a utilizaÇÃo do diagnÓstico rÁpido … · isso demonstra que o produtor rural, mesmo aquele que...

6
A UTILIZAÇÃO DO DIAGNÓSTICO RÁPIDO PARTICIPATIVO NA ELABORAÇÃO DO PLANO DE TRABALHO A SER DESENVOLVIDO PELO PROGRAMA ESTADUAL DE MICROBACIAS HIDROGRÁFICAS EM JUNQUEIRÓPOLIS (SP) Kimura, Adriana S. B; Tarsitano, Maria A. A.; Pelozo, Luis A. RESUMO: Esse trabalho analisa a forma de elaboração e o resultado obtido em um Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) realizado na Microbacia Hidrográfica do Córrego Taquarussu – Junqueirópolis (SP), com a finalidade de levantar os problemas dessa comunidade rural para a elaboração do Plano de Trabalho a ser desenvolvido pelo Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas. O DRP foi elaborado após a divulgação do Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas e de posse dos dados do Levantamento Socioeconômico Ambiental realizado através de visitas às propriedades e entrevistas com os produtores. As dificuldades em adotar medidas participativas, até mesmo pela falta de tradição em trabalhar dessa forma, são minimizadas quando há uma boa interação entre as pessoas que estão participando do processo e, também, em relação ao técnico executor. Ainda, mais difícil do que aplicar o DRP é o papel dos facilitadores, frente a uma postura de não- envolvimento nas idéias e, conseqüentemente, nos resultados. Palavras-chave: Diagnóstico Rápido Participativo, Microbacia Hidrográfica, Levantamento.

Upload: halien

Post on 29-Aug-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A UTILIZAÇÃO DO DIAGNÓSTICO RÁPIDO … · Isso demonstra que o produtor rural, mesmo aquele que diz não acreditar no Programa, quer ter sua presença valorizada pelo técnico

A UTILIZAÇÃO DO DIAGNÓSTICO RÁPIDO PARTICIPATIVO NA ELABORAÇÃO DO PLANO DE TRABALHO A SER DESENVOLVIDO PELO PROGRAMA ESTADUAL

DE MICROBACIAS HIDROGRÁFICAS EM JUNQUEIRÓPOLIS (SP)

Kimura, Adriana S. B; Tarsitano, Maria A. A.; Pelozo, Luis A.

RESUMO: Esse trabalho analisa a forma de elaboração e o resultado obtido em um Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) realizado na Microbacia Hidrográfica do Córrego Taquarussu – Junqueirópolis (SP), com a finalidade de levantar os problemas dessa comunidade rural para a elaboração do Plano de Trabalho a ser desenvolvido pelo Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas. O DRP foi elaborado após a divulgação do Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas e de posse dos dados do Levantamento Socioeconômico Ambiental realizado através de visitas às propriedades e entrevistas com os produtores. As dificuldades em adotar medidas participativas, até mesmo pela falta de tradição em trabalhar dessa forma, são minimizadas quando há uma boa interação entre as pessoas que estão participando do processo e, também, em relação ao técnico executor. Ainda, mais difícil do que aplicar o DRP é o papel dos facilitadores, frente a uma postura de não-envolvimento nas idéias e, conseqüentemente, nos resultados. Palavras-chave: Diagnóstico Rápido Participativo, Microbacia Hidrográfica, Levantamento.

Page 2: A UTILIZAÇÃO DO DIAGNÓSTICO RÁPIDO … · Isso demonstra que o produtor rural, mesmo aquele que diz não acreditar no Programa, quer ter sua presença valorizada pelo técnico

INTRODUÇÃO

O município de Junqueirópolis pertence à 10ª Região Administrativa do Estado (Presidente Prudente), localizado na Nova Alta Paulista, composta basicamente por pequenas propriedades rurais, com tamanho médio de 52,2 hectares (Hernandes, 1998). Neste contexto, a atividade agrícola tende à fruticultura devido à exploração mais intensiva da terra e encontra dificuldades já que era uma região tradicionalmente cafeicultora, tendo a viticultura assumido papel de destaque (Brigatti, 2001).

A Microbacia Hidrográfica do Córrego Taquarussu, objeto de estudo desse trabalho, possui como coordenadas geográficas: LAT – S – 21º 31´ e LOG – O – 51º 27´. A área que se estende pelo espigão divisor entre os rios Feio ou Aguapeí ao Norte (para onde se dirige o Córrego Taquarussu com toda sua microbacia) e Rio do Peixe ao Sul, a forma geral é estreita no sentido Leste-Oeste e comprida no sentido Norte-Sul.

Segundo levantamento realizado na área, a referida microbacia hidrográfica possui 185 propriedades rurais, das quais 89 (48%) dessas possuem até 10 hectares, 91 (49%) possuem até 50 hectares e somente 05 (2,7%) possuem área maior que 50 hectares, conforme Figura 1.

Figura 1 – Estratificação da Microbacia Hidrográfica do Córrego Taquarussu – Junqueirópolis (SP) Fonte: Dados da pesquisa

Page 3: A UTILIZAÇÃO DO DIAGNÓSTICO RÁPIDO … · Isso demonstra que o produtor rural, mesmo aquele que diz não acreditar no Programa, quer ter sua presença valorizada pelo técnico

Dessa forma, grande parte dos agricultores são caracterizados como familiares, cujos parâmetros utilizados pelo Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas são: possuir área menor ou igual a 50 hectares, empregar até dois funcionários permanentes e declarar que 80% da renda da família seja obtida através da atividade agropecuária (CATI, 2001) A idéia da utilização do Diagnóstico Rápido Participativo surge a partir da necessidade de se planejar as ações a serem implantadas pelo Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas, visando atender de forma realista à demanda gerada pela comunidade rural para a melhoria da qualidade de vida dessas famílias. METODOLOGIA O Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), como instrumento metodológico de extensão rural tem sido a principal ferramenta utilizada no trabalho de replanejamento das atividades. Consiste em um processo de aprendizagem intensivo, sistemático e semi-estruturado realizado por uma equipe de animadores em uma comunidade rural, contando com a participação e colaboração das pessoas que vivem e trabalham na área (Tarsitano et al. 1999). Ainda segundo os mesmos autores, sua finalidade é a identificação de necessidades, prioridades, bem como a compreensão destes problemas por parte da população que ali vive, além de possibilitar um melhor conhecimento por parte dos chamados agentes externos sobre esta população. A partir da identificação conjunta dos problemas estabelecem-se as atividades de acompanhamento, monitoria, desenvolvimento de estudos de viabilidade e avaliação de projetos propostos e implantados. Este processo ou metodologia baseia-se nos princípios do envolvimento da população local propiciando o aumento da participação e da capacidade de atuar localmente, além de investigar os problemas sob diferentes pontos de vista.

Para a elaboração do Diagnóstico Rápido Participativo, o primeiro passo foi realizar um levantamento que caracterizasse de forma física, social e ambiental a área da microbacia em questão, como facilitador do processo. O instrumento utilizado para o levantamento desses dados foi um questionário aplicado aos produtores rurais, diretamente ou, na ausência deste, a um membro da família, bem como o mapeamento da área. A análise física constitui na identificação do tipo de solo predominante através do mapeamento, estratificação das propriedades, levantamento do uso da terra e tecnologias adotadas e infra-estrutura. A análise social foi feita abordando os seguintes temas: a quem cabia a tomada de decisões nas atividades agropecuárias, quais eram as fontes de informação a respeito de gerenciamento da propriedade e participação da família na atividade. Em relação ao meio ambiente, foram feitas indagações a respeito da utilização de agrotóxicos e Equipamento de Proteção Individual (EPI), período de carência dos produtos utilizados, descarte de embalagens de agrotóxicos, utilização da água do Córrego Taquarussu e sua qualidade, práticas de conservação do solo, estradas rurais, erosão, dentre outros. De posse desse levantamento, parte dos dados foi tabulada em Excel para ser apresentada em forma de gráficos, facilitando o entendimento pelos produtores.

O DRP foi elaborado em duas etapas: na primeira etapa chegou-se à priorização dos problemas a serem trabalhados durante a execução do Programa e na segunda, realizada vinte dias depois, foi apresentado o produto final do Diagnóstico Rápido Participativo, ou seja, o Plano da Microbacia Hidrográfica do Córrego Taquarussu, com as metas a serem trabalhadas, que ficou sujeito à aprovação ou não do público beneficiário.

Page 4: A UTILIZAÇÃO DO DIAGNÓSTICO RÁPIDO … · Isso demonstra que o produtor rural, mesmo aquele que diz não acreditar no Programa, quer ter sua presença valorizada pelo técnico

O convite para as reuniões foi realizado individualmente pelo técnico executor do Programa no município, reforçando-se o trabalho de divulgação do Programa e enfatizando a necessidade de participação de todos os produtores rurais e suas famílias para que as ações fossem desenvolvidas a contento. Foram utilizados também cartazes espalhados em pontos estratégicos do município (bancos, cooperativas, lojas de produtos agropecuários, sede da Associação Agrícola de Junqueirópolis) e programas de rádio. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O convite individual, distribuído em mãos pelo técnico executor, foi de fundamental importância para o comparecimento do Público Beneficiário. Na visão dos produtores, segundo relato deles próprios, “houve um esforço em fazer o convite que merecia ser recompensado com a presença”. Isso demonstra que o produtor rural, mesmo aquele que diz não acreditar no Programa, quer ter sua presença valorizada pelo técnico executor e retorna a atenção recebida. O início das reuniões foi marcado pela explicação sobre a finalidade do DRP. Explicar o objetivo da reunião logo no início, ajudou a atingir a meta pretendida. É importante para que o público não se disperse em relação ao assunto desenvolvido.

Nessa etapa, o técnico executor valorizou a participação dos presentes ressaltando a necessidade do plano da microbacia ser elaborado para realmente atender aos anseios e necessidades do Público Beneficiário e que esse fato deveria ser considerado inédito por ser um programa estatal, seguido de uma dinâmica de grupo para que houvesse um maior entrosamento do grupo, principalmente das pessoas mais tímidas e receosas em participar. A realização da dinâmica de grupo ajudou a interação entre técnico executor e produtores e entre os próprios produtores, pois muitos se mostraram tímidos para participar.

Segundo Gomes et al. (2000) o modo de aplicação de técnicas de campo e o estímulo constante à participação não combinam com atitudes formalistas e sem abertura humana. Afirmam que se de um lado o Diagnóstico Rápido Participativo fica dependente das atitudes do agente externo, do outro a humanização deste relacionamento provoca o comprometimento das partes com a precisão e a interpretação das informações, abrindo o caminho para o esforço na mitigação dos impactos negativos posteriores. Na primeira reunião, o objetivo foi diagnosticar o que era considerado problema na visão dos produtores nas áreas ambiental, social e econômica. A equipe de trabalho (técnico executor e membros do Escritório de Desenvolvimento Rural de Dracena) optou pela utilização de tarjetas de cartolina com diferentes cores, separando-se por assunto abordado, para que os produtores pudessem escrever sua opinião, adaptado do método ZOPP (2004).

A apresentação dos resultados obtidos nivelou o conhecimento dos produtores a respeito das principais culturas da microbacia, sua forma de exploração e produtividade. O debate a respeito da situação da Microbacia em termos gerais, leva à manifestação de problemas existentes e idéias a serem lapidadas. E, como diria Freire (1983), "a educação é um ato de amor, por isso um ato de coragem, não pode temer o debate, a análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa". Como era um grupo grande de pessoas, essas foram subdivididas em três subgrupos. Foi colocado um painel à frente, com visibilidade para todos com a pergunta: quais os principais problemas da microbacia e da sua propriedade, que impedem seu desenvolvimento social e/ou econômico? Em cada grupo havia um facilitador, motivando a participação de todos os membros do grupo e coordenando as atividades, sem, no entanto, influenciar a opinião das pessoas.

Page 5: A UTILIZAÇÃO DO DIAGNÓSTICO RÁPIDO … · Isso demonstra que o produtor rural, mesmo aquele que diz não acreditar no Programa, quer ter sua presença valorizada pelo técnico

Os grupos tiveram cerca de 30 minutos para discutir e escrever as tarjetas, que foram distribuídas à vontade para o público. Com a finalidade de organizar em itens os problemas, os técnicos colaram as tarjetas na parede para que os próprios produtores realizassem essa tarefa em cada grupo distinto. Por fim, os três grupos se reuniram e, agora com o apoio dos técnicos, reorganizaram suas tarjetas com os problemas já priorizados. O emprego do DRP para a identificação de problemas para a elaboração do plano de trabalho da Microbacia do Córrego Taquarussu propiciou-nos constatar a importância de se tomar algumas precauções na utilização dessa técnica. A principal delas é evitar que o aplicador influencie no produto do diagnosticado. O aplicador deve, portanto, policiar-se para desempenhar o papel de facilitador no processo, pois poderá, mesmo que inconscientemente, tentar impor uma visão técnica a respeito do assunto abordado, buscando a legitimidade das próprias avaliações, especialmente nesse caso em que temos como cenário uma região muito degradada, aliada à possibilidade da aplicação de diversas tecnologias disponíveis. Igualmente importante é a escolha do local e hora em que será realizada a reunião. O local deve ser, preferencialmente, um ambiente em que as pessoas sintam-se à vontade, proporcionando um maior envolvimento das mesmas na atividade e o horário, o melhor em relação ao cotidiano do público alvo, facilitando o comparecimento. As reuniões destinadas a esse DRP foram realizadas na sede da Associação Agrícola de Junqueirópolis, local comumente freqüentado pelos produtores e no período da noite, não se estendendo muito para evitar que o cansaço dos participantes impedisse o bom resultado. É primordial que os participantes entendam realmente o procedimento da metodologia: isso evita a não participação por timidez pelo não entendimento e também que os membros do grupo se ajudem, influenciando nas respostas das pessoas. Os aplicadores devem estar sempre atentos para todas as idéias e opiniões que surgirem entre os grupos, anotando os assuntos que estão sendo discutidos. Também cabe aos aplicadores incentivar a participação de todos, pois, à medida que um método ativo ajude o homem a se conscientizar em torno de sua problemática, em torno de sua condição de pessoa, por isso de sujeito, se instrumentalizará para suas opções (Freire, 1983). Dessa forma, foi dada especial atenção às pessoas analfabetas cuja tendência é ficar constrangida com a situação. Nesse caso foi sugerido que se fizesse o desenho representando a idéia ou que se pedisse auxílio ao aplicador do grupo. Os resultados obtidos nessa primeira reunião evidenciam a percepção por parte dos produtores, da degradação ambiental da área, sendo expressos nas seguintes metas: necessidade de adequação de estradas rurais; conservação e recuperação de recursos naturais; recuperação de mananciais hídricos através da construção de terraços, controle de voçorocas, implantação de mata ciliar e capacitação do público beneficiário em Legislação Ambiental e Praticas de Agricultura Sustentável; controle da contaminação do Córrego Taquarussu pelo esgoto urbano, exigindo das autoridades competentes a regulação ou construção de obras adequadas ao tratamento de esgoto; eliminação de resíduos tóxicos na Microbacia através da construção de um depósito para recebimento de embalagens de resíduos tóxicos; implantação de tanques de expansão comunitários; construção de poços profundos de uso comunitário e implantação de telefones públicos. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Diagnóstico Rápido Participativo mostrou-nos que a comunidade rural sente-se valorizada quando tem a oportunidade de aprender e participar, contribuindo para que o trabalho do técnico seja desenvolvido de forma satisfatória.

Page 6: A UTILIZAÇÃO DO DIAGNÓSTICO RÁPIDO … · Isso demonstra que o produtor rural, mesmo aquele que diz não acreditar no Programa, quer ter sua presença valorizada pelo técnico

O Plano elaborado para a execução das atividades tende mais realista e, por isso tem mais probabilidade de acertos. As dificuldades em adotar medidas participativas, até mesmo pela falta de tradição em trabalhar dessa forma, são minimizadas quando há uma boa interação entre as pessoas que estão participando do processo e, também, em relação ao técnico executor. Ainda, mais difícil do que aplicar o DRP é o papel dos facilitadores, frente a uma postura de não-envolvimento nas idéias e, conseqüentemente, nos resultados. O enriquecimento pessoal e profissional leva a uma maior motivação para desenvolver um bom trabalho extensionista. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRIGATTI, A.S. Desenvolvimento da cultura da videira sob irrigação localizada na região da Nova Alta Paulista. Ilha Solteira, 2001, 79p. Dissertação (Produção Vegetal) – Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, Universidade Estadual Paulista. CATI – Coordenadoria de Assistência Técnica Integral 2001. Desenvolvimento da agricultura familiar. Disponível na internet: www.cati.sp.gov.br/projetos . Acesso em 02/03/2004 FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983, 150p. GOMES, M.A.O. Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) como mitigador de impacto sócio-econômicos em empreendimentos agropecuários. Informe agropecuário, Belo Horizonte, 2000, p.110-19. HERNANDEZ, F.B.T. Agricultura irrigada e a atuação da UNESP no oeste paulista. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE FRUTICULTURA IRRIGADA, 1998, JALES (SP). Anais..., UNESP/FEIS, 1998. Método ZOPP. Disponível na internet: www.participando.com.br. Acesso03/03/2004 TARSITANO, M. A. A.; SANT’ANA, A.L.; ARAUJO, C. A. M E BOLIANI, A. C. Projeto de reassentamento rural Cinturão Verde de Ilha Solteira – SP.: Duas perspectivas de análise. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 36, 1999, FOZ DO IGUAÇU (PR). Anais... FOZ DO IGUAÇU (PR), 1999. (CD-ROM).