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ABORDAGEM SOBRE A MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA: HÁ UMA ALTERNATIVA AO GERENCIALISMO? GABRIELA FRANCISCA M ARTINS DE LIMA LUCIANA P AZINI PAPI

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ABORDAGEM SOBRE A MODERNIZAÇÃO

ADMINISTRATIVA: HÁ UMA ALTERNATIVA AO GERENCIALISMO?

GABRIELA FRANCISCA MARTINS DE LIMA LUCIANA PAZINI PAPI

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Painel 27/081 Dimensões contemporâneas da gestão pública em ambientes complexos

ABORDAGEM SOBRE A MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA:

HÁ UMA ALTERNATIVA AO GERENCIALISMO?

Gabriela Francisca Martins de Lima Luciana Pazini Papi

RESUMO

A concepção em torno da modernização da gestão pública no Brasi l deriva de um

tratado hegemônico inspirado na Nova Administração Pública – NAP. Esta abordagem, estimulada pelas reformas ocorridas na década de 1990, reflete uma

visão em torno da qual a gestão pública deve ser subsidiada por práticas da administração empresarial. Entretanto, com o século XXI e o amadurecimento das demandas cidadãs pela qualidade de entrega dos serviços públicos nos países em

desenvolvimento, tornou imperativo o questionamento de tal referência. Neste ínterim é crucial que a Administração Pública brasileira caminhe em direção a um

modelo que busque recuperar as capacidades de planejamento e invista no avanço da participação e do controle social. Diante desse panorama o artigo analisa a partir da pesquisa “Diagnóstico das Ações de Modernização da Administração Pública

Federal”, as ações adotadas no governo Lula para modernização administrativa e que perpassam no governo Dilma. Busca-se compreender se neste processo estaríamos diante de tentativas de abordagens distintas das propaladas pela NAP?

Ou se a referência da NAP, ainda não conseguiu ser superada pelos governos contemporâneos.

Palavras-chaves: Administração Pública. Modernização administrativa. Modelos de

gestão.

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1 INTRODUÇÃO

A modernização administrativa na esfera pública brasileira é um tema que

começa a ganhar destaque na literatura nos anos recentes, embora ainda de forma

incipiente. Necessita, portanto de referenciais teóricos críticos que aprofundem e

problematizem o seu significado. No Brasil, estudos mais avançados são

encontrados em áreas como Ciência Política, Ciências Econômicas e Sociologia.

Entretanto, queremos aproximar também esta discussão para contribuir na área de

estudos recente do Campo de Públicas1.

De acordo com Ramos (apud CEGOV-UFRGS 2013, p.15), na

perspectiva sociológica, “a questão da estratégia de desenvolvimento da Nação

brasileira passa em revista a ideia de modernização”, sobretudo, por estar atrelada

ao caráter hegemônico dos países centrais. Nesta perspectiva, estes países passam

a ser referência para as nações periféricas, consideradas ”atrasadas” por estarem

em grau menor no processo de industrialização (CEGOV-UFRGS, 2013). O mesmo

pensamento é encontrado em Cardoso e Faletto (2004) que se alinham a ideia de

que os países desenvolvidos tem um crescimento econômico dependente, e os

países em desenvolvimento seguem a “lógica imitativa” das nações centrais. Com

efeito, os países incorporam de imediato à noção de desigualdade de posições e de

funções. Os autores justificam que:

o tipo de vinculação das economias nacionais periféricas às distintas fases do processo capitalista, com os diversos modos de dominação que se

supõe, implica que à integração à nova fase se realiza através de uma estrutura social e econômica que, apesar de modificada, procede da situação anterior. (CARDOSO E FALETTO, 2004, p. 49)

Os autores apresentam a ideia que a lógica predominante dos países

centrais, a partir do efeito demonstração, possui um conjunto de variáveis, de

relações entre os grupos, forças e classes sociais que acabam por impor a forma de

dominação que lhe é própria. Como decorrência, os autores argumentam que o

modo de relação “depende do modo de vinculação ao sistema econômico e aos

1 Campo multidisciplinar de investigação e atuação profissional voltado ao Estado, ao Governo, à Administração Pública e Políticas Públicas, à Gestão Pública, à Gestão Social e à Gestão de

Políticas Públicas.

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blocos políticos internacionais que podem produzir consequências dinâmicas na

sociedade subdesenvolvida” (CARDOSO e FALETTO, 2004, p. 33). No

entendimento de Ramos, a teoria da Modernização não pode ser construída sobre

um conjunto de pré-requisitos tomados de sociedades consideradas já

modernizadas, e sim, deve-se considerar “o elenco de possibilidades objetivas que

se apresentariam, sempre abertas às opções das coletividades e do homem no bojo

da causalidade histórica ou social” (RAMOS apud CEGOV-UFRGS 2013, p. 15).

A lógica existente no arquétipo de modernização, portanto, alinha-se com

o modelo de Estado predominante. Nesse sentido, parte-se do entendimento de que

a modernização deve ser pensada em termos políticos e administrativos, onde se

deve discutir não somente os meios para se chegar a determinados resultados, mas

os fins em si mesmo (CEGOV-UFRGS, 2013). No que diz respeito à modernização

do Estado brasileiro, Abrúcio et. all (2010) apontam que o processo recente de

reformas administrativas, principiadas com o fim do período militar, envolveu dois

fenômenos: (1) a crise do regime autoritário e (2) a queda do modelo nacional-

desenvolvimentista.

As mudanças não ocorreram apenas no Brasil, a estrutura e o papel do

Estado passaram por profundas transformações neste período em países da Europa

e na América Latina. O modelo até então conhecido de Estado indutor das

economias e produtor de bens e serviços – o conhecido Estado Keynesiano de Bem

Estar Social responsável pelo crescimento econômico do pós II Guerra Mundial -, foi

substituído por um novo modelo orientado para o mercado e sustentado em

premissas neoliberais (PETERS, 2008).

Sustentado em um diagnóstico da crise internacional como uma

decorrência da crise de ‘modelo de Estado’ que levou a uma crise fiscal (PEREIRA,

2009) um conjunto de orientações (CHANG, 2008) são voltadas aos países em

desenvolvimento para a retirada do Estado do controle da atividade econômica,

utilizando-se das privatizações e da descentralização suas principais ferramentas

para efetivar as reformas (PETERS, 2008).

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Com efeito, no contexto dos países latino americanos, as medidas de

abertura da economia e flexibilização do papel do Estado, derivaram das orientações

do Consenso de Washington2 que tinha como proposição central, encerrar/alterar o

modelo de Estado interventor até então vigente. Os países em desenvolvimento

passaram então a seguir o receituário econômico com vistas a acelerar o seu

desenvolvimento, sem questionar o dogmatismo imposto pelas agências

econômicas internacionais (CHANG, 2008). Neste contexto retoma-se a defesa de

reformas embasadas numa concepção minimalista do Estado, em que as ações

levaram a busca pelo enxugamento da maquina estatal através de mecanismos de

privatização, redução dos gastos públicos, abertura comercial, desregulamentação,

investimento estrangeiro direto, assim como, a Reforma da Administração Pública.

As reformas da Administração Pública, ocorridas no Brasil a partir da

década de 1990, foram embasadas nestes mesmos preceitos e ganharam força no

movimento denominado de New Public Management, preconizado por Bresser-

Pereira no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso.

O movimento da Nova Administração Pública - NAP é originário da

vertente da qual deriva o intenso debate sobre a crise de governabilidade e

credibilidade do Estado na América Latina (DE PAULA, 2005). De acordo com

Peters (2008) a ideia central da NPA está em tornar o governo mais eficiente e

efetivo, baseando-se nas práticas similares adotadas pelo setor privado. Do ponto

de vista administrativo, inclui-se a readequação de órgãos e atividades estatais que

abrangeram programas de privatizações, projetos de delegação e descentralização

na prestação de serviços públicos (PETERS, 2008)

Nesse contexto, o Estado deixa de ter o papel de indutor do

desenvolvimento econômico e social, pela via da produção de bens e serviços, e

passa a fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento.

O primeiro quadriênio do governo FHC incutiu bases gerencialistas ao serviço

2 Reunião realizada em Washington em 1989 entre funcionários do governo estadunidense e do

Fundo Monetário Internacional (FMI) com o objetivo de formular uma espécie de receituário de políticas econômicas para a América Latina. Dentre as orientações constavam a abertura unilateral das economias, privatizações e reformas monetaristas, criação de um mercado autorregulável sem

interferências do Estado.

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público brasileiro, que deram a Administração Pública uma “visão orientada a ser

mais eficiente e mais voltada para a cidadania” (BRASIL, 1995, p. 12). Com esta

nova perspectiva, além da reforma reorganizar o aparelho do Estado e fortalecer seu

núcleo estratégico, também transformou o modelo de Administração Pública vigente.

Deste modo, assume-se um novo modelo referencial, que enfatiza a

profissionalização e o uso de práticas de gestão do setor privado. Além da retomada

do processo de privatizações estatais, o discurso e as práticas descentralizadoras

foram amplamente executados pelo governo FHC, sobretudo, no campo da

prestação de serviços sociais e de infraestrutura. No que tange aos órgãos da

Administração Federal, estes passam a trabalhar no modelo da gestão

empreendedora, incutindo-se a mentalidade da cultura gerencial nas demais esferas

governamentais (DE PAULA, 2005).

Com efeito, a reforma gerencial instituída pelo Plano Diretor de Reforma

do Aparelho do Estado – PDRAE preconizou a instituição de um Estado social-liberal

(BRASIL, 1995) em que a sociedade e o mercado atuam como complementação da

ação estatal, com uma visão orientada para o resultado (cidadão-cliente). As novas

práticas de gestão e modernização da máquina pública impactaram na capacidade

operacional, que foi severamente abalada.

Segundo Rezende (2009), o desmonte da capacidade do Estado para

promover o processo de desenvolvimento e o repasse à iniciativa privada das

atividades, até então controlados pelo Estado, acarretaram em uma varredura da

Administração Pública, na qual o poder público foi subtraído de instrumentos para

exercer sua missão. Segundo o autor a preponderância do ajuste fiscal não permitiu

avanços institucionais na organização da burocracia pública, ocasionando desta forma

um conflito entre o desempenho fiscal e a desempenho gerencial (REZENDE, 2009).

Segundo BRASIL (1995, p. 6):

O grande desafio que o País se dispõe a enfrentar é o de articular um novo modelo de desenvolvimento que possa trazer para o conjunto da sociedade brasileira a perspectiva de um futuro melhor. Um dos aspectos centrais

desse esforço é o fortalecimento do Estado para que sejam eficazes sua ação reguladora, no quadro de uma economia de mercado.

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O modelo proposto pelo PDRAE redefiniu o papel do Estado. A forma de

administração passou a ter um núcleo estratégico de interface com o tipo de

administração burocrática e gerencial. As atividades exclusivas do Estado incluíram

uma administração tipicamente gerencial, bem como os serviços não exclusivos e a

produção para o mercado. A estrutura organizacional passou a ser centrada na

descentralização e na redução dos níveis hierárquicos.

Em síntese, o plano diretor afirma que:

A Administração Pública deve ser permeável à maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil e deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins)” (BRASIL, 1995,

p.16)

Como nos alerta Costa (2010) as propostas bem acabadas e delineadas

na NAP e a escassez de criatividade no campo progressista estimularam os adeptos

do mainstream a sustentarem a ideia de que não existem alternativas ao paradigma

gerencialista. A New Public Management apresentou-se como o fim da história da

Administração Pública. Economia de mercado, sufrágio universal, Estado regulador

e nova gerência pública são partes complementares de um todo interdependente —

a sociedade (autônoma e competitiva) do mundo globalizado. (COSTA, 2010)

Entretanto, embora sistematizada de forma competente as propostas da

NAP mostraram-se insuficientes para dar conta de modernizar a máquina pública

brasileira, resolver problemas como eficiência, efetividade e democratização. De

fato, verificou-se que a solução não estaria no desmantelamento do aparelho estatal,

mas em sua reconstrução (CLAD, 1998).

Com as eleições dos governos de esquerda na América Latina o quadro

de desmantelamento do Estado começa a ser modificado. Tem inicio, embora que

ainda de forma tímida, o questionamento do modelo de Estado e modelos de gestão

anteriormente adotados. No entanto, a sistematização de uma alternativa

consistente de Reforma do Estado parece se tratar de um projeto em construção.

Conforme COSTA (2010)

A crítica progressista ao padrão de reforma do Estado tem se contentado em apontar as fragilidades políticas, teóricas, técnicas e operacionais do

modelo predominante, sem conseguir construir uma alternativa que constitua, ao mesmo tempo, uma bandeira política sedutora (utopia), um corpo teórico consistente e um repertório de medidas viáveis (COSTA,

2010, p. 241).

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Com feito, com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - Lula

marca-se o início das tentativas de construção de um novo modelo de

desenvolvimento comprometido com a questão social, em que a agenda de

reconstrução do Estado e da Administração Pública ocupa papel central (CHANG,

2008, DINIZ, 2007). Em parte, a adoção deste modelo decorre da crítica do modelo

anterior que aprofundou problemas de ordem social, representados pelo aumento da

pobreza, da desigualdade e exclusão social, somados à precarização da capacidade

estatal de implementar políticas públicas. Neste cenário, cresce a deslegitimação

das instituições políticas e da autoridade estatal enquanto atores capazes de

promover mudanças e bem estar à população.

O Plano Plurianual do quadriênio 2008-11 reflete um novo conceito de

Estado, cujo projeto de desenvolvimento aponta para a recuperação do crescimento

da economia e a construção de um mercado de consumo de massa no País, um

crescimento comprometido com a inclusão social e a redução das desigualdades

regionais (BRASIL, 2007). O Estado passa a ter um papel de condutor do

desenvolvimento social e regional e de indutor do processo de crescimento.

Deste modo, a atuação do governo federal coloca no centro da discussão

a necessidade de esforço de reconstrução do planejamento nacional, e sendo

assim, em dar atenção à criação de instituições e instrumentos “capazes de

promover a cooperação federativa na formulação e na implementação das políticas

públicas prioritárias para os objetivos nacionais de desenvolvimento” (REZENDE,

2010, p.30).

No que tange a modernização da máquina administrativa, o tema,

entretanto, aparece de maneira periférica e sucinta em seus objetivos no PPA, visto

que a estratégia de governo baseou-se na redução do endividamento público em

termos de PIB e aumento gradual do investimento em gastos sociais. Ainda assim,

verifica-se que o volume de recursos destinado ao consumo do Governo foi

ampliado, possibilitando a modernização e recuperação das capacidades estatais e

a melhoria dos serviços prestados à população.

Entretanto, em termos de modernização enquanto processo e do ponto de

vista do que significa modernizar a máquina pública, de acordo com o exame dos

PPA anos 2008-11 e 2012 -2015, não são apontados de maneira clara, tampouco,

prioritária. Com relação ao governo anterior em que houve uma grande priorização

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deste tema, com objetivos, metodologia e formas de operacionalização claras de

modernização da máquina administrativa (BRASIL, 1995). Nos governos de Lula, o

tema da modernização aparece de forma periférica, como algo resultante de outras

iniciativas advindas da experiência anterior de modernização, tais como a

recapacitação das funções do Estado (ABRUCIO, 2010). Já no governo Dilma, o

termo modernização da administração ganha mais centralidade e algumas iniciativas

tornam-se mais evidentes, como a criação da Assessoria Especial de Modernização

da Gestão – ASEGE, designada para ser o “órgão de assessoramento d ireto na

coordenação, gerenciamento e apoio técnico a projetos especiais de modernização

da gestão pública relacionados a temas e a áreas estratégicas de governo”.

(BRASIL, 2015)

Entretanto, ao contrário da NAP, as concepções sobre os rumos da

Administração Pública nestes governos parecem carecer de coesão teórica e

procedimentos metodológicos claros voltados à modernização. Conforme sugere

COSTA:

Parece haver uma falta de criatividade do campo progressista e uma

bandeira política sedutora (utopia), um corpo teórico consistente e um repertório de medidas viáveis que tornem outras alternativas de gestão pública viáveis (COSTA 2010, p. 241)

Assumindo a tese de COSTA, a pesquisa tem como problema central

compreender se os governos de Lula e Dilma, que se colocam como governos

politicamente alternativos ao modelo vigente na década de 1990, conseguiram

formular uma abordagem e, sobretudo, práticas alternativas de modernização da

Administração Pública, com relação ao modelo vigente da era FHC, embasado nas

noções da NAP.

Como hipótese preliminar, advoga-se que parece existir na Administração

Pública Federal uma maior clareza sobre os caminhos que não se desejam trilhar do

que uma clareza metodológica sobre os rumos que pretendem dar ao campo

atinente à modernização da gestão pública progressista e democrática.

Em termos de contribuição científica, a pesquisa não busca dar respostas

definitivas, mas problematizar a prática da Administração Pública Federal nos

governos, com uma concepção política mais a esquerda, em termos de concepções

elencadas e ações concretamente adotadas.

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2 OBJETIVOS

Diante deste panorama, o trabalho tem por objetivo analisar as

concepções sobre modernização administrativa nos governos atuais, a partir da

análise de documentos, na tentativa de averiguar qual é a macro orientação a

respeito do entendimento sobre modernização administrativa. De acordo com as

proposições de Costa (2010) trata-se de compreender como a crítica progressista ao

modelo de modernização hegemônico é capaz de construir uma bandeira política

sedutora (utopia), um corpo teórico consistente e um repertório de medidas viáveis a

implementação de modelos alternativos de Administração Pública.

Por outro lado, faz-se o esforço de analisar as ações de modernização

administrativas realizadas entre 2010 e 2013, a partir de dados oriundos da pesquisa

aplicada “Diagnóstico das Ações de Modernização da Administração Pública

Federal”, desenvolvida em parceria com o Ministério do Planejamento, Orçamento e

Gestão (MP), por meio da Assessoria Especial para Modernização da Gestão

Pública – ASEGE e do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CEGOV-UFRGS, 2013).

Através da análise destes materiais busca-se compreender e

problematizar o modelo de gestão adotado pelos governos Lula e Dilma, procurando

compreender se estaríamos diante de tentativas de construção de modelos de

gestão alternativos ao implementado durante o governo FHC. E ainda, compreender

em que alcance é possível ou não considerar avanços com propostas alternativas à

NAP. Estariam os governos atuais agindo na proposição de um novo marco

paradigmático para modernização administrativa?

3 METODOLOGIA

A metodologia adotada para elaboração deste artigo é a pesquisa

qualitativa explicativa, que se caracteriza segundo os autores Minayo et al. (2004)

por procurar responder questões muito particulares e aprofundar a compreensão

de certos fenômenos sociais em que a estatística é incapaz de dar conta.

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Segundo Marconi e Lakatos (2006), as investigações, de modo geral, devem

procurar valer-se de todos os métodos e técnicas que forem necessários para

melhor compreensão do objeto em estudo. Neste sentido, a combinação de

diferentes métodos foi utilizada de forma concomitante.

Para cumprir com os objetivos com os quais a pesquisa se propôs,

escolhemos o seguinte caminho metodológico. Em um primeiro momento foram

estudados o Plano Plurianual de 2008-2011 “Desenvolvimento com inclusão social e

educação com qualidade” e Plano Plurianual 2012-15 “Plano Mais Brasil”. A análise

dos documentos buscou compreender qual a concepção de modernização da

Administração Pública e qual a visão está presente no discurso político e ideológico

do executivo federal.

A pesquisa teve como base também a pesquisa bibliográfica,

compreendida como o estudo sistemático de publicações e a análise de artigos

científicos, periódicos, dissertações, teses e anais de congressos e documentos de

departamentos públicos. Conforme referimos anteriormente, o tema da

modernização administrativa brasileira carece de referenciais teóricos críticos que

aprofundem e problematizem o seu significado.

Quanto à análise das ações concretamente adotadas, o trabalho valeu-se

dos dados obtidos na pesquisa realizada por CEGOV- UFRGS (2013), o qual

buscou mapear e categorizar as ações realizadas pela Administração Pública

Federal, no período de 2010 a 2013. Neste interim, a metodologia adotada foi o

Estudo de Caso, que segundo Yin (2001) representa uma investigação empírica e

compreende um método abrangente, com a lógica do planejamento, da coleta e da

análise de dados.

A fonte de pesquisa das informações coletas foram obtidas junto aos

Sistema de Administração de Serviços Gerais (SIASG), ao Sistema de Convênios e

Contratos de Repasse da Administração Pública Federal (SICONV) e ao Sistema

Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI). O conjunto de

ações selecionadas incialmente passou por uma série de fi ltragens até se obter um

recorte amostral das ações, destacando-se aquelas exclusivas aos órgãos

pertencentes à Administração Direta, partindo de alguns critérios que permitissem

contemplar melhor o objeto da pesquisa.

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Diante da amplitude das ações extraídas dos sistemas e dos problemas

de limitações dos descritivos encontrados nos objetos de Contratos, de Convênios e

de Termos de Cooperação, a equipe que realizou a pesquisa optou por solicitar

auxílio do Ministério do Planejamento, a fim de selecionar as ações que

efetivamente seriam de interesse de uma análise de caráter mais aprofundado

(CEGOV- UFRGS, 2013).

Após as fases de filtragens, foi avaliado o total de 141 ações. Estes dados

foram alocados em uma tipologia dividida em eixos, que foram: (1) modernização e

melhoria de processos; (2) instrumentos de gestão; (3) tecnologias de informação e

comunicação.

Para finalidade deste artigo não iremos nos ater ao detalhamento da

metologia3 utilizada pela pesquisa, tendo em vista que desejamos estabelecer uma

relação analítica apenas nas ações finais selecionadas. A imagem a seguir

demonstra as ações selecionadas por eixo de tipologia e as diferentes triagens

realizadas.

Figura 1 – Quantitativo de ações selecionadas

Fonte: Elaboração a partir de CEGOV-UFRGS (2013)

3 A pesquisa completa poderá ser consultada em CEGOV-UFRGS. Diagnóstico das Ações de

Modernização da Administração Pública Federal, 2013

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4 ANÁLISE E APONTAMENTOS

A pesquisa documental elencou duas fontes principais para análise dos

dados: a análise a partir dos Planos Plurianuais referentes ao período de 2008 a

2015, e o recorte amostral feito a partir das contratações realizadas pelo governo

federal, no período de 2010 a 2013. As contratações apontam o horizonte de

trabalho empregado pelo executivo federal no que tange às concepções e

estratégias de modernização da administração.

4.1 Planejamento Governamental como elemento de modernização

Em linhas gerais, o Planejamento Governamental pode ser considerado

segundo Dagnino (2012) como uma escolha consciente, pensada e analisada de

ações que permitam transformar a estrutura econômico-social e consequentemente

a estrutura política. No Brasil, o planejamento público começa a ganhar força na

década de 50, com o Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek,

posteriormente, nos governos autoritários do período militar. Com destaque, cabe

referir que foi neste período que a reforma estatal foi elevada ao centro do programa

de governo, ancorando o projeto de modernização do Estado na recuperação da

capacidade de intervenção na economia. (REZENDE, 2011).

De acordo com Souza (2006), os países com um processo de

democratização recente, em especial, os países da América Latina, ainda não

conseguiram formar coalizões políticas capazes de equacionar minimante a questão

de como formular políticas públicas capazes de impulsionar o desenvolvimento

econômico e promover a inclusão social de grande parte da população. Conforme

aponta Dagnino,

É adverso à adoção do Planejamento Estratégico Governamental como um instrumento de gestão pública. Isso porque as atividades a ele correspondentes se desenvolveram no interior de um aparelho de “Estado

Herdado”, onde o planejamento teve frequentemente um caráter demagógico e manipulador (no período militar) ou foi praticamente “desativado” (no período do neoliberalismo) por não estar preparado para

atender às demandas que nossa sociedade cada vez mais complexa hoje lhe coloca (DAGNINO, 2012, p.25)

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Neste panorama, verifica-se que contexto sociopolítico deixado pelos

governos militares imprimiu marcas de uma gestão pública patrimonialista e

autoritária, além de ter colocado os espaços democráticos em uma posição de

fragilidade. Carlos Matus (1996) acrescenta que esta condição é ainda acentuada

pela situação de descrédito da política nos países da América Latina, acarretando

um modelo de Administração Pública que é incompatível para atender os problemas

da população, e que inviabiliza a formulação de políticas públicas desenvolvidas

com o viés participativo, democrático, transparente e eficaz.

Diante deste cenário, torna-se imperativo aos governos resgatarem o

papel do planejamento. A atuação do governo federal, a partir dos mandatos de

Lula, colocou no centro da discussão a necessidade de esforço de reconstrução do

planejamento nacional. Segundo Rezende (2010, p.30) sob o ponto de vista de

necessidade de reconstrução do planejamento nacional, em dar a “devida atenção à

criação de instituições e instrumentos capazes de promover a cooperação federativa

na formulação e na implementação das políticas públicas prioritárias para os

objetivos nacionais de desenvolvimento”. A agenda pública buscou conciliar a

recuperação do planejamento com o contexto histórico do País, de uma sociedade

plural e democrática, compreendida como coordenação e articulação de interesses

públicos e privados.

O Plano Plurianual de 2008-2011 “Desenvolvimento com inclusão social e

educação com qualidade”, apresenta como principal inovação a recuperação da

dimensão política do planejamento, principalmente pela ênfase em políticas públicas

de inclusão social e de educação. O plano buscou também equiparar os

investimentos na melhoria da infraestrutura do País, contemplando a construção,

adequação e recuperação de estradas, ferrovias, portos, aeroportos, entre outros.

Do ponto de vista metodológico do plano, outro destaque fica a cargo da

forma como os programas governamentais foram organizados, apontando-se os

problemas a serem solucionados ou das deficiências que a serem superparadas. Os

processos de monitoramento do PPA estiveram concentrados na execução e não na

mera análise dos resultados (CEGOV – UFRGS, 2013). Este plano não eliminou a

preocupação com o resultado, mas deu também atenção ao processo, demarcando

a necessidade de combinar indicadores de resultado e impacto na avaliação com

indicadores de insumo e processo no monitoramento.

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No que diz respeito à modernização da Administração Pública, neste

plano é colocado de forma muito periférica, apontando o Plano de Aceleração do

Crescimento – PAC e sua gestão como uma “medida de aperfeiçoamento da gestão

pública” (BRASIL, 2007 , p.31). Nenhuma outra referência à modernização

administrativa é apresentada neste PPA.

O Plano Plurianual 2012-15 “Plano Mais Brasil” apresenta um modelo cujo

foco está na transformação social. Neste plano observa-se o resgate da intervenção

do Estado na gestão, um papel que foi perdido no governo FHC, assim como a

inovação na gestão com o uso do monitoramento e articulação de ministérios, a

exemplo da utilização de programas temáticos – Minha Casa, Minha Vida; Bolsa

Família; PAC - como guias das políticas públicas.

O destaque metodológico deste plano fica a cargo das mudanças na

estruturação dos programas em função do problema a ser enfrentando, passando a

estrutura-los por área temática e também na ótica mais participativa impregnada na

sua construção, utilizando espaços como os Fóruns Interconselhos, diálogos por

regiões do Brasil e a definição dos programas temáticos com o auxílio de órgãos e

entidades da Administração Pública.

Quanto à modernização administrativa, neste plano observa-se um

destaque maior ao tema. Já no início da mensagem presidencial tem-se:

O recente ciclo de desenvolvimento brasileiro vem sendo impulsionado por

políticas públicas inovadoras que combinam crescimento econômico com redução das desigualdades sociais e regionais. Essas políticas têm um elemento comum: a recuperação da capacidade do Estado de planejar e

agir visando, sobretudo, garantir os direitos dos que mais precisam. A estratégia de aprofundamento desse cenário de modernização requer um Estado indutor e promotor das mudanças, a partir de políticas públicas

construídas por meio do diálogo social e do pacto federativo (BRASIL, 2011, p.11)

Observa-se o posicionamento político de forma clara e direta. E o papel

do Estado é visto de maneira a induzir o desenvolvimento. Outro destaque neste

plano é que a Gestão Pública foi colocada como uma linha de atuação do governo, o

que anteriormente, foi percebido apenas no governo de FHC. Neste aspecto, o

entendimento é que o contexto histórico e social do País influencia o quadro atual da

Administração Pública, e neste sentido, aponta-se que “esse ambiente cada vez

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mais complexo exige uma capacidade específica para combinar formas de agir

suficientes para qualificar a ação governamental diante dos dilemas que já

conhecemos” (BRASIL, 2011, p. 99).

Nesta relação o plano aponta para dois fundamentos do Estado

Democrático de Direito “as forma de administração do Estado e as equações que

envolvem o financiamento da ação pública” (BRASIL, 2011, p. 100).

O plano sinaliza uma visão de futuro ao referir ações necessárias para a

modernização da Administração Pública, tais como: que é imperativo criar melhores

condições para que a democracia avance; a modernização do sistema tributário com

atenção à simplificação, racionalização e a uti lização da tecnologia da informação

para alcançar maior eficiência; transparência e controle social da sociedade nas

ações do Estado; continuidade no desenvolvimento da política de recursos humanos

pautada pela democratização das relações de trabalho, pela profissionalização do

serviço público e pela valorização do funcionalismo, compreendido como principal

ativo da função pública; simplificação, integração e a modernização dos processos

de trabalho; adequação do arcabouço institucional-legal; simplificação, integração e

a modernização dos processos de trabalho e de procedimentos de coordenação;

associação do conceito de gestão à ampliação dos canais de atendimento ao

cidadão. (BRASIL, 2011)

Embora se tenha tido uma mudança no posicionamento político no

planejamento governamental, o PPA, enquanto instrumento, demonstra que

necessita superar alguns pontos limitadores, bem como, avançar na sua

regulamentação legal. Embora apresente no PPA 2012-2015 macrodesafios

estratégicos para Garcia (2000, p. 446), a dimensão estratégica “está longe de ser o

que pretende” neste plano. O que mais se aproxima da dimensão estratégica são os

macrodesafios, elaborados para orientar as ações do conjunto do governo. Segundo

o autor, os macrodesafios deveriam subordinar toda a programação do plano,

porém, não é o que ocorre.

O autor coloca que:

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Os macrodesafios não foram detalhadamente abertos em seus elementos

constitutivos, de forma a tornar possível conceber programação de ações de diversos tipos e naturezas que – em composição adequada e número necessário e suficiente, com a intensidade, a localização e a oportunidade

requeridas – pudessem enfrentar os aspectos negativos da realidade que fazem necessário estabelecer os desafios ou declarar problemas. (GARCIA, 2000, p. 447)

Os macrodesafios não apresentam uma explicação analítica dos

problemas, e tampouco, fazem parte do todo do plano. Matus (1996) refere que toda

estratégia é uma exploração consciente do futuro, que resulta da situação

diferenciada dos vários atores em relação a problemas, oportunidades e ameaças.

É neste momento que se analisa a viabilidade do plano, partindo-se da utilização de

dois instrumentos-processos: a análise de cenários e a análise criteriosa dos demais

atores sociais ou agentes. Do mesmo modo, como feito nos PPA’s anteriores, os

macroproblemas ou os macrodesafios não foram objeto de explicação analítica. Os

problemas não foram declarados para então, desenharem-se os programas, as

operações e ações.

A agenda pública é complexa, constituída por fenômenos sociais e repleta

de demandas de ordem social que um governante não tem a opção de não as fazer:

saúde, educação, transporte, previdência, funcionalismo público, divida pública,

entre outros. Segundo Matus (1996) a ação do Estado tem que ser uma ação que

sabe para onde vai, tem que ser uma ação precedida e presidida pelo pensamento,

mas um pensamento sistemático e com método. O pensamento estratégico e a

gestão estratégica têm sido as respostas que se mostraram mais adequadas para o

novo perfil de gestão pública que a sociedade tem demandado.

Nesse sentido, a concepção de modernização presente a partir do estudo

dos PPA’s dos governos Lula e Dilma, perpassou pela questão do planejamento,

como uma estratégia de recapacitação das atividades do Estado e melhoria da

prestação de serviços públicos. Por outro lado, a modernização da Administração

Pública ocupa ainda um espaço periférico nestas gestões, quando comparada à

gestão de FHC. Esta afirmação é perceptível quando observamos que, para além de

um plano plurianual, no governo de FHC, a inserção do tema da Administração

Pública foi acompanhado de um processo de institucionalização com a criação do o

Ministério da Administração e Reforma do Estado – MARE, bem como, tinha a

orientação estratégica do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado – PDRAE.

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Salvo qualquer critica que se possa fazer ao modelo adotado por FHC,

não podemos deixar de referir que do ponto de vista de orientação politico,

ideológica e estratégica, no seu governo foram muito claros. Todavia, não se quer

com isso afirmar que uma ação se sobreponha a outra em termos de validade.

Conforme aponta Costa (2010), a modernização da gestão democrática não parece

ter sido uma bandeira bem acabada nos governos com viés progressista. A

escassez de criatividade neste campo, não permitiu seguir com avanços na

proposição de modelos alternativos ao gerencialismo na esfera pública.

4.2 Contratações para a modernização da Administração Pública Federal: período de 2010 a 2013

Nesta parte, o trabalho apresenta os dados referentes às ações de

modernização contratados pelo executivo federal no período de 2010 a 2013. Com

base neste recorte temporal, justifica-se o motivo pelo qual se optou por estudar

apenas os PPA’s referentes ao período de 2008 a 2015. A análise realizada nos

planos permite tecer um olhar mais direcionado para o tipo de ações adotadas no

governo Lula para modernização administrativa e que perpassam no governo Dilma.

A pesquisa revelou que o número de contratações foi mais predominante

em órgãos públicos da administração direta com envolvimento na formulação de

políticas públicas finalísticas. Dos 40 órgãos da APF direta analisados, identificou-se

ações em 27, em especifico, nos órgãos com envolvimento no campo social:

educação, saúde, justiça, trabalho e emprego. (CEGOV- UFRGS, 2013)

Do total de 141 ações de modernização identificadas e selecionadas para

análise, 83 são ações relacionadas ao eixo Tecnologias de Informação e

Comunicação (58,9%), com destaque para as ações de contratação de mecanismos

de gestão e práticas de governança de TI (36 ações) e de desenvolvimento,

aquisição, manutenção de softwares e sistemas de apoio gerencial de gestão (36

ações). Na sequência, identificam-se 37 ações relacionadas ao eixo de instrumentos

de gestão (26,2%), destacando-se as 11 ações de planejamento estratégico. Já no

eixo de modernização e melhoria de processos, identificam-se 21 ações (14,9%),

com destaque para 6 ações de redesenho/mapeamento de processos e 11 de

qualificação da força de trabalho e gestão estratégica de pessoas (CEGOV -

UFRGS, 2013, p. 42).

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No eixo “Modernização e Melhoria de Processos”, foram considerados

ações que se referem à qualificação da força de trabalho, na qual se destacaram

ferramentas de gestão por competência e os treinamentos decorrentes. Segundo a

pesquisa, as contratações foram “orientadas pela própria política de pessoal

centrada em competências e numa tendência mais ampla de gestão de pessoas no

setor privado, levando a Administração Pública a certo mimetismo” (CEGOV-

UFRGS, 2013, p. 46)

Neste ponto verifica-se que, no que diz respeito à ao investimento em

força de trabalho, no governo de FHC o número de servidores ativos no executivo

em 1995 era de 630.763, ao final do seu governo em 2002 foi de 530.662 servidores

atuando no poder executivo federal. Já no governo Lula, no primeiro ano do seu

mandato em 2003 o número de servidores ativos era de 534.392, ao final do seu

segundo mandato em 2011, 635.743 servidores ativos. No governo de Dilma os

dados apontam para 662.460 servidores ativos no executivo federal em 2013.

Segundo os dados da Fundação Perseu Abramo (2015), houve uma evolução de

131.798 servidores nas gestões de Dilma e Lula.

Observa-se uma recapacitação da força de trabalho no serviço público

brasileiro, empreendida nos últimos anos, Marconi (2010) destaca ainda que houve

um crescimento expressivo no número de servidores atuantes no “suporte

administrativo e operacional entre 2002 e 2007, tanto entre estatutários quanto

celetistas” (Marconi, 2010, p. 241). Neste sentido é necessário uma reflexão mais

aprofundada para verificar em que medida as iniciativas de mapeamento de

competências efetivamente orientam a qualificação dos gestores nos programas

implementados pelos órgãos, conforme estabelece a Política Nacional de

Desenvolvimento de Pessoas.

Quanto às ferramentas de redesenho de processos, alinhadas ainda a

este eixo, a pesquisa encontrou termos metodológicos que indicam a utilização de

ferramentas amplamente utilizadas no setor privados, tais como: Business Process

Management Common Body of Knowledge (BPM-CBOK). As ações estão

associados à busca por maior “interação da Administração Pública com o cidadão,

melhoria do fluxo dos processos e criação de novos serviços” (CEGOV-UFRGS,

2013, p. 47). Verifica-se novamente o mimetismo de modelos, cuja intenção é de

melhoria para atendimento da ação precípua do Estado, com base no uso de

ferramentas da gestão privada.

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No que tange o eixo “Instrumentos de Gestão”, as ações de planejamento

estratégico foram o principal destaque nas contrações. Observa -se a utilização do

Balanced Scoredcard (BSC) como ferramenta para realização de planejamento

estratégico (CEGOV-UFRGS, 2013). Aqui, ao passo que é interesse observar que

se está sendo feito o planejamento institucional nas organizações públicas,

questiona-se o modelo utilizado. Segundo Carlos Matus (1996) os métodos mais

tradicionais de planejamento são extremamente normativos, impessoais e se dizem

neutros, pois se pretendem amparados na “boa técnica de planejamento”. Neste

contexto, sempre há um ator que planeja e os demais são simples agentes

econômicos. A utilização de ferramentas como o BSC, podem originar ações

governamentais totalmente tecnocratas, pois são modelos fechados que conseguem

abranger a dimensão participativa do planejamento governamental.

Por fim no que se refere ao eixo “Tecnologias de Informação e

Comunicação”, as evidencias apontaram para um grande investimento na

contratação de consultorias para criação de mecanismos de gestão e práticas de

governança em TI, assim como no desenvolvimento, aquisição, manutenção de

softwares e sistemas de apoio gerencial de gestão.

De acordo a pesquisa:

A maioria das ações de modernização (58,9%) referem -se à área de TI, indicando que a concepção de modernização está fortemente associada à flexibilização dos processos administrativos e ao estreitamento das relações

com a população através da informatização e comunicação virtual. (CEGOV-UFRGS, 2013, p. 49)

A pesquisa aponta também uma tendência à incorporação de sistemas

adquiridos de empresas estrangeiras (Microstrategy, Oracle), o que embora em curto

prazo possa implicar em maior agilidade nos processos administrativos, pode

acarretar dependência dos sistemas e custos altos a médio e longo prazo. (CEGOV-

UFRGS, 2013).

Pode-se inferir que o impacto das TIC’s na Administração Pública é

recorrente de uma demanda considerável ainda por estruturação física e

tecnológica. Neste ponto, pode-se considerar como uma peculiaridade do processo

de modernização gestão pública brasileira, em um futuro próximo, com a etapa de

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modernização tecnológica em estágio mais avançado, poderá auxiliar nas

execuções burocráticas e operacionais que cabem à gestão pública, e com isso

avançarmos também em termos políticos e ideológicos da modernização

administrativa.

5 CONSIDERAÇÕES

O intuito deste artigo foi de problematizar os modelos de Administração

Pública em voga nos governos atuais, a partir da análise da visão de Estado

predominante e das ações concretamente adotadas no que tange à modernização

da Administração Pública.

O que se verifica, ainda que preliminarmente, é que o PDRAE com toda a

sua sofisticada elaboração conceitual, e mesmo com sua parcial implementação,

deixou um legado gerencialista para a Administração Pública que segue

influenciando as concepções de gestão na ação governamental brasileira.

Se em termos das orientações políticas do governo, os PPAs demonstram

um interesse dos governos atuais em recompor às capacidades estatais, em

especial, por meio da revalorização do planejamento. Em contrapartida, as ações de

modernização efetivamente adotadas demonstram certo mimetismo e reprodução do

modelo anterior, sobretudo no que diz respeito a ‘processo de gestão’.

A utilização de técnicas oriundas do modelo de gestão privado, à busca

de assessoria governamental no âmbito das consultorias privadas indica que a

Administração Pública brasileira não conseguiu produzir, por enquanto, uma prática

distinta da vigente no modelo anterior no que diz respeito aos processos.

Por outro lado, deve-se observar que nem tudo o que foi produzido no

modelo anterior deve ser refutado. As tecnologias da informação e comunicação –

TIC’s agregadas ao serviço público, assim como as finalidades de eficiência e

eficácia nos serviços públicos são instrumentos e valores que qualquer Estado que

se ambicione forte, não pode prescindir.

Entretanto, de acordo com a análise, percebe-se que há muito que se

avançar para a construção de marcos alternativos à NAP, estruturados e

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organizados do ponto de vista ideológico e metodológico. Se de alguma forma os

governos Lula e Dilma caminharam em torno de uma discussão que prioriza as

entregas de serviços aos cidadãos, valorizando os canais de participação formal e o

planejamento governamental como meios fundamentais. Por outro ponto de vista,

nas atividades meio, não foi possível observar com clareza os caminhos para

viabilizar um projeto alternativo.

Para tanto, advoga-se em concordância com Costa (2010), Dagnino

(2012) e De Paula (2004) que a construção de marcos alternativos à NAP

adequados ao modelo de Estado produtor de serviços e entregas ao cidadão e

eficiente em suas tarefas (neodesenvolvistas) deve considerar mais do que as

demandas e características específicas da gestão púbica, mas da própria sociedade.

Para tanto o aprofundamento de processos dialógicos e participativos tornam-se

imprescindíveis para a formulação de um novo projeto.

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AUTORIA

Gabriela Francisca Martins de Lima – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Endereço eletrônico: [email protected]

Luciana Pazini Papi – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Endereço eletrônico: [email protected]