acessando a arquitetura atraves da historia

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ACESSANDO A ARQUITETURA ATRAVES DA HISTORIA. Milton Luz da Conceição Mais um período letivo se inicia, e com ele a tentativa de acrescentar ao processo de conhecimento ministrado no curso de “Arquitetura e Urbanismo” uma visão, através de seus produtos arquitetônicos, sobre as diversas e complexas dimensões que construíram os países de nosso entorno. - Professor! Chama o aluno. - As aulas serão mais sobre arquitetura ou sobre história? Pergunta o aluno preocupado com os conteúdos da disciplina. Este diálogo entre professor e aluno que se repete a cada início de semestre nas diversas fases do curso denuncia a visão distorcida gerada entre estudantes, a historia não é vista como parte de um todo, mas sim fragmentada como um campo de conhecimento autônomo, estanque, e dissociado da realidade. - A arquitetura é resultante da história, responde o professor, fugindo por hora de um maior aprofundamento. Sim, pensamos que a arquitetura como qualquer objeto ou fenômeno são resultantes da historia, “os homens fazem a historia, mas não estão conscientes disto” já nos lembrava Marx. A principio os alunos custam a captar esta visão da historia visto que provêem de um sistema de ensino que até poucos anos impunha uma única visão da historia; a historia positivista que acredita que o desenvolvimento histórico é resultante de uma “ordem e progresso” naturais que se desdobram numa serie de episódios explicados dentro de uma relação lógica de causa e efeito onde os atores são sempre os grandes nomes da historia política, lembro-me, de 1

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ACESSANDO A ARQUITETURA ATRAVES DA HISTORIA.

Milton Luz da Conceição

Mais um período letivo se inicia, e com ele a tentativa de acrescentar ao processo de conhecimento ministrado no curso de “Arquitetura e Urbanismo” uma visão, através de seus produtos arquitetônicos, sobre as diversas e complexas dimensões que construíram os países de nosso entorno.

- Professor! Chama o aluno.

- As aulas serão mais sobre arquitetura ou sobre história? Pergunta o aluno preocupado com os conteúdos da disciplina.

Este diálogo entre professor e aluno que se repete a cada início de semestre nas diversas fases do curso denuncia a visão distorcida gerada entre estudantes, a historia não é vista como parte de um todo, mas sim fragmentada como um campo de conhecimento autônomo, estanque, e dissociado da realidade.

- A arquitetura é resultante da história, responde o professor, fugindo por hora de um maior aprofundamento.

Sim, pensamos que a arquitetura como qualquer objeto ou fenômeno são resultantes da historia, “os homens fazem a historia, mas não estão conscientes disto” já nos lembrava Marx.

A principio os alunos custam a captar esta visão da historia visto que provêem de um sistema de ensino que até poucos anos impunha uma única visão da historia; a historia positivista que acredita que o desenvolvimento histórico é resultante de uma “ordem e progresso” naturais que se desdobram numa serie de episódios explicados dentro de uma relação lógica de causa e efeito onde os atores são sempre os grandes nomes da historia política, lembro-me, de pequeno ser obrigado a ler durante todo o “curso primário” um livro chamado “Homens que Fizeram o Brasil” cujo autor felizmente me esqueci. Este modelo tem ainda uma feição reprodutiva já que ao eliminar o viés dialético e critico serve como modelo de reprodução ideológica das elites dominantes.

Acessar a arquitetura através da historia implica em espacializar a narrativa histórica estabelecendo uma trialética entre tempo, espaço e ser social. Estas três escalas aproximam a Historia da Filosofia e das Ciências Sociais proporcionando, por exemplo, a reconstrução histórica dos “sem historia”, explico: através da Antropologia Estrutural (Lévi- Strauss, C. 1976) pode-se entender a historia de sociedades que não a tem, como é o caso das sociedades primitivas. Esta mesma ferramenta (amplamente

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utilizada na “reconstrução” das “cidades pré colombianas” por exemplo) emerge nos anos 60 numa nova disciplina fundamental ao estudo da historia da arquitetura: a semiologia, uma ciência dos sinais e dos sistemas, mais tarde batizada nos Estados Unidos de Semiótica. A Semiótica estuda os sistemas, códigos, e convenções de sinais de todos os tipos, os códigos da arquitetura, da medicina, e as convenções do mito e da literatura.

A visão da historia nos cursos de arquitetura não deve ser dado um valor privilegiado. A arquitetura deve ser a condutora no entendimento de uma sucessão de fatos num contexto onde os extratos históricos estão presentes. Esta visão evita o anacronismo de se copiar elementos já que traz as idéias, as hipóteses, a busca de soluções transformadoras para o tempo presente afastando-se da confusão com o passado numa construção orientada por quem a produz. O que deve transparecer da historia é somente os seus valores universais e suas aplicações pontuais, auxiliando inclusive no entendimento do “ser” de algumas obras de arquitetura.

Porem, voltando a sala de aula, é importante que esta visão seja absorvida pelo aluno. Esta absorção se deve dar através de avanços pedagógicos impulsionados pelos avanços tecnológicos (revolução informacional), avanços estes que tira o aluno da posição de receptor passivo ao mesmo tempo que tira do professor a condição de monopolista do saber. Assim aprendem mais, alunos e professores, aprendizado que parte da consciência de suas próprias limitações e pela complexidade do mundo que se revela. A Historia convencional, consolidadora do passado, transforma-se numa construção coletiva e permanente.

Natural então que o professor extrapole suas ementas percebendo as interfaces com as outras disciplinas numa nova dinâmica que desterritorializa o espaço do aprendizado utilizando-se de todos os espaços e todos os meios disponíveis (viagens, exposições, seminários) na busca de novos conhecimentos que fazem a Historia.

A escola continua sendo reprodutora, mas na pratica pedagógica se abre uma oportunidade de transformação na apropriação critica dos conhecimentos e experiências que devem remeter a uma melhoria na qualidade de vida da sociedade.

COMENTARIO COM RESPEITO AO VIDEO “A LAMINA DO AÇOUGUEIRO”.

A serie “White Heat” proposta pela BBC em 1994, e composta de mais quatro outros vídeos, se antecipa aos problemas trazidos pelo processo de globalização da economia que principia com a adoção das chamadas medidas “neo-liberais” na condução da

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política econômica. Esta política de governo que tem em Margareth Tratcher (1980) na Europa, Augusto Pinochet (1973) na America do Sul e Ronald Reagan (1982) nos EUA, seus precursores nada mais é que a reedição do “Laissez-Faire” do sec. XIX aplicado a Estados mais fortes e organizados impulsionados pela revolução tecnológica e informacional.

O vídeo mostra os efeitos destas novas políticas sobre a indústria e a população. Inicia no pós guerra e chama a atenção principalmente para a fragmentação do processo produtivo, o próprio nome já é sugestivo, “A lamina do Açougueiro”.

Aborda a fragmentação do trabalho dentro da ótica taylorista, onde o trabalhador perde a noção do processo. Ressalta o ambiente fabril e social da segunda metade do século XX trazendo informações sobre os elementos constitutivos do modo de produção nos primórdios do capitalismo avançado e da sociedade ocidental deste período. O tema é requentado porque já bastante discutido durante toda a primeira metade do século XX quando a extrema especialização do fordismo produzia nas linhas de montagem peças isoladamente não identificadas, denunciando a fragmentação do trabalho onde o trabalhador perde a noção do total do produto dada a divisão de tarefas. Assim temos o caráter abstrato do trabalho. O controle total do trabalhador por parte do capital dita o ritmo da produção. O vídeo transfere esta figura do “trabalhador maquina” para toda a sociedade sugerindo um “cidadão autômato”, a novidade é a ampliação alem do tema através da utilização dos novos meios de comunicação. Estes meios ampliam o poder das mercadorias que através de seus sistemas de signos descolam suas imagens do processo produtivo. Estas imagens ganham, através de campanhas publicitárias, poder de sedução sobre a sociedade tornando-se mais um agente de controle da mesma.

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