abajurlilas.pdf
TRANSCRIPT
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 3/32
(Ao abrir a pano, Dilma acaba de fechar a por ta d e saida,
como se despedisse alguem. Volta c on ta nd o a gra na com
expr essao de desanimo, senta-s e n a ca ma e f ica olhando 0
vazio. Esta bem apagada. De r epente, a p ort a e aber ta de
sopetao. Dilma leva um grande susto. Entra Giro.)
GI RO (rindo.) - Puta susto que t u levou!
01 LMA - Por que tu nao bate antes de entrar?
GIRO - Queria te pegar no flagra.
0 1 L MA - Essa q ue e a tu a?
GI RO - Sabia que ia te encontrar a( sentada como uma
va ca p re nh a. Na o q ue r ma is n ad a. Est ou n a c ampa na.
Assim nao da pedal. Tu e a o utra n ao q ue re m p orr a n e-
nhuma. Que mereta! Que merda!
01 LMA - Nao viu que 0 fregues se mandou agorinha?
GI RO - Aqui, 6i! Ele saiu ha um cacetao de tempo.
01 LMA - S6 porque tu quer.
GI RO - Estou na paquera. Nao sou trouxa. Se dou sopa,
sou passado para tras. E vi bem quando 0 p in ta seman-
dou.
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 4/32
10 - PUNIO MARCOS
01 LMA - Conversa! 0 fregi.u~s saiu neste minuto. Ainda
nem me lavei.
GI RO - Claro, fica al sentada pensando, pensando, nem
ve 0tempo passaro Se tu fosse esperta, nem s~ I~vava. Enca-
rava um loque atnls do outro, de qualquer jelto.01 LMA - Nao sou porca.
GI RO - Grande merda! Os otarios nem estao se tocando
nessas besteiras. Querem e trocar 0 6leo. 0 resto que se
dane. E 56 fazer ai, ai, ai, e deixar andar. Eles saem certos
que agradaram. E e melhor pra ti. Va; por mim, que tu
vai ver como chove na tua horta.
01 LMA - Ou na tua.
GI RO - Na dos dois. A gente e s6cio, porra!
01 LMA - Eu entro com 0 batente e tu pega a grana.
GIRO - Queria eu poder fazer miche. N~o ia dar moleza.
Fazia uns vinte miches por dia.· E de cara alegre.
01 LMA - Com a tua cara, tu ia morrer de fome.
GI RO - Claro, estou velho. Mas, ja tive meu tempo. F~i
de fechar. Naquele tempo nao tinha essas ondas de travestl.
Era um. nojo. Qualquer coisa era urn esdindalo. Mas, n~
Carnaval, s6 dava eu. Me badalava. E 0 que me sal~ou e
que sempre tive julzo. Juntei um dinheirinho e m~ntel es~e
moc6. Beleza acaba .. Se eu nao cuidasse de mlm, hOjeestava na rua da amargura. Por isso e que eu digo que tem
que faturar enquanto pode. 0 que e bom dura pouco.
DILMA - Vai falar isso pra mim?
GI RO ~ Quem e que esta sentada al como pata choca?
01 LMA - Ja me virei paca hoje.
GI RO - Eu estou contando. Tu entrou com homem aqui
cinco vezes hoje a noite.
01 LMA - E o s tr es da tarde nao conta?
GI RO - E tu acha muito?
01LMA - E nao e? Oito vezes. Nao e mole.
GI RO - Isso nao e nada.
01 LMA - Quem esta ardida e que sabe.
GI R O - Tua e cheia de luxo.
01LMA - Quem gosta de mim sou eu.
GI RO - E se lava com sabao de coco. Pensa que eu naosei?
01 LMA - E 0 melhor.
GI RO - 0 mais barato.
01 LMA - Oesinfeta. Vale tanto quanta alcoo/.
GI RO - Sei que vale. Por isso que tu anda ardida i t toa.
01 LMA - A toa? Oito por dial
GI RO - Pra panela larga, isso nao quer dizer nada.
01 LMA - Tu e muito engrac;ado, mas de mim tu esta por fora.
GI RO - Esqueceu que hoje e sexta-feira?
01 LMA - Grande merda!
. GI RO - Sabe que dia e hoje?
01 LMA - Sexta-feira.
GI RO - Oia· doze.
01 LMA - Grande merda!
GI RO - Grande merda! Grande merda! Aqui, 6i! Toda
puta sabe que na primeira sexta-feira depois do dia dez eque os cavalos de salario-m(nimo vem pras bocas a fim detirar 0 atraso.
01 LMA - Ja me virei 0que podia.
GI RO - Se tu fosse esperta, fazia uns doze miches.
01 LMA - E nunca mais fechciva as pernas.
GI RO - Oepois, no meio do mes, tirava urn dia de folga.
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 6/32
GI RO - Eu nao sou mau. Tu me conhece e sabe que
nao sou. Claro que eu quero beliscar uma grana. Sou igual a
todo mundo. S6 tu e a Celia e que nao sao do batente.
Nao sei porque. Entao eu falo mesmo. E e por bem que
eu falo. Ja passou pela tua moringa, se amanha tu ou a tua
amiga ficarem podres?
01 LMA - Vira essa boca pra la.
GI RO - Pra teu governo, vou te contar uma hist6ria.
01 LMA - oepois de oito trepadas, eu vou querer saber de
hist6rias? Quero e me apagar.
GI RO - Mas essa e born tu escutar. Aconteceu nessa merda
aqui mesmo. Uma manha, eu vim Iimpar 0 moc6. Sabe 0
que encontrei dentro da mer da da pia? (Faz cara de nojo.)
01 LMA - Entao esquece.
GI RO - Era urn puta escarro. Que nojo, que nojo! (Giro
puxa um catarro do peito, vai cuspir na privada, da des-
carga e volta.) E assim que os filhos da puta que tem
e _ duca~ao fazem, quando tern que escarrar. Nao e na pia,como as porcas. Que coisa nojenta! S6 queria saber quem
foi que fez isso.
01 LMA - Eu nao fui.
GI RO - Quando aparece uma coisa errada nunca e nin-
guem. Mas, eu nao estou Iigando. Se tu e a outra piranha
nao receberam educa~ao quando eram pequenas, que culpa
tenho eu?
01 LMA - Ja falei que nao fui eu.
GI RO - Nao sei quem foi. Mas e stou fa lando pra teu
bem e da tua amiga.
01LMA - Amiga uma ova! Quem tem amiga e ro~adeira.
E eu ja te disse que meu neg6cio e homem.
GI RO - Ta bem, ta bem. 0 que quero dizer e q ue uma
das duas aqui e porca, sem-vergonha, nojenta e tudo. Nao
sei quem e, nem me interessa.. S6 estou falando, porque 0
escarro estava cheio de sangue. (pausa. ~ilma fica preocu-
~GI RO - Entendeu 0que eu falei? 0 escarro tinha sangue.
Um monte de sangue. Sangue. Sangue as pampas.
01 LMA - Ja escutei. Nao sou surda.
GI RO - Mas tu se mancou no q ue eu q uis dizer? Uma
das duas esta entralhada.
01 LMA - Eu nao sou.,GI RO - Nao sei.
01 LMA - Entao f ica sabendo.
GI RO - Nao te vi escarrar.
01LMA Q ?
GI RO - Nao sei. Na hora tu ve.
01LMA - Se tu fizer gra~a, te apronto.
)
GI RO - Otaria! Eu tenho cobertura. Em mim, nao pega
nada. Tenho dinheiro, dinheiro. Sastante pra trombicar meio mundo. Se tu duvida, apronta 0 ralo. Apronta e
deixa pra mim. Pego uma grana e arrumo tua cama. Mando
te darem uma biaba e se tu ciscar, vai em cana, boboca.
' i Vai dizer que tu nao sabe que a corda sempre arrebenta
do lado mais fraco? Eu guardo tudo que eu ganho por
essas e outras. Se for preciso, nem me afobo. Mando botar
( pra quebrar. ~inguem vai me dar um devo. Muito menos
tu e a tua amlga.
" -0 1 LMA - Que amiga? Quem tern amiga e greluda. E eu
nao sou dessas coisas.
GI RO - Sei la. S6 sei que antes de alguem daqui querer
fazer 0 salseira, e melhor pensar bem. E s6 lembrar que
eu tenho dinheiro pra comprar muita coisa.
(Pausa. 0 ambiente fica tenso. Giro, depois de um tempo,
se acalma e, pra aliviar a barra, fala em tom macio.)
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 7/32
GI RO - Porca!
01LMA - Enta o, f im de papo! A podr e nao sou eu.
GI RO - 0que eusei e que tu tem uma to sse meio esca-
mosa.
01 LMA - E de cigarro.
GI RO - Tu e medica? Nao. Que eu saiba, tu e puta. Se e
de ci gar ro, ou de doen9a, quem s abe e 0 me dic o. Ma s,
cada urn que se cuide. E~ s6 estou falando pra tu se tocar
que deve faturar . Essa que tem que ser a tua jogada. Fa-
turar , faturar, faturar.
01 LMA - Faturar ate 0 1016 criar bico.
GI RO - Claro. Oe todo jeito e de qualquer lado. Como
as polacas.
01LMA - Nao sou descarada.
GI RO - Por isso e que esta na merda.
01 LMA - Que m e sta na m er da? Eu? Nao s ei porque .
Oito miches por dia somam uma grana.
GI RO - Que podia ser mais. Muito mais. E s6 nao ficar
fazendo dengo. Nao ficar bancando a fresca. AI, tu ia ver
o que era uma mina no meio das pernas.
01 LMA - S6 sei que me defendo.
GI RO - Tal a ma nc ada . Tu f az chique quando fa ro das
polacas, mas elas descobriram 0 Brasil.' Tudo quanto era
puta devia entrar com uma graninha, faziam uma vaquinha
e erguiam uma estatua pras polacas. Como as danadas
entendiam das coisas! Eu fiquei vivo depois que conheci a
Madame Bebete. A sacana sef ingia de francesa. Os trouxas
preferiam. Francesa estava na moda. Ela, que era viva,
enganava. Mas, 0 que contava era na cama. Era de tudo.
Oe tudo, como deve ser uma puta.
~ 01 LMA - Uma puta nojenta e sem cal9a. Sou mulher da
vida, mas tenho mora~ Comigo e aqui. Se 0 fregues qui--'
ser outros babados, mando falar com tu mesmo, que 6 bicha.
GI RO - M anda m es mo. M as t eu m al e e ss e. Se e puta ,
se dane. Seja puta ate 0 fim. Que merda de moral e essa
tua? Encara tudo com chique. Pra fazer mamae-e-papai,
os homens fazem na cama deles. Pra isso eles tern esposa.01 LMA - Sao todos uns sem-vergonha.
GI RO - Agora tu vai eagar no prato que come? Gra9as
a Oeus que os homens dao os pulinhos deles. Se nao, ai
da gente que vive disso.
01 LMA - Tem montes de homens solteiros.
GIRO - Esses, na maioria, acabam na mao.
~
Ol LMA, - Eu e que sei. Tenho filho pra criar. E com que
boca ia beijar ele, se entrar na tua onda?
GI RO - A agua lava tudo. . .
01LMA --f lU ' nojento.
GI RO - Eu, e? Mas quem escarra sangue nao sou eu, que
me cuido.
01 LMA - E sou eu?@Jacha que sou?
GI RO - S6 avisei que alguem aqui esta tuberculosa.
OILMA -' Mas eu nao sou! Nao sou! Nao sou! Tel bem?
Ta bem que nao s ou eu?
GI RO - Se nao e t u, e a Cel ia .
01LMA - Entao fala com ela.
\GI RO - Tu, que e amiga dela, e que deve falar.
L D I LMA - Ja te disse que nao tenho amiga nenhuma.
GI RO - M as t u dorme a l c om e la .
OILMA - Grande merda!
GI RO - Ela pode te passar a doen9a.
01 LMA - A Celia tambem nao tern nada.
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 8/32
GI RO - Sei lei Eu s6 estou falando porque vi sangue no
escarro· da pia. Qu is te abrir 0 olho.
01 LMA - Nao f orc;a a ideia. Tu quis e me atucanar , pensa
que eu nao sei? Tu fica nessa bronca de veado velho epra se vingar, pega no pe da gente. Vai ver que nao tinha
escarro nenhum nessapia. E muito menos sangue. Tu e queinventa. Sei bem como tu e tinhoso.
GI RO - Eu inventei? E tudo mentira? Ta born. Vai le-
vando. Fica com marola na virac;ao. Nao pode isso, nao
pode aquilo, depois ter n que beijar 0 filhinho. Mas vai
levando tuberculose pra ele. Pra isso tu nao liga!
01 LMA - Nojento!
GI RO - S6 quero dar ur n conselho.
f 01 LMA - Se conselho fosse bor n, tu nao dava, vendia.
\ Muquinha como tu e, vai dar alguma coisa que preste? Logo
/tu! Ur n veado velho e escroto, que s6 pensa em dinhei-
/..ro pr a dar pra teus machos sem-vergonha. .
GI RO - Xinga, xinga!S6 queria que Deus te castigasse e
teu filho saf sse ur n· veadinho.
01 LM A - Vai agourar a puta que te par iu!
GI RO (r indo.) - Nao precisa ficar bronqueada.
DI LM A - Vai te danar, ve se me esquece, vai dar pra
quem te come, mas me deixa em paz.
f d , RO - Tu tem medo que teufilho sai bicha?
~I LMA - Pr ef iro ver ele morto.
GI RO - Nao sei porque. Ter n bicha nas melhor es famf lias.
E que e que ter n? Cada ur n fa'z 0 que quer, da 0que e
seu. A terra vai comer mesmo.
01 LMA - Corta esse papa mais careca.
GI RO - Ela fica apavorada s6 de pensar que 0 filhinho
dela pode sair bicha. (Ri nervoso.) Tu tern nojo de veado,
ne? Tu deve ter nojo de mim. Eu sei..Tu me engole porque
depende do meu moc6. S6por isso. Se tu pudesse, tu me
expulsava daqui agora mesmo. Eu sei que tu, a Celia, os
homens la de baixo, os que me ajudam a tomar conta
das minhas putas, os policiais, todo mundo tem raiva de
mim. Todo mundo. 0 desgrac;ado que toma meu dinheir o,.
o garc;om do botequim fedorento qlJe serve aquela comidaporca, 0 cozinheiro, todo mundo. Ate os fregueses desse
tr eme-treme tern raiva de mim. Inveja~ Tudo inveja. Morrem
de inveja de mim. Sou puto, nojento e tudo mais. Mas, nao
precise de ninguem. Nem dou bola. Venho aqui como
amigo. Estou s6 querendo levar urn papo. Mas, nao posso.
Tu tem inveja. Nao se conforma de ter que ganhar teu pao
numa cama que e minha. E como 0garc;om que se dobr a
com nojo pra apanhar a gorjeta que eu deixo. E os filhos
das putas todos que vivem as custas das propinas que eu
dou. Eu, mais ninguem. Eles tern bronca. Mas eu quero
que tu, a Celia, todo mundo va a merda. Eu juntei dinheiro.
Tenho coisas. E todos aqui nesse pr edio dependem de
mim. Todos. Os que nao acreditam e s6 se assanharem pr a
ver. Sou veado, mas nao sou bunda-mole. Sei viver . Se
alguem quiser engrossar, pago uns homens e mando bater ,
matar e os cambaus. l'enho dinheiro e posso mais que todos '= :
aqui. E tu que abra 0 olho. Nao yOU esquecer que tu me
chamou de veado nojento. (Pausa longa. Cel ia come<;;aa
cantar f or a de cena.)
OILM A - E a Celia.
GI RO - Vem de fogo, pra var iar.
01 LMA - Ela e alegre.
GI RO - Bebado, ate eu.
01LMA - Ela bebe com 0 dinheiro dela.
GI RO - Toda noite. Oepois, fica de ressaca no outro dia.
Oaf, nao quer trepar . E e dinheiro a menos no meu bolso.
(Entr a Celia. VeGir o no quar to e come<;;aa r ir.)
GI RO - Qual e a grac;a?
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 9/32
CELIA - A tua cara de bicha velha e um sarro.
GI RO - Nojenta!
CELIA - Veadao, veadao, veadao!
GI RO - Vamos acertar as contas.
CELIA - Ja ou agora?
GI RO - Quanto tu fez?
CELIA - Seis miches.
GI RO - Tu nao quer nada mesmo.
CELIA - Deu ' pras pingas, ta born.
GI RO - Pra mim, nao.
CELIA - Tua acha pouco?
GIRO - Acho.CELIA - Entao va a merda antes que eu me esquec;a. 56
tenho uma chochota.
GI RO - Bebe como uma vaca, depois nao aguenta 0repuxo.
A Dilma fez oito. E tu, que tern a biela larga, seis.
CELIA - Ela e ela.
GI RO - E tu e tu.
CELIA - Que puta bicha bidu!
(Celia ri e ter n ataque de tosse.)
GI RO - Ta podr e! E ela! Bem que tu me disse, Dilma.
E ela! Agora eu vi. Ta ruim dos peitos. Bem que tu me
disse!
CELIA - Que papo chibu e esse? Que tu disse, Dilma?
Que porra de ruim dos peitos e essa?
DllMA - Eu nao disse nada. Essa bicha e que inventou
uma hist6ria de catarro com sangue.
GI RO - Inventei, vlrgula! Eu vi. Vi com essas botucas que
a terra vai comer. Um puta catarrao com sangue e tudo.Coisa de tuberculosa. Eu vi. Estava na pia.
CELIA - 56 se foi tu que cagou na pia.
GI RO - Nao sou porco.
CELIA - E bundeiro, sem-vergonha, porco e tudo. E veado.
GI RO - E tu e uma bebada, tuberculosa e cheia de chato.
CELIA - 56 se peguei a carga de chato da tua mae. Ela
e que tinha muquirana, aquela ro<;:adeira greluda.
GI RO - Tu me paga, tu me paga! Vou te dar um couro,
bebada sacana! (Celia e Gir o se atr Clcam numa br iga vio-
lenta.)
DllMA - Parem com essa merda! Isso naoleva a porra
nenhuma! Parem! (Giro e Celia se xingam muito. Giro
leva vantagem e vai pond o a Celia pra f ora d e cena.)
CELIA - Tu me paga, veado escroto! Vai ter troGO. Pode
contar que tem. E pra tu tambem, Dilma. Eu acerto as
contas contigo. Tu e essa bicha VaG ver.
(Celia vai embor a xingand o.)
GI RO - Cadela sem-vergonha! 0 que e teu ta guardado.
Vou mandar te dar umas porradas. (Volta-se pra Dilma.)
Ela me paga. Tu vai ver amanha. Vou mandar descer 0
cacete nela.
DllMA - E melhor deixar barato.
GI RO - A vagabunda me machucou. Vou descontar.DllMA - Tu bateu nela.
GI RO - E vou bater mais. Essa Celia e muito folgada.
DllMA - Esta bebada.
GI RO - Se nao sabe beber, beba merda.
DllMA - Amanha ela fica de cabe<;:afresca, e fim.
GI RO - Fim, uma porra! Ela que va bagun<;:ar 0moc6 da
puta que a pariu. Se for precise, eu chama os homi:lns.
E tu tamb6m!
DllMA - livra a minha cara!
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 10/32
GIRO - Eu te manjo. Tu e que apronta os rolos.
01LMA - Que e que eu fiz?
GIRO - Tu botou ela contra mim.
DILMA - Que e isso? Eu nao quero nem saber. Nao me
meta em fuxico. Tenho meu Who pra criar. 56 estou aqui
porque preciso.
GIRO - Filho pra criar? Eu sei. Filho pra criar!
01LMA - E isso mesmo. Tenho meu filho pra criar.
GI RO - Bela merda tu e 0 teu filho.
01LMA - Nao se meta com minha crianc;:a.
GI RO - Puta nao devia ter filho.
01LMA - Sou mulher igual a qualquer uma.
GIRO - 56 que nao tem como cuidar da cria.
DI LMA - Ele esta bem cuidado.
GIRO - Onde? Onde ele esta?
01LMA ".:- Esta bem cuidado.
GI RO - Tu acha? Tomara que esteja. Ele e tao bonitinho.
56 que Who de puta nunca esta bem. Ninguem cri'a e cuida
como a mae. E putana nao pode ficar de olho em cima.
AI e broca. Os gorgotas se achegam e beliscam a crianc;:a.
01LMA - Nojento! Meu filho ainda e. nene.
GI RO - Entao, e de pequeno que se torce 0pepino.
OILMA - Para com essaarenga, Giro! Para, pelo amor deOeus!
GI RO - 56 estou falando. Oisso, eu entendo. Se eu nao
entender de veadagem, you entender do que? E filho de
de puta sempre vira veado. (Ri.)
OILMA - Porco!
Gi RO - E 0 teu tambem vai ser. 56 pra pagar tua lingua.
01LMA (emocionada.) - Como tu e porco! Que e que tu
ganha em me aporrinhar?, Sera que tu s6 sabe atucanar
meio mundo? Ja nao chega a porra de vida que eu leva?
Por . que tu acha que eu me viro? Tu pensa que eu gosto
dessa merda? Nao gosto nada. Oia e noite no batente.
Encarando branco, preto, amarelo, tarado, bebao, brocha,
nojentos, sujos e tudo 0que vem. E eu aI, s6 enfu rnando
a bufunfa. Nao yOU a lugar nenhum. Nao gasto um puta
de um tostao a toa. S6 pra dar 0que tem de melhor pro
meu nene. Pra dar uma vida de gente pra ele. 56 por ele.
Casa, comida, cuidados e tudo que s6 os bacanas tem.
Os nenens nao temculpa dessa putaria que e 0 mundo.
E por isso, eu you virar 0 jogo. E disso, tu nao duvida, tal
GIRO - Eu nao duvido de nada. S6 acho que tu devia
faturar mais. S6 isso.
01LMA - Sei 0que posso e 0que nao posso.
GIRO - Ainda bem. (Pausa.) A Celia e que vai entrar
bem. Nada como um dia atras do outro. (Giro vai sair,
mas para na porta, venda Dilma sentada.) Tu nao vai deitar?
(Pausa. Dilma nem se mexe.) Tu que sabe. QueI' f icar
sentada a noite inteira, fica. (Pausa.) Mas amanha tu vai
estar cansada. (Pausa.) Bom, tu que sabe. 0 corpo e teu.
(Pausa.) Vou apagar a luz. Pra que gastar luz a toa, ne?
(Giroapaga a luz e sai. 0 quarto fica na penumbra.)
01LMA (resmungando.) - Filho da puta! Muquinha! Veado
nojento! Teu dia chega. Chega, sim.
(Dilma acende um cigarro. Retira da carteira um retrato,
olha bem, bei ja e come<;:aa chorar baixinho. Depois de um
tempo, entra Celia. Vem cambaleando de bebada. Cai,
levanta-se, entra no banheiro. 5e escuta 0 barulho de Celia
vomitando. Depois ela volta, cai na cama e adormece.
Dilma continua sentada. Luz fecha toda.)
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 11/32
(Luz acende. Celia esta dor mind o. Escuta-sedescarga de
pr ivada e logo de pois Oilma apar ece, saind o d o banheiro.
Esta s6 de com binac;;80. Senta-se na banqueta da pentea-
deir a e comec;;a a se arrumar. Oe pois de um tem po, vai ate
a cams e sacode Celia.)
01 LMA - Acorda, Celia. Ja e tarde paca. Acorda, Celia.Ta na hora, acorda.
CELIA (acordando.) - Que h oras s ao?
01 LMA - Quase tres.
CELIA - Porra!
01 LMA -. Porra mesmo.
CELIA - Tres horas! E a bichona velha nao piou por aqui?
01 LMA - Botou a fUl;:a,te viu apagada e saiu de pi note.
Acho que ta a fim de te apr ontar uma gronga.
CELIA - Filho da puta!
01 LMA (continuando a se arrumar.) - Anda, Celia. Nao
da sopa pra sorte.
C ELI A - Que puta ressaca!
01 LMA - Quem manda beber?
CELIA - E 0 jeito que tenho pra me escorar. S6 de caco
cheio aguento essa zorra. Parece que levei uma surra do
cacete.
01 LMA - Tu nem lembra que tomou umas biabas da
bichona? Beber assim e pra se acabar.
CELIA - Eu f iz enxame? S6 me lembro que a bichona
estava azeda.
01 LMA - Tu se p egou com ele pr a valer.
CELIA - E como acabou?
01 LMA - T u se mandou pl'a r ua.
CELIA - Que bosta! oevia fer cortado a bicha de gilete.
Mas entao e por isso que eu estou toda dolda. a veadao
deve ter me acertado bem. Mas tem troco. tuvai. ver.
01 LMA - S6 se t u d er 0 troco com 0 rabo.
CELIA - Tu duvida?
01 LMA - Ele tem as ar mas na mao. a mac6 e dele. 5e tu
acerta ele, ja viu. Ele te manda andar. E da!?
CELIA - Me viro. II
olLMA - Como? ,-
CELIA - Sei la, porra! Eu nao sou nenhuma jogada fora.
Me arranjo f acil.
01 LMA - Tu que pensa. A bichona bota a boca no trom-
bone e tu se entralha. Nenhuma cafetina te aceita. Elas
ficam achando que tu e de criar caso. a que tu pensa?
Essa rac;;amaldita e toda combinada. Uma cafetina da cober -
tura pra outra. E c om essas e o utras, a g ente e q ue seentruta.
CELIA - Conversa! A gente sempre acaba arrumando a
vida.
01 LMA - Mas, que adianta? Sair da mao do Giro pra cair
noutra, da na mesma. E melhor aturar essa bichona, a
gente ja conhece os macetes dele. E mais mole chuveirar.
A gente ganha ele no papo.
CELIA - a desgrac;:ados6 embarca quando quer .
01 LMA - a baralho e dele. Temosque tocar de leve.Agora, ve se te mexe. Eu ja estou quase pronta. E tu ta
ainda al. a Giro ta com bronca tua. Ve se nao folga. Se
vira 0 mais que puder. Quando tu estiver com fregues, 0
puto nao encosta. Ate a noite, eu ajeito 0r esto. Te Iimpo
a barra. Vai por mim.
CELIA - Isso nao da pe.
01 LMA - Vai por mim, Celia. a Giro ta com sede tua.
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 12/32
CELIA - Que se dane!
01 LMA - Que e? Agora tu gosta de apanhar?
CELIA - Gosto porra nenhuma.
01 LMA - Entao tira 0 cu da reta.
CELlA- Que adianta? Se ele ta a fim de me pegar, pega
mesmo. Pra ele fica barato. E 0 pau de mando.
01 LMA - Por isso que tu tem que fazer jogada.
CELIA - Que jogada, porra nenhuma! Sei 0que ele quer.
Que eu va pra rua, me vire, me vire, ate ficar arrombada.
AI, eu fico no baga~o e a bicha, contente. Aqui, 6i! Cansei
de charla e de milonga. You endoidar a bichona.
01 LMA - AI 0 cupincha dele te ar r ebenta.
CELIA - Pago pra ver.
OILMA -:- Tu t a de" bobeira.
CELIA - S6 porque tu quer.
01 LMA - Eu sei como a gente pode ater rar e le .
CELIA - Com bate -c aixa fi ado? Eu e que s ei c omo e .
01 LMA - Sentada aqui e que nao vai ser.
CELIA - Eu n ao estou perdendo tempo.
01 LMA - Ah, nao?
CELIA - Conversa~ puxa conversa.
01 LMA - Qual e a tua? (pausa.l Se abr e.
CELIA - Tu tern uma grana enfurnada, nao tern? Naoadianta me engrupir. Eu sei que tu tern.
01 LMA - Tenho. M as nao e m uit o. E e pr a c obrir me u
filho. "
CELIA - Eu sei, eu sei, tu te m filho. E legal. Ta certo.
Mas e por ele. Por e!e, tu deve embarcar na minha.
01 LMA - Que tua?
CELIA - Tu me empresta a grana. Eu compr o uma draga.
Sei quem vende a pre~o born. Oal, a gente vira a mesa.
Fica tudo no taco.
01 LMA - Tu ta batusquela!
CELIA - Tu tern medo? Se eisso, deixa pra mim. Fa~o a
bicha com alegria. Antes" do veado ciscar, dou-Ihe um teco
na lata. Mando 0 puto pro beleleu. E s6 tu entrar com agrana, 0 resto e meu.
OILMA - Nao quero nem saber. Tu ta doida de pedra.
CELIA - E mole, pode crer.
01LMA - Tu quer apagar a bicha?
CELIA - Se f or pre cis o. Antes, s6 quero endurecer. A
bufunfa que ele pega da gente e demais. Nao ta direito.
Entao, 0 neg6cio e a gente deixar certo. Cada vez que a
bichona der uma folga, eu mando a carteira dela. S6 ali na
furqueta. Mas, se ela desconfiar e quiser espernear, eu
encaro ela de berro na mao. AI 0 papa e outro. A bicha
tem que segurar as pontas.
01 LMA - Nao e nada disso. Eu tenho meu filho pracriar,
ente ndeu? Tu e t u m es mo. Tanto faz, como tanto fez.
Mas essa porrice-Iouca nao da pra mim. Eu sou meli filho.
Tu ja pensou s e eu e ntr o numa gela da c omo e que e le
fica? Pensa. 0 coitadinho nao sabe de nada. Eu eque tenho
que dar as dicas da vida pra ele. Sem mim, ele se dana.
Pode ate ... pode ate ... Sei la! Pode ate virar um veado
como esses Giros que andam por al. Oeus me livre! Eu nao
gosto nem de pensar. Nao, nao! Eu nao gemi no parto pralargar cria solta nesse mundo de coisa ruim. Eu me dano.
Me lasco. Me entralho. Mas fa~o do meu nene urn homem.
Nao urn veado. Ele tern que ser bacana. Oal ele ocupa urn
lugar. E me ajuda. AI, sim, a gente, eu e ele, mudamos 0
resultado do jogo. Ja, eu aguento a mao. E preciso. Meu
nene precisa. Mas eu vou dando os plas positivos. E dois e
mais que urn. Eu e ele vamos sair pra melhor. (Pausa:l Sem
mim, 0que ele faz?
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 13/32
CELIA - Se vira, porra!
01 LMA - Como a gente?
CELIA - E, como a gente.
01 LMA - Bela merda!
CELIA - Fedida. Merda fedida. Fedida.
01 LMA - Eu sei. E nao quero pro meu nene nada disso.
CELIA - Mas se tu ficar se arreglando, nao vai dar outra
coisa. No papo, nao vai mudar e nada. Tem que ser [la ,
congesta. Oe arma na frente. Sea gente ferra 0 puto, isso
fica nosso. Tu vai poder dar 0 bem-bom pra tua cria. Vai.
Vai mesmo. E af e que e bacana.
01 L MA - Tu pensa que e tudo no "toma la, da ca". E 0
,resto? E a cana? E os cupinchas da bicha? Tu acha que
todo mundo vai se fechar em copas? Que eles vao largar
um pesqueiro desses assim no mole? Que nada! Vai ter
u m puta escarceu. -E a gente fica no toco.
CELIA - Cupincha e cupincha. Eles estao com quem esta
no mando. Se a gente fica em cima, eles se bandeiam pro
nosso lado. '
01 LI\1A - Falar e facil.
CELIA - Tu nao tem bronca da bichona?
01 ~A - E s6 0 q ue tenho.
CELIA - Entao manda ver.
01 LMA - Eu tenho meu filho pra criar .
CELIA - Por ele. S6 por ele. Mete a cara.
(Pausa. Dilma pega um cigarro.)
01 LMA - Quer fumar?
CELIA - S6 q uero guerrear a bicha.
01 LMA - E melhor tu se ves tir e s e mandar pra rua. Eu
ja estou pronta e vou firme. Sei 0 que fa90. Estou na
putaria ha mais tempo que tu.
CELIA - Tu e escolada paca.
01 LMA - Sei de mim.
CELIA :- Malandra como tu e, e ta na merda.
01 LMA - Estou criando meu nene. Oepois tudo muda.
(Pausa. Dilma da uma tragada e tOSS8.)CELIA - Puta tosse feia!
01 LMA - E do cigarro.
CELIA - Por que tu nao faz umexame? Nao custa nada.
01 LMA - Por que tu nao faz?
CELIA - Tu que ta tossindo.
01 LMA - Tu ja se olhou no espelho? J a viu como tu ta
amarela? E melhor tu se cuidar.
CELIA - Eu me cuido.
01 LMA - S6 tou falando porque a bicha disse que viu um
escarro com sangue af na pia.
CELIA - Se viu, s6 pode ser teu. Tua tosse nao nega.
01 LMA - Se 0 catarro estava na pia, ta na cara que era
teu. Tu que tem a mania de eagar fora do penico. Acha
que isso enche 0 saco da bicha.
CELIA - Eu, uma ova!
01 LMA - Se nao foi tu, nao sei quem foi.
CELIA - Oeve ter sido a vaca que te pariu.
01 LMA - Oobra a lingua, cadela esporrenta!
CE LIA - A vaca ,que te pariu!
01 LMA - Que e? '<Iai querer me dar um tiro tambem?
CELIA - Cala a boca, vadia sem-vergonha!
01 LMA - Nao e es saa tua embaixada?Tu nao queria
apagar 0 Giro?
CELIA - Grita bem alto. Se nao pegar nada, vai la e me
engessa pra bicha. Tu e arreglada com ele. Vai la. Conta.
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 14/32
O' puto fica contente e te da colher de chao Vai la, anda.
As cagu.etas e que tern vez com esse filho de uma vaca
morfetica, esse veado nojento, porco, salafra, ladrao do
meu suor ...
(A porta se abre. Entra Giro.)
GI RO - Escutei tudinho!' "
CELIA - S6 podia escutar. Vive com a bunda grudada
atras da porta.
GI RO - As duas putas falando mal de mim. Que mer~!
Que merda! Que merda! Que e que as duas tern na morin-
ga? Titica de galinha? Que e q ue tu quer, Celia? E tu,
Oilma? Nao sou legal? As duas nao fazem 0que querem?
o que da na telha? As duas nao falam 0 que querem?A Celia estava a( me xingando, xingando e a outra vaca
concordando com tudo. Que merda! Que merda! Que mer-
da!
01 LMA - Livra a minha cara, Giro. Eu estava com boca
de siri. Nao me bota nessa.
GI RO - Nao adianta tirar a bunda da seringa. Sou born,
esse que e meu crepe. As duas montam. Porem urn dia a
casa cai. E s6 me pegarem de ovo virado. Ontem, a Celia
aprontou urn puta salseiro. Eu ja esqueci. Oeixei pra la.
Pr ontQ, ela ja q uer criar outro caso. Eu d eixo tudo no
barato. Mas me acham chato, porque quero ver as duas
faturando. Pra isso, eu falo mesmo, sou chato. Nesse ponto,
sou mesmo. Mas, tambem se nao falo, ninguem se mexe.
, Ficam 0 dia todo flanando. Que merda! Que merda! Que
merda! Olha a hora que ja e . Satente! Saindo agora, no
fim do dia nem dez miches vai dar, contando os das duas.
Queria ver se eu fosse urn filho da puta. Vamos, vamos,
gente!
CELIA Ch ! T d ilh d t ?
merda. E nao vou perder tempo com briga. Se veste, Celia.
E tu que ja ta pronta, pinica. A vida ta custando os olhos
da cara. Anda, anda! A gente precisa beliscar uma gra-
ninha enquanto pode. Ninguem sabe 0 dia de amanha.
Eu vou la em cima. Na volta, quero ver fregues aqui.
(Giro sai.)
CELIA - Filho da puta! Enganador! Nojento! Mer ecia urn
teco na fuc;a. Me empresta a grana, Oilma. Me empresta,
que eu acabo com a bicha.
01 LMA - Sai dessa danc;a escamosa! Tu viu que ele .ate te
deu moleza. Acorda de uma vez e vai se virar ., .
CELIA - Tu entra nas chaves dele. Tu e mesmo uma bosta.
Tambem, tern que ter desconto. Nao tern embalo. Nem
pode ter. Com 0 cupim roendo a caixa de catarro, fica
frouxa.
01 LMA - Tu que ta chue. Se nao for do peito, e da cuca.
CELIA - Ve se eu tou podre, vel Topo qualquer par ada.
Tenho lenha pra queimar.
01 LMA - Claro. Nao ter n nada a perder. E sozinha e ta
com urn pe na cova. Tern que aprontar . Mas eu tenho urn
filho pra criar .
CELIA - Trouxa! Trouxa! A bicha deve ter armado alguma
treta medonha nas encolhas. S6 por isso e que ele quebrou
minha bronca. Mas eu atucano a vida do puto. Sente essa!'
(Celia agarra urn abajur e joga no chao.)
OILMA - Pra que isso?
CELIA - Pra ver a bicha endoidar.
01 LMA - Ela da 0 troco pra n6s.
CELIA - Eu s ei.
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 15/32
01LMA - Ele vai me entralhar. E eu nao tenho nada com
as tuas presepadas.
CELIA - Se dane!
01LMA - Mas tu quer me encaveirar?
CELIA - Bidu que tu e .
01LMA - Que tu ganha com isso?
CELIA - S6 assim tu toma uma decisao.
01LMA - Mas eu tou noutra. Tenho filho pra criar .
CELIA - Problema teu. Se a bicha te apertar~tu tern que
escolher: ou me entrega~ ou me empresta a grana.
01LMA - Va pra puta que te pariu! Nao sou cagueta. Mas
tambem nao te empresto grana nenhuma.
CELIA - Entao vai levar carga dos dois lados.
01LMA - Nao da pra falar com porra-Iouca. (Pausa. Dilma
vai sair , para na por ta.) Abre 0 olho, Celia. Ve 0 que tuvai fazer .
. CELIA - Tu ta podre. Vai se virar e trata de se cal~ar .
(Dilma sai.)
CELIA - Essa Oilma e uma merda.
(Celia acaba de se vestir rapidamente e sai.)
(Luz acende. Entr a Gir o acompanhado de Leninha, que
vem com uma mala na mao.)
GI RO - E aqui. Tudo Iimpo e os cambaus. Como te falei.
Pra tu ver que nao sou de mentir. Nunca nenhum fregues
reclamou de nada. Nao e como alguns moc6s que tern por
af, que sao uma imundfcie.
(Leninha avanc;:apro meio dO quarto e faz cara de nojo.)
GIRO - Que e? Do que tu nao gostou?
LENINHA - Oessa puta bagun~a!
GIRO -,Que bagun~a?
LENINHA - Olha af . Essa droga quebrada no chao.
GI RO (vendo 0 aba jur .) - Que e is so ?
LENINHA - Eu e que vou saber? Cheguei nesta bosta
agora.
GI R O - E 0abajur quebrC!do.
LEN 1NHA - Se vem u m fregues e f lagra a bagunc;a,pegam al .
GI RO - Deve ter quebrado.
LENINHA - Ta na car a, ne, malandro? Se tivesse inteiro,
nao tava quebrado.
GI RO - Quer dizer, quebrou agora. Ou quebraram. Essa
porra nao ia quebrar sozinha.
LENINH A - Vai ver que f oi 0gato.
GIRO - Aqui nao tem gato. Odeio bicho.
LENINHA - Por isso que Deus te castigou e fez tu nascer
bicha. (Ri.)
GI RO - Foi uma das duas putas que quebrou. Que merda!
Que merda! Isso e prejufzo. Mas que se dane! Nao compro
outro. Assim elas aprendem. Vao ter que tr epar no escuro.
Bem feito!
LENI NHA - Tern f r egues que prefere de luz acesa.
GIRO - E e u c om isso ?
LENINHA - A luz de cima fica acesa e gasta mais.
GI RO (r indo.) - Aqui, 6i! Aquelas duas vao deschavar.
Elas vao ter ver gonha de balan~ar as pelancas na cara do
trouxa. (Ri.) Com abajur, ainda engana. Mas, 6i1 Elas nao
querern luz acesa. (Ri.) Ja estao no bagac;o.(Ri.) Tern que
se enrustir. (Ri.) Ha males que vem pra bem.
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 16/32
LENI NHA - E eu?
GI RD - Tu, 0 que?
LENINH A - Nao tenho nada com isso.
GI RD - Tu vai no claro. Tu pode. Tu e nova. Tu, eu nao
ligo que va de luz acesa. 56 quer o te v er malhando.
LEN I N HA - Papo f urado, esse teu. Eu nao vou dispensar o abajur . Nao e por nada. E que eu 90sto de ler.
GI RD - De ler? Ler ?
LENINHA - E . Ler, porr a! Que e que tern? Cada louco
com sua mania. Tu gosta de bundar . Eu, de ler .
GIRD - Mas, ler?
LENINHA - E . Gr ande H otel , Capricho, essas porras.
Manja? Sou vidrada.
GI RD - Mas isso e atraso de vida.
LENINHA - Que posso f azer ? Sou tar ada.GI RD - Mas vai ler de luz acesa?
LENI NHA - Que tu acha? Da pr a Jer no escuro?
GI RD - Nunca vi. Que mania besta essa tua.
LENINHA - Porem pr ecisa de aba jur. Se nao, tu ja viu'
os bodes que vai dar. As duas piranhas querendo puxar 0
r onco e eu ai, querendo ler . No apaga a luz, acend~ a luz,
o caldo entorna.
GI RD - Mas elas quebraram 0abajur . Nao vou comprar
outro. Nao vou gastar grana nenhuma. Meu dinheir inho
nao cai do ceu.LENINHA -- Mas tu disse que aqui era tudo legal. Tu nao
disse? Era grupo teu. Ja vi com quem vou Iidar . Com urn
enrolador. Prometeu de ar aque.
GIRD - Sou positivo. Eu disse que tinha. E tinha. 56 que
quebraram o ...
LENINHA - E nao tern.
GI R D - Deixa eu acabar de falar.
LENI NHA - E que tu fala comprido. !'J1ecansa.
GIRD - S6 quero dizer que se eu disse que. tinha e nao
tern, eu bote outro, ta?
LENINHA - Se vai comprar urn novo, nao precisa enxcr me.
Compra e fim. E s6 pra te dar uma folga, me da a gr ana. que eu compr o urn bacaninha. Se deixo pra ti, tu me
aparece com algum escroto de dar nojo.
GI RD - Tu ja chega querendo me levar no bico.
LENINHA - Quero nada. Te trago a nota. 56 quer o e dar
urn capricho nessa porcaria.
GIRD - Voute dar uma colher de chao Mas s6 quero ver
o que tu vai render. E pro seu gover no, eu estou te achando
muito invocada.
LENINHA - Eu sou assim.
GIRD - Acho melhor mudar.
LENINHA - Nao mudo, nao adianta.
GI R D - Pior pra ti. Eu sou bom pr as minhas meninas.
Deixo elas a vontade. Elas tern tudo que querem comigo.
As vezes sou chato. Elas que dizem. Masfalo pro bem delas.
Quero que elas se vir em 0 quanto podem, antes que a f onte
seque. E elas sac loucas pra encostar 0 corpo. E quando
f icam na sombra, eu pego no pe delas. AI, sou chato mes-
mo. Mas, s6 al. No resto, sou born. Born mesmo. Todas as
putanas que ja se viraram em moc6 meu nao se acostumam
com outra cafetina. Elas mesmo dizem. Saem e logo quer em
voltar. Trouxa iguaJa mim nao existe. Se uma menina tern
ur n n6 na tripa, ou outra coisa qualquer, eu logo cor ro,
vou fazer um cha, nao abandono. Eu sou assim. Que posso
fazer? Mas, quando me aprontam, eu me vingo. Por isso,
acho born tu saber com quem ta lidando.
LENINHA - Vou saber . Quando as piranhas chegar em,
elas dao tua ficha. 56 que dao. Cor r endinho.
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 17/32
GI RO - Mas nao e bom tu ir atras delas~Elas tern uma
lingua desse tarnanho. Vao me pichar.
(Leninha ri.)
GI RO - Qual e a gra<;:a?LENINHA - Nenhuma.
GI RO - Entao, do que tu riu?
LENINHA - De nada, porra. Ri por ri.
GI RO - Mas ninguem ri a toa.
LENINHA - Eu rio. As vezes.
GI RO - Tu deve ser batusquela.
LENINHA - Deixa pra la. Tu nao falou que deixa cadauma na sua zoeira? Falou, nao falou? Entao, pronto.
GI RO - Ta bem, ta bem. S6 que ...
LENINHA - Nao estou vendo minha carna. Onde eu vou
dormir?
GI RO - Eu bote uma cama de solteiro aqui. Tu dorme
nela. Pra se virar , tu usa essa.
LENINHA - Tu troca len<;:oltoda vez que sai fregues?
GI RO - Nao matei meu pai a soco. Troco uma vez por
semana e olhe la. Sabe quanto esta a duzia de roupa pra
lavar? Uma fortuna.
LENI NHA (o!hando 0 len<;ol da cama.) - Que nojo! Ta
encardido paca. Precisa trocar pelo menos todo dia.
GI RO - Dessejeito, onde vou parar?
LENINHA - Sei la! S6 sei que agora vao ser tres a se
embrulhar nesse Iixo. Tu vai faturar as baldas. Pode bem
deixar de ser muquinha e trocar 0 len<;:oltodo dia.
de brilhantina deitou aqui e emporcalhou tudo. Troca isso,
troca.
GIRO - Ta bem, ta bem. Tudo pr a te agr adar . S6 quer o
ver 0 troco.
LENINHA - Quando tu vai buscar minha cama?
GIRO - Pra se virar, ja da. Ate de noite, eu ajeito tudo.
LENI NHA - Hoje nao vou pegar no batente. No pr imeiro
dia, s6 arrumo minhas coisas. E depois, vou sair pr a com-
prar 0abajur. Por isso, e born tu trazer minha cama logo.
GI RO - Quem tu pensa que e ? Tu pensa que me da
ordens? Quem manda aqui sou eu. Sou 0do no dessamerda.
Gramei muito pra ter isso aqui. E sou eu que mando.Trago a cama quando achar que devo. Pensa que eu vou
par mulher aqui pra mandar? Eu sei 0 que fa<;:o.E se tu
falar muito, nao vai ter abajur nenhum.
LENINHA - Tel. Vai ser como tu quer.
GIRO - Assim que tem que ser. Se tu falar sempre assim,
tu tem tudo comigo.
LENI NHA - Da ,0 dinheiro, que eu vou comprar 0 aba jur.
Enquanto isso, tu -traz - a cama pr a ca. Quando eu voltar,
ja arrumo tudo. Ta bem assim?
GIRO - Ta. Vai comprar 0 rnaldito abajur que aquelas
duas vacas quebrar am. (Oa 0 dinheir o.) Traz a nota. Nao
e que desconfie de ti. Longe de mim julgar mal as pessoas.
Mas e que tome nota de tudo que sai.
LENI NHA - Isso vaite fundir a cuca. E melhor ir a olho.
Pra que queimar a mufa? Tudo e teu.
GI RO - Mas se nao tome nota, nunca sei quanto ta indo.
LENI NHA - Ja vou. Nao esquece que na volta quero a
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 18/32
LENINHA - Que Dsvaldo e esse?
GI RD (com dengo.) - Um homem. Ele me ajuda. Faz a
parte pesada. Arrasta m6vel e. . . as vezes...
LENINHA - Te da umas garibadas?
GI RD - Que nada!
LENINH A - Diz pr a mim. Ele e teu gorgota?
GI RD - Nao. E uma pena. Ele e bem bonito. Mas nao
quer saber. Nem de homem, nem de mulher.
LENINHA - E brocha.
GI RD - Uma pena, uma pena. Mas me ajuda bem. As
vezes, 0 mulher io f ica muito assanhado e eu mando ele
botar elas n a linha. Ele gosta de bater . Ele e mau. Se uma
puta cai nas maos dele, sof r e paca. Ele nao tem d6. E forte
e mau. Um tesao.
LENINHA - Mas e brocha. Bern feito!
GIRD - Deus te livre dele ter que te pegar.
LEN I NH A - Vai f azendo ele empurrar cama pra la e pra
ca. Pra mim, ele s6 serve pra isso.
GIRD - As duas que estaoaqui vao saber quem e 0Dsvaldo.
Quebr ar am 0 aba jur e ate agora nao me apareceram com
fr egues. A gente esta aqui esse tempo todo e neca das
duas. Tudo isso e grana que eu estou perdendo. D . Dsvaldo
vai ter servil;o.
LENINHA - Cansei do teu papo. Vou buscar 0 abajur .
Tchi:lU!
(Leninha sai.)
GIRD - No jentinha, nojentinha! Que merda! Que merda!
Que mer da! Sera que nao acerto? S6 vem pra ca puta
tinhosa. E praga. Preciso chamar ur n padre pra benzer essa
dr oga.
(Batem na porta devagar, Giro fica mais bi cha que nunca.)
GI RD - Entra, entra, meu bem.
(Entr a Dilma com um fr egues.)
GIRD - Ja saio ja, querida. Estou s6 acabando de limpar
o quarto.
(Gir o da u ma ar rumada na cama com bastante fr escur a.
Dilma olha com pouco caso. D fregues f ica meio enver -
gonhado.)
GI RD - Pronto! Pronto! Pronto! Prontinho, querida! Ta
tudo lindo. Tchau. Ah, ia esquecendo. Deixa eu fechar a
janela pro pessoal da frente nao ficar xeretando 0amor
de voces.
(Giro, com bastante f rescura, vai ate a boca de cena e puxa
a cortina.)
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 19/32
(Ao abrir 0pano, as tres mulheres estao sentadas. Giro anda
nervosamente de um lado pra outr o. Osvaldo esta parado
junto a porta.)
GI RO - E assim que vai ser. Quem nao quiser, que se
dane! Vai ser assim e pronto. Qualquer filho da puta sabe
que tres rendem rnais que duas. Eu falei, falei, falei, cansei
de falar. Que merda! Que merda! Que merda! Ninguem me
escutou. Se eu tivesse batido caixa com a parede, era a
mesma coisa. Falei a toa. Agora nao adianta chiar o A Leni-
nha ja ta af . A culpa e de quem preferia ficar coc;:ando a
babaca em vez de ir se virar . Nao tenho culpa. Tenho cul-
pa,Osvaldo?
OSVALDO - Nao.
GI RO - Claro que nao. Eu nao matei meu pai a soco. Nao
sustento burro a pao-de-16. E preciso ganhar uma graninha
enquanto posso. Ja nao sou novo. E nao era s6 por mim
que eu falava. A Dilma e uma que precisa. Otaria como
ela s6, tern um filho pra criar. Trouxa! Em vez de se virar,
se virar, se virar, fica entrando nas marolas da Celia.
Qualquer coisinha, ja pifa. Ai, ai, estou cansada. Que mer-
da! Que merda! Que merda! Queria eu ter urna cona. Era
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 20/32
urn miche atras do outro. Mas e sempre assim. Deus da
pao pra quem nao tem dente. Eu, com uma chota, ficava
rico. Que merda! Que merda! Que merda! A Celia s6 sabe
reclamar. Na hora de pegar homem, s6 se escama. Mas eu
quero que se danem! Ou dao duro, ou acabam mal. Vao
ser tres. Tres e mais que do is.
CE;L,IA - A gente vai ficar amontoada aqui dentro.
GI RO - E eu com isso? Preciso adiantar meu lado.
CE;UA - Com 0 couro da gente.
GI RO ..:.. Nao me danei a vida toda pra abrir urn asilo de
puta. Este moc6 custou 0suor da minha cara. Agora, tem
que ,render. E quem nao estiver contente, pode se arrancar.
CE;UA - Eu vou de pinote. Quero que tu enfie essa droga
no rabo.
GI RO - Vai, vai, vail Depois tu vai ver como d6i umasaudade.
CE;UA - Tu pensa que aqui e urn ceu?
GI RO - Pode nao ser. Mas as outras eafetinas nao fazem
pelas meninas nem a meta de do que eu fac;:o. Tu lembra,
Dilma, aquela vez que tu estava com c6liea? Lembra? Que
tu tava ai rolando e gemendo de c6lica? Eu levantei da
minha cama e fui te fazer um chao Lembra? Diz, diz, dizl
Nao te fiz urn cha?
DILMA - Fez.
CE;UA - Grande merda!
GI RO - Grande merda, nao. Fiz. Queria ver qual a dona.de puteiro que faz isso pelas suas meninas. Com elas e na
lenha. Se uma piranha estiver com c61ica, se dane. Nao se
mexem. Eu, m3'o. Levantei da cama e atendi a Dilma.
Nao foi, Dilma?
OILMA - Foi.
GI RO - E nem conto 0frio que estava fazendo. Deixei a
eama quentinha e fiz um cha pra ela. A Leninha nao vai
pensar que estou alegando. Fiz de corflc;:ao. A Dilma sabe.
S6 falo pra refrescar a cuca dessa mal-agradecida. Ela vai
ver 0 que e duro. La fora nao tem Giro.
CE;UA - Nao embroma a menina. Tu cobrou 0chao Pensa
que eu nao sei? Tu cobrou.
GI RO - E tu queria 0que? Que eu gastasse meu dinheiro?Aqui, 6il Ja fiz muito de levantar pra atender ela. Tu, que
e puta como ela, nem se mexeu.
CE;UA .:..- Nem vi ela gemer.
GI RO - Claro, estava bebada como uma vaca. Mas, esquece!
Nao vou falar a toa. Tu e tinhosa. Vai embora. Val se danar por ai.
CE;UA - E ja vou tarde.
GI RO - S6 que antes paga 0 que me deve.CE;UA - Eu te devo porra nenhuma.
GI RO - E 0 abajur que tu quebrou?
(Celia 8 Dilma S8 olham.)
CE;UA - Que abajur?
GI RO - 0 liIas. Que tu quebrou.
CE;UA - Eu, nao.
GI RO - Entao foi a Dilma.01LMA - Eu nao quebrei nada.
CE;UA - Que e isso a il
(Aponta a abajur novo.)
GIRO - E; um abajur novo. Que tive que compr ,ar.
CE;UA - Mas eu nao tenho nada com isso.
01 LMA - Nem eu.
LENINHA - E eu, menos ainda. Quando cheguei, a drogaja estava toda quebrada S6 vi os cacos
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 21/32
01 LMA - Iss o SaD coisas que acontecem. Vai ver que
quebrou sozinho.
GI RO - Ta bern, Oilma. 0 abajur se suicidou. Se jogou
do criado-mudo no chao. Tu quer que eu engula isso? Aqui,
6i! Aqui, 6i! Eu manjo as coisas. A Calia chegou de fogo
e caiu em cima dele. Ta al a hist6ria.
CE LIA - Ja te disse que nao quebrei nada.
GI RO - Entao s6 pode s er a Oilma.
01 LMA - Tu ta cismado.
GI RO - E sempre assim. Quandoaparece coisa errada,
nao e ninguem. Foi a mes ma coisa com 0 escarro cheio
de sangue que apareceu na pia.
01 LMA - Isso foi tu que inventou.
GI RO - A tua tosse escrota tambem a inven~ao minha?
01 LMA - Essa tosse a do cigarro.
GI RO - Que seja. Nao vou me meter na tua vida. Mas tu
que nao se cuide, pra ver . Fica com tanto luxo com teu
filho e acaba levando tuberculose pra ele.
01 LMA - Vira essa boca pra la!
GI RO - Nao es tou agourando. S6 estou te abrindo os
olhos. Se nao quer me escutar, nao a da minha conta. 0 que
a d a minha conta, eu sei cuidar. 0 abajur, eu vou descon-
tar. Um de ti, outro da Celia.
CELIA - Vai descontar dois abajur?
GI RO - Claro. Nao sei quem foi. Oesconto um d e cada.
01 LMA - Tu nao pode fazer isso. Eu nao quebrei nada.
Tu vai descontar uma grana que eu preciso. Tenho 0 meu
filho pra sustentar . Nao posso ficar gastando dinheiro atoa. Eu nao quebrei essa droga. Nao vou pagar pelo que
nao fiz.
GI RO - Entao, quem foil
01 LMA - S6 s ei que eu nao fui.
GI RO - Mas eu nao s ei se foi tu ou nao.
01 LMA - Tu nao pode me descontar.
GI RO - Posso, sim.
01 LMA - Isso a sacanagem.
GI RO - Oiz quem foi.01 LMA - Mas eu nao sei. Vou dizer 0 que?
GIRO - Entao desconto.
01 LMA - Nao pode! Nao pode! Nao pode, Giro!
GIRO - Posso. Posso, sim. Nao posso, Osvaldo?
OSVALOO - Pode e deve descontar.
GI RO - Entao posso. (Pausa.) A nao ser que tu entregue
o servi<;:o.
01 LMA - Nao sou cagueta.
GIRO - Crepe teu.
CELIA - Porco nojento! Tu ha de morrer com cancer na
bunda, filho da puta nojento!
GI RO - Osvaldo, essa vaca ta folgando comigo.
OSVALOO - Se acanha, piranha. Se acanha, ou te dou
um cacete.
GIRO - Calma, Osvaldo! Calma! Calma! Por favor, Osvaldo!
(Pausa longa.)
GIRO - Eu nao quero ser duro. Mas, que posso fazer? Ninguern quer entrar na minha. Eu sou legal. Falei pra
Leninha que gosto das duas. Badalei. Pergunta pra Leninha
se estou mentindo. Fiz 0 cartaz das duas. Eu nao sou de
encaveirar ninguem. Mas, eu gosto de tudo no lugar . Se me
aprontou, me bronqueio. Claro que 0 abajur quebrado
me doeu. Mas, eu me aguento. Me pagam e pronto. Nao
preciso nem saber quem foi. Oesconto das duas. Dois aba-
jures. Assim ate ganho um pouquinho. Pra pagar a aporri-
nha<;:ao.
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 22/32
46 - PUNIO MARCOS
01 LMA - Que fominha que tu e! Vai me descontar e eu
nao tenho nada a ver com isso.
GIRO - Entao me d iz quem foi.
01 LMA - Pelo amor de Deus! Eu nao sei!GIRO - Tu sabe, Celia?
CELIA - Nao. Mas, se soubesse, nao dedava. Se tem uma
cois a que me da nojo, e c agueta. Tenho mais nojo de
cagueta do que de veado.
GI RO - Tel vendo? Nao foi ninguem. Oesconto das duas.
01 LMA - Vai tirar 0 pao do meu filho.
GI RO - Olha, Dilma, pra tu nao dizer que sou sacana-
geiro, tu descobre quem foi e me diz. Oar, pronto, naodesconto mais. Eu sei que quem fez isso fez sem querer.
Mas eu tenho que saber. Se nao, aparece mais coisa que-
brada. 0 Osvaldo queria saber na marra. Nao era, Osvaldo?
OSVALOO - Eu queria apertar as piranhas. Oa( elas se
abriam.
GI RO - Eu nao deixei 0Osvaldo fazer nenhuma maldade.
Mas, esquec;am. Temos um dia intelro pra vira<;ao. Vamos,
Osvaldo. As meninas querem se arrumar.
LENINHA - E 0 len<;ol?
GIRO - Que tem?
LENINHA - Tu nao vai trocar?
GI RO - Esse ta Iimpo.
LENINHA - Nao vem com onda. Tu prometeu que tro-
cava todo dia.
GI RO - Tu e muito cheia de luxo.
LENI NHA - Gosto de limpeza.
LENINHA - Quero um -Iimpo. E tem mais uma coisa. Par
que tu nao me falou desse escarro com sangue que tu
viu? Se t u me fala, nao venho pra ca. Nao quero ficar
com gente podre no quarto.
GI RO - Ah, esquece isso. 0 importante e que tu fature.
Se tu ganha bem, tu po de ate morar em hotel. Se vira.
E a tua sa(da.
LENINHA - Eu s ei 0 que tenho que fazer . Mas e 0 len<;ol?
GI RO - Amanha eu troco. Se tu ~e virar bem hoje.
LENINHA - Essa que e a tua?
GI RO - Preciso ver se tu vai me dar lucro. De repente
tu nao faz nem pra pagar a lavadeira. Vai pra rua e mostra
quemtu e.
LENINHA - Hoje nao v ou me virar .
GI RO - Que te deu na cachola?
LENINHA - Nao e na cachola. E na tabaca.
GI RO - Tci doente?
LENINHA - Tou de paquete.
GI RO - Eu troco 0 len<;ol. Osvaldo, apanha outro len<;ol.
(Osvaldo sai.) Agora tu vai se virar , mPLENINHA - Agora vou.
(Giro sai.)
CELIA - Filho da puta nojento!
01 LMA - Ta venda 0 que tu me arrumou?
CELIA - Se vai ficar chiando, e melhor ir la e me entregar.
01LMA - Nao sou cagueta.
CE LI A - Entao cala 0 bico.
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 23/32
LENINHA - Nao sou de dar engessada.
CELIA - Nao te conheco. .
LENI NHA - Nem e u a ti.
CELIA - Oe uma coisa tu pode ter certeza, nao sou arre-
glada com a bicha.
LENI N HA - E tu acha que eu sou?
CELIA - Na o sei.
LENINHA - Entao se fecha em copas. A unica coisa que
eu ~uero saber a quem ta escar rand o sang ue, quem a a
podre.
CELIA - Ela 81.
01 LMA - Va a merda! Se tem alguam podre aq ui a tu
mesmo. Ve a cor d ela. Olhe como ela a amarela. '
CELIA - Quem tosse a tu.
LE NINHA - Bom, eu n ao quero v er ninguam na minha
cama. Vou com prar alcool e creolina. Cada vez que tiver
q u~ u~ar uma porra daqui, desinf eto tudo. Sei la q uemesta blchad a. V~i ver q ue a as duas.
CEL.lA - Tu a folgada paca.
01 LMA - Bem f az ela de se cuidar .
LENI NHA - Clar o. As duas ja devem ter mil doen<;:as.
CELIA - Traba lhar aq ui nao vai d ar pa.
LENI NHA - Eu s6 q uer o sossego. Fa<;:ouns miches, ganho
o tut~ do r ~ngo e s6. Nem me afobo. Ja v i q ue p osso
chuvelr~r a blcha em qualquer jogada. Ela s6 tem bafo de
boca. ~ tr ouxa. E( s6 podia ser . Veado velho ~ao bate bem, nao sabe de nada.
01 LIVIA- Tu sabe tudo.
LENI NHA - Alguma coisinha eu ~ei. 0 bastante pr a tirar
d e letra os panacas.
CELIA - Que tu ta fazendo na zona?
LENINHA - Me defendendo.
CELIA - Se tu e sabid a, tu devia estar na mara mansa .
LENtNHA - E nao tou? Entrei nessa porque quis. E mole.
Uns dois miches a mais que urn mes de trampo legal. E
aqui nao tem deschavo. Aguentar essa bicha a sopa. Ouro a
ser b aba de f ilho dos outros pra ganhar uma merda. E 0
que a pior e que a gente trabalha, trabalha e to do mundo
acha que a gente e puta. Entao, a ordem e ser puta mesmo.
Mas devagar. 'Sem perereco. Quas-quas-quas nao da camisa
a ninguem.
01 LMA - Tu nunca quis casar, ter filho?
LENINHA - Tenho nojo de homem. Sao uns bostas. Eu
quero e nada. Nao ter satisfac;:ao a dar a ninguem. Ta? E isso
que quero.
OJLMA - Chega num tempo que tu funde a cuca. A gente
tem que ter um tro<;:o pra se agarrar. Eu sei. Se eu nao
tivesse meu filh o, ja tinha feito um monte d e b esteiras.
Eu era desse jeito antes de ter ele. Acho que ate ja tinha
me matado. 56 aguento a virac;:ao pelo meu filho. Vale a pena a dureza que eu encaro por ele. U m dia, eu e ele
mudamos a sorte. Oal, eu vou poder ser gente. Ter gente
por mim.
LENI NHA - Bela merda! Tudo e grupo. As coisas que tu
devia faier tu nao faz. E en gana qu e e p or cau sa do teu
fitho. Eu n ao entro . Tu nao faz p orque n ao e de fazer .
.Quem tem cu tem medo. E tu da a desculpa do filho. Mas
vai botar ele na merda.
CELIA - Gostei. E isso mesmo, Leninha. Essa trouxa eassim mesmo. Eu tou a fim cie estarrar a bicha. 56 que pre-ciso d e u ma d raga. Essa al tem a g rana e nao entra na
minha. Era s6 me emprestar .. Eu comprava a arma e rendia
a bicha. Apagava a desgrac;:ada. Essa porra desse moc6 ficava
nosso. Ela nao topa. Tu topa?
LENtNHA - Neca! Meu neg6cio e outro. Nao quero nada
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 24/32
co m n ad a. Nao q ue ro s er d on a d e moc6 nenhum. E nem
me fale nesses lances.
CEL IA - Po r q ue? Tu e de e ntrega r ?
LENI NHA - Nao. Tenho no jo de cagueta. S6 quero que
cada um trate de s i. A vida de ninguem me interessa.
01 L MA - Tu va i se estour ar .
LENINH A - Que nada!
01 LMA - A gente tem que ser junta. Uma batota s6.
CELI A - Mas pra apagar a bicha.
01 LM A - Nao. Pra juntar grana e comprar u m moc 6.
Sem cafetina , s em d on o, se m mu mu nh a. A gente traba-
Ihando pra gente.
CELIA - Nessa a gente vai levar a vida toda. E mais f ikil
nao co nsegui r n ad a. Ago ra , a ge nt e p od e apagar a bicha etomar isso pra n6s.
01 LMA - Po rra, tu na o tem jeito . Com tua cabreiragem,
t u j a me e ntrutou. Ja vou ter que pagar 0aba jur . E tu nao
ta contente. Nao quero saber de congesta. Tenho meu
f ilho.
CELIA - E va i deixar a bicha te chutar?
01LMA - Que posso fazer?
CELIA - Vamos encarar 0 puto.
01LMA - Se essa encrenca adiantasse. Mas va i ser pior pra
n6s.
C ELIA - Vai, sim. A b icha vai pula r mais. E la agora se
tocou que e mole. Vai engrossar .
0 1 L MA - Ent ao e bo m a ge nte man ei ra r .
LENINHA - No papa se banha a bicha. Nao viu como eu
fizela compr ar aba jur novo, trocar le nc; ol e tu do ? E s6
na leve. Se ela aperta a ge nt e, d iz q ue ta d e paquete. As
tr es. A bicha ve que nao vai ter grana e se arregla. Aposto.
CELIA - Nao e nada disso. E isso!
(Celia agarra um objeto qualque r e at ir a no chao.)
01 LMA - P or q ue tu qu ebr ou essa mer da? Eu que vou
ter q ue pagar. Ja nao chegava 0aba jur?
CELIA - Me ca gue ta .
01LM A - Filha da puta!
CELIA - Me entrega.
01LMA - Nojenta!
LEN I NHA - Que tu ganha com isso?
0 1 L MA - Nad a. Mas eu p er co !
CELIA - Chegou a hora de dar uma decisao com a bicha.
Ou e nt ra m n a minha e a gente eneara 0veado e 0brocha,
ou as duas se arreglam com a biehona. Nao tem mais des-ehavo. Nao q ue ro n inguem fazendo media.
LENI NHA - Eu n ao t o u n em co m a b ic ha, nem contigo.
Tou na minha.
CELIA - Nao pode. Tu v ai v er. P or be m o u p or mal, tu
tern que eseolher .
01 L MA - Eu s6 tou com me u filho. 0 resto nao conta .
. Eu quero que tudo se dane.
CELIA - Nao pode. Se tu ta co m se u fil ho , t u t a co m a
bicha. E teu filho vai ser bicha. Veado. Bunda-mole. Filhode ca dela e bunda-mole. Quando ele crescer, va i querer
saber s6 dele. Vai te dar um peido. Va i eagar pra t i. E isso
que tu vai arranjar . Teu filho va i ser podre que nem tu.
01 LMA - Porca! No jenta! No jenta!
LENINHA - Vou de pinote. A bicha vai ficar uma var a.
Quer o e st ar n a ru a, quando ela se toear .
(Leninha sai.)
01 LMA - Por que tu fez isso, sua f ilha da puta ? Por q ue ?
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 25/32
(Dilma agarra Celia e a esbofeteia. Celia nem reage.)
DI LMA - Tu vai desgracar minha crianca. I: isso que tu
vai fazer. Mas eu te mato. Porca! Nojenta! Eu tou criando
meu filho com todo sacriflcio, nao e pra tu me aprontar.
Sua nojenta!(Oilma bate mais em Celia, depoisa atira longe.)
CELIA - Tu ta com a bicha! Tu e podre! Teu filno vai
sair podre que nem tu. Bicha, que nem 0Giro. Tu ta com
a bicha!
DI L MA - Tu e louca! Louca! Louca!
(Dilma sai e bate a porta. Depois de um tempo, Celia sai.
A cena f ica vazia por umtempo.- Depois, entra Osvaldo
com 0 len901 limpo. Ve os cacos no chao. Pensaum pouco,
em seguida quebra uma POr9aOde coisas. Ri muito doque fez e sai. Luz apaga.)
GIRO - Meu Deus, sera que foi s6 por isso? Mas eu sou
positivo com elas.
OSVALDO - Inveja.
GI RO - Inveja, ne, Osvaldo? Inveja. E isso mesmo. Elas
tem inveja de mim. Sou bicha, mas tenho esse moc6.Ele e meu. Sou 0dono. Eu que mando. Mando. Mando.
E elas tem inveja. Uma puta inveja. Sou veado, mas sempre
tive 0 que essascadelas hunca tiveram. Forca de vontade.
Juntei dinheiro. Juntei. Ju'ntei. E me arrumei na puta da
vida. Nao foi mole. Deus sabe que nao. Tive que aguentar
muito tesao. Isso tive mesmo. Se fosse outro, dava todo
dinheiro por um gosto. Eu, nao. Nao sou trouxa. Me aguen-
tei. Juntei dinheiro e montei essemoc6. E crime isso? See,
que Deus me castigue. S6 fiz 0 bem. Cha pra uma, lencol
limpo pra outra, esqueci as broncas da cadela e tudo. Masaporra da inveja e fogo. Se elas pudessem, me matavam.
Me matavam, Osvaldo. Me matavam. Me matavam. Tu viu
o que elas fizeram com as minhas coisas. Tu viu. Quebraram
tudo. E pra que?
OSVALDO - Pra te aporrinhar.
(Pausa.)
GI RO - Pra me aporrinhar. Eu, que fui sempre legal.
Mas, essasvacas me pagam. Eu mate a filha da puta que
fez isso. Eu mato. Que merda! Que merda! Que merda!
Elas nao quiseram levar papo. Eu quis. Eu s6 quis isso.
Vinha toda a vez que podia aqui. Falava, falava. Nao adian-
tou nada. Quebraram 0abajur. Perdoei. S6 falei em cobrar .
Que merda! Que merda! Que merda! Nao adi~lntou porra
nenhuma. Quebraram tudo. Dei amizade. Recebi coices.
Agora estou cheio. E mato. Mato. Quem fez isso?
OSVALDO - Foram as tres.
GIRO - As tres?
OSVALDO - Era muita coisa quebrada. Uma s6 nao ia
quebrar tanta coisa.
(Luz acende. As mulheres estao de maos e pes amarr ados,
sentadas em cadeiras. Giro anda nervosamente pelo quarto.Osvaldo esta parado, sem expressao alguma no rosto.)
OSVALDO - AI, eu entrei nessa merda e vi tudo que-
brado. Tava escrachado que uma dessasvacas quebrou de
sacanagem. S6 pra te azedar a vida. '
GI RO ~ Tu ja me contou essamerda umas mil vezes. Que
merda! Que merda! Que merda! Por que elas fazem isso?
Me diz, Osvaldo. Eu mereco essa desgraca? Eu sou legal.
S6 queria ajudar essasputas. Ve no que deu? Quebraram
tudo. Pra que isso?
OSVALDO - Pra te encher 0 saco
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 26/32
GI RO - As tres!
OSVALOO - S6 pode ser.
GI RO - Quero saber quem teve a ideia.
OSVALOO - Pra que, porra?
GI RO - Essa e que vai se estrepar. E essa que eu vou
matar; Alguem tern que me contar. Tu, Oilma, me diz.Quem foi que armou esse salseiro? (pausa.) Oiz. Oilminha.
Sou teu amigo. Tu lembra daquela noite que tu estava
g em en do e se t or cen do de c 6l ic a? E u t e f iz u rn c ha o
Levantei da cama com aquele puta frio. S6 pra te atender,
lembra? Nao estou alegando porra nenhuma. Nao sou
nenhum filho da puta. Fiz 0 que fiz de boa vontade. De
cora<;ao. Sou teu amigo. Me diz, Dilma, quem fez essa
merda toda? (Pausa.) Dilma, Oilminha, me escuta, querida.
Eu tenho quase certeza que nao foi tu. Oeve ter side uma
dessas duas. S6 pode ser. Ou a Celia, ou a Leninha. Acho
que foi a Celia. Ela que e tinhosa. Ela que tern raiva de
mim. Ela que teve peito de me encarar um dia. Foi ela.Eu devia ter mandado 0 Osvaldo trambicar essa cadela.
Mas sou born, perdoei. 0 resultado esta al. A va ca me
aprontou. Botou tu e a Leninha contra mim. Quebraram
minhas coisas. Tu tem um filho pra criar . Porra, tu nao ia
entrar em gelada. 'Tu nao ia: Tu tern coisas paca pra perder.
Se tu pega uma invertida, 0 que ia ser do teu filho? Me
conta. Quem ia cuidar dele? 0 asilo? E os gor gotas dos
asHos? Hein? Os fanchonas dos asilos? Os guardas dos asi-
105 sac todos uns papacus. Eu fiquei bicha no asilo. Nao
foi 0 guarda. Foi um garoto grande que me pegou. Gamei.
Vai ser assim com teu filho. Ele vai ser veado. Veado comoeu. L ogo c omo e u, q ue t u t em ra iva , no jo e tu do . Q ue
nem eu, que quero ser teu amigo. Teu filho vai ser veado.
Veado. Porque nao vai ter quem cuide dele. 0 Osvaldo
vai te acabar aqui.
01 LMA - Pelo amor de Deus, acredite, Gir o! Eu nao tenho
nada com essa porra. Nao quebrei nada. S6 quero me virar .
Ganhar dinheir o pra criar meu filho. Nao sei de nad a. N ao
quebr ei. Nao sei quem foi.
GIR O - Sabe. Sabe. Sabe.
01 LMA - Nao sei, Giro. S6 sei do meu filho. Meu neg6cio
e com ele. Eu nao quero me sujar . Eu sou puta, mas sou
limpa. Nunca ia poder encarar meu filho, se entrutasse
alguem. Eu me guardo Iimpa pra um dia eu e ele desfor -rarmos dessa porra. Mas eu e ele. Tem que ser . Sozinho
ninguem eninguem. E de que ia me servir quebrar tuas
bugigangas? Em que essa merda ia adiantar 0 lado do meu
filho? Nao fui eu! Juro por essa luz que me ilumina que
nao fui eu! Pela saude do meu filho! Quero que ele seja 0
veado mais escroto do mundo, se eu estou mentindo.
(pausa.)
GI RO - Eu sei que nao foi tu.
01 LMA - Obrigado, Giro. Obrigado.
GI RO - Tu tem esse teu filho. Mesmo com tod a raivaque tu tern de mim, tu nao ia me sacanear. Tu e bunda-
-mole.
01 LMA - Eu nao tenho raiva deti.
GIRO - Tem. Tanto tern, que nao quer me entregar a
Celia.
01 LMA - Eu nao sei se foi ela.
G I R O - E u s ei.
01 LMA :.-. Entao fala com ela, porra!
GI R O - Acontece que eu quero escutar da tua boca.
01 LM A - Eu n ao se i de n ad a.
GI R O - Que pena que tu e mais amiga dela do que de
mim. Que merda! Que mer d a! Que merda! (Pausa.) OHma,
eu sempre fui legal contigo. A Celia 56 te sacaneia. Tu ta
nessa f ria por causa dela. Teu fitho vai se danar por causa
deta.
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 27/32
(Dilma chora.)
GIRO - Teu filho vai ser veado por causa dela.
01LMA (em prantos.) - Eu nao sei! Nao sei! Se tu diz
que sabe, por que tu quer saber de mim?
GI RO ~ Quero confirmar.
OILMA - Nao sei!
GIRO - Osvaldo, ~ssavaca tem que saber.
(Osvaldo chega perto de- Dilma. Como quem nao quer
nada, er ~.::;osta0 cigarro aceso nela. Dilma grita de dor.)
01LMA - Ai, ai, filho da putal Nojento! Veado! Filho da
puta! Ai, pelo amor de Oeus!
GI RO - Espera, Osvaldo. (pausa.) Quem foi, Oilminha?
01LMA - Nao sei! Juro que nao seil
GI~O - Osvaldo, e contigo mesmo.
01LMA (aterror izada.) - Nao! Nao! Nao!
OSVALOO - Tci apavorada, putana? (Ri.)
01LMA - Nao seil Nao seil Nao seil
(Osvaldo pega ur n alicate e vai apertando 0 seio de Dilma.)
01LMA - Ai, meu filho! Meu filho! Eu sou limpa! Ai, ail
Limpa ... limpa ... ai .. . ai. .. (Desmaia.)
OSVALOO - Ela desabou. Nao aguentou 0 repuxo. (RL )
GIRO '- E tinhosa. Que merda! Que mer da! Que merda!
Tudo por causa do filho. Uma bosta de urn f ilho. Uma
ideia de jerico. Puta com filho. Limpa? Ela e Iimpa. Puta
limpa. Ela e puta, Osvaldo. Igual as outras. Acho que aCelia ameac;:oude matar 0 filho dela, se ela caguetasse.
S6 pode ser isso. Mas a ~eninha nao tern filho. Nao tern
porra nenhuma.
LENINHA - Eu nao sei de na'da.Juro que nao sei. Porr a,
tu sabe que eu nao sei. Tu sabe. Eu, quando cheguei aqui,
ja encontrei a droga desse abajur quebrado. Tava a( que-
brado. Eu ainda lembro. E tu te lembra. Tu nao tinha
visto. Eu que te mostrei os cacos no chao . Jodos quebr ados.
Eu que te falei pra comprar outro. Fui eu, Giro. Eu. Eu.
Eu. Nao quebr ei. Nao· sei quem foi. Juro ewe nao sei. Eu
ate. te acho legal. Tu me arranjou\ as coisas direito. Me
comprou 0abajur. Trocou lenc;:ol.Tu e legal, Giro. Eu nao
te chavequei. Nao fui eu. Nao fui eu. Eu nao sei quem foi.
Tu sabe que eu nao sei. Giro, nao faz onda comigo. Eu naosou cagueta. Tambem sou limpa. Mesmo que eu soubesse,
eu nao dava 0 servic;:o.Nao sou cagueta. Sou limpa. Nao
sei de nada. Nao sei! Nao sei!
GIRO - Ela sabe, Osvaldo.
LENI NHA - Juro! Juro que nao sei!
GIRO - Nao vai apagar ela antes dela contar, Osvaldo.
OSVALOO - Mete ela no cambau. Ela naoaguenta.
LENI NHA - Puta sacanagem,Giro. Tu vai deixar ele fazer
esse papel comigo?Giro, sou tua chapa!
GIRO ~ Quem foil
LENINHA - Nao sei! Ja disse que nao sei!
(Osvaldo comec;;aa montar 0 cambau; pau-de-arara: duas
cadeiras, com um p au no meioJ
LENI NHA - Nao, Giro! Livra minha cara. Meu neg6cio e
tirar uma onda. Nada mais. S6 gosto de ler umas revistas.
Nao entro em batota. Tu sabe. Por ta, Giro! Giro! Tu sabe
que nao fui eu. Tu sabe.
GI RO - Cala essa matraca! (Pausa.) Quem -foil
LENI NHA - Nao sei! Nao sei! Nao seil
GIRO - Mete ela no pau-de-arara!
OSVALOO - Pra j a.
LENI NHA - Nao, Giro! Nao deixa! Nao deixa! Eu nao
sei! Eu nao sei! Gir o, eu nao sou cagueta! Nunca entreguei
. ninguem. Giro, nao fui eu! Nao fui au!
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 28/32
(Leninha se de bate, mas Osvaldo a ar rasta.)
LENI NHA (chorando, d eses per ad a.) - Nao fui eu, Giro!
Pelo amor d e D eus . N ao fui eu! Nao fui! Ai, ai, ai, eu nao
sei d e nad a!
(Ja q uase no cambau, Leninha ber ra.)
LENI NHA - Eu entr ego! Eu entrego!
~Giro segur a 0 br a<;:ode Osvaldo. Os dois ficam esperando.)
LENINHA - Nao' sou cagueta, nao sou. Tu sabe quem foi,
Giro. Pra que tu quer me su jar? Pr a que?
GI RO - Se racha! (Pausa.) Se tu quer se I'ivr ar, se abr e.
(Pausa.) Prefere 0 cam bau?
LENI NHA - Nao!
GI RO - Entao entrega!
(Pausa.)
LENI NHA - Foi a Celia!
(Osvaldo larga Leninha, que cai no chao.)
GI R O - Eu sabia, eu sabia, eu sabia! Foi essa filha da
puta! Foi ela! No jenta desgrac;ada! Vaca miseravel! Tu vai
me pagar. Tu vai me pagar . Su a vaca!
CELIA-' Cag'Ueta' n-ojimta! Tu ta contente ? Ca gue ta!
Puxa-saco sem-vergor iha! Entregad ora! Qu e t u pensa que
vai ganhar com isso? Pensa que livr ou t ua c ara ? Tu vai
continuar na merda. Vai continuar esparr o. Vai se d anar .
Filh a d a p uta! Nojenta!
GI RO - C ai a es sa boca! Tu pensa que eu nao sabia que
era tu a d esgr ac;ad a q ue me sacaneava? T rou xa! Eu estavana campana. S6 quis que ela te d edasse pra todas ficarem
sabendo que nao podem se fiar umas nas outras. Sao todas
vacas.
CELIA - Agora tou me tocand o.
GI RO - S6 q ue agora e tar de.
CELIA - Olha, Giro, eu te pago essas coisas q ue quebrei.
Nem fui eu q ue quebrei tudo. Tu sa be. Tu mesmo q uebr ou
ou mandou quebr ar a maior ia das coisas. Tu sabe disso.
Eu quebrei umas bugigangas. Mas nao ter n nada. Pago tudo.
Nao q uer o mais saber desses neg6cios. Nao adianta mesmo.
Tu livra minha cara e eu te pago. Pago em dobr o.
GI RO - Osvaldo, ela vai acabar me dobr ando.CELIA - Te p ago tres vezes. Quer? Tu f ica com toda
minha grana. Eu nao te apronto mais nenhuma sacanagem:
(Osvaldo vai armand o 0 revolver .)
CELIA - Te pago quatro vezes. Trabalho pra ti. Vou
mud ar. You me virar as baldas. Eu nao sou podre. 0 escarro
com sangue er a d a Dilma. Ela que ta bichada. Tr ambicada.
Ela fica a( falando do filho, das coisas que vem, porque
ta podre, n ao t em p eito de encarar . Ta podre. Se nao
tivesse, ela entrava na m in ha . Ma s e u •. . eu pa go . .. Ju ro
q ue pa go . .. T u po d e cr er ... Osvaldo, segur a as pontas!
Deixa eu falar ... Giro, eu vou te pagar ...
(Osvald o ati ra em ee l i a ate a cab ar a c ar ga do revolver .
Pausa l onga.)
GI RO - Dilma, Leninha, nao fiquem assim, queridas. Nao
seja mau, Osvaldo. Solte as meninas. Eu quero ser ·amigo
delas. Sempre quis. Animo, gente. Que mer da! Que merda!
Que merda! Vai, Osvaldo, vai buscar coisas limpas, Iimpa
to da e ssa droga. (Osvaldo vai said Espera, Osvaldo. Nao
esquece de tir ar a ca ma da Le ninha. Ela vai f icar no lugar
d a Celia. Agor a nao pr ecisa mais da caminha. Uma da.
Vamos, Osvaldo. Se mexe. (Osvaldo sai.) Leninha, Dilma,
reage, gente! Esquec;am tudo. Vamos se virar . A Celia
mereceu. S6 aprontava. Vao pr a r ua. Vao se virar . Na
v ol ta , ni ng ue m m ais se l em br ar a d ela. Juro. Quando
chegarem aqui com fregueses, 0 Osvald o ja limpou tudo.
Vao, me ni nas. A putaria e assim mesmo. Vamos. Eu
vou a pressar 0 Osvald o. A putar ia e assim mesmo. E
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 29/32
assim . mesmo. E assim mesmo. Que merda! Que rnerda!
Que merda!
(Giro sai. Pausa rnuito longa. D ilma, aos poucos, f ica em
pe. Se a jeita como pode. Olha pr a Leni nh a d ur ante urn
longo tempo.)
01 LMA - Eu... eu tenho urn filho. Me agarro nisso. No
rneu filho. Eu preciso. Nao eu. Eu por ele. Talvezeu nernveja 0 t em po b or n. M as p or e le . Va le a pe na . E u vo u.
Vamos.
(pausa.)
LENINHA - Onde vamos?
DILMA - Onde vamos?
LENINHA - Onde vamos?
(pausa longa.)
LENINHA (orando.) - Meu Deus, onde vamos?
Onde vamos?
Onde vamos?
o gada pasta dormindo.
Para 0 poeta, 0 castigo.
Para 0 santo, a forca.
Par a 0 profeta, a cruz.
Para 0condutor, bala.
Onde vamos?
Onde vamos?
Onde vamos?
o jato encurta a distancia.
A solidao aumenta 0 tempo.
Cedo ou tarde, a morte esta a espreita.Onde vamos?
Onde vamos?
Onde vamos?
a her6i ganha medalhas e agonia'.
Nos restos dos festins, os caes co<;:am as pulgas.
Chor am as viuvas.
A lua esta mais perto.
A canalha contente.
Onde vamos?
Onde vamos?
Onde vamos?
as far6is que nos guiam saopalidos.
Onde vamos?
Onde vamos?
Onde vamos?
(Pausa longa. Aos poucos, a luz vai a pagando.)
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 30/32
o autor maldito nasceuem Santos, em 29 de Setembr o
de 1935. Come<;ousua car reira art(stica no Pavilhao Teatro
Liber dade, como palha<;oe ator . Aos 22 anos escreveu sua
primeira pe<;a, " A Barrela", proibida ate hoje. Escreveu
tambem: "Jor nada de um Imbecil ate 0 Entendimento",
"Reportagem de um Tempo Mau", "Quando as Maquinas
Par am", "Dois Perdidos Numa Noite Suja", "Navalha na
Carne", "Homens de Papel", "Balbina de lansa", "Ora<;ao
para um Pe de Chinelo" e "Abajur Lilas". Par a a televisao
escr eveu "Requiem de Tambor im", "Hist6r ia de Suburbio",
"A Noite do Desespero". Para 0 cinema escreveu os ar gu-
mentos de "Nene Bandalho", "Rainha Diaba" e "Nas
Quebr adas do Mundareu", essa Liltima hist6ria em fase
de filmagem. "Dois Perdidos Numa Noite Suja" e "Navalha
na Carne" tambem foram f jlmadas. Alem disso, assina uma
coluna na revista Veja e colabora em var ios jor nais.1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 I I 1 1 I
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 31/32
oeditor a brasiliense soc. an.
'01042 - rua bar iio de itapetininga, 93
sac paulo - brasil
As circunstancias fizer am de " Aba jur lilas" mais do
que uma simples pe<;a, uma bandeir a. Ao de fender sua
liber a<;ao nos palcos nacionais, e a propria liber d ad e d e
expr essao, condi<;ao primeir a da cria<;ao a r tistica, que def en-
demos.
Triste e 0Teatro que se r eduz a ter seus textos lidos,
na impossibilidade de ve-Ios encenados. 0 lugar natur al do
texto te atr al. e 0 palco, onde as per sonagens assumem a
ver dadeir a dimensao quando em conta to c om 0 publico,
at raves dos atores q ue as encarnam. Sem este "teste do
palco" nenhum dramaturgo pode r ealmente avaliar a ef i-
cacia da propria obra, corrigir -Ihe as eventuais f alhas, tentar
uma evolu<;ao. Fica fatal mente condenado a estagna<;ao.
Que dizer de um a utor , ou de toda uma ger a<;ao de
autor es, que se veem pf lulatinamente impedidos de levar a
termo seu tr ab al ho , um a v ez que essa complementa<;ao
essencial - a encena<;ao - Ihes e vedada? 0 q ue pensar ao as
ger a<;oes futur as da dramaturgia de nosso tempo su.focadano nascedouro, quando nao obr igada a r ecorr er a el(pses e
a metaforas inocuas e confusas , pr e<;o que pagam seus
autores par a serem representados?
PI(nio Marcos e daqueles que nao capitulam; com a
obstina<;ao t( pi ca d os q ue tem certeza de sua missao, ele
investe sempr e desassombradamente batendo na mesma
l L
8/10/2019 AbajurLilas.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/abajurlilaspdf 32/32
tecla, desde "Dois per didos numa noite suja". "Reporter de
um tempo mau, que colheu inf or ma90es nos estreitos, escu-
madas e esquisitos caminhos do r 09ado do bom Deus",
tenta desesper ado ha 17 anos "contar a que se passa nas
quebr adas do mundar eu, onde a vento encosta a lixo e as
pr agas botam as avos". E a f az movido pelo mais alto sen-
tido de solidar iedade humana, e com as ar mas de um talento
(mpar . E por isso que, diante da interdi9ao de "0 abajur
lilas", a APe A, entidade que congrega 140 cr (ticos r epr e-
sentantes de 35 or gaos de impr ensa da capital paulistana,
enviou ao Senhor Presidente da Republ ica um apelo que,
entre outr as coisas, afirmava serem as textos de PI(nio
Marcos libelos contr a as injusti9as sociais visando a conscien-
tiza<;;aodas mesmas. "Sentindo-nos co-responsaveis tenta-
r emos, qui<;;a,carr ig i-las, abandonando a posic;::aocomoda e
ego(sta do avestr uz". "Longe de serem um atentado a
mor al e aos bans costumes, suas pe<;;assao bisturi que abre
a cancer e traz a luz as verdadeir as causas da perpetua<;;ao
de situa<;;oesatentator ias a moral e aos bans costumes.Essassitua<;;oesexistem de f ato e nao e escondendo-as que
as sanearemos". Quanta ao autor, condo(do com a situac;::ao
dos desvalidos, retrata-as sem retoque em suas pec;::as:elas
nao podem, por tanto, seragradaveis."0calao da linguagem
de seus personagens e a crueza das situac;::oesque denuncia
s_aotao chocantes quanta a r ealidade que elas espelham.
E mister nao pr oibir obr as como a deste autor , mas ter a
coragem de encena-Ias como remedio amargo que deve
tamar um organismo para manter -se sadio. E essa a via
democr atica, a (mica que per mitira aos nossosartistas dar em
a na<;;aoa contr ibui<;;ao verdadeir a e livre que deles elaesper a."
o manifesto terminava a(, mas eu vou alem: triste e
a par s que tem medo de encar ar de f r ente a realidade
tr iste dos mar ginalizados da sociedade, pr oibindo seus ar -
tistas, aos quais cabe captar a essencia da verdade daquilo
que vivemos, de r evela-Ia ao mundo at r aves de sua·arte!
Se em "Navalha na· carne" / a protagonista chega a
duvidar que e gente - enesse momento a tristeza maior do
mundo invade a plateia -, se no " Aba jur lilas", as protago-
nistas percor rem uma tr ajetor ia da mais abjeta degr ada<;;ao
Hsica e moral - e ao le-Io e a revolta pela existencia dessa
miseria que nos invade, e ainda uma enorme tr isteza -/
creio que e ur gente per guntar a quem de direito: - Por
que a proibi<;;ao da obra de PI(nio Mar cos? Aspect<?seste-ticos a parte - ninguem poe em duvida 0valor artlstlco dos
textos -, qual a logica de escamotear do publico a conheci-
mento de uma verdade que ninguem ignor a?
Creio que a chave desse enigma esta justamente na
r aiz da dr amaturgia do autor : ela mostra como "gente"
aqueles que nor mal mente sac considerados "mar ginais". E
ao r esponder a Nor ma Suely que ela e gente, sim, PI(nio
Mar cos lan<;;aao ar um desaf io imenso a nossa obr iga<;;ao
mor al e c1vica de tr ata-Ia como tal. Isto implica em reava-
lia<;;aode toda uma estrutura social e em compr omisso de
transfor mar essaestr utur a, que ao nosso imediatismo naointeressa questionar , que a nossa inercia comodista de
avestruz nao inter essa abalar , que a nossa covar dia nao
inter essa denunciar. E ainda nos dizemos cr istaos!