acesso à justiça - mauro cappelletti pdf

Download Acesso à Justiça - Mauro Cappelletti PDF

If you can't read please download the document

Upload: thais-fernanda

Post on 14-Oct-2015

160 views

Category:

Documents


13 download

TRANSCRIPT

  • MAURO CAPPELLETTI

    BRYANT GARTH

    ACESSO JUSTIA

    TRADUO E REVISO

    ELLEN GRACIE NORTHFLEET

    MAURO CAPPELLETTI

    Doutor em Direito (Universidade de Florena, Itlia)

    Prof. da Universidade de Standford (Estados Unidos)

    Chefe do Departamento de Cincias Jurdicas do

    Instituto Universitrio Europeu (Florena, Itlia)

    BRYANT GARTH

    Doutor em Direito (Universidade de Standford, USA)

    Professor de Direito na Universidade de Bloomington.

    Sergio Antonio Fabris Editor

    Porto Alegre /1988

    Reimpresso / 2002

  • INTRODUO

    3

    I A EVOLUO DO CONCEITO TERICO DE ACESSO JUSTIA

    4

    II O SIGNIFICADO DE UM DIREITO AO ACESSO EFETIVO JUSTIA: OS OBSTCULOS A

    SEREM TRANSPOSTOS

    6

    III AS SOLUES PRTICAS PARA OS PROBLEMAS DE ACESSO JUSTIA

    12

    IV TENDNCIAS NO USO DO ENFOQUE DO ACESSO JUSTIA

    28

    V LIMITAES E RISCOS DO ENFOQUE DE ACESSO JUSTIA: UMA ADVERTNCIA

    FINAL

    57

    NDICE

    -

    2

  • INTRODUO

    Nenhum aspecto de nossos sistemas jurdicos modernos imune crtica. Cada vez mais

    pergunta-se como, a que preo e em benefcio de quem estes sistemas de fato funcionam. Essa indagao

    fundamental que j produz inquietao em muitos advogados, juzes e juristas torna-se tanto mais

    perturbadora em razo de uma invaso sem precedentes dos tradicionais domnios do Direito, por

    socilogos, antroplogos, economistas, cientistas polticos e psiclogos, entre outros. No devemos, no

    entanto, resistir a nossos invasores; ao contrrio, devemos respeitar seus enfoques e reagir a eles de forma

    criativa. Atravs da revelao do atual modo de funcionamento de nossos sistemas jurdicos, os crticos

    oriundos das outras cincias sociais podem, na realidade, ser nossos aliados na atual fase de uma longa

    batalha histrica a luta pelo acesso Justia. essa luta, tal como se reflete nos modernos sistemas

    jurdicos, que constitui o ponto focal deste Relatrio Geral e do projeto comparativo de Acesso Justia

    que o produziu.

    A expresso acesso Justia reconhecidamente de difcil definio, mas serve para

    determinar duas finalidades bsicas do sistema jurdico o sistema_pelo qual as pessoas podem

    reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litigios sob os auspicios do Estado que, primeiro deve ser

    realmente acessvel a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente

    justos. Nosso enfoque, aqui, ser primordialmente sobre o primeiro aspecto, mas no poderemos perder

    de vista o segundo. Sem dvida, uma premissa bsica ser a de que a justia social, tal como desejada por

    nossas sociedades modernas,pressupe o acesso efetivo.

    Nossa tarefa, neste Relatrio ser a de delinear o surgimento e desenvolvimento de uma

    abordagem nova e compreensiva dos problemas que esse acesso apresenta nas sociedades

    contemporneas. Essa abordagem, como se ver, vai muito alm das anteriores. Originando-se, talvez, da

    ruptura da crena tradicional na confiabiidade de nossas instituies jurdicas e inspirando-se no desejo de

    tornar efetivos e no meramente simblicos os direitos do cidado comum, ela exige reformas de

    mais amplo alcance e uma nova criatividade. Recusa-se a aceitar como imutveis quaisquer dos

    procedimentos e instituies que caracterizam nossa engrenagem de justia. Com efeito, os reformadores

    j tm avanado muito com essa orientao. Suas realizaes, idias e propostas bsicas, bem como os

    riscos e limitaes desse ousado mas necessrio mtodo de reforma sero discutidos neste Relatrio.

    3

  • I

    A EVOLUO DO CONCEITO TERICO DE ACESSO JUSTIA

    O conceito de acesso justia tem sofrido uma transformao importante, correspondente a uma

    mudana equivalente no estudo e ensino do processo civil. Nos estados liberais burgueses dos sculos

    dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para soluo dos litgios civis refletiam a filosofia

    essencialinente individualista dos direitos, ento vigorante. Direito ao acesso proteo judicial

    significava essencialmente o direito formal do indivduo agravado de propor ou contestar uma ao. A

    teoria era a de que, embora o acesso justia pudesse ser um direito natural, os direitos naturais no

    necessitavam de uma ao do Estado para sua proteo (1). Esses direitos eram considerados anteriores

    ao Estado; sua preservao exigia apenas que o Estado no permitisse que eles fossem infringidos por

    outros. O Estado, portanto, permanecia passivo, com relao a problemas tais como a aptido de uma

    pessoa para reconhecer seus direitos e defend-los adequadamente, na prtica.

    Afastar a pobreza no sentido legal a incapacidade que muitas pessoas tm de utilizar

    plenamente a justia e suas instituies no era preocupao do Estado. A justia, como outros bens;

    no sistema do "laissez faire" s podia ser obtida por aqueles que pudessem arcar com seus seus custos;

    aqueles que no pudessem faz-lo eram condenados responsveis por sua sorte o acesso formal, mas no

    efetivo justia, correspondia igualdade, apenas formal, no material.

    Mesmo recentemente, com raras excees, o estudo jurdico tambm se manteve indiferente s

    realidades do sistema judicirio: Fatores como diferenas entre os litigantes em potencial no acesso

    disponibilidade de recursos para litigar, no eram sequer percebidos como problemas: (2). O estudo era

    tipicamenmente formalista, dogmtico e indiferente aos problemas reais do foro cvel. Sua preocupao

    era freqentemente de mera exegese ou construo abstrata de sistemas e mesmo, quando ia alm dela,

    seu mtodo consistia em julgar as normas de procedimento base de sua validade histrica e de sua

    operacionalidade em situaes hipotticas. As reformas eram sugeridas com base nessa teoria do

    procedimento, mas no na experincia da realidade. Os estudiosos do direito, como o prprio sistema

    judicirio, encontravam-se afastados das preocupaes reais da maioria da populao.

    medida que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade, o conceito

    de direitos humanos comeou a sofrer uma transformao radical. A partir do momento em que as aes e

    relacionamentos assumiram, cada vez mais, carter mais coletivo que individual, as sociedades modernas

    necessariamente deixaram para trs a viso individualista dos direitos, refletida nas dedaraes de

    direitos, tpicas dos sculos dezoito e dezenove. O movimento fez-se no sentido de reconhecer os

    direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associaes e indivduos (3). Esses novos direitos

    humanos, exemplificados pelo prembulo da Constituio Francesa de 1946, so, antes de tudo, os

    necessrios para tornar efetivos, quer dizer, realmente acessveis a todos, os direitos antes proclamados

    (4). Entre esses direitos garantidos nas modernas constituies esto os direitos ao trabalho, sade,

    segurana material e educao (5). Tornou-se lugar comum observar que a atua6o positiva do Estado

    necessria para assegurar o gozo de todos esses direitos sociais bsicos (6). No surpreendente,

    portanto, que o direito ao acesso efetivo justia tenha ganho particular ateno na medida em que as

    4

  • reformas do welfare state tm procurado armar os indivduos de novos direitos substantivos em sua

    qualidade de consumidores, locatrios, empregados e, mesmo, cidados (7). De fato, o direito ao acesso

    efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importncia capital entre os novos direitos

    individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos destituda de sentido, na ausncia de

    mecanismos para sua efetiva reivindicao (8). O acesso justia pode, portanto, ser encarado como o

    requisito fundamental o mais bsico dos direitos humanos de um sistema jurdico moderno e

    igualitrio que pretenda garantir, e no apenas proclamar os direitos de todos.

    O enfoque sobre o acesso o modo pelo qual os direitos se tornam efetivos tambm

    caracteriza crescentemente o estudo do moderno processo civil. A discusso terica, por exemplo, das

    vrias regras do processo civil e de como elas podem ser manipuladas em vrias situaes hipotticas

    pode ser instrutiva, mas, sob essas descries neutras, costuma ocultar-se o modelo freqentemente irreal

    de duas (ou mais) partes em igualdade de condies perante a corte, limitadas apenas pelos argumentos

    jurdicos que os experientes advogados possam alinhar. O processo, no entanto, no deveria ser colocado

    no vcuo. Os juzes precisam, agora, reconhecer que as tcnicas processuais servem a questes sociais

    (9), que as cortes no so a unica forma de soluo de conflitos a ser considerada (10) e que qualquer

    regulamentao processual, inclusive a criao ou o encorajamento de alternativas ao sistema judicirio

    formal tem um efeito importante sobre a forma como opera a lei substantiva com que freqncia ela

    executada, em beneficio de quem e com que impacto social. Uma tarefa bsica dos processualistas

    modernos expor o impacto substantivo dos vrios mecanismos de processamento de litgios. Eles

    precisam, conseqentemente, ampliar sua pesquisa para mais alm dos tribunais e utilizar os mtodos de

    anlise da sociologia, da poltica, da psicologia e da economia, e ademais, aprender atravs de outras

    culturas. O acesso no apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele ,

    tambm, necessariamente, o ponto central da moderna processualstica. Seu estado pressupe um

    alargamento e aprofundamento dos objetivos e mtodos da moderna cincia jurdica.

    5

  • II

    O SIGNIFICADO DE UM DIREITO AO ACESSO EFETIVO JUSTIA: OS

    OBSTCULOS A SEREM TRANSPOSTOS

    Embora o acesso efetivo justia venha sendo crescentemente aceito como um direito social

    bsico nas modernas sociedades, o conceito de efetividade , por si s, algo vago. A efetividade

    perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa igualdade de

    armas a garantia de que a conduo final depende apenas dos mritos jurdicos relativos das partes

    antagnicas, sem relao com diferenas que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a

    afirmao e reivindicao dos direitos. Essa perfeita igualdade, naturalmente, utpica. As diferenas

    entre as partes no podem jamais ser completamente erradicadas. A questo saber at onde avanar na

    direo do objetivo utpico e a que custo. Em outras palavras, quantos dos obstculos ao acesso efetivo

    justia podem e devem ser atacados? A identificao desses obstculos, conseqentemente, a primeira

    tarefa a ser cumprida.

    A CUSTAS JUDICIAIS

    1Em Geral

    A resoluo formal de litgios, particularmente nos tribunais, muito dispendiosa na maior parte

    das sociedades modernas (11). Se certo que o Estado paga os salrios dos juzes e do pessoal auxiliar e

    proporciona os prdios e outros recursos necessrios aos julgamentos, os litigantes precisam suportar a

    grande proporo dos demais custos necessrios soluo de uma lide, incluindo os honorrios

    advocatcios e algumas custas judiciais.

    O alto custo para as partes particularmente bvio sob o Sistema Americano, que no obriga o

    vencido a reembolsar ao vencedor os honorrios despendidos com seu advogado. Mas os altos custos

    tambm agem como uma barreira poderosa sob o sistema, mais amplamente difundido, que impe ao

    vencido os nus da sucumbncia (12). Nesse caso, a menos que o litigante em potencial esteja certo de

    vencer o que de fato extremamente raro, dadas as normais incertezas do processo ele deve enfrentar

    um risco ainda maior do que o verificado nos Estados Unidos. A penalidade para o vencido em pases que

    adotam o princpio da sucumbncia aproximadamente duas vezes maior ele pagar os custos de

    ambas as partes. Alm disso, em alguns pases, como a Gr-Bretanha, o demandante muitas vezes no

    pode sequer estimar o tamanho do risco quanto lhe custar perder uma vez que os honorrios

    advocatcios podem variar muito (13). Finalmente, os autores nesses pases precisam s vezes segurar o

    juzo no que respeita s despesas do necesrio, antes de propor a ao. Por essas razes, pode-se indagar

    se a regra da sucumbncia no erige barreiras de custo pelo menos to substanciais, quanto as criadas pelo

    sistema americano (14). De qualquer forma, torna-se daro que os altos custos, na medida em que uma ou

    ambas as partes devam suport-los, constituem uma importante barreira ao acesso justia.

    6

  • A mais importante despesa individual para os litigantes consiste, naturalmente, nos honorrios

    advocatcios. Nos Estados Unidos e no Canad, por exemplo, o custo por hora dos advogados varia entre

    25 e 300 dlares e o custo de determinado servio pode exceder ao custo honorrio (15). Em outros

    pases, os honorrios podem ser calculados conforme critrios que os tornem mais razoveis, mas nossos

    dados mostram que eles representam a esmagadora proporo dos altos custos do litgio, em pases onde

    os advogados so particulares (16). Qualquer tentativa realstica de enfrentar os problemas de acesso deve

    comear por reconhecer esta situao: os advogados e seus servios so muito caros.

    2- Pequenas Causas

    Causas que envolvem somas relativamente pequenas so mais prejudicadas pela barreira dos

    custos. Se o litgio tiver de ser decidido por processos judicirios formais, os custos podem exceder o

    montante da controvrsia, ou, se isso no acontecer, podem consumir o contedo do pedido a ponto de

    tornar a demanda uma futilidade (17). Os dados reunidos pelo Projeto de Florena mostram claramente

    que a relao entre os custos a serem enfrentados nas aes cresce na medida em que se reduz o valor da

    causa (18). Na Alemanha, por exemplo, as despesas para intentar uma causa cujo valor corresponda a

    US$ 100, no sistema judicirio regular, esto estimadas em cerca de US$ 150, mesmo que seja utilizada

    apenas a primeira instncia, enquanto os custos de uma ao de US$ 5.000, envolvendo duas instncias,

    seriam de aproximadamente US$ 4.200 ainda muito elevados, mas numa proporo bastante inferior,

    em relao ao valor da causa (19). Nem preciso multiplicar os exemplos nessa rea; evidente que o

    problema das pequenas causas exige especial ateno (20).

    3 Tempo

    Em muitos pases, as partes que buscam uma soluo judicial precisam esperar dois ou trs anos,

    ou mais, por uma deciso exeqvel (21). Os efeitos dessa delonga, especialmente se considerados os

    ndices de inflao, podem ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os

    economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores queles

    a que teriam direito. A Conveno Europia para Proteo dos Direitos Humanos e Liberdades

    Fundamentais reconhece explicitamente, no artigo 69, pargrafo 19 que a Justia que no cumpre suas

    funes dentro de um prazo razovel.

    B POSSIBILIDADES DAS PARTES

    As possibilidades das partes como ficou demonstrado por uma recente linha de pesquisa, de

    crescente importncia, ponto central quando se cogita da denegao ou da garantia de acesso efetivo.

    Essa expresso, utilizada pelo Prof. Marc Galanter, repousa na noo de que algumas espcies de

    litigantes gozam de uma gama de vantagens estratgicas (23). Devemos reconhecer que o estudo das

    vantagens e desvantagens estratgicas est apenas comeando e difcil avali-las com preciso. No

    7

  • entanto, podemos no s isolar algumas das vantagens e desvantagens bsicas para determinados

    litigantes, seno tambm, aventurar algumas hipteses com base em pesquisas sociolgicas recentes e

    altamente sugestivas.

    1 Recursos Financeiros

    Pessoas ou organizaes que possuam recursos financeiros considerveis a serem utilizados tm

    vantagens bvias ao propor ou defender demandas. Em primeiro lugar, elas podem pagar para litigar.

    Podem, alm disso, suportar as delongas do litgio. Cada uma dessas capacidades, em mos de uma nica

    das partes, pode ser uma arma poderosa; a ameaa de litgio torna-se tanto plausvel quanto efetiva. De

    modo similar, uma das partes pode ser capaz de fazer gastos maiores que a outra e, como resultado,

    apresentar seus argumentos de maneira mais eficiente. Julgadores passivos, apesar de suas outras e mais

    admirveis caractersticas, exacerbam claramente esse problema, por deixarem s partes a tarefa de obter

    e apresentar as provas, desenvolver e discutir a causa dentro de um prazo razovel (22) , para muitas

    pessoas, uma Justia inacessvel.

    2 Aptido para Reconhecer um Direito e propor urna Ao ou Sua Defesa

    A capacidade jurdica pessoal, se se relaciona com as vantagens de recursos financeiros e

    diferenas de educao, meio e status social, um conceito muito mais rico, e de crucial importncia na

    determinao da acessibilidade da justia. Ele enfoca as inmeras barreiras que precisam ser

    pessoalmente superadas, antes que um direito possa ser efetivamente reivindicado atravs de nosso

    aparelho judicirio. Muitas (seno a maior parte) das pessoas comuns no podem ou, ao menos, no

    conseguem superar essas barreiras na maioria dos tipos de processos (25). Num primeiro nvel est a

    questo de reconhecer a existncia de direito juridicamente exigvel. Essa barreira fundamental

    especialmente sria para os despossudos, mas no afeta apenas os pobres. Ela diz respeito a toda a

    populao em muitos tipos de conflitos que envolvem direitos. Observou recentemente o professor Leon

    Mayhew: Existe um conjunto de interesses e problemas potenciais; alguns so bem compreendidos pelos

    membros da populao, enquanto outros so percebidos de forma pouco clara, ou de todo despercebidos

    (26). Mesmo consumidores bem informados, por exemplo, s raramente se do conta de que sua

    assinatura num contrato no significa que precisem, obrigatoriamente, sujeitar-se a seus termos, em

    quaisquer circunstncias. Falta-lhes o conhecimento jurdico bsico no apenas para fazer objeo a esses

    contratos, mas at mesmo para perceber que sejam passveis de objeo.

    Ademais, as pessoas tm limitados conhecimentos a respeito da maneira de ajuizar uma

    demanda. O principal estudo emprico ingls,a respeito desse assunto concluiu: Na medida em que o conhecimento daquilo que est disponvel constitui pr-requisito da

    soluo do problema da necessidade jurdica no atendida, preciso fazer muito mais para

    aumentar o grau de conhecimento do pblico a respeito dos meios disponveis e de como utiliz-

    los (27).

    Um estudo realizado em Quebeque definiu de forma semelhante que Le besoin dinformation

    est primordial et prioritaire (A necessidade de informao primordial e prioritria) (28). Essa falta de

    8

  • conhecimento por sua vez, relaciona-se com uma terceira barreira importante a disposio psicolgica

    das pessoas para recorrer a processos judiciais. Mesmo aqueles que sabem como encontrar

    aconselhamento jurdico qualificado podem no busc-lo. O estudo ingls, por exemplo, fez a descoberta

    surpreendente de que at 11% dos nossos entrevistados disseram que jamais iriam a um advogado (29).

    Alm dessa declarada desconfiana nos advogados, especialmente comum nas classes menos favorecidas,

    existem outras razes bvias por que os litgios formais so considerados to pouco atraentes.

    Procedimentos complicados, formalismo, ambientes que intimidam, como o dos tribunais, juzes e

    advogados, figuras tidas como opressoras, fazem com que o litigante se sinta perdido, um prisioneiro num

    mundo estranho.

    Todos esses obstculos, preciso que se diga, tm importncia maior ou menor, dependendo do

    tipo de pessoas, instituies e demandas envolvidas (30). Ainda que as tenhamos relacionado

    capacitao pessoal, temerrio personaliz-las excessivamente. Pessoas que procurariam um

    advogado para comprar uma casa ou obter o divrcio, dificilmente intentariam um processo contra uma

    empresa cuja fbrica esteja expelindo fumaa e poluindo a atmosfera (31). difcil mobilizar (32) as

    pessoas no sentido de usarem o sistema judicirio para demandar direitos no-radicionais.

    3 Litigantes eventuais e litigantes habituais

    O professor Galanter desenvolveu uma distino entre o que ele chama de litigantes eventuais

    e habituais, baseado na freqncia de encontros com o sistema judicial (33). Ele sugeriu que esta

    distino corresponde, em larga escala, que se verifica entre indivduos que costumam ter contatos

    isolados e pouco freqentes com o sistema judicial e entidades desenvolvidas, com experincia judicial

    mais extensa. As vantagens dos habituais, de acordo com Galanter, so numerosas: 1) maior

    experincia com o Direito possibilita-lhes melhor planejamento do litgio; 2) o litigante habitual tem

    economia de escala, porque tem mais casos; 3) o litigante habitual tem oportunidades de desenvolver

    relaes informais com os membros da instncia decisora; 4) ele pode diluir os riscos da demanda por

    maior nmero de casos; e 5) pode testar estratgias com determinados casos, de modo a garantir

    expectativa mais favorvel em relao a casos futuros. Parece que, em funo dessas vantagens, os

    litigantes organizacionais so, sem dvida, mais eficientes que os indivduos (34). Ha menos problemas

    em mobilizar as empresas no sentido de tirarem vantagens de seus direitos, o que, com freqncia, se d

    exatamente contra aquelas pessoas comuns que, em sua condio de consumidores, por exemplo, so as

    mais relutantes em buscar o amparo do sistema.

    Essa desigualdade relativamente ao acesso pode ser atacada com maior eficinca, segundo

    Galanter, se os indivduos encontrarem maneiras de agregar suas causas e desenvolver estratgias de

    longo prazo, para fazer frente s vantagens das organizaes que eles devem amide enfrentar. Alguns

    dos problemas encontrados na implementao dessa estratgia sero abordados a seguir.

    9

  • C PROBLEMAS ESPECIAIS DOS INTERESSES DIFUSOS

    Interesses difusos so interesses fragmentados ou coletivos, tais como o direito ao ambiente

    saudvel, ou proteo do consumidor. O problema bsico que eles apresentam a razo de sua

    natureza difusa que, ou ningum tem direito a corrigir a leso a um interesse coletivo, ou o prmio

    para qualquer indivduo buscar essa correo pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ao. A

    recente manifestao do professor Roger Perrot sobre os consumidores descreve com agudeza o problema

    dos interesses difusos: Le consomrnateur, cest toutet cest rien (O consumidor tudo e no nada)

    (35).

    Um exemplo simples pode mostrar por que essa situao cria especiais barreiras ao acesso (36).

    Suponhamos que o governo autorize a construo de uma represa que ameace de maneira sria e

    irreversvel o ambiente natural. Muitas pessoas podem desfrutar da rea ameaada, mas poucas ou

    nenhuma tero qualquer interesse financeiro direto em jogo. Mesmo esses, alm disso, provavelmente

    no tero interesse suficiente para enfrentar uma demanda judicial complicada. Presumindo-se que esses

    indivduos tenham legitimao ativa (o que freqentemente um problema), eles esto em posio

    anloga do autor de uma pequena causa, para quem uma demanda judicial anti-econmica. Um

    indivduo, alm disso, poder receber apenas indenizao de seus prprios prejuzos, porm no dos

    efetivamente causados pelo infrator comunidade. Conseqentemente, a demanda individual pode ser de

    todo ineficiente para obter o cumprimento da lei; o infrator pode no ser dissuadido de prosseguir em sua

    conduta. A conexo de processos , portanto, desejvel muitas vezes, mesmo, necessria no

    apenas do ponto de vista de Galanter, seno tambm do ponto de vista da reivindicao eficiente dos

    direitos difusos.

    Outra barreira se relaciona precisamente com a questo da reunio. As vrias partes interessadas,

    mesmo quando lhes seja possvel organizar-se e demandar, podem estar dispersas, carecer da necessria

    informao ou simplesmente ser incapazes de combinar uma estratgia comum. Esse problema mais

    exacerbado pelo, assim chamado, livre-atirador uma pessoa que no contribui para a demanda, mas

    no pode ser excluda de seus benefcios: por exemplo, a suspenso das obras da barragem (37). Em

    suma, podemos dizer que, embora as pessoas na coletividade tenham razes bastantes para reivindicar um

    interesse difuso, as barreiras sua organizao podem, ainda assim, evitar que esse interesse seja

    unificado e expresso.

    Assim, conquanto como regra, a proteo privada de interesses difusos exija ao de grupo,

    difcil assegurar que tal ao coordenada tenha lugar, se o prprio governo falha, como no exemplo

    acima, em sua ao em favor do grupo. Uma posio tradicional e ainda prevalecente em muitos pases

    a de simplesmente recusar qualquer ao privada e continuar, em vez disso, a confiar na mquina

    governamental para proteger os interesses pblicos e dos grupos. Pesquisa comparativa recente, no

    entanto, demonstrou o quanto inadequado confiar apenas no Estado para a proteo dos interesses

    difusos (38). profundamente necessrio, mas reconhecidamente difcil, mobilizar energia privada para

    superar a fraqueza da mquina governamental.

    10

  • D AS BARREIRAS AO ACESSO: UMA CONCLUSO PRELIMINAR E UM FATOR

    COMPLICADOR

    Um exame dessas barreiras ao acesso, como se v, revelou um padro: os obstculos criados por

    nossos sistemas jurdicos so mais pronunciados para as pequenas causas e para os autores individuais,

    especialmente os pobres; ao mesmo tempo, as vantagens pertencem de modo especial aos litigantes

    organizacionais, adeptos do uso do sistema judicial para obterem seus prprios interesses.

    Refletindo sobre essa situao, de se esperar que os indivduos tenham maiores problemas para

    afirmar seus direitos quando a reinvindicao deles envolva aes judiciais por danos relativamente

    pequenos, contra grandes organizaes. Os novos direitos substantivos, que so caractersticos do

    moderno Estado de bem estar-social, no entanto, tm precisamente esses contornos: por um lado,

    envolvem esforos para apoiar os cidados contra os governos, os consumidores contra os comerciantes,

    o povo contra os poluidores, os locatrios contra os locadores, os operrios contra os patres (e os

    sindicatos); por outro lado, o interesse econmico de qualquer indivduo como ator ou ru ser

    provavelmente pequeno. evidentemente uma tarefa difcil transformar esses direitos novos e muito

    importantes para todas as sociedades modernas em vantagens concretas para as pessoas comuns.

    Supondo que haja vontade poltica de mobilizar os indivduos para fazerem valer seus direitos ou seja,

    supondo que esses direitos sejam para valer coloca-se a questo fundamental de como faz-lo. Esse

    problema ser um ponto principal deste relatrio e das reformas que ele discutir.

    Finalmente, como fator complicador dos esforos para atacar as barreiras ao acesso, deve-se

    enfatizar que esses obstculos no podem simplesmente ser eliminados um por um. Muitos problemas de

    acesso so inter-relacionados, e as mudanas tendentes a melhorar o acesso por um lado podem exacerbar

    barreiras por outro. Por exemplo, uma tentativa de reduzir custos simplesmente eliminar a representao

    por advogado em certos procedimentos. Com certeza, no entanto, uma vez que litigantes de baixo nvel

    econmico e educacional provavelmente no tero a capacidade de apresentar seus prprios casos, de

    modo eficiente, eles sero mais prejudicados que beneficiados por tal reforma. Sem alguns fatores de

    compensao, tais como um juiz muito ativo ou outras formas de assistncia jurdica, os autores

    indigentes poderiam agora intentar uma demanda, mas lhes faltaria uma espcie de auxilio que lhes pode

    ser essencial para que sejam bem sucedidos. Um estudo srio do acesso Justia no pode negligenciar o

    inter-relacionamento entre as barreiras existentes.

    11

  • III

    AS SOLUES PRTICAS PARA OS PROBLEMAS DE ACESSO JUSTIA

    O recente despertar de interesse em torno do acesso efetivo Justia levou a trs posies

    bsicas, pelo menos nos pases do mundo Ocidental. Tendo incio em 1965, estes posicionamentos

    emergiram mais ou menos em seqncia cronolgica (39). Podemos afirmar que a primeira soluo para

    o acesso a primeira onda desse movimento novo foi a assistncia judiciria; a segunda dizia

    respeito s reformas tendentes a proporcionar representao jurdica para os interesses difusos,

    especialmente nas reas da proteo ambiental e do consumidor; e o terceiro e mais recente o que

    nos propomos a chamar simplesmente enfoque de acesso a justia porque inclui os posicionamentos

    anteriores, mas vai muito alm deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao

    acesso de modo mais articulado e compreensivo.

    A A PRIMEIRA ONDA: ASSISTNCIA JUDICIRIA PARA OS POBRES

    Os primeiros esforos importantes para incrementar o acesso justia nos pases ocidentais

    concentraram-se, muito adequadamente em proporcionar servios jurdicos para os pobres (40). Na maior

    parte das modernas sociedades, o auxlio de um advogado essencial, seno indispensvel para decifrar

    leis cada vez mais complexas e procedimentos misteriosos, necessrios para ajuizar uma causa. Os

    mtodos para proporcionar a assistncia judiciria queles que no a podem custear so, por isso mesmo,

    vitais. At muito recentemente, no entanto, os esquemas de assistncia judiciria da maior parte dos

    pases eram inadequados. Baseavam-se, em sua maior parte, em servios prestados pelos advogados

    particulares, sem contraprestao (munus honorificum) (41). O direito ao acesso foi, assim, reconhecido e

    se lhe deu algum suporte, mas o Estado no adotou qualquer atitude positiva para garanti-lo. De forma

    previsvel, o resultado que tais sistemas de assistncia judiciria eram ineficientes (42). Em economias

    de mercado, os advogados, particularmente os mais experientes e altamente competentes, tendem mais a

    devotar seu tempo a trabalho remunerado que assistncia judiciria gratuita. Ademais, para evitarem

    incorrer em excessos de caridade, os adeptos do programa geralmente fixaram estritos limites de

    habilitao para quem desejasse gozar do benefcio.

    As falhas desses programas tornaram-se sempre mais evidentes. Foram introduzidas reformas

    relativamente cedo na Alemanha e Inglaterra, em ambos os casos sob regimes social-democratas ou

    trabalhistas. Em 1919-1923, a Alemanha deu incio a um sistema de remunerao pelo Estado dos

    advogados que fornecessem assistncia judiciria, a qual era extensiva a todos que a pleiteassem (43). Na

    Inglaterra, a principal reforma comeou com o estatuto de 1949, criando Legal Aid and Advice Scherne,

    que foi confiado Law Society, associao nacional dos advogados (44). Esse esquema reconhecia a

    importncia de no somente compensar os advogados particulares pelo aconselhamento

    (aconselhamento jurdico) seno ainda, pela assistncia nos processos (assistncia judiciria). Essas

    12

  • tentativas eram limitadas de diversas maneiras, mas comearam o movimento para superar os anacrnicos

    semicarit ativos programas, tpicos do jistez-faire.

    A mais dramtica reforma da assistncia judiciria teve lugar nos ltimos 12 anos. A conscincia

    social que redespertou, especialmente no curso da dcada de 60, colocou a assistncia judiciria no topo

    da agenda das reformas judicirias. A contradio entre o ideal terico do acesso efetivo e os sistemas

    totalmente inadequados de assistncia judiciria tornou-se cada vez mais intolervel (45).

    A reforma comeou em 1965 nos Estados Unidos, com o Office of Economic Opportunity

    (OEO) (46) e continuou atravs do mundo no incio da dcada de 70. Emjaneiro de 1972, a Frana

    substituiu seu esquema de assistncia judiciria do sculo dezenove, baseado em servio gratuito prestado

    pelos advogados, por um enfoque moderno de securit .ociale, no qual o custo dos honorrios

    suportado pelo Estado (47). Em maio de 1972, o novo e inovador programa da Sucia tornou-se lei (48).

    Dois meses mais tarde, a Lei de Aconselhamento e Assistncia Judiciria da Inglaterra aumentou

    grandemente o alcance do sistema implantado em 1949, especialmente na rea de aconselhamento

    jurdico (49), e a Provncia Canadense de Quebeque estabeleceu seu primeiro programa de assistncia

    judiciria financiado pelo governo (50). Em outubro de 1972, a Repblica Federal da Alemanha

    aperfeioou seu sistema, aumentando a remunerao paga aos advogados particulares por servios

    jurdicos prestados aos pobres (51). E em julho de 1974, foi estabelecida nos Estados Unidos a

    longamente esperada Legal Services Corporation um esforo para preservar e ampliar os progressos do

    programa do OEO, j agora dissolvido (52). Tambm durante esse perodo, tanto a ustria (53) quanto a

    Holanda (54) reviram seus programas de assistncia judiciria, de modo a remunerar os advogados mais

    adequadamente. Houve vrias reformas na Austrlia (55); e a Itlia quase chegou a mudar seu sistema

    anacrnico, que era semelhante ao esquema francs anterior a 1972 (56).

    Os sistemas de assistncia judiciria da maior parte do mundo moderno foram, destarte,

    grandemente melhorados. Um movimento foi desencadeado e continuou a crescer e, como veremos,

    excedeu at mesmo as categorias da reforma da assistncia judiciria. Antes de explorar outras dimenses

    do movimento e sem dvida para ajudar a esclarecer a lgica dessas dimenses ulteriores

    precisamos acompanhar as principais realizaes, assim como os limites dessa primeira grande onda de

    reforma.

    1 O Sistema Judicare

    A maior realizao das reformas na assistncia judiciria na ustria, Inglaterra, Holanda, Frana

    e Alemanha Ocidental foi o apoio ao denominado sistema judicare. Trata-se de um sistema atravs do

    qual a assistncia judiciria estabelecida como um direito para todas as pessoas que se enquadrem nos

    termos da lei, Os advogados particulares, ento, so pagos pelo Estado. A finalidade do sistema judicare

    proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma representao que teriam se pudessem pagar um

    advogado. O ideal fazer uma distino apenas em relao ao endereamento da nota de honorrios: o

    Estado, mas no o cliente, quem a recebe.

    No moderno programa britnico, por exemplo, um requerente, verificada a viabilidade financeira

    e de mrito de sua causa, pode escolher seu advogado em uma lista de profissionais que concordaram

    13

  • prestar esses servios (57). A lista extensa, uma vez que a remunerao para a assistncia dada pelo

    advogado suficiente para atrair quase todos os profissionais. muitas vezes necessria assistncia

    jurdica para demonstrar a prpria qualificao formal com vistas a obter a assistncia judiciria. Por isso,

    a reforma de 1972 possibilita que o requerente utilize at o limite de 25 libras esterlinas, em servios

    jurdicos, sem necessitar de qualquer autorizao formal (59). Tais servios podem incluir o

    encaminhamento do pedido de assistncia judiciria. Dessa maneira, o sistema vai longe para prover aos

    pobres os recursos financeiros necessrios obteno de um advogado. Embora tenha sido criticado

    porque suas exigncias so muito restritivas e porque ele no prov assistncia para processos a serem

    realizados perante a maioria dos tribunais especiais onde, na realidade, muitos dos novos direitos

    devem ser pleiteados (60) seus resultados foram impressionantes: ao longo dos anos a assistncia tem

    sido proporcionada a um nmero sempre crescente de pessoas (61).

    O sistema francs, tal como introduzido em 1972 e modificado por decretos de 1974 e 1975,

    tambm avana no sentido de um eficiente sistema judicare (62). Um detalhe particularmente importante

    do sistema francs, desde 1972, que ele foi idealizado para alcanar no apenas os pobres, mas tambm

    algumas pessoas acima do nvel de pobreza. Nveis de auxilio decrescentes esto agora disponveis para

    pessoas com rendimentos mensais de at 2.950 francos (cerca de US$ 640) e com uma famlia de quatro

    membros (63). Alm disso, desde 1972, a assistncia judiciria pode ser deferida para um caso

    particularmente importante, independentemente dos rendimentos do litigante (64).

    O principal problema do sistema francs que, apesar do aumento de 1/3 no pagamento dos

    advogados, verificado em 1974, os valores ainda so inadequados (65). Apesar disso, a Frana oferece,

    agora, um modelo importante de moderno sistema de assistncia judiciria.

    A despeito das realizaes importantes dos esquemas de assistncia judiciria, tais como os da

    Inglaterra e da Frana, o prprio sistema de assistncia judiciria tem enfrentado muitas crticas. Tem-se

    tornado lugar comum observar que a tentativa de tratar as pessoas pobres como clientes regulares cria

    dificuldades. O judicare desfaz a barreira de custo, mas faz pouco para atacar barreiras causadas por

    outros problemas encontrados pelos pobres. Isso porque ele confia aos pobres a tarefa de reconhecer as

    causas e procurar auxlio (66); no encoraja, nem permite que o profissional individual auxilie os pobres a

    compreender seus direitos e identificar as reas em que se podem valer de remdios jurdicos. , sem

    dvida, altamente sugestivo que os pobres tendam a utilizar o sistema judicare principalmente para

    problemas que lhes so familiares matria criminal ou de famlia em vez de reivindicar seus novos

    direitos como consumidores, inquilinos, etc. (67). Ademais, mesmo que reconheam sua pretenso, as

    pessoas pobres podem sentir-se intimidadas em reivindic-la pela perspectiva de comparecerem a um

    escritrio de advocacia e discuti-la com um advogado particular. Sem dvida, em sociedades em que os

    ricos e os pobres vivem separados, pode haver barreiras tanto geogrficas quanto culturais entre os poMes

    e o advogado. Ademais, evidente que a representao atravs de profissionais particulares no enfrenta

    as desvantagens de uma pessoa pobre frente a litigantes organizacionais. Mais importante, o judicare trata

    os pobres como indivduos, negligenciando sua situao como classe. Nem o sistema ingls, francs ou

    alemo, oferece, por exemplo, auxlio para casos-teste (68) ou aes coletivas em favor dos pobres, a

    menos que elas possam ser justificadas pelo interesse de cada indivduo. Dado que os pobres encontram

    14

  • muitos problemas jurdicos como grupo, ou classe e que os interesses de cada indivduo podem ser muito

    pequenos para justificar uma ao, remdios meramente individuais so inadequados.

    Os sistemas judicare, entretanto, no esto aparelhados para transcender os remdios individuais.

    2 O Advogado Remunerado Pelos Cofres Pblicos

    O modelo de assistncia judiciria com advogados remunerados pelos cofres pblicos tem um

    objetivo diverso do sistema judicare, o que reflete sua origem moderna no Programa de Servios Jurdicos

    do Office of Economic Opportunity, de 1965 a vanguarda de uma guerra contra a pobreza (69). Os

    servios jurdicos deveriam ser prestados por escritrios de vizinhana (70), atendidos por advogados

    pagos pelo governo e encarregados de promover os interesses dos pobres, enquanto classe. Como

    observou um comentarista: O objetivo era utilizar o dinheiro dos contribuintes de modo a obter a melhor

    relao custo-benefcio (71). claro que esse objetivo no exclua o auxilio a indivduos pobres para

    defender seus direitos. Contrariamente aos sistemas judicure existentes, no entanto, esse sistema tende a

    ser caracterizado por grandes esforos no sentido de fazer as pessoas pobres conscientes de seus novos

    direitos e desejosas de utilizar advogados para ajudar a obt-los. Ademais, os escritrios eram pequenos e

    localizados nas comunidades pobres, de modo a facilitar o contato e minimizar as barreiras de classe. Os

    advogados deveriam ser instrudos diretamente no conhecimento dessas barreiras, de modo a enfrent-las

    com maior eficincia. Finalmente, e talvez mais importante, os advogados tentavam ampliar os direitos

    dos pobres, enquanto classe, atravs de casos-teste, do exerccio de atividades de lobby, e de outras

    atividades tendentes a obter reformas da legislao, em benefcio dos pobres, dentro de um enfoque de

    classe. Na verdade, os advogados freqentemente auxiliavam os pobres a reivindicar seus direitos, de

    maneira mais eficiente, tanto dentro quanto fora dos tribunais.

    As vantagens dessa sistemtica sobre a do judicare so bvias. Ela ataca outras barreiras ao

    acesso individual, alm dos custos, particularmente os problemas derivados da desinformao jurdica

    pessoal dos pobres. Ademais, ela pode apoiar os interesses difusos ou de classe das pessoas pobres. Esses

    escritrios, que renem advogados numa equipe, podem assegurar-se as vantagens dos litigantes

    organizacionais, adquirindo conhecimento e experincia dos problemas tpicos dos pobres. Advogados

    particulares, encarregados apenas de atender a indivduos geralmente no so capazes de assegurar essas

    vantagens. Em suma, alm de apenas encaminhar as demandas individuais dos pobres que so trazidas

    aos advogados, tal como no sistema judicare, esse modelo norte-americano: 1) vai em direo aos pobres

    para auxili-los a reivindicar seus direitos e 2) cria uma categoria de advogados eficientes para atuar pelos

    pobres, enquanto classe.

    As desvantagens ou limites do sistema das equipes de advogados provm de sua grande

    agressividade e capacidade de criar tais advogados. evidente, em primeiro lugar, que a maior

    repercusso e melhor resultado aparente dos casos-teste e das iniciativas de reformas legais, podem na

    prtica levar o advogado de equipe a negligenciar os interesses de clientes particulares. Sem dvida, os

    advogados de equipe precisam diariamente decidir como alocar melhor seus recursos limitados entre

    casos importantes apenas para alguns indivduos, e casos importantes numa perspectiva social. possvel

    que os indivduos sejam ignorados ou recebam uma ajuda de segunda classe. Em segundo lugar, muitas

    15

  • pessoas entendem, com alguma razo que um advogado, ao colocar-se na posio de advogado dos

    pobres e, de fato, ao tratar os pobres como se fossem incapazes de perseguir seus prprios interesses,

    muito paternalista. Tratem-se os pobres, dizem elas, simplesmente como indivduos comuns, com menos

    dinheiro.

    Provavelmente, um problema ainda mais srio desse sistema que ele necessariamente depende

    de apoio governamental para atividades de natureza poltica, tantas vezes diigidas contra o prprio

    governo. Essa dependncia pressupe que uma sociedade tenha decidido que qualquer iniciativa jurdica

    para ajudar os pobres desejvel, mesmo que signifique um desafio ao governamental e s aes dos

    grupos dominantes na sociedade. Os Estados Unidos, por exemplo, parecem ter-se decidido a erradicar a

    pobreza, mas, na realidade, os advogados da assistncia judiciria americana, ao contrrio dos advogados

    particulares na Inglaterra, Frana e Alemanha, tm estado sob ataques polticos constantes (72). Apenas

    recentemente, depois de uma disputa legislativa muito difcil, envolvendo um veto presidencial, que a

    Legal Services Corporation tornou-se independente de influncia governamental direta. Mas a nova lei

    contm muitas regras que tendem a proibir ou limitar a atividade de reforma jurdica por parte dos

    advogados do servio (73). luz dessa histria recente, nos Estados Unidos, no de surpreender que a

    atividade agressiva em favor dos pobres atravs de servios pblicos, em outros pases, seja

    extremamente difcil (74). Embora esse sistema possa romper muitas barreiras ao acesso, ele est longe de

    ser perfeito.

    A soluo de manter equipes de advogados assalariados, se no for combinada com outras

    solues, tambm limitada em sua utilidade pelo fato de que ao contrrio do sistema judicare, o qual

    utiliza a advocacia privada ela no pode garantir o auxlio jurdico como um direito. Para sermos

    realistas, no possvel manter advogados em nmero suficiente para dar atendimento individual de

    primeira categoria a todos os pobres com problemas jurdicos. Por outro lado, e no menos importante,

    o fato de que no pode haver advogados suficientes para estender a assistncia judiciria classe mdia,

    um desenvolvimento que um trao distintivo fundamental da maior parte dos sistemas judicare.

    3 Modelos Combinados

    Alguns pases escolheram, recentemente, combinar os dois principais modelos de sistemas de

    assistncia jurdica, depois de terem reconhecido as limitaes que existem em cada um deles e que

    ambos podem, na verdade, ser complementares. A Sucia (75) e a Provncia Canadense de Quebeque (76)

    foram as primeiras a oferecer a escolha entre o atendimento por advogados servidores pblicos ou por

    advogados particulares, embora seja preciso mencionar que os programas tm nfases diversas. O sistema

    sueco inclina-se mais para o modo de operao do judicare, uma vez que os advogados pblicos devem

    manter-se, essencialmente, atravs dos honorrios pagos pelo Estado em benefcio dos indivduos

    assistidos, enquanto em Quebeque os escritrios de advocacia so mantidos diretamente pelo governo

    sem que se leve em conta quo bem sucedidos eles sejam na competio com sociedades de advogados

    particulares. Em Quebeque, conseqentemente, os escritrios pblicos podem ter menos tendncia a

    privilegiar apenas disputas individuais e, mais provavelmente, podero mobilizar os pobres e advogar por

    eles, como grupo. O ponto importante, no entanto, que a possibilidade de escolha em ambos os

    16

  • programas abriu uma nova dimenso. Este modelo combinado permite que os indivduos escolham entre

    os servios personalizados de um advogado particular e a capacitao especial dos advogados de equipe,

    mais sintonizados com os problemas dos pobres. Dessa forma, tanto as pessoas menos favorecidas,

    quanto os pobres como grupo, podem ser beneficiados.

    Reconhecendo essas vantagens, os reformadores de muitos pases, incluindo a Austrlia (77), a

    Holanda (78) e a Gr-Bretanha (79) auxiliaram a implementar sistemas nos quais centros de atendimento

    jurdico suplementam os esquemas estabelecidos de judicare. So particularmente notveis, por sua

    crescente importncia, os centros de atendimento jurdico de vizinhana, da Inglaterra. Esses centros

    esto localizados em reas pobres, sobretudo ao redor de Londres. Seus solicitors assalariados (e alguns

    Barristers) realizam muitas das tarefas desempenhadas pelos advogados de equipe nos Estados Unidos.

    Eles tm, cada vez mais, procurado tratar os problemas trazidos at eles no apenas como assuntos

    individuais, mas tambm como questes da comunidade. O trabalho deles, no obstante alguma hesitao

    inicial por parte da Law Society, tornou-se reconhecido como um ramo essencial integrante dos

    serviosjurdicos (80).

    Tambm a Sucia foi pioneira em algumas inovaes. Em primeiro lugar, ela vai bastante alm

    dos outros pases, inclusive da Frana, na extenso da assistncia judiciria s classes mdias. At meados

    de 1977, uma pessoa com rendimentos de at 80.000 coroas suecas por ano (cerca de USS 17.400) estava

    apta a receber auxlio jurdico subsidiado (81). Esse valor automaticamente reajustado consoante o custo

    de vida. Ademais, a combinao de previdncia privada e assistncia judiciria, que atualmente

    disponvel na Sucia, preencheu a principal lacuna que existe na maior parte dos outros sistemas

    europeus. Praticamente em todos os ordenamentos onde prevalece o sistema da sucumbncia, a

    assistncia judiciria no assume o compromisso de reembolsar o vencedor no assistido, mesmo que o

    sucumbente seja muito pobre. Dessa forma, incapaz de recuperar seus custos, o adversrio do litigante

    pobre pode ficar sujeito a considervel nus financeiro (82). Na Sucia, no entanto, cerca de 85% da

    populao tem seguros que cobrem, entre outros, a maior parte dos nus pela derrota numa ao (83).

    Assim, o adversrio pode, facilmente, recuperar sius custos, mesmo em se tratando de um adversrio

    pobre, se este segurado. Obviamente, essa soluo tem importantes implicaes para o acesso justia

    na Sucia; na verdade, ela representa um passo alm da simples assistncia judiciria (84).

    4 A Assistncia Judiciria: Possibilidades e Limitaes

    Medidas muito importantes foram adotadas nos ltimos anos para melhorar os sistemas de

    assistncia judiciria. Como conseqncia, as barreiras ao acesso Justia comearam a ceder. Os pobres

    esto obtendo assistncia judiciria em nmeros cada vez maiores, no apenas para causas de famlia ou

    defesa criminal, mas tambm para reivindicar seus direitos novos, no tradicionais, seja como autores ou

    como rus. de esperar que as atuais experincias sirvam para eliminar essas barreiras.

    A assistncia judiciria, no entanto, no pode ser o nico enfoque a ser dado na reforma que

    cogita do acesso Justia. Existem limites srios na tentativa de soluo pela assistncia judiciria. Antes

    de mais nada, para que o sistema seja eficiente, necessrio que haja um grande nmero de advogados,

    um nmero que pode at exceder a oferta, especialmente em pases em desenvolvimento.

    17

  • Em segundo lugar, mesmo presumindo que haja advogados em nmero suficiente, no pas,

    preciso que eles se tornem disponveis para auxiliar aqueles que no podem pagar por seus servios. Isso

    faz necessrias grandes dotaes oramentrias, o que o problema bsico dos esquemas de assistncia

    judiciria. A assistncia judiciria baseia-se no fornecimento de servios jurdicos relativamente caros,

    atravs de advogados que normalmente utilizam o sistema judicirio formal. Para obter os servios de um

    profissional altamente treinado, preciso pagar caro, sejam os honorrios atendidos pelo cliente ou pelo

    Estado. Em economias de mercado, como j assinalamos, a realidade diz que, sem remunerao

    adequada, os servios jurdicos para os pobres tendem a ser pobres, tambm. Poucos advogados se

    interessam em assumi-los, e aqueles que o fazem tendem a desempenh-los em nveis menos rigorosos.

    Tendo em vista o alto custo dos advogados, no surpreendente que at agora muito poucas sociedades

    tenham sequer tentado alcanar a meta de prover um profissional para todas as pessoas para quem essa

    despesa represente um peso econmico excessivo (85). A Sucia, onde os ndices de pobreza so

    mnimos, e que tem, talvez, o sistema de assistncia judiciria mais dispendioso do mundo, foi

    considerada, por um observador, como o nico pas que realmente logrou oferecer assistncia judiciria a

    qualquer pessoa que no possa enfrentar os custos dos servios jurdicos (86).

    Em terceiro lugar, a assistncia judiciria no pode, mesmo quando perfeita, solucionar o

    problema das pequenas causas individuais. Isso no de surpreender, pois mesmo aqueles que esto

    habilitados a pagar pelos servios de um advogado, muitas vezes no podem, economicamente, propor (e,

    arriscar perder) uma pequena causa. Logo, os advogados pagos pelo governo tambm no se do ao luxo

    de levar adiante esses casos (87). Uma vez mais, o problema das pequenas causas exige ateno especial.

    Finalmente, o modelo de advogados de equipe dirige-se necessidade de reivindicar os

    interesses difusos dos pobres, enquanto classe, ao passo que outros imnportantes interesses difusos, tais

    como os dos consumidores ou dos defensores do meio ambiente continuam sendo ignorados. O

    reconhecimento desse fato tornou-se a base da segunda importante onda de reformas, que analisaremos a

    seguir.

    B - A SEGUNDA ONDA: REPRESENTAO DOS INTERESSES DIFUSOS

    O segundo grande movimento no esforo de melhorar o acesso justia enfrentou o problema da

    representao dos interesses difusos, assim chamados os interesses coletivos ou grupais, diversos

    daqueles dos pobres. Nos Estados Unidos, onde esse mais novo movimento de reforma ainda

    provavelmente mais avanado, as modificaes acompanharam o grande qinqnio de preocupaes e

    providncias na rea da assistncia jurdica (1965-1970).

    Centrando seu foco de preocupao especificamente nos interesses difusos, esta segunda onda de

    reformas forou a reflexo sobre noes tradicionais muito bsicas do processo civil e sobre o papel dos

    tribunais. Sem dvida, uma verdadeira revoluo est-se desenvolvendo dentro do processo civil.

    Vamos examin-la brevemente antes de descrever com mais detalhes as principais solues que

    emergiram (88).

    18

  • A concepo tradicional do processo civil no deixava espao para a proteo dos direitos

    difusos. O processo era visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava soluo de

    uma controvrsia entre essas mesmas partes a respeito de seus prprios interesses individuais. Direitos

    que pertencessem a um grupo, ao pblico em geral ou a um segmento do pblico no se enquadravam

    bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuao dos

    juzes no eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares.

    As reformas discutidas a seguir so a prova e os resultados das rpidas mudanas que

    caracterizaram essa fase (89). Verifica-se um grande movimento mundial em direo ao que o Professor

    Chayes denominou litgios de direito pblico em virtude de sua vinculao com assuntos importantes

    de poltica pblica que envolvem grandes grupos de pessoas (90). Em primeiro lugar, com relao

    legitimao ativa, as reformas legislativas e importantes decises dos tribunais esto cada vez mais

    permitindo que indivduos ou grupos atuem em representao dos interesses difusos (91).

    Em segundo lugar, a proteo de tais interesses tornou necessria uma transformao do papel do

    juiz e de conceitos bsicos como a citao e o direito de ser ouvido. Uma vez que nem todos os

    titulares de um direito difuso podem comparecer a juzo por exemplo, todos os interessados na

    manuteno da qualidade do ar, numa determinada regio preciso que haja um representante

    adequado para agir em benefcio da coletividade, mesmo que os membros dela no sejam citados

    individualmente. Da mesma forma, para ser efetiva, a deciso deve obrigar a todos os membros do grupo,

    ainda que nem todos tenham tido a oportunidade de ser ouvidos. Dessa maneira, outra noo tradicional, a

    da coisa julgada, precisa ser modificada, de modo a permitir a proteo judicial efetiva dos interesses

    difusos. A criao norte-americana da class action, abordada a seguir, permite que, em certas

    circunstncias, uma ao vincule os membros ausentes de determinada classe, a despeito do fato de eles

    no terem tido qualquer informao prvia sobre o processo. Isso demonstra as dimenses surpreendentes

    dessa mudana no processo civil (92). A viso individualista do devido processo judicial est cedendo

    lugar rapidamente, ou melhor, est se fundindo com uma concepo social, coletiva. Apenas tal

    transformao pode assegurar a realizao dos direitos pblicos relativos a interesses difusos (93).

    1 A Ao Governamental

    Embora seja ainda o principal mtodo para representao dos interesses difusos,

    especialmente por causa da relutncia tradicional em dar-se legitimao a indivduos ou grupos para

    atuarem em defesa desses interesses a ao governamental no tem sido muito bem sucedida (94). A

    triste constatao que, tanto em pases de common law, como em pases de sistema continental europeu,

    as instituies governamentais que, em virtude de sua tradio, deveriam proteger o interesse pblico, so

    por sua prpria natureza incapazes de faz-lo. O Ministrio Pblico dos sistemas continentais e as

    instituies anlogas, induindo o Staatsanwalt alemo e a ?Proleuratura? sovitica, esto inerentemente

    vinculados a papis tradicionais restritos e no so capazes de assumir, por inteiro, a defesa dos interesses

    difusos recentemente surgidos. Eles so amide sujeitos a presso poltica uma grande fraqueza, se

    considerarmos que os interesses difusos, freqentemente, devem ser afirmados contra entidades

    governamentais.

    19

  • A reivindicao dos novos direitos muitas vezes exige qualificao tcnica em reas no

    jurdicas, tais como contabilidade, mercadologia, medicina e urbanismo. Em vista disso, o Ministrio

    Pblico e suas instituies correspondentes, muitas vezes, no dispem do treinamento e experincia

    necessrios para que sejam eficientes. Embora haja sinais de que os procuradores gerais nos pases de

    common law, ou pelo menos nos Estados Unidos, estejam assumindo papel mais importante na proteo

    dos interesses difusos, tambm eles tm sido incapazes de desempenhar a tarefa sozinhos (95); isso

    porque, mais ainda que o Ministrio Pblico dos pases de sistema continental, o attorney general

    (procurador-geral) um funcionrio poltico. Essa condio, se, de um lado, pode inspir-lo, pode,

    tambm, inibi-lo de adotar a posio independente de um advogado do povo contra componentes

    poderosos do establishment ou contra o prprio Estado.

    Outras solues governamentais para o problema de modo especial, a criao de certas

    agncias pblicas regulamentadoras altamente especializadas, para garantir certos direitos do pblico ou

    ottros interesses difusos so muito importantes, mas, tambm, limitadas. A histria recente demonstra

    que, por uma srie de razes, elas tm deficincias aparentemente inevitveis (96). Os departamentos

    oficiais inclinam-se a atender mais facilmente a interesses organizados, com nfase nos resultados das

    suas decises, e esses interesses tendem a ser predominantemente os mesmos interesses das entidades que

    o rgo deveria controlar. Por outro lado, os interesses difusos, tais como os dos consumidores e

    preservacionistas, tendem, por motivos j mencionados, a no ser organizados em grupos de presso

    capazes de influenciar essas agncias (97).

    Apesar da histria desconfortvel dessas solues, a procura de um mecanismo governamental efetivo

    ainda continua, e novas instituies foram criadas com perspectivas de remediar muitos dos males do

    passado. Um exemplo recente e importante dessa tentativa nos Estados Unidos a nova instituio do

    advogado pblico (98). A experincia pioneira, que comeou em 1974, o Departamento do Advogado

    Pblico de Nova Jrsei, que tem a ampla misso de representar o interesse pblico em quaisquer

    procedimentos administrativos e judidiais, com o objetivo de servir ao interesse pblico da melhor

    maneira possvel (99). Uma proposta muito interessante parareforma similar em Wisconsin, analisada

    em maior detalhe a seguir, revela a base terica dessas reformas: H um desequilbrio na advocacia, que em muitos casos s pode ser corrigido por advogados

    pagos pelo governo, para defender os interesses no representados dos consumidores, do meio

    ambiente, dos idosos e de outros interesses no organizados. preciso que um advogado

    pblico fale por esses interesses se pretendermos que eles sejam ouvidos (100).

    A finalidade bsica , conseqentemente, fazer com que o departamento governamental

    represente os interesses que, at agora, tem sido descuidados, ou seja, os interesses difusos.

    O Ombudsman do Consumidor (101), na Sucia, que atualmente tem anlogos em outros pases (102),

    outro exemplo de instituio explicitamente criada para representar os interesses coletivos e fragmentados

    dos consumidores. Essa instituio, criada em 1970, pode iniciar processo no Tribunal do Mercado para

    impedir prticas inadequadas de propaganda e publicidade. Alm disso, o Ombudsman do Consumidor,

    que tambm atua em nome dos consumidores, enquanto desse, negocia clusulas de contratos-padro,

    com a comunidade empresarial sueca. Os particulares no poderiam desenvolver tais tarefas com sucesso,

    pois no teriam nem as condies econmicas, nem o poder de barganha necessrios.

    20

  • Conforme se assinalou acima, no entanto, a soluo governamental parece ter limitaes

    inerentes, mesmo quando funcione do melhor modo possvel (103). preciso acrescentar a energia e o

    zelo particulares mquina burocrtica, a qual, muito amide, torna-se lenta, inflexvel e passiva na

    execuo de suas tarefas.

    2 A Tcnica do Procurador-Geral Privado

    Permitir a propositura, por indivduos, de aes em defesa de interesses pblicos ou coletivos ,

    por si s, uma grande reforma (104).Mesmo que subsistam, por uma ou outra razo, as barreiras

    legitimao de grupos ou classes, trata-se de um importante primeiro passo permitir que um procurador-

    geral privado (105) ou demandantes ideolgicos (106) suplementem a ao do governo. Uma tpica

    reforma moderna nesse sentido a admisso de aes propostas por cidados para impugnar e paralisar

    determinada ao de governo. Grupos podem financiar essas aes individuais, como casos-teste. Existe

    grande nmero de exemplos dessas reformas no campo da proteo ambiental, tais como a admisso de

    aes privadas nos Estados Unidos para fazer valer o Clean Air Act (Lei Antipoluio Atmosfrica), de

    1970 (107). A lei italiana de 1967, que permite que qualquer pessoa acione as autoridades municipais por

    concesso irregular de permisses para construo, um exemplo semelhante (108). O mesmo tipo de

    soluo adotado no Estado alemo da Bavria, onde uma Popularlelage (ao popular) pode ser

    intentada por qualquer pessoa perante a Corte Constitucional Bvara, contra legislao estadual

    considerada atentatria da Declarao de Direitos contida na Constituio Bvara de 1946 (109).

    3 A Tcnica do Advogado Particular do Interesse Pblico

    a) Um primeiro passo da reforma: o reconhecimento de grupos.

    Mais requintada reforma a soluo conhecida como Organizational Private Attorney General

    (Procurador-Geral Organizacional Privado), que reconhece a necessidade de permitir aes coletivas no

    interesse pblico. (110) Uma vez que os grupos organizados para a defesa dos interesses difusos podem,

    eles mesmos, ser fontes de abusos, mecanismos de controle pblico (governamental) tambm tm sido

    desenvolvidos.

    A Frana apresenta vrios exemplos tpicos. Reconhecendo a tibieza usual do Ministrio Pblico

    na proteo dos novos interesses do pblico em geral ou de grupos, a Frana recentemente editou

    reformas de grande significao. O provimento de 27 de dezembro de 1973, comumente conhecido como

    a lei Royer, atribuiu legitimao ativa s associaes de consumidores quando haja fatos direta ou

    indiretamente prejudiciais ao interesse coletivo dos consumidores (111). Ademais, essa lei criou uma

    srie de controles para assegurar que as associaes habilitadas a acionar representem adequadamente o

    interesse coletivo dos consumidores. Tais controles foram, em parte, confiados ao prprio Ministrio

    Pblico. A Frana tambm adotou recentemente soluo muito semelhante para a proteo das minorias

    raciais (113) e, por ltimo, uma lei de 10 de julho de 1976 trouxe disposies anlogas com respeito

    proteo do meio ambiente (114). pacfico, atualmente, que os grupos representativos podem demandar

    direitos coletivos que o Ministrio Pblico no tenha vindicado eficientemente.

    21

  • De maneira semelhante, a instituio sueca do Ombudsman do Consumidor, acima mencionada, no tem

    exclusividade para intentar procedimentos perante o Tribunal Comercial (115). Tambm as associaes

    de consumidores tm legitimidade ativa para tais casos. Assim, mesmo o Ombudsman do Consumidor

    pode ter sua ao suplementada e provocada por grupos particulares, agindo na defesa do interesse

    pblico.

    Mais recentemente, na Repblica Federal da Alemanha, a Lei sobre Contratos-Padro, vigente a

    partir de 19 de abril de 1977, garantiu s associaes de consumidores legitimidade ativa para intentar

    aes que objetivem declarar a ilegalidade de determinadas clusulas contratuais (116). Uma vez

    publicada a declarao, os consumidores individuais podem usar a deciso para invalidar clusulas de

    contratos por eles celebrados.

    Outro mtodo interessante de permitir que grupos privados representem o interessse pblico a

    relator action (ao delegada), usada nos pases de common law, especialmente na Austrlia e Gr-

    Bretanha (117). A ao delegada intentada por uma parte que normalmente no teria legitimidade para a

    causa, mas que obtm a permisso, ou fiat, do procurador-geral para tanto. Essa ao pode ser utilizada

    tanto por indivduos quanto por grupos, mas, por motivos bvios especialmente custos os grupos

    parecem ter sido mais ativos na utilizao desse mecanismo para fazer valer os interesses difusos. Uma

    vez iniciada, a ao delegada prosssegue sob a superviso e controle (mais tericos que reais) do

    procurador-geral. Ela atualmente uma instituio importante, embora sua significao tenda a diminuir

    na medida em que as restries legitimidade sejam eliminadas em reas como a da defesa do

    consumidor e a da proteo ambiental.

    b) Um segundo nvel de reforma: alm dos grupos existentes.

    As reformas h pouco mencionadas avanam muito no sentido de reconhecer o papel importante,

    e at mesmo essencial, dos grupos privados, ao suplementarem, catalizarem, e mesmo substituirem as

    aes das agendas governamentais. Elas, no entanto, ainda no enfocam o problema de organizar e

    fortalecer grupos privados para a defesa de interesses difusos.

    Enquanto alguns interesses, tais como os trabalhistas, so geralmente bem organizados, outros,

    como os dos consumidores e dos preservacionistas, no so. As barreiras apontadas acima (118), muito

    freqentemente no foram ultrapassadas. Na melhor das hipteses, necessrio muito dinheiro e esforo

    para criar uma organizao de porte suficiente, recursos econmicos e especializao para representar

    adequadamente um interesse difuso (119). Na Sucia, por exemplo, poucas organizaes de consumidores

    tomaram partido das oportunidades que lhes so oferecidas para intentar aes (120). Ademais, as

    empresas contra as quais as demandas devem ser dirigidas so organizaes pujantes, que no apenas tm

    reservas financeiras substanciais em disponibilidade, mas tambm, como j vimos, apresentam outras

    caractersticas que as tornam adversrios especialmente temveis (121). preciso encontrar solues que

    facilitem a criao de eficientes procuradores-gerais organizacionais. Isso no tarefa simples. Vamos

    concentrar nossa ateno nos avanos verificados nos Estados Unidos, uma vez que, por diversos

    motivos, as mudanas l parecem estar mais adiantadas (122).

    i) As aes coletivas, as aes de interesse pblico e as sociedades de advogados que se ocupam

    delas. As caractersticas das class actions e das aes de interessse pblico, com suas limitaes e

    potencialidades tanto dentro quanto fora dos Estados Unidos, sero discutidas com maiores detalhes

    22

  • adiante (123), mas alguns traos particulares sero enfatizados aqui. Primeiro, a class action permitindo

    que um litigante represente toda uma classe de pessoas, numa determinada demanda, evita os custos de

    criar uma organizao permanente. Economia de escala atravs da reunio de pequenas causas possvel

    por esse meio e, sem dvida, o poder de barganha dos membros da classe grandemente reforado pela

    ameaa de uma enorme indenizao por danos (124). Com um esquema de honorrios condicionais, onde

    isso seja possvel, o trabalho de organizao financeiramente compensador para os advogados, que

    podem obter remunerao substancial (125). A class action portanto, ajuda a proporcionar as vantagens

    de litigantes organizacionais a causas de grupos ou de interesse pblico.

    Classs actions e aes de interesse pblico, no entanto, exigem especializao, experincia e

    recursos em reas especficas, que apenas grupos permanentes, prsperos e bem assessorados possuem.

    Muitos advogados de class actions podem ser incapazes de prover a tal especializao pessoalmente, ou

    no contar com recursos suficientes para obt-la com outros profissionais. Embora possam recuperar os

    honorrios advocatcios, na hiptese de sucesso, o risco de perder uma barreira considervel; para serem

    eficientes, precisam tambm se engajar em prticas de lobby e outras atividades extrajurdicas. Por

    muitas razes, grupos permanentes podem pressionar para obter decises de governo com mais sucesso

    do que classes relativamente efmeras, Esses problemas, juntamente com a impossibilidade de utilizao

    da class action como soluo para muitos dos prejuzsos sofridos pelos consumidores, tornam a class

    action um meio imperfeito de vindicao dos interesses difusos.

    A instituio americana do advogado do interesse pblico institui um esforo a mais para dar

    aos interesses difusos as vantagens com que contam os grupos permanentes (126). A justificao terica

    para o surgimento e crescimento das sociedades de advogados do interesse pblico nos Estados Unidos,

    desde 1970, corresponde precisamente ao que j assinalamos: Os advogados do interesse pblico acreditam que os pobres no so os nicos excludos do

    processo de tomada de deciso em assuntos de importncia vital para eles. Todas as pessoas que

    se preocupam com a degradao ambiental, com a qualidade dos produtos, com a proteo do

    consumidor, qualquer que seja sua classe socio-econmica, esto efetivamente excludas das

    decises-chave que afetam seus interesses (127).

    Esses interesses, como j assinalamos, no puderam encontrar representao atravs de

    organizaes. Muitos grupos de advogados (liberais) formaram, ento, sociedades de advogados do

    interesse pblico para atender essa demanda.

    As sociedades de advogados do interesse pblico variam muito em tamanho e especialidades

    temticas a que atendem (128). O tipo mais comum uma organizao de fins no lucrativos, mantida por

    contribuies filantrpicas. As primeiras dessas sociedades foram instituidas pela Fundao Ford, em

    1970. Embora nunca tenha havido mais de 70 a 100 desses escritrios, por volta de 1975, os advogados

    do interesse pblico tinham vrias centenas de casos importantes em juzo e muitos outros j concludos

    (129). Esses escritrios mantidos por fundaes j haviam tambm atuado em muitos procedimentos

    administrativos e outras importantes atividades extrajudiciais. Proporcionando aconselhamento jurdico

    especializado e constante superviso em relao a interesses no representados e no organizados, esses

    escritrios freqentemente agem em apoio a grupos existentes e substituem grupos ainda no formados.

    Os advogados do interesse pblico tm sido criticados por no serem responsabilizveis pelos

    interesses que representam, o que , em parte, verdadeiro (130). Existem tambm dvidas quanto a sua

    23

  • viabilidade a longo prazo. Apesar disso, os advogados do interesse pblico nos Estados Unidos

    continuam a fazer um trabalho importante, e j realizaram muito (131). A instituio pode ou no ser

    exportvel, mas ela , sem dvida, importante ao promover o acesso justia para os interesses difusos,

    dentro dos limites dos recursos disponveis (132).

    ii) A Assessoria Pblica, O xito dos advogados do interesse pblico nos Estados Unidos e as

    bvias restries financeiras sob as quais eles precisam atuar estimularam a criao de novas instituies,

    subsidiadas pelo governo, para servir ao interesse pblico (133). Os servios existentes de advogados

    pblicos, que j estudamos, representam uma dessas solues (134). Entre essa soluo oficial

    (governamental) e a frmula privada de advogados do interesse pblico existe uma nova e importante

    instituio norte-americana, que tem sido chamada de assessoria pblica. A idia consiste em usar

    recursos pblicos, mas confiar na energia, interesse e fiscalizao dos grupos particulares.

    O exemplo mais bem sucedido desse tipo de soluo, at hoje, foi o Escritrio de Assessoria

    Pblica, estabelecido nos Estados Unidos, em decorrncia das disposies da lei de Reorganizao

    Ferroviria Regional, de 1973, para auxiliar as comunidades e usurios das ferrovias na colocao de seus

    interesses em audincias pblicas (135). Essa repartio organizou as comunidades para reconhecer e

    afirmar seus direitos; sua funo tem sido investigar, auxiliar, mobilizar e, por vezes, subsidiar grupos

    que, de outra forma, seriam fracos defensores dos interesses dos usurios das ferrovias. Essa assessoria

    pblica tem sido muito eficiente em virtude de seu status de independncia, oramento adequado e uma

    equipe sensvel e bem treinada. Resta saber, naturalmente, se outras instituies do mesmo tipo seriam

    capazes de evitar presses polticas e permanecer suficientemente independentes. A grande e nova virtude

    dessa instituio que ela pode auxiliar a criar grupos permanentes capazes de exercer presso e, dessa

    forma, reivindicar seus prprios direitos, atravs de procedimentos administrativos e judiciais.

    c) A soluo pluralstica (mista).

    A idia da assessoria pblica foi integrada com diversas outras teses, tornando-se, em nosso

    entendimento, a melhor proposta de reforma j apresentada para essa rea, nos Estados Unidos. Num

    estudo preparado para o Departamento de Administrao do Estado deWisconsin pelo Centro de

    Representao Popular de Wisconsin, seus autores no s recomendaram a adoo do tipo de advogado

    pblico analisado antes, como ainda vo alm. Eles aceitam a necessidade enfatizada num estudo

    anterior, dentro do mbito do Projeto de Florena (136) de uma soluo mista, e explanam esse

    reconhecimento assim: Salientamos, como princpio cardeal, que defensores particulares so os melhores advogados

    para os interesses sem representao. Onde j existam grupos particulares que sejam realmente

    representativos, mas caream dos recursos para obter advocacia eficiente, a resposta

    governamental adequada ser manter e desenvolver esses grupos e tornar-lhes acessvel a

    participao, tanto quanto possvel. .

    Por outro lado, treinamento e assistncia aos grupos de cidados nem sempre sero suficientes

    para suprir as necessidades. Alguns interesses no so, nem sero representados por qualquer

    grupo. O interesse pode ser excessivamente difuso para permitir que mesmo um pequeno grupo

    seja organizado, ou pode ocorrer que nenhum dos grupos existentes esteja em condies de ser

    considerado representativo. Em tais casos, a advocacia pblica ser a soluo mais adequada

    (137).

    24

  • preciso que haja uma soluo mista ou plurarstica para o problema de representao dos

    interesses difusos. Tal soluo, naturalmente, no precisa ser incorporada numa nica proposta de

    reforma. O importante reconhecer e enfrentar o problema bsico nessa rea: resumindo, esses interesses

    exigem uma eficiente ao de grupos particulares, sempre que possvel; mas grupos particulares nem

    sempre esto disponveis e costumam ser difceis de organizar. A combinao de recursos, tais como as

    aes coletivas, as sociedades de advogados do interesse pblico, a assessoria pblica e o advogado

    pblico podem auxiliar a superar este problema e conduzir reivindicao eficiente dos interesses

    difusos.

    C A TERCEIRA ONDA: DO ACESSO REPRESENTAO EM JUZO A UMA

    CONCEPO MAIS AMPLA DE ACESSO JUSTIA. UM NOVO ENFOQUE DE ACESSO

    JUSTIA

    O progresso na obteno de reformas da assistncia jurdica e da busca de mecanismos para a

    representao de interesses pblicos essencial para proporcionar um significativo acesso justia.

    Essas reformas sero bem sucedidas e, em parte, j o foram no objetivo de alcanar proteo

    judicial para interesses que por muito tempo foram deixados ao desabrigo. Os programas de assistncia

    judiciria esto finalmente tornando disponveis advogados para muitos dos que no podem custear seus

    servios e esto cada vez mais tornando as pessoas conscientes de seus direitos. Tem havido progressos

    no sentido da reivindicao dos direitos, tanto tradiconais quanto novos, dos menos privilegiados. Um

    outro passo, tambm de importncia capital, foi a criao de mecanismos para representar os interesses

    difusos no apenas dos pobres, mas tambm dos consumidores, preservacionistas e do pblico em geral,

    na reivindicao agressiva de seus novos direitos sociais.

    O fato de reconhecermos a importncia dessas reformas no deve impedir-nos de enxergar os

    seus limites. Sua preocupao basicamente encontrar representao efetiva para interesses antes no

    representados ou mal representados. O novo enfoque de acesso Justia, no entanto, tem alcance muito

    mais amplo. Essa terceira onda de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de

    advogados particulares ou pblicos, mas vai alm. Ela centra sua ateno no conjunto geral de instituies

    e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas

    sociedades modernas. Ns o denominamos o enfoque do acesso Justia por sua abrangncia. Seu

    mtodo no consiste em abandonar as tcnicas das duas primeiras ondas de reforma, mas em trat-las

    como apenas algumas de uma srie de possibilidades para melhorar o acesso.

    Esse movimento emergente de acesso Justia procede dos movimentos anteriores preocupados

    com a representao legal. Aqueles movimentos tambm se destinavam a fazer efetivos os direitos de

    indivduos e grupos que, durante muito tempo, estiveram privados dos benefcios de uma justia

    igualitria. Sem dvida, esses movimentos iniciais receberam impulso atravs da afluncia econmica

    recente e outras reformas que, de certa forma, alteraram o equilbrio formal de poder entre indivduos, de

    um lado, e litigantes mais ou menos organizados, de outro, tais como as empresas ou o governo. Para os

    pobres, inquilinos, consumidores e outras categorias, tem sido muito difcil tornar os novos direitos

    25

  • efetivos, como era de se prever. Como observa Galanter, O sistema tem a capacidade de mudar muito ao

    nvel do ordenamento sem que isso corresponda a mudanas na prtica diria da distribuio de vantagens

    tangveis. Na realidade, a mudana de regras pode tornar-se um substituto simblico para a redistribuio

    de vantagens. (138)

    A representao judicial tanto de indivduos, quanto de interesses difusos no se mostrou

    suficiente, por si s, para tornar essas mudanas de regras vantagens tangveis ao nvel prtico. Tal

    como reconhecido pelo Brent Community Law Center de Londres, o problema de execuo das leis que

    se destinam a proteger e beneficiar as camadas menos afortunadas da sociedade geral (139). No

    possvel, nem desejvel resolver tais problemas com advogados apenas, isto , com uma representao

    judicial aperfeioada. Entre outras coisas, ns aprendemos, agora, que esses novos direitos

    freqentemente exigem novos mecanismos procedimentais que os tornem exeqveis (140). Como afirma

    Jacob: So as regras de procedimento que insuflam vida nos direitos substantivos, so elas que os

    ativam, para torn-los efetivos (141). Cada vez mais se reconhece que, embora no possamos

    negligenciar as virtudes da representao judicial, o movimento de acesso Justia exige uma abordagem

    muito mais compreensiva da reforma (142). Poder-se-ia dizer que a enorme demanda latente por mtodos

    que tornem os novos direitos efetivos forou uma nova meditao sobre o sistema de suprimento o

    sistema judicirio (143).

    O tipo de reflexo proporcionada por essa abordagem pode ser compreendida atravs de uma

    breve discusso de algumas das vantagens que podem ser obtidas atravs dela. Inicialmente, como j

    assinalamos, esse enfoque encoraja a explorao de uma ampla variedade de reformas, incluindo

    alteraes nas formas de procedimento, mudanas na estrutura dos tribunais ou a criao de novos

    tribunais, o uso de pessoas leigas ou paraprofissionais, tanto como juzes quanto como defensores,

    modificaes no direito substantivo destinadas a evitar litgios ou facilitar sua soluo e a utilizao de

    mecanismos privados ou informais de soluo dos litgios. Esse enfoque, em suma, no receia inovaes

    radicais e compreensivas, que vo muito alm da esfera de representao judicial.

    Ademais, esse enfoque reconhece a necessidade de correlacionar e adaptar o processo civil ao

    tipo de litgio (144). Existem muitas caractersticas que podem distinguir um litgio de outro. Conforme o

    caso, diferentes barreiras ao acesso podem ser mais evidentes, e diferentes solues, eficientes. Os litgios

    por exemplo diferem em sua complexidade. geralmente mais fcil e menos custoso resolver uma

    questo simples de no-pagamento, por exemplo, do que comprovar uma fraude. Os litgios tambm

    diferem muito em relao ao montante da controvrsia, o que freqentemente determina quanto os

    indivduos (ou a sociedade) despendero para solucion-los. Alguns problemas sero mais bem

    resolvidos se as partes simplesmente se evitarem uma outra (145). A importncia social aparente de

    certos tipos de requerimentos tambm ser determinante para que sejam alocados recursos para sua

    soluo. Alm disso, algumas causas, por sua natureza, exigem soluo rpida, enquanto outras podem

    admitir longas deliberaes.

    Tal como foi enfatizado pelos modernos socilogos, as partes que tendem a se envolver em

    determinado tipo de litgio tambm devem ser levadas em considerao (146). Elas podem ter um

    relacionamento prolongado e complexo, ou apenas contatos eventuais. J foi sugerido que a mediao ou

    outros mecanismos de interferncia apaziguadora so os mtodos mais apropriados para preservar os

    26

  • relacionamentos (147). As partes, ademais, podem diferir grandemente em poder de barganha,

    experincia ou outros fatoresj comentados anteriormente no presente estudo sob o ttulo Possibilidades

    das Partes.

    Por fim, preciso enfatizar que as disputas tm repercusses coletivas tanto quanto individuais.

    Embora obviamente relacionados, importante, do ponto de vista conceitual e prtico, distinguir os tipos

    de repercusso, porque as dimenses coletiva e individual podem ser atingidas por medidas diferentes.

    Por exemplo, considerem-se as vantagens antes mencionadas que o poderoso litigante organizacional tem

    frente ao indivduo. Num primeiro nvel, essas vantagens consistem na capacidade de reconhecer um

    direito, poder custear uma pequena causa, ou utilizar o forum de forma eficiente para impor um direito ou

    defend-lo de ataques. Essas so vantagens concretas em casos individuais, as quais, como veremos,

    podem ser enfrentadas com algum sucesso ao nvel individual. Num segundo nvel, as vantagens

    consistem na capacidade de encaminhar casos-teste, de modo a assegurar precedentes favorveis, que

    sero vantajosos em casos individuais; de estruturar as transaes de maneira a tirar proveito dessas

    normas; de controlar o cumprimento de determinada lei, quando seja necessrio; de sugerir ou fazer

    presso a favor de mudanas no sentido de leis favorveis. Mecanismos tais como os que j discutimos

    para a proteo dos interesses difusos so especialmente apropriados para a abordagem desses problemas.

    Alguns mecanismos, tais como a class action, podem ser utilizados tanto para dar amparo aos

    indivduos, quanto para impor os direitos coletivos duma classe. Muitos e importantes remdios, no

    entanto, tendem a servir apenas a uma ou outra das funes.

    necessrio, em suma, verificar o papel e importncia dos diversos fatores e barreiras

    envolvidos, de modo a desenvolver instituies efetivas para enfrent-los. O enfoque de acesso Justia

    pretende levar em conta todos esses fatores. H um crescente reconhecimento da utilidade e mesmo da

    necessidade de tal enfoque no mundo atual.

    27

  • IV

    TENDNCIAS NO USO DO ENFOQUE DO ACESSO JUSTIA

    O enfoque do acesso Justia tem um nmero imenso de implicaes. Poder-se-ia dizer que ele

    exige nada menos que o estudo crtico e reforma de todo o aparelho judicial. Obviamente, qualquer

    projeto comparativo, mesmo que se beneficie do montante de contribuies com que conta o Projeto de

    Florena, no pode no presente estgio da pesquisa nesse campo fazer muito mais do que oferecer uma

    vista geral. Apesar disso, algumas idias e tendncias bsicas podem ser distinguidas, e a sua discusso

    permitir mostrar as realizaes e potencial bem como alguns dos perigos e limitaes desse

    esforo criativo mundial.

    Antes de examinar as reformas individuais, no entanto, deve ser enfatizado que qualquer tipo de reforma

    se relaciona muito proximamente com outras reformas, potenciais ou existentes. Uma mudana na

    legislao que d aos inquilinos maiores direitos, por exemplo, pode ter inicialmente efeitos muito

    tmidos; mas uma alterao subseqente no mtodo de outorga da prestao jurisdicional poderia alertar

    os inquilinos para seus novos direitos e mesmo acrescer o volume de causas perante tribunais

    desacostumados aos litgios contenciosos entre locadores e locatrios. A criao de um tribunal de

    locaes poderia aliviar os tribunais regulares e, caso destinada a obviar a necessidade de advogados,

    poderia reduzir a necessidade de servios jurdicos. No indispensvel que o progresso ocorra dessa

    forma. Mas, apesar de nossa nfase em determinados tipos de reformas especialmente notveis, no

    podemos deixar de considerar as implicaes e o inter-relacionamento com o complexo maquinrio j

    existente para a soluo de litgios.

    A - A REFORMA DOS PROCEDIMENTOS JUDICIAIS EM GERAL

    Embora a ateno dos modernos reformadores se concentre mais em alternativas ao sistema

    judicirio regular, que nos prprios sistemas judicirios, importante lembrar que muitos conflitos

    bsicos envolvendo os direitos de indivduos ou grupos, necessariamente continuaro a ser submetidos

    aos tribunais regulares. Master Jacob j afirmou: A engrenagem judiciria formal de cortes de Justia, naturalmente, continuar a ser necessria e

    vital no s para lidar com importantes questes de direito, incluindo temas de significao

    constitucional, como tambm para julgar questes vultosas e substanciais que afetem intere