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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Lilian Della Torre Sousa Cabral A visão do professor sobre o aluno surdo no Ensino Fundamental MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO SÃO PAULO 2016

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Page 1: A visão do professor sobre o aluno surdo no Ensino Fundamental · (Roberto Shinyashiki) À minha mãe, que sempre lutou pela minha felicidade e nunca me deixou desistir dos meus

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

Lilian Della Torre Sousa Cabral

A visão do professor sobre o aluno surdo

no Ensino Fundamental

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO

2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Lilian Della Torre Sousa Cabral

A visão do professor sobre o aluno surdo no Ensino Fundamental

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) para obtenção do título de mestre em Educação: Psicologia da Educação.

Orientadora: Profa. Doutora Luciana Szymanski.

SÃO PAULO

2016

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BANCA EXAMINADORA

___________________________________

Profa. Dra. Luciana Szymanski (Orientadora)

___________________________________

Profa. Dra. Mitsuko Aparecida Makino Antunes (PUC-SP)

___________________________________

Profa. Dra. Marisa Garcia (Instituto Superior de Educação Vera Cruz)

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DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação de mestrado à memória do meu pai,

Luis de Sousa Cabral, que sempre acreditou no meu potencial.

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AGRADECIMENTOS

“Tudo o que um sonho precisa para ser realizado é alguém que acredite que ele possa ser

realizado”.

(Roberto Shinyashiki)

À minha mãe, que sempre lutou pela minha felicidade e nunca me deixou

desistir dos meus sonhos. Ao meu irmão Dimas, que sempre me incentivou a fazer

mestrado.

À minha orientadora, Profa. Dra. Luciana Szymanski, que mesmo com

todas as minhas dificuldades não desistiu de mim e sempre me ajudou a superá-las.

Sem sua força e dedicação, eu não teria conseguido escrever esse trabalho.

À Profa. Dra. Heloisa Szymanski agradeço pelo acolhimento dado desde

o início do curso.

Aos meus professores do mestrado – Profa. Dra. Melania Moroz, Profa.

Dra. Maria Regina Maluf, Profa. Dra. Laurinda Almeida, Profa. Dra. Laurizete

Passos, Prof. Dr. Sérgio Luna e Prof. Dr. Antônio Carlos Ronca – agradeço pelo

incentivo e pelos sábios conselhos que me ajudaram a crescer como pessoa e

profissional da educação.

Às Professoras Dra. Mitsuko Aparecida Makino Antunes e Dra. Daniela

Leal, pelo acolhimento e pelo incentivo dado na qualificação. As sugestões e as

críticas foram fundamentais para a conclusão desta pesquisa.

Às minhas amigas do coração Vanessa, Elaine e Diana, que sempre

estiveram ao meu lado em todos os momentos de alegria e tristeza. Sem vocês eu

não teria conseguido.

Às minhas amigas de mestrado Yara e Elenice, pela amizade que criamos

ao longo desses dois anos de curso.

A todos os amigos e pessoas que conheci na PUC-SP.

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Às professoras que participaram do estudo, muito obrigada pelo carinho e

pela atenção que vocês dedicaram a mim e à minha pesquisa.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela oportunidade de

fazer parte da sua história.

Ao Edson, do Departamento de Educação: Psicologia da Educação, pelo

acolhimento e pela atenção dados a todos os alunos do programa.

À CAPES, pela bolsa de estudo. Sem ela, eu não teria conseguido.

A todos os meus alunos, motivo da minha luta por uma educação melhor.

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Deficiente

“Deficiente” é aquele que não consegue modificar sua vida,

aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade

em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu

destino.

“Louco” é quem não procura ser feliz com o que possui.

“Cego” é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de

fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros

problemas e pequenas dores.

“Surdo” é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo

de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre

apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no

fim do mês.

“Mudo” é aquele que não consegue falar o que sente e se

esconde por trás da máscara da hipocrisia.

“Paralítico” é quem não consegue andar na direção daqueles

que precisam de sua ajuda.

“Diabético” é quem não consegue ser doce.

“Anão” é quem não sabe deixar o amor crescer.

(Mario Quintana)

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RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo investigar o potencial de aprendizado do

aluno surdo no Ensino Fundamental a partir da visão de suas professoras. A

pesquisa é de natureza qualitativa. Procurou-se descrever de forma detalhada a

opinião e as ideias das professoras sobre sua aluna com surdez, seu aprendizado e

a inclusão na sala comum. Para este estudo, foram selecionadas duas professoras

da rede estadual de ensino da cidade de São Paulo. Os critérios utilizados para

seleção das professoras foram: ter mais de cinco anos de experiência profissional e

trabalhar com aluno surdo em sala comum. As duas professoras que participaram do

estudo trabalham na mesma escola estadual, localizada no bairro de Guaianases,

na periferia da cidade de São Paulo. Os dados foram coletados durante o ano letivo

de 2016, através da aplicação de uma entrevista semiestruturada que partiu das

seguintes questões: Como você vê seu aluno com surdez na sala de aula? Como

você vê o aprendizado e o potencial do seu aluno surdo? Como você vê a relação

dele com os demais estudantes? A partir dessas perguntas foram aparecendo, nas

falas das professoras, aspectos relacionados à identidade do aluno surdo, ao

acolhimento dos professores ao aluno com deficiência, ao papel do intérprete de

LIBRAS e à importância do ensino de LIBRAS. Nas falas das professoras ficou

evidente que o aluno com surdez tem a mesma potencialidade de aprender de seus

pares da mesma idade, desde que seja aplicada uma pedagogia adequada. À vista

disso, seria necessário buscar novos caminhos para ação docente, que sejam mais

direcionados para as possibilidades de aprendizado do aluno com deficiência e não

apenas centrados nas dificuldades de aprendizado e de inclusão. Também foi

possível perceber nas falas das professoras os benefícios da inclusão do um aluno

surdo para os demais estudantes da sala, através do aprendizado de LIBRAS e a

convivência com as diferenças.

Palavras-chave: aprendizado; identidade; surdez; inclusão escolar.

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ABSTRACT

This research aimed to investigate the learning potential of deaf students in

Elementary Education from the perspective of their teachers. The research is

qualitative. I tried to describe in detail the views and ideas of the teachers about their

student with deafness, learning and inclusion in the common room. For this study, we

selected two teachers from state schools in the city of São Paulo. The criteria for

selection of the teachers were: more than five years of professional experience and

work with deaf students in the common room. The two teachers in the study work in

the same state school located in Guaianases neighborhood on the outskirts of São

Paulo. Data were collected during the school year 2016, by applying a semi-

structured interview that left the following questions: How do you see your student

with deafness in the classroom? How do you see the learning and the potential of

their deaf student? How do you see his relationship with the other students? From

these questions were appearing in the speech of teachers aspects related to the

identity of the deaf student, the reception of teachers to students with disabilities, the

role of LIBRAS interpreter and the importance of teaching LIBRAS. In speaking of the

teachers it was evident that students with hearing loss has the same potential to

learn from their peers of the same age, provided that an appropriate pedagogy is

applied. In view of this, it would be necessary to seek new avenues for teaching

activities that are more targeted to the student's learning possibilities with disabilities

and not just focusing on the difficulties of learning and inclusion. It was also possible

to see in the statements of the teachers the benefits of inclusion of a deaf student to

the other room the students through the learning LIBRAS and living with differences.

Keywords: learning; identity; deafness; school inclusion.

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Sumário

APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 10

CAPÍTULO 1 – A DEFICIÊNCIA AUDITIVA .............................................................. 18

1.1 – Entendendo o funcionamento do ouvido ....................................................... 19

1.2 – A competência auditiva e os níveis de perda auditiva ................................... 20

1.3 – Principais causas da deficiência auditiva ...................................................... 21

1.4 – Pessoa surda ou com deficiência auditiva? .................................................. 22

CAPÍTULO 2 – IDENTIDADE SURDA ...................................................................... 24

2.1 – Formações da identidade surda .................................................................... 25

2.2 – Contribuições da família na formação da identidade surda .......................... 26

2.3 – As cinco identidades surdas.......................................................................... 28

2.4 – Culturas Surdas ............................................................................................ 30

CAPÍTULO 3 – A EDUCAÇÃO DO SURDO AO LONGO DA HISTÓRIA .................. 32

3.1 – A história dos surdos na Antiguidade Clássica ............................................. 33

3.2 – Surdos na Idade Média ................................................................................. 33

3.3 – Os surdos na Idade Moderna ........................................................................ 34

3.4 – O gestualismo e o oralismo ........................................................................... 37

3.5 – Disputa pedagógica entre as abordagens de ensino de surdos.................... 42

3.6 – A comunicação total ...................................................................................... 45

3.7 – Comunicação bilíngue na educação de surdos............................................. 46

CAPÍTULO 4 – A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL ....................................... 48

4.1 – Breve história da educação dos surdos no Brasil do século XIX ao XXI ....... 49

4.2 – O bilinguismo no Brasil: inclusão do aluno surdo .......................................... 52

4.3 – Mitos e verdades sobre a língua de sinal ...................................................... 54

CAPÍTULO 5 – VYGOTSKI, UM VISIONÁRIO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL ............ 56

5.1 – A vida de Vygotski ......................................................................................... 57

5.2 – A teoria de Vygotski ...................................................................................... 59

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5.3 – Defectologia Tradicional e Defectologia Moderna de Vygotski ..................... 62

5.4 – O ensino do aluno surdo ............................................................................... 69

CAPÍTULO 6 – QUESTÕES METODOLÓGICAS ..................................................... 74

6.1 – Pesquisa ....................................................................................................... 75

6.2 – As etapas da pesquisa: “paquera”, “namoro”, “casamento” e “divorcio” ....... 76

6.3 – Pesquisa qualitativa ...................................................................................... 77

6.4 – Formulações da questão de pesquisa .......................................................... 78

6.5 – Procedimentos .............................................................................................. 79

6.5.1 – Entrevista ................................................................................................ 79

6.5.2 – Critérios de seleção para a entrevista ..................................................... 81

6.5.3 – Caracterização do bairro, da escola e dos professores entrevistados .... 82

6.6 – Coletando os dados ...................................................................................... 86

6.7 – Síntese das entrevistas ................................................................................. 88

6.7.1 – Entrevista com a professora Luana ......................................................... 88

6.7.2 – Entrevista com a professora Leandra ...................................................... 89

CAPÍTULO 7 – A VISÃO DAS PROFESSORAS SOBRE A ALUNA COM SURDEZ 91

7.1 – Um início de conversa ................................................................................... 92

7.2 – Conhecendo Vera através do olhar das professoras .................................... 94

7.3 – Como foi a experiência de ter uma aluna com surdez: ................................. 96

facilidades e dificuldades encontradas pelas professoras ..................................... 96

7.4 – A visão das professoras: o aprendizado da aluna com surdez ................... 101

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 104

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 110

Anexo A: Termo de Consentimento (professoras) .................................................. 115

Anexo B: Carta de Apresentação à Escola ............................................................. 116

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APRESENTAÇÃO

Albert Fischer1, “Gebärden im tiefen blau”.

Nasci em tempos rudes, aceitei contradições lutas e pedras como lições

de vida e delas me sirvo, aprendi a viver.

Cora Coralina

1 Albert Fischer, artista surdo alemão. Fonte da imagem: <https://culturasurda.net/2014/12/22/albert-fischer/>. Acesso em 07 jun. 2016.

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Esta dissertação de mestrado tem uma relação direta com minha história

de vida. Ela nasceu da minha inquietação com a questão da deficiência auditiva, me

levando a tentar demonstrar de alguma maneira os potenciais de aprendizado do

aluno com deficiência auditiva.

Vou dividir com vocês um pouco da minha história: nasci em 1985 na

cidade de Ferraz de Vasconcelos no estado de São Paulo. Fui a segunda filha de

uma família bastante humilde, minha mãe era costureira e meu pai um pequeno

comerciante de Suzano. Como filha caçula, fui bastante mimada por meus pais, que

não viam nenhum defeito em mim.

Diferente do meu irmão mais velho, eu apresentava uma grande

dificuldade para aprender a falar. Minha mãe logo se inquietou com meu

desenvolvimento da fala. Lembro que minha mãe ficava horas comigo tentando

corrigir meus erros de fala. Meu pai, vendo a preocupação da minha mãe, sempre

dizia que “isso era normal” ou “meu irmão era assim”.

Com cinco anos de idade, minha fala era incompreensível e meu irmão

fazia o papel de meu intérprete, traduzia o que eu falava para as outras pessoas que

não eram da família. Minha mãe já havia começado a procurar uma orientação

médica para mim. Uma pediatra do posto de saúde, assim como meu pai, pensava

que o problema na minha fala fosse manha e que eu iria consertar a fala quando

entrasse na escola, pela vergonha de falar errado.

Nesse período da minha vida, meu amado pai ficou doente e minha mãe

teve que voltar a trabalhar fora para sustentar a família. Com meu pai seriamente

doente e com minha mãe trabalhando o dia inteiro para sustentar a casa e comprar

os medicamentos, ela não tinha mais tempo para treinar e corrigir minha fala.

Foram tempos difíceis para minha mãe que, sempre sorrindo, me

abraçava forte e dizia que tudo iria ficaria bem quando eu chorava por causa do meu

pai e também por causa da minha voz, que era motivo de piada na escolinha.

Quando entrei na primeira série, minha fala ainda apresentava vários

problemas de pronuncia e eu tinha dificuldades para diferenciar sons como “T e D” e

“J, Z e S”. Lembro-me da professora Patrícia2 me colocando para sentar na última

2 Nome fictício da professora da primeira série.

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cadeira da fileira, porque queria organizar a sala em ordem de chamada. No fundo,

eu não conseguia ouvir a professora e muito menos responder a chamada. A

professora, em vez de me colocar mais na frente, preferia me chamar de “desatenta”

ou dizer “que não a escutava porque vivia no mundo da Lua”. As outras crianças

riam de mim por causa disso. Tinha uma amiguinha que me cutucava quando

chegava meu número, assim a professora deixou de chamar minha atenção.

Tinha muito medo dessa professora. Uma vez, tomei coragem e fui até a

mesa dela perguntar como se escrevia “jiboia”. A professora, não compreendendo

minha fala, me olhou com um olhar gelado e gritou: “Lilian, volte para seu lugar”.

Abaixei a cabeça com vergonha e sentei. Lembro que nunca mais lhe perguntei

nada. Numa reunião de pais, ela disse ao meu pai que suspeitava que eu tivesse

atraso mental ou deficiência motora. Quando minha mãe chegou do serviço e meu

pai contou o que a professora havia falado, a reação da minha mãe foi chorar. Não

compreendia o significado das palavras da professora, mas sabia que elas haviam

machucado a minha mãe, e me senti culpada por ser assim.

No final do ano, mesmo sem saber ler e escrever, fui promovida para a

série seguinte, ou melhor, para a “sala dos fracos”, onde as crianças com

dificuldades ou com deficiências eram “depositadas”. Uso a palavra “depositadas” no

sentido de que éramos literalmente abandonadas à própria sorte numa sala sem

nenhum preparo pedagógico por sermos tachados de “limitados” ou “sem

capacidade”, cujas únicas atividades que contemplavam nossas habilidades eram

colorir ou fazer colagem. Da “sala dos fracos” a escola me encaminhou para uma

consulta com uma fonoaudióloga no Tatuapé. Minha mãe se encheu de alegria e até

perdeu o emprego para me levar na consulta.

Chegando lá, as esperanças da minha mãe terminaram, pois a clínica era

particular e não pública, como pensava. Vendo que não teria condições financeiras

para me ajudar, minha mãe começou a chorar. A fonoaudióloga, que era uma

mulher de uns quarenta anos, vendo o desespero daquela jovem mãe, explicou para

ela um jeito para amenizar os problemas da minha fala. Ela mandou minha mãe

colocar minha mão embaixo de seu queixo para sentir a trepidação das palavras,

assim eu aprenderia a pronunciá-las. Ela também explicou à minha mãe que, em

alguns casos, o atraso ou a dificuldade da criança no falar pode ter relação com

problemas auditivos. Minha mãe até tentou me encaminhar para o

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otorrinolaringologista, mas nunca conseguiu marcar essa consulta no SUS (Sistema

Único de Saúde).

Vendo o desespero e as lágrimas da minha mãe, me empenhei ao

máximo para falar mais corretamente. Eu ficava horas na frente do espelho

treinando os movimentos da boca para pronunciar as palavras. Às vezes, eu não

precisava falar errado para alguém cismar com minha fala, o tom da minha voz é

diferente e sempre tinha alguém para me pôr para baixo, imitando o som da minha

voz ou dizendo que eu falo chorando, entre outras coisas. Meu pai tinha me

ensinado uma boa desculpa para enfrentar essas pessoas, que consistia em dizer

que eu tinha sotaque português. Isso dava certo porque realmente meu pai era

português e tinha um sotaque forte.

No final daquele ano, fui reprovada e minha família se mudou para Santa

Catarina. Lá, finalmente encontrei professoras maravilhosas. Lembro com saudades

e admiração das minhas queridas professoras: Ivone e Maria (segunda série),

Miriam (terceiro ano), Conceição (quarta série) e minha amada professora Anísia, de

português e inglês. O carinho e a atenção que essas professoras dedicavam a mim

me davam força para enfrentar meus medos de falar e, além de tudo, eram amigas

que me alegravam quando eu estava triste por causa dos problemas de saúde do

meu pai. Decidi ser professora por causa da minha querida professora Anísia, que

sempre acreditou no meu potencial, via algo especial em mim além dos meus

defeitos e limitações.

Minha família voltou para São Paulo no ano 2000. Terminei o ensino

médio com boas notas, fui considerada a melhor aluna da sala. Em 2007, entrei na

Universidade para fazer Geografia, e outra vez fui uma das melhores alunas da sala.

Em 2010, realizei um grande sonho: passei num concurso no estado de São Paulo

e, durante os exames admissionais de audiometria tonal e vocal foi confirmado que

tinha uma perda auditiva nos dois ouvidos (moderada no direito e leve no esquerdo)

e, por causa disso, tive de enfrentar duas perícias médicas bastante criteriosas para

concluir a minha efetivação no cargo público.

Minha mãe às vezes se culpa por eu “não ter a audição perfeita”. Na

verdade, acredito que nada em nossas vidas acontece por acaso, isso me levou a

querer lutar pelos direitos das pessoas com deficiência auditiva ou surdez, para que

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as pessoas não se envergonhem ou tentem esconder uma condição que não é

valorizada pela sociedade, para que possam ser valorizadas pelo que apresentam, e

não pelo que não têm3.

A minha trajetória de vida me ensinou que, por mais densas que pareçam

as nuvens no céu, o sol sempre voltará a brilhar, e que não devemos compreender

as pessoas a partir da perspectiva da deficiência ou do que lhes falta, é preciso ver

além das nuvens para perceber o que está oculto, que é o potencial de cada um. Em

outras palavras, independentemente de nossa deficiência ou história de vida, nós

temos a capacidade de escrever nossa história e alcançar nossos sonhos.

Hoje sou professora de Geografia e consegui entrar no mestrado de uma

das melhores universidades do Brasil. Devo tudo isso à minha família e às minhas

queridas professoras que sempre acreditaram no meu potencial.

Por esta trajetória que acabo de apresentar, tenho profundo interesse em

estudar a visão do professor sobre seu aluno com surdez no ensino regular e sobre

a potencialidade de aprendizado desse aluno. Cada linha desta dissertação também

representou, para mim, uma caminhada em busca do autoconhecimento sobre

minha deficiência. Durante muito tempo em minha vida neguei ferozmente o fato de

que não escutava bem. Isso quase me levou a um ostracismo social, porque não

aceitava essa limitação física e me recusava a procurar assistência médica e

psicológica.

Como explica Vygotski (1997), a deficiência é algo secundário para o

indivíduo que a sente primeiramente pelo âmbito social. Eu tinha muito medo do que

as pessoas pensariam se soubessem do meu segredo, que não escutava bem.

Quantas vezes na minha vida eu conversei com meus amigos sem entender o que

eles diziam, evitava ao máximo dizer a frase “por favor, repita outra vez, eu não

entendi”, por medo de que alguém descobrir a minha deficiência auditiva e me

julgasse por isso.

3 Minha deficiência auditiva sempre foi meu segredo mais profundo e tive muita dificuldade em aceitá-la. Normalmente, quando alguém percebia que eu não ouvia bem, arranjava desculpas como: “é uma gripe forte que tive que entupiu meu ouvido” ou “não estava prestando atenção”. O que mais me chateava, quando eu dizia a alguém que não escutava bem, era a frase: “Nossa, Lilian, tenho pena de você”. Como se ter deficiência auditiva fosse fator de impossibilidade de viver.

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Entretanto, mesmo com esse receio decorrente da minha limitação

auditiva, sempre consegui superar várias barreiras impostas pela sociedade e até

algumas barreiras imposta por mim mesma. Segundo Vygotski (1997), a criança com

deficiência tem uma capacidade de aprender igual à da criança sem deficiência.

Logo, o desenvolvimento se dá por outro caminho, que pode ou não terminar em

êxito. Minha deficiência auditiva não foi determinante para minha vida, mas as

pessoas que atuaram em minha vida, sim: meus pais, familiares, professores,

amigos e meus queridos alunos. A educação do aluno com surdez ou com

deficiência auditiva, segundo a teoria de Vygotski (1997), deveria se dar no meio

comum, na escola comum, integrando crianças surdas ou com deficiência auditiva

junto a seus pares da mesma idade. O contato com o outro é muito importante para

a criação de forças que levem à superação das limitações sociais geradas pela

deficiência.

Para a psicologia histórico-cultural, o homem não deve ser entendido

como mero resultado das forças do meio e sim como resultado de sua historicidade,

construída através do contato com outros seres humanos (BARROCO, 2007). Sendo

assim, a esfera social é um dos elementos determinantes para a formação da

personalidade e das funções superiores nas crianças com e sem deficiência.

Quando eu estudava numa sala segregada “para crianças com dificuldade”, na

segunda série do primário, meu desempenho escolar diminuiu bastante, porque me

sentia excluída do grupo. Esse sentimento não era só meu, mas também dos

demais alunos dessa sala, que eram chamados de “alunos fracos” ou de “alunos

com pouco potencial de aprendizado”.

Para Vygotski (1997), nenhum aluno pode ser considerado um caso

perdido. Assim sendo, não se deve fazer um julgamento prévio do potencial de

aprendizado do aluno com base apenas em suas dificuldades ou deficiências

orgânicas. Para ele, toda criança tem a capacidade de aprender e é preciso apenas

a aplicação da pedagogia adequada.

A pedagogia adequada seria a do professor que conhece seu aluno, seus

interesses, suas dificuldades e suas potencialidades. À vista disso, o professor

deveria direcionar o olhar não para aquilo que o aluno não pode, mas para aquilo

que o aluno pode ser com sua ajuda e dedicação. No meu caso, quando encontrei

professoras interessadas e dedicadas à minha causa, consegui aprender a ler e a

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escrever, e o estímulo dado por elas me fez acreditar que eu tinha potencial e

poderia ir muito além das minhas limitações físicas. Esse é o processo de

compensação social da deficiência que ocorre mediado pela ação do outro: pais,

professores, amigos etc.

Como sabemos, o professor, na pedagogia vigotskiana, ocupa um lugar

privilegiado, sendo considerado um agente transformador na vida e na formação

cognitiva de seus alunos. Por essa razão decidi investigar a visão desses

profissionais sobre seus alunos com surdez, partindo de alguns questionamentos:

Como você vê seu aluno com surdez na sala de aula? Como você vê o aprendizado

e o potencial desse aluno na sala de aula? Como você vê a relação dele com os

demais alunos?

A partir dessas questões foi possível capturar as impressões e as ideias

que as professoras tinham sobre sua aluna com surdez. E outras questões foram

surgindo, como a questão da identidade surda, a aceitação ou a negação da

deficiência por parte do aluno e da família, a função do intérprete de LIBRAS como

facilitador do processo de inclusão, a importância do ensino de LIBRAS e seus

benefícios para todos os alunos.

Para que todos entendam as particularidades desses temas, levantados

pelas professoras, o estudo apresenta a seguinte estrutura:

O primeiro capítulo, “A deficiência auditiva”, é destinado ao entendimento

da deficiência auditiva. É discutida também a questão da diferença entre os termos

“deficiente auditivo” e “surdo”, mostrando que essa classificação ultrapassa os

termos médicos e envolve questões de pertencimento ao “mundo surdo” ou ao

“mundo ouvinte”.

No segundo capítulo, “A identidade surda”, são discutidas questões sobre

a existência ou não de uma identidade surda, com base em alguns estudiosos sobre

essa temática, como Skliar (2015), Perlin (2015), Costa (2010) e Dorziat (2009),

entre outros. Nesse capítulo, apresentaremos o conceito de múltiplas identidades

surdas, de Perlin (2015): Identidade surda, Identidade surda híbrida, Identidade

surda de transição, Identidade surda incompleta e Identidade surda flutuante.

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No terceiro capítulo, “A educação do surdo ao longo da história”, procuro

descrever a história da educação de surdos ao longo do tempo e as principais

abordagens utilizadas (oralismo, gestualismo, comunicação total e bilinguismo).

Na sequência, o quarto capítulo, “A educação de surdos no Brasil”, é

destinado à história da educação de surdos no Brasil do período imperial até o

período republicano, tratando de temas como a importância do aprendizado de

LIBRAS na educação de surdos no Brasil.

No quinto capítulo é apresentado o conceito de Vygotski sobre a

compensação social da deficiência e os princípios da Defectologia Soviética na

educação de crianças com deficiência.

O sexto capítulo é destinado às questões de cunho metodológico

utilizadas para a realização deste estudo, baseadas em Goldenberg (2004),

Szymanski (2011), Triviños (1987) e Godoy (1995).

No capítulo sete são apresentados os dados e a análise dos dados

coletados por meio de entrevistas gravadas com duas professoras da rede estadual

de ensino de São Paulo. Por último, é apresentada a conclusão desse estudo, em

que é possível perceber o encontro – ou o desencontro – das visões das professoras

sob a luz da teoria de Vygotski.

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CAPÍTULO 1 – A DEFICIÊNCIA AUDITIVA

Jamaluddin Ansari4, “Born Deaf”.

4 Jamaluddin Ansari, artista plástico indiano surdo. Fonte da imagem: <https://culturasurda.net/ 2014/09/02/jamaluddin-ansari/>. Acesso em: 23 fev. 2016.

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1.1 – Entendendo o funcionamento do ouvido

Para se entender a perda auditiva torna-se necessário compreender a

anatomia e o funcionamento do ouvido5. O ouvido é dividido em três partes:ouvido

externo, ouvido médio e ouvido interno.

Fonte da imagem: <http://www.medicinageriatrica.com.br/2007/06/17/anatomia-do-ouvido-humano/>.

● ouvido externo é formado pelo pavilhão auricular (orelha) e pelo canal

auditivo (canal auditivo externo). O pavilhão auricular tem a função de

coletar e encaminhar o som para dentro do canal auditivo. O canal

auditivo externo tem a função de direcionar o som para o ouvido.

● ouvido médio é formado pelo tímpano (membrana timpânica) e pelo

conjunto de três ossos (ossículos): martelo, bigorna e estribo. O tímpano

(membrana timpânica) tem a função de transformar sons em vibrações. Já

martelo, bigorna e estribo têm a função de transferir as vibrações para o

ouvido interno.

● ouvido interno (cóclea) contém líquido e “células ciliadas”

extremamente sensíveis que se movem quando estimuladas por

vibrações sonoras. O aparelho vestibular contém células que são

responsáveis por controlar o equilíbrio. Por último, encontramos o nervo

auditivo que tem a importante função de enviar sinais da cóclea ao

cérebro.

5 Estas informações sobre o funcionamento do ouvido foram extraídas do site: <http://www.medel.com/br/anatomy-of-the-ear/>. Acesso em: 22 dez. de 2015.

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1.2 – A competência auditiva e os níveis de perda auditiva

De acordo com Fernandes (1990), a audição normalmente é medida entre

as frequências de 250 a 8.000 Hertz (Hz)6 e os limites de amplitude de 0 a 110

decibéis (dB)7.

Dependendo do grau, a perda auditiva pode ser classificada em:

Limites normais: 10 a 26 dB;

Perda leve: 26 a 40 dB;

Perda moderada: 41 a 55 dB;

Perda moderadamente severa: 56 a 70 dB;

Perda severa: 71 a 90 dB;

Perda profunda: acima de 90 dB.

De acordo com Costa (2010) e Fernandes (1990), a perda da audição

acarreta para o indivíduo uma perda significativa da qualidade de vida. Elas relatam

que muitas pessoas com deficiência auditiva acabam desenvolvendo baixa

autoestima ou diminuindo seu convívio social devido à perda da audição, que muitas

vezes é percebida pela perda da qualidade da fala do indivíduo.

A seguir, veremos as consequências que os níveis de perda auditiva

acarretam para a comunicação do sujeito:

● Surdez leve: impede a percepção perfeita de todos os fonemas das

palavras, mas geralmente não impede o desenvolvimento normal da fala.

● Surdez moderada: esse limite encontra-se na percepção clara das

palavras, o indivíduo encontra dificuldade em manter um diálogo por

telefone e costuma ter atraso no desenvolvimento da linguagem.

● Surdez acentuada: o indivíduo apresenta dificuldades na percepção

das palavras, necessitando de um som mais alto de voz, sente

dificuldades de manter uma conversa com mais de uma pessoa falando

6 O hertz (símbolo Hz) é a unidade de medida derivada do SI para frequência, a qual expressa, em termos de ciclos por segundo, a frequência de um evento periódico, oscilações (vibrações) ou

rotações por segundo ( −1 ou ). Um dos seus principais usos é descrever ondas senoidais, como as de rádio ou sonoras.

7 O decibel (abrevia-se dB) é a unidade usada para medir a intensidade de um som.

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ao seu redor. Tem dificuldades em diferenciar palavras com sons

semelhantes como rato e gato. A criança com esse nível de perda

auditiva necessita de tratamento médico e fonoaudiólogo para não

comprometer seu desenvolvimento escolar e social.

● Surdez severa: nesse tipo de perda auditiva o indivíduo será capaz de

perceber sons fortes como de caminhão ou avião. Sua aprendizagem

deverá contemplar os recursos visuais, porque ele encontrará uma grande

dificuldade de entender a voz humana. É necessário o acompanhamento

médico e fonoaudiólogo para aquisição de linguagem oral e uso de

prótese auditiva.

● Surdez profunda: a perda da qualidade auditiva é grave, impedido, em

alguns casos, o desenvolvimento da linguagem oral. A pessoa que tem

esse nível de perda auditiva consegue perceber sons graves como um

trovão, por exemplo. Torna-se necessário que aprenda a linguagem de

sinais.

● Anacusia: é a falta total de audição ou, como a comunidade surda

denomina, o verdadeiro surdo.

1.3 – Principais causas da deficiência auditiva

A deficiência auditiva pode ser congênita, quando o indivíduo nasce com

a deficiência. As principais causas são fatores hereditários ou fatores que afetaram a

mãe durante a gestação e que podem ser relacionados à deficiência auditiva da

criança como: viroses maternas (rubéola e sarampo), doenças como sífilis,

citomegalovírus e toxoplasmose, entre outras. A ingestão de determinados

medicamentos durante o período de gestação pode lesar o nervo auditivo do feto.

A deficiência auditiva também pode ser adquirida em qualquer etapa da

vida de uma pessoa. Normalmente, as formas mais comuns de se desenvolver uma

deficiência auditiva estão relacionadas a: predisposição genética (otosclerose),

meningite, exposição a sons impactantes, processos infecciosos (principalmente na

infância) e intoxicações por medicamentos, entre outras. A deficiência auditiva,

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congênita ou adquirida, pode ser classificada em quatro tipos, conforme suas

características:

a. Deficiência de condução: resultado de alterações do ouvido médio ou externo que consistem na dificuldade ou impedimento da passagem nas vibrações sonoras para o ouvido interno. Casos de surdez ou hipoacusia são, muitas vezes, provocados por processos de obstrução tubária causada por fatores mecânicos ou inflamatórios, otites agudas, bem como malformação do pavilhão da orelha, do meato auditivo ou dos ossículos auriculares da orelha média;

b. Deficiência sensório-neural: origina-se no ouvido interno, no órgão de Corti e nervo auditivo. É também chamada surdez de percepção, nervosa ou de ouvido interno. É causada por doenças ou malformações de origem hereditária. Este tipo de deficiência pode ser provocado, também, por fatores tóxicos, traumas ou exposições do ouvido à poluição sonora;

c. Deficiência mista: apresenta lesões ou alterações dos ouvidos médio e interno associadas;

d. Deficiência central: causada pela disfunção ou mau desenvolvimento das vias auditivas do sistema nervoso central (FERNANDES, 1990, pp. 29-30).

1.4 – Pessoa surda ou com deficiência auditiva?

De acordo com Bisol e Valentini (2011), a utilização de qualquer um dos

termos vai depender em grande parte da perspectiva de análise utilizada pelo

pesquisador. Do ponto de vista orgânico, relacionado à capacidade auditiva de

perceber sons, é designado surdo ou deficiente auditivo o indivíduo que apresentar

perda auditiva em grau leve, moderado, severo ou profundo, em um ou em ambos

os ouvidos.

Para Fernandes (1990), deve-se utilizar a definição aprovada pela

Sociedade Otológica Americana, em 1940, para diferenciar adequadamente a

distinção entre surdez e deficiência auditiva:

(...) surdo é o indivíduo cuja audição não é funcional na vida comum; hipoacúsico (duro de ouvido) é aquele cuja audição, ainda que deficiente, é funcional com ou sem prótese auditiva (FERNANDES, 1990, p. 26).

A questão da definição dos termos “surdo” ou “pessoa com deficiência

auditiva” também envolve aspectos culturais e identitários de pertencimento a um

grupo social, ou seja, mundo ouvinte ou mundo não ouvinte. Para a comunidade

surda, o sujeito surdo seria aquele que nasceu assim e, portanto, não possui

nenhuma deficiência. E as pessoas que, por algum motivo, adquiriram uma perda da

qualidade auditiva não pertencem à comunidade surda, sendo consideradas

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pessoas com deficiência auditiva (COSTA, 2010; DORZIAT, 2009; BISOL e

VALENTINI, 2011).

Sendo assim, as terminologias “surdo” e “deficiente auditivo” envolvem

aspectos que ultrapassam a questão orgânica da perda da audição. Ser surdo seria

uma forma diferente de ser e estar no mundo e não uma deficiência.

Não se trata, portanto, de uma simples nomenclatura. Esta diferenciação permite compreender, por exemplo, que um surdo não passa despercebido em uma sala de aula ou em um local de trabalho, pois utiliza as mãos para se expressar em uma língua gestual-visual e poderá se utilizar da mediação de um intérprete de língua de sinais. A situação do deficiente auditivo é outra: ele será percebido pelos demais quando se nota a presença de uma prótese auditiva ou se percebe alguma dificuldade (geralmente pequena) de fala. É comum que o deficiente auditivo se esforce muito para que sua dificuldade não seja percebida. A perda auditiva causa desconforto e é muitas vezes motivo de discriminação e preconceito (BISOL e VALENTINI, 2011, p. 2).

Para Dorziat (2009) e Skliar (2015), a pessoa com surdez, ao longo de

sua vida, cria uma identidade única que a diferencia dos ouvintes. Esse fato, em

grande parte, é decorrente da pouca relação de comunicação que as pessoas com

surdez têm com as pessoas ouvintes. A pessoa com surdez acaba sendo submetida

a um isolamento social provocado, em grande parte, pelo pequeno número de

indivíduos na sociedade que sabem se comunicar por meio da linguagem de sinal.

Até em algumas famílias que têm um filho com surdez percebe-se, segundo esses

autores, uma grande dificuldade de comunicação que acaba, em alguns casos,

afetando o relacionamento familiar. Em meio ao isolamento social causado pela falta

ou pela dificuldade de comunicação com pessoas ouvintes, os surdos acabam

buscando apoio em outras pessoas com surdez. As comunidades surdas

representam para esses indivíduos locais de socialização, de amizades, estudos, e

acolhimento entre seus pares também surdos (SKLIAR, 2015).

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CAPÍTULO 2 – IDENTIDADE SURDA

Mary Rappazzo8, “The inner circle”

8 Mary Rappazzo, artista surda estadunidense que procura, através de sua arte, transmitir os sentimentos de ser surdo. Disponível em: <https://culturasurda.net/2012/05/08/mary-rappazzo/>. Acesso em: 17 fev. 2016.

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2.1 – Formações da identidade surda

Neste capítulo, pretendo tratar, de maneira sucinta, da questão da

identidade surda e de sua construção histórica e política. Para muitos autores, como

Skliar (2015), Dorziat (2009) e Perlin (2015), a identidade surda, como qualquer

outro tipo de identidade, sofre a ação da coesão do meio social, político, econômico

e cultural.

A partir da constatação de que as identidades constroem-se no e pelo discurso, em lugares históricos, institucionais e específicos, em formações prático-discursivas determinadas e por estratégias enunciativas precisas, é possível dar-se início a um processo de desvendamento das sinuosidades do poder, ocultos na sociedade, levantando-se a possibilidade de reflexão sobre as ambiguidades existentes entre o ser, evocadas muitas vezes pela identidade, e o não ser, geralmente lembrado para enunciar o outro (DORZIAT, 2009, p. 19).

Em outras palavras, o conceito de identidade refere-se a algo dinâmico,

que se encontra em constante transformação e renovação de acordo com as

experiências do indivíduo com seu meio social, familiar, educativo, religioso,

econômico, político etc. Para autores como Skliar (2015), a identidade surda nasce a

partir de suas experiências de apreensão da realidade através do sentido da visão e

de outros órgãos sensitivos: tato, paladar e olfato. Para ele, ser surdo é viver num

mundo de experiências visuais, diferente do mundo do som dos ouvintes:

(...) a surdez constitui uma diferença a ser politicamente reconhecida; a surdez é uma experiência visual; a surdez é uma identidade múltipla ou multifacetada (SKLIAR, 2015, p.11).

A construção da identidade surda nem sempre nasce da aceitação dessa

realidade diferenciada dos ouvintes. Ela pode nascer da contradição de querer se

aproximar da realidade dos ouvintes, que são a maioria da população. Para Skliar

(2015), essa dificuldade que alguns surdos têm em assumir sua identidade política e

cultural como membros da cultura surda tem fundamento nos parâmetros sociais de

acordo com os quais o ouvinte de fala oral é a maioria e o surdo de fala sinalizada é

uma minoria linguística. Dorziat (2009), Perlin (2015) e Sá (2011) explicam que essa

comparação dos surdos com os ouvintes é evidente em suas pesquisas: alguns

surdos se sentem ameaçados com a hegemonia dos ouvintes. O surdo que é capaz

de falar oralmente com os ouvintes acaba ganhando o “status” social de serem

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iguais aos ouvintes, sendo – em teoria – menos discriminados pelos seus familiares,

amigos e sociedade em geral (PERLIN, 2015; SÁ, 2011).

Para Dorziat (2009), alguns surdos têm dificuldade de assumirem por

completo sua identidade surda. Tal fato é decorrente do apelo social para que o

surdo seja capaz de se comunicar oralmente.

(...) na vida dos Surdos o ser sempre foi relacionado ao ouvir, ao falar e, em consequência, a tudo que essa habilidade representava: ser inteligente, ser educado, ser maduro. Vários estereótipos assimilados pelos Surdos têm contribuído para reforçar os valores ouvintes e sufocar a expressão da cultura surda (DORZIAT, 2009, p. 31).

Para Skliar (2015), o surdo não é um deficiente e sim alguém que possui

uma diferença cultural e linguística própria de seu grupo. Diferença que deve ser

reconhecida e respeitada por todos. É interessante destacar que essa atitude de

olhar o surdo não pela lente da deficiência e sim da cultura linguística é defendida

por vários estudiosos como Dorziat (2009), Sá (2011), Costa (2010), Perlin (2015)

entre outros9.

2.2 – Contribuições da família na formação da identidade surda

A família tem um papel essencial na formação da identidade de qualquer

criança. É através de nossos parentes mais próximos que temos nossas primeiras

experiências, positivas ou negativas, com o mundo cultural e social no qual

entramos após nascermos. Segundo pesquisas de Costa (2010) e Skliar et al.

(2015), cerca de 90% dos surdos nascem em lares de famílias ouvintes, o que, em

alguns casos, pode vir a colaborar para a não aceitação da identidade surda ou para

a entrada tardia/não entrada do surdo na comunidade surda.

Este foi o tema da dissertação de mestrado de Barcellos (2011): o diálogo

de mães ouvintes com seus filhos surdos. Ela estudou os depoimentos das mães em

relação ao sentimento de ter um filho surdo, as dificuldades e as decisões tomadas

para o enfrentamento de ter um membro na família surdo.

9 Eles fazem parte de um campo de pesquisa designado como estudos surdos que reúnem pesquisadores de várias partes do Brasil. Entre os pesquisadores encontramos surdos e ouvintes, que estudam eixos temáticos relacionados: educação, trabalho, arte, identidade, cultura entre outros.

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Segundo as mães de sua pesquisa, a primeira reação perante um

diagnóstico de surdez severa ou profunda é de choque e tristeza. A segunda reação

é de raiva, dúvida e até vergonha por ter um filho surdo. Seria quase como um luto

familiar diante do enterro de “sua criança perfeita e idealizada” e da necessidade de

superar a negação da surdez e partir para a luta.

Para Barcellos (2011), essa ação de aceitação passa por momentos

negativos, ou seja, o vazio em relação ao futuro incerto da criança com surdez. Em

seguida, vem o momento de superproteção do filho contra o mundo e contra os

olhares curiosos das outras pessoas e familiares. E, no final, numa lógica não muito

linear, a conscientização sobre os aspectos da surdez e as orientações sobre

possíveis tratamentos: médico, fonoaudiólogo, psicológico e educacional.

Para Perlin (2015), Barcellos (2011) e Vilhalva (2011), cada família é livre

para escolher o tratamento que considera mais adequado para seu filho surdo:

oralização, língua de sinal, implante coclear, entre outros.

No entanto, essas decisões podem influenciar a formação da identidade

da criança surda, gerando em algumas crianças maior identificação com o mundo

dos ouvintes e, em outras, menor identificação com o mundo dos ouvintes ou

mesmo nenhuma identificação com o mundo dos ouvintes.

Apesar do impasse entre os métodos de tratamento e a orientação

educacional para a criança surda, Perlin (2015), Barcellos (2011) e Vilhalva (2011)

concordam a respeito da necessidade do envolvimento familiar para o

desenvolvimento cognitivo e afetivo da criança surda. É importante que a criança

surda interaja com todos da família, não sendo excluída de nenhuma das atividades

familiares.

(...) quando os pais aceitam os sinais, o “status” paternal é retomado frente ao filho Surdo, reconhecendo-o como indivíduo completo, pertencente a uma minoria linguística, valorizando a heterogeneidade e propiciando através desse conhecimento, a inclusão do filho Surdo na sociedade (OSTROSCHI E ROSSI, 2005 apud BARCELLOS, 2011, p. 30).

Sacks, em seu livro Vendo Vozes (1989), conta uma experiência de

integração familiar positiva de uma menina surda de oito anos, filha de pais ouvintes.

A família dessa menina aprendeu a ASL (Língua de Sinal Americana) quando sua

filha foi diagnosticada com surdez profunda bilateral e, desde os primeiros anos de

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vida, ela aprendeu a língua de sinal. O fato de a família interagir e se comunicar com

ela facilitou, por sinal, seu aprendizado e desenvolvimento. Sacks (1989) concluiu, a

partir desse caso, que o atraso no desenvolvimento da criança surda – quando ela é

comparada com outras crianças ouvintes da mesma idade – ocorre, em alguns

casos, pela falta de interação familiar e não tanto pela limitação auditiva, como já

demonstravam estudos de Vygotski (1924–1930). Portanto, a família é essencial

para o desenvolvimento de qualquer criança, seja ela surda, ouvinte, oralizada,

sinalizadora etc.

2.3 – As cinco identidades surdas

Como vimos anteriormente, a identidade – seja ela surda ou não surda –

encontra-se num movimento constante de transformação de acordo com as

necessidades e experiências, positivas ou negativas, do indivíduo com seu meio

social. Outro ponto que também tem influência na formação da identidade surda é a

família e sua atitude (positiva ou negativa) em relação ao filho surdo. Segundo

Vygotski (1997 e 2011), o homem se constitui homem através da interação com

outros indivíduos de seu grupo social. Desse modo, uma criança surda de pais

ouvintes que não tenha nenhum laço de ligação com outra criança ou até mesmo um

adulto surdo poderá, no futuro, ter dificuldades em assumir sua identidade surda ou

desenvolverá uma identidade surda incompleta (nem surdo e nem ouvinte).

Para Skliar (2015), seria ilusório imaginarmos que todo surdo é igual,

como também é ilusório pensarmos que todos os ouvintes são parecidos. À vista

disso, ele explica que:

(...) é importante refletir também sobre o fato de que ao falar dos surdos como totalidade, poderíamos cometer o mesmo erro que atribuímos à ideologia dominante e que criticamos. Às vezes, ao falar dos “surdos” podemos, involuntariamente, descrever somente os surdos homens, brancos, de classe média, que frequentam as instituições escolares, que fazem parte dos movimentos de resistência, que lutam pelos seus direitos linguísticos e de cidadania, etc. Por isso, a totalidade não é positiva nem negativa. Seria um equívoco conceber os surdos como um grupo homogêneo, uniforme, dentro do qual sempre se estabelecem sólidos processos de identificação. Também fazem parte dessa configuração que denominamos “surdos”, os surdos das classes populares, os surdos que não sabem que são surdos, as mulheres surdas, os surdos negros, os surdos meninos de rua (SKLIAR, 2015, pp.14-15).

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O conceito sobre identidade surda de Perlin (2015) é baseado no conceito

de Hall (1997) sobre formação de identidade para explicar o papel que a cultura

desempenha para a formação identitária do surdo.

a) As identidades são contraditórias, se cruzam se deslocam continuamente;

b) As contradições cruzam grupos políticos ou mesmo estão na cabeça de cada indivíduo;

c) Nenhuma identidade social pode alinhar todas as diferentes identidades como uma identidade mestra;

d) A erosão da identidade mestra faz emergir novas identidades sociais pertencentes a uma base política definida pelos novos movimentos;

e) A identidade muda de acordo como o sujeito é interpelado; f) A identidade cultural é formada por meios do pertencimento a uma

cultura (HALL, 1997 apud PERLIN, 2015, p. 53).

Ela destaca cinco tipos de identidades surdas: Identidade surda;

Identidade surda híbrida; Identidade surda de transição; Identidade surda incompleta

e Identidade surda flutuante.

Identidade surda: de acordo com Skliar (2015), esse grupo é formado

por pessoas surdas que fazem uso da língua de sinal e interagem com o

mundo através de suas experiências visuais. Para Perlin (2015), seria o

surdo que participa ativamente da cultura surda.

Identidade surda híbrida: neste grupo encontram-se pessoas que

nasceram ouvintes e, por algum motivo, como acidente ou doença,

entraram no mundo dos não ouvintes, ou seja, no mundo dos surdos. A

pesquisadora Perlin (2015) usa seu exemplo de vida para explicar as

implicações dessa identidade. Ela nasceu ouvinte e, por conta de uma

perda auditiva neurossensorial progressiva, ficou surda antes de terminar

a educação básica. O caminho do ex-ouvinte para surdo é um processo

longo e cheio de dúvidas e, no final, com apoio da orientação médica e

psicológica, o indivíduo pode criar laços de identificação com a nova

identidade surda.

Identidade surda de transição: para Skliar (2015) e Perlin (2015),

este grupo é composto por surdos que viveram numa situação de

isolamento do mundo surdo, ou seja, tiveram uma experiência de vida sob

a hegemonia ouvinte. Portanto, esses surdos passam por um período de

transição, que seria a passagem do mundo ouvinte para a integração no

mundo surdo de experiências visuais. De acordo com Perlin (2015), essas

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pessoas, que passam por esse período de transição identitária,

geralmente são pessoas surdas de famílias ouvintes.

Identidade surda incompleta: neste grupo encontram-se pessoas

surdas que possuem uma identidade surda latente por terem vivido muito

tempo sob a hegemonia ouvinte. Elas se esforçam para se aproximar o

máximo possível da cultura ouvinte.

Identidade surda flutuante: essa identidade tem alguns aspectos em

comum com a identidade surda incompleta. A diferença entre as duas

encontra-se na forma radical que os surdos de identidade flutuante têm de

rejeitar qualquer aspecto da cultura surda. Neste grupo, segundo Perlin

(2015), é possível encontrar surdos conscientes ou não de sua condição

de pessoa surda que, mesmo sendo oprimidos pela hegemonia ouvinte,

querem ser oralizados a qualquer custo.

No entanto, é importante destacar que ninguém se encerra exatamente

em uma dessas categorias, e que as pessoas eventualmente podem transitar entre

uma e outra, passando por mais de uma ao longo da vida.

2.4 – Culturas Surdas

Antes de falamos sobre o conceito de cultura surda, é importante

explicarmos o que é cultura. Para explicar o conceito de cultura sob uma visão

histórica e cultural usarei as palavras de Perlin (2004):

Os diferentes conceitos de cultura estão aí para se compreenderem as diferentes posições de cultura. Há conceitos unitários de cultura; conceitos de alta cultura e baixa cultura; conceitos referentes a múltiplas culturas. Há algumas posições mais radicais diante das culturas, por exemplo, de grupos que compartilham da afirmação de uma cultura universal onde legitimam a dominação das outras culturas. [...] Na temporalidade pós-moderna, perdemos o “conforto” de pensar a cultura como algo global, único em conceitos de diferentes culturas ou múltiplas culturas. O que significa a cultura no espaço pós-moderno presente, na temporalidade em que vivemos? O conceito pós-moderno coloca o problema como sempre: diferenças culturais, múltiplas culturas. O conceito de cultura igualmente muda e mesmo pode oscilar, sendo entendido dentro de novas tramas epistemológicas. Entramos, portanto, na presença de diferenças culturais, diferentes culturas, cada uma com sua emergência, sua história, seus usos, suas particularidades (PERLIN, 2004 apud PERLIN & STROBEL, 2014, p.

24).

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Como vimos, o conceito de cultura abrange transformações socioculturais

no espaço-tempo vivido pelas sociedades. Pesquisadores como Skliar (2015), Sá

(2011), Dorziat (2009), Perlin (2015) e Strobel (2014), em seus livros e pesquisas

sobre surdos, utilizam o termo “cultura surda”.

Na visão de Strobel (2014), ser surdo ou pertencer a uma cultura surda

tem uma forte ligação do reconhecimento do sujeito como homem surdo ou mulher

surda. Ela explica que só pertence à cultura surda o surdo que reconhece sua

diferença de pertencer a um mundo baseado em experiências visuais, ou seja, tem

uma identidade surda completa.

Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo. (...) No contexto do povo surdo, os sujeitos não distinguem um de outro de acordo com sua surdez. O mais importante para eles é o pertencimento ao povo surdo por meio do uso da língua de sinais e da cultura surda, que os ajudam a definir as suas identidades (PERLIN & STROBEL, 2014, pp. 24-25).

Portanto, para o sujeito criar esse sentimento de pertencimento à cultura

surda é preciso que ele crie laços de envolvimento com o mundo surdo (PERLIN &

STROBEL, 2014).

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CAPÍTULO 3 – A EDUCAÇÃO DO SURDO AO LONGO DA HISTÓRIA

Arnaud Balard10, “Cri Sourd” / “Deaf Scream”.

10 Arnaud Balard, artista plástico surdo francês. Fonte da imagem: <https://culturasurda.net/2012/

11/01/arnaud-balard/>. Acesso em: 26 fev. 2016.

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3.1 – A história dos surdos na Antiguidade Clássica

No Egito Antigo, os surdos eram respeitados e, de certo modo, até

venerados por serem considerados intermediários entre os deuses e o homem.

Os greco-romanos acreditavam que os surdos não teriam nenhuma

condição de desenvolver a moral e a inteligência. “Surdos eram considerados seres

insensíveis, sem raciocínio e não humanos” (COSTA, 2010, p. 20). Esse

pensamento do surdo como incapaz de ser educado também tem suas raízes no

pensamento do filósofo grego Aristóteles. Ele acreditava que todo surdo fosse

automaticamente mudo, sendo, assim, incapaz de falar. Aristóteles considerava não

humano a pessoa que não tivesse linguagem (COSTA, 2010).

Os romanos privavam o surdo que não pudesse falar de seus direitos

legais. De acordo com o código Justiniano (483 a.C.), o surdo não podia ser

educado e, por essa razão, não teria nenhum direito legal, por exemplo, o de

receber herança familiar11.

Na civilização hebraica (2000 a 1500 a.C.), existiam leis que reconheciam

o direito do surdo à vida, mas não seu direito à educação (DORZIAT, 2009).

Durante todo o período da Antiguidade, o direito do surdo à educação foi

negado, em razão da sua impossibilidade de comunicação por meio da fala. A fala

era considerada característica primordial do ser humano e os que não fossem

capazes de falar não fariam parte do mundo ouvinte12.

3.2 – Surdos na Idade Média

Durante a Idade Média, as congregações religiosas do século VI, que

seguiam a regra do silêncio de Saint Benoit, aceitavam surdos. Nessas ordens

11 Fonte: <http://surdezelinguagem.blogspot.com.br/2010/11/um-breve-historico-da-educacao-de.html>. Acesso em: 26 dez. 2015.

12 A expressão “mundo ouvinte” é usada para designar uma situação de segregação entre ouvintes e não ouvintes, que marcou a história dos surdos. Percebe-se que, por não se encaixarem aos padrões considerados normais, os surdos foram excluídos de seus direitos básicos como cidadãos.

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religiosas, os monges se comunicavam por meio de signos que eram aprendidos

com facilidade pelos surdos13.

De acordo com Reily (2007), os monastérios contribuíram de duas formas

para o desenvolvimento da linguagem gestual.

(...) uma delas mobilizou a concepção dos pioneiros a entender que a comunicação gestual constituía uma forma válida e eficaz de comunicação; e a outra contribuição foi com respeito à prática do registro, que nos legou documentos preciosos com resultados de suas experiências, exercícios pedagógicos e princípios de ensino (COSTA, 2010, pp. 20-21).

3.3 – Os surdos na Idade Moderna

Até o século XV, o surdo ainda era visto como alguém incapaz de ser

educado. Em alguns casos, mais extremos, as pessoas surdas eram tratadas como

loucas e o som de sua voz era considerado um ato de blasfêmia, sendo comparado

aos gritos de um macaco (COSTA, 2010).

A educação de surdos inicia-se de forma tímida e esparsa no século XVI,

tendo acesso à educação apenas os surdos de famílias ricas e nobres. Como já foi

dito anteriormente, o surdo que fosse incapaz de se expressar por meio da fala era

privado de seus direitos legais, as famílias ricas que tinham algum filho surdo

pagavam preceptores para ensiná-lo a falar.

A partir do ato de se comunicar através da fala oralizada, o surdo passa a

ser visto de outra forma pela sociedade, ou seja, como um ser humano completo:

(...) o surdo passa a ser olhado como apto à linguagem, capaz de comunicar-se, de pensar, de expressar sentimentos, um ser de moral, não é mais considerado um ser rudimentar, a posição sujeito surdo é tornada humana (COSTA, 2010, p. 21).

Segundo Costa, o primeiro estudioso a declarar a possibilidade de

educação para surdos foi o italiano Girolamo Cardano (1501–1576). Ele era médico,

matemático e astrólogo, e tinha um filho surdo. Esse pode ser um dos motivos que o

levou a se interessar em estudar a capacidade do surdo de aprender a ler e a

escrever sem a necessidade da fala.

13 Recomendo o site http://www.casasonotone.com/surdez, que possui um cronograma explicativo sobre os principais estudiosos que contribuíram para a educação de surdos.

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O método de aprendizagem empregado por Girolamo Cardano consistia:

(...) na associação de figuras desenhadas para representar a realidade, constituindo, assim, um sistema lógico que viabilizava construções coerentes e denotava a existência de uma mente racional capaz de analisar ideias e elaborar conceitos a partir delas. Cardano revogou o conceito de que o surdo não pode ser ensinado. Estes foram os primeiros passos dados em direção à implantação da educação para surdos (LIMA, 2004, p. 16).

Ele percebeu que o surdo era capaz de associar figuras desenhadas e se

comunicar usando-as. Mas Girolamo Cardano não prosseguiu seu estudo, voltando-

se mais para a área da matemática.

Outra figura de destaque na educação de surdos é o monge espanhol

Pedro Ponce de Leon (1520–1584), que aparece na história como o primeiro

professor de surdos. Atendia apenas os surdos oriundos de famílias ricas e nobres,

ensinando-os a falar, a ler e a escrever, transmitindo a eles os princípios do

cristianismo. Ele utilizava o método da datilologia (LACERDA, 1998).

A datilologia é uma espécie de “Alfabeto Manual” que apresenta, de

maneira simbólica, o alfabeto das línguas orais escritas, utilizando as mãos como

meio de comunicação (LACERDA 1998). Na verdade, esse método não foi

desenvolvido, a princípio, por Ponce de Leon. O registro mais antigo sobre esse

método encontra-se na obra do monge franciscano Mechor Sánchez de Yebra

(1526–1586). Em seu livro publicado em 1593, ele afirma que esse alfabeto foi

desenvolvido pelo Frei Juan de Fidanza no século XIII. Costa (2010) assinala que as

obras de educadores de surdos começam a se fazer presentes na literatura a partir

do livro de Juan Pablo Bonet, em 1620, contando com o alfabeto manual

desenvolvido por Ponce de Leon.

Juan Pablo Bonet (1573–1633) foi um padre espanhol considerado um

dos pioneiros da educação de surdos. Foi professor de Luís Velasco, um surdo filho

de um nobre. Seu método ensinava o surdo a ler usando o alfabeto manual. No

entanto, apesar de utilizar o alfabeto manual, Bonet proibia o uso da língua gestual.

O livro de Bonet serviu de inspiração para outros intelectuais europeus

como Jacob Rodrigues Pereira e Johann Konrad Amman e Wallis (COSTA, 2010 e

SILVA, 2009).

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Outro educador de surdos dos séculos XVII e XVIII é o matemático John

Wallis (1616–1703), que é considerado, na Inglaterra, como o fundador do oralismo.

Apesar de seus esforços para ensinar os surdos a se comunicarem por meio da fala,

acabou desistindo dessa ideia e dedicando-se apenas ao ensino da escrita e usando

o método de sinais (SILVA, 2009).

Já a leitura labial teve como um de seus representantes o médico suíço

Johann Konrad Amman (1669–1724). Ele se destacou como educador de surdos e

como defensor do método da leitura labial. Muito religioso, acreditava que os surdos

eram destituídos da benção de Deus e, por isso, não conseguiam falar (SILVA,

2009). Apesar de ser contra a comunicação por gesto, ele utilizava o método para

atingir a oralidade.

Na Inglaterra, a primeira escola particular para surdos foi fundada por

Thomas Braidwood (1715–1806). Seu objetivo principal era desenvolver a oralidade

nos surdos e instruí-los a ler e a escrever bem como a realizar a leitura orofacial.

Seu sucesso com a educação de surdos lhe trouxe bastantes ganhos financeiros

(SILVA, 2009).

Na França do século XVIII, encontramos uns dos principais expoentes do

oralismo francês. Jacob Rodrigues Pereira14 (1715–1780) foi um educador de surdos

de descendência portuguesa, fluente em língua de sinais, porém defensor da

oralidade. Seu objetivo como educador de surdos era o de possibilitar que os surdos

desenvolvessem a capacidade de falar (SILVA, 2009). Ele utilizava o alfabeto de

Bonet para ensinar os surdos a ler e a escrever e, consequentemente, a falar. No

final de sua vida, ele mudou de posição em relação à oralidade dos surdos,

aceitando a ideia de que a língua gestual era a melhor forma de comunicação para

os surdos. Ele nunca publicou um livro e as informações obtidas sobre seus estudos

foram preservadas em poucos documentos e registros de seus alunos surdos por

suas famílias (SILVA, 2009).

Como vimos, a educação de surdos nos séculos XV e XVIII era destinada

a reabilitar o surdo através do desenvolvimento da fala. Grande parte dos pioneiros

14 O interesse de Pereira em estudar o surdo é proveniente de motivos familiares. Sua irmã mais nova nasceu surda. Isso o motivou a querer desvendar a surdez e criar um método para ensiná-la a falar. Pereira se interessou pelas obras de Bonet, Wallis e Amman (SOARES, 1999).

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da educação de surdos eram pessoas ligadas à religião. De acordo com o

cristianismo, o surdo não poderia receber as bênçãos de Deus, que seriam

alcançadas através da fala e da audição. Dessa forma, ensinar o surdo a falar era

quase um ato de “salvação das almas”, aproximando-as de Deus (SACKS, 1989).

Consequentemente, os surdos que eram sinalizadores ou comunicavam-se por meio

de sinais feitos com as mãos e com o corpo eram vistos como cidadãos de segunda

classe, condenados a uma vida de isolamento e solidão.

Nesse período, os surdos não oralizados não tinham acesso a nenhum

direito civil, por serem considerados como incapazes de ter um pensamento lógico

ou de expressar sentimentos.

(...) algumas crianças surdas de famílias nobres foram ensinadas a falar e ler, através de muitos anos de aprendizagem, a fim de poderem ser reconhecidas como pessoas nos termos da lei (os mudos não eram reconhecidos) e herdar os títulos e propriedades de suas famílias (SACKS, 1989, p. 30).

As famílias de posses e prestigio social costumavam contratar serviços de

professores particulares para ensinar seus filhos surdos a falar, assim evitando que

estes fossem excluídos da vida social e podendo dar continuidade ao nome da

família.

O método desenvolvido pelos primeiros professores interessados na

educação de surdos obteve alguns sucessos e também alguns fracassos em sua

missão de fazer o surdo falar:

Pedro Ponce de Leon na Espanha do século XVI, os Braidwoods na Inglaterra, Amman na Holanda e Pereire e Deschamps na França foram educadores auditivos que alcançaram maior ou menor sucesso ensinando surdos a falar (...). O fato é que até os mais famosos desses pupilos surdos orais conheciam e usavam a linguagem dos sinais. Sua fala era em geral quase ininteligível e tendia a regredir assim que o treinamento intenso era reduzido (SACKS, 1989, p. 30).

3.4 – O gestualismo e o oralismo

No século XVIII encontramos os principais representantes das

abordagens gestualistas (Charles Michel de l’Epée) e oralistas (Samuel Heinicke). A

seguir, falaremos um pouco sobre seus representantes e sua influência sobre a

educação de surdos.

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Charles Michel de l’Epée (1712–1789) pertencia a uma família nobre

francesa muito religiosa. Esse pode ter sido uns dos motivos que o levou a dedicar

sua vida à caridade. Seu sonho de ser ordenado padre foi interrompido devido às

críticas que fez sobre as ideias jansenistas, corrente religiosa muito forte na Europa

naquela época (CARVALHO, 2012).

Por ser de uma família nobre e importante da França, ele conseguiu ser

ordenado abade. O abade é um cargo religioso importante. Geralmente, quem

ocupa essa posição dentro da vida religiosa se dedica a obras de caridade como

cuidar de orfanatos etc.

Quando jovem, o abade l’Epée leu um comentário de Sócrates no

“Crátilos” que o fez questionar o pensamento aristotélico de que o sinal não era uma

linguagem natural ao homem e que deveríamos usar a fala para expressar nossos

pensamentos e sentimentos. O trecho do “Crátilos”15, de Platão, é este:

Se não tivéssemos voz nem língua, mas apesar disso desejássemos manifestar coisas uns para os outros, não deveríamos, como as pessoas que hoje são mudas, nos empenhar em indicar o significado pelas mãos, cabeças e outras partes do corpo? (apud SACKS, 1989, p. 31)

Pode-se supor que esse pensamento de Platão a favor de qualquer forma

de comunicação sem nenhuma forma de discriminação possa ter inspirado l’Epée a

estudar a língua de sinais utilizada pelos surdos parisienses. O esforço do abade em

compreender a língua de sinais e a cultura surda começou em 1750, ano em que

fundou um abrigo para pessoas pobres e, de certa forma, excluídas da sociedade.

Entre eles, estavam os surdos incompreendidos pelos seus familiares e

abandonados à própria sorte na sociedade. Era comum o surdo ser taxado como

louco pelos seus familiares que, por causa da falta de conhecimento sobre a

condição da surdez, acabavam excluindo o surdo das relações familiares e culturais.

Em 1760, o abade l’Epée conheceu duas irmãs gêmeas surdas que se

comunicavam através de sinais. O abade logo se interessou em desvendar o

significado daqueles sinais e, assim, iniciou sua busca incansável pelo

conhecimento da língua de sinais.

15 Crátilo é o nome de um diálogo platônico.

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Para Sacks (1989), l’Epée via a linguagem de sinais como uma linguagem

única ao mesmo tempo em que sentia que sua estrutura de base era desprovida de

gramática. Nas palavras de Sacks, ele a estimava e ao mesmo tempo a

menosprezava, comparando-a com a língua oral:

Ele a considerava, por um lado como uma linguagem “universal”, por outro, como desprovida de gramática (e assim precisando da importação da gramática francesa, por exemplo). Esse equívoco [de l’Epée] persistiu por sessenta anos até que Roch-Ambroise Bébian, discípulo de Sicard, percebendo claramente que a linguagem de sinais natural era autônoma e completa, acabou com os “sinais metódicos”, a gramática importada (SACKS, 1989, p. 36).

O método desenvolvido por ele consistia na adequação da língua de

sinais à gramática francesa (símbolos novos para fazer sentido na língua oral

francesa).

Sacks (1989), por outro lado, não nega que o grande feito de l’Epée foi ter

sido uns dos primeiros professores de surdos que propôs um método de ensino

associativo (sinal = imagem = palavra escrita):

(...) o importante foi que o abade dispensou [dedicou] a maior atenção a seus pupilos e aprendeu sua linguagem (o que raramente fora feito antes por pessoas com capacidade auditiva). E depois, associando sinais com imagens e palavras escritas, ele ensinou-os a ler; com isso, de um só golpe, abriu-lhes a instrução e a cultura do mundo (SACKS, 1989, p. 33).

Sicard 16 , discípulo do abade l’Epée, costumava ensinar seus alunos

surdos associando imagens de objetos que os cercavam (móveis, árvores,

alimentos, etc.), associando-as a um gesto ou sinal e à escrita desse sinal (SACKS,

1989).

Diante de seus progressos iniciais na educação de surdos, o abade

l’Epée abriu, em 1760, uma escola aberta a todos, independentemente do prestigio

ou condição financeira da família. O fato de ser aberta a todos é seu grande

diferencial em relação a outras escolas, que eram voltadas à instrução de surdos

oriundos da burguesia e da aristocracia (LACERDA, 1998).

O método do abade aproveitava o sentido da visão do surdo, investindo

numa comunicação viso-espacial. Em outras palavras, a comunicação dos surdos se

16 No livro de Sacks (Vendo vozes, de 1989), ele relata a descoberta do mundo por Massieu, um aluno brilhante de Sicard que perdeu a audição na infância e que aprendeu a ler e a escrever graças ao método de l’Epée.

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dava prioritariamente através do canal visogestual. O abade foi um dos primeiros

estudiosos da educação de surdos a perceber que a comunicação por sinal é natural

ao surdo, como a fala é natural ao ouvinte (COSTA, 2010).

Ferdinand Berthier (1840), também surdo e professor de surdos,

considerava l’Epée como o primeiro a realmente a entender o mundo dos surdos,

tirando-os da solidão:

Até então, como eu já havia explicado, todos os educadores de surdos interpretavam o princípio que “nossa mente não contém nada que não chegou lá através dos sentidos”, como se seu único trabalho fosse dar a estes desafortunados o uso mecânico da fala. Ao contrário, l’Epée foi o primeiro a vislumbrar na linguagem mímica ainda imperfeita deles, meios mais seguros e simples de comunicação e uma mais direta e clara tradução de pensamento. E ele fez com que seus tesouros escondidos florescessem – verdade, flexibilidade, a riqueza de um idioma que pertence a todas as nações, de fato, a toda a humanidade, um idioma que admiravelmente resolve o problema de uma linguagem universal a qual os acadêmicos em toda parte têm buscado por séculos em vão. A partir do simples argumento que os surdos podem ser instruídos com o auxílio de gestos da maneira como instruímos outras pessoas usando os sons da voz, e que ambos os grupos podem aprender linguagem escrita, o incansável l’Epée criou um novo mundo, toda uma geração (BERTHIER, 1840 apud NASCIMENTO, 2006, p. 258).

Para Berthier, a grande contribuição de l’Epée foi de ter iniciado a

mudança na forma de ver e de pensar a educação de surdos, lutando para quebrar

conceitos antigos sobre os surdos serem “incapazes de aprender” ou de “expressar

sentimentos”, como acreditava Aristóteles. Como já foi explicado, Aristóteles

acreditava que o surdo era uma pessoa ineducável ou incapaz de adquirir

conhecimento do mundo.

Portanto, a incapacidade não estava no surdo em aprender e sim no

método utilizado para ensiná-lo, que não contemplava suas características e suas

identidades como surdo (DORZIAT, 2009 e COSTA, 2010).

Sacks afirma que, depois de l’Epée, o surdo começou a ocupar posições

sociais que alguns anos antes seria impossível para ele ocupar, como professor,

advogado etc.

(...) houve uma enorme e generosa mudança de ânimo, uma recepção calorosa aos que antes eram párias na sociedade humana. Esse período – que agora parece uma espécie de época áurea na história dos surdos – testemunhou a rápida criação de escolas para surdos, de um modo geral dirigidas por professores surdos, em todo o mundo civilizado, a saída dos surdos da negligência e da obscuridade, sua emancipação e cidadania, a rápida conquista de posições de eminência e responsabilidade – escritores

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surdos, engenheiros surdos, filósofos surdos, intelectuais surdos, antes inconcebíveis, tornaram-se subitamente possíveis (SACKS, 1989, p. 37).

Durante sua vida, o abade escreveu três livros. O primeiro, de 1776,

Instrução de surdos-mudos através de signos metódicos, apresentava os primeiros

resultados de seus trabalhos na instrução de surdos com o uso da linguagem

gestual. Em 1784, publicou A verdadeira maneira de instruir os surdos e mudos

confirmada por uma longa experiência. No mesmo ano, ele começa a escrever outro

livro, o Dicionário dos surdos-mudos, que só foi publicado anos depois de sua morte

(CARVALHO, 2012).

É importante ressaltar que não foi l’Epée que criou essa forma de

linguagem de sinais. Ela já existia antes mesmo de seu nascimento, foi criada pela

comunidade surda francesa e era conhecida como “Antiga Língua Gestual Francesa”

(CARVALHO, 2012). O abade l’Epée é importante pelo seu estudo e

reconhecimento da comunicação gestual como a língua natural dos surdos.

A obra do abade l’Epée foi difundida na Europa graças à iniciativa de seu

aluno Abbe Roch Sicard (1742–1822) que fundou uma escola para surdos em

Bordéus. Dois alunos de Sicard também foram importantes educadores de surdos,

Jean Massieu e Laurente Clerec (CARVALHO, 2012).

Em oposição ao método gestualista de l’Epée, encontramos, nos séculos

XVIII e XIX, o método alemão desenvolvido por Samuel Heinicke (1727–1790).

Para Heinicke, a língua de sinais não era própria do homem, que deveria

falar para desenvolver sua inteligência e para, de certo modo, se “encaixar” no

mundo dos ouvintes (LACERDA, 1998). O método de Heinicke era fundamentado na

aquisição da fala por meio de leitura orofacial e do treino de repetição. Embora ele

fosse contra a linguagem gestual, também utilizava a datilologia (o alfabeto manual)

para ensinar determinadas letras.

O método alemão, por outro lado, não se mostrava eficiente para ensinar

todos os alunos surdos a falarem. Como sabemos, os graus de surdez podem variar

de pessoa para pessoa e aqueles que possuíam um pouco de audição conseguiam

aprender. Em contrapartida, aqueles que não possuíam nenhum requisito de

audição não conseguiam desenvolver a fala ou a desenvolviam de modo ineficiente.

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Em outras palavras, sua fala era de difícil compreensão para os ouvintes

(LACERDA, 1998).

Em 1778, foi aberta a primeira escola para jovens surdos da Alemanha. A

escola, fundada por Heinicke, tinha um caráter empresarial, no sentido de que ele

ensinava apenas aqueles que dispunham de dinheiro para pagar a educação do filho

surdo.

3.5 – Disputa pedagógica entre as abordagens de ensino de surdos

De acordo com Lacerda (1998), Costa (2010) e Carvalho (2012), o século

XVIII é marcado por uma forte divisão na educação de surdos. De um lado tínhamos

aqueles que defendiam o método francês, conhecido como gestualismo, e do outro

lado os que defendiam o método alemão, conhecido como oralismo.

Os oralistas defendiam que o surdo precisava superar a limitação imposta

pela deficiência e desenvolver a fala, dessa forma se adaptando ao “mundo dos

ouvintes”. O surdo que fosse incapaz de se comunicar oralmente era considerado

“incapaz” e era excluído do convívio social, vivendo à margem da sociedade.

Todo mundo sabe que os surdos-mudos são seres inferiores sob todos os aspectos: só os profissionais da filantropia declaram que eles são homens como outros. Pois o surdo, semelhante (...) ao homem sem palavra dos tempos pré-históricos, mais para trás ainda já que ele não escuta, passa entre seus semelhantes (...) sem escutá-los, sem compreendê-los: tudo que é humano lhe permanece estranho (GRÉMION, 1991 apud SKLIAR, 2001, p. 33).

Em contrapartida, os gestualistas se opunham a essas ideias de que o

surdo, para ser aceito pela sociedade, deveria desenvolver de forma obrigatória a

fala. Admitiam, segundo os princípios desenvolvidos por l’Epée, que os surdos

tinham a mesma capacidade de aprender que os “ouvintes”, que a linguagem de

sinais era natural para os surdos e que, à vista disso, deveria ser ensinada e

utilizada por eles (LIMA, 2004 e SILVA, 2009).

As divergências entre as duas abordagens acabaram sendo discutidas

em Paris, no Primeiro Congresso Internacional sobre Instrução de Surdos (1878).

Nesse congresso, não foi possível entrar em um acordo sobre qual abordagem era

mais adequada para o ensino de surdos.

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Em consequência dessa falta de entendimento entre os defensores do

gestualismo e os defensores do oralismo, foi realizado outro evento para discutir o

tema da educação de surdos, o Congresso de Milão de 1880 (LIMA, 2004).

De acordo com Lima (2004), o resultado desse congresso mundial não foi

muito favorável ao método francês (gestualismo) e optou-se pelo método alemão

(oralismo).

Para Grémion, a decisão pelo método oral puro se deve, em grande parte,

ao grande número de discípulos de Jacob Pereira com poder de voto entre os

participantes do congresso. Outro fator foi a crença que se tinha sobre a

superioridade incontestável da língua oral sobre o sinal:

O congresso, considerando a incontestável superioridade da palavra sobre os signos para devolver o surdo à sociedade e para dar-lhe um melhor conhecimento da língua, declara que o método oral deve ser preferido ao da mímica para a educação e instrução dos surdos mudos. (...) O congresso, considerando que uso simultâneo da palavra e dos signos mímicos tem a desvantagem de inibir a leitura labial e a precisão das ideias, declara que o método oral puro deve ser preferido. (...) A terceira resolução é um voto em favor da extensão do ensino dos surdos-mudos. Considerando que um grande número de surdos-mudos não recebe os benefícios da instrução, que essa situação provém dos poucos recursos das famílias e dos estabelecimentos (GRÉMION, 1991 apud SKLIAR, 2001, p. 37).

Aprofundando a discussão levantada da falta de instrução do surdo,

Soares (1999), em sua dissertação de mestrado, nos traz um dado interessante

sobre a escolha do método oral puro no Brasil e na Europa. No século XIX, uma em

cada dez pessoas sabia ler e escrever. Consequentemente, investir no método

francês voltado para o sinal e a escrita era considerado uma perda de tempo e de

recursos. O importante era que o surdo pudesse se fazer entender pela fala17.

Costa (2010) também concorda que os motivos que levaram à escolha do

método oral puro ultrapassam a questão da linguagem, entrando na esfera política.

Ela expõe um dado interessante: entre os 174 congressistas que participaram da

decisão, apenas um professor era surdo.

O surdo não contava, nem quantitativamente, como evidencia o número de participantes surdos em um congresso no qual seriam definidas, juntamente com sua educação, suas perspectivas de vida futura e nem no que diz respeito à importância de sua colaboração, conforme evidencia também a pequena participação do surdo no congresso mencionado.

17 Posteriormente iremos aprofundar essa questão na educação de surdos no Brasil.

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Ora, se o surdo acabara de ter acesso à linguagem escolarizada, se sua participação, seja como aluno seja como profissional ligado à educação, era inicial, e, portanto, ainda tímida, quais eram os meios que ele dispunha para fazer valer a expressão do seu pensamento? (COSTA, 2010, p. 25)

Desse modo, como os surdos seriam “ouvidos”, no sentido de fazer valer

sua opinião sobre o que seria melhor para eles? Os efeitos dessa decisão em favor

do oralismo afetaram diretamente a posição do surdo na sociedade, aumentando

ainda mais o abismo que separava o “mundo surdo” do “mundo ouvinte”. Sobre essa

ideia da perda de identidade surda, Costa argumenta:

O fato é que, com a oralização sendo posta como o método de ensino ideal a partir do Congresso de Milão, em 1880, a posição-sujeito surdo foi afetada. Este sujeito agora deve falar, não deve gesticular. Deste modo, são concebidos lugares sobre a posição-sujeito surdo, sobre aquele que gesticula e que não gesticula. O surdo que gesticula é aquele que não se encaixa aos padrões que o levarão a ser educado. O surdo que não gesticula é aceito pelos ouvintes que o rodeiam e, consequentemente, por outros surdos (COSTA, 2010, p. 26).

As divergências sobre as pedagogias de educação de surdos ainda são

um problema atual. Encontramos escolas brasileiras e educadores que defendem o

oralismo como um método mais apropriado de inclusão do indivíduo na sociedade.

Por outro lado, encontramos escolas e educadores que defendem o método

gestualista com base na afirmação de que a linguagem de sinais é a língua natural

dos surdos.

Até mesmo Vygotski (1997), na década de 1920, em seus estudos sobre

Defectologia, defendeu no início o uso do oralismo para a educação de surdos.

Entretanto, no final da década de 1920, Vygotski começou a atribuir importância ao

uso da língua natural do surdo como uma alternativa para seu desenvolvimento

cognitivo e social. Mas em nenhum momento ele deixa claro um posicionamento

definitivo de qual seria a melhor linguagem para o aprendizado da criança com

surdez.

Na segunda metade do século XX, o estadunidense William Stokoe

pesquisa um método de comunicação para pessoas surdas que mistura tanto

elementos da língua oral como da língua gestual, esse método ficou conhecido

como comunicação total.

A seguir, discutiremos com mais profundidade esse método e suas

principais características.

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3.6 – A comunicação total

A falta de consideração sobre a cultura e a identidade do surdo impondo a

comunicação oral, depois do Congresso de Milão, aumentou mais a marginalização

do surdo na sociedade ouvinte. O método alemão, desde o final do século XIX até a

primeira metade do século XX, era ensinado nas escolas de surdos como meio de

integrar o surdo, ou melhor, de fazê-lo ficar mais parecido com os ouvintes. Nas

palavras de Lima (2004), o oralismo tentava reabilitar o surdo:

O oralismo concebe a surdez como um déficit que deve ser minorado por meio da estimulação dos resquícios auditivos. Tal estimulação viabilizaria o aprendizado do português (ou de qualquer língua oral) e levaria o surdo a integrar-se na comunidade ouvinte. O que significa que a premissa básica do oralismo é fazer uma reabilitação do surdo em direção à “não surdez” e aos padrões de normalidade preconizados pela sociedade industrial contemporânea em que ele vive. Neste sentido, o oralismo almeja que, dominando a língua oral, o surdo esteja apto para se integrar aos utentes da língua majoritária (LIMA, 2004, p. 30).

Os resultados alcançados pelo método da oralidade não se mostraram

muito eficientes com o passar dos anos, poucos surdos conseguiam desenvolver a

fala inteligível a terceiros ou conseguiam ler e escrever igual seus pares com a

mesma idade (GUIMARÃES, 2012).

Na década de 1960, mesmo com o desenvolvimento de aparelhos

auditivos com finalidade de amenizar a perda auditiva, o ensino de surdos pelo

método da oralidade continuou a mostrar resultados pouco satisfatórios (LIMA

2004).

Nos Estados Unidos, também na década de 1960, alguns estudiosos da

educação de surdos começaram a investigar as propriedades linguísticas da língua

de sinais utilizada nas comunidades surdas, entre eles destaca-se o estadunidense

William Stokoe (1919–2000).

De 1955 a 1970, Stokoe trabalhou como professor e chefe do

departamento de inglês na Universidade de Gallaudet, nos Estados Unidos. Em

suas pesquisas, ele percebeu que a linguagem de sinais tinha uma estrutura

linguística que se assemelhava à linguagem oral. Por conseguinte, mantinha em sua

essência uma estrutura de língua mesmo sendo comunicada por sinais corporais e

manuais. Em 1965, Stokoe publicou, junto com outros pesquisadores da

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Universidade de Gallaudet, o Dicionário de Língua Gestual Americana, que continha

princípios linguísticos da Língua de Sinais Americana (LACERDA, 1998 e LIMA,

2004). De acordo com Lacerda, esse método previa a utilização de sinais, leitura

orofacial, amplificação e alfabeto digital. Esse novo método foi denominado de

comunicação total.

Apesar de muito promissora, a comunicação total não conseguiu diminuir

as dificuldades de aprendizado das crianças surdas. De acordo com Souza (1998),

os professores usavam várias estratégias para alcançar o objetivo de promover a

comunicação e a assimilação do conteúdo:

As “estratégias”, funcionalmente úteis para o desenvolvimento do “potencial comunicativo” do surdo, eram consideradas inúmeras já que para se conseguir o objetivo fim, a comunicação, valia tudo: uso de sinais (itens da Libras), emprego de sinais criados para marcar aspectos gramaticais da língua oral, o desenho, a dramatização, o treino auditivo, a estimulação dos órgãos fonoarticulatórios, a escrita, a expressão corporal (...) a frase de ordem nos Congressos Nacionais era: “Não importa a forma, o que importa é que o conteúdo passe” (SOUZA, 1998 apud de LIMA, 2004, p. 33).

Como era possível observar, os sistemas de ensino estavam tentando

alcançar a comunicação e o aprendizado dos alunos surdos. No entanto, faltava

uma maior compreensão da cultura surda no método de ensino empregado. Esse

pode ter sido um dos motivos que dificultou o pleno sucesso dessa abordagem.

Outro motivo era a falta de professores surdos para auxiliar esses alunos em seu

processo de aprendizado. A maioria das salas de aula era regida por professores

ouvintes que, por melhores que fossem suas intenções, ainda não conseguiam, em

grande parte, responder às necessidades de uma criança surda.

O método da comunicação total foi e ainda é usado em vários países

europeus, por exemplo, a Dinamarca, e ainda é utilizado no Brasil, apesar da força

da abordagem bilíngue, que é adotada por várias escolas brasileiras especializadas

na educação de alunos surdos (LACERDA, 1998).

3.7 – Comunicação bilíngue na educação de surdos

O bilinguismo ou comunicação bimodal refere-se à utilização de duas

formas de linguagem no ensino de surdos, sendo a primeira a língua de sinais e a

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segunda a língua majoritária do país na modalidade escrita (GUIMARÃES, 2012 e

LIMA, 2004).

Da comunicação total, a abordagem bilíngue se diferencia por considerar

conflitante e inadequado misturar elementos da língua falada com a linguagem

gestual. De acordo com Quadros (1997), a língua de sinal possui características

linguísticas próprias e complexas e não seria adequado e nem correto colocá-la em

condição de inferioridade perante a língua oral, ou seja, ela não precisaria ser

modificada para se aproximar da língua oral do país. Dessa forma, esta

incorporação de sinais próximos à língua oral é inapropriada e interfere na

identidade linguística da língua de sinal.

A abordagem bilíngue propõe o aprendizado simultâneo das duas línguas:

primeiro, a língua natural do surdo (comunicação através do canal visogestual ou

língua de sinais) e, segundo, a modalidade escrita da língua oficial do país (LIMA

2004).

A educação bilíngue para os surdos, segundo Lacerda (1998), seria

equivalente ao aprendizado de outro idioma na modalidade escrita. Podemos citar

como exemplo uma criança ou adulto que não possua fluência oral do idioma inglês,

porém possui o domínio do idioma na modalidade escrita. O mesmo pode ser

empregado no ensino de uma pessoa surda que aprenderia o idioma de seu país na

modalidade escrita e se comunicaria por intermédio da língua de sinais de seu país.

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CAPÍTULO 4 – A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL

Eloise Schneider18, “ASL – Mother”

18 Por muitos anos, a artista plástica Eloise Schneider (licenciada em Educação de Surdos pela Universidade do Texas) atuou em salas de aula com alunos surdos, o que fez das línguas de sinais um tema corrente em suas numerosas obras. Fonte da imagem: <https://culturasurda.net/2015/01/03/eloise-schneider/>. Acesso em: 23 fev. 2016.

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4.1 – Breve história da educação dos surdos no Brasil do século XIX ao XXI

A iniciativa de criação de uma instituição especializada no atendimento de

meninos surdos teve início em 1855, com a vinda do professor francês Ernest Huet19

a convite do imperador Dom Pedro II.

Em 1857, no dia 26 de setembro, através da Lei 839, assinada pelo

imperador, é fundado o que atualmente é conhecido como Instituto Nacional de

Educação de Surdos (INES). Huet seguia o método francês de educação de surdos,

baseado nos princípios de l’Epée e de Sicard no Instituto de Surdos de Paris

(COSTA, 2010).

Em 1859, Huet surpreendeu o imperador com a apresentação de um

exame público demonstrando as habilidades de sete alunos surdos. Huet poderia

ser considerado um visionário à frente de seu tempo, mostrando grande interesse

em formar professores surdos para darem continuidade a seu trabalho. No entanto,

algo sem explicação aconteceu: em 1862, o professor Huet decidiu abandonar o

Instituto, vendendo seus direitos ao imperador Dom Pedro II.

Existem muitas teorias sobre as causas da saída de Huet do Instituto,

algumas alegam motivos pessoais, como o fim de seu casamento; outros acreditam

que o motivo foi o término do contrato dele com o imperador; outros apontam

motivos de saúde, problemas políticos, enfim, são muitas teorias.

Em 1873, Flausino José da Gama, um ex-aluno do Instituto Nacional de

Educação de Surdos-Mudos, publica o livro Iconographia dos Signaes dos Surdos-

mudos, considerado uma relíquia histórica para a Língua de Sinais Brasileira20.

Com a proibição, no Congresso de Milão (1880), de ensinar e divulgar o

método francês, gestualista, muitas escolas de surdos na Europa começaram a

ensinar aos surdos o método alemão, oralista. O Brasil realizou estudos para se

posicionar a favor ou contra o método de ensino oral para surdos.

19 Hernest Huet nasceu em 1822 e, aos 12 anos, ficou surdo. Sua família pertencia à nobreza da França. Huet se formou professor e emigrou para o Brasil em 1855. Ele seguia o método desenvolvido por l’Epée.

20 É interessante falar que, em 1871, o Dr. Tobias Leite publicou o primeiro livro para professores surdos, que recebeu o título de Lições de Linguagem Escrita. Foram distribuídos aproximadamente 500 exemplares de seu livro nas províncias de Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Paraná.

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No levantamento histórico realizado por Soares (1999) é possível

desvendar um pouco sobre os motivos que levaram o Instituto Imperial de Surdos-

Mudos a substituir o método gestual pelo oral puro. Ela descreve com precisão

histórica impressionante o Brasil do século XIX, onde apenas os homens de letras e

os homens de posses tinham acesso à escrita e à leitura, ficando à margem desse

processo 90% da população, parcela composta por escravos, pequenos

proprietários, açougueiros, etc. À vista disso, ensinar o surdo a ler e a escrever não

era vantajoso num país de analfabetos, sendo a opção mais adequada o oralismo.

A autora nos traz os relados do Dr. Moura Silva21 e do Dr. Menezes

Vieira22 sobre os motivos que levaram o Brasil Império a optar pelo método oral puro

após a decisão do Congresso de Milão em 1880.

Em 1896, o Dr. Moura Silva visitou o instituto francês para surdos-mudos

criado por l’Epée. Na sua estada de seis meses, ele observou alguns pontos que

foram cruciais para escrever seu relatório, se posicionando a favor do método

oralista. De acordo com Soares (1999), o posicionamento de Moura Silva se deve,

em grande parte, à realidade brasileira comparada com a realidade francesa:

1. Que todos os alunos de fraca inteligência, les arrièrés, aos quais se destinam as últimas secções de cada ano, não se prestam absolutamente ao ensino pela palavra: além de tempo e dinheiro gastos inutilmente com eles, semelhante ensino é verdadeiro martírio para essa categoria de surdos, duplamente infelizes e sacrifício sem nome para o pobre mestre; 2. Que os que ensurdeceram depois de haverem adquirido o uso da palavra e os semi-surdos, principalmente d’entre uns e outros os que são inteligentes, articulam, em geral, satisfatoriamente, podendo ser ouvidos com prazer; 3. Que a articulação dos surdos de nascença, salvo raríssimos privilegiados, é sempre penosa, difícil e desagradável (MOURA,1896 apud SOARES, 1999, p. 41).

No Brasil, a intenção de desenvolver a fala do surdo era disfarçada em

desculpas como falta de recursos e tempo para treinamento e repetição de

21 De acordo com informações de Soares (1999, p. 39), o “Dr. Moura e Silva era professor do Instituto Nacional de Surdos-Mudos do Rio de Janeiro, desde 1884”. Consta que ele permaneceu de licença por seis meses na França, onde foi convidado a conhecer o Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris. A autora levanta um dado interessante: segundo l’Epée, seu método gestualista foi escolhido em grande parte por causa do número de alunos que estudavam no instituto que usavam a linguagem de sinal. Sendo assim, desenvolver a oralidade desses alunos não seria viável. Essa poderia ter sido, segundo a autora, uma resposta que o abade teria dado a seu grande rival Jacob Pereira.

22 Sobre Menezes Vieira a autora não conseguiu dados suficientes para enriquecer sua descrição. Consta que era professor.

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exercícios de escrita. A intenção era adaptar o surdo à sociedade investindo em

técnicas de leitura labial e nos mais aptos a falar. Outro ponto interessante é que a

maioria das atividades realizadas no Instituto Nacional para Surdos-Mudos era

voltada à profissionalização. A intenção do Brasil, no final do século XIX e até a

segunda metade do século XX, era formar mão de obra “surda” para o mercado de

trabalho, com o interesse de “diminuir o fardo da família” nos gastos com seu filho

com deficiência (SOARES, 1999 e LIMA, 2004).

Anteriormente, mencionei que o Dr. Menezes Vieira também teve um

papel importante para a introdução do método oral puro no Brasil. O Brasil do final

do século XIX era considerado um país de analfabetos e, por essa razão, não seria

de grande importância ensinar o surdo a ler e a escrever. Na verdade, buscava-se

sua integração social através da fala e não da escrita. Esse fato triste da nossa

história é revelado no relatório do Dr. Menezes Vieira (1884) 23 sobre seu

posicionamento em favor do oralismo na educação de surdos:

O Instituto do Rio de Janeiro, baseando a educação no plano que regia em 1868 o Instituto de Paris, possui vícios desse plano. Adaptando para instrumento geral de comunicação a linguagem escrita e reservando para certos casos especiais a articulação ou palavra articulada, obedeceu à influência imitativa, tomou pelo atalho e abandou a estrada real. Colocou em segundo lugar, reservou para casos particulares, os grandes instrumentos de uma educação completa. Desse alvitre resultou, não há como negar, a diminuta frequência de alunos e as dificuldades que hoje se entolham para uma reorganização racional. Restituir a uma sociedade de analfabetos alguns surdos-mudos sabendo ler e escrever de que vale e para que serve? Unicamente produzir nos pais o desgosto por verem perdido precioso capital de tempo e ao educando dar uma linguagem que poucos compreendem. Dos alunos educados no instituto do Rio de Janeiro, quantos ainda conservam a linguagem escrita? Três ou quatro. Porque os outros abandonaram-na? Porque, na sociedade em que vivem, raros sabem ler e escrever. Claro está, portanto, que o único meio de restituir o surdo-mudo à sociedade é dar-lhe uma linguagem que todos compreendam (MENEZES VIEIRA, 1884 apud SOARES, 1999, p. 43).

Podemos, então, concluir que a questão da adoção do método oral puro

foi motivada, em grande parte, pela miséria e pela desigualdade social: o que

adiantaria ensinar um surdo a ler e a escrever se dificilmente teria pessoas

alfabetizadas ao seu redor? (SOARES, 1999 e GUIMARÃES, 2012).

23 Considerações sobre Menezes Vieira: “(...) 1. Entende que a educação de surdos, limitava-se somente ao ensino da palavra articulada (...) 2. Ele estaria de fato preocupado com a inserção social do surdo, dessa forma adquirir a língua escrita, num contexto em que ninguém sabia ler, não era o caminho mais adequado.” (Soares, 1999, p. 43)

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De 1911 a 1920, o Instituto Nacional de Educação dos Surdos-Mudos

passa a ser chamado de Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), e

também passa a aderir à tendência do oralismo, apesar de tal tendência não ter

mostrado bons resultados no ensino de surdos na Europa.

De 1930 a 1970, o Instituto Nacional de Educação de Surdos passa por

momentos de grandes tensões internas, por causa das divergências de pensamento

existentes entre os diretores e professores sobre o método oralista. Alguns

professores, apesar da proibição de usar a linguagem gestual com aos alunos

surdos, continuaram se comunicando pela linguagem de sinais com eles. A resposta

da direção do instituto foi reforçar os mecanismos de punição e as demissões para

os que não seguissem as regras de usar somente o método oralista.

Em 1975, chega ao Brasil o método da comunicação total, que misturava

em sua estrutura o gestualismo e o oralismo (LACERDA, 1998).

Em 1977, no estado do Rio de Janeiro, é criada a FENEIDA (Federação

Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos).

Na década de 1980, a educação bilíngue para surdos chega ao Brasil e

passa a ser ensinada em ampla escala na década de 1990. Esse método encontrou

grande resistência por causa do enraizamento das ideias oralistas, que viam o surdo

como um indivíduo que deveria ser reabilitado através da fala (COSTA, 2010).

4.2 – O bilinguismo no Brasil: inclusão do aluno surdo

Na década de 1980, a pesquisadora Lucinda Ferreira Brito começa a

realizar pesquisas sobre a estrutura linguística da língua de sinais brasileira e sua

relação com o tronco idiomático da língua de sinais também utilizada por índios

Urubu-Kaapor no estado do Maranhão. Suas pesquisas propiciaram um largo campo

de estudos sobre a língua de sinais no Brasil (GUIMARÃES, 2012).

A língua de sinais utilizada no Brasil até o final da década de 1980 era

conhecida como LSCB (Língua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros). Em

1994, a língua de sinais brasileira muda de nome por iniciativa da pesquisadora

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Lucinda Ferreira Brito e passa a ser conhecida pela abreviatura LIBRAS (Língua

Brasileira de Sinais).

O final do século XX e o início do século XXI são marcados por

acontecimentos24 que levam a uma reflexão sobre os direitos das pessoas com

deficiência na sociedade. É um período que marca o reconhecimento das diferenças

e a necessidade de criação de mecanismos políticos e sociais que garantam a

integração da pessoa com deficiência – acesso à educação, à cultura, ao trabalho,

ao lazer – e que pune, na forma da lei, qualquer forma de discriminação a pessoas

com deficiência (LIMA, 2004 e GUIMARÃES, 2012).

Em 2002, a LIBRAS é reconhecida como a língua oficial das comunidades

surdas do Brasil, através da lei 10.436 regulamentada pelo decreto nº 5626 de 2005.

A educação bilíngue consiste numa educação que prevê o ensino da

LIBRAS para alunos surdos ou com deficiência auditiva do tipo profunda ou

acentuada como primeira língua na modalidade comunicação. A língua portuguesa

aparece como segunda língua, ensinada na modalidade escrita.

Segundo Lima (2004) e Guimarães (2012), de todas as abordagens

utilizadas para o ensino de surdos, a linguagem de sinais se mostrou mais completa

e adequada às necessidades dos alunos. Como qualquer língua natural, a língua de

sinais deve ser adquirida o mais cedo possível, permitindo a constituição da

identidade do sujeito surdo com sua cultura. Assim sendo, a LIBRAS passa a ser

reconhecida como uma língua tão complexa quanto a língua oral. Nas palavras de

Guimarães (2012), o reconhecimento da língua de sinais abriu novas portas para a

educação de surdos e seu reconhecimento social:

(...) a língua de sinais ocupa lugar central, pois é vista como uma língua visual-espacial que supre todas as necessidades de desenvolvimento cognitivo e aprendizagem do sujeito surdo. Deve-se oportunizar ao surdo, desde o mais cedo possível, o contato com outros usuários da língua de sinais, para que aprenda sua língua de forma não artificial e sim como parte

24 Declaração Mundial de Educação para Todos também conhecida como Declaração de Jomtien (1990); Declaração de Salamanca (1994); Criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990); Promulgação do decreto nº 3.298/1999, que dispõem sobre a matrícula escolar da criança ou jovem com deficiência, criminalizando qualquer forma de discriminação no ato da matrícula escolar em estabelecimentos públicos ou privados de ensino; Resolução CNE nº 1 de 2002, que dispõem sobre as Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica, que prevê de forma obrigatória nos cursos de pedagogia e licenciaturas a inclusão do curso de LIBRAS. Em 2008, o Ministério da Educação lança as Diretrizes da Política Nacional da Educação Especial.

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de seu contexto social. Essa nova concepção de educação valoriza a inserção do surdo na sociedade, retirando-o do isolamento [permitiu o contato do aluno surdo com os dois mundos que o cercam: primeiro, o mundo cultural e linguístico por meio da LIBRAS, segundo, a interação com o mundo ouvinte mediado pela escrita e leitura da Língua Portuguesa] (GUIMARÃES, 2012, pp. 48-49).

O ensino da Língua Portuguesa escrita na escola para alunos surdos é

importante porque através dela ele terá acesso aos bens culturais do “mundo dos

ouvintes”, podendo ser incluído no ensino comum acompanhado por um intérprete

de língua de sinais ou interlocutor de língua de sinais (ILS)25.

4.3 – Mitos e verdades sobre a língua de sinal

De acordo com Sacks (1989), a comunicação por gestos corporais e

sinais precede a comunicação oral. Esse fato pode ser observado no

desenvolvimento dos bebês, que primeiro desenvolvem as funções sensório-

motoras para depois alcançarem o estágio da comunicação oral, ou seja, para

desenvolverem o aparelho fonoaudiólogo. Desse modo, a linguagem viso-espacial é

uma forma de comunicação própria da espécie humana (QUADROS, 1997).

Consequentemente, seria errado construir uma hierarquia de valores de

superioridade ou de inferioridade entre a linguagem de sinal e a linguagem oral.

Quadros (1997) esclarece que ambas as formas de linguagem são

naturais e correspondem às necessidades básicas de comunicação, sendo um mito

afirmar que a linguagem de sinal é inferior em conteúdo e estrutura se comparada às

formas de linguagem oral.

Tais línguas são naturais internamente e externamente à capacidade da psicobiologia humana para a linguagem e porque surgiram da mesma forma que as línguas orais, da necessidade específica e natural dos seres humanos de usarem um sistema linguístico para expressarem ideias, sentimentos e ações. As línguas de sinais são sistemas linguísticos que passaram de geração em geração de pessoas surdas. São línguas que não se derivam das línguas orais, mas fluíram de uma necessidade natural de comunicação entre

25 “A lei mais recente que se tem em território nacional sobre o profissional ILS é datada de 01 de

setembro de 2010 sob o nº 12.319, sancionada pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Essa lei reconhece o exercício da profissão do intérprete mediante formação especifica e certificação como garantida anteriormente pelo Decreto nº 5.626, de 2005. A lei garante que, até dezembro de 2015, a União promoverá diretamente ou por intermédio de instituições credenciadas o exame nacional em tradução e interpretação de LIBRAS – Língua Portuguesa” (GUIMARÃES, 2012, pp. 66-67).

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pessoas que não utilizam o canal auditivo-oral, mas o canal espaço-visual como modalidade linguística (QUADROS, 1997, p. 47).

A língua de sinal é uma língua viva como a língua oral. Isso significa que

ela está em constante transformação, ou seja, seus usuários criam novos sinais e

expressões. É um mito pensar que a língua de sinal é universal, sendo idêntica em

todos os lugares do mundo, ela sofre variação de um país para o outro. Até em

países lusófonos ela sofre uma grande variação linguística, existindo, então: a

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), a Língua Gestual Portuguesa (LGP), a Língua

de Sinais Angolana (LAS) e a Língua Moçambicana de Sinais (LMS). Esse fato

também ocorre com a forma de falar o português, que é diferente no Brasil, em

Moçambique, em Portugal e em Angola. Dentro do Brasil, a língua de sinais também

sofre pequenas adaptações, dependendo da região em que é usada. Esse fato seria

o equivalente ao regionalismo ou sotaque regional do português oral.

Variação do sinal de verde entre São Paulo e Rio Grande do Sul.

Fonte da imagem: <http://papodehomem.com.br/pequeno-guia-para-entender-as-linguas-de-sinais/>.

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CAPÍTULO 5 – VYGOTSKI, UM VISIONÁRIO DA EDUCAÇÃO

ESPECIAL

Alexander Martianov26, “Signs”.

26 Alexander Martianov é um artista plástico surdo da Rússia. Fonte da imagem: <https://culturasurda.net/2014/12/16/alexander-martianov/>. Acesso em: 23 fev. 2016.

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5.1 – A vida de Vygotski

“Criar uma nova teoria não é como destruir um velho estábulo e erguer um arranha-céu em seu lugar. É mais como escalar

uma montanha e adquirir vistas novas e mais amplas.”

(Albert Einstein)

É interessante iniciar a biografia de Vygotski 27 esclarecendo algumas

divergências em relação à grafia do sobrenome, que aparece de diferentes formas

nas traduções. Entre as grafias mais comuns encontramos: Vigotski, Vygotsky,

Vigotskii e Vygotski. Segundo Jácome (2006), citando Veer e Valsiner (1996), o

verdadeiro nome dele era Vigodski, que ele próprio teria substituído para Vygotski

por motivos identitários. Ele acreditava que sua família era originária da aldeia de

Vygotovo, por isso decidiu substituir o “d” pelo “t” em seu nome.

Lev Semenovich Vygotski nasceu em 1896 na Rússia, oriundo de uma

família judia tradicional com boas condições financeiras, o que contribuiu para sua

formação intelectual e para seu acesso aos clássicos da literatura russa e mundial

(SIERRA, 2010). Na sua infância e adolescência, em Gomel, ele aprendeu francês,

hebraico, latim e grego. Outras paixões de Vygotski eram a poesia e a literatura, que

o estimulou a escrever cem trabalhos sobre arte e literatura.

Com 15 anos de idade, ele ingressou no secundário, no qual se destacou

entre seus colegas. Apresentava uma inteligência acima da média. No entanto, as

leis de acesso ao ensino superior haviam mudado, não era mais por mérito

acadêmico e sim por sorteio. Apenas 3% das vagas eram destinadas aos judeus no

ensino superior russo e, por sorte ou por destino, Vygotski foi um dos sorteados,

podendo ingressar nos cursos de Medicina e Direito (SIERRA, 2010)

Em 1914, matriculou-se na Universidade de Moscou, onde cursou

paralelamente Medicina e Direito. Ele também frequentou a Universidade Popular de

Shanyavsky, onde cursou Filosofia, Psicologia, Literatura e História.

27 Usarei ao longo do texto a grafia Vygotski, mas manterei a grafia do texto original nas citações.

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Em 1917, já formado em Direito, ele volta para Gomel e começa a

lecionar Literatura e História da Arte. No período da década de 1920, ele funda o

Laboratório de Psicologia da Criança Anormal que, em 1929, se transforma no

Instituto Experimental de Defectologia28 (NETTO e LEAL, 2013).

A Revolução Russa e as obras de Marx e de Engels influenciaram muito a

obra de Vygotski nas primeiras décadas do século XX, sob o projeto comum de

formar “um novo homem” para fomentar a economia soviética. Para tanto, era

necessário rever certos valores sociais de acesso aos bens culturais, pois a

verdadeira revolução se daria por meio de acesso à cultura, o que livraria o homem

da alienação imposta pela sociedade de classe. Seguem abaixo algumas críticas da

pedagogia de cunho marxista que podem ter influenciado Vygotski a buscar novas

respostas que fossem além de meras explicações biológicas para o processo de

desenvolvimento da criança:

Marx e Engels indicam o fato de que as conclusões pedagógicas da teoria do materialismo histórico se distanciam da pedagogia burguesa. Tal diferença se apresenta em uma nova concepção de desenvolvimento humano, a qual se contrapõe às interpretações psicológicas e sociológicas, que aceitam o fatalismo ao suporem que o desenvolvimento humano depende meramente das circunstâncias bio-fisiológicas ou do meio ambiente imediato, numa relação direta. Ambas as interpretações dispensam o processo histórico para a compreensão do desenvolvimento do indivíduo, bem como das tarefas históricas das classes sociais, que participam decisivamente do desenvolvimento do indivíduo (BARROCO, 2007, pp. 40-41).

A cultura torna-se essencial para a compreensão dos processos

relacionados ao desenvolvimento e à educação da criança. Para Vygotski 29 , a

educação é um processo humanizador, ou seja, nos transformamos na medida em

que nos são oferecidas oportunidades de ter contato com o mundo, com as pessoas

e com o conhecimento construído e acumulado pela sociedade.

28 Alguns termos usados na Rússia para especificar áreas da ciência e suas especialidades. Utilizava-se conservar os nomes ocidentais. O psiquiatra russo Vsevolod Petrovich Kashchenko (1870-1943) introduziu o termo Defectologia na Rússia em 1912, para classificar a área destinada ao estudo da criança com deficiência física, sensorial e intelectual (NETTO e LEAL, 2013). O termo Defectologia poderia ser adaptado para Educação Especial e defeito para deficiência.

29 Um fato interessante sobre Vygotski é que aos 19 anos ele já sofria de tuberculose. Esse fato poderia tê-lo levado a se dedicar ao máximo a sua busca de conhecimento, com a certeza de que morreria cedo. Ele viveu intensamente sua ciência e participava de vários congressos, divulgando suas descobertas na escola de professores de Gomel.

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Em 1924, ele é convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de

Moscou, onde encontraria seus parceiros de pesquisa e também amigos Aleksander

Luria e Aleksei Leontiev.

Em 1925, nosso Vygotski já se encontrava bastante debilitado por conta

da tuberculose, porém, esse foi o período de maior produção cientifica dele. Em

1929, ele conclui sua tese de doutorado A psicologia da Arte, baseada num estudo

sobre Hamlet, de Shakespeare. Em 11 de junho de 1934, com 37 anos, morre

Vygotski de tuberculose.

No total, Vygotski escreveu 200 trabalhos de psicologia e 100 trabalhos

sobre literatura e arte, que ficaram mais de 20 anos proibidos de serem lidos por

causa da ditadura de Josef Stalin30, que o considerou idealista com ideias contrárias

ao seu regime político.

Uma das dificuldades encontradas por muitos pesquisadores em ter mais

informações sobre a obra de Vygotski encontra-se na barreira do idioma, por ser ele

um psicólogo russo. Seus escritos e trabalhos foram transformados em livros após

sua morte, chegando ao Brasil na década de 1980. No Brasil, foram publicadas as

seguintes obras: Pensamento e Linguagem (1987), Linguagem, Desenvolvimento e

Aprendizagem (1988), A Formação Social da Mente (1999), Psicologia da Arte

(2000) e Psicologia Pedagógica (2003), sendo um dos psicólogos que mais se

dedicou em estudar o desenvolvimento e a aprendizagem (SIERRA, 2010).

5.2 – A teoria de Vygotski

Para entendermos o desenvolvimento e a aprendizagem do aluno surdo,

buscamos suporte na teoria de Vygotski: os conceitos de psicologia histórico-cultural

e de compensação da deficiência.

Quando Vygotski começou a estudar o fenômeno da compensação da

deficiência, em 1924, suas ideias eram contrárias às teorias elaboradas no final do

século XIX e no início do século XX. As teorias anteriores descreviam que os

30 Josef Vissarionovitch Stalin (1878–1953) foi um grande líder da União Soviética. Stalin foi secretário geral do Partido Comunista da União Soviética e do Comitê Central (1922–1953).

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processos compensatórios do desenvolvimento da criança com deficiência poderiam

ocorrer sob a luz de duas teorias: mística e biológica.

De acordo com Dainez e Smolka (2014), essas teorias eram fortemente

difundidas na Europa e na América. A primeira, de natureza mística, consistia em

compreender o processo de compensação da deficiência como algo “divino” ou

como “fruto” da misericórdia de Deus. Logo, a criança com deficiência receberia um

“dom” ou uma “virtude” que compensaria suas falhas orgânicas. Segundo Dainez e

Smolka (2014) esse pensamento contribuiu para que o tratamento e a escolarização

da criança com deficiência fossem vistos pelo lado religioso e assistencialista.

Vygotski (1997) questionou muito a educação assistencialista dada às crianças com

deficiência nos Estados Unidos.

A segunda teoria consistia em ver o processo compensatório apenas por

uma ordem funcional do organismo, cujo mau funcionamento ou insuficiência de um

órgão seria naturalmente compensada pelo funcionamento de outro órgão. Essa

segunda visão contribuiu para a formação de uma pedagogia da reabilitação médica

e terapêutica da criança com deficiência.

Na visão de Vygotski (1997), ambas as visões eram questionáveis, na

medida em que concebiam o desenvolvimento como algo mensurável e

predeterminado, desconsiderando as possibilidades da ação cultural sobre o

desenvolvimento da criança com deficiência.

Para ele, o neurobiológico é transformado de forma qualitativa pela e na cultura, desta forma a deficiência não pode ser constituída como uma insuficiência, mas uma organização peculiar das funções superiores (SILVA, 2011, p. 72).

Dessa forma, Vygotski inicia uma verdadeira revolução nos estudos sobre

o desenvolvimento de crianças com deficiência, redimensionando o conceito de

compensação do biológico para o social.

[Vygotski] Menciona a ideia de Karl Marx segundo a qual a nossa existência social determina a nossa consciência. [Vygotski] traz a noção de caráter como cunho social da personalidade, apontando para a sua dinamicidade. O social não só auxilia as condutas do indivíduo como também é concebido como constituidor das funções psicológicas, como organizador da estrutura psíquica (DAINEZ E SMOLKA, 2014, p. 1102).

A cultura, segundo Vygotski, é o combustível do desenvolvimento. Por

essa razão, ele defendeu um sistema de ensino único, em outras palavras, uma

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pedagogia única que atendesse às necessidades de todos, independentemente de

serem ou não deficientes (DAINEZ e SMOLKA, 2014).

Em seu estudo sobre Defectologia, o que equivaleria hoje ao termo

educação especial, ele foi influenciado pelo psiquiatra austríaco Alfred Adler (1870–

1937). Esse estudioso foi uma figura essencial na construção do conceito de

compensação social de Vygotski (1997), que se interessou pelos processos de

formação de personalidade decorrentes de processos compensatórios.

Para Dainez e Smolka (2014), a leitura de Adler é essencial para

entendermos os fundamentos da teoria vigotskiana da formação social da mente e

como Adler foi fundamental na construção do conceito de compensação. É

importante destacamos que Adler não parte de um estudo específico sobre o

desenvolvimento da criança com deficiência. Na verdade, ele se dedicou aos

estudos da psicologia individual, tendo como foco as questões sociais de

relacionamento entre indivíduo e meio.

Na teoria de Adler, o indivíduo vive uma eterna luta para se adaptar e

atender às exigências do meio social. Quando o indivíduo, por algum motivo

biológico ou social, não consegue responder adequadamente aos estímulos do

meio, ele cria internamente um sentimento de inferioridade. Para Adler, esse

sentimento de inadequação social poderia estimular no indivíduo um impulso de luta,

ou seja, “impulsionar uma mudança orientada para a conquista de uma posição de

superioridade” (DAINEZ e SMOLKA, 2014, p. 1098). Portanto, para Adler: “Cada

indivíduo se organiza em função de sua percepção subjetiva do mundo social”

(DAINEZ E SMOLKA, 2014, p. 1098).

Podemos perceber que as ideias de Adler, que tanto influenciaram a obra

de Vygotski, são fundamentadas numa lógica de pensamento evolucionista31. A ideia

de luta a que ele se refere implicava em considerar os mecanismos compensatórios

como uma resposta do organismo ao meio, ou seja, adaptação social. No entanto,

Adler adicionou a essa equação elementos da psicologia (ou seja, o sentimento

subjetivo) que levariam o indivíduo a mobilizar forças para ultrapassar os limites

orgânicos: compensação e supercompensação (DAINEZ e SMOLKA, 2014).

31 Teoria Evolucionista de Charles Darwin (1809–1882). Em 1859, ele lança o livro A Origem das Espécies, sobre a adaptação das espécies ao ambiente.

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Desse modo, podemos concluir que Vygotski (1997) absorveu da teoria

de Adler o conceito de que compensação é luta, e acrescentou que é uma luta social

do indivíduo que constrói sua personalidade com base nas forças motrizes liberadas

para superar as barreiras impostas pelo desenvolvimento complicado por uma

deficiência orgânica.

Sendo assim, em seu estudo de Defectologia, Vygotski defendia o papel

da educação como agente transformador da vida pessoa com deficiência e sem

deficiência:

(...) [Vygotski] enfatiza a importância de entender que essa psicologia direciona para uma pedagogia em que a escola tem papel fundamental no desenvolvimento do indivíduo, pois possibilita a apropriação do conhecimento objetivo, historicamente acumulado, como forma de instrumentalização do indivíduo, não de um indivíduo passivo, mas de um indivíduo que se torna sujeito de suas ações (SIERRA, 2010, p. 79).

A educação baseada nos princípios da Defectologia de Vygotski tinha

como lema “jamais fazer um julgamento final referente à deficiência de uma criança

e sua capacidade”, em outras palavras, não julgar limitado o potencial de uma

criança por causa de suas limitações físicas. Portanto, toda a criança pode aprender

algo novo desde que seja aplicada a pedagogia adequada.

A seguir, discutiremos as características da Defectologia de Vygotski e

seu princípio de compensação social da deficiência.

5.3 – Defectologia Tradicional e Defectologia Moderna de Vygotski

O estudo produzido por Vygotski sobre sua concepção acerca da

defectologia tem sua data desconhecida. Estima-se que tenha sido escrito por volta

de 1924. A primeira publicação foi no ano de 1983, no quinto volume das obras

escolhidas, publicadas no idioma russo, o que dificultava o acesso de pesquisadores

de outros países. Logo após seu lançamento, e com a proliferação de estudos

baseados nas ideias de Vygotski, o livro ganhou traduções em dois idiomas, primeiro

no inglês (1993) e depois no espanhol (1997) (KOHL, SALES e MARQUES, 2011).

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No quinto volume das obras escolhidas de Vygotski (1997)32, ele critica o

conceito da defectologia tradicional que, segundo ele:

Todavia, não faz muito tempo, todo o campo do saber teórico e o trabalho científico-prático que convencionalmente se denominou com o nome comum de “defectologia” se considerava algo assim como uma pedagogia menor, em semelhança a como a medicina se diferencia da cirurgia menor. Todos os problemas se plantavam e resolviam neste campo como problemas quantitativos (VYGOTSKI, 1997, p. 11)33.

A defectologia tradicional utilizava-se de métodos psicológicos de

investigação baseados em princípios quantitativos e comparativos do

desenvolvimento da criança com deficiência. Para Vygotski, os métodos

empregados nos estudos de defectologia tradicional não poderiam ser classificados

como métodos psicológicos de estudos, uma vez que se prendiam a conceitos de

medidas fisiológicas como tamanho e circunferência craniana, não contemplando

aspectos psicológicos do desenvolvimento.

Nesses estudos não existiam questionamentos sobre fatores qualitativos

para o desenvolvimento da criança com deficiência a partir de seu defeito 34 ,

negando sua possibilidade de lograr. A criança com deficiência era vista a partir do

grau de seu defeito ou de sua insuficiência orgânica que, segundo a teoria

tradicional, decidiria todo o futuro de seu desenvolvimento.

Essa visão negativa sobre o potencial de desenvolvimento da criança com

deficiência comparada com seus pares sem deficiência gerou uma visão distorcida

sobre seu desenvolvimento que se:

(...) reduzia a um desenvolvimento quantitativamente limitado e de proporções diminuídas, na prática, naturalmente se promoveu a ideia de um ensino reduzido e mais lento (VYGOTSKI, 1997, pp. 11-12)35.

32Utilizei a versão em espanhol.

33 Todavía no hace mucho, todo el campo del saber teórico y el trabajo científico-prático que

convencionalmente denominamos com el nombre común de “defectologia”, se consideraba algo así como uma pedagogia menor, a semejanza de como la medicina diferencia la cirugía menor.(VYGOTSKI, 1997, p. 11)

34 Estou usando o termo defeito porque Vigotsky utiliza esse termo em seu livro. Também vou usar a expressão insuficiência orgânica.

35 “(...) se reducía a um desarrollo cuantitativamente limitado y de proporciones disminuidas, em la

prática, naturalmente, se promovió la idea de una enseñanzar educida y más lenta.” (VYGOTSKI, 1997, pp. 11-12)

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A reação de Vygotski foi questionar essa teoria e promover vários estudos

que contestassem tais afirmações sobre a impossibilidade de desenvolvimento da

criança com deficiência em comparação com crianças que não apresentavam

nenhuma forma de deficiência aparente. Nas palavras do autor:

A concepção meramente aritmética da deficiência é a característica típica da defectologia antiga e caduca. A reação contra este enfoque quantitativo de todos os problemas da teoria e a prática constituem a característica mais substancial da defectologia moderna (VYGOTSKI, 1997, p. 12)36.

Para ele, o desenvolvimento das funções psíquicas superiores não tinha

como base apenas fatores de natureza de filogênese pura. Em sua teoria, ele

acreditava que o desenvolvimento se dava principalmente na matriz social, ou seja,

na sociogênese.

A estrutura das formas complexas de comportamento da criança37 consiste numa estrutura de caminhos indiretos, pois auxilia quando a operação psicológica da criança revela-se impossível pelo caminho direto. Porém, uma vez que esses caminhos indiretos são adquiridos pela humanidade no desenvolvimento cultural, histórico, e uma vez que o meio social, desde o início oferece à criança uma serie de caminhos indiretos [para o desenvolvimento] (VYGOTSKI, 1995, p. 864).

Na perspectiva vigotskiana seria inaceitável estudar o desenvolvimento na

psicologia sem considerar as implicações do meio social e cultural para o

desenvolvimento da criança com ou sem deficiência. Para ele, o desenvolvimento se

dá por caminhos tortuosos, sendo um processo muito particular e individualizado

dependendo das características específicas do indivíduo, ou seja, a criança com

deficiência não é uma criança menos desenvolvida do que suas conterrâneas sem

deficiência (VYGOTSKI, 1995). A criança com deficiência, segundo Vygotski, é uma

criança que se desenvolve por outro caminho, quebrando a ideia de um

desenvolvimento linear e igual para todos.

36 “La concepción meramente aritmética de la defectibilidad es el rasgo típico de la defectología antigua y caduca. La reacción contra este enfoque cuantitativo de todos los problemas de la teoria y la práctica constituye el rasgo más sustancial de la defectología moderna.” (VYGOTSKI,1997, p. 12)

37 Este texto de Vygotski, “A defectologia e o estudo do desenvolvimento e da educação da criança anormal de 1995”, foi traduzido do russo por Denise Regina Sales, Marta Kohl de Oliveira e Priscila Nascimento Marques, que constituem um grupo de tradução dedicado às obras de Vygotski. Disponível na revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 4, p. 861-870, dez. 2011.

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Assim, não poderíamos comparar o desenvolvimento de uma criança com

e sem deficiência, porque o desenvolvimento de ambas segue caminhos diferentes,

podendo lograr no final. Essa é uma das principais ideias da defectologia moderna

(VYGOTSKI, 1995).

(...) o menino cujo desenvolvimento está complicado pelo defeito não38 é simplesmente um menino menos desenvolvido que seus pares normais, mas se desenvolve de outro modo (VYGOTSKI, 1997, p. 12).

Em outras palavras, Vygotski não via o desenvolvimento da criança com

ou sem deficiência como uma “estrada de mão única”, ele admitia a possibilidade de

que o desenvolvimento lograsse por diferentes “caminhos”, de acordo com as

características pessoais, sociais e culturais do indivíduo. Ele acreditava na

plasticidade do desenvolvimento e na capacidade do indivíduo de criar mecanismos

adaptativos com a intenção de superar e compensar os impedimentos orgânicos

(COSTA, 2006)39.

Para Vygotski (1997), os caminhos indiretos para o desenvolvimento são

formados a partir de processos compensatórios relacionados com a superação das

limitações da deficiência. Toda a deficiência pode gerar mecanismos

compensatórios. Assim, a deficiência desempenha um duplo papel na formação da

personalidade da criança, de um lado é um obstáculo/limitação e de outro uma

possibilidade alternativa de desenvolvimento. A deficiência pode gerar estímulos

indiretos para sua compensação, que podem variar de indivíduo para indivíduo, ou

seja, o grau de compensação e seu êxito podem variar conforme o contexto

sociocultural e as especificidades de cada pessoa (RAZUCK, 2011).

Podemos usar como exemplo o caso de uma criança cega que

desenvolve uma grande capacidade de diferenciação pelo tato e uma autonomia

para se locomover por diferentes lugares do seu cotidiano. Tal habilidade

desenvolvida por essa criança cega não é algo inato ou um dom divino que se

38(...) el niño cuyo desarrollo está complicado por el defecto no es simplesmente um niño menos desarrollado que sus coetâneos normales, sino desarrollado de otro modo (Vygotski 1997 p. 12).

39 COSTA, Dóris Anita Freire. Superando limites: a contribuição de Vygotsky para a educação especial. Revista Psicopedagogia. Vl.23. no.72. São Paulo 2006. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84862006000300007>. Acesso em> 10 de janeiro de 2016.

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desenvolveu apenas pela falta da visão, na verdade, essa habilidade é fruto de

muito treinamento e esforço (RAZUCK, 2011).

Também é errado pensarmos que todos os casos de compensação da

deficiência vão se transformar em supercompensação ou formação de talentos.

Esse é um processo muito individual que, como já explicamos anteriormente, varia

conforme a pessoa. Mas uma coisa é certa: para que ocorram processos

compensatórios é necessária a participação do indivíduo no meio social e cultural,

que, segundo Vygotski (1995) são os caminhos que favorecem seu aparecimento e

seu desfecho (vitorioso ou não).

Vygotski (1997) cita o exemplo da escritora e defensora dos direitos

humanos Helen Keller40 (1880-1968), que perdeu a visão e a audição antes de

completar dois anos de idade. Para ele, a compensação de Helen Keller se deve,

em grande parte, ao acesso cultural e educacional que ela recebeu desde a infância.

Se Helen Keller não tivesse recebido uma educação adequada, provavelmente ela

teria acabado sua vida num sanatório para deficientes mentais.

Como vimos anteriormente, Vygotski (1997) se baseou nas ideias de

Adler de que as implicações diretas da deficiência sobre o organismo dariam base

para a formação da personalidade e do psiquismo do indivíduo a partir da deficiência

(VYGOTSKI, 1997). Desse modo, ocorre uma reação no organismo de buscar novas

alternativas para se desenvolver, ou seja, um caminho indireto. Para Vygotski

(1995), os caminhos alternativos ou indiretos são aplicados quando não é possível o

desenvolvimento pelo caminho direto. Seu estudo com crianças surdas e cegas

demonstrou que é possível obter êxito no desenvolvimento com base em um aparato

cultural adaptado, como no caso de Helen Keller através da linguagem de sinal tátil

(comunicação) e do Braile (leitura e escrita).

(...) a fala não está obrigatoriamente ligada ao aparelho fonador; ela pode ser realizada em outro sistema de signos, assim como a escrita pode ser transferida do caminho visual para o tátil. (...). Elas consistem na criação de caminhos indiretos de desenvolvimento onde este resulta impossível por caminhos diretos. A língua escrita para os cegos e a escrita no ar para os surdos-mudos são tais caminhos psicofisiológicos alternativos de desenvolvimento cultural. Elas consistem na criação de caminhos indiretos

40 O filme Helen Keller e o Milagre de Anne Sullivan, conta sua história de vida e como ocorreu seu aprendizado da linguagem de sinal tátil. Disponível em: <https://youtu.be/9Zqn_pHoni0>. Acesso em: 05 mai. 2016.

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de desenvolvimento onde este resulta impossível por caminhos diretos. A língua escrita para os cegos e a escrita no ar para os surdos-mudos são tais caminhos psicofisiológicos alternativos de desenvolvimento cultural (VYGOTSKI, 1995, p. 868).

Esse pensamento exposto sobre a força da inserção do homem no meio

cultural como mecanismo de suporte para a superação da deficiência se deve à forte

influência do marxismo na psicologia histórico-cultural de Vygotski.

A pesquisadora Sierra (2010) utiliza as palavras de Shuare (1990) para

explicar a essência da psicologia histórico-cultural:

(...) examina a sociedade como criação do próprio homem, não como uma força estranha, externa, à qual o homem deva adaptar-se ou diante da qual ele deva manter-se simplesmente passivo. O homem é, ao mesmo tempo, sujeito e produto nas relações sociais, por isso só é possível estudá-lo, em qualquer aspecto, se o considerarmos como ser histórico e social (SIERRA, 2010, p. 79).

Para Vygotski, o maior impacto da deficiência em uma pessoa está

relacionado à convivência social. A sociedade criou padrões de normalidade

baseados em princípios biológicos e naturais do desenvolvimento (olhos, ouvidos,

mãos, pernas, órgãos funcionais e funções cerebrais normais) que contribuem para

a adequação ao meio social. Isso quer dizer que, quando nos deparamos com algo

que foge a esses padrões estabelecidos socialmente, a atitude é o estranhamento e

até o medo daquilo que não é padrão numa pessoa.

Desta forma, a deficiência para o deficiente é sempre vista como algo secundário, não direto. O deficiente não sente diretamente sua deficiência, mas as dificuldades que derivam dela (RAZUCK, 2011, p. 110).

Diante da evidência do defeito orgânico pela sociedade criam-se

mecanismos de rejeição ao indivíduo com deficiência. Entre os mecanismos de

rejeições sociais se destacam atitudes preconceituosas, isolamento social, e

descrédito das capacidades da pessoa com deficiência. O sentimento negativo

gerado pelas atitudes da sociedade estimula a pessoa a buscar e a criar meios de

compensar o defeito para conseguir a aceitação do grupo social. A defectologia de

Vygotski não é baseada estritamente no defeito e sim na possibilidade de

superação, ou seja, é um estudo baseado na pessoa e não no defeito.

Sob esse ponto de vista, Vygotski (1997) destaca que a criação do

conceito de deficiência tem seus principais conceitos (positivos ou negativos) na

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base social e, como tal, cabe criar ferramentas culturais adaptadas para superar as

limitações impostas pela insuficiência orgânica.

Vygotski também destacava que os educadores seriam peças

fundamentais para impulsionar o desenvolvimento da criança com deficiência. Para

ele, caberia ao educador conhecer seu aluno para melhor planejar suas ações

educativas, assim alcançando melhores resultados. Tal prática educativa, baseada

na observação e na intervenção educativa centrada no desenvolvimento pleno do

aluno com deficiência, foi aplicada durante muitos anos na escola de Zagorsk41, em

Moscou. Essa escola atendia alunos oriundos de várias partes da União Soviética,

seus educadores eram, em grande parte, especializados em Defectologia.

A escola de Zagorsk foi, por muitos anos, um exemplo de instituição

especializada no atendimento a crianças com deficiência. Vários de seus ex-alunos

cursaram a Universidade de Moscou. Seus professores eram chamados de

“transformadores”, na medida em que ajudavam seus alunos a se desenvolverem. O

corpo docente tinha como principal função desenvolver a autonomia e a confiança

dessas crianças para viverem em sociedade. O olhar dos professores não era

apenas direcionado para as limitações da deficiência de cada criança e sim para as

possibilidades de desenvolvimento de cada criança da instituição.

A escola de Zagorsk transformou a vida de centenas de alunos que,

mesmo com as limitações físicas impostas por suas deficiências, conseguiram

estudar e exercer uma profissão. Para Vygotski (1997), toda criança tem

possibilidade de vir a se desenvolver e a aprender caso seja aplicada a forma de

ensino apropriada. Ele parte do princípio de uma educação social. Os ex-alunos de

Zagorsk são verdadeiros exemplos de superação e compensação social da

deficiência, voltada para o desenvolvimento cognitivo e para a autonomia da pessoa

com deficiência.

A educação social que Vygotski defende se dá no coletivo e no âmbito da

educação laboral da pessoa com deficiência de modo a garantir sua plena

integração produtiva dentro da sociedade. Logo, ele parte do princípio da:

41A escola é tema de um documentário da BBC: Borboletas de Zagorsk (1992). Disponível em: <https://youtu.be/KxEaHMxi7wE>. Acesso em: 12 mar. 2016.

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“educação social” é que pode levar pessoas com deficiência ao pleno desenvolvimento das faculdades humanas, à formação do homem cultural comprometido com o coletivo (BARROCO, 2007, p. 374)

Note-se que a ideia central era promover o acesso de todos à educação,

que seria a chave para o desenvolvimento da URSS, cada indivíduo seria uma

célula funcional dentro do sistema, ou seja, caberia ao sistema escolar desenvolver

as capacidades de cada criança com ou sem deficiência física e/ou mental.

Do estudo de Vygotski sobre a Defectologia podem ser extraídas as

seguintes ideias centrais:

a) O homem com deficiência se humaniza pelo trabalho e pela cooperação com seus pares;

b) O processo de constituição daquilo que é propriamente humano (funções naturais humanas), segue sempre a mesma direção no desenvolvimento de pessoas com e sem deficiências;

c) As leis do desenvolvimento humano no plano filogenético não se reeditam, da mesma forma, no desenvolvimento ontogenético de pessoas com ou sem deficiência;

d) As mediações com outros homens permitem a uma criança muito comprometida pela deficiência apropriar-se daquilo que é humano;

e) O processo educativo deve provocar revoluções nas pessoas com e sem deficiência (parte do principio da dialética na construção do novo homem para URSS);

f) Os conceitos científicos devem ser instrumentos para a pessoa com deficiência apreender o mundo e intervir sobre ele (acumulação de saberes de forma qualitativa ao invés da forma tradicional quantitativa);

g) O comprometimento físico e/ou mental gera alguma forma de compensação, que pode ser positiva ou doentia (pode culminar em êxito ou derrota de acordo com as características específicas do indivíduo);

h) A deficiência, o déficit ou o defeito biológico só terá o estatuto de impedimento se assim a sociedade o reconhecer;

i) A educação social e coletiva, como meios de suprir à segregação social e política imposta às pessoas com deficiência, a educação laboral e politécnica é o caminho para desenvolver o educando com deficiência física e/ou mental (BARROCO, 2007, pp. 372-374).

5.4 – O ensino do aluno surdo

Como já falamos anteriormente, no início deste capítulo, a criança com

deficiência tem o mesmo potencial de desenvolvimento de qualquer outra criança. O

que pode influenciar em maior ou menor grau seu desenvolvimento é seu nível de

acesso à cultura. De acordo com Vygotski (1997), o desenvolvimento da criança

com deficiência se dá por caminhos alternativos e caberia à sociedade e à escola

proporcionar a todas as crianças, independentemente de suas limitações, meios

para terem êxito em seu desenvolvimento.

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Para tanto, Vygotski parte de uma psicologia histórico-cultural, vendo o

homem a partir de suas interações com o meio social, no qual aprendemos a ser

humanos a partir de nossa relação com o outro. Ele estudou vários aspectos

relacionados ao desenvolvimento humano, como a relação entre pensamento e

linguagem, a formação de conceitos e da mente, e o desenvolvimento da criança

com deficiência (MARTINS et al., 2009).

Sob a lógica marxista, ele ressaltava em seus estudos a necessidade do

contato com o outro para a formação e o desenvolvimento da personalidade e das

estruturas psíquicas superiores. O êxito no desenvolvimento não estaria apenas

interligado a fatores ambientais e biológicos, mas também a fatores culturais e

sociais do ambiente de formação do indivíduo.

Para Vygotski, o surdo-mudo é um caso muito interessante de ser

analisado. Por um lado, sua limitação auditiva não o impediria de ter acesso ao

conhecimento, por este ser, em grande parte, associado à memória visual. Por outro

lado, a falta da audição prejudica o desenvolvimento da linguagem, restringindo a

qualidade de suas relações sociais, de tal modo que chega a prejudicar seu

desenvolvimento cognitivo em relação a essa limitação orgânica.

Estudos realizados Razuck et al. (2007) e por Sander e Mori (2008)

destacam as barreiras linguísticas como alguns dos principais fatores que

interfeririam no desenvolvimento do aluno surdo, principalmente para a

compreensão de conceitos abstratos. Esse fato, segundo estes autores, é

decorrente do vocabulário limitado do aluno surdo devido às poucas experiências

com a realidade e a comunicação com um grupo muito limitado de pessoas que

saibam ou que sejam fluentes na linguagem de sinais. Outro fato é o acesso tardio

que muitas crianças surdas têm à LIBRAS, geralmente no período escolar, o que

dificulta sua formação linguística, que deveria ocorrer entre zero e três anos.

Dessen e Brito (1997), em seu estudo sobre o desenvolvimento escolar

do aluno surdo na escola regular, destacam que as dificuldades encontradas no

desempenho dos alunos surdos encontram-se na compreensão de conceitos

abstratos. Esse fato se deve à forma de aquisição do conhecimento, que é baseada

no concreto, ou seja, naquilo que ele consegue perceber através da visão. Elas

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utilizam dados de 1970 retirados de Marchesi 42 (1987), para realizar uma

comparação no nível de desenvolvimento escolar do aluno surdo comparado com o

do aluno ouvinte:

1. Os surdos têm uma inteligência semelhante àquela dos ouvintes, não tendo sido encontrados atrasos nos diferentes fatores que configuram o seu desenvolvimento sensório-motor, exceto na escala de imitação vocal.

2. A sequência de aquisição dos diferentes conceitos, no que se refere às operações concretas nos surdos, é a mesma dos ouvintes, embora existindo uma defasagem temporal entre ambos.

3. No caso das operações formais, caracterizadas pelo pensamento hipotético-dedutivo, os adolescentes surdos manifestam um maior atraso comparado aos adolescentes ouvintes, inclusive não atingido este estágio.

4. As pessoas surdas, em comparação com os ouvintes, tendem a ter um pensamento mais vinculado àquilo que é diretamente percebido, mais concreto e com menor capacidade de pensamento abstrato e hipotético (DESSEN e BRITO,1997, p. 113).

No entanto, uma criança ouvinte sem acesso a pessoas para se

comunicar, ou seja, com falta de estímulos para desenvolver a linguagem, também

enfrentará os mesmos obstáculos de uma criança surda em aprender LIBRAS.

Notem que a questão não se encontra na capacidade de desenvolvimento e sim na

falta de acesso à cultura. Sendo assim, é uma questão de relação sociocultural,

conforme explicam Sander e Mori (2008):

(...) a dificuldade que a maioria das crianças surdas apresenta em compreender conceitos científicos vinculados na escola está associada à ausência de alguns conceitos cotidianos previamente adquiridos. (...). Salienta-se que, para a criança surda, a escola e todo o entorno escolar devem proporcionar interlocuções significativas e acessíveis em uma língua que ela domine plenamente (SANDER e MORI, 2008, p. 5).

Assim, a escola deveria providenciar ou adaptar sua estrutura para

atender a todos, facilitando o acesso à informação pelos alunos com qualquer tipo

de deficiência, seja ela auditiva, visual, física e intelectual. Para estes dois autores, o

problema do aprendizado do aluno surdo não deveria ser visto apenas como uma

questão limitada à comunicação e sim como uma questão de natureza pedagógica.

Desse modo, é comum encontramos sérias defasagens de alfabetização em alunos

42 Marchesi utiliza a Teoria de Piaget para analisar e comparar o desenvolvimento do aluno surdo. Piaget (1896–1980) previa em sua teoria quatro estágios para o desenvolvimento: Sensório-motor (0 a 2 anos), em que o conhecimento é baseado nos sentidos e nas habilidades motoras; pré-operatório (2 a 6 anos), marcado pela inteligência simbólica ou representativa; operatório-concreto (7 a 11 anos), marcado pelo pensamento lógico; operatório-formal (adolescência em diante), marcado pela inteligência lógica e abstrata.

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surdos e ouvintes. Consequentemente, não seria tanto a deficiência em si que

dificulta o aprendizado e sim a pedagogia aplicada (SANDER e MORI, 2008)43.

Tanto Lacerda (1998) como Sander e Mori (2008) e Razuck et al. (2007)

concordam sobre a necessidade de o professor buscar novas práticas de modo que

consiga deslumbrar as possibilidades do aluno e não apenas suas limitações.

De modo particular, Vigotski nos ajuda a pensar nas atitudes a serem assumidas no processo de ensino-aprendizagem se a preocupação é a potencialidade e não a falta ou o limite. Fica então colocada a necessidade de uma atuação que busque as possibilidades de aprendizagem e não as dificuldades de aprendizagem, isso inclui desafios importantes. Justificar a exclusão escolar de pessoas com surdez, por meio de argumentos referentes às especificidades de cultura, de língua e de comunidade ou de limites de comunicação é continuar legitimando a exclusão em qualquer sistema (RAZUCK et al., 2007, p. 15).

Em seu estudo sobre a educação de surdos, Vygotski (1997) faz as

seguintes considerações:

1. A pedagogia aplicada ao ensino de alunos surdos deveria

primeiramente respeitar as peculiaridades da criança, ou seja, tendo a

capacidade de elaborar e promover ações e atitudes positivas que

estimulem seu desenvolvimento.

2. Sobre a forma de comunicação, Vygotski aponta no final de seu estudo

para o poliglotismo, ou seja, a adesão à mímica, como forma natural de

comunicação do surdo, e à leitura labial. A língua nacional do país

deveria ser ensinada na modalidade escrita, assim se assemelhando à

modalidade atual do bilinguismo.

3. Ele não concorda com a segregação social na educação de surdos.

Vygotski defende uma educação integrada e coletiva, que seria mais

adequada ao desenvolvimento da criança. Caberia à sociedade

promover ferramentas para a plena integração e o desenvolvimento do

surdo.

43 Este fato foi comprovado em um estudo exploratório realizado pelos pesquisadores em duas escolas infantis de São Paulo, onde se percebeu a falta de envolvimento e conhecimento das professoras sobre seus alunos. Entretanto, a minha intenção não é generalizar para todas as escolas ou atuações de professores. A questão é que, em alguns casos, falta preparação didática e pedagógica dos professores.

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CAPÍTULO 6 – QUESTÕES METODOLÓGICAS

Ellen Mansfield44, “Surprise in Deaf Culture” (1988).

44 Ellen Mansfield nasceu surda, em Manhattan, Nova Iorque, e cresceu em Nova Jersey. Bacharelou-se em Ilustração na Escola de Artes Visuais de Nova Iorque. Fonte da Imagem: <https://culturasurda.net/category/artes-plasticas/page/10/>. Acesso em: 23 fev. 2016.

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6.1 – Pesquisa

Para Goldenberg (2004), o ato de pesquisar é uma arte, no sentido de

uma busca para construir novos conhecimentos. A palavra arte deriva do latim “ars”

que corresponde ao grego “tékne”, que significa técnica ou meio para se criar algo

novo45. A essência da pesquisa é a eterna busca por novas respostas para os

inúmeros problemas que afetam a sociedade nos diferentes campos do saber:

ciências humanas, ciências exatas, biológicas etc.

Logo, a metodologia científica poderia ser comparada a um caminho ou a

uma escolha feita pelo pesquisador com o intuito de cumprir sua missão de tentar

responder a uma pergunta de interesse coletivo ou individual que se encontra dentro

da sociedade.

No entanto, ao longo de sua caminhada, o pesquisador terá de enfrentar

inúmeras situações de altos e baixos, as quais irão testar a sua tenacidade e

persistência para terminar a pesquisa46. Goldenberg (2004) cita uma frase de Pierre

Bourdieu para descrever o caminho árduo de pesquisar no qual só os fortes têm

coragem de encarar o desafio:

A pesquisa é talvez a arte de se criar dificuldades fecundas e de criá-las para os outros. Nos lugares onde havia coisas simples, faz-se aparecer problemas (GOLDENBERG, 2004, p. 78).

Para esta pesquisadora e professora de Metodologia Científica, a arte de

pesquisar exige dois atributos importantes do pesquisador. O primeiro atributo está

relacionado às características pessoais e interpessoais do pesquisador, que seriam:

(...) ética, curiosidade, interesse real, empatia, paciência, paixão, equilíbrio, humildade, flexibilidade, iniciativa, disciplina, clareza, objetividade, criatividade, concentração, delicadeza, respeito ao entrevistado etc. (GOLDENBERG, 2004, p. 69).

45 Significado da palavra arte. Fontes: <http://www.infoescola.com/artes/o-que-e-arte/> e <http://antigo.acordacultura.org.br/nota10/programa/11>. Acesso em: 06 mar. 2016.

46 Acho importante dividir essa experiência com os futuros pesquisadores sobre as dificuldades que encontrei na busca de um campo de pesquisa. Algumas instituições de ensino, por motivos de falta de informações ou por medo de que o pesquisador venha a prejudicar a instituição, acabam fechando suas portas para as pesquisas. É importante que o pesquisador tome alguns cuidados: verificar cuidadosamente a política da escola, se todos os membros da unidade escolar realmente compreenderam os objetivos da pesquisa e se estão dispostos a participar e a colaborar com o estudo. Procurem instituições que tenham alguma ligação com universidades ou com centros de pesquisas.

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O segundo atributo seria a forma que o pesquisador entra no jogo de

pesquisar e sua maneira de ver a pesquisa. Para ela, pesquisar tem que envolver

paixão, interesse, curiosidade e, principalmente, respeito pelas pessoas que se

disponibilizam a cooperar com a pesquisa e a participar dela.

Ao longo deste estudo a respeito da visão do professor sobre o aluno

surdo e seu potencial de aprendizado, segui rigorosamente os princípios de

pesquisa de Goldenberg. Meu intuito é que meu estudo possa vir a colaborar para

desmistificar alguns mitos e preconceitos acerca do aprendizado do aluno surdo na

escola pública. E, como pesquisar é a arte de criar novos conhecimentos, espero

que meu estudo venha a contribuir para a melhoria da educação de alunos surdos,

porque esta é finalidade da minha pesquisa.

6.2 – As etapas da pesquisa: “paquera”, “namoro”, “casamento” e “divorcio”

Para Goldenberg (2004), a pesquisa entra em nossa vida como um novo

relacionamento. O primeiro passo que une duas pessoas é a atração mútua que

desperta o interesse em querer saber mais sobre aquela pessoa. Um objeto de

pesquisa, para ela, seria a mesma coisa que uma paixão que nos leva pesquisar

sobre um tema: abordagem, principais estudos, possíveis comparações e

aproximações com outros estudos etc. Essa fase exploratória da pesquisa ela

classifica como o momento de início da “paquera”.

A segunda fase seria o “namoro”, uma fase de compromisso e tomada

de decisões para a elaboração do projeto de pesquisa. Seria o momento em que o

pesquisador mergulha no tema de pesquisa e começa a tomar as decisões sobre o

futuro da pesquisa e sua viabilidade.

A terceira fase seria a concretização de uma união, ou seja, o

“casamento”. É um momento delicado em que o pesquisador deverá ter um bom

“jogo de cintura” para driblar os obstáculos que poderão ocorrer durante a realização

da pesquisa como, por exemplo, falta de recursos financeiros e instabilidades no

campo de pesquisa. Também é um momento de tomar decisões sobre a melhor

maneira de coletar os dados e analisá-los.

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A última fase é o “divórcio”, que seria o momento em que o pesquisador

escreve o relatório final. No momento da escrita do relatório final, o pesquisador irá

refletir os pontos positivos e negativos que surgiram ao longo de sua união com seu

tema de pesquisa. Também é o momento de contribuições e sugestões para futuras

pesquisas.

Sobre meu objeto de pesquisa, o amor não aconteceu à primeira vista,

surgiu no decorrer da delimitação da pesquisa. Inicialmente, eu pretendia estudar

apenas o processo de inclusão, sem definir um tipo de deficiência (sensorial, física,

múltipla ou intelectual).

Na qualificação, eu percebi, com o auxílio da banca, que precisava

escolher um recorte menor para meu estudo, ou seja, que era melhor investir em

uma “paixão” por vez. Acabei escolhendo, dentre as deficiências, aquela que me

causava mais impacto, que era a deficiência auditiva. O motivo dessa escolha foi

pessoal: eu também fui e sou uma aluna com deficiência auditiva.

Escolhi estudar, então, a visão do professor (a) sobre o aluno (a) com

surdez e seu potencial de aprendizado, por acreditar que é um estudo de grande

relevância social e educacional. Assim aconteceu meu namoro e meu casamento

com este tema.

6.3 – Pesquisa qualitativa

De acordo com Godoy (1995), quando um estudo busca descrever e

compreender um fenômeno em sua totalidade e complexidade, é provável que o

pesquisador esteja inserido num paradigma qualitativo. Os estudos qualitativos têm

característica descritiva, ou seja, eles buscam construir um conhecimento mais

aprofundado sobre uma determinada realidade e os diversos atores que nela atuam,

descrevendo os lugares, as relações interpessoais, as atitudes, as opiniões, os

problemas etc. (TRIVIÑOS, 1989).

De acordo com Godoy, a pesquisa de cunho qualitativo apresenta as

seguintes características:

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a) A pesquisa qualitativa trabalha com o universo dos significados,

valores, atitudes, crenças e subjetividade;

b) Caráter descritivo de eventos, pessoas, lugares entre outros objetos de

estudo;

c) Diferencia-se da abordagem quantitativa por não utilizar estatística ou

apresentar os resultados de forma numérica. Os dados coletados

aparecem sob a forma de transcrições de entrevistas, anotações, e

vários outros tipos de documentos;

d) Enfoque indutivo “parte de questões ou focos de interesses amplos,

que vão se definindo à medida que o estudo se desenvolve” (GODOY,

1995, p. 58).

Meu interesse era investigar a visão dos (das) professores (as) sobre o

aluno com surdez e seu potencial de aprendizado. À vista disso, meus dados são de

natureza descritiva sobre este aluno.

A seguir, explicarei os procedimentos que utilizei para coletar as

informações.

6.4 – Formulações da questão de pesquisa

Como já foi explicado anteriormente, meu interesse em estudar

estudantes com surdez e seu potencial de aprendizado nasceu das minhas próprias

experiências como aluna com deficiência auditiva na Educação Básica. Acredito que

são necessários mais estudos que relatem não apenas as dificuldades e limitações

do aluno com deficiência, mas também que apontem para o potencial de

aprendizado desses alunos.

Como o tempo do mestrado acaba sendo curto para a realização de um

estudo longitudinal que aponte o potencial e a trajetória de aprendizado do aluno

com surdez, decidi optar por estudo descritivo focado na opinião de um dos

protagonistas da educação: professor (a). Sendo assim, minha pergunta ficou

delimitada: qual é a visão das professoras sobre o potencial de aprendizado da

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aluna com surdez no Ensino Fundamental?47

Essa pergunta desencadeou outros objetivos para minha pesquisa, que

seriam, a partir da visão das professoras, identificar:

1. A visão geral das professoras sobre essa aluna (características da

aluna, interesses e aptidões);

2. A visão sobre a inclusão dessa aluna (para a aluna com surdez e para

os demais alunos da sala);

3. A visão sobre os aspectos relacionados ao aprendizado da aluna com

surdez.

6.5 – Procedimentos

6.5.1 – Entrevista

A boa resposta depende de boa pergunta, o pesquisador deve estar consciente da importância da pergunta que faz e deve saber colocar as questões necessárias para o sucesso de sua pesquisa (GOLDENBERG, 2004, pp. 71-72).

Para a coleta de dados utilizei como instrumento uma entrevista

semiestruturada contendo três questões norteadoras:

1. Como você vê sua aluna com surdez na sala de aula?

2. Como você vê o aprendizado e o potencial dessa aluna na sala de

aula?

3. Como você vê a relação dela com os demais alunos?

Essas questões tinham por finalidade capturar na fala das professoras:

a) A impressão das professoras sobre os aspectos cognitivos, afetivos e

relacionais da aluna com surdez;

b) A inclusão da aluna com surdez;

47 Optei por utilizar o gênero feminino (professoras e aluna com surdez) na pergunta central de pesquisa e ao longo da análise, apesar do título da dissertação estar no gênero masculino. Essa decisão foi para manter o título original do projeto que foi aprovado no comitê de ética (CAAE: 54816716.5.0000.5482 – Parecer 1512540).

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c) A percepção das professoras sobre o potencial de aprendizado da

aluna com surdez, se esse potencial era aproveitado ou não nas aulas,

e se favorecia a inclusão.

Optei pela entrevista semiestruturada com um roteiro preestabelecido

porque ela me oferecia mais vantagens (GOLDENBERG, 2004, p. 88):

1. As pessoas têm maior paciência e motivação para falar do que para

escrever;

2. Maior flexibilidade para garantir a resposta desejada;

3. Pode-se observar o que diz o entrevistado, e como diz, verificando as

possíveis contradições;

4. Permite uma maior profundidade do tema;

5. Estabelece uma relação de confiança e amizade entre pesquisador e

pesquisado, o que propicia o surgimento de outros dados.

Alguns cuidados foram tomados antes e durante os processos de

entrevista, para criar um clima de confiança e respeito com o entrevistado. Por

considerar que “a entrevista é um encontro entre duas pessoas” com o intuito de

juntas, criarem conhecimentos (SZYMANSKI, 2011, p. 89), foi seguido o seguinte

protocolo de conduta (TRIVIÑOS, 1989 e SZYMANSKI, 2011):

1. Apresentação formal: explicação para o entrevistado sobre os objetivos

da entrevista e a importância de sua participação no estudo;

2. Informação de que a entrevista seria gravada e de que em nenhum

momento deste estudo seu nome verdadeiro seria informado, ou seja,

nenhum dado de identificação seria exposto na pesquisa. Por isso,

utilizei nomes fictícios escolhidos pelos professores entrevistados.

Todas as entrevistas foram iniciadas após a leitura e a assinatura do

Termo de Livre Consentimento Esclarecido (TLCE).

3. Na primeira parte da entrevista foi realizado um aquecimento para

“quebrar o gelo” e criar um clima mais descontraído entre pesquisador

e entrevistado. Esse aquecimento consistia em uma pergunta: “Fale um

pouco de você como professor/a” – em que o entrevistado acabava

oferecendo uma grande variedade de informações: vida pessoal,

motivos da escolha da carreira docente, entre outros;

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4. As entrevistas duraram, em média, 20 minutos, para evitar estressar o

entrevistado ou a repetição de informações;

5. As transcrições foram feitas na sequência das entrevistas, para evitar a

perda de impressões que tive durante a realização das entrevistas;

6. A devolutiva48 foi dada por meio da transcrição da entrevista e uma

conversa sobre a síntese das informações e, caso fosse necessário, a

retomada de alguma questão.

A síntese das informações das entrevistas consistiu na apresentação das

principais ideias e significados que estavam contidos nas falas das professoras

sobre o fenômeno pesquisado. A síntese do conteúdo das entrevistas obedeceu ao

seguinte processo:

1. O pesquisador lê o depoimento para familiarizar-se com o texto que descreve a experiência;

2. Uma vez que o sentido do todo foi apreendido e como é impossível analisar um texto inteiro simultaneamente, o pesquisador deve quebrar em partes: volta ao começo do texto uma vez mais e passa a pôr em evidência os significados, em função do fenômeno que está investigando;

3. Como as descrições feitas pelos depoentes expressam realidades múltiplas (...) é necessário que as expressões cotidianas “ingênuas” do depoente sejam transformadas em linguagem psicológica;

4. Finalmente, o pesquisador sintetiza todas as unidades de significado transformadas, ou seja, integra todas as unidades em uma descrição consistente, referentes à experiência do depoente (ALMEIDA, 1992 apud SZYMANSKI et al. 2011, pp.69-70)

As professoras tiveram acesso a todo o material da pesquisa e, após seus

consentimentos, seus depoimentos foram utilizados no estudo.

6.5.2 – Critérios de seleção para a entrevista

Foram selecionados para participar do estudo professores que:

a) Trabalham na rede estadual de ensino de São Paulo;

b) Têm no mínimo cinco anos de experiência no magistério;

c) Atuam ou já atuaram com alunos com surdez nas séries finais do

Ensino Fundamental.

48 “Trata-se da exposição posterior da compreensão do entrevistador sobre a experiência relatada

pelo entrevistado, e tal procedimento pode ser considerado como um cuidado em equilibrar as relações de poder na situação de pesquisa” (SZYMANSKI, 2011, p. 55).

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6.5.3 – Caracterização do bairro, da escola e dos professores

entrevistados

a) Região Metropolitana de São Paulo

A região metropolitana de São Paulo, também conhecida como a Grande

São Paulo, tem uma população de 19.683.975 habitantes. Esta região é formada por

39 municípios e possui uma área de aproximadamente 7.946,84 km². A tabela

abaixo mostra o número de pessoas da região metropolitana de São Paulo por tipo

de deficiência.

Deficiências Região

Metropolitana de

São Paulo

Estado de São

Paulo

Mental/ Intelectual 226.464 502.931

Auditiva 888.221 1.893.359

Visual 3.858.628 7.344.037

Motora 1.162.318 2.561.856

Fonte: Censo 2010: Assessoria Técnica de Dados/Informações – SEDPCD/SP. Acesso em: 26 mai. 2016.

O distrito de Guaianases49, que pertence ao município de São Paulo,

também faz parte da região metropolitana de São Paulo. De acordo com dados da

subprefeitura de Guaianases, a proporção de pessoas com deficiência na

população, em 2000, era de aproximadamente 3,10%. Não foi possível encontrar

outro dado mais atualizado da subprefeitura de Guaianases ou a especificação do

número de pessoas por tipo de deficiência.

49 Apesar de encontramos a palavra Guaianases em vários sites e até em locais públicos escrita com (Z), a grafia correta da palavra é com (S). Os dados sobre a proporção de pessoas com deficiência foram retirados do site: <http://www.simdh.com.br/perfil/perfils.php?loc=1010>. Acesso em: 26 mai.

2016. As informações e dados sobre o bairro de Guaianases foram retirados dos sites: <http://www.prefeitura.sp.gov.br>; <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/ subprefeituras/dados_demograficos/index.php?p=12758> e <https://pt.wikipedia.org/wiki/Guaianases>.

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De acordo com a Secretaria de Educação50 de São Paulo, a Diretoria de

Ensino Leste 3, que atende grande parte do distrito de Guaianases, possui

dezessete escolas estaduais. O número de estudantes com deficiência auditiva

matriculados na Diretoria de Ensino Leste 3 é de 18 crianças.

● Conhecendo Guaianases

Guaianases é um distrito da cidade de São Paulo localizado no extremo

leste da capital paulista. O nome do bairro foi dado em homenagem à tribo

Guaianás, que habitava essa região.

A história de Guaianases é marcada pela presença de imigrantes

portugueses e nordestinos, que ajudaram a formar a identidade cultural desse bairro

da zona leste.

De acordo com dados da prefeitura de São Paulo (2010), o bairro de

Guaianases tem uma área de aproximadamente 8,60 km² com uma população

residente de 164.512 habitantes. A renda média da população é de R$ 1.058,87.

O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do bairro é de 0,756, sendo

considerado um IDH elevado. No entanto, é possível perceber que esse IDH elevado

se deve em grande parte à região comercial do bairro, localizada no entorno da

estação da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), onde

encontramos casas de alvenaria, condomínios fechados e prédios. Nas áreas

adjacentes, afastadas do centro comercial, a realidade é outra: encontramos

invasões e comunidades de baixa renda.

O bairro de Guaianases tem duas faculdades particulares (a Faculdade

Guaianás e um polo de Educação a Distância da Universidade Metodista de São

Paulo), a Biblioteca Municipal Cora Coralina, escolas públicas e particulares, UBS

(Unidade Básica de Saúde), AMA (Assistência Médica Ambulatorial), supermercados

de porte grande e médio e diversas instituições bancárias.

b) A escola das professoras

50 São 17 escolas estaduais e 16 escolas municipais. Fonte: <http://www.simdh.com.br/perfil/ perfils.php?loc=1010>. Acesso em: 26 mai. 2016.

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A escola em que as professoras entrevistadas lecionam fica no bairro de

Guaianases, no município de São Paulo. Esta unidade escolar atende 1.900 alunos

e funciona nos três períodos (manhã, tarde e noite). A escola conta com 60

professores, sendo todos residentes da região metropolitana de São Paulo (bairros

de Guaianases, Itaquera, Tatuapé, Ferraz Vasconcelos, Suzano e Mogi das

Cruzes)51.

Com o projeto de reorganização escolar do governador Geraldo Alckmin,

provavelmente ela passará a atender apenas o Ensino Médio52.

É uma escola considerada de grande porte, possui 34 salas de aula no

período da manhã com o Ensino Médio (1º ano, 2º ano e 3º ano), 30 salas de aula à

tarde com o Ensino Fundamental (6º ano e 9º ano) e apenas cinco salas no período

noturno, com Ensino Médio (1º ano, 2º ano e 3º ano).

A direção da escola é composta por um diretor efetivo, e dois vice-

diretores, sendo um para o período da manhã e outro para os períodos da tarde e da

noite. Como a escola abriga o Ensino Médio e o Ensino Fundamental, ela conta com

o apoio de dois coordenadores pedagógicos, um para cada segmento da Educação

Básica.

Sobre as características físicas da escola, ela não pode ser considerada

acessível a todos. Por ser uma construção do início da década de 1990, não possui

elevador nem rampa para os alunos com deficiência física ou de mobilidade

reduzida. São três andares de escada com degraus pequenos.

Os bebedouros e os banheiros não possuem nenhuma acessibilidade

para estudantes com deficiência física e usuários de cadeiras de rodas. No começo

do ano letivo de 2016, o diretor mandou colocar piso tátil de borracha nas escadas e

nos corredores da escola. Esse foi o único equipamento de acessibilidade que

encontrei nas dependências da escola.

c) As professoras

51 Dados obtidos com a direção da escola no primeiro semestre de 2016.

52 No site http://www.educacao.sp.gov.br/reorganizacao/ existia a relação de escolas que iriam mudar no processo de reorganização escolar. Entretanto, o governador de São Paulo, pressionado pelo movimento dos estudantes contra a reorganização escolar, decidiu adiar a implantação para o ano de 2017.

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Foram selecionadas para este estudo duas professoras que já tiveram

alunos com surdez na sala regular do Ensino Fundamental.

A professora Luana53 tem 46 anos, é casada e formada em Filosofia.

Ela nasceu com deficiência visual parcial e perdeu a visão do olho

direito aos sete anos de idade em decorrência de uma conjuntivite

bacteriana. Sua deficiência visual nunca foi uma barreira em sua vida,

concluiu a Educação Básica na rede pública, terminou com boas notas

e cursou o ensino superior (Bacharelado e Licenciatura em Filosofia).

No ano de 2014, ela trabalhou a disciplina de História com o 7° ano,

onde entrou em contato com uma aluna que estava perdendo

gradativamente toda a audição e precisava do auxílio de uma intérprete

ou interlocutora de LIBRAS.

A professora Leandra54 tem 54 anos, é formada em Letras, é de uma

família tradicional da zona leste de São Paulo. Ela sempre sonhou em

ser professora e sua paixão pela literatura a levou a querer estudar

Letras. Também é formada em Pedagogia e tem duas pós-graduações,

uma em Psicopedagogia e outra em Didática do Ensino Superior. Ela

trabalha atualmente no Estado e na Prefeitura, com Ensino Médio e

Ensino Fundamental. Ela é professora da Vera desde o 6° ano e vem

acompanhando o seu progresso.

d) A aluna

A aluna a quem as professoras vão se referir no depoimento é Vera55,

que tem atualmente 13 anos e estuda numa sala regular no Ensino

Fundamental, à tarde. Possui perda auditiva total do ouvido direito e

tem perda auditiva acentuada e progressiva no ouvido esquerdo, usa

53 As professoras escolheram seus nomes fictícios.

54 No caso da professora Leandra alguns relatos foram conseguidos em conversas informais no dia da devolutiva da entrevista. A professora não se sentia muito à vontade com a gravação.

55 Vera é o nome fictício da aluna escolhido pela professora Luana. Alguns dados sobre a aluna com surdez foram obtidos com a direção da escola e com a colaboração das professoras Luana e Leandra.

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aparelho auditivo amplificador e assiste às aulas com o auxílio de uma

intérprete ou interlocutora de LIBRAS. Segundo a escola, o caso de

Vera é progressivo, o que vai resultar na perda total da audição do

ouvido esquerdo. No entanto, a escola não soube me informar quais

seriam as causas da perda de audição, o que, segundo eles, ainda

está sob investigação médica.

6.6 – Coletando os dados

Os dados para esta pesquisa foram coletados no ano letivo de 2016. As

duas professoras que contribuíram com este estudo são do período da tarde e da

manhã e atuam ou atuaram com aluno com surdez nas séries finais do Ensino

Fundamental.

No planejamento escolar de fevereiro de 2016, me apresentei para o

grupo de professores do Ensino Fundamental e do Ensino Médio e expliquei que era

aluna da pós-graduação do Departamento de Educação: Psicologia da Educação da

PUC-SP e que estava realizando um estudo sobre a “Visão do professor sobre o

aluno surdo” e que gostaria de dialogar com professoras que tivessem experiências

com aluno surdo na sala regular.

Muitas dúvidas apareceram, nessa conversa inicial, sobre a questão do

anonimato e a preservação da imagem da professora e do aluno citado no estudo e

até mesmo sobre a timidez em dar uma entrevista. Esclareci que nenhum dado que,

porventura, pudesse ser usado para identificar o participante da pesquisa seria

divulgado e que ninguém seria obrigado a participar da entrevista.

Dos 30 professores presentes, três professoras se prontificaram a

participar do estudo. Dessas três, acabei escolhendo duas que tinham mais

experiência com aluno surdo.

Foram selecionadas duas professoras, sendo uma professora de História

e Filosofia e a outra de Português. Ambas trabalham nesta unidade escolar há mais

de cinco anos. As entrevistas foram agendadas por telefone, conforme a

disponibilidade de horário das professoras.

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Organizei o processo de entrevista em dois encontros, o primeiro

consistia em conhecer o sujeito de pesquisa, suas opiniões, suas visões sobre o

objeto de estudo que, no meu caso, era como Luana e Leandra viam o potencial de

aprendizado do aluno surdo. O segundo encontro ficou reservado às devolutivas das

entrevistas, ou seja, “uma exposição posterior da compreensão do entrevistador

sobre a experiência relatada pelo entrevistado” (SZYMANSKI, 2011, p.55).

Esse modelo de entrevista em encontros permitiu “quebrar o gelo” inicial

existente entre mim e a professora, fazendo do ato de entrevistar um diálogo entre

duas pessoas em igual situação de poder56. Outro cuidado que tive na coleta dos

dados foi de separar um momento para a devolutiva das entrevistas.

A devolutiva foi um momento muito enriquecedor, que permitiu o

esclarecimento de dúvidas sobre as falas, ideias, posicionamentos e correções de

equívocos de análise. As devolutivas aconteceram no final do mês de março,

durante o horário do ATPC do período noturno e do vespertino.

As entrevistas ocorreram em lugares distintos, conforme a agenda familiar

e de trabalho das professoras.

Com a professora Leandra, tive algumas dificuldades em marcar um dia

específico para a realização da entrevista. Esse fato ocorreu por conta da agenda de

trabalho da professora, que acumula dois cargos públicos: estado e prefeitura.

Conseguimos marcar um dia para a realização da entrevista na escola, durante um

período de janela de aula na terça-feira. Os professores chamam de janela de aula

ou aula vaga o período em que eles estão na unidade escolar sem ter aula. O

encontro da entrevista ocorreu na sala dos professores.

Com a professora Luana a entrevista se deu sem nenhuma complicação

no sábado à tarde, em sua casa. Cada entrevista durou em média 20 minutos.

56 Szymanski e Almeida (2011), ao proporem o ato de entrevista como uma troca entre duas pessoas sem nenhuma relação de poder, quebram paradigmas de dominação e autoritarismo impostos por metodologias anteriores de cunho tradicional. Para Szymanski, o entrevistado não é apenas um sujeito na pesquisa, ele é um participante. Por essa razão, usarei o termo participante.

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6.7 – Síntese das entrevistas

Nessa parte do estudo será apresentada ao leitor uma síntese das

entrevistas com as duas professoras participantes. A síntese pode ser entendida

como um resumo das principais ideias que apareceram na fala das professoras.

6.7.1 – Entrevista com a professora Luana

A entrevista com a professora Luana aconteceu em sua casa no sábado.

O interesse dela em participar do estudo partiu da sua identificação com o tema da

deficiência. A professora Luana não possui deficiência auditiva, mas tem a visual.

Antes de começarmos a entrevista, expliquei novamente o objetivo da pesquisa, que

era conhecer a visão dos professores sobre o potencial de aprendizado do aluno

surdo, e informei que o nosso diálogo seria gravado. Após o consentimento de

Luana, iniciei a entrevista pedindo para ela contar um pouco de sua vida e o que a

levou a querer ser uma professora.

Ela iniciou a conversa dizendo que nasceu com uma deficiência visual

parcial que foi notada por sua mãe antes de completar um ano de vida. Com sete

anos de idade, perdeu a visão do olho direito por causa de uma conjuntivite

bacteriana, o que dificultou ainda mais sua vida. Na primeira série do primário, o

equivalente hoje ao segundo ano do Ensino Fundamental, ela teve a ajuda de uma

professora muito especial:

Ela me estimulava muito e me dava força com palavras de incentivo, tipo “você é capaz, eu acredito em você”

Com o apoio e dedicação dessa professora ela conseguiu sair da primeira

série alfabetizada, mesmo sendo uma deficiente visual. Luana terminou os estudos e

conseguiu se formar em Licenciatura em Filosofia. Na faculdade de Filosofia, Luana

sofreu discriminação de um professor que se negou a adaptar a fonte de um texto

para facilitar seu acesso ao material.

Ele respondeu que me virasse com o material ou desistisse do curso.

Mesmo com essa dificuldade, ela terminou seu curso com boas notas

sem nenhuma DP (Dependência Disciplinar). No ano de 2000, ela começa a dar

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aulas de História e Filosofia na rede pública de ensino de São Paulo no bairro de

Guaianases. Em 2014, a professora Luana conhece Vera, uma aluna do 6° ano do

Ensino Fundamental que tem um quadro progressivo de perda auditiva. Luana conta

que sua aluna não tinha a audição do lado direito e tinha surdez acentuada e

progressiva do lado esquerdo, mas se comunicava oralmente com todos.

A perda auditiva de Vera foi diagnosticada com seis anos de idade e desde então a família vem a preparando para a surdez profunda, ou seja, ficar completamente surda. Ela e sua família já sabem LIBRAS.

Sobre sua aluna com surdez a professora relata que Vera era

participativa, curiosa e gostava de temas de História relacionados à cultura e à

religião.

(...) uma adolescente muito esforçada e teimosa, quando Vera quer uma coisa ela vai até o fim... Ela não se conforma com uma reposta, ela quer ir além do conteúdo.

A única dificuldade que ela vê em Vera é a sua dificuldade em trabalhar

em grupo.

6.7.2 – Entrevista com a professora Leandra

A entrevista com a professora Leandra aconteceu na sala dos professores

em um período de aula vaga. Ela é professora da aluna desde o 6° ano e vem

acompanhando seu desenvolvimento escolar. Vera está atualmente no 9° ano do

Ensino Fundamental e tem 13 anos de idade.

Pergunto no início da entrevista como nasceu o desejo de ser professora

de Português:

Eu gostava de escrever e ler livros e principalmente fotonovela. Outro motivo é que venho de uma família de professores.

A professora Leandra tem 28 anos de magistério e trabalha na rede

estadual de ensino e na rede municipal de ensino de São Paulo.

Vera foi sua primeira aluna com surdez, ela já tinha trabalhado com

alunos com síndrome de Down, autismo e com deficiência física. A professora conta

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que no começo foi difícil, até se acostumar, porque com Vera ela tem que ter uma

atenção redobrada para saber se ela está conseguindo acompanhar a aula.

A intérprete de LIBRAS ajuda bastante nas aulas, e foi essencial no

começo, quando a professora começou a trabalhar com a turma de Vera. A

professora destaca que Vera está apresentando agora uma maior dificuldade em

acompanhar a aula oralmente e solicita mais vezes a ajuda da intérprete.

Outra dificuldade que Vera vem apresentando desde o 6°ano é referente

à questão de socialização nos trabalhos em grupo. Segundo a professora, ela

prefere fazer tudo sozinha. A professora faz uma ressalva sobre esta afirmação:

Isso não significa que ela não tenha amigos na sala de aula. Ela apenas não gosta de trabalho em grupo. Venho trabalhando essa dificuldade com ela e a estimulando a trabalhar em grupo.

Para a professora, a experiência com Vera está sendo muito positiva e ela

percebe mudanças nos alunos, principalmente na questão da LIBRAS. A professora

conta que a intérprete, em algumas ocasiões de falta de professores, costuma

ensinar LIBRAS para a turma.

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CAPÍTULO 7 – A VISÃO DAS PROFESSORAS SOBRE A ALUNA

COM SURDEZ57

Fernanda Machado58

57 Usarei a terminologia “com surdez” para me referir à aluna porque ela possui perda total da audição do ouvido direito e perda auditiva acentuada e progressiva no ouvido esquerdo. Para assistir e acompanhar as aulas, ela precisa do apoio da intérprete de LIBRAS. Sobre a terminologia “intérprete” ou “interlocutora” de LIBRAS, prefiro usar a palavra “intérprete” por ser a forma de expressão mais conhecida entre as pessoas e profissionais do ensino (professores, gestores escolares, direção e diretorias de ensino).

58 A brasileira Fernanda Machado é uma atriz e artista plástica surda. Fonte da imagem: <https://culturasurda.net/category/artes-plasticas/page/15/>. Acesso em: 17 fev. 2016.

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7.1 – Um início de conversa

A primeira parte da análise tratará os aspectos da trajetória pessoal da

professora Luana, por considerar que sua história de vida influenciou muito a sua

maneira de ver, agir e pensar sobre a inclusão de alunos com deficiência.

A deficiência visual de Luana foi descoberta por sua mãe antes de ela

completar um ano de idade. Luana conta que sua mãe ficou apavorada com o futuro

da filha com deficiência.

Ela não sabia se me tratava como uma criança cega ou normal. Aceitar a minha deficiência foi muito difícil para ela.

Por ser de uma família muito humilde, sua mãe tinha que trabalhar como

empregada doméstica. Luana e seus três irmãos ficavam a maior parte do dia com

sua avó, que sempre a incentivava a fazer tudo em casa. Isso a ajudou a ser

independente.

Aprendi a fazer tudo com ela, cozinhar, arrumar casa, tudo. Minha avó não gostava de ver ninguém parado. Ela não me via como uma pessoa doente ou incapaz, me tratava igual aos meus irmãos.

Essa atitude de sua avó pode ter contribuído para a grande autonomia

que Luana tem em viver a vida. Segundo ela, a baixa visão nunca foi um empecilho

em sua vida e não se sente de forma alguma inferior a ninguém em capacidade e

força para resolver seus problemas diários.

Vygotski (1997) explica que a superação da deficiência encontra-se no

desenvolvimento da autonomia da pessoa com deficiência, ou seja, uma pessoa

com deficiência pode ter uma vida normal, desde que ela tenha acesso às

ferramentas sociais de acessibilidade e acesso aos meios culturais e sociais.

No caso de Luana, ela foi exposta desde pequena à vida social e não foi

excluída do convívio com outras crianças da mesma faixa etária.

Sempre fui muito sociável e extrovertida, tinha amizade com muitas crianças lá da rua e da igreja que minha família frequentava. Tive uma infância muito feliz não tenho do que reclamar.

Entretanto, Luana revela que, mesmo sendo uma criança extrovertida e

alegre, ela não conseguiu fugir do preconceito de alguns adultos de sua família.

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Às vezes eu ficava triste com a atitude de alguns parentes que me colocavam pra baixo com frases do tipo: Você é tão bonita, pena que tem o olho torto59.

O que Luana relata é a atitude que algumas pessoas têm ao ter contato

com uma pessoa que possui alguma característica física diferente. A pessoa com

deficiência acaba sendo estigmatizada por conta de sua aparência diferente ou por

sua limitação física. Vygotski (1997), em seu estudo sobre Defectologia, nos

esclarece que a deficiência atinge a criança de duas maneiras distintas, sendo a

primeira relativa às limitações e insuficiências orgânicas e a segunda, e mais grave,

ao choque que ela provoca nas outras pessoas. Para ele, as piores reações dadas

em razão de uma deficiência são as de natureza social, que acabam por segregar e

excluir a pessoa do convívio social e, em alguns casos, até familiar.

A pessoa com deficiência – quando não é devidamente acompanhada

pela família, professores, amigos e profissionais da saúde – acaba, em alguns casos

mais extremos, se tornando prisioneira de suas deficiências. Por isso, o convívio

social com outras pessoas é importante para o desenvolvimento da pessoa com

deficiência.

Luana contou com o apoio de uma professora muito especial na sua

infância, que foi uma personagem importante para sua formação pessoal.

Ela acreditou em mim e me alfabetizou com carinho. A escola onde estudava era muito simples e naquele tempo não se tinha tanta informação sobre inclusão de alunos com deficiência, mas mesmo assim ela se esforçava para que eu conseguisse acompanhar os outros. Graças a ela, saí do primeiro ano alfabetizada mesmo tendo deficiência visual.

Quando Luana precisava de uma palavra de incentivo, ela sempre estava

pronta para ajudar.

Ela me dizia com uma voz doce e confiante: “Vamos, Luana, você consegue” ou “eu confio em você e sei que você é capaz de fazer”.

Luana revela que decidiu ser professora por causa dela. Esses dados nos

levam a refletir sobre o papel do outro em nossa constituição pessoal e profissional.

Dessa forma, todo professor deixa algum tipo de marca em seu aluno, seja positiva

59 Ela tem estrabismo.

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ou negativa. No caso de Luana, sua professora do Fundamental serviu de espelho

para sua formação de professora, ou seja, ela tenta imitar as ações e atitudes que

sua professora tinha com ela.

A importância da imitação de modelos para a formação pessoal e

profissional é bem explicada pela professora Vera Ronca (2007) em sua tese de

doutorado ao descrever o caso do pintor holandês Vincent Van Gogh (1853–1890) e

como ele foi influenciado pelas obras do francês Jean François Millet (1814–1875).

Dessa maneira, Luana, como Vincent Van Gogh, tenta seguir os passos

trilhados pelo seu mestre, ou seja, sua professora de primário. Ela admite que sua

prática e sua visão de professora são baseadas em suas lembranças com esta

professora.

Eu procuro ser parecida com ela e sempre falo para todos meus alunos “vocês são capazes de fazer o que vocês quiserem” (...) também que eles nunca desistam (...) tá difícil vai em frente, tá complicado vai em frente que você consegue, não sabe, pede ajuda, eu sempre falo isso para meus alunos.

Essa foi a primeira parte dos dados coletados durante a entrevista da

professora Luana que, segundo ela, influenciaram sua visão sobre a inclusão. Com

a professora Leandra, a entrevista também focou o sentido atribuído por ela sobre a

inclusão, que classificou como um direito de todos. Suas respostas foram mais

diretas e sucintas comparadas com o depoimento da professora Luana.

Na próxima seção da análise, veremos como as professoras descrevem

as habilidades e competências de Vera, uma aluna com surdez.

7.2 – Conhecendo Vera através do olhar das professoras

Eu não cheguei a acompanhar Vera em sua rotina de aula, então a

descrição que vou fazer é a partir do depoimento das professoras, com informações

obtidas em entrevistas ou em conversas informais.

Ela tem agora 13 anos, estuda no período da tarde e está cursando o 9°

ano do Ensino Fundamental. Ela possui uma perda auditiva progressiva cuja causa

ainda não foi descoberta, já não tem nenhum resquício da audição do ouvido direito

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e apresenta uma perda acentuada e progressiva no ouvido esquerdo. Em

consequência da perda auditiva, ela usa aparelho amplificado e é acompanhada por

uma intérprete de LIBRAS desde o 6° ano do Ensino Fundamental.

É interessante informar que muitos alunos com surdez têm contato com

LIBRAS apenas quando começam a cursar o 6° ano por causa da falta de intérprete

na rede estadual de ensino. Dessa forma, muitos alunos surdos ficam vários anos de

sua vida escolar sem ter a oportunidade de acompanhar as aulas ou mesmo de

aprender LIBRAS (VIEIRA, 2008; COSTA, 2010; LACERDA, 1998 e SKLIAR, 1998).

No caso de Vera, ela começou a estudar LIBRAS com sete anos de idade

por iniciativa de seus pais ouvintes. A audição total do ouvido direito ela perdeu há

poucos anos e não se adaptou com o uso contínuo do aparelho auditivo, que lhe dá

muita dor de cabeça no final do dia.

Às vezes, ela demonstra estar muito feliz, outras vezes transparece uma

tristeza e ela fica com o olhar perdido no espaço, conta a professora Leandra, que

acompanha a aluna desde o 6° ano.

Acredito que essa retração dela é nos dias que ela se aborrece por causa da sua perda de audição. Cheguei a perguntar para a intérprete se ela estava com algum problema familiar.

A professora Leandra revela que, neste ano de 2016, percebeu que Vera

está escutando menos:

Ela fica me pedindo para repetir a explicação várias vezes. Ou faz uma expressão de perdida durante a explicação. E pergunta discretamente para a intérprete o que eu falei.

A professora Leandra afirma que, quando percebe que ela não está

escutando ou que ela está com dificuldade de entender a explicação da matéria,

senta ao lado dela e explica até ela compreender.

Como Vera ainda faz parte do mundo dos ouvintes, por ter ainda um

pouco de audição no ouvido esquerdo, prefere se comunicar oralmente com os

professores e amigos de sala. A professora Leandra explica esse comportamento de

Vera:

Ela sabe ler lábios e tenta ao máximo não pedir ajuda para a intérprete, que insiste para ela usar mais a LIBRAS com ela. (professora Leandra)

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Como vimos anteriormente, no capítulo sobre “Identidade Surda”, ser

surdo é pertencer a uma comunidade, é uma identidade social e cultural, é como

fazer parte de um mundo diferente (SKLIAR, 2015 e DORZIAT, 2009). Vera

encontra-se num momento de transição de sua identidade pessoal, ou seja, não

pertence integralmente ao mundo dos ouvintes e nem se identifica com o mundo dos

não ouvintes. Essa questão de sua transição completa para o mundo dos não

ouvintes ou mundo surdo ainda tem que ser muito trabalhada por seus familiares,

amigos, professores e pelos médicos que a acompanham (SACKS, 1989). De

acordo com as professoras, Vera não recebe nenhum tipo apoio psicológico para

lidar com a questão da surdez.

7.3 – Como foi a experiência de ter uma aluna com surdez:

facilidades e dificuldades encontradas pelas professoras

Para entendemos a visão dos professores sobre a inclusão de alunos

surdos no ensino regular é necessário conhecer a percepção deles sobre a inclusão

dentro do contexto escolar. Nenhuma das professoras entrevistadas possui cursos

na área da educação especial ou algum curso voltado para o atendimento de alunos

com deficiência auditiva. Vera foi a primeira aluna com surdez que elas tiveram em

suas carreiras. Para Leandra, o início de seu trabalho com a Vera foi difícil, porque

ela não tinha preparação e nem formação para ensinar uma criança surda.

Não estava preparada para lidar com uma criança com surdez. Ela exige muito de mim, porque você tem que dar mais atenção. Eu tenho que ficar muito mais atenta se ela está conseguindo acompanhar a aula. Presto muita atenção nisso e pergunto “você entendeu?”. Se não, repito mais de uma vez. (professora Leandra)

Para a professora Luana, ter uma aluna com surdez foi um desafio

também:

Eu não sabia quase nada sobre deficiência auditiva e fiquei com muitas dúvidas como iria interagir com ela. Com as primeiras aulas percebi que ela era uma aluna como qualquer outra.

A professora Luana destaca a dificuldade que teve em lidar com uma

aluna usuária de LIBRAS:

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Nós [professoras] às vezes não estamos preparados para lidar com uma criança com a deficiência auditiva até mesmo porque a questão da LIBRAS é um treino constante e você tem que estar se comunicando o tempo todo para conhecer a linguagem de sinais. (professora Luana)

Ambas as professoras relatam que não tiveram uma formação específica

para lidar com uma aluna com surdez. Quando elas fizeram licenciatura, no final da

década de 1980, os temas sobre inclusão de alunos com deficiência não faziam

parte, ainda, dos currículos dos cursos de pedagogia e de licenciatura. A partir da

década de 199060, com o acontecimento de vários eventos sobre os direitos das

pessoas com deficiência, inicia-se um processo político educacional em prol da

escolarização e inclusão do aluno com deficiência na escola regular. Os cursos de

licenciatura, a partir dessas mudanças políticas no campo da educação brasileira,

começam a incluir em suas grades curriculares conteúdos referentes à legislação da

educação inclusiva. O Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005, dispõe sobre a

inclusão da LIBRAS como disciplina curricular nos cursos de formação de

professores61.

Com base nessas informações, as professoras não tiveram em sua

formação inicial nenhuma informação sobre a inclusão de aluno com surdez. A

intérprete, para ambas as professoras, foi fundamental para facilitar a inclusão da

aluna.

(...) ela tirava muitas das minhas dúvidas. (professora Luana)

(...) a intérprete ajuda bastante e me fornece informações sobre o quadro médico da aluna e também sobre a família da aluna (professora Leandra)

A intérprete acaba sendo, em alguns casos, o único apoio especializado

que as professoras recebem na escola. Ela é quem esclarece as professoras sobre

o quadro clínico do aluno e as dificuldades que ele tem de aprendizado. É comum

que um intérprete acompanhe um aluno com surdez durante vários anos de sua

60 O site http://inclusaoja.com.br/legislacao/ possui, em ordem cronológica, os principais

marcos legais sobre os direitos das pessoas com deficiência.

61 1990 – Declaração Mundial de Educação para Todos; 1994 – Declaração de Salamanca;

1994 – Política Nacional de Educação Especial; 1996 – Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96; 2001 – Diretrizes Nacionais para a Educação Especial

na Educação Básica (Resolução CNE/CEB nº 2/2001).

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escolarização. Isso acaba contribuindo para a criação de um laço de confiança entre

a criança com surdez e seu professor intérprete.

Ela consegue entender a Vera como ninguém. (professora Luana)

Este dado sobre o relacionamento da criança com seu professor

intérprete chama a atenção na fala da professora. Sobre o papel do intérprete na

sala de aula temos algumas belas dissertações de mestrado e teses de doutorado

como as de Martins (2009), Guimarães (2012) e Lima (2004). A intérprete, em

alguns casos, é a primeira pessoa que vai interagir em LIBRAS com a criança com

surdez.

Entretanto, Skliar (2015), em seus estudos sobre surdos, chama a

atenção para o fato da dependência do aluno surdo em relação à intérprete de

LIBRAS como algo negativo. Para ele, essa dependência educacional e emocional

do aluno surdo com a intérprete dificulta suas interações com outros alunos e

professores. Em alguns casos, o intérprete acaba assumindo uma posição que não

é sua, ou seja, de professor do aluno com surdez.

Nas entrevistas, as professoras afirmaram que o papel da intérprete era

de “auxiliar” ou de “facilitar” a compreensão do conteúdo para a aluna com surdez.

Para um entendimento maior dessa relação de dependência ou não da aluna com

surdez com a intérprete seria necessário uma observação direta no ambiente

escolar.

Outro ponto que chamou atenção na fala da professora Leandra, além da

relação da aluna com a intérprete, foi a sua afirmação de que ter uma aluna com

surdez exige muito dela no requisito da atenção. Para Vygotski (1997), uma criança

com deficiência é uma criança como qualquer outra, a atenção maior que ela destina

a Vera é a mesma destinada a outros alunos. Toda professora deveria se interessar

em investigar se os alunos estão conseguindo acompanhar a aula, claro que, no

caso de Vera, a deficiência auditiva faz com que esta professora preste mais

atenção em seu tom de voz, para ser mais perceptiva à audição da aluna.

Mas isso não significa que, por ser uma aluna com surdez, ela seja uma

aluna que demanda outros cuidados que estão fora do alcance de uma professora

de sala regular. Na verdade, ela requer algumas adaptações dos recursos didáticos,

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utilizando mais o canal visual do que o auditivo para estimular e facilitar a sua

aprendizagem (SKLIAR, 2015).

Durante as aulas, as duas professoras contaram que utilizam ou

utilizaram alguns recursos didáticos para favorecer tanto a aprendizagem de Vera

como das demais crianças da sala.

Uma das adaptações que Luana fez foi o uso de imagens associadas aos

temas de História do 7° ano.

Gosto muito de tecnologia e reservava muito o Datashow da sala de vídeo para as aulas. Às vezes, usava histórias em quadrinhos ou charges relacionadas ao tema da aula. (professora Luana)

O fato de ter um aluno com deficiência desafia você a buscar outros recursos pedagógicos. (professora Luana)

A professora Leandra, de Português, também utiliza nas suas aulas com

Vera diferentes recursos visuais como a relação de imagens com o texto,

quadrinhos, filmes com legenda e internet. Mesmo com os cortes de verba que o

governo de São Paulo fez, tirando os alunos monitores do Acessa 62 , a escola

permite que os professores utilizem a sala de informática com os alunos. Para

Leandra, esse é um recurso que ajuda muito o aprendizado de todos os alunos.

É possível perceber na fala das professoras que o fato de ter um aluno

com deficiência acaba beneficiando todos os alunos com a utilização de diferentes

materiais pedagógicos. Para Stainback e Stainback (1999), com a inclusão todos os

alunos acabam ganhando, com o enriquecimento das aulas que vão ao encontro

tanto das necessidades dos alunos com deficiência como também dos alunos sem

deficiência.

Para a professora Luana, Vera é um exemplo de superação para os demais alunos:

Não é uma barreira para ela [a questão da deficiência]. Não, de forma alguma, muito pelo contrário, é incentivo para aqueles que não querem saber de nada, porque tem pessoas ditas normais que desistiram da vida antes mesmo de começar a viver e ela não desiste de lutar por nada. (professora Luana)

62 Programa Acessa Escola, que tem por objetivo promover a inclusão digital e social.

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Conforme a fala da professora Luana, a inclusão da aluna com deficiência

acabou sendo uma lição de vida muito importante para sua turma. Eles estão tendo

a oportunidade de conviver com outra criança com a mesma idade que eles, só que

com uma deficiência auditiva. Assim, os estereótipos negativos em relação às

pessoas com deficiência são desmistificados, as crianças aprendem desde cedo a

respeitar as diferenças existentes entre as pessoas.

Nunca presenciei nenhum tipo de brincadeira sobre sua deficiência... Muito pelo contrário, eles a respeitam muito. (professora Leandra)

Para os alunos que convivem com Vera ela é uma adolescente como qualquer outra, a única diferença é que ela tem uma deficiência auditiva. (professora Leandra)

Por conseguinte, ambas as professoras expressam em seus depoimentos

a necessidade de incluir a aluna em todas as atividades escolares e a busca de

novos recursos que facilitem a sua aprendizagem. É fundamental o professor estar

atento às peculiaridades do desenvolvimento da criança com deficiência

(VYGOTSKI 1995) e, no caso da aprendizagem do aluno com surdez, é

recomendada a utilização de recursos visuais e filmes com legenda.

As professoras destacaram outros aspectos sobre o papel da intérprete,

que, segundo elas, estimula os alunos a aprenderem sinais. As aulas de LIBRAS

são dadas geralmente nos períodos de falta de professores. A maioria dos alunos

tem alguma noção básica de LIBRAS. Esse fato demonstra que seria importante

que, no futuro, os alunos tivessem a oportunidade de aprender LIBRAS na escola,

promovendo o aprendizado da segunda língua oficial brasileira.

Os alunos são espertos, eles conhecem alguns sinais e utilizam em algumas aulas para conversar. Assim, o professor fica perdido sem saber o teor da conversa (risos). Nas minhas aulas eu pedia para a intérprete traduzir as conversas. (professora Luana)

Esse dado nos leva a uma discussão sobre a necessidade da

implantação do ensino de LIBRAS nas escolas, que é importante para todos,

independentemente de ser ou não ouvinte. Os alunos, segundo as duas professoras,

demonstram um grande interesse em aprender LIBRAS.

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7.4 – A visão das professoras: o aprendizado da aluna com surdez

Segundo as professoras, a sala de aula de Vera não mudou de

configuração desde o 6° ano, a direção da escola preferiu manter a sala sem muitas

trocas de alunos.

Acredito que essa medida da escola foi para proporcionar a ela mais

segurança. (professora Leandra)

Sobre os gostos de Vera, as duas professoras concordam que ela ama

ler.

Ela está sempre lendo um novo livro, pode ser uma literatura clássica, como de Machado de Assis, como um livro de adolescente. (professora Leandra)

Lembro que ela lia 1808, de Laurentino Gomes. (professora Luana)

Segundo a professora Leandra, de Português, ela escreve muito bem e

até melhor que os outros alunos. Esse fato pode ser explicado com base no fato de

que ela começou a perder a audição aos seis anos de idade e já possuía uma

memória auditiva bem formada. Sendo assim, não apresentou a dificuldade em

aprender diferentes tempos verbais e preposições. De acordo com Sacks (1989),

uma criança com menos de quatro anos de idade que venha, por algum motivo, a ter

perda total da audição, terá dificuldades no aprendizado da língua escrita. Esse fato

é decorrente da não formação da memória auditiva, causada pela perda prematura

da audição.

De acordo com as professoras, Vera tem um pouco de dificuldade na

disciplina de Matemática, mas se pararmos para pensar, muitas crianças, além de

Vera, apresentam dificuldades na área das exatas.

Apesar da dificuldade que tem em relação à matemática, ela sempre consegue tirar nota azul na matéria (esclarece a professora Leandra, que é coordenadora da sala da Vera desde o 6° ano).

Quando pergunto como é a aluna na sala de aula:

Ela é muito caprichosa, sempre entregava os melhores trabalhos da sala. Ela é uma criança que não bagunçava ou brincava durante aula, muito educada e prestativa com todos

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os professores e colegas. Muito curiosa quando ela se interessava por um assunto, ela perguntava até ir ao fundo do assunto, eu acabava recomendando livros e sites para ela pesquisar. E na outra aula Vera já vinha me contar sobre seus “achados”. (professora Luana)

Não vou dizer que ela é uma aluna nota dez em Português, mas está na média. Comigo ela é mais quietinha. Percebo que ela presta atenção na aula e está sempre com o caderno em dia. Não vejo diferenças entre ela e os outros alunos. Nas minhas aulas, ela gosta da parte de literatura. Ela sempre está lendo alguma coisa. (professora Leandra).

No entanto, na questão da interação social de Vera com os outros alunos

da sala, as opiniões das professoras divergem um pouco. Para a professora Luana,

a aluna se mostra muito participativa com os colegas; já na opinião da professora

Leandra, ela é mais reservada em relação aos colegas.

Essas mudanças de atitude em relação às aulas das professoras Leandra

e Luana podem estar relacionadas com a didática que cada professora tem em

relação à organização dos alunos na sala.

Sobre a questão de trabalhar em grupo, as duas professoras concordam

que Vera tem dificuldade em confiar nas outras pessoas.

Se perguntar para ela se ela prefere fazer a atividade sozinha ou em dupla, provavelmente ela responderia que sozinha. Ela gosta de fazer suas atividades para nota sozinha. Mas quando imponho que tem que se em dupla, ela faz numa boa, sem nenhuma complicação. (professora Leandra)

Olha, aconteceram vezes que ela me perguntou se podia fazer sozinha a pesquisa para nota. Eu falei que não e rapidinho ela encontrou um grupo. A “bichinha” é ligeira quando quer (professora Luana fala em tom de brincadeira)

A professora Leandra, que continua com Vera no 9°ano, tem procurando

elaborar mais atividades que promovam a socialização da aluna nas atividades em

grupo.

Acho importante que ela aprenda a trabalhar em grupo e a compartilhar conhecimentos com os colegas. Essas são habilidades que estou tentando desenvolver com ela.

Pergunto à professora Leandra quais atividades tem procurado

desenvolver para estimular a aluna a interagir mais nas atividades de grupo. A

professora conta que algumas atividades têm dado bons resultados, como as aulas

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de leitura. Nessas aulas, os alunos fazem roda ou sentam em grupo para leitura e,

no final, dividem com os colegas as histórias e suas opiniões sobre poemas, livros

etc.

Quando pergunto para as professoras se elas percebem alguma

potencialidade de aprendizado na Vera, ambas respondem que sim.

Na opinião da professora Luana, a aluna é uma lutadora e tem um grande

potencial:

(...) não se intimida com sua deficiência... Ela não tem medo de tentar e errar, ela sempre continua tentando e não se preocupa com que os outros alunos vão pensar. Ela é bastante determinada.

Esse esforço e tenacidade que a professora Luana acredita ser um fator

que facilite Vera a alcançar seus objetivos pode ter uma relação indireta com sua

deficiência. No olhar de Vygotski (1997), uma criança, quando tem seu

desenvolvimento complicado em razão de algum tipo de deficiência, acaba se

esforçando mais para tentar se igualar ao grupo social. Ambas as professoras

classificaram a aluna Vera com os adjetivos: esforçada, caprichosa, lutadora e

determinada. Sendo assim, ao mesmo tempo em que a deficiência gera limitações,

também gera impulsos para sua superação.

Para as duas professoras, ela pode ter um grande futuro e, em nenhum

momento, citaram que o fato do progresso da surdez é uma limitação, uma barreira

para a aluna.

Vejo-a como uma lutadora que não desiste de seus sonhos. Acredito que ela tem um grande potencial para fazer o que ela quiser na sua vida. Não a vejo como uma pessoa deficiente e sim uma pessoa muito eficiente. (professora Luana)

Acho que ela tem grandes chances de cursar uma boa faculdade e ser uma pessoa muito feliz na vida. (professora Leandra)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Luisella Zucc63, “II Silenzio”.

63 Luisella Zucc é uma artista plástica italiana, apesar de não ser surda, ela gosta de representar em suas obras o mundo dos surdos. Nesta obra, “O silêncio”, ela retrata a harmonia silenciosa das mãos com a mãe natural. Fonte da imagem: <https://culturasurda.net/2011/12/12/fernanda-mac>. Acesso em: 17 fev. 2016.

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As professoras trouxeram alguns pontos relevantes em suas falas e, com

isso, nos contemplaram com sua visão sobre o aluno surdo:

a) A importância da atitude familiar de não negar e sim de enfrentar a

deficiência;

b) O papel da professora compreensiva e participativa no processo de

inclusão e ensino do aluno com surdez;

c) A importância de a professora conhecer seus alunos para saber as

peculiaridades do seu aprendizado: facilidades e dificuldades que

apresentam na aula;

d) Dificuldades em relação à formação inicial para lidar com aluno com

surdez e a atuação profissional frente ao desafio: impressões, atitudes,

estratégias e ações;

e) A importância da LIBRAS e do intérprete na educação do aluno com

surdez;

f) A relação dos alunos com deficiência com os alunos ouvintes e a

questão da identidade (aceitação ou a negação da deficiência);

Nesta parte final do estudo, pretendo aprofundar mais essas questões e

ideias levantadas pelas professoras sobre suas experiências com Vera. Em nenhum

momento elas se referiram à aluna como uma pessoa “incapaz” ou “sem

possibilidade de aprender”, muito pelo contrário, a visão das professoras é positiva

sobre seu desenvolvimento cognitivo. Ambas destacaram que Vera é esforçada,

atenciosa e inteligente. A questão da perda da audição como uma barreira para seu

aprendizado não apareceu em nenhuma das falas das professoras. Mesmo na

disciplina de Português, que é uma das matérias em que os alunos surdos

enfrentam maiores dificuldades, ela apresenta um rendimento normal dentro do

esperado para a sua faixa etária. Entretanto, esse dado deve ser analisado com

cuidado, porque Vera tem memória auditiva e começou a apresentar sinais da perda

audição aos seis anos de idade. Portanto, ela não possui dificuldade na

compreensão de conceitos concretos, abstratos e diferentes tempos verbais. Já para

uma criança que perdeu a audição muito nova, antes dos cinco anos de idade, ou

que nasceu surda, é comum que apresente algumas dificuldades no aprendizado da

Língua Portuguesa na modalidade escrita.

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As professoras veem Vera como uma aluna batalhadora, que enfrenta as

adversidades impostas pela sua deficiência auditiva, e destacam que seu potencial

maior de aprendizado é para as áreas de humanas. Segundo as professoras, ela

escreve bem, adora ler, e se interessa por temas relacionados a religião e política.

As professoras acreditam que Vera tem uma grande possibilidade de realizar algum

curso na área das humanas e pode servir, no futuro, de exemplo para outros alunos

com surdez ou com deficiência auditiva.

Desse modo, é possível perceber, no discurso de ambas as professoras,

que não é a deficiência que predetermina a potencialidade da pessoa de apreender,

viver, amar e ser feliz. Assim sendo, o que pode interferir no processo de

desenvolvimento de uma criança com deficiência são as limitações impostas pela

sociedade, ou seja, os prejulgamentos feitos a partir da constatação das diferenças:

limitação, aparência e defeitos (VYGOTSKI, 1997).

Consequentemente, a pessoa com deficiência acaba ganhando o título de

“batalhadora” ou “lutadora”, porque ao longo de sua vida inteira ela sempre terá de

provar, para a sociedade e até para si mesma, que ela é muito mais do que

“ouvidos”, “boca”, “pernas e braços”, etc.

Nas palavras de Carlos Drummond de Andrade (1989):

Contudo o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa. Ninguém é igual a ninguém.

Todo ser humano é ímpar.

Infelizmente, algumas pessoas ainda têm muita dificuldade em entender –

ou não lhes interessa entender – que cada ser humano é único e que as diferenças

têm que ser respeitadas e não usadas como “ferramentas” de opressão e

discriminação social.

As professoras afirmam que não tiveram formação para ensinar um aluno

surdo. No entanto, ambas buscaram primeiro conhecer as características, gostos,

dificuldades de Vera, para depois criarem suas estratégias de ensino e selecionar o

material adequado: filmes com legenda e uso de quadrinhos, imagens etc.

Os resultados, segundo as professoras, foram positivos tanto para o

aprendizado de Vera com para o aprendizado dos demais alunos e delas próprias. O

uso de quadrinhos, de imagens ou do acesso à informática contribui para que todos

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ganhem na qualidade da aula e das explicações, e aprendam a conviver e a

respeitar as pessoas com deficiência; esse foi um dos pontos positivos destacados

pelas professoras.

Isso mostra que, muitas vezes, um “bom” processo de inclusão não está

ligado diretamente apenas a fatores de formação do professor ou à diversidade de

recursos da escola e sim ao modo como o professor se dedica ao seu aluno. Essa

estratégia de conhecer o aluno nos leva a uma visão vigotskiana de educação que

se encaixa tanto no ensino de crianças com deficiência como também no ensino de

crianças sem deficiência. Para Vygotski (1997 e 2001), o aprendizado ocorre através

do nosso contato com o outro, que nos ajuda a aprender algo novo. Porém, para que

esse aprendizado aconteça de fato é preciso construir uma relação de confiança e

também de afetividade entre aprendiz e professor. E, como vimos na história de vida

de Luana, um professor pode marcar positivamente a vida de seus alunos, servindo

até como referência para ações futuras como pessoas ou como profissionais.

A única dificuldade que apareceu, foi na fala da professora Leandra, de

Português, sobre sua atenção redobrada com Vera durante as explicações dos

conteúdos. Essa fala aponta para um aspecto muito importante na relação com o

aluno surdo, que é o aprendizado por parte dos docentes de falar se dirigindo ao

aluno ou atentar para a articulação.

As professoras reconheceram que a intérprete de LIBRAS lhes ajuda

muito durante a aula e as auxilia tirando dúvidas sobre como proceder diante de um

aluno com surdez. A direção da escola não forneceu a nenhuma das professoras

informações prévias sobre como deveriam lidar com uma aluna surda, ou seja, a

intérprete é a principal fonte de informação das professoras. A professora Leandra

atribuiu à intérprete o papel de vínculo de comunicação entre os professores e a

família da aluna. É possível perceber que a intérprete acabou criando um laço de

amizade e confiança muito grande com a aluna com surdez e sua família.

Não seria possível constatar apenas pelas falas das professoras se esse

laço de amizade ou confiança criado entre Vera e sua intérprete gerou um quadro de

dependência mútua, o que poderia interferir em sua interação social com outros

alunos. Esse é um bom tema para futuras pesquisas sobre o relacionamento e a

aprendizagem da educação bilíngue (intérprete e aluno surdo).

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O que é possível dizer, no caso da intérprete de Vera, é que ela vem

trabalhando com todos os alunos a questão do aprendizado de LIBRAS. Os alunos

mostram, segundo as professoras, um grande interesse em aprender a língua de

sinais e até a utilizam na sala de aula quando querem falam alguma coisa que a

professora não pode ficar sabendo. Esse é um aspecto do meu estudo que também

considero essencial: a importância de ensinar LIBRAS nas escolas.

A Língua Brasileira de Sinais é a segunda língua oficial do Brasil e, por

esse motivo, ela deveria ser ensinada a todos os cidadãos brasileiros. Ser surdo é

como ser um estrangeiro que não encontra quase ninguém que fala seu idioma.

Sacks, em seu livro Vendo Vozes (1989), cita o exemplo de uma ilha em

Massachusetts onde quase toda a população se comunica por ALS (Língua de

Sinais Americana), mesmo não tendo mais um grande número de habitantes surdos.

A inclusão do surdo em todas as esferas da sociedade brasileira deveria começar

com o ensino de LIBRAS. O ensino de LIBRAS nas escolas seria quase como

quebrar o muro que separa ouvintes dos não ouvintes. Para Vygotski (1997),

comunicação é poder e pode transformar a sociedade.

Na visão das professoras, Vera está passando por um período de

mudanças com o aumento da perda auditiva, que se encontra no nível de surdez

severa. Segundo a fala da professora Leandra, ela está agora escutando muito

pouco e se esforça ao máximo para acompanhar as aulas por meio da leitura

orofacial. Apesar de ser uma criança que, desde cedo, foi preparada pela família

para a surdez profunda, Vera vem apresentando algumas dificuldades em lidar com

essa questão. As professoras me informaram, por outro lado, que Vera não faz

nenhum acompanhamento psicológico para lidar com as questões emocionais

relacionadas à futura perda total da audição.

De acordo com o núcleo de estudos surdos de Skliar (2015), ser surdo é

pertencer a outra esfera da realidade, baseada em experiências visuais. Assim

sendo, Vera ainda está no meio do caminho entre os dois mundos (ouvinte e não

ouvinte), consegue se comunicar oralmente, mas apresenta dificuldade em

compreender a fala humana com precisão. Vilhalva (2011) expressa bem esta

situação que Vera está vivendo por ter passado por essa transição de identidade

(ouvinte parcial e surda) em sua vida:

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Surda ouvinte ou ouvinte porque fala e surda porque, na hora em que precisa ouvir, não ouve [questão identitária] (VILHALVA, 2011, p. 66).

Desse modo, ambas as professoras descreveram esse conflito interno de

Vera, como “tem dias que ela está feliz e tem dias que ela está triste” (professora

Leandra).

De acordo com as visões de Skliar (2015) e Vilhalva (2011), as

dificuldades que Vera apresenta em algumas situações de relacionamentos sociais –

como tristeza, euforia e ostracismo – podem estar relacionadas à transição de

identidade de ouvinte para surda. Para esses estudiosos da área da identidade e da

educação de surdos, seria necessário que Vera tivesse mais oportunidades de

conviver com outras pessoas surdas. Isso poderia ajudá-la nesse processo de

transição de identidade ouvinte para identidade surda.

Podemos concluir que a visão das professoras sobre Vera é que ela é

uma aluna com capacidade igual à dos alunos ouvintes e, como toda criança, tem

dificuldades e potenciais de aprendizagem. A melhor forma de incluir um aluno com

deficiência encontra-se no ato de reconhecer as diferenças e, a partir delas, criar

estratégias de ensino. É fundamental também que os professores conheçam seus

alunos, apoiando-os e incentivando-os cada vez mais a aprenderem. Isso serve

tanto para aluno com deficiência como para alunos sem deficiência.

Foi esse movimento que encontramos na fala e na ação das duas

professoras entrevistadas que, com seu esforço, mostram uma experiência bem-

sucedida com esta aluna, principalmente pelo fato de que trazem à tona o que a

aluna apresenta na sua positividade e não na perspectiva da falta.

Espero que essa pesquisa possa contribuir com a discussão da educação

inclusiva para vários profissionais que se deparam com essa questão

cotidianamente, ou seja, de alguma forma, todos os profissionais da educação.

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115

Anexo A: Termo de Consentimento (professoras)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

A pesquisa intitulada “A visão do professor sobre o aluno surdo no Ensino Fundamental”,

tem como objetivo investigar a visão do professor sobre o potencial de aprendizado do aluno

surdo no Ensino fundamental. Como o professor percebe sua aprendizagem e sua inclusão

na sala comum. O procedimento utilizado durante o processo de investigação será uma

entrevista semiestruturada contendo três perguntas referente a visão do professor sobre o

aluno com surdo. Seu nome será omitido das análises e eventuais divulgações desta

pesquisa. Da mesma forma, qualquer elemento que minimamente possa vir a identificá-lo

(a) será eliminado ou substituído de forma a que se identifique apenas a questão sob

análise. Eventualmente, os resultados da pesquisa poderão vir a ser divulgado em

encontros ou publicações, mas o sigilo dos participantes será assegurado. A qualquer

momento da pesquisa sua participação poderá ser interrompida a seu pedido, sem que isso

venha a lhe causar qualquer ônus. Da mesma forma, a qualquer momento será possível

solicitar informações adicionais aos responsáveis pela pesquisa, cujos contatos seguem

adiante. Se estas informações estiverem claras e sua decisão de participar da pesquisa

estiver mantida, solicitamos que assine este termo que vai também assinado por mim e pelo

supervisor do projeto.

São Paulo, __de ________ 2016.

______________________

Assinatura do participante

_____________________

Pesquisadora: Lilian dela Torre S. Cabral

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Anexo B: Carta de Apresentação à Escola

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: Psicologia da Educação

Aluna: Lilian Della Torre Sousa Cabral

Orientadora: Profa. Dra. Luciana Szymanski

Caro diretor da Escola Estadual___________, a aluna Lilian Della Torre Sousa

Cabral autora do trabalho “A visão do professor sobre o aluno surdo no Ensino

Fundamental”, tem desenvolvido um trabalho consistente de levantamento

bibliográfico e já passou pelo processo de qualificação. Considero, assim, que a

aluna pode dar prosseguimento ao processo investigativo. A coleta de dados

consiste uma entrevista semiestruturada sobre a visão do professor sobre o

potencial de aprendizado do aluno surdo no Ensino Fundamental.

São Paulo, __ de ______ 2016.

_____________________

Assinatura do responsável