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Unisalesiano Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium Curso de Psicologia Damaris Rebeca Vieira Josiane Aparecida Apolinário A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NA COMPREENSÃO DE MULHERES USUÁRIAS DA REDE PÚBLICA DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DE LINS Lins SP LINS SP 2017

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Page 1: A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NA COMPREENSÃO DE … · Vieira, Damaris Rebeca; Apolinário, Josiane Aparecida A Violência obstétrica na compreensão de mulheres usuárias da rede pública

Unisalesiano

Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium

Curso de Psicologia

Damaris Rebeca Vieira

Josiane Aparecida Apolinário

A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NA COMPREENSÃO

DE MULHERES USUÁRIAS DA REDE PÚBLICA DE

SAÚDE DO MUNICÍPIO DE LINS

Lins – SP

LINS – SP

2017

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DAMARIS REBECA VIEIRA

JOSIANE APARECIDA APOLINÁRIO

A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NA COMPREENSÃO DE MULHERES

USUÁRIAS DA REDE PÚBLICA DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DE LINS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, curso de Psicologia sob a orientação da Profª. Ma. Liara Rodrigues de Oliveira e orientação técnica da Profª. Ma. Jovira Maria Sarraceni

LINS- SP

2017

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Vieira, Damaris Rebeca; Apolinário, Josiane Aparecida A Violência obstétrica na compreensão de mulheres usuárias da

rede pública de saúde do município de Lins / Damaris Rebeca Vieira; Josiane Aparecida Apolinário – – Lins, 2017.

85p. il. 31cm.

Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – UniSALESIANO, Lins-SP, para graduação em Psicologia, 2017.

Orientadores: Jovira Maria Sarraceni; Liara Rodrigues de Oliveira

1. Violência Obstétrica. 2. Parto Humanizado. 3.Saúde da Mulher. I Título.

CDU 159.9

V714v

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DAMARIS REBECA VIEIRA

JOSIANE APARECIDA APOLINÁRIO

Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium

para obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

Aprovada em: ____/____/_____

Banca Examinadora:

Profª. Orientadora: Mestra Liara Rodrigues de Oliveira

Titulação: Mestre em Psicologia da Educação, PUC-SP; Especialista na Área

da Saúde, HC-FMUSP

Assinatura: ___________________________________________

1° Prof. (a): _____________________________________________________

Titulação: _______________________________________________________

_______________________________________________________________

Assinatura: ________________________________

2° Prof. (a): _____________________________________________________

Titulação: _______________________________________________________

_______________________________________________________________

Assinatura: ________________________________

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Dedicamos às pessoas que lutam para que

todas as mulheres possam ter acesso a um parto

digno.

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AGRADECIMENTOS

Sou grata a Deus por ter-me atribuído capacidade para a realização desse

estudo, assim como, a oportunidade que, também, me concedeu para concluir o curso

de psicologia, uma etapa tão importante em minha vida. “Agora, nosso Deus, damos-te

graças, e louvamos o teu glorioso nome.” (1 Crônicas 29:13).

Agradeço aos meus pais por todas as vezes que me incentivaram e me deram

forças para prosseguir. Sou grata à minha irmã por ter o dom de iluminar a minha vida

com suas palavras de entusiasmo.

Agradeço aos meus mestres que durante essa jornada me presentearam com

suas experiências e sabedoria, e me auxiliaram a enxergar o mundo e as pessoas sob

uma nova ótica. Sou grata ao professor Oscar, Rodrigo, professora Ana Elisa, Gislaine,

e em especial a minha professora Liara, que aceitou nos orientar e se dedicou para

construção deste estudo com muito entusiasmo e carinho.

Sou grata aos meus amigos, amigos estes que são dádivas do curso de

psicologia, que me incentivaram e me fortaleceram durante a trajetória. Obrigada

Josiane, Patrícia, Rosana, Peterson e Maira.

Agradeço as orações e incentivos que recebi, sou grata a todos que mesmo que

indiretamente contribuíram para minha formação e conhecimento.

Muito obrigada!

Damaris Rebeca Vieira

Agradeço imensamente a Deus, por ter-me concedido saúde, força e disposição

para concluir a faculdade. Aos meus familiares e a todos que contribuíram para a

realização deste trabalho. Sem Ele, nada disso seria possível.

Agradeço а minha mãe Ana Ferreira Apolinário, pelo apoio e incentivo “in

memorian de meu pai Moacir Apolinário”, agradeço também, aos meus irmãos e

minhas sobrinhas.

Agradeço aos meus amigos, companheiros de trabalhos е irmãos na amizade

que fizeram parte da minha formação е que vão continuar presentes em minha vida,

obrigado por confiarem em mim e estarem do meu lado e, em especial à Damaris

Rebeca Vieira, Wualen Anthero e Rafael Santos. À minha orientadora Liara Rodrigues

de Oliveira, pelo suporte no pouco tempo que lhe coube, pelas suas correções e

incentivos.

Aos que, direta ou indiretamente, fizeram parte da minha formação, muito

obrigada.

Josiane Aparecida Apolinário

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RESUMO

A violência obstétrica é uma forma de violência cometida contra mulheres durante o pré-natal, parto e puerpério, caracterizada como ato de violência física, psicológica e emocional, sendo um sério problema de saúde pública no Brasil. Neste sentido, este estudo tem como finalidade esclarecer a compreensão de usuárias das Unidades Básica de Saúde de Lins, SP, sobre a violência obstétrica, assim como, seus possíveis impactos. Trata-se de um estudo exploratório composto por um questionário semiestruturado, em que foram coletados dados acerca dos caracterizadores da violência obstétrica, definidos pela Defensoria do Estado de São Paulo, bem como, as leis de humanização utilizadas: Lei Nº15.759/15 e Lei Nº 11.108/05, onde os dados foram tratados e categorizados em violência durante a gestação, parto e pós-parto. Quanto aos resultados, observou-se que as mulheres não compreendem atos violentos e invasivos durante o parto, tanto quanto, negligências e procedimentos que ferem as políticas de humanização, pois estão vivenciando momentos de grande comoção, fazendo-se considerar um ato violento, algo comum, sendo estas as consequências decorrentes da institucionalização do parto que, fez com que a classe médica fosse entendida como a detentora de todo conhecimento referente à parturiente, objetificando e fazendo com que a mulher perdesse sua autonomia no ato de parir, tendo suas escolhas subjugadas. Entre os procedimentos técnicos mais citados pelas mulheres, caracterizadores de violência obstétrica, quando utilizados de forma generalizada, estão: Exame de Toque Recorrente, Episiotomia, Amniotomia, Manobra de Kristeller, Tricotomia e Extração Manual da Placenta, bem como, a proibição do acompanhante e a desconsideração sobre o tipo de parto que a parturiente deseja realizar. Assim sendo, o intuito da pesquisa ancorada na Psicologia Sócio-histórica foi demonstrar e aprofundar, de forma crítica, a problemática que, historicamente, afeta mulheres por todo o Brasil e investigar - baseando-se na concepção das mesmas - o que caracteriza a violência obstétrica, distinguir suas manifestações mais comuns e, consequentemente, possibilitar uma oportunidade de expressão e a garantia de atenção às mulheres que sofreram um parto violento, a fim de que compreendam seus direitos.

Palavras-chave: violência obstétrica, parto humanizado, saúde da mulher

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ABSTRACT

Obstetric violence is a form of violence committed against women during prenatal, childbirth and the puerperium, characterized as an act of physical, psychological and emotional violence, being a serious public health problem in Brazil. In this sense, this study aims to clarify the understanding of users of the Basic Health Units of Lins, SP, on obstetric violence, as well as its possible impacts. This is an exploratory study composed of a semi-structured questionnaire, in which data were collected on the characteristics of obstetric violence, defined by the Defensoria do Estado de São Paulo, as well as the humanization laws used: Law Nº15.759 / 15 and Law No. 11,108 / 05, where the data were treated and categorized into violence during gestation, delivery and postpartum. Regarding the results, it was observed that women do not understand violent and invasive acts during childbirth, as well as negligence and procedures that hurt the policies of humanization, since they are experiencing moments intense emotional fragility, making themselves considered a violent act, something common , these being the consequences arising from the institutionalization of childbirth that made the medical class understood as the holder of all knowledge regarding the parturient, objectifying and causing the woman to lose her autonomy in the act of giving birth, having her choices subdued. Among the most frequently cited technical procedures for women, obstetric violence, when used in a general way, are: Recurrent Touch Examination, Episiotomy, Amniotomy, Kristeller Maneuver, Trichotomy and Manual Extraction of the Placenta, as well as, the prohibition of the companion and the disregard for the type of childbirth the woman wants to perform. Therefore, the research's aim was to anchored in Sociohistorical Psychology was to critically demonstrate and deepen a problematic that, historically, affects women Brazil and to investigate - based on the conception of the same ones - which characterizes violence obstetric, distinguish its most common manifestations and, consequently, to enable an opportunity of expression and the guarantee of attention to women who have suffered a violent birth, so that they can understand their rights.

Keywords: obstetric violence, humanized childbirth, women's health.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Perfil Sociodemográfico das mulheres entrevistadas ........................ 59

Tabela 2: Quantidade de Gestações ................................................................ 60

Tabela 3: Tipos de partos realizados ................................................................ 60

Tabela 4: Omissão de informação .................................................................... 61

Tabela 5: Procedimentos que podem ser considerados violência obstétrica .... 62

Tabela 6: Condutas que ferem as políticas de humanização............................ 64

Tabela 7: Plano de parto ................................................................................... 66

Tabela 8: O que as mulheres mudariam no parto ............................................. 67

Tabela 9: Aspectos psíquicos ........................................................................... 68

Tabela 10: Respostas acerca do tema principal ............................................... 69

LISTA DE ABREVIATURAS

OEA: Organização dos Estados Americanos

OMS: Organização Mundial da Saúde

PAISM: Programa de Assistência Integral a Saúde da Mulher

PHPN: Programa Humanização do Pré-Natal e Nascimento

Rehuna: Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento

RN: Recém-nascido

RNFSDR: Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos

SUS: Sistema Único de Saúde

TCLE: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UBS: Unidades Básicas de Saúde

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................. 11

HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DO PARTO E DA MULHER NA SOCIEDADE ... 13

1 A MULHER E SUA POSIÇÃO NA SOCIEDADE ................................. 13

1.1 A Construção da sexualidade da mulher .............................................. 14

2 A HISTÓRIA DO PARTO .................................................................... 16

2.1 Período Antigo...................................................................................... 17

2.2 Período Médio ...................................................................................... 19

2.3 Período Moderno .................................................................................. 19

3 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PARTO............................................. 20

O EMPODERAMENTO DA MULHER E O PARTO HUMANIZADO ................ 24

1 O MOVIMENTO FEMINISTA PARA A HUMANIZAÇÃO DO PARTO . 24

1.1 Políticas de saúde pública e assistência ao parto no Brasil ................. 26

1.2 Humanização no parto ......................................................................... 28

A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO BRASIL ...................................................... 33

1 VIOLÊNCIA CONTRA MULHER ......................................................... 33

1.1 A Violência Obstétrica .......................................................................... 35

1.1.1 As características da violência obstétrica ............................................ 38

2 PROCEDIMENTOS QUE FEREM POLÍTICAS DE HUMANIZAÇÃO 41

2.1 Tricotomia dos pelos pubianos ............................................................. 42

2.2 Enema evacuante ................................................................................ 42

2.4 Exame de toque recorrente .................................................................. 43

2.5 Forcípe ................................................................................................. 44

2.6 Episiotomia ........................................................................................... 45

2.7 Amniotomia .......................................................................................... 45

2.8 Anestesias ............................................................................................ 46

2.9 Manobra de Kristeller ........................................................................... 47

2.10 Posição e movimentação da mulher .................................................... 47

2.11 Uso profilático de ocitócicos ................................................................. 48

2.12 Assistência à Dequitação ..................................................................... 49

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2.13 Alimentação.......................................................................................... 49

2.14 Omissão de informações e falta de consentimento da paciente .......... 50

2.15 Apoio físico e emocional contínuo ........................................................ 50

2.16 Cirurgias cesarianas ............................................................................. 51

2.17 Assistência ao recém-nascido (RN) ..................................................... 52

A METODOLOGIA ........................................................................................... 54

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................... 54

2 ANÁLISE DE DADOS ........................................................................... 56

2.1 Pré-análise ............................................................................................ 56

2.2 Exploração do material ......................................................................... 57

2.3 Tratamento dos resultados (inferência e a interpretação) ..................... 57

3 DISCUSSÃO DE RESULTADOS ......................................................... 58

3.1 Descrição dos resultados e categorização de Violência obstétrica ....... 59

3.1.1 A Violência obstétrica durante a gestação ............................................ 61

3.1.2 A Violência obstétrica durante o parto normal ...................................... 62

3.1.3 Violência obstétrica durante o pós-parto ............................................... 66

3.1.4 A violência obstétrica e o sofrimento psíquico ...................................... 68

3.1.5 A compreensão da violência obstétrica................................................. 68

PROPOSTA DE INTERVENÇÃO ..................................................................... 72

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 73

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 74

APÊNDICE ....................................................................................................... 84

ANEXOS ........................................................................................................... 90

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11

INTRODUÇÃO

O nascimento de uma criança, assim como, o parto em si, representa

um momento especial na vida de uma mulher, porém, inúmeras vezes são

relembrados como uma experiência traumática na qual a mulher se sente

agredida, desrespeitada e violentada por aqueles que deveriam lhe prestar

assistência (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012).

À violência cometida contra mulheres durante o pré-natal, parto e

puerpério, é denominada como de violência obstétrica. A violência obstétrica é

caracterizada como ato de violência física, psicológica e emocional contra

mulheres no processo de parto. Diversas são as demonstrações desse tipo de

violência, das mais leves às mais graves, e algumas são bastante comuns,

atingindo uma em cada quatro parturientes (VENTURI; BOKANY; DIAS, 2010).

Os cuidados obstétricos antes, durante e após o parto, devem

reconhecer que toda mulher tem o direito legal de: receber tratamento livre de

danos e maus-tratos; obter informação, consentimento esclarecido com

possibilidade de recusa e garantia de respeito às suas escolhas e preferências,

incluindo acompanhante durante toda a internação na unidade obstétrica;

privacidade e sigilo; ser tratada com dignidade e respeito; receber tratamento

igual, livre de discriminação e atenção igualitária. Observa-se que muitas

vezes, os direitos relatados são negligenciados, segundo Andrade (2014), o

corpo da mulher tem sido visto como máquina, onde o médico é o engenheiro

que detém todo o saber sobre ela, ignorando emoções, sentimentos,

percepções e direitos da mesma no gestar e parir, deixando-as mais

vulneráveis à violência.

Considerando que a violência obstétrica não é reconhecida pelas

parturientes como um ato violento, visto que, no momento em que ocorrem, as

mulheres vivenciam fortes emoções, fato que as leva a pensar que seja comum

aceitar agressões verbais; serem impedidas de exprimir o que sentem durante

o trabalho de parto; o direito de um acompanhante e, outros direitos

negligenciados, a presente pesquisa tem o intuito de elucidar a compreensão

das usuárias da Rede Pública de Saúde do Município de Lins, sobre a violência

obstétrica e identificar os impactos sofridos por estas mulheres.

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O trabalho foi desenvolvido em quatro capítulos, sendo o I - Histórico e

evolução do parto e da mulher na sociedade; II O empoderamento da mulher e

o parto humanizado; III - A Violência Obstétrica no Brasil e IV – A Metodologia.

A pesquisa foi realizada em duas Unidades Básicas da Saúde da cidade

de Lins, na UBS “Dr. Péricles da Silva Pereira”, no Bairro Ribeiro e, na

UBS “Dr. Adalberto Ariano Crespo”, no Bairro Junqueira, na sala de espera da

pediatria. O questionário também foi aplicado nas residências de mulheres que

apresentaram interesse em participar da pesquisa, mas, por conta da

disponibilidade de horário, não puderam comparecer às UBS. A aplicação da

pesquisa ocorreu no mês de outubro de 2017 e teve a duração de 15 minutos

para cada entrevistada.

A amostra da pesquisa foi constituída por 25 mulheres, mas a

quantidade de participantes da pesquisa foi delimitada a partir da amostragem

por saturação, ou seja, houve suspensão da inclusão de novas participantes

quando as respostas passaram a apresentar, na avaliação do pesquisador,

certa redundância ou repetição. Norteou-se a referida pesquisa exploratória, e

a metodologia utilizada para analisar as informações adquiridas, a partir do

questionário qualitativo, embasado teoricamente, através da abordagem

psicológica Sócio-Histórica, que analisou as respostas de acordo com a

perspectiva social e histórica da mulher.

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13

CAPITULO I

HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DO PARTO E DA MULHER NA SOCIEDADE

1 A MULHER E SUA POSIÇÃO NA SOCIEDADE: DA ANTIGUIDADE

AOS DIAS ATUAIS

No sentido de compreender o lugar da mulher no corpo social, tanto na

antiguidade quanto nos dias atuais, há de se explorar e conhecer a história da

mulher, entendendo a construção de sua identidade, seu lugar social, e

essencialmente seu posicionamento no âmbito familiar. Sendo assim, entende-

se o lugar da mulher na sociedade através da relação afetiva que se

estabelece com seus pares e familiares. Compreender a construção de sua

sexualidade ao longo da história e o que perpassa no seu imaginário em

relação ao companheiro escolhido traz uma compreensão de sua realidade

atual e da evolução que ela vivenciou até então (SILVA, 2005).

Na colonização do Brasil, o papel da mulher brasileira percorre por

funções às vezes exóticas, ora degradantes e até desumanas. Elas foram

admiradas, temidas como representantes de Satã e foram reduzidas a objetos

de domínio e submissão por receberem um conceito de “não-função”, tendo

sua real influência na evolução do ser humano, marginalizada e até aniquilada

(SILVA, 2005).

No Brasil, as primeiras narrativas históricas sobre as mulheres tiveram

início na década de 1980 e foram marcadas pela preocupação com a dialética

da dominação versus opressão, dando pouco ou nenhum destaque às

múltiplas formas de resistência elaboradas ao longo do tempo para fugir da

dominação masculina. Várias historiadoras alertaram para este fato: Silva Dias,

Del Priore, Soihet, Algranti, entre outras. Porém, mais do que falar sobre as

misérias da vida feminina, importava decodificar que poderes informais e

estratégias as mulheres detinham por trás do ficcional poder masculino, e como

articulavam a subordinação e a resistência (DEL PRIORE, 1994).

Deste modo, a visão das primeiras mulheres brasileiras, pode constar da

obra organizada por Del Priore (2001), iniciada com “relatos de viajantes que

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observaram a cultura indígena no Brasil colonial” (p. 11). Então, os costumes

heterodoxos eram considerados como sinais de estupidez e da presença do

Diabo. Do nascimento à velhice, as mulheres Tupinambás recebiam

tratamentos e tarefas enredadas à selvageria e com marcas de crueldade. Esta

pode ser uma visão estrangeira das mulheres Tupinambás, mas para corpo

social, tudo era feito seguindo as determinações e ponto de vista da natureza

humana.

Possivelmente, hoje em dia, o inconsciente das mulheres brasileiras

esteja ligado às ideias passadas por gerações. A desordem, pecado e fúria

originados da fragilidade moral do sexo feminino tiveram enorme utilidade ao

“poder” social masculino, e ao “bem-estar” feminino.

No Brasil colonial, “abafar” a sexualidade feminina seria o objetivo de

Leis do Estado, da Igreja, e o desejo dos pais, visto que “ao arrebentar as

amarras (...) a sexualidade feminina (...) ameaçava o equilíbrio doméstico, a

segurança social e a própria ordem das instituições civis e eclesiásticas”

(EMANUEL ARAÚJO, 1997 apud DEL PRIORE, 2001). Na época era missão

da Igreja castrar a sexualidade feminina, trazendo a ideia do homem superior a

qual pertencia o exercício da soberania. As mulheres carregavam o peso do

pecado original e, desta forma, deveriam ser observadas de perto e por toda a

vida. Nessa perspectiva, crença e medo acompanhou e, talvez ainda

acompanhe a evolução e o desenvolvimento feminino (DEL PRIORE, 2001).

1.1 A Construção da sexualidade da mulher

No século XVII, só se reconhecia um modelo de sexo, o masculino. A

mulher era criada como um homem invertido e inferior, portanto, compreendida

como um sujeito ínfero na grandeza da perfeição metafísica. No século XIX a

mulher passa de homem invertido ao inverso do homem, ou sua forma

complementar.

O modelo cultural básico da antropologia do mediterrâneo definiu o

binômio categorial “honra / vergonha”, onde, o homem mediterrâneo tinha que

conservar a honra, entendida como estima, respeito e prestígio. Este código

moral reconhece no homem preceitos como a defesa da posse de bens, a

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15

lealdade, a proteção da família, a garantia de reputação social e profissional.

Nele, a mulher devia coordenar a casa, tê-la limpa, cuidar do esposo e dos

filhos, ser recatada, ir à missa e ser decente. A sexualidade e a fertilidade

femininas eram vistas como uma ameaça à dignidade e um risco, requerendo o

controle do homem. A desonra era entendida como um código moral que

consagrava a virgindade e a castidade. Se a mulher se tornasse coautora da

desonra, era imposto ao homem a retaliar esse comportamento com o intuito

de reconquistar sua honra. (CUTILEIRO, 1971; PERISTIANY, 1965; PITT-

RIVERS, 1954; SCHNEIDER, 1971 apud PEREIRO, 2005).

Ainda no século XIX, a sociedade burguesa inicia a discussão sobre os

gêneros. O sexo definiu as diferenças entre macho e fêmea, já o conceito de

gênero refere-se à formação cultural dos aspectos masculinos e femininos,

criando-nos homens e mulheres. “O gênero é a definição cultural da conduta

conhecida como apropriada aos sexos numa sociedade dada e numa época

especifica. (...) É um disfarce, uma máscara, uma camisa de força na quais

homens e mulheres dançam a sua desigual dança”. (LERNER, 1990 apud

PEREIRO, 2005).

A função da mulher determinada culturalmente, até a atualidade, é a da

mulher como esposa. O aperfeiçoamento dos instrumentos de trabalho

elaborado e controlados por homens deu ao marido um pretexto de acúmulo de

bens. Uma união que pretendia a procriação passou também por questões

ligadas ao valor da propriedade, à conquista das terras e aos acordos políticos

entre a nobreza. A união e a família fazem parte de uma realidade social,

construída junto com a evolução da humanidade. Isto levou à transformação da

estrutura familiar, passando a mulher para o grupo do marido. Da antiguidade à

idade média, os casamentos eram organizados sem o consentimento da

mulher e, o relacionamento, não consagrava o amor e sim um contrato entre o

pai da noiva e a família do pretendente. A fecundidade era indispensável ao

casamento, sendo a esterilidade levada ao repúdio e o adultério implicava no

abandono ou até a morte da mulher.

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16

2 A HISTÓRIA DO PARTO

A realização do parto por muitos milênios foi considerada uma atividade

eminentemente feminina, e era tradicionalmente realizada pelas parteiras, que

também cuidavam do corpo feminino e dos recém-nascidos. As parteiras eram

depositárias de um saber popular, que foi produzindo lendas e crendices sobre

o corpo gravídico, associados à natureza. Assim sendo, durante muito tempo,

as mulheres em trabalho de parto eram auxiliadas por outras mulheres, que

poderiam ser dos parentes, vizinhas ou amigas, ou as mulheres reconhecidas

pela sua experiência ou competência para tal acompanhamento, no caso as

parteiras (BRENES, 2005).

As práticas e os costumes que envolvem o nascimento e o parto

variaram ao longo dos tempos e nas diferentes culturas, e ao entender o parto

como um evento cultural e histórico, faz-se necessário resgatar as formas de

nascer, da pré-história até os dias atuais.

Existem poucos documentos e dados que atestem com profundidade

como eram os partos na pré-história, mas de acordo com Rosenberg e

Trevathan (2001), as dificuldades relacionadas ao parto sempre desafiaram os

seres humanos e seus ancestrais, pois, desde a pré-história a mulher

necessitava de assistência no momento de parto e, no trabalho de parto, e a

evolução humana nos mostra que essas práticas possam ter surgido até cinco

milhões de anos atrás, quando o advento do bipedalismo estreitou o tamanho e

o formato da pelve e do canal de nascimento pela primeira vez e as mulheres

buscaram auxílio de alguém próximo. Sugere-se que através de indícios de

fósseis que foi a anatomia, e não apenas a nossa natureza social, que fez com

que as mães humanas a pedir ajuda na hora do parto (ROSENBERG;

TREVATHAN, 2001).

A história do parto, de acordo com Briquet (2011), pode ser entendida

em três períodos: antigo, médio e moderno. No período antigo a assistência ao

parto é exclusividade feminina e os médicos eram requisitados para a

indicação medicamentosa ou para realização de operações mutilantes no feto

morto. No fim do século VII, inicia o período médio que é definido pela

tendência cirúrgica por meio da instrumentação e das manobras. E, o período

moderno se inicia com realização da obra de Deventer (1701), a primeira

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contribuição cientifica para obstetrícia e com a invenção do Fórcipe por Pedro

Chamberlan.

Engelmann, em 1888, distribui a história da obstetrícia em três fases: a

empírica, em que a assistência é totalmente feminina e o médico é

eventualmente chamado por conta de sua força física; a cirúrgica, que é

caracterizada pelo desenvolvimento de manobras e operações, e se multiplica

a invenção de instrumentos quase sempre mutiladores; e a anatômica, na qual

a tocologia se emancipa da cirurgia e se aproxima do ideal, que é assistência

ao parto dentro da anatomofisiologia obstétrica (ENGELMANN, 1888 apud

BRIQUET, 2011).

2.1 Período Antigo

Segundo Briquet, o período antigo se subdivide em três épocas: a

primeira, pré-hipocrática, que vai dos tempos mais remotos a Hipócrates, no

fim do século V a.C.; a segunda, hipocrática, de Hipócrates até o século III da

presente era; e a terceira, que começa com a escola de Alexandria e chega ao

início da cultura da medicina pelos árabes, isto é, ao fim do século VII (2011).

A época pré-hipocrática é compreendida em duas fases: a primitiva ou

intuitiva e religiosa. O período primitivo conforme Engelmann (1888) é marcado

pelo auxílio à parturiente pelas amigas, vizinhas ou mulheres mais velhas e

experientes. Nesta época eram realizadas práticas religiosas com objetivo

sanitário, a fim de assegurar o isolamento da parturiente ou puérpera; eram

realizados também abortamento por manobras externas ou internas, para se

evitar o parto distócico (parto em que, apesar do útero se contrair normalmente,

o bebê não consegue passar pela bacia por estar bloqueado fisicamente) ou o

superpovoamento (BRIQUET, 2011). Tinham-se também, o parto como

dependente da vontade do feto, colocavam a parturiente em várias posturas,

executavam pressões abdominais, ministravam-se remédios preparados por

curandeiros, capazes de provocar náuseas, e procedia-se a aplicações de

medicamentos no período de dequitação da placenta. Na fase religiosa, citam-

se as formas de partos realizados na Judéia, Egito, Grécia, Índia e Roma

antiga.

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Na Judéia, as Escrituras Sagradas oferecem a mais antiga fonte

histórica para o estudo da obstetrícia, que na época era exercida pela parteira.

No Livro de Gênesis, lê-se que Raquel vem a falecer durante o parto de

Benjamin. No Livro de êxodo, cita os nomes de Sifra e Pua, parteiras às quais

o Faraó recomendara que matassem os filhos do sexo masculino de mulher

judia, porém as mesmas responderam que tal incumbência era impossível,

porque lhes dispensavam a presença, dando à luz antes que chegassem. O

Velho Testamento informa que Jeová recompensou-as, dando-lhes muitos

anos de vida e uma descendência numerosa. No Egito invocava-se a deusa

Ísis, que é a padroeira das parturientes e benfeitora do gênero humano. Era

irmã e esposa ao mesmo tempo de Osíris (Sol). Porém, mesmo com o grande

progresso da civilização egípcia e a cultura dos seus sacerdotes, pouco se

sabe sobre a obstetrícia deles (BRIQUET, 2011).

Na Índia, livro da Vida (Ayurveda) do brâmanes, escrito 1500 anos antes

da presente era, informa-se que praticavam o parto podálico que consiste em

inverter a posição do bebê para que nascimento se faça pelos pés, realizavam-

se as manobras externas e operações de partir o feto morto para o extraí-lo da

mulher, conhecido também como embriotomia. Os médicos eram somente

requisitados quando havia problemas no parto. As parturientes de classe

elevada davam a luz no domicílio, em aposentos destinados a esse fim, e se

levantavam somente depois da sexta semana (BRIQUET, 2011).

Na Grécia, entre os Helenos, distinguiam-se os deuses que presidiam às

diversas fases da puerperalidade – Ilícia, filha de Júpiter e Juno, que, segundo

Hesíodo, assistiu Letos, em Délos, por ocasião do nascimento de Apolo.

Parece que havia duas Ilícias; uma favorável ao parto, e outra não. Seguem-se

a deus Artemísia, mais tarde confundida com Sémele, e Genetílides, voltadas à

concepção e ao nascimento; por fim, Juno, protetora do matrimônio e do

nascimento. Sabe-se também, que em Atenas, só podia ser obstetriz, a mulher,

depois da menopausa, que houvesse tido um filho.

E em Roma, predominava-se Lucina, que corresponde à Ilícia dos

gregos. Citam-se ainda Mena, deusa da menstruação; Rúmina ou Mumília

(Seio) para lactação; Ossipaga era a deusa responsável pelo acompanhamento

e desenvolvimento do feto; Vaticanus e Fabulinus aos quais incumbiam

acompanham o primeiro grito do recém-nascido e o balbuciar das primeiras

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palavras e entre outros. Todo esse santuário demonstra que a crença era

centrada nas divindades e no descrédito do conhecimento e socorro humano.

Praticavam cesáreas em mulheres doentes ou mortas, muito antes da Lei

romana de Numa Pompílio (774 a. C.) que proibia o enterro de mulher que

tenha morrido grávida, sem antes retirar o filho de sua barriga. A palavra

cesariana não viria, portanto de Júlio César, pois essa operação só se

praticava em mães doentes ou mortas e segundo autores a mãe deste vivia por

ocasião da Guerra das Gálias (BRIQUET, 2011).

A época hipocrática é marcada pelas correntes filosóficas segundo as

quais se edifica a medicina cientifica, centrando-se na figura de Hipócrates. O

filósofo estudou vários ramos da medicina e substituiu a etiologia divina dos

fenômenos pela observação direta da natureza.

Na época pós-hipocrática, o nascimento se conservava nas mãos das

parteiras e o médico era requisitado em casos de complicações em que se

realizava a embriotomia e extração da placenta. Porém, quase sempre, isso se

resultava em óbito e, por este motivo as parteiras e parturientes e demais

pessoas evitavam o médico (BRIQUET, 2011).

2.2 Período Médio

Na idade média, a fecundidade era valorizada pela sociedade, e

desejavam mais uma criança do sexo masculino do que feminino. A ausência

de filhos era reconhecida na época como algo próximo ao pecado e a culpa era

sempre da mulher. Nesta mesma época a igreja anatematizou o aborto e a

realização do parto torna-se responsabilidades dos sacerdotes (BRIQUET,

2011).

A gravidez era encarada como uma situação excepcional, de ordem

sagrada. Isentava a mulher grávida de obrigações, tais como assistir às

cerimônias religiosas ou ser citada, ou castigada, em justiça (GASC, 2014).

2.3 Período Moderno

A medicina moderna nasce em torno dos últimos anos do século XVIII.

Assim sendo, o século XIX assiste à consolidação de um novo tipo de prática

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médica, a medicina constituída como saber científico, estabeleceu a

medicalização dos corpos.

No século XVI, Luísa Bourgeois, parteira célebre da época, assistiu a

rainha Maria de Médicis. Seu mérito principal estava em recomendar a versão

pélvica nos casos de apresentação transversa e de hemorróidas no parto; fazia

o diagnóstico diferencial entre a apresentação de face e a pélvica incompleta,

modo de nádegas.

Nesta mesma época, ocorreu a primeira operação cesariana, em 1500,

por Jaime Nuffer, que era castrador de porcos em Turgóvia. Depois de obtida

autorização do prefeito e assistido a ineficácia do auxílio de treze parteiras,

resolveu o marido praticar a operação na esposa que paria pela primeira vez.

E, sendo assim, fora bem-sucedido, tendo ela depois, mais cinco filhos.

3 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PARTO

Historicamente, os partos e seus cuidados eram realizados por mulheres

conhecidas popularmente como aparadeiras ou comadres. A arte de partejar foi

constituída como saber-poder feminino, e de acordo com Progianti (2001) era

rico em saberes populares, orientado pela intuição e pela experiência vivida no

cotidiano.

Segundo Brenes (1991), as parteiras, assistiam as mulheres durante a

gestação, parto e puerpério e até mesmo auxiliavam nos cuidados com os

recém-nascidos. Estas parteiras eram de muita confiança e eram também

consultadas sobre vários temas, como cuidados com o corpo, doenças

venéreas, e até mesmo praticavam o aborto (BRENES, 1991). Até o final do

século XIX, a maioria dos partos eram realizados em domicílios e as

maternidades não constituíam um lugar seguro pra mulheres darem a luz

(TANAKA, 1995). Em 1878, se estimou que as mulheres inglesas aumentavam

em até seis vezes as suas chances de morrer ao realizar o parto em

maternidades, em decorrência da infecção puerperal.

Após o fim da presença feminina no parto há a introdução dos médicos e

de seus instrumentos, colocando as parteiras em segundo plano e

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marginalizando a comunidade de mulheres dos acontecimentos que marcavam

o nascimento (OSAVA 1997 apud WOLFF; WALDOW, 2008).

A medicina, enquanto instituição incorporou prática da realização do

parto como uma das suas atribuições, intitulando-a “Arte Obstétrica” e

denominou de parteiro ou médico-parteiro os profissionais por ela formados

(TOSI, 1988). Este processo se deu primeiro na Europa (nos séculos XVII e

XVIII) se estendendo ao Brasil, ao se inaugurar as escolas de medicina e

cirurgia na Bahia e Rio de Janeiro, em 1808.

A introdução da medicina neste espaço inaugurou não só a

experimentação clínica articulada com o discurso anátomo-patológico, quanto

produz um discurso a partir da penetração da figura masculina no saber e

prática obstétrica.

E, após a segunda guerra mundial o parto foi se institucionalizando,

gradualmente, pois os médicos adquiriram novos conhecimentos e habilidades

nos campos de cirurgia, da assepsia, da anestesia, da hemoterapia e da

antibióticoterapia, e assim, conseguiram diminuir, significativamente, os riscos

do parto hospitalar, morbimortalidade materna e neonatal (TANAKA, 1995). E o

resultado da institucionalização do parto, foi a medicalização e perda da

autonomia da mulher como condutora do seu processo de parir. Dessa forma,

o modelo de atenção ao parto e nascimento atual é marcado pela

medicalização, pelo abuso de práticas invasivas e desnecessárias. O ato de

dar à luz, que antes era uma experiência intima e profundamente subjetiva, de

vivência no ambiente domiciliar para a mulher e sua família, transformou-se em

experiência no âmbito hospitalar: um momento privilegiado para o treinamento

de acadêmicos e residentes de medicina e obstetrizes (WOLFF; WALDOW,

2008).

Vendrúscolo; Kruel (2015) citam que com a institucionalização do parto

houve o afastamento da família e da rede social no processo do nascimento,

pois a estrutura física e os hábitos hospitalares não foram planejados para

assistir as parturientes, mas sim, para as necessidades dos profissionais de

saúde (DINIZ, 2001; OMS, 1996). Com isso, grande parte das mulheres passou

a permanecer internada em quartos coletivos, sem privacidade, tornaram-se

passivas diante das regras e foram privados da presença de uma pessoa de

sua confiança para apoiá-las (BRUGGEMANN; PARPINELLI; OSIS, 2005). O

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momento do parto passa a ser cheio de normas de comportamentos que são

definidos pela instituição hospitalar (DINIZ, 2001).

Segundo Storti (2004), com a institucionalização do parto se ganhou

muito em questões tecnológicas, mas infelizmente muito se perdeu em relação

ao ambiente acolhedor que ocorria no domicílio, o cuidado à mulher e à família

sofreu várias modificações e a apropriação do saber médico, nesta área,

resultou no estabelecimento da medicalização do corpo feminino, além de,

também haver a perca do acompanhante de escolha da mulher e a mesma

passou a parir somente com a presença da equipe de saúde (NAGAHAMA;

SANTIAGO, 2005).

No início da década de 1960, surgiu a técnica do parto sem dor pela

facilitação da anestesia peridural (SZEJER; STEWART, 1997). As técnicas

criadas pela medicina representavam uma forma de “domesticar o

incontrolável”, relacionado na era do feminino, e que os tornavam mais

“cultural” (VENDRUSCOLO; KRUEL, 2016 apud HELMAN, 2003).

Sendo assim, o parto realizado em uma maternidade em muitos casos,

aumentam o nível de estresse da mulher por ser um local desconhecido, longe

de seu ambiente familiar, onde é cuidada por pessoas desconhecidas e se

perde assim o significado da relação entre o familiar que é exclusivo e especial

na sua vida (RAMALHO, 2009).

A obstetrícia moderna é caracterizada em três dimensões: Primeiro, ela elimina a mulher como sujeito do parto e coloca o médico nesse lugar, cabendo a ele a condução ativa do parto; segundo, impede os médicos de reconhecerem como legítimas as situações nas quais o ambiente externo e o estado emocional da mulher atuam, dificultando ou facilitando o trabalho de parto e o parto; terceiro, define e determina a atuação intervencionista do médico quando ele achar que o músculo uterino não responde apropriadamente (PONTES, 2014, p. 72).

A obstetrícia moderna como cita Pontes (2014) ou a institucionalização

do parto ou o chamado “parto tecnocrático” desprezam os aspectos relacionais,

emocionais, sociais e culturais, ocupando esses aspectos por soluções

meramente técnicas, como se o corpo feminino fosse uma máquina incompleta

e necessitasse de intervenções. O parto é considerado um “ato médico” e de

domínio das instituições de saúde, destituindo-se a mulher do seu papel de

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protagonista e colocada numa postura passiva e temerosa. Configura-se a

visão distorcida de que é o profissional de saúde quem “faz” o parto (BRASIL,

2001b; CARNEIRO; VILELA, 2003).

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CAPITULO II

O EMPODERAMENTO DA MULHER E O PARTO HUMANIZADO

1 O MOVIMENTO FEMINISTA PARA A HUMANIZAÇÃO DO PARTO

O feminismo teve início mais precisamente com os movimentos políticos

dos anos 1960, nos Estados Unidos e, estreitamente, vinculados à agitação

cultural e política que tomava todo o mundo ocidental. Estes movimentos da

vanguarda intelectual colocaram em risco padrões morais socialmente aceitos,

desmontando os “inabaláveis” valores de família e recusando a posição da

mulher, criada dentro do espaço privado, além de, questionar os pressupostos

epistemológicos que norteavam o mundo do saber.

De acordo com Alves (2013), as tendências do movimento feminista

tiveram início no final do século XIX e se estenderam pelas três primeiras

décadas do século XX. A primeira tendência, conhecida como o movimento

sufragista, teve à frente Bertha Lutz. Foi a fase do feminismo que apresentava

um caráter conservador e que não questionava a opressão da mulher. Em sua

segunda tendência, o feminismo reunia mulheres intelectuais, anarquistas e

líderes operárias, que tinham como objetivo defender o direito à educação,

abordando temas como a dominação masculina, a sexualidade e o divórcio. E,

a terceira vertente se expressou com mais força através do movimento

anarquista e do Partido Comunista (ALVES, 2013).

Em 1949, Simone de Beauvoir publicou a obra ‘O Segundo Sexo’, na qual a autora aborda as raízes da opressão feminina e analisa o desenvolvimento psicológico da mulher bem como as condições sociais que interferem neste. No ano de 1963, Betty Fridman lança a mística feminina, no qual retoma as ideias de Beauvoir e delata a opressão contra a mulher na sociedade industrial. É a partir dessas novas ideias que o feminismo se expande pelo mundo e inicia-se um período de movimentos sociais feministas (ALVES, 2013, p. 115).

Simone Beauvoir contesta em sua obra, todo determinismo biológico ou

destino divino e retoma a perspectiva que “não se nasce mulher, mas torna-se

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mulher”. Sendo assim, a filósofa e escritora francesa, questiona a função da

maternidade no contexto do pós-guerra, em que as forças conservadoras

defendiam a família, a moral e os bons costumes. Destaca-se que um dos

elementos principais desta politização era refutar o determinismo biológico que

reservava às mulheres a um destino social de mães. A maternidade começava,

então, a ser compreendida como uma construção social, que designava o lugar

das mulheres na família e na sociedade, isto é, a causa principal da dominação

do sexo masculino sobre o sexo feminino (SCAVONE, 2001).

Segundo Scavone (2001), inicialmente a maternidade foi reconhecida

como um handicap que significa defeito natural, que confinaria as mulheres em

uma bio-classe. Portanto, a recusa da maternidade seria o primeiro caminho

para revolucionar e se libertar da dominação masculina e que traria

possibilidades para que as mulheres buscassem uma identidade mais ampla e

completa e assim reconhecessem todas suas outras potencialidades

(SCAVONE, 2001).

Já em um segundo momento, Ferrand e Langevin denominam “negação

do handicap”. Sendo assim, a maternidade passa a ser considerada como um

poder que não se pode substituir, o qual só as mulheres possuem e os homens

invejavam. Neste momento, a reflexão feminista também dialoga com as

ciências humanas e sociais: em teses lacanianas, que valorizam o lugar das

mulheres na gestação, lembrando que o cordão umbilical, unindo o feto à mãe,

é fonte de vida e poder (SCAVONE, 2001).

Em um terceiro momento, segundo Ferrand e Langevin, ocorre a

“desconstrução do handicap natural”, que mostra como não é o fato biológico

da reprodução que determina a posição social das mulheres, mas as relações

de dominação que atribuem um significado social à maternidade (SCAVONE,

2001).

Em suma, a definição teórica destes três momentos é reveladora de uma prática social – a maternidade – com todas suas contradições, mudanças e permanências. A recusa ou aceitação da maternidade pode acontecer, ao mesmo tempo, em espaços e posições sociais diferenciadas e não estão, necessariamente, ancoradas na ideia do handicap. Apesar de a

crítica feminista ter partido da constatação da diferença biológica entre os sexos, considerando-a um defeito, ela acaba mostrando que a dominação de um sexo sobre o outro só pode ser explicada social e não biologicamente (SCAVONE, 2001, p. 141).

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O feminismo tem um papel central, desde o movimento de usuárias pela

Reforma no Parto, nos EUA na década de 1950, e nas décadas de 1960 e

1970, com a criação dos centros de saúde feministas e os Coletivos de Saúde

das Mulheres (BWHBC, 1998). Em seguida, as feministas reformulam a

assistência a partir dos conceitos de direitos reprodutivos e sexuais como

direitos humanos e sugere uma assistência fundamentada em direitos. O corpo

feminino, antes necessariamente carente de resgate, é caracterizado como

apto a dar à luz, na grande maioria das vezes, sem necessidade de quaisquer

intervenções ou sequelas previsíveis (RNFSDR, 2002).

Os estudos feministas partem do pressuposto que a equidade de gênero só pode ser alcançada mediante o empoderamento das mulheres, para que haja o despertar da consciência sobre a discriminação de gênero e melhorar a autopercepção, visando à transformação das relações de submissão, o reconhecimento de seus direitos, o estabelecimento de atitude emancipatória para a conquista da cidadania (PEREIRA; BENTO, 2011, p. 471).

A humanização da assistência, expressa uma mudança no entendimento

do parto como experiência humana e, para quem o assiste, uma mudança no

“que fazer” diante do sofrimento do outro humano (DINIZ, 1997). A obstetrícia

médica passa a reivindicar seu papel de resgatar as mulheres, trazendo: uma

preocupação humanitária de resolver o problema da parturição sem dor.

Atualmente, vêm-se ampliando o cuidado à mulher sob a perspectiva de

gênero, este compreendido como elemento constitutivo das relações sociais

entre homens e mulheres, resultante de uma construção social e histórica, que

determina os modelos culturais e comportamentais de masculinidade e

feminilidade, representando uma forma primeira de significação de poder.

1.1 Políticas de saúde pública e assistência ao parto no Brasil

O Ministério da Saúde pressupõe ações coletivas que permitem a

realização de uma assistência à saúde na atenção básica de forma integral e

universal. Dentre os programas desenvolvidos nesse contexto, indicam ações

direcionadas à saúde da criança, adulto, idoso e, sobretudo, à assistência à

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saúde da mulher. Assim, ações de saúde prescrita na assistência à saúde da

mulher passam à prevenção do câncer de colo uterino, o planejamento familiar,

a prevenção dos problemas odontológicos em gestantes e a assistência ao pré-

natal (BRASIL, 2002).

As primeiras ações políticas relacionadas à saúde materno-infantil no

Brasil aconteceram durante a transição do Estado Novo até o Regime Militar.

Sendo assim, foi implantado em 1940 o Departamento Nacional da Criança,

cujo objetivo era a normatização do atendimento à criança e o combate à

mortalidade infantil. Em 1975 foi estabelecido o Programa de Saúde Materno-

infantil, que abrangeu o olhar para a saúde da mulher, que tinha como objetivo

reduzir a morbidade e a mortalidade da mulher e da criança.

Na década de 1980, houve um avanço nas políticas públicas de atenção

ao parto, que até então, eram voltadas para as questões reprodutivas. Deste

modo, focou-se na saúde da mulher e teve como característica a transição

democrática, devido à organização dos diversos movimentos sociais e

feministas, os quais reivindicavam mudanças na saúde da população. Nesse

cenário, houve o rompimento com o serviço de saúde ofertado às mulheres,

onde a mulher era vista de forma reducionista e fragmentada com ações

focadas para gerar filhos sadios. O movimento feminista traz a proposta de

incorporar à saúde da mulher outras questões, como pré-natal, melhores

condições ao parto e, ainda, outros aspectos relacionados ao gênero, trabalho,

sexualidade, saúde, anticoncepção e a prevenção de doenças sexualmente

transmissíveis.

A mobilização feminista em cooperação dos profissionais de saúde deu

origem às diretrizes do Programa de Assistência Integral a Saúde da Mulher

(PAISM). O PAISM foi criado pelo Ministério da Saúde em 1983, com o objetivo

de romper as propostas políticas reducionistas e adotar o conceito de saúde

integral da mulher, respeitando suas necessidades e particularidades: na

assistência gravídico-puerperal; assistência ao aborto; assistência à concepção

e anticoncepção; prevenção do câncer de mama e colo uterino; assistência ao

climatério, assistência às doenças ginecológicas prevalentes; prevenção e

tratamento das DST/aids; amparo à mulher vítima de violência (BRASIL, 2004).

Na década de 1990, fortificaram-se as discussões pertinentes ao modelo

do parto vigente no país, o qual estava alicerçado em ações intervencionistas e

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medicalizadoras. Nesse período, o Ministério da Saúde lançou medidas que

objetivavam a valorização ao parto normal e a busca pelo resgate do parto

como um evento fisiológico, dentre elas: o aumento de 160% na remuneração

do parto vaginal e o pagamento de analgesia do parto, com a finalidade de

diminuir as altas taxas de cesarianas, além de proporcionar aos profissionais

de saúde a compreensão do direito da mulher em participar ativamente do

processo de parturição e o respeito aos seus direitos de escolha quanto à sua

vida e à sua saúde.

1.2 Humanização no parto

Quando se fala em humanizar pressupõe-se o desenvolvimento de

algumas características essenciais ao ser humano, e de acordo com Pinheiro

(1993), essas características se fazem urgentes e necessárias em todos os

aspectos, como a sensibilidade, o respeito e a solidariedade. Segundo a

mesma autora humanizar a assistência implica em humanizar os profissionais

de saúde, em humanizar as pessoas, incluindo a atitude e a postura que se

assume diante da vida e do modo como se interage com os outros (PINHEIRO,

1993).

Na busca pelo resgate do parto como um evento natural e na contramão

da forma tecnológica e mecanicista que o parto vem sendo abordado, surgem

os primeiros ideais sobre a humanização do parto. No Brasil, o movimento pela

humanização do parto é impulsionado por volta da década de 1970, quando

surgiram profissionais dissidentes, inspirados por práticas tradicionais de

parteiras e índios. Na década de 1980, vários grupos oferecem assistência

humanizada à gravidez e parto e propuseram mudanças nas práticas, como o

“Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde” e a “Associação Comunitária Monte

Azul” em São Paulo, e os grupos “Curumim” e “Cais do Parto” em Pernambuco.

Em 1993, é fundada a Rede pela Humanização do Parto e do

Nascimento (Rehuna), que atualmente congrega centenas de participantes,

entre indivíduos e instituições. A Carta de Campinas, documento fundador da

Rehuna, denuncia as circunstâncias que se dá a assistência às mulheres e as

crianças no momento do nascimento (REHUNA, 1993 apud DINIZ, 2005).

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Este documento representou uma forma de denúncia das circunstâncias violentas da assistência ao parto, caracterizando-as como pouco humanas, constrangedoras e marcadas pela ocorrência de intervenções desnecessárias e violentas, que transformava a experiência de parir e nascer em uma vivência aterrorizante, onde as mulheres se sentiam alienadas e impotentes (SENA; TESSER, 2017, p. 209).

Segundo Sena; Tesser (2017), desde as décadas de 1980 e 1990,

diversos profissionais da saúde e defensores dos direitos humanos e

reprodutivos das mulheres, juntamente com o movimento feminista tem se

organizado a fim de promoverem a discussão sobre a violência no parto e os

meios para combatê-la. Mas a discussão se fortaleceu a partir da década de

1990, passando a constituir um campo de investigação formal no país.

O movimento contra a violência obstétrica no Brasil é derivado das críticas crescentes que os diferentes grupos vêm fazendo a respeito da assistência ao parto no país, sendo considerado como um “movimento em prol da humanização do parto e nascimento”, que envolve diversos profissionais e instâncias da sociedade. Tal movimento se baseia no reconhecimento da participação ativa da mulher e de seu protagonismo no processo de parto, com ênfase nos aspectos emocionais e no reconhecimento dos direitos reprodutivos femininos (SENA; TESSER, 2017, p. 209).

Segundo Diniz (2005), momentos marcantes em termos de políticas

públicas que se valem ressaltar, foram à criação do Prêmio Galba Araújo para

Maternidades Humanizadas, em 1998, e a proposição das Casas de Parto.

Também mantidos como critérios para a concessão do prêmio às

recomendações da OMS, estão: a presença de acompanhantes no pré-parto,

parto e pós-parto, a assistência aos partos de baixo risco por enfermeiras, e

controle das taxas de cesárea. Apesar de o termo humanização ser mais

utilizado na América Latina, tem tido um apelo internacional, refletido em

iniciativas como a Conferência Internacional pela Humanização do Parto, que

contou com mais de duas mil pessoas de dezenas de países, realizada em

2000 em Fortaleza. A segunda edição desta Conferência ocorreu em novembro

de 2005, no Rio de Janeiro. O encontro consolidou um movimento global pela

humanização do parto (GOER, 2004), celebrou os 20 anos da Carta de

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Fortaleza e fez um balanço dos avanços desde então, projetando os próximos

20 anos de movimento (DINIZ, 2005).

Em 2000 foi lançado o Programa Humanização do Pré-Natal e

Nascimento (PHPN), por meio da Portaria GM n. 569, de 1º/06/2000. O

programa tem por prioridade promover a melhoria do acesso, da cobertura e da

qualidade do acompanhamento do pré-natal, da assistência ao parto e ao

puerpério para as gestantes e ao recém-nascido, e, também, garantir um

padrão mínimo na assistência e seu registro (DINIZ, 2005). Para tanto, torna-se

necessário que a equipe de saúde desenvolva ações de acolhimento à

gestante, aos seus familiares e ao recém-nascido, priorizando a formação de

vínculos saudáveis. Além disso, o programa propõe o rompimento com práticas

intervencionistas desnecessárias que não beneficiam a mulher, nem o recém-

nascido.

Desde 1985, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem recomendado

que a mulher tenha um acompanhante no parto, mas é bastante frequente, em

instituições privadas, o estabelecimento de protocolos superiores à legislação

vigente. Já em algumas instituições públicas ou conveniadas ao Sistema único

de Saúde (SUS) a alegação do desconhecimento do dispositivo, ou atribuição

ao setor privado o direito ao acompanhante como se fosse um “privilégio”,

infringindo, portanto, os dispostos da Lei nº 8.080/90 (PARTO DO PRINCÍPIO,

2012).

No Brasil a Lei do acompanhante está em vigor desde 2005 (Lei Federal

11.108/05) que garante o direito ao acompanhante no pré-parto, parto e pós-

parto imediato. O que dificulta sua utilização, de acordo com a Rede Parto do

Princípio (2012), pode ser a falta de previsão de punição para o

descumprimento da referida Lei.

Em 2015, foi sancionada a Lei do Parto Humanizado (15.759/2015) e

aprovada por unanimidade pela Assembleia Legislativa de São Paulo, que vale

para toda rede pública do Estado de São Paulo. A norma estabelece regras

claras para o cumprimento e garantia dos direitos básicos da gestante, do bebê

e do pai, durante a gestação, parto e pós-parto. Os principais pontos da Lei

15.759/2015 são:

a) Direito à anestesia em parto normal e escolha de métodos de alívio

da dor. Apesar de não ser regra no SUS a anestesia em parto

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normal quando solicitada pela gestante, além da opção de métodos

não farmacológicos de alívio da dor;

b) Direito ao Plano Individual de Parto. Feito a partir da orientação

especializada durante o pré-natal, indicará o tipo de parto

preferencial e opções sobre anestesia, acompanhante e

monitoramento cardíaco-fetal;

c) As disposições de vontade constantes do Plano Individual de Parto

só poderão ser contrariadas quando assim o exigirem a segurança

do parto ou a saúde da mãe ou do recém-nascido.

d) Garantia do exercício do direito a um acompanhante. Que acentua a

já existente lei federal que garante o direito a um acompanhante. E é

direito de todas as gestantes indicarem já no pré-natal e permanecer

com um acompanhante durante todo o parto;

e) o direito a ser informada, de forma clara, precisa e objetiva, sobre

todas as rotinas e procedimentos eletivos de assistência ao parto,

assim como as implicações de cada um deles para o bem-estar

físico e emocional da gestante e do recém-nascido;

f) Saber com antecedência onde será realizado o parto. A gestante

será informada ainda durante o pré-natal sobre a unidade de saúde

à qual deve se dirigir na hora do parto;

g) Será objeto de justificação por escrito, firmada pelo chefe da equipe

responsável pelo parto, à adoção de qualquer dos procedimentos

que os protocolos mencionados nesta lei classifiquem como:

(desnecessários ou prejudiciais à saúde da gestante ou parturiente

ou ao nascituro; de eficácia carente de evidência científica;

suscetíveis de causar dano quando aplicados de forma generalizada

ou rotineira);

h) Ressalvada disposição legal expressa em contrário, ficam sujeitas à

justificação de que trata este artigo: (a administração de enemas; a

administração de ocitocina, a fim de acelerar o trabalho de parto; os

esforços de puxo prolongados e dirigidos durante processo

expulsivo; a amniotomia; a episiotomia, quando indicado).

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A humanização compreende pelo menos dois aspectos fundamentais: o

primeiro diz respeito à convicção de que é dever das unidades de saúde

receber com dignidade a mulher, seus familiares e o recém-nascido. Isto requer

atitude ética e solidária por parte dos profissionais de saúde e a organização da

instituição, de modo a criar um ambiente acolhedor e a instituir rotinas

hospitalares que rompam com o tradicional isolamento imposto à mulher. O

outro, refere-se à adoção de medidas e procedimentos sabidamente benéficos

para o acompanhamento do parto e do nascimento, evitando práticas

intervencionistas desnecessárias, que, embora tradicionalmente realizadas,

não beneficiem a mulher nem o recém-nascido, e com frequência acarretam

maiores riscos para ambos (BRASIL, 2002).

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CAPÍTULO III

A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO BRASIL

1 VIOLÊNCIA CONTRA MULHER

A definição de violência vem tanto do latim violentia, que significa abuso

de força, como de violãre, que significa transgredir o respeito devido a uma

pessoa (MARCONDES FILHO, 2001). De acordo com Casique e Furegato

(2006) a palavra violência sofreu várias influências de épocas, locais,

circunstâncias e realidades muito diferentes, pois desde que o homem vive

sobre a Terra a violência existe, definindo-se de diferentes formas, cada vez

mais complexas e ao mesmo tempo mais fragmentadas e articuladas. Chauí

(1985) conceitua violência como a transformação de uma diferença em

desigualdade numa relação hierárquica de poder com o propósito de explorar,

dominar e oprimir o outro que é tomado como objeto de ação, tendo sua

autonomia, subjetividade e fala impedida ou anulada. Para Aristóteles, a

violência é compreendida por tudo aquilo que vem do exterior e se contrapõe

ao deslocamento interior de uma natureza; ela se refere à coação física em que

alguém é obrigado a fazer aquilo que não deseja (AGUIAR; D’OLIVEIRA,

2010).

Apesar de a violência ser evidenciada na atualidade, consiste em um

fenômeno sócio-histórico desde a origem da humanidade e retomando a

passagem bíblica de Caim e Abel, a autora expõe que a convivência humana é

permeada da disputa de poder, de ódios e de vontade de aniquilar o outro, a

qual se manifesta em formas diferenciadas, desde discriminação, desprezo,

menosprezo pelo outro, autoritarismo até crueldades (MINAYO, 2006 apud

BRASIL, 2014).

Há muito tempo a mulher tem se tornado alvo de diversas formas de

violência provocadas pelas desigualdades de poder nas relações afetivas,

sociais, políticas, econômicas e religiosas. Por volta da década de 1970, o

movimento feminista destacou-se por denunciar casos de violência contra a

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mulher, dando luz a essa realidade que, até então, só era mencionada em

âmbito privado, tornando-se, então, esse tipo de violência um problema de

ordem social. As demandas desses movimentos pautaram, principalmente, o

investimento de políticas públicas de enfrentamento à violência contra as

mulheres e a garantia de punição dos agressores.

Na Convenção de Belém do Pará, conceituou-se a violência contra a

mulher como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause dano,

morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico,

social, político, econômico ou perda patrimonial à mulher, tanto na esfera

pública quanto na esfera privada. A Convenção de Belém do Pará, aprovada

em 1994 pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e ratificada pelo

Brasil, em 1995, para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher,

estabelece que, constitui-se em violência contra a mulher o assédio sexual, a

violência racial, a violência contra mulheres idosas e a revista íntima, dentre

outras modalidades (CRUZ, 2004). Assim, a violência contra a mulher é

qualquer conduta - ação ou omissão - de discriminação, agressão ou coerção,

ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher.

No Brasil foi criada também a Lei Federal nº 11.340/06 intitulada Lei

Maria da Penha e acrescentado o inciso VI ao artigo 121, §2º, do Código

Penal, denominando o homicídio contra mulher de feminicídio. Além disso,

acrescentou-se o §2º-A, onde se explica o enquadramento para tal crime.

Porém, no cenário brasileiro ainda faltam legislações específicas, a fim de dar

efetividade e maior ênfase aos crimes cometidos contra mulher, os quais

muitas vezes não são debatidos ou não possuem reconhecimento judicial

porque as mulheres lesadas nem sempre sabem como procurar reparação

(NAZÁRIO; HAMMARSTRON, 2015).

Portanto, através das inúmeras convenções internacionais realizadas no

século XX que continham os enunciados e as definições dos direitos humanos

como a citada acima, estabeleceram-se marcos legais para a proteção dos

direitos humanos e, além disso, houve repercussões positivas no avanço para

a compreensão e erradicação da violência contra a mulher (CASIQUE;

FUREGATO, 2006), Porém, a violência obstétrica tem sido um tema recente de

estudo em diversos países, um tema de grande relevância para um estudo

aprofundado, pois configura-se como um problema de saúde pública devido o

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elevado número de indivíduos que atinge e consequentemente, pelos impactos

sociais, econômicos e individuais que produz, além de tratar-se de uma

questão que dissemina doenças e sofrimentos e, por vezes, coloca a vida da

parturiente em risco (VIEIRA; LANDERDAHL; PADOIN, 2010; SANTOS et al.,

2016).

1.1 A Violência Obstétrica

O parto é um processo fisiológico normal que requer cuidado e

acolhimento nas maternidades, mas infelizmente, este momento muitas vezes

torna-se marcado pela violência institucional cometida por aqueles que

deveriam acolher. No Brasil, as desigualdades sociais favorecem as

expressões da violência, e conforme Chauí, a sociedade brasileira é

caracterizada como violenta, autoritária, vertical, hierárquica e oligárquica,

polarizada entre a carência total e o privilégio absoluto (CHAUÍ, 2006 apud

BRASIL, 2014), o que torna as mudanças neste quadro mais difíceis, pois há

bloqueios e resistências à efetivação dos direitos humanos (GOMES;

NATIONS; LUZ, 2008 apud BRASIL, 2014).

Assim, a partir da perspectiva da violência obstétrica, tema atual e relevante na área obstétrica, hoje sua discussão está inserida nos meios de comunicação que estão contribuindo sobremaneira para um debate no país em prol de Leis que protejam as mulheres contra a obrigatoriedade de aceitação de normas e rotinas institucionais consideradas desnecessárias, e compreendidas no meio científico como uma violência, a exemplo dos debates que ocorreram em países como a Venezuela e a Argentina, cujos resultados foram positivos (RODRIGUES, 2014, p. 66).

De acordo Sena; Tesser (2017) a Venezuela foi o primeiro país

latino-americano a adotar, em lei de 2007, a expressão “violência

obstétrica”, como fruto de reivindicações de parte do movimento feminista

local e do processo de reconhecimento institucional da violência contra a

mulher como um problema social, político e público.

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Na lei venezuelana, a violência obstétrica é definida em termos de apropriação do corpo e do processo reprodutivo feminino pelos profissionais da saúde, podendo ser expressa por: tratamento desumanizado, uso abusivo de medicação e conversão do processo natural de nascimento em patologia, com consequente perda da autonomia feminina e impossibilidade de decidir livremente sobre seus corpos e sua sexualidade, o que impactaria negativamente na qualidade de vida da mulher (SENA; TESSER, 2017, p.211).

Segundo a declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS),

realizada em 2014, há inúmeras pesquisas sobre as experiências de

mulheres durante a gravidez, e em particular no parto, onde as mesmas

descrevem como um quadro perturbador. A mesma declaração diz ainda,

que no mundo inteiro, muitas mulheres experimentam abusos, desrespeito,

maus-tratos e negligência durante a assistência ao parto nas instituições de

saúde. Isso representa uma violação da confiança entre as mulheres e suas

equipes de saúde, e pode ser um poderoso desestímulo para as mulheres

procurarem e utilizarem os serviços de assistência obstétrica. Embora o

desrespeito e os maus-tratos possam ocorrer em qualquer momento da

gravidez, no parto e no período pós-parto, as mulheres ficam,

especialmente, vulneráveis durante o parto. Tais práticas podem ter

consequências adversas diretas para a mãe e a criança (OMS, 2014).

Na busca da humanização do parto e do nascimento, são realizados

investimentos para a melhoria obstétrica e neonatal, como a universalização

do acesso à assistência pré-natal e ao parto, exames de rotina, diminuição

das taxas de cesáreas desnecessárias. Porém, de acordo com a publicação

do Ministério da Saúde “Cadernos HumanizaSUS” (2014), persistem, uma

cultura discriminatória, punitiva, correcional dirigida às mulheres onde o

profissional age de forma autoritária, com tratamento discriminatório,

desumano e degradante (DINIZ, 2009; GOMES; NATIONS; LUZ, 2008 apud

BRASIL, 2014).

Diversas pesquisas apontam que muitos profissionais de saúde usam

de sua autoridade e saber no controle dos corpos e da sexualidade de suas

pacientes, criando-se assim, de acordo com Aguiar e D’Oliveira (2010), uma

das principais fontes da violência obstétrica. Segundo as mesmas autoras,

a maior parte desses estudos se concentra no campo da assistência à

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sexualidade e reprodução feminina, que engloba vários tipos de violência,

desde a negligência, discriminação social, violência verbal constituída por

tratamento grosseiro, ameaças, reprimendas, gritos, humilhação intencional,

e violência física que inclui a não utilização de medicação analgésica

quando tecnicamente indicada e até mesmo o abuso sexual (D’OLIVEIRA et

al., 2002 apud AGUIAR, 2010).

Em uma pesquisa denominada “Mulheres Brasileiras e Gênero nos

espaços público e privado”, realizada em 2010 em parceria entre Fundação

Perseu Abramo e SESC, revelou-se que 25% das mulheres entrevistadas

sofreram algum tipo de violência durante a gestação, em consultas pré-

natais ou no parto. As mais comuns, segundo o estudo são: jejum forçado;

isolamento; não permissão de acompanhante; restrição ao leito, para que

não se movimente; amarrar a parturiente à maca; utilização de meios

farmacológicos sem autorização; indução do parto; episiotomia; manobra de

kristeller (quando a barriga é empurrada); impermitir que a mulher grite ou

converse; agressões físicas e humilhações. (VENTURI; BOKANY; DIAS,

2010). De acordo com a pesquisa a violência obstétrica é definida como:

Qualquer ato ou intervenção direcionado à mulher grávida, parturiente ou puérpera ou ao seu bebê, praticado sem o consentimento explícito e informado da mulher e/ou em desrespeito à sua autonomia, integridade física e mental, aos

seus sentimentos, opções e preferências (VENTURI; BOKANY; DIAS, 2010).

Outro exemplo a ser citado na assistência ao parto em maternidades,

apontados como violência são as intervenções e procedimentos muitas vezes

desnecessários, em face das evidências científicas do momento, como a

utilização de substâncias para acelerar o parto (uso de ocitocina); o

rompimento artificial de membranas; a episiotomia; cesarianas sem indicação

clínica; o uso de fórcipe de rotina em pacientes que farão o primeiro parto ou

com propósitos apenas de treinamento; ser submetida à intervenção cesárea;

ter seus braços e pernas amarrados; ficar na posição de supino, quando o

parto é normal; ter que ficar horas na sala de recuperação longe de seu filho.

Ainda, sofrer xingamentos, insultos, atos violadores de direitos que se

evidenciam tanto no parto vaginal, quanto na cesárea. Consequentemente o

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uso inadequado destas tecnologias acarretam potenciais riscos e sequelas.

Para exemplificar, foi demonstrado em diversas pesquisas que o uso de fórcipe

pode aumentar o risco de lesão perineal, que por sua vez está associada à

incontinência anal e urinária, disfunção sexual, pós-parto doloroso, dificuldade

materna na formação de vínculo com o bebê e na amamentação. Já a

episiotomia pode levar a complicações que vão desde dor no local até

cicatrizes e deformidades que requerem correção cirúrgica (DINIZ e

CHACHAM, 2006 apud AGUIAR, 2010).

1.1.1 As características da violência obstétrica

De acordo com a publicação realizada pela Defensoria Pública do

Estado de São Paulo em 2013, a Violência Obstétrica se caracteriza pela

apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos

profissionais de saúde, através do tratamento desumanizado, abuso da

medicalização e patologização dos processos naturais, causando a perda da

autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e

sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres.

Sendo assim, o órgão classifica a violência obstétrica em três fases: a violência

obstétrica na gestação, violência obstétrica no parto e a violência obstétrica em

casos de abortamento.

A violência obstétrica durante a gestação pode se caracterizar por:

a) Negar atendimento à mulher ou impor dificuldades ao atendimento em postos de saúde onde são realizados o acompanhamento pré-natal; b) Comentários constrangedores à mulher, por sua cor, raça, etnia, idade, escolaridade, religião ou crença, condição socioeconômica, estado civil ou situação conjugal, orientação sexual, número de filhos, etc; c) Ofender, humilhar ou xingar a mulher ou sua família; d) Negligenciar o atendimento de qualidade; e) Agendar cesárea sem recomendação baseada em evidências científicas, atendendo aos interesses e conveniência do médico.

(ESTADO DE SÃO PAULO, 2013, p. 02)

As formas mais comuns de violência obstétrica no parto são:

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a) Recusa da admissão em hospital ou maternidade (peregrinação por leito); b) Impedimento da entrada do acompanhante escolhido pela mulher; c) Procedimentos que incidam sobre o corpo da mulher, que interfiram, causem dor ou dano físico (de grau leve a intenso). Exemplos: soro com ocitocina para acelerar o trabalho de parto por conveniência médica, exames de toque sucessivos e por diferentes pessoas, privação de alimentos, episiotomia (corte vaginal), imobilização (braços e pernas), etc.; d) Toda ação verbal ou comportamental que cause na mulher sentimentos de inferioridade, vulnerabilidade, abandono, instabilidade emocional, medo, acuação, insegurança, dissuasão, ludibriamento, alienação, perda de integridade, dignidade e prestígio; e) Cesariana sem indicação clínica e sem consentimento da mulher; f) Impedir ou retardar o contato do bebê com a mulher logo após o parto, impedir o alojamento conjunto mãe e bebê, levando o recém-nascido para berçários sem nenhuma necessidade médica, apenas por conveniência da instituição; g) Impedir ou dificultar o aleitamento materno (impedindo amamentação na primeira hora de vida, afastando o recém-nascido de sua mãe, deixando-o em berçários onde são introduzidas mamadeiras e chupetas etc.).

(ESTADO DE SÃO PAULO, 2013, p. 02)

Em casos de abortamento, a violência obstétrica caracteriza-se por:

a) Negativa ou demora no atendimento à mulher em situação de abortamento; b) Questionamento à mulher quanto à causa do abortamento (se intencional ou não); c) Realização de procedimentos predominantemente invasivos, sem explicação, consentimento e, frequentemente, sem anestesia; d) Ameaças, acusação e culpabilização da mulher; e) Coação com finalidade de confissão e denúncia à polícia da mulher em situação de abortamento.

(ESTADO DE SÃO PAULO, 2013, p. 02)

O Dossiê elaborado pela “Rede Parto do Princípio” para a CPMI da

Violência Contra as Mulheres em 2012, intitulado “Violência Obstétrica –

Parirás com dor”, reuniu relatos de mulheres vítimas de algum tipo de violência

durante a gestação e o parto, juntamente com as legislações vigentes na

Venezuela e Argentina e, assim, elaborou uma tipificação própria para a

abordagem das modalidades de violência obstétrica no Brasil. Portanto, dos

atos caracterizadores da violência obstétrica, segundo o dossiê:

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São todos aqueles praticados contra a mulher no exercício de sua saúde sexual e reprodutiva, podendo ser cometidos por profissionais de saúde, servidores públicos, profissionais técnico-administrativos de instituições públicas e privadas, bem como civis, conforme se segue (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012, p.60).

De acordo com a Rede Parto do princípio (2012), a violência obstétrica

pode ser compreendida em seis distintas modalidades de caráter: físico,

psicológico, sexual, institucional, material e midiático.

a) Violência obstétrica caráter físico: são as que atinjam o corpo da

mulher, com interferências que causem dor ou dano físico,

fundamentação ou evidências científicas como a privação de

alimentos, a proibição da mulher se movimentar, a tricotomia,

manobra de Kristeller, uso rotineiro de ocitocina, cesariana eletiva

sem indicação clínica e a não utilização de analgesia.

b) Violência obstétrica de caráter psicológico: é toda ação verbal ou

comportamental que pode causar na paciente, sentimentos de

inferioridade, vulnerabilidade, abandono, instabilidade emocional,

medo, acuação, insegurança, dissuasão, enganação, alienação,

perda de integridade, dignidade e prestígio;

c) Violência obstétrica de caráter sexual: se conceitua como toda ação

imposta à mulher que viole sua intimidade ou pudor, incidindo sobre

seu senso de integridade sexual e reprodutiva, podendo ter acesso

ou não aos órgãos sexuais e partes íntimas do seu corpo. Como

exemplo a episiotomia, assédio, exames de toque invasivos,

constantes ou agressivos, lavagem intestinal, cesariana sem

consentimento informado, ruptura ou descolamento de membranas

sem consentimento informado, imposição da posição supina para

dar à luz, exames repetitivos dos mamilos sem esclarecimento e

sem consentimento;

d) Violência obstétrica de caráter institucional: é definida como as

ações ou a forma de organização que dificultem, retardem ou

impeçam o acesso da mulher aos seus direitos constituídos, sejam

estas ações ou serviços, de natureza pública ou privada como o

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impedimento do acesso aos serviços de atendimento à saúde,

impedimento à amamentação, omissão ou violação dos direitos da

mulher durante seu período de gestação, parto e puerpério e falta de

fiscalização das agências reguladoras.

e) Violência obstétrica de caráter material: são as ações e condutas

ativas e passivas com o fim de obter recursos financeiros de

mulheres em processos reprodutivos, violando seus direitos já

garantidos por lei, em benefício de pessoa física ou jurídica;

f) Violência obstétrica de caráter midiático: define-se como as ações

praticadas por profissionais através de meios de comunicação,

dirigidas a violar, psicologicamente, mulheres em processos

reprodutivos, bem como, denegrir seus direitos mediante

mensagens, imagens ou outros signos difundidos publicamente

como a apologia às práticas cientificamente contraindicadas, com

fins sociais, econômicos ou de dominação.

2 PROCEDIMENTOS QUE FEREM AS POLÍTICAS DE HUMANIZAÇÃO

Apesar de estar previsto no código penal Brasileiro a regulamentação

dos direitos humanos e na Portaria 569 de 2000 do Ministério da Saúde, que

institui o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento do SUS que

cita: “toda gestante tem direito a acesso a atendimento digno e de qualidade no

decorrer da gestação, parto e puerpério” e “toda gestante tem direito à

assistência ao parto e ao puerpério e que esta seja realizada de forma

humanizada e segura” e a LEI Nº 11.108/2005, que garante às parturientes o

direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-

parto imediato nos hospitais do SUS, dificilmente essas normas são seguidas,

pois os serviços públicos que atendem essas mulheres durante o parto, muitas

vezes, realizam intervenções que não correspondem ao padrão humanização

de assistência ao parto (BRASIL, 2014).

Neste sentido, fez-se necessário categorizar os procedimentos invasivos

e desnecessários ou prejudiciais a saúde da mulher e de eficácia carente de

evidência científica, assim como, outras proibições que são realizadas dentro

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das maternidades que vão à contramão do que é previsto em lei durante a

gestação, parto e pós-parto:

2.1 Tricotomia dos pelos pubianos

A tricotomia é um procedimento comum, praticado com o intuito de

diminuir os índices de infecção e facilitar a sutura perineal em caso de

laceração ou episiotomia. Diversas mulheres não gostam do método e relatam

desconforto durante o intervalo de crescimento dos pelos. Na metanálise de

estudos controlados, envolvendo um total de 1.039 mulheres, concluiu não

haver comprovações que apoie a prática frequente da tricotomia no parto e

com o potencial de complicações. Na Inglaterra, o procedimento foi

abandonado desde o final dos anos 70. Além disso, o uso inadequado das

técnicas utilizadas para tricotomizar podem causar prejuízos nas camadas

profundas da pele, como por exemplo, micro lesões e sangramentos, até

exsudação. Esses, por sua vez, favorecem o crescimento de micro-

organismos, a colonização e eventual infecção (LIMA GEBRIM et al, 2014).

2.2 Enema evacuante

No início do trabalho de parto, o enema evacuante ainda é considerado

um procedimento de rotina em diversas maternidades, com a menção de que

traria privilégios como: aceleração do trabalho de parto, diminuição da

contaminação do períneo e, consequentemente redução dos índices de

infecção materna e neonatal. Na revisão sistemática da literatura, envolvendo

um total de 1.917 mulheres, apresentou que a prática do enema não levou à

redução significativa de infecção puerperal e neonatal (REVEIZ; GAITÁN;

CUERVO, 2012 apud COREN, 2014). Em publicação da Organização Mundial

da Saúde (OMS), o enema é anunciado como uma prática, nitidamente,

prejudicial ou ineficaz que deveria ser evitada (OMS, 1996 apud BRASIL,

2001). É imprescindível que a mulher seja informada acerca do procedimento e

possa optar, de acordo com suas preferências, pela prática ou não do enema

(BRASIL, 2001).

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2.3 Cardiotocografia

O exame cardiotocografia é uma técnica de avaliação das atuais

condições do bebê dentro da barriga da mãe. Ele mostra a frequência cardíaca

do feto e as contrações uterinas - por meio de um registro gráfico o médico

pode analisar o bem-estar materno-fetal. A cardiotocografia anteparto é

efetuada antes do início do trabalho de parto. A cardiotocografia intraparto é

realizada ao longo do trabalho de parto e apresenta de que forma o bebê está

respondendo às contrações. No caso de o exame não seguir o padrão de

normalidade, pode significar insuficiência na oxigenação cerebral do bebê, o

que ocorre, por exemplo, por motivos placentários, posicionais, ou quando o

cordão umbilical está enrolado no pescoço do feto. Sua utilização de forma

rotineira, Conforme o resultado do exame, possivelmente, o médico pode

indicar o melhor momento e procedimento de realizar o parto.

A cardiotocografia não é considerado um exame invasivo, pois o aparelho não

causa nenhuma lesão à gestante. No entanto, durante o trabalho de parto ele

pode incomodar, pois exige que a gestante fique parada durante as contrações.

Os sensores colocados na barriga, na maioria dos equipamentos, são fixados

com uma faixa elástica que pode causar um desconforto na gestante, pois a

mesma tem que permanecer na mesma posição impossibilitada de se mexer

ou movimentar (BRASIL, 2001).

2.4 Exame de toque recorrente

O exame do toque vaginal é realizado após o exame físico da gestante,

onde o tocólogo estimará a progressão do processo de parto e nascimento,

avaliando as alterações da cérvice, confirmando o estado das membranas

amnióticas, identificando a posição e possível descida do feto (SANTOS;

SOUZA, 2009). De acordo a publicação do Ministério da Saúde (2001), a

ausculta da frequência cardíaca fetal (antes, durante e após a contração

uterina), a medida da altura uterina, a palpação obstétrica (para determinar a

situação, posição, apresentação e insinuação) são, procedimentos obrigatórios

na admissão da gestante. Entretanto, os toques vaginais subsequentes ao do

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diagnóstico podem ser postergados, até que a gestante se encontre na fase

ativa do trabalho de parto. Para qualquer conduta adotada, o toque vaginal

deve ser evitado até que a gestante esteja em franco trabalho de parto, para

minimizar os riscos de infecção ovular e puerperal (BRASIL, 2001).

2.5 Fórcipe

O fórcipe é um procedimento obstétrico utilizado desde a Antiguidade,

que continua tendo lugar de destaque na obstetrícia moderna. Quando bem

aplicado é um instrumento valioso, colaborando de forma efetiva e importante

na prática do parto vaginal (BRASIL, 2001).

A utilização do fórcipe é aceitável em casos que ameacem o bem-estar

materno e/ou fetal e, que possam ser revertidos ou melhorados pelo uso

adequado e seguro do instrumento. Algumas indicações maternas incluem a

doença cardíaca, doença pulmonar grave, infecção intraparto, certas condições

neurológicas e eclâmpsia. No período expulsivo prolongado, seja por exaustão

materna, por inércia ou hipoatividade uterina ou, ainda, por incapacidade de

realizar, adequadamente, a prensa abdominal, como pode acontecer após

analgesia peridural ou quando a mãe é portadora de uma grande hérnia

abdominal. Nas portadoras de cicatrizes uterinas prévias, especialmente

cesáreas, em virtude do risco iminente de rotura do útero, costuma-se abreviar

o período expulsivo com o uso profilático do fórcipe.

Após decisão da aplicação do fórcipe, e antes de seu uso, deve deixar à

mulher ciente do procedimento que será feito. Resumidamente, as condições

necessárias para aplicação do fórcipe podem ser enunciadas em cinco regras

básicas, como referido por Fernando Magalhães: Permeabilidade absoluta –

regra do livre trânsito; Acessibilidade fácil – regra da pronta apreensão;

Proporcionalidade exata – regra da acomodação perfeita; Perceptibilidade

completa – regra do diagnóstico total; Responsabilidade integral – regra da

técnica consciente (BRASIL, 2001).

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2.6 Episiotomia

A episiotomia é uma das práticas cirúrgicas mais realizadas no mundo

inteiro, com a justificativa de redução da probabilidade de lacerações perineais

do terceiro grau, preservação da musculatura perineal e função sexual, além da

redução de incontinência fecal e urinária. Para o recém-nascido, sugere-se que

possa diminuir a probabilidade de asfixia, traumatismo craniano, hemorragia

cerebral e retardo mental. Porém, existem os seus supostos efeitos adversos

como: extensão do corte com lesão de esfíncter anal e retal, resultados

anatômicos não satisfatórios tais como pregas cutâneas, assimetria ou

estreitamento excessivo do introito, prolapso vaginal, fístula reto-vaginal e

fístula anal, aumento na perda sanguínea e hematomas, dor e edema locais,

infecção, deiscência e disfunção sexual.

No Brasil, acredita-se que quase a totalidade das nulíparas seja

submetida a uma episiotomia. O procedimento pode ser considerado, mas não

obrigatório, em situações onde os benefícios possam ser maiores que os riscos

tais como: distócia de ombro, parto pélvico, fórcipe ou extrações a vácuo,

variedades de posições posteriores ou em situações onde seja óbvio que a

falha da sua realização possa resultar em trauma perineal maior. Entretanto, de

acordo com o Ministério da Saúde o uso liberal ou rotineiro da episiotomia é

claramente prejudicial e ineficaz e deve ser eliminado (BRASIL, 2001).

2.7 Amniotomia

A amniotomia é ruptura artificial das membranas amnióticas, técnica

antiga em Obstetrícia. Provoca um aumento na produção local de

prostaglandinas, contribuindo para o início do trabalho de parto. Pode ser

realizada com amniótomo ou pinça com extremidade perfurante, na bolsa das

águas, em nível da apresentação fetal. Recomenda-se cuidado na prática para

evitar danos fetais e maternos, certificando-se de que o polo fetal esteja

apoiado sobre a bacia, para evitar a temida e grave ocorrência do prolapso de

cordão umbilical. Seus principais efeitos adversos são o aumento do risco de

infecção amniótica e risco de acidente de cordão.

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Também se aumenta o risco de infecção ovular e puerperal, quanto

maior for à duração do trabalho de parto com membranas rotas. Dessa forma,

a ruptura artificial da bolsa deve ser evitada, reservando-se seu uso para

aquelas condições onde sua prática seja claramente benéfica, como é o caso

de algumas distócias funcionais. É importante esclarecer que a amniotomia não

é um procedimento obrigatório na realização de analgesia de parto (BRASIL,

2001).

2.8 Anestesias

A analgesia peridural propicia o alívio da dor considerado bom, de 80 a

90% das parturientes. No entanto, no controle exclusivo de anestésicos locais

por via peridural, ainda que, satisfatória para o controle da dor, tenha sido

responsabilizada por implicações indesejáveis como hipotensão materna

secundária ao bloqueio simpático, e relaxamento muscular do assoalho pélvico

e da parede abdominal, levando a impedimentos na rotação interna do polo

cefálico fetal dentro do canal de parto, e ao eventual esticando do período

expulsivo, com aumento de incidência de partos instrumentais (BRASIL, 2001).

a) Técnica Perineal: tem a vantagem de bloquear simultaneamente

os ramos do pudendo e do cutâneo posterior da coxa, necessário

quando se realizam episiotomias laterais. A analgesia peridural é citada

como o grande recurso com que a equipe profissional conta para

controlar a dor do parto, nas suas diferentes fases (BRASIL, 2001).

b) Raquianestesia: é considerada adequada no final do primeiro

estágio e durante o período expulsivo e efetiva quando se pretende ter

um bom relaxamento perineal (aplicação de Fórcipe), tendo à

apresentação fetal já iniciado a progressão dentro do canal de parto.

Pode ser indicada também, para manipulação e revisão do canal de

parto e Útero. Inconvenientes: níveis altos de bloqueio com perda da

prensa abdominal seguidos de dificuldade na progressão fetal e retardo

do período expulsivo, cefaléia pós-punção (BRASIL, 2001).

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2.9 Manobra de Kristeller

A Manobra de Kristeller foi desenvolvida, inicialmente, sem

fundamentação científica, e era realizada com as duas mãos empurrando a

barriga da mulher em direção à pelve. Atualmente, há diversos estudos que

demonstram as graves complicações da prática, como o manual de BRIQUET

que, cita as consequências inerentes a esta prática, como o trauma das

vísceras abdominais, do útero, descolamento da placenta (BRIQUET, 2011).

Apesar disso, a manobra é frequentemente realizada com uma pessoa

subindo em cima da barriga da mulher, ou exprimindo seu ventre com o peso

do corpo sobre as mãos, o braço, antebraço ou joelho e, também, na

assistência ao parto junto à outras intervenções inadequadas praticadas em

cadeia, como condução para mesa do parto antes da dilatação ter sido

concluída, imposição de posição ginecológica, mudança de ambiente, entre

outros. Importante evidenciar que os próprios responsáveis da área da saúde

concordam que a manobra de Kristeller é proibida, porém, as práticas

continuam sendo realizadas, apesar de jamais serem registradas em prontuário

(LEAL et al., 2012; PARTO DO PRINCÍPIO, 2012).

2.10 Posição e movimentação da mulher

Na maioria das maternidades, ainda é exigência que ela permaneça

deitada, em decúbito lateral esquerdo, durante o trabalho de parto. Estas

posições permitiram uma melhor oxigenação fetal em comparação com o

decúbito lateral direito e a posição supina, A autorização deve ser para que ela

escolha a posição que melhor lhe convier, seja caminhando ou em outras

posições verticais, não oferecendo maior risco, proporciona menor duração do

trabalho de parto e diminui a necessidade de analgesia (LAWRENCE et al.,

2012).

A posição de cócoras, frequentemente, é a preferida pelas mulheres

quando lhes oferecem a liberdade de escolha. Posições verticais no parto

sempre foram realizadas, ocorrendo uma completa mudança a partir do

momento em que o parto passou a ser assistido por médicos e, especialmente,

no ambiente hospitalar. Em metanálise envolvendo 22 estudos controlados,

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com 7.280 mulheres, o uso de qualquer posição vertical ou lateral comparado

com a posição supina no segundo estágio do parto, esteve relacionado à

redução da duração e da descrição de dor grave nesse estágio e na taxa de

episiotomia, pequena redução no número de partos assistidos

instrumentalmente, e menos anormalidades nos padrões de frequência

cardíaca fetal, embora tenha sido encontrado pequeno aumento na incidência

de lacerações perineais de segundo grau e aumento no risco estimado de

perda sanguínea maior que 500 ml. A utilização de uma almofada para a

posição de cócoras, comparada à posição de litotomia ou supina, esteve

associada à redução aceitável na duração do segundo estágio, menos partos

assistidos, menor incidência de lacerações perineais de segundo grau e taxa

de episiotomia e incidência de sangramento estimado maior que 500 ml foram

similares (BRASIL, 2001).

2.11 Uso profilático de ocitócicos

A ocitocina é um hormônio produzido no organismo para gerar as

contrações do útero durante o trabalho de parto e a liberação do leite materno,

mas existe também a ocitocina sintética, introduzida através de soro, que é

usada para algumas situações: para iniciar o trabalho de parto quando o

mesmo não ocorre naturalmente; regularizar as contrações quando elas não

estiverem efetivas ou quando for diagnosticado que o trabalho de parto não

está evoluindo da maneira mais adequada; e contrair o útero após o parto ou

aborto, quando o sangramento está abundante e pode ocasionar hemorragias.

A ocitocina é capaz de iniciar ou aumentar as contrações rítmicas a

qualquer momento da gravidez, embora a resposta uterina seja maior quanto

mais próximo ao final da gestação. A ocitocina como os derivados do ergot

diminuem a perda sanguínea pós-parto, mas o efeito do ergot parece ser um

pouco menor. A ocorrência de hipertensão arterial pós-parto é um efeito

colateral praticamente exclusivo dos derivados do ergot. Também, podem

ocorrer problemas raros, porém sérios, atribuídos secundariamente à

hipertensão arterial pelo uso de ergometrina intraparto - parada cardíaca e

hemorragia intracraniana, infarto do miocárdio, eclâmpsia puerperal e edema

agudo de pulmão. Apesar da dificuldade em avaliar tais efeitos, pela raridade

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com que ocorrem, os indícios disponíveis sugerem que a ocitocina é a melhor

escolha, além de ser mais estável que a ergotamina em países de clima

tropical. Por isso, o uso dos derivados do ergot para esta situação é

classificado como intervenção prejudicial ou ineficaz que deve ser abandonada

(BRASIL, 2001).

2.12 Assistência à Dequitação

Os principais riscos maternos são a hemorragia durante ou após essa

separação e a retenção de restos placentários nesse estágio ocorre à

separação e expulsão da placenta (dequitação). A hemorragia pós-parto é uma

das principais causas de mortalidade materna e a maioria desses casos ocorre

em países em evolução. As incidências de hemorragia pós-parto e de retenção

de restos placentários aumentam frequentemente alguns fatores

predisponentes, tais como gestação múltipla, polidrâmnio, trabalho de parto

complicado (distócias) ou parto vaginal operatório. Existe o risco quando a

parturiente tem antecedentes prévios dessas mudanças. Embora seja possível

separar as mulheres de risco. Mesmo em gestações de baixo risco e partos de

evolução normal, podem-se observar hemorragias severas e retenção

placentária (BRASIL, 2001).

2.13 Alimentação

Existe uma prática comum de impedir a ingestão de alimentos líquidos

ou sólidos no trabalho de parto por medo de aspiração de conteúdo estomacal

durante uma anestesia. O risco está associado à anestesia geral, em mulheres

de risco habitual.

Apoiado na obrigação de manter uma hidratação e uma contribuição

calórica adequada à mulher durante o parto, assim como, proporcionar conforto

e bem-estar, a permissão para a mulher ingerir alimentos leves ou fluidos

durante o trabalho de parto não aumenta a incidência de complicações

(BRASIL, 2001).

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2.14 Omissão de informações e falta de consentimento da paciente

São diversas as práticas realizadas em maternidades, onde as parturientes

não são informadas ou esclarecidas sobre sua real necessidade. Há casos em

que os procedimentos são praticados sem aviso e sem dar a oportunidade de a

mulher emitir seu consentimento. Inúmeros os relatos apontam o incômodo em

se submeter à exames realizados em seu corpo por pessoas que não se

apresentam, não informam a necessidade do exame e realizam comentários

agressivos durante o procedimento (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012).

2.15 Apoio físico e emocional contínuo

O apoio físico e emocional pode ser oferecido à mulher tanto pelo seu

acompanhante ou, através de uma doula, igualmente pelos profissionais que

fazem parte da equipe de saúde (auxiliares e técnicos em enfermagem,

psicólogos, enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, entre outros).

A palavra doula tem origem grega e significa “escrava”. Naquela cultura,

ela assistia a mulher em casa após o parto, auxiliando no cuidado com o bebê

e em seus afazeres domésticos. Atualmente, a doula interage com a mulher

durante o período perinatal, tanto na gravidez, no parto como durante a

amamentação4. A doula passou a ser reconhecida nos Estados Unidos em

1976, quando Dana Raphael descreveu a experiência de uma mulher que

assistiu o trabalho de parto, o parto e a amamentação de outra mulher. De

1980 em diante, as doulas ganharam popularidade e para a Associação de

Doulas da América do Norte (DONA), a doula é considerada uma mulher

treinada e experiente em prestar apoio, com capacidade de fornecer contínuo

suporte físico, emocional e informativo durante o trabalho de parto e

nascimento. No Brasil, existem cursos para a formação de doulas profissionais

ou voluntárias. As entidades “Doulas do Brasil” e a “Associação Nacional de

Doulas (ANDO)” são exemplos de locais que fornecem certificados e têm

cadastro (SILVA, 2012).

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O suporte proporcionado pelas doulas promove, em diversas

manifestações, uma série de benefícios para as mulheres. Metanálise de

estudos randomizados abrangendo 15.061 mulheres esclareceu que, para

aquelas alocadas para o apoio contínuo, houve uma maior incidência de parto

vaginal espontâneo, menor necessidade de analgesia e maior satisfação com a

experiência do parto. Tiveram, ainda, menor probabilidade de serem

submetidas à cesariana ou ao parto instrumental e, de terem bebês com baixos

escores. A análise de grupos sugeriu que o apoio contínuo é mais eficaz

quando promovido por uma mulher que não faça parte da equipe de saúde

nem da rede social da gestante (doulas), e em locais onde não há

disponibilidade de analgesia peridural (SANTOS, 2009).

2.16 Cirurgias cesarianas

No Brasil existem diversas indicações de cesariana praticadas com

frequência na obstetrícia e não possuem auxílio da literatura cientifica (SOUZA,

AMORIM, PORTO, 2010). Os fatores associados com os índices da

antecipação do parto são o incentivo e a realização de cesarianas

desnecessárias. Existem comprovações que nos hospitais particulares há

maior existência de prematuros leves, o que pode estar relacionado aos altos

índices de cesarianas eletivas agendadas (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012)

a) Cesáreas eletivas: a cirurgia de cesariana que é realizada sem

necessidade clínica é chamada cesárea eletiva, podendo ser agendada

e realizada antes mesmo do início do trabalho de parto ou realizada

durante o trabalho de parto sem caracterizar urgência ou emergência;

b) Cesárea por conveniência do médico: essa prática conhecida por

“limpar a área”, resume em realizar cesáreas no final do plantão de

todas as mulheres que ainda estão em trabalho de parto, ou acelerar o

parto através de outras intervenções. As mesmas não são informadas da

necessidade do procedimento, ou por vezes são ludibriadas por falsas

indicações;

c) Cesárea por coação da mulher: a violência na assistência ao

parto tem se tornado cada vez mais comum, frequente e naturalizada, as

mulheres buscam alternativas no setor suplementar. Há muitos relatos

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de mulheres que se sentiram coagidas a aceitar uma cesárea eletiva

quando foram avisadas no final da gestação de que seus médicos não

prestam assistência ao parto normal ou que não aguardam o início do

trabalho de parto para realizar a cirurgia (PARTO DO PRINCÍPIO, 2012).

2.17 Assistência ao recém-nascido (RN)

A promoção do contato pele a pele entre mãe-filho tem sido objeto de

trabalhos científicos que comprovam os benefícios fisiológicos e psicossociais,

tanto para a saúde da mãe quanto para a do recém-nascido. O contato pele

apele mãe-filho deve iniciar imediatamente após o nascimento, ser contínuo,

prolongado e estabelecido entre toda a mãe-filho saudáveis, pois o contato

este acalma o bebê e a mãe que entram em sintonia única. Além disso,

a amamentação se destaca como benefício do contato imediato, pois esse

contato íntimo, frequente e prolongado repercute no estreito e forte laço de

união entre mãe e filho, possibilitando uma melhor compreensão das

necessidades do bebê, o que facilita o desempenho do papel de mãe e auxilia

na transição gradual do bebê de dentro para fora da barriga (MATOS et al.

2010).

A equipe de saúde deve considerar os possíveis prejuízos que qualquer

intervenção pode causar no processo fisiológico de adaptação do recém-

nascido no momento do nascimento. Na assistência à criança no momento do

nascimento deve-se empregar o princípio ético da não maleficência. O contato

pele a pele, imediatamente, após o nascimento, em temperatura ambiente de

26ºC, reduz o risco de hipotermia no RN a termo com respiração espontânea,

sem necessidade de ventilação, desde que cobertos com campos

preaquecidos. Nesse momento, pode-se iniciar a amamentação. O direito de a

mulher amamentar deve ser apoiado, especialmente quando ela tem um

trabalho remunerado e precisa conhecer a legislação trabalhista que protege a

maternidade. São inúmeros os benefícios que a prática do aleitamento materno

oferece, tanto para o crescimento e desenvolvimento de lactentes, como para a

mãe, criança e família, do ponto de vista biológico e psicossocial. No momento

atual, o aleitamento materno exclusivo é orientado por um período de seis

meses. Futuramente, a criança deve receber alimentos complementares,

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estendendo a amamentação por pelo menos dois anos, desde que mãe e

criança o desejem. O desejo materno de amamentar ou não deve ser

compreendido e respeitado. Os cuidados de rotina na sala de parto, só devem

ser iniciados após ter sido assegurado ao bebê, a sua mãe e a seu pai, se este

estiver presente, um primeiro encontro seguro e protegido. O RN em boas

condições de saúde deve ser acolhido com a mãe ao instalado junto com a

mesma (BRASIL, 2011a).

O clampeamento tardio do cordão umbilical, o contato imediato pele a

pele e o início da amamentação exclusiva são os três procedimentos simples

que proporcionam benefícios instantâneos ao recém-nascido, podem ter

influência na nutrição e na saúde da mãe e do bebê e, eventualmente, afetem o

crescimento da criança muito além do período neonatal e do puerpério. Sendo

assim, um programa de atenção integral que inclua essas três práticas, além

das outras já citadas, irá contribuir, a curto e longo prazo, tanto a saúde da mãe

quanto a do bebê, e prevenir a morbidade e a mortalidade materna e neonatal

(BRASIL, 2001).

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CAPITULO IV

A METODOLOGIA

1 INTRODUÇÃO

A violência obstétrica é um problema recorrente nas práticas da atenção

destinada à mulher durante a gestação, parto e pós-parto. Diante desta

problemática, tenta-se compreender se os atos violentos de caráter físico,

psicológico e sexual são reconhecidos pelas parturientes usuárias da rede

pública de saúde do município de Lins como violência obstétrica e, quais são

os possíveis impactos na saúde física e psicológica destas mulheres.

De acordo com Andrade (2014) a violência obstétrica não é reconhecida

por muitas mulheres enquanto um ato violento, pois no momento em que

ocorrem, as mulheres vivenciam grandes emoções, fazendo-as pensar que é

comum experienciar agressões verbais, serem impedidas de exprimir o que

sentem durante o trabalho de parto, de terem um acompanhante, ou ainda,

outros direitos negligenciados, já que o processo de ter um filho denota

inúmeros sentimentos inéditos e muitas vezes incompreendidos.

O projeto foi submetido à Plataforma Brasil atendendo a resolução 466

do Ministério da Saúde e aprovado pelo comitê de Ética e Pesquisa do Centro

Universitário Católico Auxilium – Parecer nº 2.279.027 data da relatoria:

15/09/2017 (APÊNDICE A). Todos os participantes tiveram ciência da pesquisa

e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE B) de

forma voluntária.

O presente estudo foi norteado por meio da pesquisa exploratória, pois

segundo Triviños (2006) permite que o investigador aumente sua experiência

de determinado problema - planejar um estudo exploratório para então, em

contato com a população estudada, obter os resultados investigados. Usou-se

a entrevista como instrumento para coleta de dados, constituída por um

questionário semiestruturado. Para Gonzáles Rey (2005, p. 41) “o questionário

é um instrumento associado ao estudo de representações e de crenças

conscientes do sujeito”. Segundo o autor a partir deste instrumento é possível

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coletar informações importantes acerca das representações do sujeito, assim

como, aspectos que ele (a) possa descrever diretamente. Nesse caso, as

respostas são de acordo com as representações sociais e pelas crenças

dominantes ao cenário social em que o sujeito se encontra inserido.

A entrevista semiestruturada tem como característica questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam ao tema da pesquisa. Os questionamentos dariam frutos a novas hipóteses surgidas a partir das respostas dos informantes. O foco principal seria colocado pelo investigador-entrevistador. Complementa o autor, afirmando que a entrevista semiestruturada [...] favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade (TRIVIÑOS, 2006, p.02).

A metodologia utilizada para analisar as informações adquiridas a partir

do questionário foi à qualitativa, pois foi retratada a perspectiva das

participantes sobre a violência obstétrica, procurando interpretar esse

fenômeno de acordo com o significado que possuem para as mesmas

(MARTINS; CAMPOS, 2003).

A pesquisa qualitativa também envolve a imersão do pesquisador no campo de pesquisa, considerando este como o cenário social em que tem lugar o fenômeno estudado em todo o conjunto de elementos que o constitui, e que, por sua vez, está constituído por ele. O pesquisador vai construindo, de forma progressiva e sem seguir nenhum outro critério que não seja o de sua própria reflexão teórica, os distintos elementos relevantes que irão se configurar no modelo do problema estudado. (GONZÁLEZ REY, 2005, p.81).

Para iniciar a pesquisa, a proposta foi apresentada na Secretaria

Municipal de Saúde e, solicitada à autorização da Instituição para efetuar o

trabalho nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) da cidade de Lins. Com a

autorização em mãos as pesquisadoras foram até as UBS realizar as

entrevistas.

As entrevistas foram aplicadas em duas Unidades Básicas da Saúde da

cidade de Lins, na UBS “Dr. Péricles da Silva Pereira”, no Bairro Ribeiro e, na

UBS “Dr. Adalberto Ariano Crespo”, no Bairro Junqueira, na sala de espera da

pediatria no período matutino. O questionário foi aplicado também, nas

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residências das mulheres que apresentaram interesse em participar da

pesquisa, mas por falta de disponibilidade de horário, não tinham possibilidade

de comparecer às UBS. A aplicação da pesquisa ocorreu no mês de outubro de

2017 e teve duração de 15 minutos por participante.

Utilizou-se como critérios de inclusão, as mulheres com idade igual ou

superior a 18 anos, usuárias do serviço de saúde pública, residentes em Lins e

parturientes nos últimos cinco anos.

Apresentou-se a Carta de informação (APÊNDICE C) contendo

informações concernentes a pesquisa, para cada uma das participantes. Após

a concordância, todas assinaram o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE), condicionando a sua participação, assegurando o

anonimato e o sigilo das informações. Ao findar a aplicação do questionário, foi

explicado de forma clara e simplificada o conceito de violência obstétrica.

2 ANÁLISE DE DADOS

Após a coleta dos dados, realizada através da entrevista

semiestruturada, optou-se pela análise de conteúdo, que é conjunto um de

técnicas de análise das comunicações que busca compreender as

características, estruturas ou modelos que estão por trás dos fragmentos de

mensagens tornados em consideração. Desta forma, o pesquisador deverá,

portanto, compreender o sentido da comunicação, como se fosse o receptor

normal, e, principalmente, desviar o olhar, buscando outro significado ou

mensagem, passível de se enxergar por meio ou ao lado da primeira

mensagem. Assim, a análise de conteúdo trata de trazer à tona o que está em

segundo plano na fala do entrevistando que se estuda, buscando outros

significados intrínsecos na mensagem (CÂMARA, 2013).

Na utilização da análise de conteúdo o presente estudo seguiu as três

fases fundamentais:

2.1 Pré-análise

Que consistiu na seleção de dados por meio da leitura flutuante e

organização. Assim sendo, foram separados os questionários por parto normal,

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parto normal e cesárea e. apenas cesárea e, assim, estabelecido um esquema

de trabalho que será descrito abaixo.

2.2 Exploração do material

A codificação escolhida para apresentar os dados da pesquisa foi a

categorização que segundo Câmara (2013) permite reunir maior número de

informações à custa de uma esquematização e, assim, correlacionar classes

de acontecimentos para ordená-los. Desta forma, utilizou-se a modalidade

temática por ser mais adequada à investigação qualitativa. Essa análise

consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação,

seja presença ou frequência de aparição que pode significar alguma coisa para

objetivo analítico escolhido (MINAYO, 2012). Sendo assim, separaram-se as

respostas das mulheres em categorias de acordo com as respostas obtidas

através do questionário em violências que ocorrem durante a Gestação, Parto

e Pós-Parto e, em subcategorias que serão detalhadas nos resultados.

2.3 Tratamento dos resultados (inferência e a interpretação)

A inferência é um instrumento de indução para se investigarem as

causas a partir dos efeitos e a interpretação busca o sentido que se esconde

sob a aparente realidade, o que significa verdadeiramente o discurso

enunciado, o que querem dizer, em profundidade, certas afirmações,

aparentemente superficiais (BARDIN, 2011 apud CÂMARA, 2013).

A interpretação dos dados foi realizada através da abordagem

psicológica Sócio-Histórica, que analisou as respostas de acordo com a

perspectiva social e histórica da mulher e a sua repercussão na compreensão e

na identificação da violência obstétrica como um ato violento ou não. A escolha

da abordagem deu-se a partir da possibilidade da Psicologia Sócio-Histórica

carregar consigo a crítica, não apenas por uma intencionalidade de quem a

produz, mas por seus fundamentos epistemológicos e teóricos (BOCK, 2003).

Compreendemos a psicologia como construção histórica do homem na busca de conhecer a si próprio. Isso significa que a

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psicologia nem sempre existiu, ela é fruto da história social dos homens. Ela só surgiu a partir de determinadas condições materiais que configuraram a necessidade de descrição, investigação, explicação do homem na sua dimensão subjetiva. A noção de subjetividade é, também, constituída historicamente e transforma-se ao longo da história. (BOCK, 2003, p.11).

De acordo com Bock (2009), a perspectiva Sócio-Histórica fundamenta-

se através da Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski (1896-1934) por

apresentar desde seus primórdios, como uma possibilidade de superação,

dessas visões dicotômicas. Sendo assim, a Psicologia Sócio-Histórica entende

o fenômeno psicológico como algo que se desenvolve ao longo do tempo, e

que não pertence à natureza humana; é preexistente ao homem; reflete a

condição social, econômica e cultural em que vivem os homens (BOCK, 2009).

3 DISCUSSÃO DE RESULTADOS

A violência nas maternidades contempladas pela Rede Pública de

Saúde, muitas vezes é expressa através da forma de organização dos serviços

e da organização das práticas assistenciais, observando-se uma acessibilidade

ruim, com pouca permeabilidade dos serviços e dos profissionais, onde existe

déficit na manutenção das maternidades, para que se estabeleçam o

desenvolvimento de um cuidado integral para as usuárias.

Considerando que os dados da pesquisa efetuada não podem ser

considerados, isoladamente, sem a análise de um contexto social, político,

econômico e histórico, foi, portanto, realizado um breve perfil sócio

demográfico, assim como, também foram categorizadas as questões

respaldando-se na definição de violência obstétrica de acordo com a

publicação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (2013). Foram,

ainda, utilizadas as leis que contemplam a assistência humanizada durante o

parto, sendo elas:

a) Lei do Parto Humanizado Nº 15.759/2015;

b) Lei Federal do acompanhante Nº 11.108/05.

Para isso, foi realizada uma classificação das perguntas fechadas do

questionário para agrupá-las de acordo com a definição de violência obstétrica

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proposta pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo (2013), que ocorre

durante a gestação e parto. Foram propostas três fases em que podem ocorrer

a violência obstétrica:

a) Violência obstétrica durante a gestação;

b) Violência obstétrica durante o parto (Normal/cesárea);

c) Violência obstétrica durante pós-parto.

Ao analisar os 25 questionários foi possível categorizar os temas de

acordo com as respostas derivadas das perguntas fechadas, para a

identificação da violência obstétrica, possivelmente, ocorrida durante a

gestação, parto e pós-parto. Para identificação dos resultados foram criadas as

tabelas, relacionando as fases propostas.

As perguntas abertas foram classificadas pelos temas propostos para

assim atender o objetivo do estudo:

a) A violência obstétrica e o sofrimento psíquico;

b) A compreensão da violência obstétrica pelas mulheres;

Desta forma, foram apresentados os principais dados para que

pudessem ser discutidos e analisados.

3.1 Descrição dos resultados e categorização de violência obstétrica

A tabela 1 apresenta o perfil sócio demográfico das 25 mulheres que

foram entrevistadas:

Tabela 1: Perfil Sócio demográfico das mulheres entrevistadas

PERFIL Freq. (%)

Idade 18 a 23 8 32

24 a 29 10 40

30 a 35 3 12

36 a 41 4 16

Total 25 100

Estado Civil Casada / União Estável 17 68

Solteira 8 32

Separada/divorciada 0 0

Viúva 0 0

Total 25 100

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Renda Familiar Menos de 1 Salário Mínimo 2 8

Entre 1 e 2 Salário Mínimos 16 64

Acima de 2 Salários Mínimos 5 20

Não tem renda 0 0

Não informado 2 8

Total 25 100

Fonte: elaborado pelas autoras, 2017.

Quanto à caracterização das participantes da pesquisa, mulheres com

idade entre 18 a 40 anos, sendo que 40% tinha entre 24 a 29 anos de idade.

Sobre o estado civil a maioria das mulheres eram casadas ou estavam em uma

união estável (68%). Sobre a renda da família, a maioria representada por

64%, tinha renda familiar entre 1 a 2 salários mínimos.

A tabela 2 apresenta a quantidade de gestações das participantes:

Tabela 2: Quantidade de Gestações

Quantidade de gestações Freq. (%)

Uma gestação 10 40

Duas gestações 7 28

Três gestações 5 20

Quatro gestações 1 4

Cinco gestações 0 0

Seis gestações 2 8

Total 25 100

Fonte: elaborado pelas autoras, 2017.

De acordo com os dados adquiridos em relação a quantidade de

gestações, foram constatadas de uma a seis gestações. A pesquisa descobriu

que 40% das mulheres tiveram apenas uma gestação, 28% das mulheres,

duas gestações, 20%, três gestações, enquanto apenas uma mulher teve

quatro gestações (4%) e duas mulheres, tiveram seis gestações (8%).

A tabela 3 apresenta os dados obtidos acerca da caracterização dos

partos realizados pelas mulheres:

Tabela 3: Tipos de partos realizados Tipo de parto Freq. (%)

Apenas Cesárea 13 52

Apenas Parto Normal 7 28

Os dois tipos de partos 5 20

Total 25 100

Fonte: elaborado pelas autoras, 2017.

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Observa-se que a maioria das mulheres realizaram apenas cesárea (52%),

seguido de 28% das mulheres realizando apenas o parto normal e 20%, os

dois tipos de partos. De acordo com o questionário, as mulheres que

realizaram cesáreas, mais da metade delas, foram cesáreas de emergência

(Intraparto). Nas respostas adquiridas pelos questionários, os motivos alegados

pela equipe de saúde para realização da cesárea foram: "a falta de dilatação” o

“tamanho da criança” e a “falta de liquido amniótico”.

3.1.1 A violência obstétrica durante a gestação

A tabela 4 apresenta uma modalidade de violência obstétrica que ocorre

durante a gestação, mais precisamente, durante o pré-natal, quando acontece

a omissão de informações e/ou orientações pela equipe de saúde.

Tabela 4: Omissão de informação

Não foi informada sobre: (%)

Como inicia o trabalho de parto 68

Os sinais de risco na gravidez que devem procurar a equipe de saúde 64

Sobre o que deveria fazer para facilitar o trabalho de parto 40

Fonte: elaborado pelas autoras, 2017.

De acordo com as respostas obtidas, observou-se a escassez ou a falta

de informação por parte da equipe de saúde sobre as questões básicas do

trabalho de parto e parto. Pois na pergunta “Você foi informada sobre como

inicia o trabalho de parto?”, constatou-se que dezessete mulheres (68%),

responderam que houve omissão desta informação; assim como, na pergunta

“Você foi informada sobre os sinais de riscos na gravidez que devem fazer

procurar o serviço de Saúde? foi constatado que 64% das mulheres

responderam que não foram informadas sobre quando deveriam procurar um

médico. E na pergunta: “Você foi informada sobre o que você poderia fazer

durante o trabalho de parto para facilitar o nascimento do bebê (andar, tomar

banho, formas para diminuir dor, etc)?” de vinte e cinco mulheres entrevistadas,

40% delas responderam que não foram informadas.

A ausência de informação se configura como desrespeito por parte do

profissional de saúde, e quando a informação é negada, fragmentada ou

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confusa, resulta no fato de que as mulheres se sintam manipuladas, como se

não tivessem vontade própria, nem direito de manifestação. Isso pode ser

caracterizado, também, como um descumprimento de um direito legalmente

constituído, e perpassa pela anulação de sua autonomia e direito de escolha,

tornando-se como uma séria violência obstétrica (RODRIGUES, 2014).

3.1.2 A violência obstétrica durante o parto normal

A tabela 5 apresenta dados relevantes acerca dos procedimentos que se

caracterizam como violência obstétrica, se utilizados com frequência pela

equipe de obstetrícia, desobedecendo às normas estabelecidas pela Lei do

parto Humanizado nº 15.759/2015:

Tabela 5: Procedimentos que podem ser considerados violência obstétrica

Procedimentos (%)

Exame de toque 36

Episiotomia 32

Amniotomia 28

Manobra de Kristeller 24

Tricotomia (raspagem dos pelos pubianos) 24

Massagem / Extração manual da placenta 24

Hormônio sintético (ocitocina) 20

Enema (lavagem intestinal) 8

Fórceps ou vácuo extrator 0

Fonte: elaborado pelas autoras, 2017.

Quando há utilização de recursos tecnocráticos pela obstetrícia no

cuidado a mulher, ocorre um cuidado mecanizado, visto que, o olhar do

profissional se volta tão somente para o útero e suas partes, esquecendo-se da

mulher, transformando-a em objeto a ser estudado e tratado, expondo a sua

privacidade e intimidade, e assim, caracterizando uma violência velada pela

invasão indevida ao seu corpo. Através do questionário observou-se que os

procedimentos mais realizados durante o parto normal são o Exame de Toque

(36%), a Episiotomia (32%), e a Amniotomia (28%).

O exame de toque recorrente de acordo com Barboza (2016), é uma

manipulação vaginal desnecessária e, frequentemente, dolorosa e

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constrangedora, gerando uma violência física e psicológica no momento do

parto.

A medicina autoriza que os órgãos sexuais das mulheres possam ser vasculhados sem constrangimento, fragmentando o corpo da mulher e desvalorizando a dor e desconforto provocado por determinados procedimentos, como o toque vaginal (BARBOZA; MOTA, 2016, p.05).

A episiotomia é uma das práticas cirúrgicas mais realizadas no mundo

inteiro, entretanto, de acordo com o Ministério da Saúde (2001) o uso liberal ou

rotineiro da episiotomia é claramente prejudicial e ineficaz e, deve ser

eliminado. A amniotomia, também, pode ser prejudicial à mulher, pois de

acordo com o Ministério da Saúde (2001) aumenta o risco de infecção

amniótica e risco de acidente de cordão, além, de aumentar o risco de infecção

ovular e puerperal e, por isso, deve ser evitada, reservando-se seu uso para

aquelas condições onde sua prática seja, claramente, benéfica (BRASIL,

2001).

Seis mulheres (24%), responderam que foram submetidas à Manobra de

Kristeller, assim como, na Tricotomia e Massagem / Extração manual da

Placenta (24%). É importante ressaltar que a manobra de Kristeller é proibida,

porém, essa prática continua sendo realizada, apesar de jamais serem

registradas em prontuário (LEAL et al., 2012; PARTO DO PRINCÍPIO, 2012).

Sobre a utilização de Ocitocina sintética 20% das mulheres responderam

que utilizaram.

(...) se ela optar pelo parto normal, por exemplo, deve ser natural, nunca induzido com ocitocina sintética, segundo Cunha (2012, p.17) “a ocitocina é um hormônio produzido pelo corpo humano e que provoca contrações uterinas”. As mulheres são capazes de produzir a ocitocina a partir do equilíbrio hormonal consequente do parto. Existe também a versão sintética utilizada para induzir ou acelerar o parto, procedimento descrito pela Organização Mundial de Saúde como condutas claramente prejudiciais ou ineficazes e que deveriam ser eliminadas (NAZÁRIO; HAMMARSTRON, 2015, p. 08).

Todos os procedimentos citados acima, segundo a Lei do parto

humanizado Lei Nº 15. 759/15, devem ser justificados por escrito pelo chefe da

equipe responsável pelo parto, segue na íntegra:

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64

Artigo 13 - Será objeto de justificação por escrito, firmada pelo chefe da equipe responsável pelo parto, a adoção de qualquer dos procedimentos que os protocolos mencionados nesta lei classifiquem como: I - desnecessários ou prejudiciais à saúde da gestante ou parturiente ou ao nascituro; II - de eficácia carente de evidência científica; III - suscetíveis de causar dano quando aplicados de forma generalizada ou rotineira. § 1º - A justificação de que trata este artigo será averbada ao prontuário médico após a entrega de cópia à gestante ou ao seu cônjuge, companheiro ou parente. § 2º - Ressalvada disposição legal expressa em contrário, ficam sujeitas à justificação de que trata este artigo: 1 - a administração de enemas; 2 - a administração de ocitocina, a fim de acelerar o trabalho de parto; 3 - os esforços de puxo prolongados e dirigidos durante processo expulsivo; 4 - a amniotomia; 5 - a episiotomia, quando indicado.

(BRASIL, 2015)

Na tabela 6 constam algumas condutas que não são condizentes com as

políticas públicas de humanização do parto e pós-parto:

Tabela 6: Condutas que ferem as políticas de humanização

Ações (%)

Não pôde beber ou comer 40

Não pôde escolher à posição para parir 20

Não teve liberdade para caminhar durante trabalho de parto 12

O acompanhante não pôde entrar 28

Não teve suporte durante trabalho de parto 64

Fonte: elaborado pelas autoras, 2017.

A Lei Parto Humanizado (15.759/2015) apresenta as seguintes práticas

que devem ser respeitadas:

§ 1º - Ressalvada a prescrição médica em contrário, durante o

trabalho de parto será permitido à parturiente: 1 - manter liberdade de movimento durante o trabalho de parto; 2 - escolher a posição física que lhe pareça mais confortável

durante o trabalho de parto;

3 - ingerir líquidos e alimentos leves.

(BRASIL, 2015)

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Assim como, em relação ao direito a ter um acompanhante, expressa na

Lei Federal (LEI Nº 11.108/2005):

Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde - SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato (BRASIL, 2005).

Sustentado também, pela lei do Estado de São Paulo:

Artigo 6º - No Plano Individual de Parto a gestante

manifestará sua opção sobre: I - a presença, durante todo o processo ou em parte dele, de um acompanhante livremente escolhido pela gestante;

(BRASIL, 2015)

Porém, de acordo com as respostas adquiridas através do questionário,

observou-se que todos estes direitos foram ignorados e negligenciados. Pois,

40% das entrevistadas alegaram que não puderam comer ou beber, antes e

durante o parto. Destaca-se que de acordo com Malheiros et al. (2012), os

profissionais restringem a alimentação mesmo considerando que durante o

processo de parturição há um gasto energético significativamente alto, e

justificam tal ação pelo risco de aspiração do conteúdo gástrico em casos de

procedimentos anestésicos. Entretanto, evidências apontam que os maiores

índices de broncoaspiração estão associados ao uso de anestesia geral no

parto, o que hoje ocorre com pouca frequência.

Na questão “não pôde escolher à posição para parir”, 20% das mulheres

afirmaram que a posição utilizada para parir foi a horizontal (litotomia). Assim

como, 12% das entrevistadas informaram que não tiveram liberdade para

caminhar durante o trabalho de parto, apesar da autonomia da mulher na

escolha da posição e da movimentação durante o trabalho de parto é

recomendada pela OMS, que aconselha que a busca por posições agradáveis

seja estimulada pelos profissionais (WEI; GUALDA; SANTOS; 2011).

Em relação à presença do acompanhante, 28% das entrevistadas

disseram não terem sido autorizadas a ter alguém que as acompanhasse

durante o trabalho de parto, embora este direito seja previsto em Lei. E 64%

das mulheres entrevistadas afirmaram não ter tido suporte durante o parto de

Massagistas, Doulas, Fisioterapeutas, etc.

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A presença de um acompanhante, mesmo que escolhido pela parturiente, por si só não pode ser considerado como sinônimo de suporte, entretanto, pode ser dado a ele condições e apoio para realizar essa atividade. O suporte no trabalho de parto consiste na presença de uma pessoa que oferece conselhos, medidas de conforto físico e emocional, e outras formas de ajuda para a parturiente durante o trabalho de parto e parto

(BRUGGEMANN; PARPINELLI; OSIS, 2005 p. 1317).

3.1.3 Violência obstétrica durante o pós-parto

Na tabela 7, constam dados referentes à desconsideração por parte da

equipe médica, em relação a preferência de parto das mulheres:

Tabela 7: Plano de parto Você tinha preferência pelo tipo de parto? 76%

Sua escolha foi mantida? 48%

Fonte: elaborado pelas autoras, 2017.

Observou-se que mais da metade das mulheres tinham preferência pelo

tipo de parto, porém apenas 48% tiveram suas escolhas mantidas. Ressalta-se

que há variáveis em relação aos motivos médicos reais, onde citam “placenta

prévia”, “pré-eclâmpsia”, “hipertensão” e “para realização de laqueadura”.

Porém, ressaltam-se os motivos ilegítimos como a “falta de dilatação” e o

“tamanho do bebê”, motivos estes que não tem respaldos científicos que os

comprovem, além do que, se opõem às políticas de humanização.

(...) entende-se que o parto vaginal ou normal como é chamado, no Brasil não é parto natural, considerando as inúmeras intervenções, motivos estes que faz com que as mulheres entendam que o parto cesáreo é mais seguro para ela e para o bebê. Atualmente as parturientes estão submetidas à realização do parto por meio de formas obsoletas, o que torna o parto um ritual. A escolha do parto cabe à parturiente, o ato de parir é da mulher (NAZÁRIO; HAMMARSTRON, 2015, p. 08).

A tabela a seguir apresenta os dados referentes a pergunta: “Se pudesse

mudar algo no parto, o que seria?”

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Tabela 8: O que as mulheres mudariam no parto Se pudesse mudar algo no parto, o que seria? Freq. (%)

Quantidade de mulheres que responderam 13 52

As respostas relevantes sobre o que mudariam

Mudariam de cesárea para parto normal 6 24

Negligência por parte da equipe de saúde 3 12

Mudariam de parto normal para cesárea 2 8

Gostariam de acompanhante durante o parto 2 8

Agressão verbal, desrespeito e humilhação 2 8

Fonte: elaborado pelas autoras, 2017.

Das 25 mulheres entrevistas, treze mulheres (52%) responderam que

gostariam de fazer alguma alteração no parto que tiveram. Entre as várias

respostas que apareceram, há uma quantidade considerável sobre a

insatisfação das mulheres em relação ao parto que tiveram, pois 24% delas

gostariam de ter realizado parto normal e 8% delas gostariam de ter passado

por cesárea, vale investigar por qual motivo gostariam desta mudança.

Os outros motivos que surgiram, foram à forma como foram tratadas

pela equipe de saúde, apontados na tabela como negligência (12%), onde três

mulheres citam o fato de se sentirem abandonadas após o parto, sem auxílio

por parte da equipe de saúde. Duas mulheres (8%), informaram que gostariam

de ter tido um acompanhante durante o parto e, que foram proibidas deste

recurso, ação esta que fere a Lei Federal do Acompanhante (11.108/05. A

participante expressou sua insatisfação em relação ao parto da seguinte forma:

“gostaria de ter tido um acompanhante durante o parto, pois fiquei sozinha lá”.

Foi citado por duas mulheres (8%) agressão verbal: “Falei que estava

com dor e a enfermeira respondeu que na hora de fazer não havia sentido dor”

e a outra mulher disse: “pediria mais respeito, pois os médicos são mal-

educados”. A agressão verbal, física ou psicológica durante o parto é o tipo de

infração médica mais frequente em todo o mundo, segundo informações do

Ministério Público de São Paulo (ROSA, 2017). De acordo com a mesma

autora os seus impactos podem ser de curto em longo prazo, dependendo a

situação. Em casos críticos, as consequências são similares às do estupro,

como rejeição ao próprio corpo, medo ao ter relações sexuais ou de engravidar

novamente.

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68

3.1.4 A violência obstétrica e o sofrimento psíquico

A tabela a seguir apresenta os dados adquiridos sobre os sintomas que

as mulheres apresentaram durante o puerpério:

Tabela 9: Aspectos psíquicos

Sintomas mais presentes após o parto Freq. (%)

Ansiedade e nervosismo 18 72

Dificuldade de amamentar 12 64

Vontade de chorar sem motivo 16 64

Mudanças repentinas de humor 14 56

Dificuldade de concentrar 13 52

Perda do apetite 8 32

Triste 7 28

Inadequada e sentimento de solidão 7 28

Diagnóstico - Depressão pós-parto 5 20

Fonte: elaborado pelas autoras, 2017.

Os sintomas que se sobressaíram foram a ansiedade e o nervosismo,

apontado por 18 mulheres (72%), a vontade de chorar sem motivo, apontado

por 16 mulheres (64%), a dificuldade de amamentar (64%), mudanças

repentinas de humor (56%), e a dificuldade de se concentrar (52%).

De acordo com Souza (2014) a vivência que a mulher terá no período

puerperal, ou seja, no pós-parto, dependerá de uma série de condições, desde

aquelas intrínsecas à mulher e à gestação, até àquelas diretamente

relacionadas ao sistema de saúde, ao serviço de saúde e aos profissionais de

saúde, sendo que a assistência recebida pela equipe de saúde poderá

repercutir no desenvolvimento de desordens psiquiátricas, incluindo a

depressão pós-parto.

3.1.5 A compreensão da violência obstétrica pelas usuárias da Rede Pública

de Saúde

Mediante a aplicação do questionário, observou-se que nas respostas

das participantes há um aparato de questões para ser analisado, porém para

entender como essas mulheres compreendem a violência obstétrica é preciso

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relacionar a fala da mulher com a sua história e cultura, assim como seu

contexto social e histórico.

Para compreender a fala de alguém, não basta entender suas palavras; é preciso compreender seu pensamento (que é sempre emocionado), é preciso aprender o significado da fala. O significado é, sem dúvida, parte integrante da palavra, mas é simultaneamente ato do pensamento, é um e outro ao mesmo tempo, porque é a unidade do pensamento e da linguagem (BOCK, 2009, p. 130).

Bock (2009), também cita que a fala do sujeito está ligada ao seu

contexto e a partir deste se expressará e processará sua subjetividade, através

de suas motivações, necessidades e interesses.

A tabela a seguir apresenta a respostas das participantes acerca do

conhecimento delas sobre violência obstétrica:

Tabela 10: Respostas acerca do tema principal Você sabe o que é violência obstétrica

Freq. (%)

Não 19 76%

Sim 6 24%

Fonte: elaborado pelas autoras, 2017.

Observa-se que a maioria das mulheres não sabe o que é violência

obstétrica, representado por 76% das respostas. Porém, ao analisar a pesquisa

destaca-se que algumas participantes citam a assistência inadequada da

equipe de saúde caracterizados pelas agressões verbais e omissão de

informação, assim como, a submissão à procedimentos desnecessários e até

mesmo proibidos. Sendo possível entender que essas mulheres que referiram

formas de assistência inadequada podem não saber nomear tais situações

como violência obstétrica, mas as identificam como incômodas e inadequadas.

A violência institucional obstétrica é relacionada como uma violência praticada pelas equipes de saúde e consentida por mulheres em trabalho de parto e parto, este fato é atrelado à diversos fatores como: as mulheres desconhecerem o processo fisiológico e práticas de assistência durante o trabalho de parto e parto; e por acreditarem que o médico e/ou a equipe de saúde sejam detentores de conhecimentos e

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habilidades técnicas naquela situação (WOLFF; WALDOW,

2008).

De outro lado, as mulheres que disseram saber o que era violência

obstétrica, citaram as formas mais concretas da violência, entre as respostas

obtidas ressaltam-se: “quando forçam você a fazer algo que não quer”, “forçar

o parto, por ferro e fazer toque com força” e “quando os médicos te tratam mal”.

Entre as poucas respostas obtidas, observa-se que a dimensão da violência

obstétrica não é totalmente compreendida pelas usuárias da Rede Pública de

Saúde do munícipio de Lins, já que muitas delas tiveram seus direitos

negligenciados, como por exemplo, a presença do acompanhante proibida

(28% das mulheres), ou sofreram uma violência mais sutil como a omissão de

informação durante a gestação, ou quando foram convencidas a realizar uma

cesárea argumentando a falta de dilatação ou o tamanho da criança, motivos

estes raros e escassos de comprovação científica.

Portanto, chega-se à conclusão que as mulheres não reconhecem ações

violentas dentro do âmbito hospitalar como violência obstétrica, pois estão

acostumadas a associar o momento do parto a um momento de dor e

sofrimento. Vimos que, anteriormente, o parto era algo que acontecia

naturalmente no ambiente familiar, sob fortes vínculos afetivos. Porém,

atualmente ocorrem em hospitais que tornaram o parto mecanizado, onde a

obstetrícia institucionalizou os procedimentos, trazendo consigo a submissão

feminina, fazendo com que as mulheres deixassem aos poucos o que lhe é

natural, perdendo sua autonomia, assumindo assim um papel passivo durante

o parto (PONTES, 2014). Seguindo essa linha de raciocínio, a medicalização

do parto fez com que a mulher no trabalho de parto, ficasse deitada, para

assim facilitar a manipulação técnica e, propiciando uma melhor visualização

do canal vaginal por parte dos médicos.

A adoção da posição horizontal fez com que várias outras intervenções fossem necessárias, por impedir o movimento da mulher, fazendo com que as dores sejam intensificadas, justificando-se assim a aplicação de anestesia, o que a impossibilita de participar ativamente do parto. Além disso, esta posição faz com que o músculo períneo não relaxe, contribuindo para o aumento das taxas de episiotomia (PONTES, 2014, p. 73)

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Na compreensão de indivíduo que contém a totalidade social expressa

através de suas ações, pensamentos e sentimentos, pode-se dizer que a

institucionalização do parto fez com que a mulher compreendesse o médico

como autoridade detentora do conhecimento, acerca do seu funcionamento

fisiológico, e sua posição como a de coadjuvante. A mulher, nos dias de hoje,

entende o parto como uma intervenção médica, marcada pela impotência,

alienação e dor, desconhecendo seus direitos, não sabendo assim, delimitar o

que é agressão física, negligência, imposição de procedimentos médicos

desnecessários, caracterizadores da violência obstétrica, totalmente

divergentes do modo como, realmente, deva ser tratada.

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72

PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

A autonomia feminina para definir como deseja que seu parto seja

realizado é fundamental para o processo de humanização da assistência ao

parto e nascimento. E um meio para que isso ocorra efetivamente é através da

informação para que a mulher compreenda seu papel ativo durante todo o

trabalho de parto, parto e nascimento. Para que isso ocorra os profissionais da

saúde precisam estar cientes que o processo do parto não se refere somente a

evidências científicas.

Propõe-se, portanto, que através da propagação de informação sobre o

que seja violência obstétrica e do surgimento de políticas públicas de

reconhecimento de atos violentos no momento do parto, que se resguarde a

garantia da parturiente e, principalmente, a possibilidade de denunciar e

proteger-se. Além de, conscientizá-las do dever das unidades de saúde tratá-

las com respeito, para que, compreendam que toda parturiente tem direito à

assistência ao parto e ao puerpério, permitindo que este processo seja

vivenciado de forma humanizada e segura, de acordo com os princípios gerais

e condições estabelecidas na prática médica.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa permitiu constatar que a violência obstétrica é frequente no

âmbito hospitalar, expressa, de maneiras sutis, como a omissão de informação

e, também, por meio da utilização de procedimentos que não são comprovados

pela Ciência. Constatou-se, ainda, que muitas destas ações violentas, não são

compreendidas pelas usuárias de Rede Pública de Saúde como violência

obstétrica, pois a violência institucional é invisível ou aceita socialmente como

natural, porque é justificada como sendo “práticas necessárias ao bem-estar

das próprias mulheres” (SOUZA, 2014).

O fato de a violência obstétrica ser tão naturalizada, faz com que muitas

mulheres retratem como “sorte”, quando recebem um atendimento adequado

no plantão obstétrico, atribuindo o atendimento errôneo, como “falta de sorte”.

Isso demonstra a percepção de que o bom atendimento é considerado raro e

não faz parte da rotina da assistência ao parto (DIAS, 2006 apud PARTO DO

PRINCÍPIO, 2012).

Em consequência disto, reiteramos as formas de combate à prática de

violência obstétrica, seja através de uma assistência pré-natal de qualidade,

além de, uma assistência ao parto e ao pós-parto humanizadas. Esta

assistência envolve diversos aspectos benéficos, como compromisso, empatia

e respeito. A assistência hospitalar na atenção obstétrica deveria tornar-se,

então, segura, garantindo a cada mulher os benefícios dos avanços científicos

sem, contudo, desprezar a sua autonomia e seu bem-estar físico e psicológico.

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APÊNDICE

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APÊNDICE A: PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

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APÊNDICE B: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO

(T.C.L.E)

Eu........................................................................................................................., portador

do RG n°. ............................................................, atualmente com ............. anos, residindo na

............................................................................................................................. ...... , após leitura

da CARTA DE INFORMAÇÃO AO PARTICIPANTE DA PESQUISA, devidamente explicada

pela equipe de pesquisadores .............................................. , apresento meu

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO em participar da pesquisa proposta, e

concordo com os procedimentos a serem realizados para alcançar os objetivos da pesquisa.

Concordo também com o uso científico e didático dos dados, preservando a minha

identidade.

Fui informado sobre e tenho acesso a Resolução 466/2012 e, estou ciente de que todo

trabalho realizado torna-se informação confidencial guardada por força do sigilo profissional e

que a qualquer momento, posso solicitar a minha exclusão da pesquisa.

Ciente do conteúdo, assino o presente termo.

Local, ............. de ............... de 20.....

.............................................................

Assinatura do Participante da Pesquisa

.............................................................

Pesquisador Responsável

Endereço: Rua Alfredo Fontão, n°5 – 40, apto. 108

Telefone: 14 99793-7066

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APÊNDICE C: CARTA DE INFORMAÇÃO AO PARTICIPANTE DE

PESQUISA

CARTA DE INFORMAÇÃO AO PARTICIPANTE DE PESQUISA

Esta pesquisa tem como intuito investigar o que é a violência obstétrica

na visão das usuárias da rede pública de saúde do município de Lins, que

estão no puerpério, e seus possíveis impactos na saúde física e psicológica

destas mulheres. A pesquisa tem o objetivo de aprofundar e demonstrar de

forma crítica esse problema que afeta mulheres por todo o Brasil, e será uma

forma de dar voz e atenção para mulheres que sofreram um parto violento.

Para tanto, aplicaremos uma entrevista. Para tal solicitamos sua

autorização para a realização dos procedimentos previstos. O contato

interpessoal e a realização dos procedimentos oferecem riscos físicos e/ou

psicológicos mínimos aos participantes. As pessoas não serão obrigadas a

participar da pesquisa, podendo desistir a qualquer momento. Em eventual

situação de desconforto os participantes poderão cessar sua colaboração sem

consequências negativas. Todos os assuntos abordados serão utilizados sem a

identificação dos participantes e instituições envolvidas. Quaisquer dúvidas que

existirem agora ou a qualquer momento poderão ser esclarecidas, bastando

entrar em contato pelo telefone abaixo mencionado. Ressaltamos que se trata

de pesquisa com finalidade acadêmica, referida do curso de Psicologia. De

acordo com estes termos, favor assinar abaixo. Uma cópia deste documento

ficará com o participante da pesquisa e outra com o(s) pesquisador(es).

Obrigado.

Lins, ............. de ............... de 2017

.............................................................. ..............................................................

Assinatura do Participante da Pesquisa Pesquisador Responsável

Liara Rodrigues de Oliveira

Telefone: 14 99793-7066

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ANEXOS

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ANEXO A – QUESTIONÁRIO

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