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QUESTÃO RURAL E EXERCÍCIO PROFISSIONAL: Demandas para o Serviço Social Mailiz Garibotti Lusa 1 Resumo Aborda o debate contemporâneo sobre a questão rural, objetivando contribuir para a produção de conhecimento e para o exercício profissional em sua relação com o campo brasileiro. Numa perspectiva crítica, fundamentada no materialismo histórico dialético, discute sobre o espaço, os sujeitos e modos de vida rurais, refletindo sobre as repercussões deste debate no Serviço Social e apontando demandas e possibilidades para a atuação. Palavras-Chave: espaço rural; políticas sociais; exercício profissional ABSTRACT This paper intend to contribute for answering the current discussion about some very emergent country questions. It aims to promote knowledge, especially on the professional tasks around the Brazilian fields. In a critic way, and based on historic and dialectic materialism, it presents some discussions about the country production human environment, their subjects and ways of life, exploring some reflects on the Social Work professional practicing. It also points some demands and utile action possibilities. Keywords: rural environment; social politics; professional practicing 1. UM DEDO DE PROSA SOBRE A QUESTÃO RURAL E O SERVIÇO SOCIAL O debate sobre a questão rural e sua relação com o Serviço Social configura-se como um desafio objetivo se considerados os temas mais correntes no âmbito das investigações e do exercício profissional na contemporaneidade. Assumindo tal desafio, realizou-se um estudo, caracterizado como ‘espreita teórica e profissional’, contextualizado em tempos de crise do capital, a fim de contribuir para a ampliação das relações – ainda insípidas – desenvolvidas entre a profissão e os sujeitos, espaço e modo de vida rurais. 1 Estudante de Pós-graduação. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Universidade Federal de Alagoas (UFAL). [email protected]

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QUESTÃO RURAL E EXERCÍCIO PROFISSIONAL: Demandas para o Serviço Social

Mailiz Garibotti Lusa1

Resumo Aborda o debate contemporâneo sobre a questão rural, objetivando contribuir para a produção de conhecimento e para o exercício profissional em sua relação com o campo brasileiro. Numa perspectiva crítica, fundamentada no materialismo histórico dialético, discute sobre o espaço, os sujeitos e modos de vida rurais, refletindo sobre as repercussões deste debate no Serviço Social e apontando demandas e possibilidades para a atuação. Palavras-Chave: espaço rural; políticas sociais; exercício profissional

ABSTRACT This paper intend to contribute for answering the current discussion about some very emergent country questions. It aims to promote knowledge, especially on the professional tasks around the Brazilian fields. In a critic way, and based on historic and dialectic materialism, it presents some discussions about the country production human environment, their subjects and ways of life, exploring some reflects on the Social Work professional practicing. It also points some demands and utile action possibilities. Keywords: rural environment; social politics; professional practicing

1. UM DEDO DE PROSA SOBRE A QUESTÃO RURAL E O SERVIÇO SOCIAL

O debate sobre a questão rural e sua relação com o Serviço Social configura-se

como um desafio objetivo se considerados os temas mais correntes no âmbito das

investigações e do exercício profissional na contemporaneidade. Assumindo tal desafio,

realizou-se um estudo, caracterizado como ‘espreita teórica e profissional’, contextualizado

em tempos de crise do capital, a fim de contribuir para a ampliação das relações – ainda

insípidas – desenvolvidas entre a profissão e os sujeitos, espaço e modo de vida rurais.

1 Estudante de Pós-graduação. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),

Universidade Federal de Alagoas (UFAL). [email protected]

Reconhece-se consonância do tema proposto com àquele da V Jornada

Internacional de Políticas Públicas, qual seja a relação entre “Estado, Desenvolvimento e

Crise do Capital”. Considera-se inconteste a tarefa de pensar criticamente as políticas

públicas na atualidade, sua imbricação com a ideologia de Estado e com as diversas

perspectivas de desenvolvimento em debate, num cenário de acirramento das relações

capitalistas de exploração, de concentração do capital e de poder nas mãos de uma minoria

e, portanto, de produção exponencial de desigualdades. Diante deste quadro, entende-se

necessária a reflexão sobre as políticas públicas, especificamente àquelas desenvolvidas no

espaço e com os indivíduos rurais.

Considerado este quadro, primeiramente apresentam-se algumas perguntas: a

questão rural é percebida como elemento imanente da questão social? Que apreensões e

enfrentamentos sobre ela o Serviço Social tem realizado? Quem é e o que tem feito o

‘Serviço Social’ em relação à produção do conhecimento ‘sobre o rural? Reconhecemos que

os traços do ‘rural brasileiro’ podem transversalizar a formação e a atuação profissional,

principalmente as Políticas Sociais e a gestão de serviços sociais?

Estas e outras indagações geraram as reflexões que seguem, apresentadas em

três partes: a realidade e o cotidiano rural; os conceitos sobre rural e as relações com modo

de produção capitalista; e a importância do estudo da questão rural para o Serviço Social.

2. REALIDADE, QUESTÃO RURAL E SERVIÇO SOCIAL

2.1 Realidade e cotidiano: do dia-a-dia, o reconhecimento dos sujeitos e identidades

O reconhecimento do cotidiano e da realidade em que vai atuar o Assistente

Social é ponto inconteste nas discussões profissionais. Para se aproximar da população

usuária dos serviços sociais, reconhecendo suas necessidades e demandas, é mister

analisar o cenário social, político, econômico e cultura onde estão o profissional e o usuário.

A partir disto é possível situar os nexos entre a realidade, o cotidiano de vida, as demandas

da população e as estratégias de resposta às mesmas. Não obstante, ainda ocorre que

parcela dos profissionais não buscam estes aportes, desconsiderando que as ações devem

ser precedidas por uma análise e pelo reconhecimento do cotidiano dos indivíduos.

O modo de vida, elaborado neste cotidiano, incide em várias dimensões do ser

social e da sociedade, sendo processualmente criado e recriado – por vezes perpetuado -

para além das vidas que o vivenciam. Ele adentra sutilmente no imaginário de homens e

mulheres, imprimindo-lhe traços que passam a ser reproduzidos ‘automaticamente’ através

da socialização. Isto posto, convêm pensar nas especificidades e similitudes entre o rural e

o urbano. As segundas são decorrentes do fato que rural e urbano são espaços

pertencentes a mesma sociedade e seguem um mesmo modo de pensar e produzir, que no

caso brasileiro é capitalista. Em relação às especificidades, é notório que há um diferencial

que parte da organização e uso da força de trabalho. Dela decorrem outras distinções entre

o rural e urbano, dentre as quais se aponta que no rural o movimento de manutenção e/ou

de transformação das estruturas tradicionais do modo de vida rural possui sutilezas

inexistentes na cidade. Candido (2001), tratando sobre o ‘caipira paulista’, em meados de

1950, indicava que tal movimento de incorporação das transformações da sociedade urbana

[...] representava, com efeito, um ajustamento mínimo do ponto de vista biológico e social, de maneira que os que se subtraíam à sua esfera passavam a costear (sic) as situações anômicas e a penúria – reduzidos ao trabalho familiar ou individual com técnica rudimentar, à atrofia das crenças, à própria subversão dos padrões morais [...], caracterizando os pobres farrapos humanos, a que se atêm com frequência os escritores regionalistas, contribuindo para a visão deformada, indevidamente generalizadora, do homem da cidade (CANDIDO, 2001, p.270).

Neste movimento, poderia ou não ocorrer a incorporação progressiva da cultura

urbana pelo camponês, tanto para aquele que permanece no campo, quanto para o que

migra para as cidades. Assim, naquele momento histórico, os ‘desajustes’ da incorporação

de novos modos de vida e valores, resolver-se-iam cada vez mais pela migração urbana

com o abandono do modo de vida camponês. O mais forte elemento que colaboraria para

essas transformações estaria relacionado à provisão dos mínimos necessários para a vida,

considerando que eles não são mais definidos segundo as condições históricas

estabelecidas no campo, mas segundo os níveis, normas e padrões definidos pela cultura

urbana. Por isto, o autor indicava que

Um grupo que se sentia equilibrado e provido do necessário a vida, quando se equiparava aos demais grupos de mesmo teor, sente-se bruscamente desajustado, mal aquinhoado, quando se equipara ao morador das cidades, cujos bens de consumo e equipamento material penetram hoje no recesso da sua vida, pela facilidade das comunicações, a multiplicidade dos contatos, a penetração dos novos estilos de viver. Em conseqüência, [...] a ampliação das necessidades não é compensada pelo aumento do poder aquisitivo. Em face disto, o caipira reage de duas maneiras principais; rejeita em bloco as suas condições de vida e emigra, proletarizando-se; ou procura permanecer na lavoura, ajustando-se como possível (CANDIDO, 2001, p.271).

Note que já no período se reconhece a existência de parâmetros comparativos

entre rural e urbano - cujo modelo parte do último para o primeiro - e que o afastamento

cultural existente entre os agrupamentos rurais e os centros urbanos já estava diminuindo

significativamente dadas as transformações técnicas e tecnológicas do capitalismo no

campo. Ora, aponta-se desde aquele momento para a ‘continuidade’ entre o rural e o urbano,

o que propicia o debate sobre o ‘continuum rural-urbano’, também denominado de ‘rurbano’2.

Podemos indicar que o processo de urbanização – civilizador [sic], se o encararmos do ponto de vista da cidade – se apresenta ao homem rústico propondo ou impondo certos traços da cultura material e não material. Impõe, por exemplo, novo ritmo de trabalho, novas relações ecológicas, certos bens manufaturados; propõe a racionalização do orçamento, o abandono das crenças tradicionais, a individualização do trabalho, a passagem à vida urbana (CANDIDO, 2001, p.272. Grifos no original).

Ao indicar a possibilidade de cultivar alguns traços (tradicionais), aponta-se

também que existiriam transformações obrigatórias, sem as quais a sociabilidade e inserção

do sujeito rural na sociedade se tornam difíceis. Para o autor a incorporação ou não das

mesmas seria processual e possibilitaria a identificação de três tipos de sujeitos: aquele que

aceita totalmente a mudança, tanto imposta quanto proposta; aquele que aceita os traços

impostos, recusando os propostos e finalmente aquele que rejeita ambos os traços.

O trânsito entre inclusão e exclusão seria, deste modo, dinâmico e

acompanharia o movimento dialético de transformação da sociedade capitalista,

repercutindo, inclusive, na construção da identidade dos indivíduos. Interferiria para tal

trânsito, a sociabilidade e o nível de coesão dos grupos sociais rurais. Os mais coesos

tenderiam a passar por este processo de modo mais coletivo e, portanto, menos

estigmatizador, embora ainda pudessem ser marginais em relação à sociabilidade urbana.

Retornando à reflexão sobre as identidades, e considerando que são

construções sócio-históricas, que acontecem no próprio movimento da vida cotidiana,

através das relações e do jogo de forças no campo social, político, econômico e cultural

(MARTINELLI, 2008), é imprescindível demarcar que a perspectiva profissional aponta que

as identidades devem ser processualmente construídas e não atribuídas ou impostas

segundo padrões e interesses da sociedade capitalista. Neste sentido, o exercício

profissional junto a grupos rurais deve ser pautado na construção das identidades pelos

próprios sujeitos camponeses e partir destas identidades levantar as necessidades e

demandas, bem como as estratégias para o atendimento profissional. Essa perspectiva

aponta o fortalecimento da identidade ‘das gentes do campo’ e a partir dele, da participação

social e política nas lutas pela conquista e efetivação de direitos. Para isto, é necessário

reconhecer que todo o processo acontece no chão do cotidiano dos sujeitos, sendo nele que

a história é escrita individualmente, coletivamente, conscientemente e cotidianamente.

2 O conceito de rurbano foi proposto inicialmente por Sorokin, Zimermann e Galpin, em 1930, a fim de definir as situações intermediárias na tentativa de construção de uma tipologia baseada nas categorias de rural e urbano (MARTINS, 1986). A idéia principal é da continuidade entre os espaços, a constituição de uma espécie de continuun. Os autores brasileiros que desenvolvem posteriormente esta noção são Gilberto Freyre (1982), Graziano da Silva – conceito de ‘rurbano’ (1997); Carneiro (1998) e Veiga (2001) entre outros.

Destarte, é indispensável para o Serviço Social considerar o modo de vida das

populações atendidas - rurais ou urbanas -, os processos de transformações dos espaços e

aqueles de construção das identidades dos indivíduos. Aportados nestas considerações

será possível reconhecer demandas, propor e executar ações e, principalmente, construir

coletivamente políticas públicas voltadas à emancipação humana e transformação societária.

Esta é tarefa desafiadora para a profissão, especialmente no que tange à

questão rural, pois não é comum para a profissão na contemporaneidade dedicar esforços

investigativos e de exercício profissional para o campo. Mesmo isto posto, aponta-se para

um horizonte pleno de possibilidades de sanar a insipiência acadêmica e profissional, o que

está sendo requisitado em termos concretos no exercício profissional, quando os

Assistentes Sociais são convocados a planejar, implementar, gerir e/ou executar serviços,

projetos e programas sociais no espaço rural, como se observa na implantação em alguns

municípios brasileiros dos Centros de Referência de Assistência Social Rural – CRAS-Rural.

2.2 O rural e o modo de produção capitalista

A tarefa deste item será de compreender que relações existe entre o conceito de

‘rural’ e o modo capitalista de pensar e produzir. Parte-se de Candido, para quem

A industrialização, a diferenciação agrícola, a abertura do mercado interno ocasionaram uma nova e mais profunda revolução na estrutura social de São Paulo. Graças aos recursos modernos de comunicação, ao aumento da densidade demográfica e à generalização das necessidades complementares, acham-se agora frente a frente homens do campo e da cidade, sitiantes e fazendeiros, assalariados agrícolas e operários – bruscamente reaproximados no espaço geográfico e social, participando de um universo que desvenda dolorosamente as discrepâncias econômicas e culturais. Nesse diálogo, em que se empenham todas as vozes, a mais fraca e menos ouvida é certamente a do caipira que permanece no seu torrão (CANDIDO, 2001, p.279-280).

Está posto nesta reflexão a aproximação real entre os sujeitos rurais e citadinos,

o que ocorre simultaneamente a o aumento de discrepâncias entre eles, levando a

marginalização dos primeiros e a atribuição pejorativa e preconceituosa da identidade do

indivíduo do campo, relacionada por vezes à figura do ‘Jeca Tatu’. Deste modo, a indolência,

a má alimentação, a presença de doenças e o estado de miséria representariam o modo de

vida do sujeito simples do campo, seja ele: posseiro, trabalhador rural – temporário ou

permanente -, o arrendatário e/ou o pequeno proprietário. Todos passam a ser identificados

com o atrasado, cujos traços não possibilitam a modernização e desenvolvimento capitalista.

Mas, de fato, que relação existe entre a realidade social e econômica e as

permanentes construções de identidades dos homens do campo? Já dizia Candido que “não

é indiferente a situação social e econômica em que a urbanização vai colher o homem

rústico”. Isto justifica a necessidade de olhar a totalidade do campo, tornando-se objetivo a

importância de estreitar o olhar para as questões, os espaços e os indivíduos rurais.

Gorender (1994), ao analisar o ‘rural’, indica que novas relações de produção

começam a ser construídas no campo brasileiro após o período da escravidão. São elas que,

pouco a pouco, imprimem características a identidade camponesa. Para além da polêmica

presença ou ausência do capitalismo no espaço rural, constata-se que ele se desenvolve no

campo guardando distinções e similitudes com o espaço urbano. O argumento de Gorender

repousa no reconhecimento de modalidades de relações sociais de produção que não se

configuram como relações salariais e, por isto mesmo, não geram extração de mais-valia,

embora colaborem para a extração da renda fundiária.

Esta reflexão guarda importante relação com o pensamento de Ianni, Fernandes

e pensadores da formação sócio-histórica brasileira, os quais apontam que o

desenvolvimento desigual e combinado explica por si a constituição da identidade da nação,

ligada à dependência e ao subdesenvolvimento. Há no pensamento de Gorender o

reconhecimento da diversidade das relações de produção e reprodução no campo e o

indicativo da heterogeneidade das identidades construídas a partir das relações de trabalho.

O autor ainda indica que “a pequena exploração familial” (sic)

Sofre o constante cerceamento do latifúndio, cultiva comumente terras de qualidade inferior e/ou pior localizadas, não desfruta de créditos privilegiados do Estado, é desfavorecida na política de preços mínimos, não dispõe de facilidades de estocagem, não goza de aperfeiçoamentos técnicos. Enfim, está desprovida de tudo que beneficia a grande propriedade fundiária protegida pelo Estado (GORENDER,1994, p.41).

Ora, esse é um dos retratos que mais se aproxima a realidade observada no

campo brasileiro nos últimos anos. Já Woortmann (1995) afirma que para definir o conceito

de campesinato é necessário antes entender as dinâmicas e relações familiares,

compreendidas pelos laços de parentesco em sentido amplo, os quais envolvem inclusive os

laços comunitários. Seria necessário ampliar o olhar ultrapassando as análises apenas da

economia camponesa e considerando o modo de vida, as relações sociais, culturais e

políticas construídas pelos sujeitos camponeses. Assim, compreender os vínculos de

parentesco colaboraria para apreender como se dá a reprodução social do campesinato, as

relações de trabalho, o significado da terra – acesso, posse e propriedade – os processos

de herança, entre outros componentes do perfil do campesinato.

Portanto, esta discussão reafirma a idéia de que não há um conceito único sobre

o rural e que não é possível reconhecer nesse espaço apenas um modo de ser e de viver,

desconsiderando a formação social, as regionalidades, a cultura, a história e a memória das

populações rurais, as quais, fazendo parte das tradicionalidades, vão conformando as

diversas ruralidades espalhadas pelo Brasil. Trabalhar segundo esta diversidade é laboroso

e desafiador, pois requer permanente atenção para as diferentes nuances que surgem.

2.3 Afinal, qual é a importância de investigar a questão rural?

Esta e outras perguntas estão presentes nas reflexões daqueles que se

propõem a discutir a relação entre o Serviço Social e a Questão Rural. Respondê-las, para

além de um esforço pessoal de investigação, deve representar um movimento dialético e

coletivo da categoria profissional. Entretanto, para além da tarefa acadêmica de

investigação, é necessário tensionar o Estado e a própria ‘sociedade do capital’ para o

atendimento das demandas camponesas, a garantia de condições de participação social,

econômica, política e cultural que possibilitem aos indivíduos do campo tornarem-se

protagonistas das transformações pessoais e coletivas que almejam.

Para que isto aconteça, há necessidade de esforços no sentido de conhecer

teórica e empiricamente a realidade rural brasileira, a partir dos elementos do cotidiano e

modo de vida dos indivíduos, considerando a formação sócio-histórica da nação. Uma das

estratégias para cumprir tal tarefa é o diálogo com os sujeitos do campo. A partir deste

diálogo pode-se, não apenas reconhecer as necessidades e demandas desta população,

mas promover espaço de amadurecimento político e social que possibilite aos indivíduos

rurais constituírem-se como sujeitos de direito com participação ativa na sociedade,

protagonistas de lutas sociais e políticas na perspectiva da garantia e ampliação de seus

direitos e, principalmente, na perspectiva da transformação societária.

A dimensão sócio educativa e ético política da profissão adquirem relevância na

relação que o Assistente Social constrói com a população camponesa, a qual só pode ser

construída a partir da valorização das vivências cotidianas e da reflexão crítica sobre o

modo de vida camponês a ser realizada conjuntamente com os indivíduos rurais. Desse

diálogo será possível a proposição de políticas públicas voltadas aos indivíduos

pertencentes à classe trabalhadora camponesa. É este o grupo e/ou classe social que no

campo demanda as ações do Serviço Social e que desafia esta e outras profissões das

áreas social, política e humana a desenvolverem estudos capazes de propor mudanças.

Independentemente de se identificarem ou não como camponeses, são os pequenos

proprietários e produtores rurais, bem como são os trabalhadores rurais permanentes ou

temporários que detêm potencialidades para também propor, mas principalmente efetivar as

mudanças sociais, políticas e econômicas indicadas.

Este é, ao mesmo tempo, a necessidade e o desafio posto para o momento:

levantar a realidade do campo, estudá-la e analisá-la, para finalmente propor caminhos

possíveis de serem trilhados pelos indivíduos que vivem do ou no espaço rural brasileiro, a

fim de conquistar a transformação social econômica e política almejada. Assumindo-o com

veemência, indica-se para a profissão que este é um dos espaços ocupacionais mais

sedentos pela presença do Serviço Social e, conjuntamente, é o espaço pleno de

possibilidades de expansão da atuação. Este reconhecimento implica indicar a insipiente

presença da profissão naquele espaço. Não fazer esta auto-crítica no âmbito do debate e da

reflexão investigativa seria, no mínimo, isentar-se da responsabilidade que cabe a uma

pesquisadora da ‘questão rural’, de apontar as demandas advindas dos indivíduos

camponeses, mesmo aquelas que chegam através do espaço urbano.

Ao reconhecer a existência de uma diversidade de situações rurais - decorrentes

da grande variedade que constitui o Brasil nos âmbitos ambiental, geográfico, cultural, de

ocupação populacional, econômico, político e de desenvolvimento de relações sociais no

campo – defende-se a importância e premência do estudo da Questão Rural para o Serviço

Social. Isto se afirma, por compreender que já não é mais possível abster-se da

responsabilidade que envolve o reconhecimento, acompanhamento e atendimento das

expressões da Questão Social, as quais implicam diretamente na vida dos indivíduos

camponeses.

3. HÁ MUITO EM QUE AVANÇAR NAS INVESTIGAÇÕES E NA ATUAÇÃO JUNTO A

QUESTÃO RURAL – Considerações a guisa de ‘continuidade’

O primeiro ponto para concluir as reflexões deste trabalho é indicar a

necessidade de continuidade dos estudos, reflexões e debates sobre o rural, tendo sido este

apenas um exercício para trazer a ‘questão rural’ para a baila dos debates profissionais.

Tanto quanto outros estudiosos do rural, assume-se que há algo a mais do que o

interesse investigativo em relação ao tema. Existe a paixão a mover a atuação profissional,

a qual por razões diversas também moveu outros autores, tais como Brandão (2004), que

ao estudar a tradicionalidade rural, indagava-se “o que é essa experiência de ser homem do

campo, o jeito do campo e que, de repente, nos invade?” (BRANDÃO, 2004, p.123).

Essa experiência é a vida construída a partir do cotidiano rural, segundo o modo

de vida do sujeito camponês. Para além de idealizá-la, cabe aos Assistentes Sociais,

pesquisadores, docentes e profissionais no exercício técnico, aproximarem-se dela a fim de

reconhecer as demandas e as possibilidades de atuação, não desconsiderando os limites

históricos que marcaram a relação entre a profissão e as populações camponesas.

Muito há para ser visto, ouvido, pensado. Muito há por se fazer no espaço e com

os sujeitos rurais brasileiros. Este é um campo profícuo para a atuação profissional, por ser

pleno de demandas sociais. Sem dúvidas, o momento histórico em que o Serviço Social vive,

quando - diante de um cenário de crise do capital - se propõe discutir sobre ‘para quê, para

quem e como pesquisar’ é de extrema importância. Cumpre assumir tal tarefa individual e

coletivamente, instigando sempre novos e comprometidos estudos que possam oferecer

suportes a atuação profissional no espaço rural, ora bastante requisitada.

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Carlos Rodriguez. Sobre a Tradicionalidade Rural que há em nós. In: O campo do século XXI – território de vida, de luta e de reconstrução social. São Paulo: Casa Amarela/Paz e Terra, 2004. CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. Coleção Espírito Crítico. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2001. GORENDER, Jacob. Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro. In: STÉDILE, João Pedro. A questão agrária hoje. 2.ed. Porto Alegre: Ed. Da Universidade UFRGS, 1994. p.15-44. MARTINELLI, Maria Lúcia. A pergunta pela identidade profissional do Serviço Social: uma matriz de análise [Texto de apoio didático]. São Paulo: PUC-SP, Mimeo, 2008. MARTINS, José de Souza (org). Introdução crítica à Sociologia Rural. São Paulo: Hucitec, 1986. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo capitalista de produção na agricultura. São Paulo: Ática, 1987. WOORTMANN, Ellen F. Herdeiros, parentes e compadres. Colonos do sul e sitiantes do nordeste. São Paulo: Hucitec, 1995.