“acesso À justiÇa: desafios para o serviÇo social” · pós-graduação em serviço social da...

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SUSELAINE FACIROLI BORGES “ACESSO À JUSTIÇA: DESAFIOS PARA O SERVIÇO SOCIAL” Franca 2006

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SUSELAINE FACIROLI BORGES

ACESSO JUSTIA: DESAFIOS PARA O SERVIO SOCIAL

Franca 2006

SUSELAINE FACIROLI BORGES

ACESSO JUSTIA: DESAFIOS PARA O SERVIO SOCIAL

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Servio Social da Faculdade de Histria, Direito e Servio Social da Universidade Estadual Paulista UNESP - Campus de Franca/SP, para obteno do ttulo de Mestre em Servio Social.rea de Concentrao: Servio Social: Trabalho e Sociedade. Linha de Pesquisa: Servio Social: Formao e Prtica Profissional. Orientador: Prof. Dr. Pe. Mrio Jos Filho

Franca 2006

SUSELAINE FACIROLI BORGES

ACESSO JUSTIA: DESAFIOS PARA O SERVIO SOCIAL

COMISSO EXAMINADORA

DISSERTAO PARA OBTENO DO GRAU DE MESTRE

Presidente e Orientador: Prof. Dr.

1 Examinadora: Prof.Dr.

2 Examinadora: Prof.Dr.

Franca 2006

PARTE 1 Borges, Suselaine Faciroli PARTE 2 Acesso justia : desafios para o

Servio Social / Suselaine PARTE 3 Faciroli Borges. Franca : UNESP,

2006 Dissertao Mestrado Servio Social Faculdade de Histria, Direito e Servio Social UNESP. 1. Servio Social Acesso justia. 2. Centro Jurdico Social UNESP Campus de Franca Assistncia jurdica

A todos os profissionais que fazem do seu espao de trabalho um locus pela ampliao da cidadania e justia social.

AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida, pela luz que ilumina meu caminho e por tudo que

sou.Tudo posso naquele que me fortalece.(Filipenses 4:13)

minha famlia, em especial, Suzy, Caio, Caiozinho, Pedro, V Marina, Tia

Simone pelo apoio, incentivo e por compreenderem a minha ausncia. Serei

eternamente grata por tudo que fizeram e fazem por mim, na certeza, de que a

maior riqueza de se possuir o amor, o respeito, o carinho e a dedicao de quem

se ama.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Pe. Mrio Jos Filho, pela compreenso, pelo

estmulo, competncia, dedicao e pacincia no decorrer desses anos. A sua

presena, seu saber e sua ternura me enriquecem...Obrigada mais uma vez!!!

Agradeo equipe do Centro Jurdico Social pela ateno, pacincia e

carinho para com a minha pessoa no desenvolvimento da pesquisa de campo.

Aos meus amigos e minha famlia Sancarlense, pelo companheirismo, apoio

e refgio nos momentos de aflio e angstias. s vezes, tudo o que buscamos

nesta vida a palavra de algum. Vocs so especiais !!!

A todos que participaram do meu crescimento profissional e pessoal e

contriburam para tal sempre incentivando nos momentos de desnimo, alm dos

que, mesmo de longe, estiveram presentes:

Os verdadeiros amigos, que chegam nossa vida em momentos especiais.

E, acontea o que acontecer,

permanecem ao nosso lado.

Sempre grata,

Carinhosamente!

Atravs dos prados nos flancos das encostas, nunca h uma soluo nica, um caminho exclusivo, mas atalhos caprichosos mais ou menos paralelos, com um leque de outros caminhos que se abrem, a cada curva, para outros horizontes.

Freinet, C. Pedagogia do Bom Senso.

RESUMO

O acesso justia tem sido considerado pelos tericos das Cincias Jurdicas como um direito fundamental, uma vez que dele dependem todos os outros direitos. Para as populaes menos favorecidas o amplo acesso justia atravs de profissionais plenamente capacitados to importante e fundamental quanto ao acesso sade, educao, moradia e outros. O Servio Social contribui a partir de seu conhecimento especfico para a construo de novas alternativas de ao no campo jurdico. Assim, faz-se mais que necessria a nossa investigao com a finalidade de descrevermos a prtica profissional do Servio Social no campo da prtica scio-jurdica, especificamente nos servios que oferecem a assistncia jurdica integral e gratuita, elencando as atividades, as aes desempenhadas pelo Servio Social, os instrumentais, recursos terico-metodolgicos utilizados e a relao da equipe no desenvolvimento deste trabalho. Elaboramos nosso estudo a partir do contexto scio-jurdico, destacando o acesso justia no decorrer dos tempos, a realidade da justia brasileira e os sujeitos deste contexto scio-jurdico. Situamos o Servio Social neste campo de atuao, exemplificando quais so as Universidade/Faculdades de Servio Social do Estado de So Paulo que desenvolvem o trabalho multidisciplinar na rea conjuntamente com o curso de Direito.Utilizamos mtodos quantitativos e qualitativos para a anlise de dados, baseados na produo terica sobre o tema, assim como na prtica profissional do Assistente Social desenvolvida no Escritrio Modelo denominado Centro Jurdico Social da Faculdade de Histria, Direito e Servio Social da UNESP Campus de Franca/SP. A Anlise dos dados possibilitou-nos constatar a importncia e necessidade do profissional do Servio Social em servios e programas que tenham como objetivo a democratizao do acesso justia. A formao profissional e o no conhecimento das vrias possibilidades do trabalho integrado por outras disciplinas so obstculos a serem vencidos pela Universidade. Palavras-chaves: Acesso justia, Servio Social, Prtica profissional, Assistncia jurdica integral e gratuita.

ABSTRACT

The access to justice has been considered for the theoreticians of Legal Sciences as a basic right, a time that of it all depend the other rights. For the populations less favored the ample access to justice through professionals fully enabled it is so important and basic how much to the access to the health, the education, the housing and others. The Social Service contributes from its specific knowledge for the construction of new alternatives of action in the legal field. Thus, our inquiry with the purpose becomes more than necessary to describe the practical professional of the Social Service in the "practical field of the partner-legal one", specifically in the services that offer the integral and gratuitous legal assistance, elencando the activities and actions played for the Social Service, the used instruments and resources theoretician-metodolgicos and the relation of the team in the development of this work. We elaborate our study from the partner-legal context, detaching the access to justice in elapsing of the times, the reality of justice Brazilian and the citizens of this partner-legal context. We point out the Social Service in this field of performance, example which are the University/Facultieses de Social Service of the State of So Paulo that develop the work to jointly multidiscipline in the area with the course of Direito. We use quantitative and qualitative methods for the analysis of data, based on the theoretical production on the subject, as well as in the practical professional of the Social Servio developed in the Office called Model Social Legal Center of the History, Law school and Social Service of the UNESP - Campus of Franca/SP. The Analysis of the data made possible to evidence us the importance and necessity of the professional social assistant in services and programs that have as objective the democratization of the access to justice. The professional formation and the knowledge of the some possibilities of the work integrated for others you do not discipline are obstacles to be loosers for the university. Word-keys: Access to justice, Social Service, Practical professional, Integral and

Gratuitous Legal Assistance.

SIGLAS

AASPTJSP Associao de Assistentes Sociais e Psiclogos do Tribunal de Justia de So Paulo

CFESS Conselho Federal de Servio Social

CJS Centro Jurdico Social

CRAS Centro de Referncia da Assistncia Social

CRESS Conselho Regional de Servio Social

DP Defensoria Pblica

ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

FAJ Fundo de Assistncia Judiciria

GAJOB Gabinete de Assessoria Jurdica a Organizaes Populares

OAB Ordem dos Advogados do Brasil

PGE Procuradoria Geral do Estado

PNDH Plano Nacional de Direitos Humanos

PROEX Pr-Reitoria de Extenso

MP Ministrio Pblico

SAJ Secretria de Assuntos jurdicos

TJSP Tribunal de Justia de So Paulo

UNESP Universidade Estadual Paulista

LISTA DE QUADROS e GRFICO

Quadro 01

Faculdades que no possuem o curso de Direito ......................... 74

Quadro 02 Faculdades que possuem o curso de Direito, mas no Escritrio

Modelo ...........................................................................................74

Quadro 03

Faculdades que possuem o Curso de Direito, Escritrio Modelo, mas no tm o trabalho conjunto desenvolvido pelas duas reas. 74

Quadro 04

Faculdades que desenvolvem o trabalho multidisciplinar na rea de Assistncia Jurdica ..................................................................

75

Quadro 05

Trabalhos de Concluso de Curso ................................................ 86

Quadro 06

Relatrios de Pesquisas apresentados ao Programa de Extenso Universitrio PROEX .................................................................. 87

Quadro 07

Dissertao de Mestrado ............................................................... 89

Quadro 08

Teses de Doutorado ...................................................................... 89

Quadro 09

Pesquisa realizada em livro de registro de matrculas a partir do ano de 2000 .................................................................................. 94

Quadro 10

Solicitaes apresentadas nos processos arquivados em 2003 referentes rea Civil e de Direito de Famlia .............................. 95

Quadro 11

Solicitaes apresentadas nos processos arquivados em 2003 referentes rea Penal, Trabalhista, Previdncia e outras extrajudiciais. ................................................................................. 96

Quadro 12

Atividades/ Aes ......................................................................... 100

Quadro 13

Instrumentais tcnicos operativos .................................................. 105

Quadro 14

Trabalho em equipe ....................................................................... 111

Grfico 1

Porcentagem das solicitaes ....................................................... 97

SUMRIO

INTRODUO ..........................................................................................................12 PARTE 1 - O ATUAL CONTEXTO SCIO-JURDICO ............................................19 1.1 O acesso justia ...............................................................................................20 1.1.1 A Assistncia Jurdica no decorrer dos tempos................................................25 1.1.2 A realidade da Justia Brasileira. .....................................................................27 1.1.2.1 Os obstculos para o efetivo acesso justia...............................................35 1.1.2.2 Programas de Acesso justia e novos mecanismos para resoluo de

conflitos. ........................................................................................................40 1.2 Os sujeitos do Contexto Scio-Jurdico Brasileiro...............................................44 1.2.1 A configurao dos sujeitos que procuram pelos servios de assistncia

jurdica integral e gratuita. ...............................................................................44 1.2.2 A Diversidade das demandas...........................................................................57 PARTE 2 - SITUANDO O SERVIO SOCIAL NO CAMPO DA PRTICA

SCIO-JURDICA ..................................................................................59 2.1 Servio Social e os Direitos de Cidadania...........................................................60 2.2 O Servio Social Aplicado ao Contexto Scio-Jurdico. ......................................64 2.2.1 A prtica profissional do Servio Social nos servios que oferecem

Assistncia Jurdica Integral e Gratuita. .........................................................71 PARTE 3 - A PESQUISA ..........................................................................................77 3.1 Caracterizao do Universo da Pesquisa A Unidade Auxiliar Centro Jurdico

Social da UNESP Franca/SP. .........................................................................78 3.2 Sobre a Metodologia da Pesquisa.......................................................................90 3.3 Anlise dos dados. ..............................................................................................99 CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................115 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................................118 APNDICES ...........................................................................................................126 ANEXOS .................................................................................................................132

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INTRODUO

A pesquisa realizada tem por finalidade abordar a importncia da prtica

profissional do Servio Social no campo scio-jurdico, bem como as possibilidades

e limites desta prtica, especificamente nos servios que prestam assistncia

jurdica integral e gratuita conforme Lei de Assistncia Judiciria (ANEXO A) e

desenvolvem trabalhos que proporcionam a populao o acesso justia,

informando-os dos seus direitos e deveres enquanto cidados.

A aproximao com o tema deu-se na graduao, como estagiria por dois

anos consecutivos na Unidade Auxiliar Centro Jurdico Social da Universidade

Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho UNESP - Franca/SP. Desde ento

sentimos a necessidade de investigarmos como estava sendo desenvolvida a prtica

profissional do Servio Social com famlias em vrias instituies, inclusive no

Centro Jurdico Social (Trabalho de Concluso de Curso).O trabalho teve por

finalidade apresentar algumas reflexes sobre os conflitos e mudanas na estrutura

familiar e investigar como estavam sendo realizados os trabalhos do Servio Social

junto s famlias nas reas da Educao, Sade, Jurdica, Empresa e Pessoas

Portadoras de Necessidades Especiais.

Posteriormente ao freqentarmos o Programa de Aprimoramento Profissional

na rea da Sade Mental no Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina de

Ribeiro Preto - Universidade de So Paulo/SP no ano de 2000, o qual tivemos uma

experincia do desenvolvimento do trabalho interdisciplinar de fato, com a qual

passamos a refletir sobre a experincia anterior, com mais profundidade. O projeto

proposto com o intuito do aprimoramento profissional foi o retorno prtica para

tentarmos compreendermos melhor as metodologias e instrumentais no trabalho de

campo do Assistente Social na rea Jurdica.

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Contudo, aps repensar e levantar algumas questes, tivemos que considerar

que se compararmos o trabalho desenvolvido na rea da sade mental com o

trabalho desenvolvido no contexto scio-jurdico, constata-se que o primeiro

pioneiro e referncia na utilizao da metodologia interdisciplinar. Assim sendo,

antes mesmos de buscarmos respostas s nossas indagaes faz-se mais do que

necessrio descrevermos como se d prtica em questo.

Quando iniciamos uma reflexo sobre o estgio que havamos realizado na

Unidade Auxiliar Centro Jurdico Social, vrios foram os questionamentos e

indagaes que surgiram. Questionvamos o por qu de no desenvolvermos um

trabalho interdisciplinar se estvamos dentro de uma Universidade e tnhamos todos

os recursos; questionvamos quais as dificuldades pedaggicas para que o trabalho

se efetivasse na prtica.

Como Minayo (192, p.90), acreditamos que a escolha de um tema no

emerge espontaneamente, mas surge de interesses e circunstncias condicionadas.

Ademais, a prtica vivenciada tinha muito a ver com conflitos familiares que

perpassam nossa histria de vida, seja devido a separaes familiares, aes

judiciais etc. Sabemos e temos clareza da importncia da prtica em questo pois

fomos sujeitos destas circunstncias, ou seja, a escolha deste complexo tema, ainda

pouco discutido tem sua origem em situaes vivenciadas decorrentes da vida

prtica pessoal e da prtica profissional.

Vrios foram os questionamentos que nos impulsionaram a construir o projeto

de pesquisa, levando-se em considerao a importncia do desenvolvimento deste

trabalho para as famlias que passam por eventos estressantes como uma

separao conjugal, dificuldades de relacionamento pais e filhos, adoo, situaes

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que envolvem violncia, solicitao de benefcios, reclamaes trabalhistas, aes

na rea penal, entre outros.

O processo de transformao da sociedade brasileira, particularmente, nas

ltimas dcadas tem revelado uma ampliao dos espaos de atuao do Servio

Social. Dinmicas, temticas e as prprias demandas impostas ao profissional esto

em constantes modificaes.

A rea de atuao junto ao Juizado do Menor foi um espao prioritrio de

insero da profisso numa poca em que as Escolas de Servio Social buscavam

conquistar campos de trabalho para o Assistente Social e legitimar a profisso, num

processo de construo de sua prtica e do seu saber (FVERO, 1999, p.58).

Desde suas origens, a legislao previu a figura de um profissional de apoio ou

complementar para auxiliar as decises do juiz na pesquisa da verdade. Curioso

observar, que a assistncia jurdica foi instituda pela primeira vez em So Paulo, em

1935, por fora da Lei 2.497, lei que concebeu a assistncia jurdica como servio

caritativo, a ser prestado pelo Departamento de Assistncia Social do Estado da

Procuradoria do Servio Social. (SOUZA, 2003, p.133)

O campo ou sistema scio-jurdico diz respeito ao conjunto de reas em que a

ao do Servio Social articula-se a aes de natureza jurdica, como o sistema

judicirio, o sistema penitencirio, o sistema de segurana, os sistemas de proteo

e acolhimento como abrigos, internatos, conselhos de direitos, dentre outros.

Para exemplificar a insero e aumento de profissionais solicitados para a

rea scio-jurdica, um Projeto de Lei Complementar (ainda aguardando votao)

prev a criao de novas vagas no Ministrio Pblico de So Paulo, dentre eles,

14(quatorze) cargos de Assistente Social.

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Importa ressaltar que em 2004 foi o segundo ano que o eixo temtico Servio

Social e Sistema scio-jurdico foi abordado no Congresso Brasileiro de Assistentes

Sociais. No ano de 2004 tambm foi realizado o I Encontro Nacional Scio-jurdico

na cidade de Curitiba/PR, com o objetivo de formular uma Agenda Poltica para o

campo de trabalho. Entre os itens deliberados na agenda, a solicitao para que o

conjunto CFESS/CRESS consolide a terminologia campo de prtica scio-jurdica,

faa gestes no sentido de inserir prticas scio-jurdicas nas discusses da prtica

das instituies governamentais, como Ministrio Pblico, Tribunais de Justia e a

proposta de que o conjunto do CFESS/CRESS com os profissionais da rea envolva

outros segmentos da sociedade, outras reas de atuao nas discusses das

questes do campo scio-jurdico. (ANEXO B)

Segundo Fvero (2004, p.10-11), s recentemente que particularidades do

fazer profissional nesse campo passaram a vir a pblico como objeto de

preocupao investigativa devido a um conjunto de razes, entre elas, a ampliao

significativa da demanda de atendimento e de profissionais para rea.

O Servio Social contribui a partir de seu conhecimento especfico para a

construo de novas alternativas de ao no campo jurdico. No entanto, so poucos

os estudos que do nfase a prtica profissional na rea de assistncia jurdica. No

considerando uma prtica isolada, mas que compreende as circunstncias

institucionais e sociais na qual se realiza, constituram-se alvos de nosso estudo

questionamentos, como:

- Que conjuntos de atividades e aes so desempenhadas pelo

Assistente Social e que caractersticas esta interveno apresenta?

- Quais so os instrumentais e recursos terico-metodolgicos utilizados

para o desenvolvimento e encaminhamento de aes nesta rea de

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interveno?

- Quais os limites e as possibilidades que o cotidiano apresenta ao

Servio Social, visto que suas aes no so condicionadas apenas

pela organizao institucional, mas tambm compreende o prprio

desempenho profissional?

- Como se d relao entre Servio Social e Direito no desenvolvimento

do trabalho do Assistente Social?

- Qual a contribuio do profissional Assistente Social para a equipe

tcnica e usurios dos servios que prestam atendimento de assistncia

jurdica integral e gratuita?

Assim, partimos da premissa de que o ncleo da identidade do Servio Social

tem como base material o prprio processo de trabalho profissional, que se constitui

no cerne de sua expresso. este processo que confere ainda sustentao

identidade atravs de representaes expressas por seus agentes profissionais,

durante o desenrolar de suas atividades. O processo de trabalho, por sua vez,

configurado por todo um fazer profissional, que abrange metodologia,

estabelecimento de diretrizes de ao, de comunicao e de servios que afetam a

vida dos usurios. (GENTILLI, 1998, p.22-25) Tais servios dependem de reflexes

tericas que o profissional realiza acerca do objeto organizacional, institucional e da

finalidade de ambos. Portanto, se o profissional no estiver atento s especificidades

de suas funes correr o risco de que sua interveno seja limitada e superficial.

Para que isso no ocorra, fez-se necessrio investigarmos quais as atividades

e aes desenvolvidas pelo Assistente Social bem como quais so os recursos

tericos e metodolgicos que norteiam a prtica profissional, identificando ainda as

dificuldades de habilitao tcnica, instrumental e metodolgica, pois a interveno

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que d forma, caracteriza e determina o modo do fazer profissional desvelando a

especificidade do Servio Social no campo das Cincias Sociais Aplicadas.

Os profissionais no exerccio de suas atividades utilizam-se de diversos

recursos metodolgicos e instrumentais. Estas escolhas dependero dos objetivos

das atividades em si, da competncia tcnica de cada um e das condies objetivas

da organizao. Profissionais da rea social buscam o tempo todo novas estratgias

para ampliar e melhorar a qualidade de atuao tcnica, no sentido de

compreenderem as suas demandas e melhor atend-las em suas requisies,

apesar de alguns profissionais ainda se manterem numa condio conservadora

expressando uma viso moralista e ajustadora do indivduo.

Embora esta prtica em questo se realize dentro de uma Universidade que

est alicerada no trip ensino, pesquisa e extenso, vrias foram s indagaes

que surgiram aps o trmino deste, at mesmo quanto ao processo de construo

da identidade profissional.

Frente a isso, nossa disposio para investigao da realidade scio-jurdica

oportunizou buscar algumas respostas aos desafios que encontramos, pois [...] O

Servio Social uma prtica, um processo de atuao que se alimenta por uma

teoria e volta prtica para transform-la, um contnuo ir e vir iniciado na prtica dos

homens face aos desafios de sua realidade.(JOS FILHO, 1998, p.66 )

Quanto estrutura expositiva, organizamos este trabalho em trs partes: na

primeira abordamos o contexto scio-jurdico, destacando o acesso justia no

decorrer dos tempos, esclarecendo a proposta da lei 1.060/50, situando tambm os

obstculos enfrentados pela populao para obter o efetivo acesso a justia e, como

vem sendo viabilizada atravs de programas e projetos desenvolvidos pela

sociedade civil, Organizaes No Governamentais, Fundaes, Universidades em

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convnio com o poder pblico. Posteriormente, tentamos justificar a necessidade da

prestao destes servios na atual conjuntura brasileira, fazendo uma caracterizao

das demandas.

Na segunda parte, situamos o Servio Social no campo scio-jurdico e geral,

abordando principalmente a prtica judiciria visto ser a pioneira neste campo de

atuao para posteriormente caracterizarmos o fazer profissional nos servios de

assistncia jurdica, exemplificando quais faculdades desenvolvem este trabalho

multidisciplinar no Estado de So Paulo.

Aps esta trajetria, na Parte III, caracterizamos o universo da pesquisa e

apresentamos a metodologia utilizada para a realizao da mesma, chegando a uma

reflexo qualitativa aps o levantamento de dados quantitativos.

Para finalizar, apresentamos algumas consideraes conclusivas, bem como

algumas sugestes a cerca da temtica estudada, partindo das reflexes realizadas

na trajetria desse estudo.

Acreditamos que esta pesquisa uma semente e que, muitos outros estudos

possam surgir nesta rea, pois este o incio de muitos desafios que ainda esto

por vir.

PARTE 4

O ATUAL CONTEXTO SCIO-JURDICO

O pior mal j est feito quando se tem pobres para defender e ricos para conter. apenas sobre a mediocridade que a fora das leis se exerce completamente: elas so igualmente impotentes contra os tesouros do rico e contra a misria do pobre; o primeiro as engana, o segundo lhes escapa. Um rompe a rede, o outro passa atravs dela.

(Rousseau, Da Economia Poltica)

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4.1 O acesso justia

Ao analisarmos a prtica profissional do Assistente Social no campo de

prtica scio-jurdica, terminologia ainda em fase de consolidao conforme agenda

poltica do I Encontro Nacional Scio-jurdico (ANEXO B), faz-se necessrio

partirmos de uma abordagem histrica, situando em que contexto scio-jurdico e

histrico o Servio Social vm sendo inserido. Ademais, faz-se necessrio

atentarmos para a compreenso de como estudiosos da rea jurdica se posicionam

frente s questes referentes ao acesso justia e sua evoluo. Contudo, no

nos detivemos somente realidade do atual contexto scio-jurdico brasileiro porque

a pesquisa bibliogrfica nos proporcionou conhecer experincias de outros pases,

muito interessantes, cada qual inserida no seu contexto histrico, portanto, valendo-

nos como conhecimento e modelo, mas no como substituio de processos

existentes.

A preocupao com os direitos dos homens sempre foi uma realidade em

vista das desigualdades sociais, levando a sociedade a procurar meios de proteger

os desafortunados. O acesso justia foi uma maneira de efetivar a garantia dos

direitos do cidado.Enquanto o cuidado com os menos favorecidos apresentava um

carter paternalista atravs de aes da sociedade civil, a assistncia jurdica veio

garantir a aplicao da lei.

No Brasil, o acesso justia passou a representar um dos temas mais

debatidos, tendo em vista as inmeras reformas ocorridas na sociedade brasileira;

debates que vo desde o prprio significado de acesso justia como acerca dos

meios para sua obteno e os obstculos enfrentados.

A ateno para a assistncia jurdica sempre foi relevante, evoluindo a sua

organizao com o tempo e localidade. De acordo com o momento histrico

21

vivenciado pelo homem a justia adquire um novo significado. Embora tenha sofrido

inmeras modificaes, certo que a justia tem sido uma das buscas constantes

do ser humano desde as suas mais remotas origens. Historicamente, nos

deparamos com providncias diferentes, embora a civilizao tenha sempre

demonstrado preocupao com tais questes. Podemos evidenciar tal fato atravs

de citaes contidas no Cdigo de Hamurabi e na Bblia.

O conceito de acesso justia tambm tem sofrido transformaes

importantes em conseqncia da evoluo da prpria sociedade. Aristteles traduzia

a justia como virtude moral responsvel pela conduo das relaes entre os

homens em sociedade, na Idade Mdia Santo Toms de Aquino concede justia o

carter distributivo em que a sociedade confere a cada indivduo o que lhe caberia

por seus mritos.

Nos Estados Burgueses dos sculos XVIII e XIX, o acesso justia era

assegurado de maneira formal. Aqueles que tivessem condies financeiras de

enfrentar o custo de um processo tinham acesso justia, os demais no, e a

responsabilidade para este no era do Estado. A partir do gradativo reconhecimento

dos direitos sociais, no sculo XX, em contrapartida ao ento apenas individuais,

iniciou uma nova fase no direito de acesso justia, que passou a ser exigido como

um direito fundamental. J no sculo XXI, a justia percebida num sentido tico-

poltico de modo a organizar a sociedade de uma forma justa na qual cada cidado

encontre condies necessrias para a realizao de sua prpria felicidade num

contexto coletivo de solidariedade.

O acesso justia tem sido considerado pelos tericos do direito como um

direito fundamental, uma vez que dele dependem todos os direitos, que atravs

deste acesso sero buscados.

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Cappelletti e Garth (1988, p.10 e 11) assim afirmam:

A partir do momento em que as aes e relacionamentos assumiram, cada vez mais, carter mais coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram pra trs a viso individualista dos direitos refletida nas declaraes de direitos, tpicas dos sculos dezoito e dezenove. O movimento fez-se no sentido de reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associaes e indivduos. Esses novos direitos humanos, exemplificados pelo prembulo da Constituio Francesa de 1946, so, antes de tudo, os necessrios para tornar efetivos, quer dizer, realmente acessveis a todos, os direitos antes proclamados. Entre estes direitos garantidos na modernas constituies esto os direitos ao trabalho, sade, segurana,material e educao. Tornou-se lugar comum observar que a atuao positiva do Estado necessria para assegurar o gozo de todos estes direitos sociais bsicos. No surpreendente, portanto, que o direto ao acesso efetivo justia tenha garantido particular ateno na medida em que as reformas do welfare state tm procurado armar os indivduos de novos direitos substantivos em sua qualidade de consumidores, locatrios,empregados [...] De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importncia capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que titularidade de direitos destituda de sentidos, na ausncia de mecanismos para a sua efetiva reivindicao. O acesso justia pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental o mais bsico dos direitos humanos de um sistema jurdico moderno e igualitrio que pretenda garantir e no apenas proclamar os direitos de todos.

Portanto, para atender os anseios do homem, ser social por excelncia, o

Estado, visando a manter-se legitimado, lana mo de variados instrumentos, dentre

os quais o direito. Torna-se, pois, este, um dos alicerces da ordem social, ou mesmo

um dos fundamentos desta.

O direito evoluiu em diferentes graus e em diferentes rumos nos diversos

cantos do mundo, elaborando aqui e ali um conjunto de normas formais e materiais,

de acordo com o momento histrico local e, ultimamente, num mundo globalizado,

elaborado com vistas tambm ao contexto mundial. Por isso, como bem salienta

Leandro Waldir de Paula (2003, p.16), os legisladores, no exerccio de suas funes,

devem estar prximos da base material da sociedade, mantendo fina sintonia com a

realidade e com os anseios sociais do povo naquele momento histrico.

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Para alguns estudiosos da rea, o movimento de acesso justia uma

soluo de compromisso. O aspecto normativo do direito no renegado, mas

enfatizado como elemento de extrema importncia. condio necessria ao

conhecimento do fenmeno jurdico, mas no suficiente sua compreenso total. O

direito norma, todavia no se contm todo na positividade. Em outras palavras, o

direito visto no como um sistema separado, autnomo, autopoitico, mas como

parte integrante de mais um complexo ordenamento social, onde isto no se pode

fazer artificialmente, isolado da economia, da moral, da poltica.

Devem, ainda, conceber o direito no como um pesado instrumento de

controle, mas como um instrumento de transformao social e de resgate das

classes excludas da participao jurdica.

Segundo Robert e Sguin (2000, p.181), o acesso justia no apenas o

acesso aos Tribunais, representado pela figura do Juiz, mas principalmente o acesso

ao Direito. O acesso ao Direito, portanto, passa pela conscientizao dos direitos de

cada cidado, criando nele o esprito de luta por esses direitos. O acesso justia

deve ser encarado como requisito fundamental, o mais bsico dos direitos humanos.

Ao possibilitar o real acesso justia garante-se que outros direitos sejam

efetivados.

A Constituio de 1988, elenca no captulo do poder Judicirio, como

instituies essenciais justia, a Advocacia, o Ministrio Publico e a Defensoria

Pblica. s trs cabem garantir os direitos fundamentais da sociedade e do cidado,

cada uma sob um enfoque diferenciado.

O servio de justia atualmente prestado por um aparelho cada vez mais

complexo, em razo da prpria complexidade cada vez maior que se reveste a vida

social. Contudo, as qualidades dos servios prestadas ainda se mostram

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baixssimas, revelando suas limitaes, conforme estudos verificados em nossa

pesquisa.

Segundo Santos (1997, p.170) estudos revelam que distncia dos cidados

em relao administrao da justia tanto maior quanto mais baixo o estrato

social a que pertencem e que essa distncia tem como causas prximas no apenas

fatores econmicos, mas tambm fatores sociais e culturais, ainda que uns e outros

possam estar mais ou menos relacionados com as desigualdades econmicas.

Se as comunidades no tm conscincia de seus direitos trabalhistas,

previdencirios, seguridade, sade e tantos outros direitos sociais, muitos deles

inscritos em suas Constituies, fica muito mais fcil a standartizao rebaixada

imposta pelo sistema econmico. (SILVA, 2003, p.73-87)

Contudo, atualmente muitas so as formas de resoluo de conflitos e

conscientizao sobre a existncia de direitos e os meios para sua efetivao,

iniciativas estas que devem ser levadas em considerao e servir de modelo para o

desenvolvimento de trabalhos na rea do acesso a justia em diversas comunidades

do mundo. Alm do Estado, existem muitas instituies comprometidas com o

objetivo de promover a extenso do Direito s comunidades atuando como agentes

difusores e promotores de direitos. Como bem afirma Silva (2003, p.84), dentre as

instituies habilitadas para o trabalho, nenhuma pode ser excluda: Judicirio,

Legislativo, promotorias/procuradorias de justia, administrao pblica executiva,

organizaes no-governamentais, associaes/sindicatos de classe, universidades

e tantas outras devem assumir sua parcela de responsabilidade no estrito interesse

social.

25

4.1.1 A Assistncia Jurdica no decorrer dos tempos.

Na legislao antiga, verifica-se que o Cdigo de Hamurabi (1690 A.C.)

considerava certas pessoas, por sua fragilidade, como necessitadas de assistncia

especial, como as vivas, os rfos e os mais fracos. Foi a partir do Cristianismo,

contudo, que se consagraram fortemente os direitos humanos fundamentais, por

suas mensagens de igualdade entre todos. A igreja Catlica atua at os dias de hoje

em atividades assistenciais atravs do trabalho das Pastorais, atividades estas

relacionadas intimamente com o contexto histrico da profisso Servio Social.

Na civilizao egpcia, durante o Mdio Imprio, havia uma concepo de

justia social, que definia a funo do poder pblico como um servio para proteger

os fracos, punir os culpados e agir com imparcialidade. Na civilizao Greco-romana,

bero de nossa cultura, encontram-se vestgios da atividade protetiva do Estado. Em

Atenas eram nomeados anualmente dez advogados para proteger os pobres.Na

Inglaterra e outros paises da Europa, a lei atribua privilgios aos litigantes pobres.

Na Frana e em Portugal, por influncia do Direito Cannico estava prevista a

proteo jurdica penal aos carentes.

A implantao do Estado Social de Direito Welfare State fez com que as

naes passassem a se tornar s autnticas garantidoras e controladoras dos

direitos e garantias, individuais e coletivas, consagrando, alm do acesso aos bens

da vida em geral, tais como sade, trabalho, habitao, cultura, transporte e

previdncia social, tambm o ingresso jurisdio. (CAMPO, 2002, p.12)

A partir da Segunda Guerra Mundial, as naes mais desenvolvidas

comearam a dar origem legislativa a mecanismos jurdicos destinados a garantir o

efetivo acesso ao Poder Judicirio, criando determinados sistemas de assistncia

26

judiciria.Segundo Campo (2002, p.16-21), a doutrina costuma dividir em trs os

sistemas de assistncia judiciria:

- Sistema Judicare, tambm denominado Service Model, consiste na faculdade

que tem a parte menos favorecida de escolher um advogado particular de sua

confiana. Este modelo est vigente na ustria, Holanda, Frana, Alemanha e

outros pases;

- Sistema de Defesa Oficial, tambm denominado de Modelo Estratgico de

Servio Social ou de advogado remunerado pelos cofres pblicos. Os Estados

Unidos segue este modelo que visa conscientizar os pobres acerca de seus

direitos e da utilizao dos servios advocatcios com instalaes de escritrios

de vizinhanas, pequenos e localizados prximos s comunidades pobres, a

fim de se obter o melhor custo-benefcio.

- Sistema Combinado ou Misto o que resulta da combinao dos dois

modelos anteriores, com vistas a ampliar a performance, reduzindo suas

limitaes. O beneficirio pode escolher um advogado particular, de sua

confiana, ou optar por um defensor pblico especializado para atender seus

interesses. Foi introduzido inicialmente na Sucia e no Canad, passando a

ser seguida pela Austrlia e por alguns Estados americanos.

Segundo Moraes citado por Robert (2000, p.154), as legislaes de quase

todos os pases, hordienamente, agasalham a obrigao do Estado de isentar o

pagamento de custas e fornecer advogado para aquele que no podem arcar com

os nus de honorrios advocatcios e custas processuais.

Atualmente, pases da Amrica Latina, Europa, e Oriente Mdio prevem a

Assistncia Jurdica em suas legislaes. Em alguns pases no existe servio oficial

sendo advogados livremente nomeados pelos Tribunais, como o caso de Portugal.

27

Na Frana, Inglaterra, Argentina a assistncia jurdica alcana no apenas os

hipossuficientes1, como tambm pessoas portadoras de condio socioeconmica

acima do nvel da pobreza com ajuda parcial.

Outro exemplo interessante na rea de assistncia jurdica o desenvolvido

no Uruguai. A Suprema Corte firmou convnio tambm com o Ministrio da Sade a

fim de que fossem instalados, nas dependncias dos hospitais, centros de

atendimento de problemas jurdicos. Enquanto pacientes aguardam atendimento

mdico, podem eles tambm nesse mesmo local ter consultas sobre questes

jurdicas. (CAMPO, 2002, p.48)

4.1.2 A realidade da Justia Brasileira.

O Brasil h muito se preocupa com a barreira obstaculizadora do acesso

justia: a barreira econmica. A representao dos indivduos em juzo de forma a

viabilizar o acesso justia no apenas aos mais afortunados, mas sim a todos os

cidados remonta das Ordenaes Filipinas (iniciadas por Felipe I, de 1527 a 1598,

com o nome de Felipe II, reinando tambm na Espanha, e, depois, com Felipe II, em

Portugal, de 1578 a 1621) que vigoraram no Brasil at o ano de 1916. Nas

Ordenaes, clara era a disposio acerca da representao gratuita em juzo

quando dispunha no Livro III, Titulo 84 pargrafo dcimo que "em sendo o agravante

to pobre que jure no ter bens mveis, nem de raiz, nem por onde pague o agravo, e

dizendo na audincia uma vez o Pater Noster pela alma del Rey Don Diniz, ser-lhe-

1 Hipossuficincia: conceito tradicional dado pela insuficincia de recursos do assistido para arcar com as despesas e honorrios advocatcios a fim de que no se prejudique o sustento prprio e o de sua famlia. Segundo Souza (2003, p.73) a hipossuficincia no medida e nem tem rigores precisos e matemticos. caracterizada atravs de anlise comjunta de diversos fatores, tais como rendimento familiar, encargos de aluguel, doena em famlia etc., ou seja, deduzidos os encargos bsicos, para que um ser humano e sua famlia vivam dignamente.

28

havido, como que pagasse os novecentos ris, contanto que tire de tudo certido

dentro do tempo, em que havia de pagar o agravo".(SOUZA, 2003, p.97)

O primeiro documento legislativo no Brasil a prever a assistncia judiciria

organizada, surgiu no Distrito Federal em 1897.Foi o decreto Federal 2.457, de 8 de

fevereiro de 1897, que previa, em seu art. 1, a assistncia judiciria para o

patrocnio gratuito das causas dos pobres litigantes no cvel e no crime. Embora a

Constituio de 1824 no tenha feito referncia assistncia judiciria, a de 1891 j

dava sinais dessa proteo quando dispunha de assistncia para acusados. As

demais Constituies, exceto a de 1937, sempre no Captulo dos Direitos

Fundamentais e Garantias Individuais trouxeram a garantia de assistncia judiciria.

Em 1934 a Constituio introduziu no Brasil a garantia da gratuidade do

acesso justia cabendo a tarefa ao Estado. Determinava em seu artigo 113

pargrafo trigsimo segundo que "A Unio e os Estados, concedero aos

necessitados, assistncia judiciria, criando, para esse efeito, rgos especiais, e

assegurando a iseno de emolumentos, custas, taxas e selos". (CAMPANHOLE

apud SOUZA, 2003, p.100). Os legisladores aqui demonstraram a relevncia de

conceder-se a gratuidade de justia utilizando-se para tais dois recursos,

primeiramente mencionam a possibilidade daqueles que no possuem condies

econmicas de arcar com as custas de um processo reclamarem seus direitos

estando isentos de taxas judiciais e mais alm determinaram a possibilidade da

criao de ''rgos especiais'' destinados a representao dos hipossuficientes em

juzo.

O Primeiro servio de assistncia judiciria no Brasil, foi implantado em 1935,

no Estado de So Paulo, que contava com o apoio de advogados de planto

assalariados pelo Estado, tendo seguido esse exemplo o Rio Grande do Sul e

29

Minas Gerais.

Na Constituio outorgada em 1937, no houve previso do direito a

assistncia judiciria, garantindo-se apenas o direito de defesa.As Constituies de

1946 e de 1967 previam a assistncia judiciria.

Afirma Luciana Gross Siqueira Cunha citada por Souza (2003, p.99), que o

modelo de assistncia jurdica adotada pelo Brasil compreende trs momentos: um

primeiro, at a promulgao da Lei 1.060/50, que regulamenta pela primeira vez a

assistncia judiciria; um segundo momento que vai da dcada de 50 at a

Constituio Federal de 1988, quando a assistncia jurdica envolvia apenas os atos

do processo; e um terceiro marcado pelas mudanas da Constituio Federal de

1988. A Lei Federal 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, Lei de Assistncia Judiciria,

est em vigor at os dias de hoje, com as devidas alteraes.

A Constituio Cidad, de 1988, inovou trazendo o ttulo de assistncia jurdica

e no mais judiciria, no artIgo 5 inciso LXXIV: o Estado prestar assistncia

jurdica integral e gratuita aos que comprovem insuficincia de recursos.

Portanto, a assistncia jurdica gratuita e integral devida s pessoas que

comprovem insuficincia de recursos para arcar com as despesas processuais e

honorrios advocatcios, esta iseno das custas processuais tem o fim de no

prejudicar o prprio sustento da parte envolvida no processo e o de sua famlia.

Como a Assistncia Social, art.203 da Constituio, para o benefcio de assistncia

jurdica exige-se a insuficincia de recursos para sua caracterizao, no se

prestando a toda e qualquer pessoa.

A assistncia a qual nos referimos acima, engloba, na atual legislao, a

assistncia judiciria por envolver tambm servios jurdicos no relacionados ao

processo, tais como orientaes individuais ou coletivas, o esclarecimento de

30

dvidas e mesmo um programa de informao a toda a comunidade. Portanto, a

assistncia judiciria um servio pblico organizado, podendo, ser oferecido por

entidades no estatais, conveniadas ou no com o poder pblico. (MARCACINI

apud CHUAIRI, 2002, p.130)

A palavra Assistncia traduz-se como prestao de auxlio, de amparo, a quem

dela necessitar. A assistncia jurdica mais que assistncia puramente judicial e

aquela para o ingresso em juzo, bem como tambm a assistncia preventiva.

Integral, porque deve abranger a assistncia prvia, a orientao, bem como o

acompanhamento do processo judicial e posterior satisfao do direito.Gratuita, pois

abarca no apenas as custas do processo, como tambm abrange o direito de obter

certides e peticionar aos Poderes Pblicos para a defesa dos direitos, incluindo

tambm a gratuidade do hbeas corpus2 e hbeas data3, bem como de todos os

demais necessrios ao exerccio da cidadania; implica a dispensa de pagamentos de

todas as esferas, judicial e extrajudicial.

O Brasil herdou de Portugal a praxe forense do patrocnio gratuito, encontrado

at hoje exarcebada com a existncia dos Escritrios Modelos, nas Faculdades de

Direito e o Estgio Obrigatrio da Ordem dos Advogados do Brasil.

Este servio, no Brasil, deve ser oferecido pelas Defensorias Pblicas

(art.1344 da CF e Lei Complementar n80 de 12 de janeiro de 19945), porm, ainda

no foi regularizado em alguns Estados, como o caso do Estado de So Paulo,

onde a assistncia jurdica integral e gratuita vem sendo prestada pela Procuradoria 2 Instituto jurdico e garantia constitucional cuja finalidade principal a de proteger o direito individual deliberdade de locomoo ou de permanncia num local, no caso de se ver ameaado por ilegalidade ou abuso do poder. 3 Garantia constitucional dos direitos inerentes intimidade, vida privada, honra e imagem dos indivduos, da qual decorre a obrigao de prestao ou retificao de informaes, sobre a pessoa de seu impetrante, por entidades pblicas que, supostamente, contenham tais informaes. (Dicionrio Jurdico). 4 Art.134 da CF - A Defensoria Pblica instituio essencial funo jurisdicional do Estado, incumbindo-lhes a orientao jurdica e defesa, em todos os graus dos necessitados, na forma do art. 5, LXXIV. 5 A lei Complementar n80 de 12 de janeiro de 1994 organiza a Defensoria Pblica da Unio, do Distrito Federal e dos Territrios e prescreve normas gerais para sua organizao nos Estados, e d outras providncias.

31

de Assistncia Judiciria, parte integrante da Procuradoria Geral do Estado (PGE) ,

e de forma subsidiria pela Ordem dos Advogados do Brasil, Escritrios Escolas

das Faculdades de Direito, alm de outras instituies e organizaes no

governamentais conveniadas com Estado.

No Estado de So Paulo, a assistncia jurdica foi instituda pela primeira vez

em 1935, por fora da Lei 2.497, lei que concebeu a assistncia jurdica como

servio caritativo, a ser prestado pelo Departamento de Assistncia Social do Estado

da Procuradoria do Servio Social.

Posteriormente, o Decreto-Lei 17.330, de 1947, criou o Departamento Jurdico

do Estado, em cuja organizao inseriu a Procuradoria de Assistncia Judiciria,

hoje uma das trs Subprocuradorias que compem a Procuradoria Geral do Estado.

Atualmente a Procuradoria de Assistncia Judiciria do Estado de So Paulo

tem um quadro aproximadamente de 330 profissionais, atuando em cerca de 26

cidades do Estado, que conta com uma organizao judiciria de mais de 300

comarcas (SOUZA, 2003,p.136). Vrias entidades pblicas ou privadas sem fins

lucrativos, tambm prestam servios de assistncia jurdica gratuita com recursos

repassados pela PGE, atravs do Fundo de Assistncia Judiciria. Muitos convnios

foram firmados, no entanto, esta prestao no foi estendida a todas as comarcas.

Como o nmero de Procuradores no suficiente para atender a todos os casos, a

Procuradoria Geral do Estado mantm convnios com a OAB, universidades e

dezenove organizaes no-governamentais, nas vrias comarcas do Estado. Os

advogados contratados por estas instituies, atuam de acordo com estatuto prprio,

desenvolvendo trabalho multidisciplinar. Alm do atendimento jurdico, essas

32

instituies oferecem acompanhamento social e psicolgico6. Entre eles, so

instituies conveniadas: Sociedade Ermelino Matarazzo; Instituto Negro Padre

Batista; Associao e Defesa da Moradia; Centro Acadmico XI de Agosto, FUNAP

e, muito outros, alm de algumas Prefeituras. Segundo prprio documento da PGE

ainda merecem destaque:

- O Centro de Orientao Jurdica Mulher (COJE) So Paulo;

- Combatendo preconceitos So Paulo, Campinas, Mau, Capivari e Osasco;

- Pr-Mulher Famlia e Cidadania So Paulo;

- Associao Brasileira de Defesa da Mulher, da Infncia e da Juventude

(ASBRAD) Guarulhos;

- Grupo de Amparo ao Doente de Aids (GADA) orientao a usurios de

drogas - So Jos do Rio Preto.

A Constituio do Estado de So Paulo, promulgada em 5 de outubro de 1989

previu a Defensoria Pblica no seu artigo 103, s que at o momento no foi criada.

Existe um movimento pela Criao da Defensoria Pblica, organizado por um comit

formado por vrias entidades de Defesa dos Direitos Humanos, Sindicatos,

Fundaes, Universidades.O Projeto de Lei Complementar 18/05 atualmente

encontra-se na Comisso de Constituio e Justia, mas segundo Matos (2005, Cad

A4), algumas emendas esto gerando polmica e contradio.

Segundo documento do Comit pela Criao da Defensoria Pblica em So

Paulo7, nas cidades em que no h Procuradores do Estado atuando, a assistncia

feita por advogados particulares atravs de convnios, que no garantem a

prestao do servio com dedicao exclusiva, nem com qualquer vnculo

6Disponvel em: - acesso em 05 jul 2005. Todas as instituies citam os profissionais Assistentes Sociais, Psiclogos e Advogados como membros da equipe interdisciplinar com exceo do GADA que ainda te a proposta de ampliar a equipe. 7Disponvel em - acesso em 26 set 2005.

http://www.pge.sp.gov.br/http://www.sindiproesp.org.br/dpsp/movimento

33

administrativo ou funcional, o que impede que o trabalho seja coordenado e

fiscalizado.

A Defensoria Pblica ser responsvel pelo acesso justia daqueles

impossibilitados de pagar pelos servios, para tanto, deve ser democrtica,

autnoma, descentralizada e transparente. Conforme documento Pela Criao da

Defensoria Publica em So Paulo, as suas dez principais caractersticas so:

1 - Prestar assistncia jurdica integral s pessoas carentes, no campo judicial e

extrajudicial;

2 Defender os interesses difusos e coletivos das pessoas carentes;

3 - Assessorar juridicamente, atravs de ncleos especializados, grupos,

entidades e organizaes no-governamentais, especialmente aquelas de

defesa dos direitos humanos, do direito das vtimas de violncia, das crianas e

adolescentes, das mulheres, dos idosos, das pessoas portadoras de

deficincia, dos povos indgenas, da raa negra, das minorias sexuais e de luta

pela moradia e pela terra;

4 - Prestar atendimento interdisciplinar realizado por defensores,

psiclogos e assistentes sociais. Estes profissionais tambm devem ser

responsveis pelo assessoramento tcnico aos defensores, bem

como pelo acompanhamento jurdico e psicossocial das vtimas de

violncia;8

5 - Promover a difuso do conhecimento sobre os direitos humanos, a

8 Optamos por colocar em negrito o item 4 por se tratar de uma citao importante para a prtica profissional do Servio Social.

34

cidadania e o ordenamento jurdico;

6 - Promover a participao da sociedade civil na formulao do seu Plano

Anual de Atuao, por meio de conferncias abertas participao de todas as

pessoas;

7 - Implantar Ouvidoria independente, com representao no Conselho

Superior, como mecanismo de controle e participao da sociedade civil na

gesto da Instituio;

8 - Estabelecer critrios que, no concurso de ingresso e no treinamento dos

defensores, realizado durante todo o estgio confirmatrio, garantam a seleo

de profissionais vocacionados para o atendimento qualificado s pessoas

carentes;

9 - Ter autonomia administrativa, com a eleio do Defensor Pblico Geral;

10 - Ter autonomia oramentria e financeira, utilizando-se dos recursos do

FAJ.

A finalidade precpua da Defensoria Pblica a vocao para a defesa e

garantia da cidadania. Enquanto o Ministrio Pblico foi concebido como instituio

voltada para a defesa da sociedade-coletividade, a Defensoria Pblica volta-se para a

sociedade-indivduo, o cidado, notadamente a pessoa sem recursos.

Como exemplo, temos o Estado do Rio de Janeiro que apontado como

pioneiro no Brasil e na Amrica Latina quanto instituio da Defensoria Pblica,

que surgiu na dcada de 50 como Assistncia Judiciria. Atualmente, criou dentro

de sua estrutura ncleos especializados para melhor atendimento populao:

35

ncleo especial de direito da mulher e de vtimas de violncia; de atendimento

pessoa idosa; do consumidor; de loteamentos, de atendimento proteo criana

e ao adolescente; da polcia militar; das terras e habitao.

Outra prestadora dos servios de assistncia jurdica a Ordem dos

Advogados do Brasil (OAB), criada em 1930, e desde ento passou a ter a

assistncia judiciria como sua exclusiva responsabilidade, que deveria ser

cumprida sob pena de multa e que persistem at os dias de hoje onde no existe

assistncia judiciria oficial, mas tambm naqueles lugares que existem e que o

quadro suficiente de Procuradores/Defensores para atuar em determinada rea

insuficiente. Atravs de Convnio firmado entre a Procuradoria Geral do Estado e a

OAB, os advogados interessados se inscrevem para prestar o servio de assistncia

judiciria.

Os Escritrios Modelos tambm passaram a ser adotado pelas Faculdades de

Direito para suprir a exigncia do estgio forense e preparar o aluno para o exerccio

profissional. Segundo Robert (2000, p.167), estes escritrios teriam como objetivo

contribuir para o esclarecimento de direitos, conscientizao da cidadania do povo e

do alunado, funo social da educao e do papel social que o advogado

desempenha na sociedade. Contudo, cada Escritrio modelo possui seu

planejamento de trabalho, segundo objetivos institucionais; alguns desenvolvendo

apenas atendimentos, outros realizando trabalhos interdisciplinares e at mesmos

projetos com as comunidades, como exemplificaremos a frente.

4.1.2.1 Os obstculos para o efetivo acesso justia.

Desde 1990 tornou-se comum falar em crise do judicirio, principalmente,

porque persistem problemas na aplicabilidade destas regras, alm de enormes

36

desafios para que se supere o risco de que os dispositivos constitucionais vinculados

ao acesso justia se tornem letra morna.

Clamam o povo por uma justia eficiente, rpida [...] acusam a justia de

beneficiar os ricos... proclamou Fernando Tourinho da Costa Neto em Conferncia

proferida no I Seminrio de Direto Alternativo da Unesp Campus de Franca/SP em

2000 sob o ttulo Obstculos econmicos, sociais, polticos e culturais ao acesso da

populao justia9. Segundo o Conferencista, as culpas pela ineficcia so vrias,

entre elas cita:

- As Universidades de Direto possuem uma metodologia Positivista e

Bolorenta, pois o ensino est preso ao direito positivo e no existe justia

neutra e nem lei aplicada mecanicamente. Este ensino por sua vez forma

juzes, julgar no um atributo divino, mas sim um ato humano, portanto, o

jurista precisa conhecer a realidade, aquilo que ir julgar;

- Reconhece a necessidade de outros profissionais para se obter o

conhecimento suficiente da realidade, como o Assistente Social e o

Psiclogo;

- Outro Obstculo referido pelo Conferencista de que as leis so confusas, mal

elaboradas, muitas vezes incompreensveis, inteligveis, seria mais fcil o

homem do povo chegar justia, se fossem mais claras;

- O governo no investe na justia. O acesso informal, mas no efetivo deveria

corresponder a igualdade. Ressalta que continuamos no sc XVIII, que as leis

so elaboradas pela classe dominante e apesar do nmero e aes crescerem

a cada ano ainda uma parcela mnima da populao que vai justia,

9 Videoconferncia I Seminrio de Direito Alternativo da UNESP. Franca: UNESP,2000.v.6 e 7

37

segundo ele, muitos ainda preferem perder a procurar pelos seus diretos. No

adianta proclamar direitos e no se ter instrumentos para que o cidado tenha

acesso a justia. O formalismo e a burocracia so outro entrave.

Alm, a morosidade de que se est revestido o Poder Judicirio no

novidade para nenhum cidado. A morosidade da prestao jurisdicional caracteriza

o descumprimento de sua obrigao de atingir sua finalidade e causar danos de

ordem material, moral e psquica a quem dela necessita. (SOUZA, 2003, p.61)

A desigualdade entre as partes considerada outro obstculo apontado por

diversos estudiosos da rea, ou seja, a disparidade entre as partes, muitas vezes

ocasiona um julgamento injusto, ademais a assistncia jurdica bem mais qualificada

para uma das partes, enquanto que para outra, economicamente mais fraca, a

assistncia jurdica no atende as suas necessidades, no lhe prestando um

adequado assessoramento. Portanto, a instituio pblica carece de uma estrutura

apropriada para atender o volume de pleitos que a ela chegam diariamente e de

profissionais qualificados e com dedicao integral a este trabalho.

Concordamos enfaticamente com o conferencista e outros estudiosos, pois

no basta apenas assegurar a iseno do pagamento de custas, emolumentos e

honorrios advocatcios se o direito que conhecido e aplicado no efetivado,

alis, muitos dos direitos no so nem conhecidos e nem aplicados. O acesso ao

direito engloba o direito informao e a consultas jurdicas.

O primeiro passo para se chegar plena proteo dos direitos informar e conscientizar pessoas sobre a existncia de seus direitos e a possibilidade de defend-los. Com efeito, quando algum no sabe que tem um direito ou dispes apenas de informaes vagas e imprecisas sobre ele, pouco provvel que venha a tomar alguma atitude em defesa desse direto ou que vise aplicao prtica. preciso, portanto, que haja a mais ampla e insistente divulgao desses direitos, sobretudo daqueles que so fundamentais ou que se tornam muito

38

importantes em determinado momento, para que o maior nmero de pessoas tome conhecimento deles. (DALLARI, 1998, p.69)

Outro grande obstculo a ser transposto diz respeito ao ensino jurdico.

Segundo DUrso (2004, cad.A4), o pas convive h mais de trs dcadas com a crise

do ensino superior, e a rea do direito tem sido uma das mais castigadas pelo

rebaixamento do nvel educacional.Conforme bem ressalta o autor, uma outra

grande questo voltada ao ensino jurdico, com implicaes no futuro da advocacia,

reside no fato que hoje se prepara o profissional para litigar, quando o futuro do

direito est na composio. Os novos mecanismos para resoluo de conflitos como

a arbitragem, a mediao, abrem novos campos de trabalho para a advocacia;

trazem um novo conceito prtica, com nfase no dilogo e no entendimento entre

as partes.

Contudo, torna-se um grande desafio para a universidade no sentido de

preparar profissionais com uma formao integral articulada com diferentes reas do

saber e, como ressaltado por Argus (2004, p.30) [...] o modelo acadmico dever

contemplar o binmio INTERDISCIPLINARIDADE e CIDADANIA.

Atravs de pesquisa bibliogrfica pertinente muitos autores se referem s

dificuldades e obstculos decorrentes da m administrao Estatal e a

democratizao do acesso a justia, mas poucos so os estudos que se referem ao

trabalho de equipe como possibilidade para oferecer um trabalho de qualidade e

sem morosidade. Poucos foram os autores que se referiram ou citaram trabalhos de

orientao jurdica aos moradores, mecanismos de soluo amigvel de conflitos,

realizao de conscientizao de direitos, atravs de palestras, debates, vdeos.

Os obstculos a serem transpostos so muitos para a efetivao do acesso

justia, e as propostas no esto colocadas de forma a atender o cidado na sua

39

dinmica cotidiana, situando o olhar tambm para a macro estrutura e tudo aquilo

que influencia as suas relaes.

Bobbio ao dissertar sobre o Presente e Futuro dos Direitos do Homem,

declarou-se convencido que o problema grave do nosso tempo, no mais o de

fundamentar direitos, mas sim de proteg-los. Ele afirma, que as exigncias de

Direitos podem estar dispostos cronologicamente em diversas fases ou geraes,

contudo suas espcies so sempre com relao aos poderes constitudos

apenas duas: ou impedir os malefcios de tais poderes ou obter seus benefcios.

[...] no se trata de saber quais e quantos so esses direitos, qual a sua natureza e o seu fundamento, se so direitos naturais ou positivos, absolutos ou relativos, mas sim qual o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declaraes, eles sejam continuamente violados. (BOBBIO, 1992, p.25 )

Noberto Bobbio, j h algum tempo proferia, que tal problemtica no de

cunho filosfico, mas jurdico e, num sentido mais amplo, poltico, mesmo porque j

se sabe de sua existncia, de seu valor e de seu significado, sendo que agora o

momento de concretizao dessa realidade.

Ademais, concordamos que o Direito no ir solucionar todos os problemas

sociais visto que estes advm de uma poltica econmica social excludente.

Entretanto, no se pode permitir que esta excluso social se torne tambm uma

excluso jurdica.Para resolver a morosidade e lentido da justia acreditamos que o

acompanhamento multidisciplinar desde o primeiro instante da solicitao jurdica

seria de fundamental importncia, alm da realizao de trabalhos informativos

que viria a prevenir a tendncia que a do aumento da quantidade de processos

nos tribunais e do alto custo para o Estado .

40

4.1.2.2 Programas de Acesso justia e novos mecanismos para resoluo de conflitos.

Conforme bem ressaltado por Frischeisen (2005, p.1) questes extras

processuais so de poltica pblica de acesso justia,

As pessoas no pensam em uma poltica pblica de acesso justia. As pessoas pensam em sade. Todo mundo pensa: a sade deve ser pblica ou no? E a Assistncia Social? Devem ser prestadas por entidades privadas, pblicas ou por ambas? Poucas pessoas fora da rea jurdica, entretanto, pensam em uma poltica pblica de acesso justia.

Segundo a autora hora de pensarmos, ou melhor, ao meu ver

questionarmos como seria uma poltica pblica de acesso a justia. Um processo

de atuao junto ao povo, muito mais amplo do que o conhecido e desenvolvido

corriqueiramente pelos profissionais do Direito, visto que integram esse processo

atividades educativas, pedaggicas e culturais.

A justia deve ser levada a todo territrio nacional.Segundo Devazzio (2002,

p.38) este o desafio espacial do acesso justia e um dos mais difceis de

transpor.

A partir das prticas sociais que vo se constituindo nas cidades, no cotidiano dos moradores, ocorre toda uma re-significao do que direito, justia e igualdade...O Direito sempre meio, possibilidade do instituinte e da reverso, [...] vida que se recria cotidianamente, s vezes ali onde o direito mais negado. (HERKENHOFF, p.35)

Atualmente, a insuficincia da resposta Estatal torna mais evidente a busca

de novos mecanismos para a resoluo de conflitos, tanto nas relaes de cunho

familiar, como em outras reas da vivncia humana. So mecanismos criados

paralelos administrao na justia tradicional, caracterizados por serem mais

41

simples informais e baratos, contando com uma maior participao das partes e

pautando-se mais pela equidade do que pelo direito formalmente posto.Os meios de

resoluo de conflitos emergiram, da prpria sociedade, que cria mecanismos de

pacificao social para fugir da Justia Estatal; surgem da necessidade popular de

dirimir as controvrsias, sem as complicaes que o Estado acaba por impor aos

seus litigantes.Assim so alguns conflitos referentes a direitos de vizinhanas, bem

como pequenos litgios da vida comercial informal, dentre muitos outros.

Conforme Devazzio (2002) os meios alternativos para resoluo de conflitos

so caracterizados pela informalidade, a simplicidade, a acessibilidade econmica e

a participao ativa dos envolvidos. Uma das principais vantagens a sua pouca

regulamentao, que deixa a sua forma livres para se desenvolverem de acordo com

o momento social que se vive, bem como abrangerem muitas espcies de conflitos.A

mediao, a conciliao, a negociao, a arbitragem e a justia de paz so

exemplos de processos alternativos institucionalizados. Os Conselhos de Bairros,

Associao de Moradores, Organizaes No Governamentais, Fundaes, dentre

muitas outras iniciativas so os processos alternativos no institucionalizados. Ao

nosso ver um processo natural e necessrio, uma vez que o Estado incapaz de

acolher as demandas e de resolver os conflitos inerentes s necessidades

engendradas por novos atores sociais.

Segundo Salles (2003, p.93), o Plano Nacional de Direitos Humanos PNDH

II, elaborado no ano de 2002, possui como meta transformar a sociedade brasileira,

enfatizando uma busca constante por justia e melhores condies de vida atravs

de implementao de programas que efetivem os direitos humanos. O PNDH II

determina que se deve, no tocante garantia do direito justia, apoiar a criao de

servios de orientao jurdica gratuita, a exemplo dos balces de direitos e disque-

42

denncia, assim como o desenvolvimento de programas de formao de agentes

comunitrios de justia e de mediao de conflitos.

Algumas Universidades/Faculdades brasileiras, esto desenvolvendo um

papel muito importante enquanto agente de transformao social, buscando

contribuir para amenizar as desigualdades econmicas, sociais e polticas. Em

relao ao acesso justia, representam um fator de conscientizao social, na

medida que esclarecem queles desinformados sobre os direitos e meios de garanti-

los. A Universidade vem cumprindo a funo social de mediar e resolver conflitos

gratuitamente daqueles que no tem o acesso efetivo justia, possibilitando o

crescimento pessoal e profissional, tanto para os membros da academia como para

o povo em geral.

A Universidade de Fortaleza/CE apresenta exemplos de trabalhos relevantes

na rea atravs do Escritrio de Prtica Jurdica, do Ncleo de Mediao e do

Projeto Cidadania e Assessoria Jurdica Popular10. O projeto de Assessoria Popular

Universitria comporta um processo de atuao junto populao atravs de

atividades educativas, pedaggicas e culturais, desenvolvidos no seio das

comunidades carentes assessoradas. Os membros do Projeto so agrupados em

Ncleos de trabalho, abordando algumas reas do Direito, como direito de

propriedade, de posse, meio ambiente, criana e adolescente, famlia, dentre outros.

O Ncleo de Mediao outra atividade desenvolvida pela Universidade, composto

por alunos e professores do Direito e Psicologia, garantindo a interdisciplinaridade.

Segundo Sales (2003, p.94) est para ser implementada a participao do

profissional de Servio Social na equipe oferecendo ainda mais ateno aos clientes

do Ncleo. Os alunos do Ncleo recebem ampla capacitao em mediao de

10 Para conhecer melhor o trabalho consultar:SALES, Llian Maria de Morais (org.).Estudos sobre a efetivao do direito na atualidade: a cidadania em debate.Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 2003.

43

conflitos, desenvolvendo conhecimentos e tcnicas de mediao para conduzir o

processo e facilitar um acordo entre as partes atravs de um conhecimento

satisfatrio, conciliando interesses e propiciando solues colaborativas.

Algumas Secretarias Municipais tambm vm oferecendo o acesso justia

desenvolvendo trabalhos com equipe na rea do Direito de Famlia como o caso

da Prefeitura de Curitiba e Santo Andr. A Secretaria Municipal de Assuntos

Jurdicos (SAJ) da Prefeitura de Recife/PE11 criou o Projeto Justia Cidad

descentralizando o servio de assistncia jurdica por meio de cinco ncleos em

bairros perifricos da capital pernambucana A iniciativa envolve duas equipes

tcnicas: a psicossocial, formada por Psiclogo e Assistentes Sociais e a jurdica,

formada por Advogados e Estagirios de Direto e, com parceria com a Organizao

No Governamental Gabinete de Assessoria Jurdica a Organizaes Populares

(GAJOB), que atua na promoo e defesa dos direitos humanos. O projeto Justia

Cidad: descentralizando a Assistncia Judiciria Municipal privilegia a conciliao

extrajudicial como forma de resoluo rpida dos conflitos, o que contribui para

descongestionar o Judicirio.Em sua segunda frente de atuao, realiza atividades

de educao em direitos e articula as comunidades, os ncleos e assistncia jurdica

a outras secretarias e servios municipais. Em tais atividades, aproveitam-se

estruturas j existentes e oficinas de programas como o Agente Jovem (da

Secretaria de Assistncia Social) para trabalhar temas de famlia, criana e

adolescncia, buscando transformar os jovens em agentes multiplicadores do

conhecimento em suas comunidades.

A Fundao de Assistncia Social e Cidadania (FASC) de Porto Alegre/RS12

tambm presta assessoria jurdica em todos os nove Centros Regionais de

11Disponvel em Acesso em :04 out 2004 12Disponvel em Acesso em 10 out 2004

http://www.recife.pe.gov.br/pr/secjuridico/judiciria.htm>Acessohttp://www.portoalegre.rs.gob.br/pol_social/FASC

44

Assistncia Social do municpio, alm das entidades conveniadas como casa

abrigos. Atualmente passam pelo Servio de assessoria jurdica 800( oitocentas)

pessoas mensalmente e dentre as demandas destacam-se o Direito de Famlia,

Criana e Adolescente e situaes envolvendo questes relacionadas Sade.

Teramos muitos outros exemplos interessantes a citar, mas passaremos a

abordar quem so os sujeitos do contexto Scio-Jurdico Brasileiro.

4.2 Os sujeitos do Contexto Scio-Jurdico Brasileiro. 4.2.1 A configurao dos sujeitos que procuram pelos servios de assistncia

jurdica integral e gratuita.

No Brasil, presenciamos uma acentuada concentrao de renda,

concomitantemente com a crescente misria da populao. A situao crtica, pois

quase 40% (quarenta por cento) da populao sobrevivem abaixo da linha da

pobreza. Recente estudo divulgado pela Fundao Getlio Vargas revela que cerca

de 70% (setenta por cento) da populao brasileira tem renda familiar de at 03

(trs) salrios mnimos. Denota-se que 83% (oitenta e trs por cento) da populao

economicamente ativa nacional no possui condies econmico-financeiras para

arcar com as custas judiciais, eis que sobrevivem com renda mensal de at 05

(cinco) salrios mnimos, cujos rendimentos so utilizados para as despesas bsicas

de moradia, alimentao, sades, educao, transporte, entre outras.

(FiGUEIREDO, 2001)

As transformaes sociais e o surgimento de novas necessidades deixam

transparecer o anseio pela dignidade humana associado diretamente ao exerccio

dos direitos humanos e sociais, ao exerccio da cidadania. A cidadania passa a ser

percebida como um novo paradigma para a proteo e promoo dos direitos da

45

pessoa humana, entre eles o acesso justia. Figueiredo (2001) revela que 33%

(trinta e trs por cento) da populao no utilizam a justia porque no sabe ou no

conhece seus direitos.

Segundo Santos (1997, p.171), h tempos que o sistema judicirio tenta

vencer os obstculos econmicos, mas no os obstculos sociais e culturais. Nada

se fazia no domnio da educao jurdica dos cidados, da conscientizao sobre os

novos direitos sociais dos trabalhadores, consumidores, inquilinos, jovens e

mulheres. A ecloso da chamada crise da administrao da justia, na dcada de

1960, relacionada s lutas sociais protagonizadas por grupos sociais aceleravam a

transformao do Estado liberal no Estado Providncia, um Estado envolvido na

gesto de conflitos e concertaes entre classes e grupos sociais. A consolidao do

Estado-Providncia significou a expanso dos direitos sociais e, atravs dele, a

integrao das classes trabalhadoras nos circuitos de consumo anteriormente fora

do seu alcance.

A integrao implicou que os conflitos emergentes dos novos direitos sociais

fossem conflitos jurdicos cuja dirimio caberia em princpio aos tribunais, litgios

sobre a relao de trabalho, sobre a segurana social, sobre a habitao, sobre os

bens de consumo duradouro.

Santos (1997) ressalta que a integrao das classes trabalhadoras nos

circuitos do consumo foi acompanhada e em parte causada pela integrao da

mulher no mercado de trabalho, tornada possvel pela acumulao que caracterizou

este perodo.

Em conseqncia do aumento dos rendimentos familiares foi concomitante

com mudanas radicais nos padres do comportamento familiar (entre cnjuges e

entre pais e filhos) e nas prprias estratgias matrimoniais, o que veio a se constituir

46

a base de uma acrescida conflitualidade familiar tornada socialmente mais visvel e

mais aceita atravs das transformaes do direito e da famlia que, entretanto, se

foram verificando.Esta foi mais uma das causas dos litgios judiciais qual a

administrao da justia dificilmente poderia dar respostas, o que veio a agravarse

no incio da dcada de 1970, num perodo em que a expanso econmica terminava

e iniciava uma recesso no tendo o Estado, recursos financeiros para dar

cumprimento aos compromissos assistenciais e providenciais assumidos com as

classes populares na dcada anterior (SANTOS, 1997, p.166 ).

A crescente interdependncia causada pela globalizao da economia e os

conseqentes ajustes econmicos ocorridos tem colocado a famlia em acelerado

processo de empobrecimento, alterando profundamente sua estrutura, seu sistema

de relaes, papis e forma de reproduo social.

Os aspectos econmicos, sociais e culturais interferem na organizao

interna do grupo familiar; o desemprego, a pobreza e a excluso social que atinge

milhes de famlias brasileiras. A pobreza e a excluso no Brasil so faces de uma

mesma moeda. As altas taxas de concentrao de renda e de desigualdade

persistentes em nosso pas convivem com os efeitos perversos do fenmeno

desemprego estrutural.

A aparente desorganizao da famlia um dos aspectos da reestruturao

pela qual ela vem passando. As mudanas so desencadeadas pela dinmica global

das foras produtivas e das relaes de produo que governam as formaes

contemporneas.

Com a crescente desigualdade social, a famlia est abandonada, a maioria

no recebe o suficiente para garantir a manuteno de sua sobrevivncia. A

47

distribuio de renda no garante o mnimo necessrio s famlias para ter acesso

educao, alimentao, sade, habitao, transporte e lazer.

Entre as mudanas que a famlia vem experimentando, correspondem

tambm a queda na taxa de fecundidade, o declnio do nmero de casamentos e o

aumento de propenso dissoluo dos vnculos matrimoniais constitudos. Alm da

alterao na organizao da unidade familiar, a ocorrncia do aumento de famlias

chefiados por um s dos cnjuges ou parceiros, que tm recado sobre a mulher e,

ainda, os perodos em que as pessoas solteiras ou descasadas permanecem

sozinhas so variveis.

As modificaes radicais ocorridas na estrutura scio-econmica do pas,

bem como o desemprego estrutural, a pobreza, a desigualdade, a excluso social e

a violncia so fatores externos que influenciam a estrutura familiar. O grupo familiar

possui caractersticas sociais quanto aos seus valores, sua cultura, de acordo com a

realidade social na qual est inserida, repercutindo sua influncia na sociedade e

ganhando significado social. Pode dar ou no bem-estar aos indivduos membros da

mesma famlia, dependendo de seus padres econmicos, sociais, polticos e

culturais, sendo que o desenvolvimento, as modificaes e a estruturao desses

padres iro determinar uma maior organizao do grupo familiar. Estrutura social,

sociedade e famlia esto dinamicamente relacionadas e as transformaes a que

esto sujeitas so recprocas.

Na relao sociedade e famlia, tm como resultado crises, acarretando

conflitos que so muitas vezes intensos; o nmero de unies de fato, de

companheirismo de curta durao, a incidncia considervel dos filhos ilegtimos,

de mes solteiras, os casos de crianas abandonadas e delinqentes, separaes,

incremento da promiscuidade sexual, alm do uso abusivo de lcool e drogas e da

48

violncia explcita nos lares so reflexos da crise que atravessa a famlia brasileira,

que apresenta hoje, mudanas significativas em todos os segmentos da populao,

decorrentes do processo de modernizao da sociedade da segunda metade do

sculo XX. Essas mudanas tm sido compreendidas como decorrentes de uma

multiplicidade de aspectos entre os quais se destacam:

- a transformao e liberalizao dos hbitos e costumes;

- o desenvolvimento tcnico e cientfico;

- o modelo de desenvolvimento econmico adotado pelo Estado brasileiro que

teve como conseqncia o empobrecimento acelerado das famlias na

dcada de 80, a migrao exacerbada do campo para a cidade e um

contingente muito grande de mulheres e crianas no mercado de trabalho.

Alm da famlia ideal, constata-se o surgimento de outros arranjos familiares:

famlias com base em unies livres;

famlias monoparentais dirigidas pela mulher;

famlias constitudas por homossexuais;

mulheres que decidem ter seus filhos atravs de produo independente ;

mes, adolescentes solteiras que assumem seus filhos;

O crescimento desses arranjos colocou em questo a hegemonia da famlia

nuclear, principalmente porque muitos se revelam bastante polmicos. A famlia

nuclear apesar de ser ainda um modelo que prevalece em nossa sociedade, no

corresponde na totalidade ao nico modelo real de famlia e sim a um modelo

idealizado, reproduzido culturalmente por intermdio dos diversos espaos de

socializao. Muitos sofrem com isto tudo, pois s vezes as pessoas foram-se a

manter as aparncias.

49

Alm da diversidade dos arranjos familiares, importante assinalar seu constante movimento. A mobilidade entre um e outro arranjo fica evidente na medida em que, por exemplo, as unies conjugais rompem ou se reconstituem, e parentes se agregam (ou se afastam) ao ncleo original da famlia. Este movimento de organizao-reorganizao torna visvel a converso de arranjos familiares entre si, bem como refora a necessidade de acabar com qualquer estigma sobre as formas familiares diferenciadas.Evitando a naturalizao da famlia, precisamos compreend-la como grupo social cujos movimentos de organizao-desorganizao-reorganizao mantm estreita relao com o contexto scio-cultural.[...] preciso enxergar na diversidade, no apenas os pontos de fragilidade, mas tambm a riqueza de respostas possveis encontradas pelos grupos familiares, dentro de sua cultura para a sua necessidade e projetos. Assim, encontramos formas diferentes de conjugalidade, arranjos individuais e coletivos de cuidado com as crianas, entre outras. (AFONSO; FIGUEIRAS apud CARVALHO, 1998, p.34-35)

Os servios de assistncia jurdica ainda parecem distantes destas novas

configuraes que assume a instituio familiar no sculo XXI, uma vez que atende

o indivduo levando em considerao apenas o aparato legislativo e esquecendo que

necessrio atender a famlia e seus membros em sua totalidade.

Os problemas das pessoas devem ser olhados e entendidos no contexto de

sua dinmica familiar e cotidiana, situando o olhar tambm para a macro estrutura e

tudo aquilo que influncia as relaes intra-familiares, indo alm das teorias

centradas apenas no indivduo. Observar e compreender a dinmica relacional de

cada famlia atendida pode ser um fator decisivo para a busca de solues mais

compatveis com as condies e disponibilidade do grupo familiar em quaisquer

situaes.

As constituies modernas, quando trataram da famlia, partiram sempre do

modelo preferencial da entidade matrimonializada. No comum a tutela explcita

das demais entidades familiares. Sem embargo, a legislao infraconstitucional de

vrios pases ocidentais tem avanado, desde as duas ltimas dcadas do sculo

XX, no sentido de atribuir efeitos jurdicos prprios de direito de famlia s demais

entidades socioafetivas, incluindo as unies homossexuais. A Constituio brasileira

50

inovou, reconhecendo no apenas a entidade matrimonializada, mas outras duas

explicitamente, alm de permitir a interpretao extensiva, de modo a incluir as

demais entidades implcitas.

As constituies brasileiras reproduzem as fases histricas que o pas viveu,

em relao famlia, no trnsito do Estado liberal para o Estado social. As

constituies de 1824 e 1891 so marcadamente liberais e individualistas, no

tutelando as relaes familiares. Na Constituio de 1891 h um nico dispositivo

(art. 72, 4) com o seguinte enunciado: "A Repblica s reconhece o casamento

civil, cuja celebrao ser gratuita". Compreende-se a exclusividade do casamento

civil, pois os republicanos desejavam concretizar a poltica de secularizao da vida

privada, mantida sob controle da igreja oficial e do direito cannico durante a colnia

e o Imprio.

Em contrapartida, as constituies do Estado Social brasileiro (de 1934 a

1988) democrtico ou autoritrio destinaram famlia normas explcitas. A

Constituio democrtica de 1934 dedica todo um captulo famlia, aparecendo

pela primeira vez a referncia expressa proteo especial do Estado, que ser

repetida nas constituies subseqentes. Na Constituio autoritria de 1937 a

educao surge como dever dos pais e os filhos naturais so equiparados aos

legtimos e o Estado assume a tutela das crianas em caso de abandono pelos pais.

A Constituio democrtica de 1946 estimula a prole numerosa e assegura

assistncia maternidade, infncia e adolescncia.

Assim a crise da hegemonia da famlia nuclear pode ser percebida tambm

ao analisarmos as mudanas realizadas nas constituies brasileiras. At a

Constituio de 1969, a famlia era constituda legalmente com base no casamento,

cujo carter era indissolvel e, em razo disso a famlia de fato permanecia afastada

51

de direitos. O concubinato sempre se apresentou como uma realidade inegvel,

margem do casamento civil.

J na Constituio de 1988, o casamento deixa de ser o eixo fundamental da

famlia. Assim, diante do aumento das unies livres, considerado como entidade

familiar unio estvel entre o homem e a mulher13 e, comunidade formada por

qualquer dos seus pais e seus descendentes14 . Dessa forma, pode-se dizer que o

conceito de famlia foi ampliado e o mesmo tornou-se mais verdadeiro por melhor

corresponder realidade social contempornea.

A Constituio de 1988 expande a proteo do Estado famlia, promovendo

a mais profunda transformao que se tem notcia, entre as Constituies mais

recentes de outros pases.

At a Constituio de 1988, a poltica famlia apresentava um modelo

arcaizante/regressivo. A Constituio de 1988 apresentou mudanas relevantes

sobre a proteo dos direitos fundamentais, principalmente na rea de direito de

famlia que, apresentou uma verdadeira ruptura com o modelo de famlia presente

at ento no direito brasileiro. Segundo Koerner (2002), o sentido da nova ordem

constituicional promocional, mas no se adota mais um modelo nico de famlia e

as relaes no seu interior no so mais as mesmas.

Concordamos com koerner (2002, p.58) ao referir, que apesar das muitas

iniciativas que vem passando o sistema judicirio brasileiro, as mudanas

principalmente no direito de famlia criadas pela Constituio de 1988 no foram

acompanhadas de mudanas nas instituies e nos processos judiciais de resoluo

de conflitos de famlia.

13 art.226. 3 Para efeito da proteo do Estado, reconhecida a unio estvel entre o homem e a mulher como entidade familiar. . . 14 4 Entende-se, tambm, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e ou descendentes. ( Constituio da Repblica Federativa do Brasil, 1988)

52

Ressaltando, como bem observado por Peluso, citado por Oliveira, E. (2003,

p.160),

J ningum dono de verdades absolutas. De modo que tentar compreend-lo em estado de sofrimento, como se costuma apresentar-se aos profissionais do Direito, nos conflitos que lhe vm da insero familiar, tarefa rdua e, para usar de paradoxo, quase desumano, porque supe no apenas delicadeza de esprito e disposio de animo, mas preparao intelectual e tcnica to vasta e apurada que j no entra no cabed