a feliz canção da minha vida

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A feliz canção da minha vida A história do poeta e Sindicalista Seu João Ventura Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº 1548 Abril/2014 Ibaretama “Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã”. O verso do poeta Carlos Drummond de Andrade diz muito da vida de um outro poeta que nasceu e ainda trabalha na sua cidade amada, Ibaretama, no Sertão Central do Ceará. O nome da figura ilustre é João Ventura. Seu João Ventura vai completar 79 anos e mais da metade desses anos todos foram e ainda são marcados pela luta sindical. É, são 40 anos em que mal rompe a manhã, e João já está no batente, lutando pelos trabalhadores e trabalhadoras desse país. A disposição e a saúde de ferro vêm do seu trabalho, de poder ajudar as pessoas. Ajudar o próximo é o que seu João mais gosta de fazer, antes mesmo de ser sindicalista já estendia as mãos para segurar quem precisasse. "O meu prazer é o bem-servir, não tenho ganância por dinheiro, não me importo quando é que vai terminar a vida, tenho cuidado com a minha saúde e com a violência que a gente percebe hoje pra não cometer desatinos, não sofrer acidentes que poderiam ser evitados, tenho conseguido com a ajuda de Deus evitar até hoje", conta seu João. A memória jovem e uma vida cheia de histórias fazem de Ventura aquele tipo de pessoa que se pode passar um dia inteiro, dois ou até três conversando, que mesmo assim ainda sobrariam muitos causos para ouvir. Sua luta sindical começou em Quixadá, lá ele foi diretor durante 18 anos (1975-1993) e quando percebeu que o Sindicato já estava bem estruturado, decidiu, com muita garra, fundar o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Ibaretama (STTI) para fortalecer a luta no Sertão. No começo era tudo emprestado, até as cadeiras, e de lá para cá, “somando forças”, construíram a sede. O Sindicato que ajudou a fundar completou 20 anos em 2013 e hoje conta com mais de quatro mil associados. Seu João já foi presidente incontáveis vezes, atualmente é tesoureiro. “Quando eu entrei no movimento sindical as coisas para os trabalhadores era tudo muito mais difícil de que hoje e eu atribuo esse crescimento às pessoas que fazem o movimento sindical do Brasil inteiro. Tanto melhorou aqui como no restante do país e não fosse o movimento sindical não sei como estariam hoje os trabalhadores, porque na hora que o patrão tinha raiva botava pra fora, ficava com as benfeitorias todas pra ele”. Sobre as condições dos trabalhadores, seu João fez uma avaliação em versos em 1980 e gosta de comparar sua poesia com a situação atual. Nesses versos, o poeta retrata a vida do trabalhador rural, do vaqueiro, do pescador, do pedreiro e dos professores: Outra classe sofredora são os nossos professores Por estes interiores eu conheço professora Que pra ser educadora fez curso, enfrentou a sorte E se ensina é por esporte, não pode ser pelo saldo Porque se tomar um caldo fica devendo o transporte Sou João Ventura dos Santos, nascido no Ceará Eu moro em Ibaretama, mas adoro Quixadá Os monólitos são altares do paraíso de Allah João Ventura

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A feliz canção da minha vida A história do poeta e Sindicalista Seu João Ventura

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº 1548

Abril/2014

Ibaretama

“Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã”. O verso do poeta Carlos Drummond de Andrade diz muito da vida de um outro poeta que nasceu e ainda trabalha na sua cidade amada, Ibaretama, no Sertão Central do Ceará. O nome da figura ilustre é João Ventura. Seu João Ventura vai completar 79 anos e mais da metade desses anos todos foram e ainda são marcados pela luta

sindical. É, são 40 anos em que mal rompe a manhã, e João já está no batente, lutando pelos trabalhadores e trabalhadoras desse país. A disposição e a saúde de ferro vêm do seu trabalho, de poder ajudar as pessoas. Ajudar o próximo é o que seu João mais gosta de fazer, antes mesmo de ser sindicalista já estendia as mãos para segurar quem precisasse. "O meu prazer é o bem-servir, não tenho ganância por dinheiro, não me importo quando é que vai terminar a vida, tenho cuidado com a minha saúde e com a violência que a gente percebe hoje pra não cometer desatinos, não sofrer acidentes que poderiam ser evitados, tenho conseguido com a ajuda de Deus evitar até hoje", conta seu João.

A memória jovem e uma vida cheia de histórias fazem de Ventura aquele tipo de pessoa que se pode passar um dia inteiro, dois ou até três conversando, que mesmo assim ainda sobrariam muitos causos para ouvir. Sua luta sindical começou em Quixadá, lá ele foi diretor durante 18 anos (1975-1993) e quando percebeu que o Sindicato já estava bem estruturado, decidiu, com muita garra, fundar o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Ibaretama (STTI) para fortalecer a luta no Sertão. No começo era tudo emprestado, até as cadeiras, e de lá para cá, “somando forças”, construíram a sede. O Sindicato que ajudou a fundar completou 20 anos em 2013 e hoje conta com mais de quatro mil associados. Seu João já foi presidente incontáveis vezes, atualmente é tesoureiro. “Quando eu entrei no movimento sindical as coisas para os trabalhadores era tudo muito mais difícil de que hoje e eu atribuo esse crescimento às pessoas que fazem o movimento sindical do Brasil inteiro. Tanto melhorou aqui como no restante do país e não fosse o movimento sindical não sei como estariam hoje os trabalhadores, porque na hora que o patrão tinha raiva botava pra fora, ficava com as benfeitorias todas pra ele”.

Sobre as condições dos trabalhadores, seu João fez uma avaliação em versos em 1980 e gosta de comparar sua poesia com a situação atual. Nesses versos, o poeta retrata a vida do trabalhador rural, do vaqueiro, do pescador, do pedreiro e dos professores:

Outra classe sofredora são os nossos professoresPor estes interiores eu conheço professora

Que pra ser educadora fez curso, enfrentou a sorteE se ensina é por esporte, não pode ser pelo saldo

Porque se tomar um caldo fica devendo o transporte

Sou João Ventura dos Santos, nascido no CearáEu moro em Ibaretama, mas adoro QuixadáOs monólitos são altares do paraíso de Allah

João Ventura

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Ceará

A maioria dos poemas de Ventura são guardados na memória, poucos são anotados no caderno, pois saem na hora, quando a inspiração bate à porta. Seu João tem cordel publicado sobre água, tem letras suas cantadas no movimento sindical e o seu maior orgulho é ter escrito o hino de sua cidade querida, Ibaretama. Ventura é muito cobrado para publicar um livro de sua poesia e história, mas analisa se o trabalho de reunir seus feitos vai valer a pena, pois acredita que o seu livro será trocado por novelas, pela falta de gosto pela leitura das pessoas. Quando seu João “entendeu como foi o seu início” tratou logo de contar em versos “A tristonha canção de sua vida”, eis uma estrofe do poema:

Fui criança pequena e pobrezinhaMeu pai nem na escola me botou

Minha mãe pelejou mas não logrouArranjar para mim a escolinhaCom seis de idade eu ia e vinha

Com meu pai aprendendo sua lidaQuantas vezes por falta de comida No caminho da roça eu desmaieiAté ela chorou quando eu cantei

A tristonha canção da minha vida

Uma vida de militância, de trabalho braçal, de conquistas. Seu João que foi um “agricultor assíduo” comprou sua primeira bicicleta, um carro e construiu família através da agricultura familiar. “Eu cheguei a ficar sentado numa ruma de feijão da boca da noite até o dia amanhecer, a rede armada e eu não fui pra rede pra poder amanhecer com 40 litros de feijão debulhado e logo correr pro roçado de novo pra apanhar mais e assim continuar pra não deixar faltar nada em casa. Ninguém diga onde eu estiver que a agricultura familiar não vale a pena porque eu tô aí pra provar que criei 10 filhos e eduquei vivendo, trabalhando da agricultura”, relembra o poeta. Ventura já foi casado três vezes e proporcionou aos seus filhos a educação que não teve. "Eu criei uma família decente, que não tem ninguém na droga. Os meus filhos, que são 10, tem uma que é especial, mentalmente, porém os outros todos aprenderam a ler, a escrever e a contar e até mais. Tenho três filhos que se formaram em advocacia, tenho uma filha médica, eu tenho um filho subtenente da Marinha brasileira, um filho oficial de justiça, um filho empresário, com uma papelaria. (...) Tenho filha que foi professora do município e já tá aposentada, é trabalhadora rural e criadora de animais e pescadora, caçadora, caça tatu e peba pra comer quando quer, trabalha no Sertão muito satisfeita”, conta orgulhoso Seu João. Para Ventura, o trabalhador tem que se envolver nas atividades do governo, tem que estar por dentro dos debates, dos conselhos, tem que se informar e correr atrás. Para ele, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) tem ajudado a diminuir a aflição do homem e da mulher do campo. O poeta acredita que a Agroecologia é uma cadeia, quanto mais famílias se envolverem com a agricultura familiar agroecológica, mais gente tomará conhecimento e começará a produzir de forma consciente. E deixa o seu recado: "Eu espero que as pessoas que me sucederem continuem orientando, fazendo tudo para que cada vez mais a gente cuide bem do nosso planeta. Cuidar bem do planeta é cuidar de nós próprios".

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