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ACERVOS FOTOGRÁFICOS DOMÉSTICOS COMO IMPORTANTE FONTE PARA A PESQUISA NO CAMPO DA MODA: UMA EXPERIÊNCIA

Familiar´s photographic collections as an important resource for fashion research: an

experience

Francis da Silveira Firmo (UFMG) Resumo: O presente artigo busca valorizar a fotografia como um documento rico em informações, leituras e significados. Apresenta os acervos domésticos como valiosas fontes que possibilitam, no campo da moda, a (re)construção do vestuário de pessoas reais, personagens de uma época em tempo e espaço determinado, a partir do relato de uma experiência de trabalho de pesquisa. Palavras-chave: História. Memória. Fotografia. Abstract: Este artículo busca valorar la fotografía como un documento lleno de informaciones, lecturas y significados. Presenta los acervos domésticos como importantes fuentes que posibilitan, en el campo de la moda, la (re)construcción del vestuario de personas reales, personajes de una época en dado tiempo y espacio, a partir de relato de una experiencia de trabajo de investigación. Palabras Clave: Historia. Memoria. Fotografía.

Em uma sociedade imagética como a atual, cada um dos que nela vive é um consumidor de imagens. A fotografia, popularizada em meados do século XX, tornou-se desde o século anterior um atrativo objeto, reprodutível, para os mais diversos fins.

Atualmente não são apenas os profissionais da área os que congelam o instante de um determinado momento, pessoa ou paisagem, para a posterioridade. As fotografias, anteriormente restritas aos que detinham a técnica, possuíam uma ‘aura’, hoje inexistente diante da sua incessante profusão no mundo digital.

A fixação da imagem em papel permitiu a partilha de momentos especiais com diversos entes queridos, assim como ser objeto de culto quando inserida em porta-retratos, dispostos em lugares de destaque em residências e locais de circulação, ou mesmo em álbuns familiares.

Para Leite (2000, p. 15), é “fotografia histórica toda aquela que nos chega às mãos pronta, tendo sido produzida há algum tempo, com relação ao momento em que é analisada pelo observador.” Para a leitura das imagens nela presentes é fundamental levar em conta não apenas os elementos de produção, arquivamento e leitura, como também o conhecimento de diferentes códigos que a compõe.

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Ou seja, ao tomar a fotografia como objeto de estudo é necessário levar em consideração diversos aspectos. Como toda imagem, ela é um produto cultural, cujo significado é dado a partir daquele que a observa. Além disso, pode ser um produto construído por diferentes sujeitos, pois, como observa Barthes (1984), no caso de foto-retrato há um cruzamento de forças que faz do retratado um ser ficcional: estão presentes, simultaneamente, quatro imaginários, já que o fotografado está ali como gostaria que fosse visto e como aquela pessoa que pensa ser, ao mesmo tempo em que o fotógrafo dele se serve para exibir a sua arte a partir do que julga que seja esta pessoa que se posta frente a sua câmara. Ou seja, quem está sendo retratado é antes de tudo “um sujeito que se sente tornar-se objeto” (BARTHES, 1984, p. 27).

O status de verdade se rompe devido as escolhas, olhares, simulações durante o processo de sua produção, como também o enquadramento, local e a razão de sua conservação e/ou difusão.

Portanto, para o estudo de fotografia, como de todos os tipos de imagem, é importante situá-la dentro da polissemia que dela provem: somente uma análise transdisciplinar possibilita uma melhor apreensão do que está exposto. Meneses (2003, p. 29) salienta a necessidade de enfocar a imagem como enunciado, uma “fonte de informação (...) que se realiza efetivamente em situações culturais específicas, entre várias outras”. Por outra parte, Mauad (2008) afirma a necessidade de, ao se ter a fotografia como objeto de trabalho, delimitar no texto imagético as mensagens presentes nos segmentos expressão (onde estão as técnicas) e o de conteúdo (onde se encontra o universo do representado, como as pessoas, o local, as vivências etc).

No caso dos pesquisadores da moda, é no segundo campo que a investigação do vestuário possibilita grandes descobertas. Como cada grupo social tem hábitos e costumes próprios, consequentemente contam com uma maneira específica de vestir-se, que pode não corresponder necessariamente ao que é/era difundido nas revistas de moda do período. O conhecimento da historiografia permite verificar se as tendências divulgadas a partir dos centros difusores da moda foram assimiladas ou rechaçadas pelas pessoas representadas nas imagens fotográficas.

O acervo de fotos domésticas pode-se tornar uma das fontes de investigação preciosa com o apoio da historiografia oral e de outros acervos imagéticos (fotos, pinturas), e/ou bibliográficos (históricos, memorialistas ou ficcionais), por exemplo, do período delimitado. Ao associar as imagens fotográficas a outros fatores, como o local de produção e de documentação, entre outros, pode-se buscar (re)construir a história do vestuário em dado momento e lugar e obter um olhar mais real, numa tentativa de revisar a historiografia da moda mais pautada na

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realidade, aquela usada por pessoas comuns. Afinal, o vestuário dos retratados aproxima-se daquele efetivamente usado pelas pessoas daquele segmento social, em determinado tempo e espaço. Esse olhar pode permitir a identificação dos modos e modas locais: hábitos e costumes que podem levar a adoção ou adaptação de determinadas peças do vestuário. Acervos domésticos

Os acervos domésticos contam inevitavelmente com álbuns de família, cujas fotografias são “lugares da memória” que formam uma “teia, tecida de imagens e recordações que articulam passado e presente, ascendentes e descendentes” (SCHAPOCHNIK, 1998, p. 459). A sua tutela cabe a um dos familiares, que junto com as imagens, é também repositório da memória oral daqueles que ali estão representados. Segundo Dubois (1994, p 79) o álbum “não cessa de ser um objeto de veneração, cuidado, conservado como uma múmia”, onde a sua abertura faz parte de um cerimonial. Apenas o guardião do acervo familiar é que permite o seu acesso aos que são dignos de sua confiança pessoal e/ou aos que podem preservar a memória de seus membros.

As fotografias dos álbuns são percebidas pelos seus parentes não como representação, mas como apresentação dos integrantes com os quais se travou algum tipo de contato ou que protagonizaram momentos relatados pelos seus ascendentes.

Em função de falecimento e constituição de novas famílias, os álbuns são desfeitos e as fotografias são distribuídas e estabelecidos novos guardiões das imagens que mais solenizam os acontecimentos do tronco familiar – os eventos considerados significativos.

O acesso a um álbum familiar envolve diversos momentos a que o pesquisador deve estar atento. Um deles é o fato de que as fotografias correspondem a uma história familiar, cuja narrativa apresentada é a que se deseja ser contada. Muitas são descartadas, e muitas outras já o foram anteriormente.

Outra é que se torna imperioso a organização do material: sua classificação deve ser acompanhada por relatos e depoimentos por parte dos retratados ou de seus descendentes, sempre com um olhar e enfoque transdisciplinar para buscar captar o máximo de informação dentro de um emaranhado de significado e significantes.

Mauad (1996) propõe dois modelos de fichas para a análise da imagem fotográfica, um do ponto de vista da expressão e outro do ponto de vista do conteúdo Todo o material fotográfico precisa ser classificado e coletado, e agrupado segundo determinado critério. Relato de uma experiência

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A tentativa de reconstruir o vestuário de uma família de classe média belo-horizontina no início do século passado pôde ser realizada a partir do acesso a fotografias dispersas, localizadas em álbuns desfeitos, em fotos guardadas em caixas e relatos dos responsáveis pela sua tutela. Também foram necessários contatos com a genealogia familiar e entrevistas com outros integrantes de diferentes troncos – cujos ascendentes ali estavam apresentados –, na busca de compreender a circunstância em que a fotografia foi tirada e a relação entre os presentes na imagem. No caso, trata-se de imagens de diferentes troncos de uma mesma família, nascida na capital mineira desde o seu primórdio.

Para o trabalho de catalogação e sistematização das imagens foram feitas adaptações para o campo do vestuário nas fichas propostas por Mauad (1996), por sentirmos necessidade de uma descrição maior do vestuário e dos acessórios (Ver QUADRO 1).

FOTO (Número)

Data Autoria Tamanho da foto Formato Tamanho (foto + suporte) Tipo de foto Nitidez Foco:

Iluminação: Espaço geográfico Local retratado Tema retratado Pessoa retratada Dedicatória Objetos retratados Objetos exteriores

Objetos interiores Objetos pessoais Estilo

Adereços Análise material (com descrição detalhada do vestuário e, acessórios)

Observações: QUADRO 1: Modelo de ficha usada durante a pesquisa

Sabemos que as fotografias de estúdio contam com pessoas que posam com suas

melhores roupas, em posições e cenários previamente escolhidos. Estes seres ficcionais – sujeitos-objeto, seres idealizados tanto por si e como pelo fotógrafo –, no momento do registro fotográfico, necessitam por parte do pesquisador uma busca por mais dados para poder fundamentar o que está exposto. Afinal a fotografia possibilita que a ampliação de informações que as verbalizações não conseguem aclarar. No campo da moda, os relatos orais esclarecem as circunstâncias de produção e uso do vestuário e dos acessórios, além da dimensão afetiva das peças. O estudo da historiografia da moda oficial, apresenta o que os polos difusores de moda reconheciam como elegante, porém como de fato as pessoas se trajavam exige um

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trabalho comparativo focado em uma mesma época e em eventos semelhantes ao retratado, enfocando diferentes classes sociais, além de um olhar horizontal dentro de um mesmo segmento.

Portanto, é uma pesquisa que demandou diferentes fases. O primeiro passo foi o acesso ao acervo.

No caso deste estudo, o nosso recorte se deteve nos três primeiros decênios do século XX. Foram elaboradas 42 fichas para analisar as fotografias, com as descrições de como trajavam as 123 pessoas de ambos os sexos e diferentes idades que ali estão fixadas, além dos demais aspectos presentes. As fotos pertencem a álbuns da famílias Silveira, Diniz, Carvalho, Cleto, Vaz de Mello e tantos outros, moradores de Belo Horizonte desde o tempo do Arraial do Curral del Rey, testemunhas das mudanças que possibilitaram o surgimento da capital do Estado de Minas Gerais. Fazendeiros e comerciantes em sua maioria, optaram em sua grande parte por viver no ambiente rural da Belo Horizonte, usufruindo na área urbana dos espaços de lazer, das igrejas e das escolas.

O segundo foi o preenchimento das citadas fichas, que demandou vários contatos e entrevistas com diferentes pessoas. Como a memória é recheada de emoções é fundamental verificar as versões de diferentes integrantes da família diante de uma mesma situação. A identificação das pessoas que posavam (nome, classe/inserção social etc), a relação pessoal entre eles, a identificação do local e da circunstância ou propósito da foto foram alguns dos elementos averiguados. Este primeiro diálogo entre fotografias e relatos orais se faz mais fácil quando a temporalidade permite o contato com as pessoas que efetivamente estiveram no momento do registro. Porém permite aproximações importantes para o trabalho.

Além disso, faz-se necessário a educação do olhar. Saber descrever o que se vê, conhecer os códigos da época, comparar com outras fotos do período. Escrever sobre o texto visual congelado no tempo-espaço fotográfico.

Após a catalogação foi possível traçar um panorama das modas e modos da Belo Horizonte do final do século XIX até 1930, com o apoio da literatura que faz referência ao período analisado.

No último decênio do século passado, onde as publicações ilustradas sobre a moda dos grandes centros facilitava a cópia de modelos, verificamos que o vestuário masculino seguia os ditames da moda parisiense da época, com seus colarinhos altos, coletes, sobrecasacas e paletós em tons escuros sobre camisa clara e o uso de acessórios como “formas mais sutis de afirmação social e de prestígio, fixadas agora na exploração estética do rosto e no domínio de certas insígnias de poder e erotismo, como os chapéus, as bengalas, os charutos e as jóias”

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(SOUZA, 1987, p. 75) - anel (de grau, de rubi, por exemplo), a abotoadura, o relógio de bolso: portavam bigodes, barbas e cavanhaques. As fotos corroboraram a bibliografia consultada: as pilosidades capilares perduraram até o início do século XX.

Já o mesmo não foi possível com relação ao corpo feminino. A inexistência de um vestuário que o ‘enclausurava’ nos leva a crença de que a mulher atuava ativamente nas atividades do lar. Nas fotos analisadas as mulheres não apresentaram cintura com diâmetros reduzidos como os das revistas de moda da época e exibidas em fotos de algumas damas das sociedades das metrópoles brasileiras. As vestimentas presentes nas imagens do acervo possibilitavam a flexão do tronco: nas primeiras décadas do século passado, há uma preferência pelo costume – tailleur –, pelas mulheres casadas, que o portavam, inclusive juntamente com gravata. Os detalhes na peça, como botões, aplique de rendas etc, garantiam a feminilidade no vestir, associada a blusas com peitilhos trabalhados, penteados e acessórios.

A mulher era a responsável por zelar pela família. Toda a vestimenta da casa passava por ela. Com relação a das crianças percebe-se a repetição dos padrões de comportamento, gênero e de visibilidade.

Quando pequenas, eram retratadas “semidesnudas”, descalças, só com calçãozinho ou com um tipo de camisola solta, sem grandes detalhes e diferenciação de sexo. A partir de 1920 as meninas começaram a usar vestidos soltos, mais curtos que os anteriores, com mangas curtas, rendas, fitas e outras passamanarias. Os meninos ainda trajavam o costume inspirado no modelo da Escola Eton ou ‘Pequeno Lorde’, mas as peças se tornam mais esportivas, com menos recortes, com inspiração nas roupas dos marinheiros. Ao abandoná-las, eles são prematuramente inseridos no mundo dos adultos quando abandonam as calças curtas, e portam um terno confeccionado como o dos seus pais. Para elas, a feminilidade; para eles, roupas mais estruturadas, como um prenúncio à assunção de responsabilidades futuras. Ambos quando vestidos de crianças, calçavam meias três quartos, claras ou escuras, muitas das vezes com botas, sendo que as meninas revezavam-nas com o sapato mary jane.

Já o vestuário das adolescentes no período passou a contar com informações de moda: ainda usavam saias mais curtas, modelagem um pouco mais solta, estampas sob fundo claro. Às meninas, roupas claras, num claro valor de ostentação, pois para mantê-las limpas demandava certo modo de comportar, uma postura corporal mais contida, além de expor o cuidado materno para com as vestes e a educação de suas filhas.

De fato, o vestuário masculino sofreu poucas alterações durante o período do recorte desse estudo. Houve variações nos colarinhos diferenciados, nas gravatas e, durante a primeira década, no comprimento e modelagem dos paletós (mais compridos e amplos). Porém, com a

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inserção feminina no mercado de trabalho, as roupas que permitissem maior liberdade de movimento, ganharam espaço: as mangas passaram para o tamanho sete oitavos até chegar, na década de 20 a cobrir a parte superior do braço. No corpus fotográfico pesquisado, o comprimento das saias parece ser um pouco menos curto do que o apresentado na bibliografia da história da moda e há a presença das botas nos pés – calçado de uso estendido para ambos os sexos na cidade de Belo Horizonte, em função da poeira que dominava a cidade devido a obras intermináveis de construção da capital. Porém, quando no cenário internacional a barra da saia alcançou o tornozelo, essa moda, segundo as fotos analisadas, não foi plenamente e nem prontamente adotada.

O vestuário masculino adulto somente na década de 20 começa a buscar o conforto: atestamos o uso do terno, o abandono das cores escuras e de uma cor única – escura –, o uso de calças largas e amplas, a adoção de barra inglesa (até então permitido apenas em situações informais), a presença de cores e estampas nas gravatas. Nesse mesmo período, houve transformações que levaram a uma maior presença feminina na sociedade e somente uma nova silhueta garantiu-lhe maior mobilidade: longilínea, com cintura baixa, busto achatado, pele dos braços e pernas à mostra devido a mangas curtas ou inexistentes e a subida da bainha das saias. O uso das meias de seda – opacas ou não –, cabelos curtos e rosto maquiado com lábios e sobrancelhas finas delineadas, eram obrigatórios.

Porém, “o trabalho intertextual, com fontes de memória visual e oral, impõe como imperativo a busca de outras evidências, em diferentes tipos de registro histórico, tais como anúncios, crônicas e notícias veiculadas na imprensa ilustrada, fotografias de outras famílias etc.” (MAUAD, 2001, p. 168). Nossas análises foram realizadas com o apoio de obras de literatura local e de memorialistas como Pedro Nava. Como o trabalho está em curso, estamos na etapa de ampliar esse diálogo, especialmente com a imprensa que começou a nascer na cidade. É nela que colhemos um interessante comentário sobre as impressões dos tradicionalistas da sociedade local com relação ao comprimento dos cabelos femininos, aliviados, com a elevação do preço do corte, que afastava as mulheres da manutenção capilar exigida pelo novo comprimento:

“E afinal, os cabellereiros, elevando os preços dos cortes de cabelo, resolveram o magno problema da terrível moda á la garçonne. De nada valiam os protestos dos pais, dos maridos, dos noivos, dos irmãos, contra tal moda. Cada dia surgia uma cabeça raspada, sobre o, ás vezes, elegante busto de mulher. (...) Mas agora o mal está em declinio. Um corte de cabelo á lá garçonne, á lá diable, ou á lá Paraguassú, custa cinco notinhas de mil reis.” (ARLEQUIM. Belo Horizonte: s.n. 22 fev. 1925)

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Esse comentário demonstra que a sociedade buscava aproximação com as imagens de moda, veiculadas não apenas pelo cinema como pelas revistas. Porém as características da sociedade local – a força da tradição, o conservadorismo, o machismo, o aspecto econômico, entre outros – também faziam uso dos meios de comunicação.

Consciente de que as “imagens sempre serão metáforas de representação” (SANT’ANNA, 2010, 256), a busca por outras fontes possibilitam a construção de sentido que vai além de uma “construção” de uma trajetória familiar. Considerações finais

As imagens fotográficas permitem revisitar o passado: narrativas possíveis podem ser traçadas a partir da sequência metodológica utilizada para ampliação de significados e sentidos – entrevistas e pesquisa em bibliografias da/sobre a época. Consequentemente uma aproximação maior ao contexto de produção permite que, além de “construção” de histórias familiares, as modas e modos possam ser analisadas em um tempo e espaço determinado, fixado pela fotografia e identificado pelas imagens nela presentes. Estas imagens, ficcionais, ganham mais documentalidade-monumentalidade na medida em que um enfoque transdisciplinar incida sobre elas. Portanto acreditamos que o trabalho delicado e sério de abordagem e investigação dos acervos domésticos, que dá protagonismo à história das vidas privadas, é de grande contribuição para os estudos relacionados à História da Moda. Referências bibliográficas BARTHES, Roland. A Câmara Clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1984. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1994. LEITE. Miriam Moreira Leite. Retratos de Família. 2º Ed. revisada. São Paulo: Edusp/Fapesp, 2000. MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e história, interfaces. Revista Tempo, Rio de Janeiro: UFF, v. 1, n. 2, 1996. Disponível em < http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg2-4.pdf>. Acesso em 01 jan 2013. ______. Fragmentos de memória: oralidade e visualidade na construção das trajetórias familiares. Proj. História, São Paulo, (22), jun. 2001.

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______.. Poses e Flagrantes: ensaios sobre história e fotografias. Niterói, RJ: Editora da UFF, 2008. MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, história visual: balanço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História, 2003, Vol. 23, n.º 45, p. 11-36. SANT’ANNA, Mara Rúbia. Álbuns de família, uma experiência pedagógica e de investigação histórica de Moda. Anos 90, Porto Alegre, v. 17, n. 32, p. 249-282, dez. 2010 SCHAPOCHNIK, Nelson. Cartões postais, álbuns de família e ícones da intimidade. In: SEVCENCKO, Nicolau (org). História da vida privada no Brasil: República: da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3. p. 423-512. SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

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