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ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE UMA ABORDAGEM DE GEOGRAFIA EM SAÚDE PÚBLICA Carmen Vieira de Sousa Unglert* Cornélio Pedroso Rosenburg* Claudette Barriguela Junqueira** UNGLERT, C. V. de S. et al. Acesso aos serviços de saúde: uma abordagem de geo- grafia em saúde pública. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 21:439-46, 1987. RESUMO: O acesso da população aos serviços de saúde é um pré-requisito de fun- damental importância para uma eficiente assistência à saúde. A localização geográfica dos serviços é um dos fatores que interferem nessa acessibilidade. Pretendeu-se estudar a localização dos serviços de saúde. A proposta básica foi a de apresentação de uma meto- dologia considerando-se as relações de variáveis geográficas, demográficas e sociais. Enfa- tizou-se, no processo, a participação da comunidade. Efetuou-se o estudo da adequação dessa metodologia às características da região de Santo Amaro, Município de São Paulo, Brasil. A contribuição dada pela abordagem geográfica abre ampla perspectiva quanto ao estabelecimento de novas linhas de estudo, planejamento e gestão, advindas do inter- câmbio entre a Geografia Humana e a Saúde Pública, numa área que se sugere deno- minar Geografia em Saúde Pública. UNITERMOS: Acesso aos serviços de saúde. Geografia de Saúde Pública. Distribui- ção espacial. Participação comunitária. * Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo — Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil. ** Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universi- dade de São Paulo Cidade Universitária "Armando de Salles Oliveira" — Av. Prof. Lineu Pres- tes, 336 — 05503 — São Paulo, SP — Brasil. INTRODUÇÃO O acesso à Saúde engloba inúmeros fatores e pode ser analisado sob abordagens diversas. O sistema institucional de saúde, na prática diária, apresenta dificuldades que impedem a satisfação das necessidades de assistência à saúde da totalidade da população. Um dos fatores que contribuem para essa situação é a inacessibilidade de numerosos grupos da po- pulação aos serviços de saúde. Na IV Reunião Especial de Ministros de Saúde das Américas 11 ficou caracterizado que a oferta de serviços não depende da simples existência dos mesmos. A acessibilidade deve ser considerada sob diversas abordagens, quais sejam, a geográfica, a cultural, a econômica e a funcional. Assim, o conceito de cobertura, como é pre- conizado pela OPAS 12 , deve transcender os limites tradicionais de uma simples proporção numérica implicando, isto sim, a admissão de que existe uma relação dinâmica na qual inter- vêm, por um lado as necessidades e aspirações da população, expressas pela demanda aos serviços e, por outro lado, os recursos dispo- níveis e suas combinações tecnológicas e orga- nizacionais que configuram a oferta para satis- fazer a demanda. Na Conferência Internacional de Alma-Ata 2 ficou evidente que, com os conhecimentos téc- nicos de que se dispõe, poder-se-ia alcançar um nível de saúde melhor que o atual mas que, na maioria dos países, esses conhecimen- tos não são aplicados em benefício da maioria da população. O grau de acesso real aos serviços de saúde depende, conforme referem Abel-Smith e Lei- serson, da distância que se deve percorrer para obtê-los, do tempo que leva a viagem e do seu custo. Recomenda a OMS 10 que a definição do que seja "acessível" deva ser adaptada a cada realidade e a cada região. O estabelecimento de modelos teóricos de áreas de influência para serviços de saúde tem sido a tônica dos trabalhos existentes nessa área. Dessa forma, Onorkerhoraye 9 sugere, na

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ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE

UMA ABORDAGEM DE GEOGRAFIA EM SAÚDE PÚBLICA

Carmen Vieira de Sousa Unglert*Cornélio Pedroso Rosenburg*Claudette Barriguela Junqueira**

UNGLERT, C. V. de S. et al. Acesso aos serviços de saúde: uma abordagem de geo-grafia em saúde pública. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 21:439-46, 1987.

RESUMO: O acesso da população aos serviços de saúde é um pré-requisito de fun-damental importância para uma eficiente assistência à saúde. A localização geográficados serviços é um dos fatores que interferem nessa acessibilidade. Pretendeu-se estudar alocalização dos serviços de saúde. A proposta básica foi a de apresentação de uma meto-dologia considerando-se as relações de variáveis geográficas, demográficas e sociais. Enfa-tizou-se, no processo, a participação da comunidade. Efetuou-se o estudo da adequaçãodessa metodologia às características da região de Santo Amaro, Município de São Paulo,Brasil. A contribuição dada pela abordagem geográfica abre ampla perspectiva quantoao estabelecimento de novas linhas de estudo, planejamento e gestão, advindas do inter-câmbio entre a Geografia Humana e a Saúde Pública, numa área que se sugere deno-minar Geografia em Saúde Pública.

UNITERMOS: Acesso aos serviços de saúde. Geografia de Saúde Pública. Distribui-ção espacial. Participação comunitária.

* Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de SãoPaulo — Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil.

** Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universi-dade de São Paulo — Cidade Universitária "Armando de Salles Oliveira" — Av. Prof. Lineu Pres-tes, 336 — 05503 — São Paulo, SP — Brasil.

INTRODUÇÃO

O acesso à Saúde engloba inúmeros fatorese pode ser analisado sob abordagens diversas.O sistema institucional de saúde, na práticadiária, apresenta dificuldades que impedem asatisfação das necessidades de assistência àsaúde da totalidade da população. Um dosfatores que contribuem para essa situação é ainacessibilidade de numerosos grupos da po-pulação aos serviços de saúde.

Na IV Reunião Especial de Ministros deSaúde das Américas11 ficou caracterizado quea oferta de serviços não depende da simplesexistência dos mesmos. A acessibilidade deveser considerada sob diversas abordagens, quaissejam, a geográfica, a cultural, a econômica ea funcional.

Assim, o conceito de cobertura, como é pre-conizado pela OPAS12, deve transcender oslimites tradicionais de uma simples proporçãonumérica implicando, isto sim, a admissão deque existe uma relação dinâmica na qual inter-vêm, por um lado as necessidades e aspirações

da população, expressas pela demanda aosserviços e, por outro lado, os recursos dispo-níveis e suas combinações tecnológicas e orga-nizacionais que configuram a oferta para satis-fazer a demanda.

Na Conferência Internacional de Alma-Ata2

ficou evidente que, com os conhecimentos téc-nicos de que se dispõe, poder-se-ia alcançarum nível de saúde melhor que o atual masque, na maioria dos países, esses conhecimen-tos não são aplicados em benefício da maioriada população.

O grau de acesso real aos serviços de saúdedepende, conforme referem Abel-Smith e Lei-serson, da distância que se deve percorrer paraobtê-los, do tempo que leva a viagem e do seucusto. Recomenda a OMS10 que a definição doque seja "acessível" deva ser adaptada a cadarealidade e a cada região.

O estabelecimento de modelos teóricos deáreas de influência para serviços de saúde temsido a tônica dos trabalhos existentes nessaárea. Dessa forma, Onorkerhoraye9 sugere, na

Nigéria, uma distribuição de serviços de saúdeonde os centros de saúde da comunidade deve-riam servir a uma população de 10.000 a20.000 pessoas. Nos centros de saúde da co-munidade, referidos por esse autor, a área deinfluência é aquela em que o usuário tem depercorrer, no máximo, um quilômetro parachegar à unidade mais próxima de sua resi-dência.

Smerloff e col.14 propõem, na Califórnia,um sistema de áreas de influência de serviçosmédicos, com uma abrangência máxima de40.000 habitantes, na zona urbana. Fendall3,em trabalho realizado no Quênia, prevê umcentro de saúde para cada 20.000 habitantes,enquanto que Gish5, em estudo realizado naTanzânia, propõe um centro de saúde para ca-da 50.000 habitantes.

A proposta de um modelo teórico espacial édesenvolvida por McGuirk e Porell6, em 1984.Shannon e col. 13, têm se dedicado ao estudode aspectos ligados ao acesso, analisando ofluxo estabelecido no deslocamento dos usuá-rios da residência aos hospitais. Unglert15, em1980, efetuou o mapeamento do local de resi-dência de usuários de serviços municipais desaúde da região sul do Município de São Paulo.

Esses trabalhos demonstram uma preocupa-ção dos autores em analisar a distribuição geo-gráfica dos serviços de saúde, contudo, não seevidencia a preocupação em avaliá-los do pon-to de vista de uma abordagem geográfica, ouseja, de que forma os aspectos geográficos es-tariam atuando sobre essa distribuição e, maisainda, como se daria a interação desses aspec-tos geográficos com a distribuição da própriapopulação.

CONCEITO DE EQÜIDADE.UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA

Eqüidade é aqui definida como a disposiçãode reconhecer igualmente o direito de cadaum. Apresenta-se como sinônimo de igualdade.

A nível de assistência à saúde a eqüidadefoi estudada por Mooney7, baseando-se emdois princípios: o da eqüidade horizontal, quepreconiza o tratamento igual dos indivíduosque apresentam iguais problemas de saúde, eo da eqüidade vertical, que enuncia que indi-víduos que tenham problemas desiguais desaúde sejam tratados dentro das peculiaridadesde cada caso. Discorre esse autor sobre algu-mas possíveis abordagens de eqüidade. Cita aigualdade de custo "per capita" da saúde, ouainda a igualdade de recursos para necessida-des iguais, ou mesmo a eqüidade de utilizaçãodos serviços para necessidades iguais.

Musgrove8 quando analisa a eqüidade dosistema de serviços de saúde conceitua eqüi-dade como a igual probabilidade de ocorrênciade determinadas condições a todos os indiví-duos de uma população. Refere ainda esseautor que o fator geográfico é fundamental naorigem da ineqüidade, especialmente no que serefere a áreas rurais ou regiões periféricas degrandes cidades.

No presente trabalho o esforço dos autoresse voltou à proposta de uma nova metodologiaque viesse a auxiliar no planejamento da loca-lização de novas unidades de saúde baseadonão somente nos critérios tradicionais, maslevando em conta algumas características geo-gráficas relacionadas ao acesso de toda a popu-lação a tais serviços. Considera-se, ainda, co-mo fundamental, o respeito à distribuição poraglomerados que a própria população estabe-leceu. Dessa forma, o grande desafio comque se defrontaram foi o de propor uma meto-dologia que auxiliasse na análise das necessi-dades da população, em confronto com osrecursos existentes, não somente segundo asdivisões administrativas formais, mas tambémde forma mais localizada, visando possibilitar:a) um melhor planejamento em termos de loca-lização e dimensão de novos recursos, consi-derando variáveis geográficas, demográficas esociais; e b) a obtenção da melhoria dos indi-cadores locais de saúde, tendo em vista que alocalização geográfica de sua variação permiteuma adequação das características da cober-tura e da qualidade da assistência.

METODOLOGIA PROPOSTA

Com a finalidade de desenvolver a opera-cionalização da metodologia proposta, conside-rou-se a área geográfica do Subdistrito de Pazde Santo Amaro, do Subdistrito de Paz deCapela do Socorro e do Distrito de Paz deParelheiros, localizados na região sul do Muni-cípio de São Paulo. O levantamento da popu-lação baseou-se em dados da Fundação Insti-tuto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE)4, relativos ao Censo de 1980, traba-lhando-se a nível de sub-setor censitário.

Construção da "Base Territorial"

Propôs-se, como primeira etapa, o estabele-cimento do mapeamento do contorno geográ-fico de cada sub-setor censitário da região emestudo, utilizando-se documentos cartográficosnas escalas de 1:10.000 e 1:25.000. Para asubdivisão da região em áreas menores, pro-pôs-se os seguintes critérios:

1 — os limites geográficos dos sub-setorescensitários devem ser respeitados;

2 — os limites geográficos dos subdistritose distritos devem ser respeitados;

3 — as barreiras geográficas devem seridentificadas e consideradas;

4 — a organização espontânea da comuni-dade deve ser identificada e conside-rada;

5 — o fluxo espontâneo da população àprocura de serviços de saúde deve seridentificado e considerado.

Levando em conta os limites geográficos dossub-setores censitários, as áreas propostas fo-ram constituídas pela agregação espacial dosmesmos, visando preservar correspondênciacom a base territorial das estatísticas do IBGE,tendo em vista tanto a comparação direta comas estatísticas gerais como um acompanhamen-to temporal do comportamento das áreas paraefeito de planejamento e gestão. Por outro lado,considerando-se os limites geográficos dos sub-distritos e distritos, as análises comparativascom outras regiões podem continuar a serefetuadas.

Conceito de "Barreira Geográfica"

O desenvolvimento de uma área metropoli-tana envolve o aparecimento de uma estruturacomplexa tanto do ponto de vista do uso dosolo urbano em suas múltiplas funções (resi-dência, setor produtivo, serviços, lazer, e ou-tros) como do ponto de vista da circulação debens e pessoas em face dessas funções. Pode-seafirmar que existe, no interior dessas áreas,uma estrutura de circulação cuja lógica e racio-nalidade estão em estreita dependência da pró-pria estruturação do tecido urbano com suasfunções e hierarquias, seu perfil populacionale sua adaptação relativa ao quadro naturalpreexistente.

Nesse contexto se formam os "fluxos de fre-qüentação" hierarquizados em função das es-truturas urbanas em desenvolvimento, do"custo" da circulação — medido tanto emtempo como em dinheiro — e também doshábitos.

O conceito de barreira geográfica derivadaqueles obstáculos naturais ou gerados pelaimplantação urbana que orientam a organiza-ção desses fluxos numa dada estrutura decirculação, e que criam "distâncias relativas"que variam do nível local para o regional.

As barreiras geográficas identificadas naregião foram: represas, rios, vias expressas comalto fluxo de veículos, leito de estrada de ferro,grandes áreas verdes e a presença de grandesáreas fechadas.

Tais barreiras atuam ativamente na orien-tação dos fluxos de circulação e no desenvol-vimento da estrutura funcional da região, pos-sibilitando um primeiro nível de recorte daregião para posterior obtenção de áreas homo-gêneas quanto ao perfil e comportamento. Fo-ram de grande valia os aportes derivados dageografia humana para a compreensão da dinâ-mica da estrutura espacial urbana — funcionale geoambiental — e da seleção dos critérios deconstrução das áreas de estudo e intervenção,para a localização dos serviços, tendo em vistaa melhor acessibilidade geográfica.

Movimentos Sociais Urbanos

Os movimentos sociais urbanos da últimadécada indicam forte organização espontâneade comunidades que se expressa como "movi-mento de bairros" em torno de questões quelhes são fundamentais como moradia, educa-ção e saúde.

A experiência tem mostrado que não há,basicamente, conflito entre as formulações po-líticas baseadas no atendimento das reivindi-cações populares, e aquelas derivadas de umaanálise científica da organização do espaçogeográfico e dos adequados processos técnicosde intervenção, sendo, ao contrário, comple-mentares.

Nesse contexto, torna-se extremamente pro-fícua a articulação do processo de planejamen-to e gestão entre o nível técnico e o pessoal desaúde atuante na rede de serviços, conhece-dores das organizações e expectativas popu-lares.

Com relação a organização espontânea dapopulação da área em estudo, considerou-seque, quando grupos de pessoas pertencentes adois ou mais bairros se organizam para reivin-dicar um serviço de saúde comum, essa é umaindicação de que tais bairros devem ser agru-pados em uma mesma área e o critério de es-colha manifestado pela população, respeitado.Nessa perspectiva, os movimentos pela saúdeforam acompanhados e compreendidos. O co-nhecimento empírico desses movimentos viven-ciado pela atuação profissional de um dosautores, na região, permitiu a adoção de mé-todos heurísticos de recorte da mesma.

Procurou-se compreender também o fluxoespontâneo da população à procura de serviçosbaseando-se em trabalhos existentes na mesmaárea, como o de Unglert15, que indicou a áreade influência de alguns dos serviços da regiãoem estudo. Para cada uma das áreas obtidasatravés da aplicação dos critérios mencionadosfoi calculada a população, com base nos dadoscensitários de 19804, sendo estabelecida umaprojeção populacional até 1984 utilizando ta-xas de crescimento populacional específicaspara microregiões da Secretaria de Planejamen-to da Prefeitura do Município de São Paulo.Foram também considerados dados referentesao crescimento de favelas na região em estudo,da mesma fonte.

Modelização da Superfície

A modelização da superfície, isto é, a ge-ração de um modelo de distribuição espacialdas variáveis que se desejavam estudar foidesenvolvida com apoio de computador, pormétodos de cálculo numérico e cartografiaautomática. A base cartográfica digital foi de-senvolvida por um processo de superposiçãode folhas e utilizando um sistema de codifi-cação da base geográfica de referência pelométodo das "origens relativas", conforme Jun-queira*.

Tendo em vista que o recobrimento da áreafoi feito por setores que apresentavam escalasdiferentes (1:10.000 e 1:25.000), foi desenvol-vido modelo de integração de bases para pos-terior processamento nas diversas escalas ade-quadas ao projeto. A base cartográfica digitalconstou de: a) dos limites geográficos da re-gião; b) das áreas de estudo; e c) de seus"centróides". Os dados relativos à distribuiçãoda população por área e por ano, de 1980 a1984, e a relação de bairros, por área, em1984 sofreram tratamento estatístico para ge-ração de índices utilizados na geração de su-perfícies contínuas de distribuição, modeliza-das por métodos de interpelação linear.

Os programas de computação utilizados pa-ra cartografia automática foram o SYMAP do"Laboratory for Computer Graphics and Spa-tial Analysis", da Universidade de Harvard(USA) e o MULTIMAPA do INFOGEO —Núcleo de Geoinformação e Análise Espacialdo Laboratório de Geografia Humana da Uni-versidade de São Paulo.

PROPOSTA DE SUBDISÃO DAREGIÃO EM ESTUDO

A região estudada tem cerca de 600 km2 deextensão, o que corresponde a 42% da áreageográfica do Município de São Paulo.

Numa primeira etapa estabeleceu-se o ma-peamento dos sub-setores censitários com oobjetivo de conciliar a proposta de subdivisãogeográfica da região com a subdivisão popu-lacional da mesma. Considerou-se, a seguir, oslimites geográficos dos subdistritos e distritosde Paz. A Figura 1 mostra a localização daregião em estudo. A divisão administrativa daregião é apresentada na Figura 2A, onde seobservam os subdistritos de Santo Amaro e deCapela do Socorro e o distrito de Parelheiros.

Passou-se à análise das barreiras naturaisexistentes na região, verificando-se que a mes-ma apresenta um relevo bastante regular, semacidentes geográficos de grande expressão, anão ser a presença de rios e represas. Assimsendo seguiu-se o mapeamento da distribuição

* Junqueira, Claudette B. Pesquisa sobre "construção de bases territoriais em cartografia automáticapelo método das origens relativas". Dados inéditos.

das águas e da análise de sua interferênciacomo fator limitante de áreas. A Figura 2Bmostra o sistema de águas formado pelo RioPinheiros (a), Canal do Guarapiranga (b) erepresas Guarapiranga (c) e Billings (d), acres-cido à subdivisão anteriormente descrita. Poresse processo foram identificadas cinco áreasclaramente definidas: a do subdistrito de San-to Amaro, a leste do Rio Pinheiros, a do sub-distrito de Santo Amaro a oeste do Rio Pinhei-ros, a do subdistrito de Capela do Socorro aleste do Sistema Guarapiranga, a do subdis-trito de Capela do Socorro a oeste do SistemaGuarapiranga e a do distrito de Parelheiros.

A etapa seguinte foi a do mapeamento dasbarreiras estabelecidas pelas principais viasexpressas existentes na região em estudo, sen-do aí também considerada a organização es-pontânea da comunidade. Algumas vezes, bair-ros mais próximos um do outro, do ponto devista geográfico, não atuam conjuntamente emsuas solicitações por serviços de saúde.

A análise mais detalhada do mapa daquelaárea mostrou que uma grande avenida se inter-punha entre os bairros referidos, o que reforçaa idéia de que tal via, de fato, atua como umabarreira para as populações circunvizinhas.

A Figura 3A mostra a subdivisão obtidacom a introdução desses novos critérios. Ob-

serva-se que se chegou a uma subdivisão em25 áreas.

Finalmente, estabeleceu-se o estudo sobre aextensão e a distribuição das áreas examinan-do-se os sub-setores censitários e o fluxo espon-tâneo da população, o que implicou em novasubdivisão da região em estudo com a consti-tuição de 31 áreas de estudo. Esta subdivisãoé apresentada na Figura 3B, onde podem serobservadas, numeradas, as 31 áreas propostase, em branco, as represas Guarapiranga eBillings.

DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃONAS ÁREAS DE ESTUDO

Tendo sido montado um sistema compostopor 31 áreas com limites geográficos definidose sendo cada uma dessas áreas constituída pelaagregação de sub-setores censitários, passou-sea analisar as características da distribuição dapopulação nas mesmas. A Tabela mostra aextensão de cada uma das 31 áreas, bem comoa densidade demográfica das mesmas. Obser-va-se que a densidade demográfica é bastanteheterogênea devendo-se ressaltar, contudo, queenquanto áreas como as de número 1 a 10 sãoextensas, com características rurais, outrasáreas, como a de número 25, que é a que me-nores dimensões possui, apresentam alta den-sidade, concentrada em alguns poucos quilô-

metros quadrados, estando esses dados a suge-rir que tratamentos diversos e localizados ne-cessitam ser feitos de forma a garantir o acessoaos serviços de saúde para toda a populaçãorespeitando-se as características locais.

Deve-se salientar que devido à presença derepresas que servem como fonte de abasteci-mento de água da população, quase toda aregião é protegida por legislação específica deproteção aos mananciais, sendo uma das me-didas tomadas pelas autoridades o obstáculoao aumento da densidade demográfica da re-gião, através de lei de zoneamento, com legis-lação voltada para o uso do solo. Contudo,apesar das medidas de restrição vigentes, oadensamento demográfico da região, como umtodo, continuou a ocorrer e de uma formatanto mais perigosa, pois trata-se de um pro-cesso de ocupação quase sempre clandestino,sem observação das normas necessárias à pre-servação dos mananciais e da saúde da popu-lação.

Deve-se ainda ressaltar que a análise maisdetalhada e localizada da distribuição da po-pulação foi viabilizada através da utilizaçãoda metodologia proposta, possibilitando, dessaforma, que sejam efetuados estudos sobre adistribuição dos serviços de saúde e sobre asnecessidades de novos serviços na região, con-

forme foi estudado por Unglert16. Tal proce-dimento abre, ainda, um caminho para a im-plantação de um sistema de saúde hierarqui-zado e regionalizado, com a participação dacomunidade na delimitação da área de infllên-cia dos serviços.

INSTRUMENTAL PROPOSTO:UMA AVALIAÇÃO

O avanço da tecnologia instrumental ocor-rido nas duas últimas décadas, em especial naárea da informática, contribuiu para estreitara relação das áreas da geografia e da saúde pú-blica, principalmente no que se refere a es-tudos ligados a saúde de populações de áreasmetropolitanas, onde tais abordagens devemter praticidade e reprodutividade. De fato, opresente trabalho abordou uma população degrandes proporções que do ponto de vista ad-ministrativo vigente estava distribuída em trêsgrandes áreas. Ora, a proposta de redistribui-ção dessa população em 31 áreas de estudo,segundo critérios ligados à geografia humana,possibilitou uma análise mais precisa e loca-lizada.

O estudo que foi efetuado só se tornou viá-vel na medida em que a metodologia propostapossibilitou a delimitação de áreas com distri-buição conhecida de população e recursos de

saúde. A utilização de cartografia automática— apoiada em computador —, se impôs faceao grande volume de dados, mostrando a gran-de capacidade de se obter informações e es-tudos objetivos e seguros, com rapidez.

O estabelecimento de áreas de menor porte,com contornos geográficos e característicaspopulacionais conhecidos abre a perspectiva deque seja viável a implantação de um sistemade controle de saúde da população medianteuma ação coordenada das diversas instituiçõesque atuam no campo da saúde pública. Abrecaminho igualmente para o estabelecimentodos critérios de construção das bases territo-riais de sistemas informatizados de saúde comoos SGI — Sistemas Geográficos de Infor-mação.

Do intercâmbio entre as áreas da geografiahumana e da saúde pública sem dúvida surgi-rão produtos que contribuirão para o melhorentendimento e interpretação de aspectos liga-

dos ao Homem e à Natureza, no sentido demelhor integração do Homem Social ao seumeio ambiente. A preocupação de introduzir,no ensino da saúde pública conceitos e méto-dos geográficos, parece ser de alto interessepara o futuro desempenho do profissional desaúde, qualquer que seja sua formação profis-sional de origem. O mesmo ocorre no nível dapesquisa e do planejamento, tendo em vista aversatilidade do profissional geógrafo que, porformação, consegue abordar de forma integra-da os aspectos socioeconômicos e os aspectosdo meio ambiente, fundamentais na abordagemespacial da saúde.

O que parece ser um campo de estudo euma área de conhecimento muito rica é aqueleda Geografia em Saúde Pública que abririauma perspectiva de grande abrangência emtermos de novas linhas de pesquisa que certa-mente viriam a enriquecer tanto o campo dasaúde pública como o da geografia humana.

CONCLUSÕES

1. O complexo estudo da localização de ser-viços de saúde torna-se mais efetivo seforem consideradas variáveis de naturezageográfica, demográfica e social.

2. A metodologia proposta, de construção debases territoriais adequadas a futuros sis-

temas informatizados de saúde, mostra-seviável tanto em áreas urbanas quanto emáreas rurais.

3. A metodologia proposta permite compa-tibilizar a distribuição demográfica comáreas geográficas de limites definidos.

4. A metodologia proposta prevê a partici-pação da comunidade em todas as fases.

UNGLERT, C. V. de S. et al. [Access to health services: a geographical approach topublic health]. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 21:439-46, 1987.

ABSTRACT: The access of the population to the health services is a requirement ofbasic importance for the efficiency of health assistance. The geographical localizationof the services is one of the factors that interfere with this accessibility. It is intended tomake a contribution to the study of the localization of health services. The basic proposalintroduces a method which takes into account the relationships between geographical,demographical and social variables. Emphasis is placed on community participation in theprocess. The study of the adequacy of this method was undertaken under the regionalcharacteristics of Santo Amaro, a suburb of the city of S. Paulo, Brazil. The contributionfurnished by the geographical approach in this work opens up a broad perspective forthe setting up of new lines of research, planning and administration resulting from theinteration between human geography and public health within the common field for whichit is suggested Geography of Public Health.

UNITERMS: Health services accessibility. Geography. Residence characteristics. Con-sumer participation.

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16. UNGLERT, C. V. S. Contribuição para o estudoda localização de serviços de saúde: umaabordagem de geografia em saúde pública. SãoPaulo, 1986. [Tese de Doutoramento-Facul-dade de Saúde Pública USP].

Recebido para publicação em: 8/6/1987Aprovado para publicação em: 20/8/1987