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações.  

Caso a testemunha não conheça a língua nacional, deverá ser nomeado intérprete para traduzir as perguntas e respostas. Tratando-se de surdo, mudo ou surdo-mudo, serão apli-cadas as regras do art. 192 do CPP:

Art. 192. O interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito pela forma seguinte:              (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)I - ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele respon-derá oralmente;         (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)II - ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por escrito;        (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)III - ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do mes-mo modo dará as respostas.              (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)Parágrafo único. Caso o interrogando não saiba ler ou escrever, intervirá no ato, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a enten-dê-lo.

As testemunhas que não puderem comparecer ao juízo para prestar depoimento por motivo de enfermidade ou de velhice serão ouvidas no local em que se encontram (art. 220). Além disso, o juiz poderá antecipar o depoimento de testemunhas quando houver receio de

28

MINISTÉRIOPÚBLICO

que, por enfermidade ou velhice, não mais existam ao tempo da instrução (art. 225).

O CPP acautelou a circunstância de quando a presença do réu puder causar humilha-ção, temor ou sério constrangimento, da seguinte forma:

Art. 217.  Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humi-lhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determi-nará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a de-terminaram.

Observação: a carta rogatória somente será expedida em último caso e às expensas de quem a requerer, tendo em vista a possibilidade de ser tomado depoimento por meio virtual (art. 222-A)

De mais a mais, é possível a substituição de testemunhas arroladas que não tenham sido encontradas, desde que tenha agido a parte de boa-fé, não sendo permitida a substituição para arrolar testemunha inexistente ou para procrastinar o feito, em aplicação por analogia do art. 451 do CPC/15.

8. RECONHECIMENTO DE PESSOAS E COISAS

É o procedimento utilizado para a identificação de pessoas envolvidas no fato e de coisas importantes para a apuração das responsabilidades pela prática do delito. Referido pro-cedimento está descrito no art. 226 do CP, o qual poderá ser feito na fase policial (autoridade policial) ou na fase judicial (autoridade judiciária):

Art. 226.  Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descre-ver a pessoa que deva ser reconhecida;Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possí-vel, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convi-dando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconheci-mento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providencia-rá para que esta não veja aquela;

29

MINISTÉRIOPÚBLICO

IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscri-to pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconheci-mento e por duas testemunhas presenciais.Parágrafo único.  O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.

Importa salientar que o reconhecimento pode ser tanto do acusado quanto de teste-munhas e até da vítima. O procedimento será feito primeiramente com a descrição do suspeito, depois, será colocada uma pessoa ao lado de outras suspeitas que tenham as mesmas caracte-rísticas físicas, para que seja feita a identificação. No caso de várias pessoas tiverem de fazer a identificação, far-se-á separadamente.

Quanto ao reconhecimento de objeto, será aplicado o art. 226 do CPP no que couber.

Observação: STF permite o reconhecimento de pessoas ou coisas por meio de fotografias. A doutrina estende a possibilidade para vídeos e por voz. Por fim, o “retrato falado” não pode ser utilizado como meio de prova.

9. ACAREAÇÃO

A acareação é utilizada quando houver divergência nas declarações sobre fatos e cir-cunstâncias relevantes e está disposta nos arts. 229 e 230 do CPP:

Art. 229.  A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e tes-temunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.Parágrafo único.  Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação.

Art. 230.  Se ausente alguma testemunha, cujas declarações divirjam das de outra, que esteja presente, a esta se darão a conhecer os pontos da divergência, consignando-se no auto o que explicar ou observar. Se sub-sistir a discordância, expedir-se-á precatória à autoridade do lugar onde resida a testemunha ausente, transcrevendo-se as declarações desta e as da testemunha presente, nos pontos em que divergirem, bem como o texto do referido auto, a fim de que se complete a diligência, ouvindo-se a testemunha ausente, pela mesma forma estabelecida para a testemu-nha presente. Esta diligência só se realizará quando não importe demo-ra prejudicial ao processo e o juiz a entenda conveniente.

Assim, os acareados são reperguntados para que esclareçam os pontos de divergên-

30

MINISTÉRIOPÚBLICO

cia das declarações por eles prestadas em momento anterior, devendo o procedimento ser re-duzido a termo. Em caso de testemunha ausente, deverá ser seguido o procedimento do art. 230 acima transcrito.

A acareação pode ser feita na fase policial e judicial, de ofício ou a requerimento, sendo facultado ao acusado participar ou não do procedimento, bem como assegurado o seu direito ao silêncio.

10. PROVA DOCUMENTAL

Documento é definido como qualquer escrito, instrumento ou papel, público ou par-ticular, contanto que seja original, assim entendida a fotografia do documento devidamente autenticada. Desse modo, são considerados documentos desenhos, fotos, gráficos, e-mails, documentos anônimos (não só os nominativos), desde que tenham origem lícita e sejam ver-dadeiros:

Art. 232.  Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares.Parágrafo único.  À fotografia do documento, devidamente autenticada, se dará o mesmo valor do original.

No processo penal, permite-se a juntada de documentos em qualquer fase do pro-cesso, desde que submetidos ao contraditório, ressalvada a hipótese de impossibilidade de apresentação de documento no Tribunal do Júri, se não tiver sido apresentado com antece-dência mínima de 3 dias, sendo a outra parte cientificada (art. 479, caput). Sobre esse assunto, destaque-se mais uma vez o seguinte julgado:

O prazo de 3 dias úteis a que se refere o art. 479 do CPP deve ser respei-tado não apenas para a juntada de documento ou objeto, mas também para a ciência da parte contrária a respeito de sua utilização no Tribunal do Júri. STJ. 6ª Turma. REsp 1.637.288-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 8/8/2017 (Info 610).

Em caso de documento apresentado em língua estrangeira, este deverá ser traduzido por tradutor público ou por pessoa idônea nomeada pelo juízo (art. 236).

Observação: a carta particular obtida por meio ilícito não pode ser utilizada em juízo, salvo se em benefício do réu (princípio da proporcionalidade pro reo). Além disso, a carta particular po-derá ser apresentada por seu destinatário, independentemente de autorização do signatário.

Ao juiz é permitido requisitar a apresentação em juízo de documento de que tenha

31

MINISTÉRIOPÚBLICO

tomado conhecimento e que repute ser indispensável na busca pela verdade real no processo (art. 234).

Quanto à veracidade dos documentos particulares e públicos, tem-se:

 Art. 235.  A letra e firma dos documentos particulares serão submetidas a exame pericial, quando contestada a sua autenticidade.

Art. 237.  As públicas-formas só terão valor quando conferidas com o ori-ginal, em presença da autoridade.

Quanto à conservação de documentos nos autos, dispõe o art. 238 do CPP:

Art. 238.  Os documentos originais, juntos a processo findo, quando não exista motivo relevante que justifique a sua conservação nos autos, po-derão, mediante requerimento, e ouvido o Ministério Público, ser entre-gues à parte que os produziu, ficando traslado nos autos.

11. INDÍCIOS E PRESUNÇÕES

Os indícios são meios de prova lícitos, podendo ser utilizados como prova para a con-denação, sendo conceituado da seguinte forma:

Art. 239.  Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

Os indícios podem ser positivos ou negativos. Os primeiros são caracterizados quan-do indicam a presença do fato ou elemento que se quer provar. Já os segundos ocorrem quando resta demonstrada a impossibilidade lógica de que o fato tenha ocorrido, a exemplo de álibi que indica que o acusado estaria em local diverso no momento do crime.

Exemplo: prova de dolo no crime de homicídio através do exame de corpo de delito, a partir da região em que foram desferidos os golpes. Caso tenha sido em regiões vitais, existem indícios de que o crime foi praticado com dolo de matar, devendo o magistrado utilizar-se das regras de experiência para a devida valoração dos indícios.

12. BUSCA E APREENSÃO

A busca e apreensão é meio de prova cautelar. Somente será utilizada excepcional-mente, devendo ser demonstrada a sua urgência e necessidade, uma vez que visa o acautela-mento do material probatório a ser valorado em momento posterior pelo juízo. Pode ser utiliza-da antes da investigação, durante a fase de investigação criminal e na fase judicial, abrangendo

32

MINISTÉRIOPÚBLICO

as fases recursal (art. 616) e de execução penal.

A busca e apreensão poderá ser domiciliar ou pessoal. Primeiramente, cumpre tra-zer o conceito de domicílio posto no Código Penal e Código de Processo Penal:

Código Penal, Art. 150. (...)§ 4º - A expressão «casa» compreende:I - qualquer compartimento habitado;II - aposento ocupado de habitação coletiva;III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profis-são ou atividade.§ 5º - Não se compreendem na expressão «casa»:I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquan-to aberta, salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior;II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.

Código de Processo Penal, Art. 246.  Aplicar-se-á também o disposto no artigo anterior, quando se tiver de proceder a busca em compartimento habitado ou em aposento ocupado de habitação coletiva ou em compar-timento não aberto ao público, onde alguém exercer profissão ou ativi-dade.

Observação: a doutrina entende que o automóvel utilizado como residência terá o mesmo tratamento dado à casa na busca e apreensão.

A busca e apreensão domiciliar necessita de ordem judicial escrita e fundamenta-da, em virtude da cláusula de reserva de jurisdição (art. 5º, XI, da CF/88). Dessa forma, não tem autonomia para proceder à busca e apreensão sem ordem judicial a Comissão Parlamentar de Inquérito, o Ministério Público, a autoridade policial, entre outros. A ordem judicial pode ser expedida de ofício ou a requerimento, nas seguintes hipóteses:

Art. 240. (...) § 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autori-zarem, para:a) prender criminosos;b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu

33

MINISTÉRIOPÚBLICO

poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;g) apreender pessoas vítimas de crimes;h) colher qualquer elemento de convicção.

Observação: Em virtude da cláusula de reserva de jurisdição, a primeira parte do art. 241 do CPP não foi recepcionada pelo atual ordenamento jurídico [Art. 241.  Quando a própria auto-ridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente (...)].

O mandado de busca e apreensão, assim como o seu cumprimento, devem ser re-vestidos de formalidades, a fim de se evitar posterior impedimento da utilização da prova, por entender que foi obtida ilicitamente:

Art. 243.  O mandado de busca deverá:I - indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem;II - mencionar o motivo e os fins da diligência;III  - ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir.§ 1º Se houver ordem de prisão, constará do próprio texto do mandado de busca.§ 2º Não será permitida a apreensão de documento em poder do defen-sor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito.

Infere-se do artigo supra que o mandado não poderá ser genérico, devendo conter a delimitação precisa do local do cumprimento, bem como da autoridade que irá cumpri-lo. Além disso, em caso de autorização judicial para prisão, esta também deverá constar no mandado de busca e apreensão.

Observação: o STF entendeu que um mesmo mandado de busca e apreensão pode ser utiliza-do em dois momentos distintos, desde que dentro de um tempo razoável (RHC 117767).

Em relação ao horário e à duração do cumprimento do mandado de busca e apreen-são, tem-se que ele deve ser efetivado de dia, salvo se o morador consentir que seja realizada durante a noite. Entende-se por dia o período de tempo que inicia às 6h e termina às 18h, com a incidência do horário de verão. Além disso, o cumprimento do mandado, depois de iniciado, somente ultrapassará as 18h caso a sua cessação cause prejuízo ao ato. Desse modo, em regra, se a autoridade notar que o ato se estenderá muito além das 18h, deverá interromper a busca, de modo a adotar as diligências necessárias para evitar qualquer prejuízo ao ato.

34

MINISTÉRIOPÚBLICO

Assim, o cumprimento do mandado de busca e apreensão será feito em observância do seguinte procedimento:

Art. 245.  As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o mo-rador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.§  1º Se a própria autoridade der a busca, declarará previamente sua qualidade e o objeto da diligência.§ 2º Em caso de desobediência, será arrombada a porta e forçada a en-trada.§ 3º Recalcitrando o morador, será permitido o emprego de força contra coisas existentes no interior da casa, para o descobrimento do que se procura.§ 4º Observar-se-á o disposto nos §§ 2o e 3o, quando ausentes os mora-dores, devendo, neste caso, ser intimado a assistir à diligência qualquer vizinho, se houver e estiver presente.§ 5º Se é determinada a pessoa ou coisa que se vai procurar, o morador será intimado a mostrá-la.§ 6º Descoberta a pessoa ou coisa que se procura, será imediatamente apreendida e posta sob custódia da autoridade ou de seus agentes.§ 7º Finda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, as-sinando-o com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4o.

Art. 248.  Em casa habitada, a busca será feita de modo que não moleste os moradores mais do que o indispensável para o êxito da diligência.

Art. 249.  A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência.

O STJ entende que, após o encerramento da busca domiciliar, as autoridades respon-sáveis por sua execução não podem, horas depois, reabri-la e realizar novas buscas e apreen-sões sem nova ordem judicial autorizadora, sob pena de ilegalidade.

Por fim, não será possível a apreensão de documento em poder do defensor, salvo no caso de constituir elemento do corpo de delito, a exemplo de documento falso em um crime de falsidade.

Em relação à busca e apreensão pessoal, ao contrário da domiciliar, não é exigida or-dem judicial, devendo ser observados no entanto, o preenchimentos do requisitos de natureza cautelar, como a urgência e a necessidade, nos seguintes termo do Código de Processo Penal:

35

MINISTÉRIOPÚBLICO

Art. 240. (...)§ 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

Art. 244.  A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

Tem-se, ainda, que, em caso de perseguição pela autoridade de pessoa ou coisa, será permitido que adentrem território de outra jurisdição, para o fim de apreensão, devendo a dili-gência ser comunicada à autoridade local antes ou depois de cumprida, a depender da urgên-cia (art. 250).

Importante ressaltar que a busca em veículo é equiparada à busca pessoal e, portan-to, não precisa de mandado judicial, exceto quando o veículo é destinado à habitação:

A apreensão de documentos no interior de veículo automotor constitui uma espécie de “busca pessoal” e, portanto, não necessita de autori-zação judicial quando houver fundada suspeita de que em seu interior estão escondidos elementos necessários à elucidação dos fatos investi-gados.STF. 2ª Turma. RHC 117767/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 11/10/2016 (Info 843).

Por fim, cabe falar da Teoria dos campos abertos ou da primeira vista (plain view doctrine). Segundo essa teoria, se uma prova estiver à vista da autoridade competente para a sua colheita, ela poderá ser apreendida sem o mandado de busca e apreensão, desde que o objeto contenha manifesto caráter incriminador e sejam cumpridos dois requisitos: i) o objeto deve estar exposto e ii) não deve haver qualquer expectativa legítima de privacidade. Exemplo: apreensão de maconha no interior de um veículo quando a autoridade sentir o cheiro; apreen-são de arma de fogo quando a autoridade ouvir o disparo.

13. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA

O sigilo das comunicações telefônicas é um direito fundamental constitucionalmen-te reconhecido:

Art. 5º (...)XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegrá-

36

MINISTÉRIOPÚBLICO

ficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; 

Entretanto, conforme se pode verificar, a exceção ao mencionado direito também é constitucionalmente reconhecido, sendo o fundamento da Lei 9.296/96, a qual trata sobre a interceptação telefônica.

Comunicações telefônicas são todas aquelas permitidas pelo desenvolvimento tec-nológico, bastando o uso de sistema de telefonia em sentido amplo, incluindo a emissão, recep-ção e transferência de dados de natureza variável.

Como se pode ver pelo dispositivo constitucional, a quebra do sigilo das comunica-ções telefônicas está sujeita à cláusula qualificada de reserva jurisdicional, o que significa dizer que, para sua legitimidade, é indispensável ordem judicial. Dessa forma, as Comissões Parla-mentares de Inquérito, a despeito de possuírem poderes de investigação próprios de autorida-de judiciais, não podem determinara interceptação telefônica.

Ressalta-se que antes da edição da Lei 9.296/96 não era possível realizar intercep-tações, uma vez que o art. 5º, XII, da CF/88 exige lei regulamentadora. Qualquer interceptação realizada antes da mencionada lei é inconstitucional. Por outro lado, ela pode ser aplicada a de-litos cometidos antes da sua vigência, aplicando-se o art. 2º do CPP, por ser norma processual, com aplicação imediata.

É necessário fazer a distinção entre alguns conceitos que envolvem o assunto, con-forme tabela abaixo, adaptada do Dizer o Direito (p. 754):

INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA

ESCUTA TELEFÔNICA

GRAVAÇÃO TELEFÔNICA

INTERCEPTAÇÃO AMBIENTAL

GRAVAÇÃO AMBIENTAL

Ocorre quando um terceiro cap-ta o diálogo tele-fônico entre duas pessoas, sem que nenhum dos i n te r l o c u to re s saiba.

Ocorre quando um terceiro cap-ta o diálogo te-lefônico travado entre duas pes-soas, sendo que um dos interlo-cutores sabe que está sendo reali-zada a escuta.

Ocorre quando o diálogo telefôni-co travado entre duas pessoas é gravado por um dos próprios in-terlocutores, sem o consentimento ou a ciência dos outros.Também é cha-mada de grava-ção clandestina1.

Ocorre quando, não havendo co-municação tele-fônica entre os interlocutores, terceira pessoa capta áudio e/ou imagem ambien-te.

Ocorre quando, não havendo co-municação tele-fônica entre os interlocutores, a gravação é efe-tuada por um de-les, com ou sem o conhecimento ou o consenti-mento dos de-mais.

37

MINISTÉRIOPÚBLICO

Para ser válida, necessita de au-torização judi-cial.

Para ser válida, necessita de au-torização judicial (posicionamento majoritário).

É válida mesmo sem autorização judicial.A única exceção em que haveria ilicitude seria no caso de a conver-sa estar ampara-da por sigilo.

Para ser válida, necessita de au-torização judi-cial, exceto se ocorrida em lu-gar público ou acessível ao pú-blico, pois não está protegido pelo direito à intimidade.

Não necessita de autorização judi-cial para ser váli-da.

Aplica-se a Lei 9.296/96.

Segundo a ju-r i s p r u d ê n c i a , aplica-se a Lei 9.296/962.

Não se aplica a Lei 9.296/96. Não há interceptação.

Não se aplica a Lei 9.296/96.

Não se aplica a Lei 9.296/96.

12

Ex.: polícia, com autorização ju-dicial, grampeia os telefones dos membros de uma quadrilha e grava os diálogos man-tidos entre eles.

Ex.: polícia grava a conversa tele-fônica que o pai mantém com o sequestrador de seu filho.

Ex.: mulher gra-va conversa tele-fônica na qual o ex-marido amea-ça de matá-la.

Ex.1: polícia, com autorização judi-cial, instala escu-ta em escritório de investigado.Ex.2: polícia gra-va imagens de traficante ven-dendo droga na calçada de uma rua.

Ex.: mulher gra-va conversa que teve pessoal-mente com o ex--marido na qual ele a ameaça de morte.

Ressalte-se que o STF adota a expressão “interceptação telefônica” tanto para o con-ceito de interceptação telefônica quanto de escuta telefônica acima apresentados.

Por fim, a interceptação telefônica não se confunde com a quebra de sigilo de da-dos telefônicos. Enquanto aquela permite o acesso ao conteúdo das conversas, esse permite o acesso a dados pretéritos relativos ao histórico de ligações, datas e horários de chamadas, duração das ligações, números de telefone chamados, etc. São dados documentados e arma-zenados pelas companhias telefônicas.

Apesar de o art. 5º, XII, da CF/88 possibilitar a exceção apenas às comunicações tele-1 No sentido de não ser conhecida do outro interlocutor, não havendo ilicitude.

2 Parte da doutrina defende que a Lei 9.296/96 disciplina apenas a interceptação telefônica propriamente dita, o que não inclui a escuta telefônica, não sendo, pois, necessária autorização judicial para sua licitude.

38

MINISTÉRIOPÚBLICO

fônicas, não se deve entender que o sigilo de dados seja absoluto. A Lei 9.296/96 não abrange a quebra do sigilo de dados telefônicos, mas tampouco é necessária decisão judicial, não estando submetida a cláusula especial de reserva de jurisdição. É possível ao Ministério Público, por meio de seu poder de requisição do art. 129, VI, da CF/88, ter acesso a esses dados. Por outro lado, é necessária justa causa.

13.1 Procedimento

Conforme transcrito no art. 1º da Lei 9.296/96, a interceptação das comunicações telefônicas ocorre com a finalidade de constituir prova em investigação criminal e em instrução processual penal, sendo necessária ordem do juiz competente. Assim, a interceptação telefôni-ca se inicia do seguinte modo:

Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser deter-minada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:I - da autoridade policial, na investigação criminal;II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.

Tendo em vista que a interceptação pode ocorrer em dois momentos (investigação ou processo), a doutrina interpreta o dispositivo acima da seguinte maneira:

I. Na investigação: a legitimidade para o requerimento é do Ministério Público ou da autoridade policial, necessária a oitiva do Ministério Público. O juiz não pode determinar de ofício, sob pena de violação ao sistema acusatório.

II. No processo penal: somente o Ministério Público possui legitimidade, mas o juiz pode determinar de ofício, com fundamento no poder geral de cautela.

Atenção! A autoridade policial somente possui legitimidade na investigação, o que faz total sentido, já que ela não participa do processo. Por outro lado, o juiz somente pode declarar de ofício no processo penal.

Contra o art. 3º, existe a ADI 3450, cujo pedido é a declaração da inconstitucionalida-de parcial do dispositivo, sem redução de texto, com a finalidade de ser excluída a interpretação de que o juiz poderia determinar de ofício a interceptação na fase da investigação.

Ainda, mesmo não havendo previsão legal da legitimidade do ofendido, do querelan-te ou do assistente de acusação, a doutrina majoritária é no sentido da possibilidade.

Os requisitos para a decretação da interceptação podem ser retirados do art. 2º:

39

MINISTÉRIOPÚBLICO

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Assim, os requisitos são:

I. Fumus comissi delicti (inciso I): além de indícios razoáveis de autoria, é necessário também indícios razoáveis de materialidade delitiva;

II. Ultima ratio e periculum in mora (inciso II): a interceptação é meio de prova subsi-diário, somente podendo ser utilizado caso não seja possível obter as provas de nenhuma outra maneira. O fundamento é o princípio da proporcionalidade, sendo possível utilizar meio menos gravoso, a interceptação deve ser indeferida;

III. Infração penal punida com reclusão (inciso III).

Ademais, o pedido deve ser escrito, podendo, excepcionalmente, ser verbal (art. 4º, § 1º).

Sobre o assunto, cabe lembrar que a interceptação telefônica não pode ser deferida apenas com base em denúncia anônima:

As notícias anônimas (“denúncias anônimas”) não autorizam, por si sós, a propositura de ação penal ou mesmo, na fase de investigação prelimi-nar, o emprego de métodos invasivos de investigação, como intercepta-ção telefônica ou busca e apreensão.STF. 1ª Turma. HC 106152/MS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 29/03/2016 (Info 819).

Por fim, é necessário que o juízo que decretou a interceptação telefônica seja com-petente. Porém, cabe ressaltar que, caso sua incompetência se evidenciei somente ao longo da diligência, não invalida a interceptação, com base na teoria do juízo aparente:

Não é ilícita a interceptação telefônica autorizada por magistrado apa-rentemente competente ao tempo da decisão e que, posteriormente, venha a ser declarado incompetente.Trata-se da aplicação da chamada “teoria do juízo aparente”.STF. 2ª Turma. HC 110496/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em

40

MINISTÉRIOPÚBLICO

9/4/2013 (Info 701).

A validade dos atos são analisadas com base no tempus regit actum: à época do ato, o juiz era o competente, não havendo, portanto, nulidade.

Ressalta-se que o juiz que decretou a interceptação ao longo do inquérito policial fica prevento para futura ação penal.

Contra a decisão que defere ou indefere a interceptação, não há recurso, embora o Ministério Público possa manejar mandado de segurança, e o investigado, habeas corpus, con-quanto improvável, tendo em vista ser a medida realizada sob segredo de justiça (art. 1º).

Outro ponto que cabe ressaltar é a controvérsia sobre a renovação da diligência. O dispositivo legal aduz o seguinte:

Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

Assim, surgiram duas correntes interpretativas. A primeira defendia que a renova-ção somente poderia ocorrer uma única vez, lendo-se “renovável por igual tempo uma vez”. A segunda defendia que a renovação poderia ocorrer indefinidamente, “uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”, até cumprir sua finalidade, tendo havido um erro de redação no dispositivo. Como entendeu a jurisprudência?

A interceptação telefônica não pode exceder 15 dias. Contudo, pode ser renovada por igual período, não havendo restrição legal ao número de vezes para tal renovação, se comprovada a sua necessidade. STF. 2ª Turma. HC 133148/ES, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 21/2/2017 (Info 855). STF. 2ª Turma. RHC 132115/PR, Rel. Min. Dias Tóffoli, julgado em 6/2/2018 (Info 890).

O STF entendeu que a expressão “uma vez” deve ser interpretada como sinônima de “desde que”, não significando que a renovação da interceptação somente ocorre “1 (uma) vez”.

A partir de quando esse prazo de 15 dias é contado?

Não há mais dúvida de que o disposto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996 não limita a prorrogação da interceptação telefônica a um único período, po-dendo haver sucessivas renovações, e de que o prazo de 15 dias ali pre-

41

MINISTÉRIOPÚBLICO

visto começa a correr da data em que a escuta é efetivamente iniciada, e não do despacho judicial.STJ. 6ª Turma. RHC 72.706/MT, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 06/10/2016.

O art. 6º aduz que a autoridade policial conduzirá os procedimentos de intercepta-ção. O STF e o STJ, entretanto, entendem que o acompanhamento pode ser feito por outros órgãos, como a polícia militar, não sendo atribuição exclusiva de autoridade policial (STF. 2ª Turma. HC 96986/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 15/05/2012).

Seu § 1º determina a transcrição da gravação da diligência. Ressalta-se que, con-forme o entendimento da jurisprudência, essa transcrição não necessita ser da integralidade dos diálogos, bastando a das partes essenciais, desde que se possibilite ao investigado o pleno acesso a todas as conversas captadas. Não obstante, o magistrado pode determinar a transcri-ção da integralidade do áudio.

O art. 8º, por sua vez, determina que a interceptação ocorrerá em autos apartados. O STF entende que a ausência de autos apartados consiste em mera irregularidade, não devendo a interceptação ser considerada ilícita por isso, desde que cumprido os demais requisitos (Info 811).

Também cabe falar mais uma vez da serendipidade. Durante a interceptação tele-fônica, podem surgir indícios de outros crimes ou mesmo outras pessoas diversas da investi-gada. É pacífico na jurisprudências que esses indícios são plenamente válidos, ainda que os crimes não sejam punidos com reclusão.

Por fim, ressalta-se que a Lei 9.296/96 aplica-se às comunicações por meio de aplica-tivos de conversação instantânea realizadas pela internet, tais como Whatsapp, sendo necessá-ria ordem judicial para o acesso pela autoridade policial:

Sem prévia autorização judicial, são nulas as provas obtidas pela polícia por meio da extração de dados e de conversas registradas no Whatsa-pp presentes no celular do suposto autor de fato delituoso, ainda que o aparelho tenha sido apreendido no momento da prisão em flagrante. STJ. 5ª Turma. RHC 67.379-RN, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/10/2016 (Info 593). STJ. 6ª Turma. RHC 51.531-RO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/4/2016 (Info 583).

Na ocorrência de autuação de crime em flagrante, ainda que seja dis-pensável ordem judicial para a apreensão de telefone celular, as mensa-gens armazenadas no aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico,

42

MINISTÉRIOPÚBLICO

que compreende igualmente a transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa ou móvel ou, ainda, por meio de sistemas de informática e telemática. STJ. 5ª Turma. RHC 67.379-RN, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/10/2016 (Info 593).

Se o telefone celular foi apreendido em busca e apreensão determinada por decisão judicial, não há óbice para que a autoridade policial acesse o conteúdo armazenado no aparelho, inclusive as conversas do Whatsa-pp. Para a análise e a utilização desses dados armazenados no celular não é necessária nova autorização judicial. A ordem de busca e apreensão determinada já é suficiente para permitir o acesso aos dados dos aparelhos celulares apreendidos. STJ. 5ª Turma. RHC 77.232/SC, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 03/10/2017.

Não confundam as situações acima. A primeira se refere à prisão em flagrante e res-pectiva apreensão do aparelho celular. Se a polícia quiser acessar as conversas do aplicativo, é necessária decisão judicial. A segunda se refere à apreensão do aparelho celular durante dili-gência de busca e apreensão autorizada judicialmente, não sendo necessária segunda autori-zação para o acesso às conversas. Essa última situação assemelha-se à do acesso ao conteúdo de e-mails após busca e apreensão do computador:

Não há violação do sigilo de correspondência eletrônica se o magistrado autoriza a apreensão e pericia de computador e nele estão armazenados os e-mails do investigado que, então, são lidos e examinados. A prote-ção a que se refere o art. 5º, XII, da CF/88, é da “comunicação de dados” e não dos “dados em si mesmos”, ainda quando armazenados em com-putador.STJ. 1ª Turma. RHC 132062/RS, Rel. Orig. Min. Marco Aurélio, red. p/acór-dão Min. Edson Fachin, julgado em 29/11/2016 (Info 849).

14. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS, FINANCEIROS E FISCAIS

O sigilo bancário e financeiro consiste em dever das instituições financeiras de não divulgar as informações bancárias de seus clientes. A sua quebra, por outro lado, na perspectiva processual, é meio de obtenção de prova. Esse sigilo é tratado na LC 105/01.

O fundamento do sigilo bancário e financeiro é o direito à intimidade, constante no art. 5º, X, da CF/88, do próprio cliente e de terceiros que possam estar envolvido nas operações

43

MINISTÉRIOPÚBLICO

realizadas, uma vez que podem demonstrar locais frequentados, hábitos, viagens, etc.

Dessa forma, para se acessar as informações financeiras é necessária ordem judicial. De modo distinto da interceptação telefônica, a LC 105/01 não limitou o acesso apenas a crimes punidos com reclusão, mas trouxe um rol exemplificativo das infrações que permitem a quebra de sigilo financeiro:

Art. 1º (...)§ 4º  A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes:I – de terrorismo;II – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destina-do a sua produção;IV – de extorsão mediante sequestro;V – contra o sistema financeiro nacional;VI – contra a Administração Pública;VII – contra a ordem tributária e a previdência social;VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores;IX – praticado por organização criminosa.

Portanto, o poder de requisição de informações do Ministério Público (art. 129, VIII, da CF/88) não é suficiente para o acesso às informações bancária e financeiras do investigado. Entretanto, a jurisprudência reconheceu exceção a essa regra quando se tratar de informações bancárias de órgãos públicos:

Não são nulas as provas obtidas por meio de requisição do Ministério Público de informações bancárias de titularidade de Prefeitura para fins de apurar supostos crimes praticados por agentes públicos contra a Ad-ministração Pública.É lícita a requisição pelo Ministério Público de informações bancárias de contas de titularidade da Prefeitura, com o fim de proteger o patrimônio público, não se podendo falar em quebra ilegal de sigilo bancário.O sigilo de informações necessário à preservação da intimidade é rela-tivizado quando há interesse da sociedade em conhecer o destino dos recursos públicos.Diante da existência de indícios da prática de ilícitos penais envolvendo verbas públicas, cabe ao MP, no exercício de seus poderes investigató-rios (art. 129, VIII, da CF/88), requisitar os registros de operações finan-ceiras relativos aos recursos movimentados a partir de conta-corrente de titularidade da Prefeitura. Essa requisição compreende, por exten-

44

MINISTÉRIOPÚBLICO

são, o acesso aos registros das operações bancárias sucessivas, ainda que realizadas por particulares, e objetiva garantir o acesso ao real des-tino desses recursos públicos.STJ. 5ª Turma. HC 308.493-CE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, jul-gado em 20/10/2015 (Info 572).STF. 2ª Turma. RHC 133118/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 26/9/2017 (Info 879).

Os Tribunais Superiores entenderam que, quanto às contas públicas, vigoram os princípios da publicidade e da moralidade (art. 37 da CF/88) e, portanto, não seriam protegidas, em regra, pelo direito à intimidade e, em consequência, não são protegidas pelo sigilo bancário.

Por outro lado, a cláusula de reserva de jurisdição para a quebra de sigilo bancários e financeiros não se aplica às Comissões Parlamentares de Inquérito, por possuírem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, bastando que o ato seja motivado e demons-trando a existência de causa provável que legitime a quebra:

Art. 4º (...)§ 1º As comissões parlamentares de inquérito, no exercício de sua com-petência constitucional e legal de ampla investigação, obterão as infor-mações e documentos sigilosos de que necessitarem, diretamente das instituições financeiras, ou por intermédio do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários.

Cabe falar da controvérsia quanto à constitucionalidade dos arts. 5º e 6º da LC 105/01:

Art. 5º O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições fi-nanceiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.

Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Es-tados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando hou-ver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade admi-nistrativa competente. Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documen-tos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

45

MINISTÉRIOPÚBLICO

Em termos mais simples, os dispositivos acima permitem que a administração públi-ca tributária tenha acesso direto aos dados bancários e financeiros dos contribuintes, sem a ne-cessidade de prévia autorização judicial. Recentemente, o STF pôs fim à controvérsia e afirmou a constitucionalidade dos dispositivos:

As autoridades e agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios podem requisitar diretamente das ins-tituições financeiras informações sobre as movimentações bancárias dos contribuintes.STF. Plenário. ADI 2390/DF, ADI 2386/DF, ADI 2397/DF, ADI 2859/DF e RE 601.314/SP (repercussão geral) (Info 815).

Segundo o STF, no caso, não haveria quebra de sigilo financeiro, mas sim transferên-cia de sigilo dos bancos ao Fisco, já que este também teria o dever de manter as informações em segredo. Entretanto, o Tribunal afirmou que devem ser seguidos os seguintes parâmetros para que essa transferência seja legítima:

I. Pertinência temática entre a obtenção das informações bancárias e o tributo ob-jeto de cobrança no procedimento administrativo instaurado;

II. Prévia notificação do contribuinte quanto à instauração do processo e a todos os demais atos;

III. Sujeição do pedido de acesso a um superior hierárquico;

IV. Existência de sistemas eletrônicos de segurança que sejam certificados e com registro de acesso;

V. Estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de desvios.

A Receita Federal pode se valer dessa requisição porque a matéria já é regulamenta-da na esfera federal pelo Decreto 3.724/01. Já os Estados, DF e Municípios somente podem fazer uso dessa prerrogativa quando regulamentarem a matéria, seguindo-se os parâmetros acima.

Posteriormente, o STF (Info 822) e o STJ (Info 577) decidiram que a prova produzida por meio de obtenção de informações de instituições financeiras sem a prévia autorização judi-cial de quebra de sigilo bancário, com base nos arts. 5º e 6º da LC 105/01, pode ser utilizada para instauração de inquérito policial e fundamentação de condenação criminal.

Importante ressaltar que também não configura quebra de sigilo bancário quando os

46

MINISTÉRIOPÚBLICO

documentos são entregues espontaneamente ao Ministério Público:

Não configura quebra de sigilo bancário e fiscal o acesso do MP a recibos e comprovantes de depósitos bancários entregues espontaneamente pela ex-companheira do investigado, os quais foram voluntariamente deixados sob a responsabilidade dela pelo próprio investigado.STJ. 5ª Turma. RHC 34799/PA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, jul-gado em 17/03/2016 (Info 581).

Por fim, o sigilo fiscal consiste no dever da Fazenda Pública de confidencialidade dos dados tributários dos contribuintes, amparado no art. 198 do CTN.

Não é necessária autorização judicial para o acesso a tais informações, não consistin-do em quebra de sigilo a requisição da autoridade judiciária no interesse da justiça e para fins penais:

Art. 198 (...)§ 1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: (Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001)I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;       (Incluí-do pela Lcp nº 104, de 2001)II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Adminis-tração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o ob-jetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.               (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)(...)§ 3º Não é vedada a divulgação de informações relativas a:       (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)I – representações fiscais para fins penais;         (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

15. COLABORAÇÃO PREMIADA

Tendo em vista os recentes acontecimentos no nosso país, a colaboração premiada, sem dúvidas, é o assunto “da moda”, sendo bem provável que o examinador se aproveite disso para explorá-lo nas questões.

Nas palavras de Renato Brasileiro (p. 782), a colaboração premiada consiste em “téc-nica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecu-ção penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos

47

MINISTÉRIOPÚBLICO

em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal”.

A doutrina distingue colaboração premiada de delação premiada. Aquela se trata de gênero, no qual se inclui esta. Na colaboração, o agente confessa seus atos e fornece informa-ções úteis à polícia para o combate da criminalidade. Na delação, o agente também confessa, mas uma das informações úteis fornecidas é a identificação de outras pessoas envolvidas no crime, delatando os parceiros.

Dessa forma, a colaboração premiada não se confunde com uma simples confissão, uma vez que deve haver o fornecimento de outras informações. Por outro lado, a delação pre-miada não consistente em mera imputação do delito a terceiro, pois seria simples testemunho.

A despeito dessa diferenciação, muitas das referências na jurisprudência são relati-vas à delação premiada, tratando-a como sinônimo de colaboração premiada. Portanto, não estranhem quando se depararem com essa situação.

Independentemente da nomenclatura utilizada, a colaboração premiada possui na-tureza jurídica de meio de obtenção de prova, conforme a doutrina, tendo em vista ser técnica especial de investigação. O STF, por sua vez, manifestou-se no sentido de ser também um ne-gócio jurídico processual entre o Ministério Público e o colaborador (Info 870).

A colaboração premiada pode subsidiar o início de investigações ou o oferecimento da denúncia, mas não uma condenação criminal (art. 4º, § 16, da Lei 12.850/13). Para isso, ela deve ser corroborada pelas demais provas produzidas, condicionada ao que a doutrina chama de regra de corroboração.

Ademais, para que as informações fornecidas por meio da colaboração tenham valor de prova, devem ser submetidas ao contraditório (possivelmente diferido), uma vez que, ao fornecer informações, o colaborador age como testemunha.

O primeiro ato normativo que tratou da colaboração premiada foi a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), porém limitando-se àqueles praticados por associação criminosa e cujo único benefício é a redução de pena:

Art. 8º (...)Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autorida-de o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.

Esse mesmo diploma normativo trouxe previsão de colaboração premiada ao art. 159 do Código Penal, posteriormente modificado para a atual redação, com o mesmo benefício de redução de pena nos crimes cometidos em concurso caso se facilitasse a libertação do se-

48

MINISTÉRIOPÚBLICO

questrado.

Posteriormente, a colaboração premiada foi introduzida na Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro (Lei 7.492/86) e na Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária (Lei 8.137/90), a seguir respectivamente:

Art. 25 (...)§ 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea re-velar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.

Art. 16 (...)Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadri-lha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão es-pontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.

Observe-se que os dispositivos legais falam em confissão espontânea. Entretanto, prevalece o entendimento que a espontaneidade não é requisito da colaboração, mas sim a vo-luntariedade. Na espontaneidade, a vontade de colaborar parte do próprio agente, enquanto que na voluntariedade basta que ele tenha a vontade de colaborar, não interessando se partiu dele ou se por influência de um terceiro.

Na Lei de Drogas (Lei 11.343/06), surgiu a exigência de que a colaboração deveria re-sultar na identificação de demais autores e na recuperação do produto do crime:

Art. 41.  O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.

Apesar do uso da conjunção “e”, prevalece o entendimento de que não é necessário os dois resultados concomitantemente, bastando um deles.

A seguir, na Lei de Lavagem de Capitais, o benefício concedido pela colaboração, o qual até então se limitava à redução de pena, foi ampliado:

Art. 1º (...)§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la

49

MINISTÉRIOPÚBLICO

ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as auto-ridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das in-frações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

Ressalta-se que, no caso de colaboração, a concessão da substituição de pena pri-vativa de liberdade por restritiva de direitos irá independer dos requisitos do art. 44 do Código Penal.

Finalmente, surgiu a possibilidade de aplicação da colaboração premiada a qualquer delito com a Lei de Proteção às Testemunhas (Lei 9.807/99), bem como o acréscimo de outros benefícios a serem concedidos ao colaborador:

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a perso-nalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e reper-cussão social do fato criminoso.

Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de conde-nação, terá pena reduzida de um a dois terços.

O art. 13 refere-se apenas ao acusado, mas prevalece o entendimento de que tam-bém se aplica ao indiciado, assim como o art. 14. Ainda, há a exigência de que ele seja primário, requisito não presente nas demais leis sobre colaboração.

Por fim, a Lei de Organizações Criminosas (Lei 12.850/13) ampliou a eficácia da co-laboração premiada, regulamentando-a mais detalhadamente. Nesse diploma, a colaboração deverá resultar em:

Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão ju-dicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou

50

MINISTÉRIOPÚBLICO

substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efe-tiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resul-tados:I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização cri-minosa e das infrações penais por eles praticadas;II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da orga-nização criminosa;III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da orga-nização criminosa;IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infra-ções penais praticadas pela organização criminosa;V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preser-vada.

Mais uma vez, a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito independe dos requisitos do art. 44 do Código Penal.

Impende salientar que, se houver retratação, não é possível a concessão de nenhum dos prêmios legais nem a utilização das provas autoincriminatórias exclusivamente em desfa-vor do agente (art. 4º, § 10). Por outro lado, comprovada a eficácia da colaboração, a aplicação do prêmio legal é direito do colaborador.

Além dos benefícios legais apresentados no caput do art. 4º, a depender do caso, podem ser concedidos a progressão de regime ou até mesmo não haver o oferecimento de de-núncia, como exceção ao princípio da obrigatoriedade:

Art. 4º (...)§ 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Pú-blico, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).§ 3º O prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional.§ 4º Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador:I - não for o líder da organização criminosa;

51

MINISTÉRIOPÚBLICO

II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.§ 5º Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser redu-zida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.

Observe-se que a dispensa legal para a progressão de regime é dos requisitos obje-tivos, ou seja, ainda é necessário o requisito subjetivo de bom comportamento carcerário do condenado.

Ainda, pode-se perceber que o momento de celebração da colaboração premiada foi elastecido, indo desde a investigação até após o a sentença. Parte da doutrina, inclusive, defende que é possível a extensão desse benefício aos demais crimes cujas leis permitem a co-laboração premiada, por uma questão de isonomia.

Conforme o dispositivo acima, a legitimidade para a celebração do acordo é tanto do Ministério Público quanto do delegado de polícia, mediante oitiva do Ministério Público. Quan-to a esse ponto, Renato Brasileiro (p. 806 a 808) faz uma crítica de que, sendo o órgão ministerial o autor privativo da ação penal, não podendo o delegado de polícia dela dispor, não é possível 52 haver acordo sem a intervenção do MP como parte principal, não por meio de simples mani-festação. Essa é a posição da doutrina majoritária.

Entretanto, julgando a ADI 5.508, o STF considerou constitucional a possibilidade de delegados de polícia realizarem acordos de colaboração premiada na fase do inquérito policial. O fundamento é de que a formulação de proposta de colaboração premiada pela autoridade policial como meio de obtenção de prova não interfere na atribuição constitucional do MP de ser titular da ação penal e de decidir sobre o oferecimento da denúncia.

Os ministros destacaram que, mesmo que o delegado de polícia proponha ao cola-borador a redução da pena ou o perdão judicial, a concretização desses benefícios ocorre ape-nas judicialmente, pois se trata de pronunciamentos privativos do Poder Judiciário. De acordo com a decisão, embora não seja obrigatória a presença do Ministério Público em todas as fases da elaboração dos acordos entre a autoridade policial e o colaborador, o MP deve obrigatoria-mente opinar. No entanto, cabe exclusivamente ao juiz a decisão homologar ou não o acordo, depois de avaliar a proposta e efetuar o controle das cláusulas eventualmente desproporcio-nais, abusivas ou ilegais.

Apesar de a lei nada falar sobre a legitimidade do assistente de acusação, entende-se que não é possível que ele ofereça proposta de colaboração premiada.

O art. 6º traz os demais requisitos do acordo de colaboração premiada:

Art. 6º O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por

52

MINISTÉRIOPÚBLICO

escrito e conter:I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados;II - as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;IV - as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delega-do de polícia, do colaborador e de seu defensor;V - a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua famí-lia, quando necessário.

O inciso I fala em possíveis resultados, tendo em vista que a eficácia das informações repassadas pelo colaborador ainda serão confirmadas.

Após todo o trâmite, é necessária a homologação do acordo pelo juiz, que deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo inclusive ouvir o colaborador, sigilosamente, na presença de seu defensor (art. 4º, § 7º). Conforme ressaltou o STF, esse é o papel do Poder Judiciário:

A colaboração é um meio de obtenção de prova cuja iniciativa não se submete à reserva de jurisdição (não exige autorização judicial), dife-rentemente do que ocorre nas interceptações telefônicas ou na quebra de sigilo bancário ou fiscal. Nesse sentido, as tratativas e a celebração da avença são mantidas ex-clusivamente entre o Ministério Público e o pretenso colaborador. O Poder Judiciário é convocado ao final dos atos negociais apenas para aferir os requisitos legais de existência e validade, com a indispensável homologação.STF. Plenário. Pet 7074/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 21, 22, 28 e 29/6/2017 (Info 870).

É possível que o juiz recuse a homologação do acordo, assim como faça adequações (art. 4º, § 8º). Importante ressaltar que o papel do juiz se limita à homologação, não podendo ele ter nenhuma participação no acordo (art. 4º, § 6º), sob pena de violação ao sistema acusa-tório e a sua imparcialidade.

O STF (Info 870) já se manifestou no sentido de que a decisão que homologa o acor-do possui natureza jurídica meramente homologatória, não julgando o mérito da pretensão acusatória, mas apenas resolvendo uma questão incidente. O juiz, ao homologar o acordo de colaboração, não emite juízo de valor a respeito das declarações eventualmente prestadas pelo colaborador à autoridade policial ou ao Ministério Público, nem confere o signo da idoneidade a seus depoimentos posteriores.

53

MINISTÉRIOPÚBLICO

Quanto à competência, a Corte Superior (Info 612) entendeu que a homologação de acordo de colaboração premiada por juiz de 1º grau de jurisdição, que mencione autoridade com prerrogativa de foro no STJ, não traduz em usurpação de competência do STJ.

Entretanto, em habeas corpus impetrado contra essa decisão do STJ, o STF entendeu que houve usurpação de atribuição da Procuradoria-Geral da República e de competência do STJ, o que teria acarretado a nulidade das provas que surgiram pela colaboração. Se a colabo-ração envolver autoridade com foro por prerrogativa de função, a homologação do acordo deve se dar pelo juízo mais graduado:

Se a delação do colaborador mencionar fatos criminosos que teriam sido praticados por autoridade (ex: Governador) e que teriam que ser julgados por foro privativo (ex: STJ), este acordo de colaboração deve-rá, obrigatoriamente, ser celebrado pelo Ministério Público respectivo (PGR), com homologação pelo Tribunal competente (STJ).Assim, se os fatos delatados tiverem que ser julgados originariamente por um Tribunal (foro por prerrogativa de função), o próprio acordo de colaboração premiada deverá ser homologado por este respectivo Tri-bunal, mesmo que o delator não tenha foro privilegiado.A delação de autoridade com prerrogativa de foro atrai a competência do Tribunal competente para a respectiva homologação e, em conse-quência, do órgão do Ministério Público que atua perante a Corte.Se o delator ou se o delatado tiver foro por prerrogativa de função, a ho-mologação da colaboração premiada será de competência do respectivo Tribunal.STF. 2ª Turma. HC 151605/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 20/3/2018 (Info 895).

Ainda, não há qualquer óbice à homologação do respectivo acordo mediante deci-são monocrática (STF, Info 870). Ao órgão colegiado, cabe a decisão final de mérito, na qual deve ser avaliado o cumprimento dos termos do acordo homologado e a sua eficácia.

Da decisão que homologa o acordo, a doutrina sugere a possibilidade de desafiá-la mediante recurso em sentido estrito, aplicando-se por analogia o art. 581, I, do CPP (não rece-bimento da denúncia ou queixa).

Por fim, o STF entende que o acordo não pode ser impugnado por terceiro, mesmo que seja uma pessoa citada na delação, tendo em vista a natureza personalíssima do acordo (Info 796). Recentemente, entretanto, o STF estabeleceu uma exceção a essa regra:

Em regra, o delatado não tem legitimidade para impugnar o acordo de colaboração premiada. Assim, em regra, a pessoa que foi delatada não

54

MINISTÉRIOPÚBLICO

poderá impetrar um habeas corpus alegando que esse acordo possui al-gum vício. Isso porque se trata de negócio jurídico personalíssimo.Esse entendimento, contudo, não se aplica em caso de homologação sem respeito à prerrogativa de foro.Desse modo, é possível que o delatado questione o acordo se a impug-nação estiver relacionada com as regras constitucionais de prerrogativa de foro.Em outras palavras, se o delatado for uma autoridade com foro por prer-rogativa de função e, apesar disso, o acordo tiver sido homologado em 1ª instância, será permitido que ele impugne essa homologação alegan-do usurpação de competência.STF. 2ª Turma. HC 151605/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 20/3/2018 (Info 895).

Cabe ressaltar que a Lei de Organizações Criminosas prevê a renúncia do colabora-dor ao direito ao silêncio, que terá o compromisso legal de falar a verdade (art. 4º, § 14).

Gabriel Habib (p. 569) defende a inconstitucionalidade do dispositivo, tendo em vis-ta ser direito constitucionalmente reconhecido, não podendo lei ordinária impor sua renúncia automática. Por outro lado, Renato Brasileiro (p. 785) defende que o legislador se equivocou ao utilizar a palavra “renunciar”, tendo em vista que tal direito é indisponível, o que geraria a nuli-dade do acordo, devendo-se entender como opção voluntária pelo seu não exercício.

É importante dizer que a lei sempre faz referência à necessidade de o acusado estar acompanhado de defensor quando dos atos de colaboração.

Segundo o art. 7º, § 5º, o acordo de colaboração premiada é sigiloso até o recebimen-to da denúncia. Entretanto, o STF manifestou-se no seguinte sentido sobre o assunto:

Esse dispositivo não traz uma regra de observância absoluta, mas sim um termo final máximo. Para que o sigilo seja mantido até o recebimento da denúncia, deve-se demonstrar a existência de uma necessidade concreta. Não havendo essa necessidade, deve-se garantir a publicidade do acordo. STF. 1ª Turma. Inq 4435 AgR/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 12/9/2017 (Info 877).

A necessidade concreta de manter o acordo em sigilo seria a realização de medidas cautelares com base nas informações declaradas pelo colaborador. Depois disso, não mais sub-sistiria razão para o sigilo, bem como não há direito subjetivo do colaborar ao sigilo do acordo.

55

MINISTÉRIOPÚBLICO

Por fim, quanto ao descumprimento do acordo de colaboração premiada, deve-se ter em mente o seguinte julgado:

O descumprimento de acordo de delação premiada ou a frustração na sua realização, isoladamente, não autoriza a imposição da segregação cautelar. Não há, sob o ponto de vista jurídico, relação direta entre a prisão pre-ventiva e o acordo de colaboração premiada. Tampouco há previsão de que, em decorrência do descumprimento do acordo, seja restabelecida prisão preventiva anteriormente revogada. Por essa razão, o descumprimento do que foi acordado não justifica a decretação de nova custódia cautelar. É necessário verificar, no caso concreto, a presença dos requisitos da prisão preventiva, não podendo o decreto prisional ter como fundamento apenas a quebra do acordo. STJ. 6ª Turma. HC 396.658-SP, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, jul-gado em 27/6/2017 (Info 609). STF. 2ª Turma. HC 138207/PR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 25/4/2017 (Info 862).

Para finalizar, uma tabela comparativa do instituto nas diversas leis que dele tratam:

DIPLOMA NORMATIVO REQUISITOS BENEFÍCIOS

Lei de Crimes He-diondos

(Lei 8.072/90)

Denunciar à autoridade o ban-do ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento.

Redução de pena de um a dois terços.

Art. 159 do Código Penal

Facilitar a libertação do seques-trado.

Redução de pena de um a dois terços.

Lei dos Crimes contra o Sistema

Financeiro(Lei 7.492/86)

Revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa.

Redução de pena de um a dois terços.

Lei dos Crimes contra a Ordem

Tributária(Lei 8.137/90)

Revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa.

Redução de pena de um a dois terços.

56

MINISTÉRIOPÚBLICO

Lei de Drogas(Lei 11.343/06)

Identificação dos demais co-au-tores ou partícipes do crime;

Recuperação total ou parcial do produto do crime.

Redução de pena de um a dois terços.

Lei de Lavagem de Capitais

(Lei 9.613/98)

Apuração das infrações penais;Identificação dos autores, coau-

tores e partícipes;Localização dos bens, direitos

ou valores objeto do crime.

Redução de pena de um a dois terços;

Cumprimento da pena em regi-me aberto ou semiaberto;

Isenção de pena;Substituição da pena privativa

de liberdade, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos.

Lei de Proteção às Testemunhas(Lei 9.807/99)

Ser primário;Identificação dos demais co-au-

tores ou partícipes da ação cri-minosa;

Localização da vítima com a sua integridade física preservada;

Recuperação total ou parcial do produto do crime.

Perdão judicial;Redução de pena de um a dois

terços.

Lei de Organiza-ções Criminosas(Lei 12.850/13)

Identificação dos demais coau-tores e partícipes da organiza-ção criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

Revelação da estrutura hierár-quica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

Prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

Perdão judicial;Redução de pena em até 2/3;Substituição da pena privativa

de liberdade por pena restritiva de direitos;

Suspensão do prazo para ofe-recimento de denúncia ou do processo por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período;

57

MINISTÉRIOPÚBLICO

Recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das in-frações penais praticadas pela organização criminosa;

Localização de eventual vítima com a sua integridade física pre-servada.

Não oferecimento da denúncia contra o colaborador se não for o líder da organização crimino-sa ou for o primeiro a prestar efetiva colaboração;

Redução de pena até a metade se a colaboração for posterior à sentença;

Progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos se a colaboração for posterior à sentença.

16. AÇÃO CONTROLADA

Ação controlada se trata de técnica especial de investigação, a qual consiste no retar-damento da intervenção do Estado com o objetivo de que ocorra em momento mais oportuno sob o ponto de vista da investigação criminal, seja por possibilitar a identificação e prisão de mais agentes criminosos, seja por permitir a colheita de provas mais consistentes. Esse instituto está presente na Lei de Drogas, na Lei de Lavagem de Capitais e na Lei de Organizações Crimino-sas. Vamos estudar cada uma delas.

A Lei de Drogas (Lei 11.343/06) foi a que primeiro tratou sobre o assunto, nos seguin-tes termos:

Art. 53.  Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedi-mentos investigatórios:II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precur-sores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e res-ponsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e dis-tribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.Parágrafo único.  Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identifi-cação dos agentes do delito ou de colaboradores.

Dessa forma, a ação controlada somente pode ocorrer com autorização judicial e oitiva do Ministério Público, condicionada ao conhecimento do itinerário provável e à identifi-cação dos demais agentes. Trata-se de exigência razoável, afinal autorizar o trânsito de pessoas com drogas sem ter conhecimento do destino e provável itinerário colocaria em risco a própria

58

MINISTÉRIOPÚBLICO

eficácia do procedimento.

Nessa situação, ocorrerá o flagrante retardado, diferido ou postergado, autorizado expressamente em lei.

Posteriormente, a disposição sobre ação controlada foi acrescentada na Lei de Lava-gem de Capitais (Lei 9.613/98) pela Lei 12.683/12:

Art. 4º-B.  A ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Mi-nistério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações.

Nesse caso, trata-se de suspensão pelo juiz de ordem de prisão ou de outras medidas assecuratórias previamente concedida, após oitiva do Ministério Público. O comprometimento das investigações significa impedir a descoberta de outros agentes ou bens objetos do crime.

A vantagem nesse procedimento é que há um ganho de tempo pela autoridade poli-cial, uma vez que, percebendo o momento oportuno para agir, não necessitará aguardar deci-são judicial para cumprir, uma vez que já expedida.

Por outro lado, a Lei de Lavagens de Capitais trata de uma ordem de prisão previa-mente concedida, referindo-se quanto à prisão preventiva e silenciando quanto à prisão em flagrante, distinguindo-se nesse ponto da Lei de Drogas. Assim, ocorrendo uma situação de fla-grância envolvendo o branqueamento de capitais, os agentes policiais estão obrigados a agir, não havendo permissivo legal para o flagrante diferido.

Finalmente, foi editada a Lei de Organizações Criminosas (Lei 12.850/13), na qual é utilizada explicitamente a expressão “ação controlada”:

Seção IIDa Ação Controlada

Art. 8º Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à forma-ção de provas e obtenção de informações.§ 1º O retardamento da intervenção policial ou administrativa será pre-viamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelece-rá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.§ 2º A comunicação será sigilosamente distribuída de forma a não conter

59

MINISTÉRIOPÚBLICO

informações que possam indicar a operação a ser efetuada.§ 3º Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações.§ 4º Ao término da diligência, elaborar-se-á auto circunstanciado acerca da ação controlada.

Art. 9º Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o re-tardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os ris-cos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime.

Como se pode perceber pela leitura dos dispositivos acima, houve grandes mudan-ças nas disposições sobre ação controlada no combate às organizações criminosas.

Primeiramente, foi elastecida a possibilidade de utilização dessa técnica especial de investigação para as intervenção administrativa. Assim, há um número maior de agentes que podem dela se utilizar.

Outro ponto modificado foi a desnecessidade de autorização judicial e oitiva do Mi-nistério Público. No caso de organizações criminosas, basta a comunicação ao juiz competente, que decidirá sobre a comunicação ao órgão ministerial. Ademais, quando a Lei 12.850/13 quer se referir a autorização judicial, ela expressamente o faz.

Por outro lado, o juiz pode estabelecer limites à ação controlada. Tratam-se de limi-tes temporais, definindo um prazo máximo de duração da medida, que, quando findo, obriga a autoridade policial a agir; ou de limites funcionais, tendo em vista a possibilidade de danos a bens jurídicos de maior relevância.

Assim como na Lei de Drogas, a Lei 12.850/13 consiste numa mitigação ao flagran-tes obrigatório, autorizando a realização do flagrante retardado, diferido ou postergado, con-dicionado à observação e acompanhamento das ações da organização criminosa. Entretanto, a autoridade policial não dispõe de total discricionariedade, uma vez que, para ser legítima, é necessário que ainda haja a situação de flagrância quando da ação policial, de modo que os agentes não escapem da persecução penal.

A última novidade trazida pela Lei de Organizações Criminosas foi a limitação da ação controlada no caso de o delito ser transnacional, condicionando-a à cooperação das auto-ridades dos países de provável itinerário ou destino.

60

MINISTÉRIOPÚBLICO

17. INFILTRAÇÃO DE AGENTES

A infiltração de agentes consiste na introdução dissimulada de um agente policial em uma organização criminosa como um de seus membros com a finalidade de identificar fontes de prova e obter elementos de informação.

A atuação do agente infiltrado não se confunde com o agente provocador do flagran-te preparado, no qual há atipicidade da conduta do autor por ser crime impossível e cuja prisão é ilegal. O agente infiltrado não estimula nenhuma ação criminosa, pois esta foi iniciada espon-taneamente, e o crime haveria ocorrido mesmo sem a infiltração.

Esse instituto foi primeiramente trabalhado na Lei de Drogas:

Art. 53.  Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedi-mentos investigatórios:I - a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, cons-tituída pelos órgãos especializados pertinentes;

Como se pode ver, somente é possível a infiltração de agentes de polícia, excluin-do-se os órgãos de inteligência. Ainda, é necessária autorização judicial e oitiva do Ministério Público para se proceder à infiltração.

Posteriormente, essa técnica especial de investigação foi tratada na Lei de Organiza-ções Criminosas:

Art. 10.  A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Pú-blico, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solici-tada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.§ 1º Na hipótese de representação do delegado de polícia, o juiz compe-tente, antes de decidir, ouvirá o Ministério Público.

Assim como na Lei de Drogas, a Lei 12.850/13 somente permite a infiltração de agen-tes de polícia e exige autorização judicial para a realização da medida. Particular não pode ser agente infiltrado. Ademais, tal diploma normativo foi além, detalhando melhor o procedimento.

Além de autorização judicial, são requisitos da infiltração de agentes o fumus comissi delicti, o periculum in mora e a sua indispensabilidade (ultima ratio):

61

MINISTÉRIOPÚBLICO

§ 2º Será admitida a infiltração se houver indícios de infração penal de que trata o art. 1º e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.

Ainda, é necessária a anuência do agente policial no sentido de participar da infiltra-ção de agentes, tendo em vista que ele possui o direito de recusá-la (art. 14, I).

Conforme art. 10, § 3º, a infiltração terá duração pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada sua necessidade.

A renovação não é automática, de modo que é necessária nova autorização judicial, e o ideal seja a renovação antes de findo o prazo anterior, para não se correr o risco de haver um hiato na atuação do agente, sob pena de ilegalidade dos elementos probatórios obtidos nesse período. Pela redação do dispositivo, percebe-se que não há limites à renovação.

Além do direito de recusar a infiltração, o agente pode também cessá-la (art. 14, I), bem como a operação pode ser sustada em caso de risco:

Art. 12 (...)§ 3º Havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco imi-nente, a operação será sustada mediante requisição do Ministério Públi-co ou pelo delegado de polícia, dando-se imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial.

Por fim, tendo em vista que o agente infiltrado muitas vezes se vê obrigado a cometer atos ilícitos, sob pena de levantar suspeitas e ter seu disfarce descoberto ou até mesmo por sua vida estar em risco, é aplicável a ela a exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa:

Art. 13.  O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcio-nalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.Parágrafo único.  Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa.

62

MINISTÉRIOPÚBLICO

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Vade Mecum de jurisprudência dizer o direito. 2ª ed, rev. e ampl., Salvador: Editora Juspodivm, 2017.

HABIB, Gabriel. Leis penais especiais: volume único. 8ª ed., rev., atual., ampl., Salva-dor: Editor Juspodivm, 2016.

LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal: volume único. 5ª ed., rev., ampl. e atual., Salvador: Editora Juspodivm, 2017.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 12ª ed., rev. e atual., Salvador: Editora Juspodivm, 2017.

COMO TEM SIDO COBRADO EM PROVAS DE MINISTÉRIO PÚBLICO

Ano: 2014 / Banca: MPE-PR / Órgão: MPE-PR / Prova: Promotor de Justiça

A Lei n.º 9.296/96 (Interceptação Telefônica) visa tutelar primordialmente o bem jurídico consis-tente no sigilo das comunicações. Mais precisamente a liberdade das comunicações, que está amparada, desde a Magna Carta – art. 5º, inc. XII, pelo sigilo. Sobre o conteúdo penal da referida norma responda fundamentadamente às indagações seguintes:a) Conceitue interceptação telefônica, cite o elemento básico necessário para a configuração do tipo penal do art. 10 da Lei e diferencie interceptação de gravação telefônica;b) O conhecimento casual de comunicação alheia configura conduta criminosa? Se a resposta for afirmativa especifique o tipo penal praticado;c) Quem tomou conhecimento da comunicação nas circunstâncias citadas na alínea “b” e a di-vulga ou transmite pratica algum ilícito penal? ed) Se o agente do delito, além de captar a comunicação, a divulga pratica mais de um crime?

Ano: 2013 / Banca: MPE-SC / Órgão: MPE-SC / Prova: Promotor de Justiça

O Código de Processo penal prescreve que: “Quando a infração deixar vestígios, será indispen-sável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acu-sado”. Nesse contexto, nas hipóteses abaixo diga, fundamentadamente, quando a perícia é im-prescindível, desnecessária ou facultativa, nula ou que pode ser suprida:1. Perícia na arma, munições e acessórios para comprovação da qualificadora da causa especial de aumento de pena previstas no art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal e crimes tipificados na Lei n. 10.826/2003.2. Segunda perícia, quando: a. houver dúvida sobre a parcialidade de um dos peritos que realizaram a primeira.

63

MINISTÉRIOPÚBLICO

b. para precisar a classificação do delito no art. 129, § 1º, I, do Código Penal.c. houver divergência entre os peritos.d. houver inobservância de formalidades, omissões, obscuridades ou contradições.3. Laudo de constatação da natureza e quantidade da droga.4. Laudo pericial firmado por apenas 1 (um) perito oficial, ou por 1 (uma) pessoa idônea, com habilitação técnica relacionada com a natureza do exame, justificada pela inexistência, na co-marca, de outro profissional habilitado.5. Para identificação das vozes captadas nas interceptações telefônicas.6. De exame criminológico para fins de progressão do regime prisional e livramento condicional.7. Para caracterizar o crime previsto no art. 7º, IX, da Lei 8137/1990.

64

MINISTÉRIOPÚBLICO