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Absolutismo Antes de falar do absolutismo propriamente dito seria interessante destacar alguns fatores que o precederam e até mesmo o impulsionaram. Os séculos XIV e XV foram marcados por intensas crises. A decadência do feudalismo foi acelerada pela incompatibilidade de convivência deste com o desenvolvimento comercial e urbano. Temos então, a ascensão de uma nova ordem sócio-econômica na Europa. Dificuldades econômicas, pestes, guerras, rebeliões, falta de mão-de-obra, fome e massacres abalaram as atividades comerciais da Europa central. Todavia, a expansão marítima do séc XV apresentou-se como solução à continuação do desenvolvimento comercial e urbano, tendo como agentes a burguesia e o Estado fortalecido. Portanto, a crise dos séculos XIV e XV teve como conseqüência política o surgimento do absolutismo. O Estado absoluto, de um lado, foi um “Estado feudal transformado”, com burocracia administrativa, formada em grande parte pelos senhores feudais, que mantinham valores e privilégios seculares; de outro, foi um dinâmico agente mercantil, unificando mercados, eliminando barreiras internas que obstruíam o comércio, uniformizando moedas, pesos e leis, além de empreender conquistas de novos mercados. Nasceu da aliança rei-burguesia na Baixa Idade Média e acabou se tornando parasitário e aristocrático, necessitando cada vez mais de uma crescente tributação. Perry Anderson destaca que houve um deslocamento do poder do âmbito local, das mãos dos senhores, para as monarquias. Todavia, este deslocamento de poder foi acompanhado de um fortalecimento compensatório dos títulos de propriedade, enfraquecendo as

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Page 1: Absolutism o

Absolutismo

Antes de falar do absolutismo propriamente dito seria interessante destacar alguns fatores que o

precederam e até mesmo o impulsionaram. Os séculos XIV e XV foram marcados por intensas

crises. A decadência do feudalismo foi acelerada pela incompatibilidade de convivência deste com

o desenvolvimento comercial e urbano. Temos então, a ascensão de uma nova ordem sócio-

econômica na Europa. Dificuldades econômicas, pestes, guerras, rebeliões, falta de mão-de-obra,

fome e massacres abalaram as atividades comerciais da Europa central. Todavia, a expansão

marítima do séc XV apresentou-se como solução à continuação do desenvolvimento comercial e

urbano, tendo como agentes a burguesia e o Estado fortalecido. Portanto, a crise dos séculos XIV e

XV teve como conseqüência política o surgimento do absolutismo.

O Estado absoluto, de um lado, foi um “Estado feudal transformado”, com burocracia

administrativa, formada em grande parte pelos senhores feudais, que mantinham valores e

privilégios seculares; de outro, foi um dinâmico agente mercantil, unificando mercados, eliminando

barreiras internas que obstruíam o comércio, uniformizando moedas, pesos e leis, além de

empreender conquistas de novos mercados. Nasceu da aliança rei-burguesia na Baixa Idade Média e

acabou se tornando parasitário e aristocrático, necessitando cada vez mais de uma crescente

tributação.

Perry Anderson destaca que houve um deslocamento do poder do âmbito local, das mãos dos

senhores, para as monarquias. Todavia, este deslocamento de poder foi acompanhado de um

fortalecimento compensatório dos títulos de propriedade, enfraquecendo as concepções medievais

de vassalagem. Se a aristocracia perdeu poder político, ganhou economicamente. Simultaneamente

a aristocracia tinha de se adaptar à burguesia mercantil que se desenvolvera nas cidades. O

desenvolvimento das cidades terminou por interferir na luta de classes centrada na terra e bloqueou

qualquer solução regressista proposta pela nobreza. Esse processo levou ao surgimento, quase que

simultaneamente, do absolutismo na França com Luís XI, na Inglaterra com Henrique VII e na

Espanha com Isabel e Fernando. As poderosas expansões marítimas e industriais tiveram grande

impacto nas condições econômicas, porém não foram acompanhadas no âmbito político. A ordem

política permaneceu feudal, enquanto a sociedade ficava cada vez mais burguesa. A forma do

estado absolutista deriva da ameaça de inquietação camponesa aliada à pressão do capital mercantil.

P. Anderson destaca ainda que a base jurídica do absolutismo estava alicerçada no direito romano,

cujo reflorescimento foi um dos grandes movimentos culturais da época, o qual atendia aos

interesses tanto da nobreza quanto da burguesia. O direito romano foi fundamental para a expansão

do livre capital na cidade e no campo, pois sua maior diferença era a concepção de propriedade

privada. O ressurgimento pleno da ideia de propriedade privada só se estabeleceu com o

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absolutismo. A assimilação do direito romano era um resultado do desenvolvimento mercantil e

correspondia aos interesses da burguesia. Também significava uma reafirmação da classe

aristocrática. Todavia, o fator primordial da adoção da jurisprudência romana reside na sua

compatibilidade com a centralização do poder nas monarquias. Esta centralização do poder ensejou

o nascimento das seguintes instituições: exército, burocracia, tributação, comércio e diplomacia.

Vale destacar que o estado absolutista tinha forte inclinação para a guerra (a paz era uma exceção) e

gastava a maior parte de suas entradas em despesas militares.

A nobreza, segundo P. Anderson, integrou-se ao estado absolutista pela aquisição de cargos. A

expansão da venda de cargos era um subproduto da monetarização e ascensão da burguesia, a qual

também se integrou ao aparelho do estado por meio da compra de cargos. O estado absolutista

tributava os pobres. A classe senhorial estava isenta de impostos diretos. Isso levou a rebeliões na

França do séc XVII. No absolutismo, a instância última da legitimidade era a dinastia, não o

território. O estado era concebido como o patrimônio do monarca. Todavia, o absolutismo cumpriu

um papel importante na acumulação primitiva necessária ao triunfo do capitalismo. A centralização

econômica, o protecionismo e a expansão ultramarina engrandeceram o Estado, ao mesmo tempo

em que beneficiaram a burguesia emergente.

Norbert Elias destaca as lutas de dominação por terras e poder na Europa, bem como as forças

centrífugas que procuravam impedir tal dominação, e ainda como os monopólios foram surgindo

em função destas lutas. A pressão que se fazia sentir nessa sociedade lançava os governantes

territoriais uns contra os outros e punha em movimento o mecanismo do monopólio. Alguns se

tornavam mais fortes pela acumulação dos meios de poder, enquanto outros eram obrigados a

desistir da luta. Os vitoriosos continuavam a lutar e o processo de eliminação se repetia. A decisão

ficava apenas entre dois domínios territoriais reforçados pela derrota e incorporação de outros. Os

dois últimos aproximavam-se de uma posição monopolista; haviam superado os demais; a decisão

ficava entre eles. No final, apenas uma única unidade social consegue o monopólio. Um mecanismo

desse tipo esteve envolvido na formação dos Estados.

N. Elias enfatiza então, que a luta pela dominação diferiu na Inglaterra, França e Império Romano-

Germânico. A centralização e a integração da França e Inglaterra foram realizadas mais cedo, e de

forma mais completa, do que nas regiões germânicas. Isso porque, a formação política das regiões

do Império Romano-Germânico era bem maior em território que as outras duas, como também eram

muito maiores as suas divergências sociais e geográficas internas. Esse fato dava às forças locais,

centrífugas, uma energia bastante superior, e tornava mais difícil a tarefa de conquistar a

hegemonia. Dados o nível de divisão do trabalho e integração e das técnicas militares,

administrativas e de transporte da época, era quase impossível manter sob controle as tendências

centrífugas numa área tão vasta. Na Inglaterra e na França, a tendência se desenvolvia em sentido

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inverso. Na Inglaterra, o processo de centralização e monopolização ocorreu mais cedo e de forma

menos complexa, principalmente devido à relativa pequenez do território e também à posição

isolada da área a ser unificada. Todavia, é mantido coeso com grande dificuldade, apenas pela

existência de governos experientes e flexíveis. Já na França, as divergências e as forças centrífugas

eram menores do que no Império Romano-Germânico, porém maiores do que na ilha britânica. Os

Capeto estabelecem o governo monopolista nesse território.

Vale ainda destacar alguns aspectos particulares de cada Estado absolutista. A Espanha foi a

primeira grande potência da Europa Moderna. Sua supremacia deveu-se a pactos da política

dinástica de casamentos e aos metais preciosos da América. Nenhum Estado absolutista teve um

caráter tão aristocrático e contrário à burguesia quanto o espanhol, já que a extração da América

desmotivou-a a incentivar a difusão de empresas mercantis. Os ataques espanhóis e a ameaça de

dominação Habsburgo apressaram o fortalecimento das dinastias dos outros Estados. O dinamismo

político e militar espanhol se revelou numa série de extensas conquistas. O absolutismo espanhol

gozou de uma posição internacional que nenhum outro absolutismo do continente foi capaz de

igualar. Os reinos de Castela e Aragão, unidos por Isabel e Fernando, representavam uma base para

a construção da nova monarquia espanhola no final do séc XV. Todavia, vários fatores deterioraram

o absolutismo espanhol, que cresceu muito rapidamente sem consolidar suas fundações.

Quanto à Itália, as pequenas tiranias italianas estavam muito afastadas da estrutura ideológica e

política do poder das novas monarquias da Europa ocidental. As instituições medievais do papado e

do Império Romano-Germânico, com seu caráter universalista, dificultaram o desenvolvimento de

uma monarquia ortodoxa na Itália. O prematuro capital mercantil nas cidades do Norte da Itália

impediu o surgimento de um poderoso Estado centralizado. O papado é que constrói uma

autoridade autocrática e centralista, cujas prerrogativas ultrapassaram as de qualquer monarquia.

Todavia, ao mesmo tempo, a posição do papado como Estado italiano continuou frágil. As

instituições financeiras se desenvolveram muito na Itália. Burgueses italianos emprestam dinheiro

aos monarcas e depois cobram através de favores como casamento, indicações para cargos

eclesiásticos, etc. A Itália era vassala do Império Romano-Germânico, mas não reconhecia a

autoridade do Império e buscou autonomia. Ocorreram vários conflitos entre a Itália e o Império.

Itália busca alianças entre nobres para impedir o Imperador de governar. Criam-se ligas contra o

Império Romano-Germânico.

Quanto à França, o início do processo de centralização política remonta ao período dos capetíngios,

tendo-se acelerado depois da Guerra dos Cem anos com a dinastia dos Valois. O apogeu do

absolutismo, entretanto, só se configuraria com a dinastia dos Bourbons, após o cenário político

francês ter sido dominado pelas “guerras de religião”. Durante o reinado de Luís XIII, destacou-se a

atuação do cardeal Richelieu que, buscando enfraquecer a influência política da nobreza cassou

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direitos dos que se opunham ao rei, ao mesmo tempo em que possibilitou o acesso da burguesia a

cargos da administração pública. Richelieu tornou a França uma das grandes potências européias

levando-a a intervir na Guerra dos Trinta Anos, da qual saiu vitoriosa. O ápice do absolutismo

francês se deu com Luís XIV, o Rei Sol. Teve como ministro o cardeal Mazarino que aplicou uma

eficiente política centralizadora, eliminando as frondas. Esta vitória representou o fim da última

ameaça à consolidação do absolutismo. Após a morte de Mazarino, Colbert assumiu o ministério

vindo a desenvolver a base mercantilista do absolutismo francês. Além de fazer prosperar a

burguesia, dotou o governo de recursos que garantiam seu poderio. Espelhando a grandiosidade

econômica e política do Estado, Luís XIV transferiu sua corte para Versalhes. Na França é

trabalhada a autoridade simbólica do rei. Tal autoridade é afirmada pela sagração, práticas de

caridade e poder do toque de cura do rei. A reafirmação desta autoridade é feita de forma visual,

expressa por intensa “encenação teatralizada”. Luis XIV recorre a uma estratégia de imagem que

multiplica as encenações físicas do poder do Estado. A cerimônia de sagração liga a autoridade do

trono com a instituição divina, é a imagem da grandeza de Deus no príncipe. O rei aparece como

uma personificação de uma entidade política; a nação reside inteiramente na pessoa do rei; o Estado

está manifestado em cada um dos atos do rei a ponto de Luís XIV declarar: “O Estado sou eu”.

Embora a época de Luís XIV tenha sido um período de grande efervescência cultural, também foi

um período de confrontos militares que abalaram as finanças do Estado. Isso levou ao aumento de

impostos, descontentando a burguesia e atraindo críticas e oposição. A supremacia francesa

começou a se fragmentar. Esse processo se acelerou durante os governos de Luís XV e Luís XVI.

Quanto à Prússia, o Estado absolutista formou-se somente a partir do séc XVII, com os

Hohenzollern de Brademburgo. Com a Reforma luterana do século anterior, a região se fragmentara

em diversos principados, controlados pelos nobres. Contrapondo-se com os senhores locais,

Frederico Guilherme tomou medidas que levaram à criação do Estado nacional prussiano, como a

ampliação dos tributos nacionais e do exército e o estímulo ao desenvolvimento comercial. Seus

sucessores continuaram o processo de centralização, fortalecendo o Estado, incentivando a

militarização (com serviço militar obrigatório) e o serviço público. A Prússia se tornou um dos mais

importantes Estados da Europa.

Quanto à Inglaterra, o início da centralização política só ocorreu após as guerras dos Cem Anos e

das Duas Rosas, que arruinaram a nobreza inglesa, possibilitando a ascensão da dinastia Tudor que,

com o apoio da burguesia e do Parlamento, instalou o absolutismo no país. A política Tudor visou

privilegiar a baixa nobreza e desprestigiar a nobreza tradicional, resultando assim em um equilíbrio

de forças. Henrique VII pacifica o país e consolida o Estado nacional inglês. Mas foi Henrique VIII

que, sujeitando o Parlamento, deu as características absolutistas à monarquia inglesa. Realizou a

“Reforma protestante” na Inglaterra, fundando a Igreja anglicana. Elizabeth I consolidou o

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anglicanismo e desenvolveu uma política mercantilista aumentando o poderio da Inglaterra nos

mares. Em seu reinado iniciou-se efetivamente a colonização da América do Norte. Como meio de

enfraquecer os impérios espanhol e português, apoiou a atividade corsária. Em linhas gerais, do

ponto de vista econômico, a política dos Tudors privilegia o comércio. A nobreza inglesa vai para o

comércio usando a renda que o rei repassa. Há um rápido crescimento na Inglaterra, onde ocorre

uma produção em larga escala de produtos para venda para o resto da Europa. No final do século

XVI, a Inglaterra já possui a manufatura fabril. A exploração das colônias da América subsidia a

produção manufatureira inglesa com a produção de lã, algodão, milho, trigo e outros cereais. Jaime

I, que iniciou a dinastia Stuart, retira a isenção de impostos estabelecida desde Henrique VII

desencadeando assim a insatisfação da burguesia e do Parlamento. Para equilibrar as coisas concede

o benefício de liberdade de leitura da Bíblia, buscando estabelecer o absolutismo clássico. Seu

sucessor Carlos I estabeleceu novos impostos sem a aprovação do Parlamento, o que agravou a

tensão entre a Coroa e os deputados. Carlos I dissolveu o Parlamento e uma crise política foi

instaurada, a qual se desencadeou em violenta guerra civil. Os defensores do Parlamento, liderados

por Oliver Cromwell, derrotaram os partidários do rei e, aprisionando e executando o rei,

instauraram o regime republicano. Inicialmente, Cromwell governou com o apoio do Parlamento.

Todavia, posteriormente dissolveu o Parlamento e impôs uma ditadura pessoal. Durante seu

governo, priorizou o desenvolvimento da indústria naval lançando os Atos de Navegação, que eram

decretos que protegiam os mercadores ingleses e suprimiam a participação holandesa no comércio

britânico. Após a morte de Cromwell, o Parlamento voltou a reunir-se, decidindo pelo retorno da

dinastia Stuart. Carlos II, filho do rei que havia sido executado, educado na corte de Luís XIV,

tentou restabelecer o absolutismo. Seu sucessor, Jaime II, deu continuidade à política de restauração

do absolutismo. Depois do casamento com uma esposa protestante, do qual nasceram duas filhas,

Jaime II, casou-se novamente com uma católica, de quem obteve inesperadamente um herdeiro. Os

ingleses, contrários à sucessão de um governante católico, aliaram-se, oferecendo o trono a

Guilherme de Orange, protestante, chefe de Estado da Holanda e casado com uma das filhas de

Jaime II. Ocorre então a chamada “Revolução Gloriosa”. Guilherme invadiu a Inglaterra, expulsou

seu sogro Jaime II e jurou a Declaração de Direitos que estabelecia as bases da monarquia

parlamentar.

As decisões tomadas com a Revolução Gloriosa firmaram a substituição da monarquia absolutista

pela monarquia parlamentar constitucional. Essa Revolução teve para a Inglaterra, o mesmo papel

que para a França, teve a Revolução Francesa no que se refere à derrubada do Estado absoluto.

Todavia, vale ressaltar que na Inglaterra, esse processo se deu cem anos antes do que na França,

favorecendo a edificação de um Estado burguês e a posterior Revolução Industrial.