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O JOGO NA SALA DE AULA ACADEMIA DO FUTEBOL Ex-goleiro, pesquisador de Unicamp desenvolve método de treinamento inédito inspirado nas brincadeiras infantis TEXTO MATEUS CAMPOS Alcides Scaglia defende aproximação da universidade com o futebol DIVULGAÇÃO E x-goleiro profissional, Alcides Scaglia saiu de baixo das traves para defender o futebol brasileiro na universidade. Ele, que se tornou professor da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, desenvolveu na última década um método de treinamento para aprimorar a qualidade dos jogadores. A técnica, conta, é inspirada nas brincadeiras de rua. — Nosso método rompe com o tecnicismo e é inspirado nas brincadeiras infantis. Ela possibilitam o desenvolvimento de habilidades diferenciadas. No Brasil, a diversidade cultural que nós temos gera uma cultura lúdica muito ampla. Mas isso não é tudo. A partir da Teoria do Jogo, nós estudamos como aplicar essas brincadeiras na formação de jogadores — explica. Alcides conta que o método ajuda na formação de jogadores mais cerebrais, com mais reflexo e velocidade de raciocínio e reação. Justamente o tipo de atleta que está em falta no futebol nacional. Afinal, o Campeonato Brasileiro de 2014 amarga uma média de 2,22 gols por jogo, a mais baixa desde 2003, quando o torneio passou a ser disputado em pontos corridos. — O método dá mais criatividade e inteligência aos atletas. Eles se tornam capazes de resolver problemas de diferentes formas. As técnica os prepara para atuar em equipes de qualquer lugar do mundo — sentencia. A trajetória de Scaglia dentro das quatro linhas foi bem menos profícua do que sua atuação fora delas. Ele atuou nas divisões de base da Ponte Preta e se profissionalizou pelo Velo Clube, de Rio Claro. Atuando por um clube do interior, ele percebeu que não teria condições de se tornar um jogador de ponta. — Ia passar a vida ganhando salário mínimo e virar mais um dos nômades do futebol. Ali eu percebi que precisava voltar a estudar. Atuei uma temporada pelo Rio Claro, subimos de divisão e passei para a Uni- camp. Tive que fazer uma escolha e fui racional: optei pelos estudos. Os problemas na formação de jogadores que ele percebia durante as partidas ficaram mais claros quando ele começou a cursar Educação Física. Ao ter aula com o professor João Batista Freire, que tinha um projeto com escolinhas de futebol, ele se interessou pela dinâmica de treinamentos. Então, se aprofundou no tema em suas pesquisas de mestrado e doutorado. O MÉTODO Jogadores da base do Paulínia treinam. Método privilegia tática a técnica DIVULGAÇÃO +3 No método de Scaglia, a formação de um jogador é pensada desde o início. Por isso, as categorias iniciais foram as que primeiro receberam atenção. De 1992 a 2000, o grupo de trabalho do qual ele fazia parte cons- truiu um currículo de formação para as crianças das escolinhas. — Nessa primeira fase, os jogos criados enfatizam a relação com a bola. As atividades são inspiradas em brincadeiras como golzinho e rebatida, por exemplo. Além disso, adaptamos jogos como pique-bandeira, pega- -pega para a realidade do futebol. A partir de 2003, eles começaram a pensar em dar continuidade ao projeto em categorias mais avançadas. — Com os jogadores mais velhos a gente desenvolve a estruturação do espaço. Desenvolvemos jogos para que eles trabalhem a manutenção da posse de bola, por exemplo. Também não há treino físico fora do treino tático. Ele fundou — junto com colegas egressos da Unicamp — a ONG Associação Futebol Arte. Após alguns bons resultados da equipe treinada, o grupo firmou uma parceria com o Paulínia, clube recém-formado da região. A função de Scaglia era capacitar e treinar os técnicos contratados. A partir de então, os times da base passaram a fazer jogo duro com os grandes da capital e até a vencê-los. Não demorou e os títulos começaram a vir, como o da Copa São Paulo Sub-17 e o da segundona do Paulista Sub-20. Os clubes grandes, então, começaram a prestar atenção às joias desenvolvidas pelo clube do interior. Em 2011, o Fluminense levou dois deles: Cassinho (que hoje é do Guarani) e Fabinho (atualmente jogando pelo Mônaco, que disputa o campeonato francês). O Botafogo levou o lateral Gabriel, que hoje se destaca no time alvinegro. — Sou da primeira categoria a jogar no Paulínia em 2004: a geração de 92. Os treinamentos começaram bem do início, era tudo muito estudado. Dava para perceber que a metodologia era diferente. Não é um clube grande, mas todos lá pensavam grande. Eles treinavam várias formações táticas. A intenção era formar os atletas. Quando disputávamos os campeonatos, eles não priorizavam o título, mas a experiência — diz Gabriel. Apesar dos elogios e do relativo sucesso, nenhum outro clube além do Paulínia se mostrou interessado em utilizar as estratégias empregadas pela Associação Futebol Arte. Para Scaglia, há pouco intercâmbio entre futebol e universidade. — Há necessidade de parar com o distanciamento entre a universidade e o mercado profissional. A academia tem muito a contribuir para o esporte. [email protected]

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O JOGO NA SALA DE AULA

ACADEMIA DO FUTEBOL

Ex-goleiro, pesquisador de Unicamp desenvolve método de treinamento inédito inspirado nas brincadeiras infantis

TEXTO MATEUS CAMPOS

Alcides Scaglia defende aproximação da universidade com o futebol DIVULGAÇÃO

Ex-goleiro profissional, Alcides Scaglia saiu de baixo das traves para defender o futebol brasileiro na universidade. Ele, que se tornou professor da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, desenvolveu na última década um método de treinamento para aprimorar a qualidade dos jogadores. A técnica, conta, é inspirada nas brincadeiras de rua.

— Nosso método rompe com o tecnicismo e é inspirado nas brincadeiras infantis. Ela possibilitam o desenvolvimento de habilidades diferenciadas. No Brasil, a diversidade cultural que nós temos gera uma cultura lúdica muito ampla. Mas isso não é tudo. A partir da Teoria do Jogo, nós estudamos como aplicar essas brincadeiras na formação de jogadores — explica.

Alcides conta que o método ajuda na formação de jogadores mais cerebrais, com mais reflexo e velocidade de raciocínio e reação. Justamente o tipo de atleta que está em falta no futebol nacional. Afinal, o Campeonato Brasileiro de 2014 amarga uma média de 2,22 gols por jogo, a mais baixa desde 2003, quando o torneio passou a ser disputado em pontos corridos.

— O método dá mais criatividade e inteligência aos atletas. Eles se tornam capazes de resolver problemas de diferentes formas. As técnica os prepara para atuar em equipes de qualquer lugar do mundo — sentencia.

A trajetória de Scaglia dentro das quatro linhas foi bem menos profícua do que sua atuação fora delas. Ele atuou nas divisões de base da Ponte Preta e se profissionalizou pelo Velo Clube, de Rio Claro. Atuando por um clube do interior, ele percebeu que não teria condições de se tornar um jogador de ponta.

— Ia passar a vida ganhando salário mínimo e virar mais um dos nômades do futebol. Ali eu percebi que precisava voltar a estudar. Atuei uma temporada pelo Rio Claro, subimos de divisão e passei para a Uni-camp. Tive que fazer uma escolha e fui racional: optei pelos estudos.

Os problemas na formação de jogadores que ele percebia durante as partidas ficaram mais claros quando ele começou a cursar Educação Física. Ao ter aula com o professor João Batista Freire, que tinha um projeto com escolinhas de futebol, ele se interessou pela dinâmica de treinamentos. Então, se aprofundou no tema em suas pesquisas de mestrado e doutorado.

O MÉTODO

Jogadores da base do Paulínia treinam. Método privilegia tática a técnica DIVULGAÇÃO

+3

No método de Scaglia, a formação de um jogador é pensada desde o início. Por isso, as categorias iniciais foram as que primeiro receberam atenção. De 1992 a 2000, o grupo de trabalho do qual ele fazia parte cons-truiu um currículo de formação para as crianças das escolinhas.

— Nessa primeira fase, os jogos criados enfatizam a relação com a bola. As atividades são inspiradas em brincadeiras como golzinho e rebatida, por exemplo. Além disso, adaptamos jogos como pique-bandeira, pega--pega para a realidade do futebol.

A partir de 2003, eles começaram a pensar em dar continuidade ao projeto em categorias mais avançadas.

— Com os jogadores mais velhos a gente desenvolve a estruturação do espaço. Desenvolvemos jogos para que eles trabalhem a manutenção da posse de bola, por exemplo. Também não há treino físico fora do treino tático.

Ele fundou — junto com colegas egressos da Unicamp — a ONG Associação Futebol Arte. Após alguns bons resultados da equipe treinada, o grupo firmou uma parceria com o Paulínia, clube recém-formado da região. A função de Scaglia era capacitar e treinar os técnicos contratados. A partir de então, os times da base passaram a fazer jogo duro com os grandes da capital e até a vencê-los. Não demorou e os títulos começaram a vir, como o da Copa São Paulo Sub-17 e o da segundona do Paulista Sub-20.

Os clubes grandes, então, começaram a prestar atenção às joias desenvolvidas pelo clube do interior. Em 2011, o Fluminense levou dois deles: Cassinho (que hoje é do Guarani) e Fabinho (atualmente jogando pelo Mônaco, que disputa o campeonato francês). O Botafogo levou o lateral Gabriel, que hoje se destaca no time alvinegro.

— Sou da primeira categoria a jogar no Paulínia em 2004: a geração de 92. Os treinamentos começaram bem do início, era tudo muito estudado. Dava para perceber que a metodologia era diferente. Não é um clube grande, mas todos lá pensavam grande. Eles treinavam várias formações táticas. A intenção era formar os atletas. Quando disputávamos os campeonatos, eles não priorizavam o título, mas a experiência — diz Gabriel.

Apesar dos elogios e do relativo sucesso, nenhum outro clube além do Paulínia se mostrou interessado em utilizar as estratégias empregadas pela Associação Futebol Arte. Para Scaglia, há pouco intercâmbio entre futebol e universidade.

— Há necessidade de parar com o distanciamento entre a universidade e o mercado profissional. A academia tem muito a contribuir para o esporte. •[email protected]

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