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A União Europeia e os media em Portugal Os casos do Diário de Notícias e do Público Francisco Rui Cádima Universidade Nova de Lisboa Índice 1 Nota prévia (à edição apoiada pelo CECL) 1 2 Os media portugueses e a construção europeia - o caso do Público * 2 3 Quando o institucional é submetido ao factual 9 4A propósito da CIG de Turim - que estratégia de comunicação para a União Europeia ? ** 16 5 Conclusão 23 6 Referências bibliográficas 23 1 Nota prévia (à edição apoiada pelo CECL) A partir de abordagens fragmentárias rea- lizadas ao longo dos últimos anos fui reflec- tindo sobre a forma como os principais ma- tutinos de Lisboa tratavam a matéria euro- peia. Trata-se de um conjunto de estudos no quadro dos relatórios anuais da Fundesco (Fundación para el Desarrollo de la Fun- ción Social de las Comunicaciones, de Ma- drid) em cooperação com a Associação dos Jornalistas Europeus, publicados pela Fun- desco, em Madrid, em 1994, 1995 e 1996. Trata-se de um conjunto de edições que con- taram com o apoio da Comissão Europeia, da DGX, do Parlamento Europeu e da Secre- taria de Estado de Politica Exterior, de Es- panha. Nestes textos procuro fazer a análise apli- cada de uma forma de produzir matéria noti- ciosa sobre uma questão central para o País, nem sempre assim vista pelos nossos técni- cos do saber prático. Apesar de tudo, e numa rápida síntese, configura-se uma evolução positiva da imprensa portuguesa em análise, que se pode resumir no seguinte: de um eu- ropessimismo por vezes militante passa-se para uma inquirição tendencialmente crítica no tratamento dessa matéria. Sendo o pro- cesso de distanciamento “europeísta” ainda um facto nas páginas da imprensa diária, e sendo certo também que um “integracio- nismo” acrítico não serve a ninguém, longe estamos, no entanto, de uma disponibilidade para informar de acordo com as exigências de transparência da grande casa europeia. Surgiu agora a possibilidade de editar em português estes textos, que mantêm ainda a actualidade resultante de uma visão re- strospectiva em boa parte adequada à infor- mação que se continua a produzir nos me- dia portugueses, neste fim de milénio, sobre a questão europeia. Ao CECL (Centro de

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A União Europeia e osmediaem PortugalOs casos doDiário de Notíciase doPúblico

Francisco Rui CádimaUniversidade Nova de Lisboa

Índice

1 Nota prévia (à edição apoiada peloCECL) 1

2 Os media portugueses e a construçãoeuropeia - o caso doPúblico∗ 2

3 Quando o institucional é submetido aofactual 9

4 A propósito da CIG de Turim -que estratégia de comunicação para aUnião Europeia ?∗ ∗ 16

5 Conclusão 236 Referências bibliográficas 23

1 Nota prévia (à edição apoiadapelo CECL)

A partir de abordagens fragmentárias rea-lizadas ao longo dos últimos anos fui reflec-tindo sobre a forma como os principais ma-tutinos de Lisboa tratavam a matéria euro-peia. Trata-se de um conjunto de estudosno quadro dos relatórios anuais da Fundesco(Fundación para el Desarrollo de la Fun-ción Social de las Comunicaciones, de Ma-drid) em cooperação com a Associação dosJornalistas Europeus, publicados pela Fun-desco, em Madrid, em 1994, 1995 e 1996.Trata-se de um conjunto de edições que con-

taram com o apoio da Comissão Europeia,da DGX, do Parlamento Europeu e da Secre-taria de Estado de Politica Exterior, de Es-panha.

Nestes textos procuro fazer a análise apli-cada de uma forma de produzir matéria noti-ciosa sobre uma questão central para o País,nem sempre assim vista pelos nossos técni-cos do saber prático. Apesar de tudo, e numarápida síntese, configura-se uma evoluçãopositiva da imprensa portuguesa em análise,que se pode resumir no seguinte: de um eu-ropessimismo por vezes militante passa-separa uma inquirição tendencialmente críticano tratamento dessa matéria. Sendo o pro-cesso de distanciamento “europeísta” aindaum facto nas páginas da imprensa diária,e sendo certo também que um “integracio-nismo” acrítico não serve a ninguém, longeestamos, no entanto, de uma disponibilidadepara informar de acordo com as exigênciasde transparência da grande casa europeia.

Surgiu agora a possibilidade de editar emportuguês estes textos, que mantêm aindaa actualidade resultante de uma visão re-strospectiva em boa parte adequada à infor-mação que se continua a produzir nos me-dia portugueses, neste fim de milénio, sobrea questão europeia. Ao CECL (Centro de

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2 Francisco Rui Cádima

Estudos de Comunicação e Linguagens) aquificam os meus agradecimentos pela concreti-zação desta iniciativa.

F.R.C.

2 Os media portugueses e aconstrução europeia - o caso doPúblico ∗

"A compreensão dos fenómenos naturaise sociais (e de nós próprio é, em últimaanálise, a condição da nossa segurança eda nossa e identidade; sobre ela repousaa nossa garantia de liberdade.”João Caraça

“Tenho uma enorme preocupação pelofacto de a democracia e o seu funcio-namento não ter em consideração as con-sequências de que a nossa civilizaçãoapareça totalmente transcendida por umadimensão que é a dimensão mediática.”Miguel Angel Martinez

2.1 EuropessimismoDe uma maneira geral, parece-me que a im-prensa e o campo dos media no seu conjunto,e em particular oPúblico, o jornal por nósestudado de forma mais aprofundada, têmuma atitude algo passiva, e por vezes mesmo"europessimista", em relação à dinâmica daconstrução europeia (relação que é mantidatambém pelos canais de TV, que em muitosaspectos se limitam a seguir a estrutura de’agenda’ dos órgãos de comunicação escri-tos).

A constatação deste facto não constituitanto uma crítica à prática jornalística nesteâmbito em específico, mas uma crítica mais

generalizada às práticas e estratégias dos jor-nalistas e do jornalismo e à função específicado campo dos media na sociedade modernaneste final de século e à escala da "aldeia glo-bal".

Quer isto dizer que, do nosso ponto devista, a imprensa - e os media - devem re-pensar a sua função, e, nessa medida, tam-bém, a estrutura tradicional da ’agenda-setting’, as temáticas tradicionais, as catego-rias de conteúdo, e o protagonismo da socie-dade civil e dos ’opinion-makers’.

Mudando necessária e radicalmente asestruturas de comunicação e as estratégiasmediáticas na esfera pública pós-moderna,teríamos o campo dos media com umafunção mais interveniente no espaço pú-blico e nas políticas de desenvolvimento in-tegrado, de tal forma que a crise de legiti-mação a que se assiste por parte dos protago-nistas do campo político - e nalguns casos dopróprio sistema democrático - seria reenqua-drada por novas práticas políticas, mediáti-cas e por um novo protagonismo público,que nos poderia conduzir mais rapidamente auma alternativa à democracia representativaem crise, com a emergência de uma esferasocial e política participada, onde o consensofosse atingido não através de modalidadesimpositivas criadas pelos ’acontecimentos’mediáticos, mas sobretudo pela emergênciade um novo decisionismo nascido no con-fronto de ideias, no diferendo, e no reencon-tro da técnica do saber prático (o jornalismo)com a opinião e o saber de experiência feito- ou seja, com os actores sociais e os sujeitossingulares a que os media tradicionalmentenão dão a devida atenção, nem tão pouco oacesso.

A questão é fundamentalmente esta: osmedia devem deixar de procurar exclusi-

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vamente a notícia como uma mercadoria.Devem, antes, fazer da informação umamatéria-prima de valor estratégico. Quer di-zer, quanto melhor forem tratadas as temáti-cas estratégicas para o desenvolvimento dassociedades modernas, mais rapidamente ocampo mediático sobrevive à crise geral naqual está também envolvido.

Infelizmente, da análise por nós efectuadaresulta um quadro global negativo da matériajornalística expressa (e das grandes ausên-cias e alheamentos do processo em si), oupelo menos um quadro global "europessi-mista- para a experiência europeia no seutodo, ou tão só para a integração portuguesano contexto da Europa comunitária, comotentaremos mostrar neste texto.

2.2 MacropolíticaVamos procurar dar um exemplo concreto doque acabamos de dizer com uma referênciaao modo como foi noticiado noPúblico oalargamento da UE aos países nórdicos (Sué-cia, Finlândia e Noruega) e à Áustria.

Após algumas notícias em torno do tema,que vinham saindo de quando em vez aolongo do mês de Fevereiro, a grande preo-cupação era aparentemente o acesso dos no-vos candidatos aos fundos estruturais e asconcessões da UE no plano agrícola. Nodia 9 de Fevereiro a temática era idêntica -"Doze fazem concessões mas candidatos pe-dem mais". Na edição de 3 de Março de1994, com chamada destacada à primeirapágina ("As Novas Fronteiras da União") ajornalista Teresa de Sousa dava o mote, noseu "lead", para as duas peças da página2 e 3 (uma crónica jornalística sobre o de-correr das conversações, assinada por Isa-bel Arriaga e Cunha, e a sua peça de en-

quadramento). Dizia o "lead"do artigo porsi assinado - "A Europa nunca mais será amesma": “A Europa passará a ter frontei-ras com a Rússia e tornar-se-á vizinha da ex-Jugoslávia. Será mais "livre-cambista"e me-nos proteccionista, mais rica, mas tambémmuito mais desigual. O seu centro de gravi-dade será mais a norte e mais ao centro e osseus velhos equilíbrios mudarão. Sem saberexactamente para onde vai, a União Euro-peia nunca mais será a mesma”.O artigoé todo ele centrado na análise macropolítica,na nova conjuntura geoestratégica, com con-texto retrospectivo e prospectiva. A jorna-lista interrompe depois a sua reflexão so-bre o futuro da nova Europa, para, aparente-mente, colocar uma questão relevante, objec-tiva: “Como harmonizar o Norte com o Sul,os mais ricos com os mais pobres, os grandescom os pequenos?”. Uma questão que é, nofundo, todo um programa, e que bem pode-ria ser o princípio de um interminável dossiernas páginas doPúblico. O tom geral prosse-guia depois para concluir, em boa redução daanálise ao simplismo macropolítico e euro-pessimista, que“a distância que separa, emtermos económicos, Portugal da Suécia au-mentará a distância que nos separa das tãoalmejadas médias comunitárias”.

Macropolítica, europessimismo, longaspanorâmicas, ’travellings’ e ’planos gerais’(para utilizar termos da "ficção"mediática-europeísta), são a prática corrente da matérianoticiosa sobre a construção europeia. Etambém as "brancas", isto é, o esquecimento,o que não chega a ser noticiado, a faltade acompanhamento constante das temáti-cas relativas à construção europeia nos seusaspectos mais imediatos - o conhecimento eaplicação prática de programas comuns.

Numa altura em que a irrupção do acon-

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tecimento, na sua modalidade fragmentária,reaparece para dar sentido à história (e às’estórias’ do quotidiano mediático), é cer-tamente contraproducente insistir prioritaria-mente, no plano "regional", nas estratégiase nas perspectivas globalizantes, descurandoas microanálises, os singularismos, o saber-saber, o conhecimento, os acontecimentospertinentes num sistema integrado ao nívellocal, isto é, em cada Estado-membro, e de-signadamente nos sectores onde se torna evi-dente o atraso em relação às potências maisdesenvolvidas da União Europeia.

Para sermos mais claros, nestas duas peçasacima citadas, a única referência a Portugal,para além da citada, sublinhava que nenhumdos cenários orçamentais descritos,“modifi-cará o montante que Portugal deverá rece-ber até 1999 por via dos fundos estruturaise de coesão”.Ora, obter fundos a qualquerpreço, não é, definitivamente, boa estratégia.E, de facto, pela imprensa portuguesa, pareceque é essa, realmente, a estratégia do nossosistema político-mediático.

Referência ainda para um dossier (obri-gatório) sobre o tema do alargamento - "AComunidade mais ampla e a União maislonge", da correspondente em Bruxelas, Isa-bel Arriaga e Cunha, no dia 26 de Fevereiro(pp. 32 e 33), que neste caso em particu-lar - o da macropolítica comunitária - é dadoo enquadramento global da questão. Masmesmo em artigos sobre matérias específicas- a reforma do sector vinícola comunitário,por exemplo (cf. "Maus vinhos na UE", as-sinado pelo jornalista Manuel Carvalho,Pú-blico, 7 de Março de 1994) - a tendência épara expôr a informação do ponto de vistado destinador - a Comissão e o ParlamentoEuropeu -, sem serem ouvidas as organi-zações representativas dos produtores nacio-

nais, sem serem analisados os impactos destamudança no contexto nacional, etc. A Co-missão e a UE, os procedimentos internos,estratégia global, etc., aparecem assim, emgeral, como as categorias que mais espaçoocupam nesta matéria, sendo descurados osaspectos que dizem mais directamente res-peito ao cidadão em geral - os aspectos práti-cos - designadamente a informação porme-norizada sobre programas e sua gestão apli-cada ao caso português.

2.3 MicroanáliseNa sequência do que acaba de ser dito, estecampo - o das microanálises - é uma das pos-sibilidades realmente alternativas em relaçãoà análise macropolítica. Um bom exem-plo são as peças "monográficas"da jornalistaLurdes Ferreira publicadas no suplemento"Economia"doPúblico de 7 de Março "UEfinancia projectos de luta contra a pobreza- O Custo da Sobrevivência"e "Apoios co-munitários em dúvida na Covilhã - A Eu-ropa Tão Longe das Aldeias de Montanha".Trata-se de reportagens realizadas em comu-nidades do interior do país, na região da Co-vilhã, apoiadas pelo programa Pobreza III. Ajornalista aprofunda a forma como foram de-tectadas mudanças positivas nessas comuni-dades após terem chegado as primeiras ver-bas e terem sido lançados os projectos nasaldeias de montanha.

2.4 Programas e MiragensPode dizer-se que não foi feliz o trabalho dojornal Público sobre a aprovação do Qua-dro Comunitário de Apoio (QCA) a Portu-gal, o primeiro a ser assinado na UE. Umachamada discreta à primeira página, de dia 1

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de Março de 1994, noticia "3500 milhões decontos até 1999". Na página 34 é desenvol-vida a notícia, por Lurdes Ferreira, como sese tratasse de uma notícia de agência. Ficá-mos a saber que vamos receber muitos mi-lhões da UE até 1999, mas pouco mais sedisse.

Antes (19/2/94, pág. 7), soube-se em notí-cia de pé de página que o ministro "Valentede Oliveira apresentou em Coimbra o QCApara a região Centro", com "prioridade àsgrandes obras- auto-estradas e hospitais. Omesmo ministro era criticado, a propósito domesmo tema, na mesma página, pelos autar-cas socialistas do Norte, em "Manifesto con-tra o centralismo". A 18/2/94 o jornal noti-ciava: "Governo apresenta aos autarcas novoQCA"(1/4 de página) e a 17 de Fevereiro eraa apresentação no Nordeste, com as críticasdos socialistas ao QCA, "secretista e buro-crático".

Sobre o QCA ficou uma quase totalignorância. Como caso pontual, o trabalhojornalístico doPúblico sobre o Quadro Co-munitário de Apoio, representa, no fundo,em ponto pequeno, a estratégia da imprensaportuguesa, em geral, face à integração eu-ropeia e à complexidade dos seus problemas.Veja-se que numa "local", com cerca de 2 milcaracteres ("Alentejo abre novo QCA"), esteprograma operacional para Portugal era refe-rido peloPúblico (10 de Fevereiro de 1994),citando-se o ministro Valento de Oliveira,como um programa de“ambiciosos objec-tivos, que vão desde a valorização da pro-dução de qualidade, à dotação da regiãode infraestruturas e equipamentos de acordocom a rede regional e à preservação de pa-trimónio, passando pela melhoria das aces-sibilidades regionais e a garantia da quali-dade do ambiente”. Ora a questão é que

perante um programa deste âmbito, só umaeditoria exclusiva sobre os problemas da Eu-ropa, os seus programas, a análise, a sua im-plementação e o seu acompanhamento, pode,de facto, seguir, como é necessário e impe-rioso, esses mesmos programas.

Miragem é ainda, de certo modo, areferência ao lançamento do PEDIP 2,aquando da sua assinatura em Lisboa (Pú-blico, 21 de Abril), com uma descrição dosmontantes globais envolvidos, grandes áreasde actuação, mas sem qualquer trabalho jor-nalístico de pormenor sobre o mesmo pro-grama. A informação portuguesa, de ummodo geral, limitou-se a ouvir o ministro daIndústria e a secretária de estado do Desen-volvimento Regional na conferência de im-prensa de apresentação do programa - e nadamais. Convém aqui ressalvar, no caso doPú-blico, a publicação de um artigo de opinião(21/4/94), de um industria têxtil, Pereira deSousa, que formulava uma crítica aos auto-res do PEDIP 2:“Ao contrário do que pen-sam os autores do Programa (...) o pro-blema central da gestão das empresas nãoé a falta de estratégia, mas a falta de ges-tão do quotidiano. (...) As medidas a tomarpara obviar a esta situação passam eviden-temente por uma correcção profunda e ur-gente do comportamento empresarial, por-ventura através de formação específica apo-iada num sistema de incentivos a atribuiràs empresas cujos proprietários ou gestores,por exemplo, frequentassem com aproveit-amento acções sérias de formação na áreada gestão dos recursos humanos”.

Em excelente exemplo de como devemser acompanhados os diferentes programase projectos comunitários é a entrevista mo-nográfica de Carlos Pessoa a Michael Curtis(27 de Março), quadro do Serviço Político

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de Consumidores da UE, organismo comu-nitário responsável pela concepção e apli-cação das políticas de protecção e segurançados consumidores. Mas aqui é um pouco aexcepção a fazer a regra.

2.5 BairrismosOutro aspecto que permite uma reflexão de-riva dos regionalismos e por vezes mesmo"bairrismos"no tratamento da matéria no-ticiosa. Trata-se aqui de identificar pro-blemáticas e dar "dignidade mediática"(porvezes com manchete de primeira página), aassuntos que podem merecer adesão rápidapor parte do destinatário.

Veja-se o exemplo das negociações paraa entrada na UE da Noruega. OPúblicode 8 de Março de 1994 destaca para man-chete da capa o título "Lisboa concretizaexigências a Oslo- e em lead:“(...) Lis-boa exige pescar sete mil toneladas de ba-calhau e cantarilho nas águas da Noruegaa par de uma percentagem da quota glo-bal de onze mil toneladas a dividir pe-los quatro países mais pobres dos Doze(...)”. Se se disser que o bacalhau é talvezo "prato"preferido dos portugueses, e que o"bacalhau da Noruega"tem fama de norte asul do país, explicar-se-á alguma coisa. Masnão haverá aqui um exagero informativo emesmo político (negocial), quando se sabeque o bacalhau está ameaçado enquanto es-pécie e que a frota portuguesa está reduzidaa 16 barcos ? Neste aspecto afigura-se per-tinente o "Comentário"de Daniel Deusdado(pág. 34). Com efeito, nesta matéria, comonoutras, "construir a Europa"só poderá si-gnificar "preservar os recursos", defender aterra e o homem, optar por soluções minima-listas para a conservação das espécies. Neste

caso concreto, a exploração desta temáticapelo jornal não terá atendido tanto aos aspec-tos da preservação dos ecosistemas como aosaspectos da preservação de interesses e deinfluências nacionais-regionais. O mesmose verifica na continuação desta "novela dobacalhau", designadamente nos dias 9 e 10de Março, onde oPúblico trata sobretudo asexigência ibéricas em relação à entrada daNoruega e os restante pontos em negociação.

2.6 MulherUm estudo sociológico recentemente divul-gado em Portugal, concluía que o acesso dasmulheres à televisão era praticamente con-dicionado a declarações do foro específico’feminista’, raramento havendo declarações,designadamente nos blocos de informaçãotelevisiva, noutros sentidos, ou enquanto lí-deres de opinião, por exemplo. O mesmose passa na imprensa. O "lobby"europeudas mulheres reuniu em Lisboa para discu-tir a política social da UE, e a jornalistaBárbara Reis fez o enquadramento das pro-blemáticas em discussão - "Gravidez = de-semprego", 25 de Fevereiro de 1994, pág.21, centrando o seu texto sobre a questãoda "igualdade de direitos"e da "igualdadede oportunidades", e concluindo que apesardo "lobby"das mulheres europeias“poucomudou a filosofia da Bruxelas masculina”.Uma peça jornalística que confirma o estudosociológico acima referido: os media nãoconseguem integrar a experiência social ea singularidade. Os lobbys aí estão ademonstrá-lo, reivindicando os seus "oá-sis"nas páginas dos jornais. Refira-se ainda,de forma complementar, o estudo apresen-tado em Toledo, em Abril de 1994, por Mar-garet Gallagher (IV Conferência Mundial so-

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bre Mulheres), segundo o qual só uma decada 20 horas emitidas pelas rádios e pe-los canais de televisão europeus trata temasque dizem directamente respeito às mulhe-res. É evidente que o panorama dos me-dia portugueses não é substancialmente di-ferente. Mas sobre este tema veja-se aindao texto publicado peloPúblico no Dia In-ternacional da Mulher (8 de Março), subor-dinado ao título "Comissão Europeia contrainterdição de trabalho nocturno feminino".

2.7 HierarquiasObviamente, a Comissão Europeia não ne-cessita de lobbys para chegar às páginas dosjornais. Os correspondentes em Bruxelasatendem sobretudo às suas decisões ("Co-missão quer dar voto a emigrantes da CE",texto de I. A. C., 24 de Fev. pág. 28) havendoportanto uma presença regular do poder e dassuperestruturas comunitárias nos media. Emoposição, os actores sociais, a experiênciasocial, têm um acesso restrito, ao ponto deparecer não haver, de forma explícita, des-tinatários na política europeia. Nesta linhaveja-se ainda a especulação sobre a sucessãodo Comissário português João de Deus Pin-heiro - "Europeias provocam remodelação",págs 2 a 6, edição de 7 de Fevereiro doPúblico - e sobre os salários dos deputadosportugueses ao Parlamento europeu, um as-sunto que de tempos em tempos mobiliza aimprensa portuguesa, como se de uma mira-gem do El Dorado se tratasse.

As referência "basistas"emergem aquandode iniciativas, ou dos lobbys, como vimos,ou da sociedade civil, ou ainda dos partidosda oposição ("PCP encerra jornadas parla-mentares com planos de luta contra a pro-breza", 23/2/94). Ou através de referências

esparsas às associações de cidadãos, comoo texto de Carlos Pessoa "Como distinguiros verdadeiros dos falsos alimentos biológi-cos - Situação sem controlo na Europa comu-nitária", 20/2/94, pág. 33, um artigo baseadonum estudo de associações de consumidoresna Alemanha.

Outro exemplo que deriva do privilégioconcedido pelos media às hierarquias políti-cas e ao sistema partidário (denegando a so-ciedade civil e os sujeitos singulares), surge,bastante claro, na notícia de 10 de Março, so-bre a luta política entre os socialistas portu-gueses na escolha do seu representante parao Comité das Regiões - "Duelos em Bru-xelas"(como um título de filme): "FernandoGomes e Jorge Sampaio travaram ontem emBruxelas um duelo muito especial: tratava-se de saber quial dos dois iria representar osautarcas socialistas portugueses na direcçãodo Comité das Regiões. Sampaio ganhou por6 a 3".

O fenómeno da preferência pelo desem-penho político-mediático das hierarquias co-munitárias é, no fundo, o mesmo problemada análise macropolítica, embora aqui como particularismo "personalizado", ou pes-soalizado. É, no fundo, o mesmo problemada predominância da informação sobre o sis-tema político-partidário sobre todas as ou-tras, no plano nacional.

2.8 Actualidade trágicaÉ compreensível portanto que uma decisãocomo a do quase "ultimatum"da UE aos sér-vios, a pretexto do cerco de Sarajevo, mereçaduas páginas doPúblico no dia 8 de Fever-eiro de 1994. A questão torna-se mais com-plexa quando o próprio desenvolvimento in-terno das regiões periféricas parece estar hi-

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potecado, nos media, à actualidade trágicainternacional. Torna-se obrigatório um tra-tamento igualmente aprofundado e regular,constante, sobre as situações de abandono eexclusão social, designadamente das regiõesperiféricas como as da Europa do Sul.

2.9 Fait-diversMuitas vezes a matéria noticiosa é tratadacomo se de "fait-divers"se tratasse. Outalvez mesmo como "actualidade trágica",como Gérard Leblanc a definiu, emboraneste caso, com aspecto mais caricatos, porvezes com laivos de sensacionalismo (comosucedeu na informação televisiva, por exem-plo). Veja-se a notícia "Pescadores fran-ceses em fúria assaltam mercado de Run-gis"(Público, 4 de Fevereiro de 1994). Nesteartigo, algumas linhas explicavam que asacções de protesto tinham a ver com o factode estar a ser feita "importação de peixe apreços mais baixos do que a tabela francesa,de países exteriores à União Europeia". Masapenas isto. Todo o artigo era uma des-crição das acções de violência e destruição,não passando de um "fait-divers", isto é, nãotendo havido um trabalho de enquadramentodo problema no contexto europeu.

2.10 OpiniãoSão importantes, mas raros, os artigos deopinião sobre a Europa, noPúblico. Cite-se o essencial dos artigos encontrados relati-vamente ao período em análise. Em "UmaNova Estratégia para Portugal", João Fer-reira do Amaral, professor do Instituto Supe-rior de Economia e Gestão (suplemento Eco-nomia, 21/2/93) considera que Portugal nãoestá preparado para a feroz concorrência que

virá com a liberalização do comércio mun-dial e propõe uma nova estratégia que nãopassa pela convergência nominal para queapontava o Tratado de Maastricht. Em vezde uma aproximação rápida à inflação mé-dia europeia, poder-se-á conseguir um maiorcrescimento do investimento e da produçãode bens transaccionáveis e assim enfrentarcom êxito, no século XXI, os desafios da ad-opção da moeda única.

Outro exemplo é o artigo do ministro daIndústria, Mira Amaral, publicado dia 11 deMarço, ocupando a totalidade de duas pági-nas (38 e 39) - "Uma estratégia para o Valedo Ave- uma região tradicionalmente apo-stada na indústria têxtil e a viver um mo-mento de crise acentuada.

Ainda outras análises. É ainda um minis-tro - José Manuel Durão Barroso ministrodos Negócios Estrangeiros -, quem escrevea 10 de Abril de 1994, um artigo subordi-nado ao título "O actual debate institucionalna Europa: um primeiro balanço", no qual secongratulava, num tom euro-optimista, como facto de a posição portuguesa ter ficado de-fendida pelas últimas decisões tomadas nestecontexto: “Ao mesmo tempo que nos con-gratulamos com o facto de as nossas po-sições terem ficado consagradas nesta difícilestapa que acabamos de atravessar, e tam-bém por podermos abrir as portas da UniãoEuropeia a quatro países com os quais esta-mos há muito estreitamente ligados, é essen-cial que comecemos a preparar a nova fasedo debate institucional. (...) Estamos confi-antes em que se conseguirá consolidar umaEuropa mais coesa e mais unida”.

Finalmente, um outro artigo de opinião,de um conhecido historiador português, Fer-nando Rosas, este num tom europessimista -"As duas Europas"(23 de Março):“Dir-se-

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ia um cruel desmentido da mirífica versãociclística corrente, segundo a qual, com es-forço e empenho, acabaríamos por apanhar’a cabeça do pelotão’. O facto é que a ló-gica desta corrida nos distribuiu um triciclopara competir com as motos de grande cilin-drada”.

2.11 EditoriaEm conclusão, fazem falta editorias sobrea Europa nos media portugueses. Daí ra-ramente haver análises sobre o balanço deprojectos. Não há também apresentação de-talhada dos programas comunitários e doseu campo de intervenção social, educativa,económica, etc. A prevalência é a do sis-tema macropolítico de Bruxelas, das estraté-gias de bastidor, e a especificidade da inte-gração portuguesa fica menorizada no trata-mento jornalístico.

Visão global pessimista, reduzida infor-mação sobre a aplicabilidade de dossierse programas são assim os aspectos que nosparecem necessitar de uma correcção rápidae urgente, a qual pensamos que poderia serconseguida com a criação de uma editoriaespecífica nas páginas dos jornais em geral.

Curiosamente encontramos um exemploclaro de como oPúblicoprivilegia a crítica àintegração europeia neste período em análise(tanto pelos seus silêncios como pelos textosque publica). A 14 de Março o SuplementoEconomia consagra três páginas à "Ava-liação da adesão à Comunidade", titulando"A Europa Não Está Connosco". Neste ar-tigo, João Ramos de Almeida baseia-se numestudo publicado em Portugal para afirmar:“Cerca de oito anos de integração europeiatalvez seja pouco tempo para avaliar os seuscustos e benefícios. Aceita-se unanimemente

que a adesão foi um forte estímulo à mu-dança, uma fonte de transferências comu-nitárias e de confiança no país, atraindoo investimento estrangeiro. Mas o futuroainda preocupa. Numa recente publicaçãoeditada pelo ex-ministro das Finanças Joséda Silva Lopes, um conjunto de especialis-tas percorre os vários aspectos económicose deixa no ar sérios avisos que poderão fa-zer a Europa não estar connosco”.

Provavelmente a reacção dos jornais e dosmedia em geral às matérias comunitárias de-verão ser vistas também em função de umaopção de gestão estratégica da comunicaçãodifundida por Bruxelas. Provavelmente es-tará também aí um défice de informação.Mas esse é já um outro trabalho a fazer.

3 Quando o institucional ésubmetido ao factual

Como dizia Alain Touraine, a crise de legi-timação do sistema político tende a ser com-pensada pelo desempenho mediático1. Estaquestão, com a qual concordamos integral-mente, não nos pode, em todo o caso, im-pedir de considerar que a difusão da ideiade Europa é exterior ao regime de auto-legitimação política das instituições e doprotagonismo político-partidário, para a qualos media muito contribuem na actualidade.Quer isto dizer que a ideia de Europa, nãoé, do nosso ponto de vista, de modo algum,um qualquer produto de marketing político.Mas, apesar disso, não deve ter preconcei-tos em relação às sua regras. Está acima de-las. Como conceito, e como realidade queemerge a partir da experiência social euro-peia e da sua vida pública e política, e das ex-

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pectativas dos seus cidadãos e dos cidadãosdo mundo.

Passa pelas figuras da representação sim-bólica e mediática a compreensão dos meca-nismos através dos quais emerge uma con-cepção do mundo generalista e compósita.Daí ser imprescindível, hoje, identificar omodo como é historicamente produzido umsentido, uma ’consciência do tempo’ en-quanto representação.

A questão agora é a de saber que ’con-sciência’ se institui nessa ordem simbólica,designadamente na imagem que os diáriosportugueses (Diário de Notícias e Público)dão a ver da União Europeia e das suas ins-tituições.

O primeiro parâmetro que se destaca napesquisa genérica que fizemos a partir daanálise dos conteúdos nos primeiros mesesde 1995, configura um modelo de tipo "con-tratual"onde é produzida uma visibilidade daEuropa que, sendo uma narrativa de veri-dicção e de legitimação, é também, para-doxalmente, um processo ritualista de expo-sição do necessário, escondendo-se porven-tura o essencial.

Um discurso quase sempre de redundân-cias, raras vezes protocolar, é certo, mui-tas vezes inclusivamente crítico, europessi-mista, mas sempre um discurso distanciadode uma visão europeísta acima de qualquersuspeita, de um visão persuasiva da Europa.A ideia de Europa não parece ser, por isso,uma ideia cara, simpática, à comunicação so-cial em geral. Como se se tratasse de algomais do que de pessimismo. De uma re-sistência passiva, indolente e indolor. Umaresistência ao futuro, em suma.

Quando se coloca a questão de saber seas instituições europeias têm ou não prota-gonismo - e se sim, se têm - qual a valori-

zação ou o índice de favorabilidade que apre-sentam numa análise qualitativa de conteúdofeita aos principais meios da imprensa es-crita portugueses, a resposta seria simples:as instituições europeias têm pouco protago-nismo enquanto tal. O protagonismo que ad-quirem resulta de uma submissão perversa,prática comum nos meios de comunicação:dar ao acontecimento - e por vezes tambémao fait-divers - a prioridade em termos edito-riais, fazendo depender do factual o que é dodomínio do universal (ou do institucional, nocaso da União Europeia).

A relevância que adquirem, conseguem-na, portanto, não em função das suas atri-buições e competências directas e especí-ficas, mas enquanto subsistemas, secunda-rizadas relativamente ao sistema da notícia.São portanto subsidiárias de uma matéria no-ticiosa que não é considerada como um va-lor em si, mas como uma mercadoria mais,como notícia que em geral "vende"e cria au-diências, cria público consumidor de jornais.

Confirma-se assim de novo, para o casoportuguês, o que havia sido já uma con-clusão genérica do relatório de Infoeuropaproduzido no ano passado, designadamenteno texto assinado por Bernardo Díaz Nosty2. De facto, tal como então, continua a nãoexistir uma identificação supranacional, ho-mogeneizadora, estruturante da ideia euro-peia. Continuamos, no caso português, a de-pender muito do localismo e das estratégiasde interesses. Nessa medida, o principal au-sente é o texto de opinião. Sobre os discur-sos, as práticas, as estratégias e os conceitosque dão e darão corpo à Europa pouco se tra-balha. E sobre as instituições enquanto tal,quase nada.

Continua, por outro lado, a falar-se daEuropa em suplementos específicos - suple-

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mento de Economia, no caso do Público, esuplemento Negócios, no caso do Diário deNotícias, ou em editorias secundarizadas -por vezes o internacional, por vezes a cul-tura.

A vantagem de analisar um meio como aimprensa está no facto de se conseguir tra-balhar num registo com uma relativa entro-pia. Nada que se pareça com a obsolescên-cia dos meios audiovisuais. Nestes, estamosperante écrans do esquecimento, modalida-des enunciativas mais complexas, com ou-tras capacidades e competências de mode-lização do real. Na opinião de Paul Virilio3 , a televisão concorre para a degradaçãodo sistema político tradicional uma vez quea vertigem das imagens televisivas e a suahipertelia acaba por anular a capacidade deretorno da própria memória das coisas, outão só suscitar outras imagens do passado re-cente. Trata-se, no fundo de perder o recuoentre realidade e representação, e de apenasficar a verdade efémera da "telepresença".

No caso da imprensa estamos perante umregisto diferente. O confronto com o textodá-nos um outro tempo de reflexão. É esta àpartida uma das vantagens da imprensa sobrea complexa lógica televisiva.

De um modo geral, na imprensa portu-guesa, as referências às principais instânciasda UE surgem assim em função de notíciasque têm um enfoque específico, designada-mente em função do interesse - ou daquiloque é suposto ser o interesse - do tecido so-cial e político nacional. Nâo se visualizadesde logo matéria informativa genérica, deformação, digamos assim, de um conheci-mento e uma consiência europeia. Matériade fundo, inclusivamente filosófica, que for-necesse modelos de referência, éticos, políti-

cos, matéria exterior a lobbys e a grupos deinteresses.

Não há assim, de um modo geral, umavisão funcional, informativa, do que é a Eu-ropa, de como é que ela está organizada, decomo funcionam as suas instituições, etc.,nem tão pouco uma visão distanciada, cons-truída através de outro tipo de dados prove-nientes de áreas, pessoas, empresas, etc., queintegrassem competência e independência,e que dessa forma auto-legitimassem umaperspectiva rigorosa e independente face aosdesenvolvimentos do modelo actualmenteem construção.

Diga-se que em determinadas áreasespecíficas, auditorias feitas do exteriorem relação ao modo de funcionamento deprogramas (Programa Media, por exemplo),e após a análise dos relatórios finais porsectores e/ou entidades de competênciareconhecida, concluiu-se que não estavama ser dadas cabalmente essas garantias nemtão pouco se estava a fazer a divulgaçãonecessária desses mesmo relatórios.

3.1 Actualidade-manifesta:visões (comprometidas) daEuropa

Vejamos agora alguns exemplos práticos doque acabamos de dizer. "Alargamento daUE preocupa Valente". Num título comoeste (Diário de Notícias, 10 de Março de1995), o ministro português do Planeamentoe Administração do Território, Valente deOliveira, confessava-se“preocupado com oprevisível alargamento da UE, que não de-morará muito a reunir 20 ou 25 países (...)” . Nesta notícia, como acontece em geral,não se trata de fazer uma análise da "actua-

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lidade latente", uma análise aprofundada deum sistema ou tão somente de um dossier,mas antes de ver a "actualidade-sintoma", asmanifestações de superfície, neste caso o in-teresse particular de um membro do governodo primeiro-ministro Cavaco Silva, um inter-esse local face a um interese colectivo. Ea imprensa local, obviamente, é demasiadovolúvel à repetição interminável deste gé-nero de notícias. É um primeiro aspecto quedeve ser matéria de preocupação.

Passando de uma visão governamental (lo-cal), para uma visão da oposição socialista,dada através de um técnico qualificado - Vi-tor Constâncio - ex-ministro da Economia eex-líder do Partido Socialista, lemos, numacurta notícia do Diário de Notícias de 18de Março de 1995 (suplemento Negócios):"UEM está bem viva e o SME moribundo".Constâncio defendia, designadamente, e deum ponto de vista crítico, que"a Europa jéestá a andar a duas velocidades"devido aofacto de"ninguém ter defendido a peseta"na crise cambial de Março de 1995, que le-vou ao realinhamento da moeda espanhola.O leitor vulgar acreditará no depoimento deum técnico creditado, mas, mais uma vez,trata-se de um depoimento que não podeser desligada de uma estratégia de interes-ses, políticos, económicos, partidários, elei-torais, nacionais inclusivamente. Trata-se,no fundo, de um modelo regular: o criti-cismo como adjuvante para tirar dividendoseleitorais locais. Isto é, estamos muito longeda cidadania europeia. Este é um segundoaspecto para o desenvolvimento do qual a co-municação social, em geral, pouco contribui.

Sobre a crise monetária de Março, queconduziu à desvalorização do escudo e dapeseta, o jornal Público, de 9 de Março, atra-vés da sua correspondente em Bruxelas, Isa-

bel Arriaga e Cunha, dizia que o Comissárioresponsável pela UEM "nada tinha a acre-scentar"à declaração da Comissão emitidadia 6. Era referida de novo o facto de se tra-tar de "uma prova do bom funcionamento"doSistema Monetário Europeu. Apesar disso ajornalista fazia uma crítica subreptícia à Co-missão devido ao facto de esta actualmentenão se fazer representar no G7. O texto dacrónica não deixava apesar de tudo margempara dúvidas: "Comissão tranquila".

Daí, em conclusão, ser necessário incenti-var as instâncias específicas da União Euro-peia e também os media, obviamente, paracada vez mais, no campo da difusão da in-formação e dos valores, e da análise técnica,qualificada, do sistema europeu, e da acçãopolítica e administrativa, procurarem cadavez mais, irem ao encontro dos sectores dasociedade civil, do cidadão vulgar, onde asperspectivas de análise podem encontrar ummaior grau de autonomização face às estraté-gias de interesses, de "lobbys", etc. As asso-ciações de cidadãos podem dar um excelentecontributo à criação daquilo a que podere-mos chamar foruns civis, mas sobretudo jul-gamos ser necessário criar ao nível das uni-versidades uma espécie de centros interdisci-plinares internacionais (que integrem técni-cos também do exterior da UE) de estudo eanálise das ideias europeias, da prática insti-tucional, que estejam acima de qualquer sus-peita, que desenvolvam relatórios específicose relatórios periódicos sectoriais fundamen-talmente direccionados às estruturas da UE esimultâneamente à opinião pública europeiae mundial.

Daí também que iniciativas promovidaspor sectores da sociedade civil como asConferências internacionais promovidas pormeios de comunicação social (veja-se a Con-

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ferência do Semanário Económico, ou ado jornal Expresso), possam dar um ex-celente contributo para uma perspectiva au-tonomizada do campo de dominação comu-nitário. As personalidades escolhidas muitasvezes não correspondem ao desejado (videcomunicação de James Baker na primeiradas conferências - uma perspectiva exclusi-vista do mercado), mas sempre aparecem de-poimentos que devem fazer reflectir (cf. Ro-bert Hormats, vice-presidente da GoldmanSachs, que apontava para a necessidade deser repensado o modo de exercício do poderem virtude de“a crise de liderança políticaameaçar já a construção de uma nova arqui-tectura europeia”.

3.2 Actualidade-latente: visõesdescomprometidas?

Continua a ser em espaços específicos, desi-gnadamente no suplemento de Economia dojornal Público, que aparecem os textos repre-sentativos de um outro modo de fazer jorna-lismo, mais propriamente um jornalismo deinvestigação sobre casos concretos - gerais eparticulares - da gestão comunitária, que seapresenta de uma forma que poderemos con-siderar próxima do que seria ideal, se fossematéria publicada com maior regularidade eainda noutras editorias deste diário de Lis-boa. Sob o título "Viver com a Periferia"(13de Março de 1995), a jornalista Lurdes Fer-reira volta a produzir um excelente texto deanálise e investigação sobre a lenta recupe-ração das regiões mais atrasadas da Europa,texto aliás baseado no último relatório sobrea avaliação das disparidades, da ComissãoEuropeia. O texto é de uma forma geral res-peitador do documento produzido pela Co-missão, e dá-lhe mesmo um tom "institu-

cional", o que acaba por resultar numa óp-tima divulgação do estudo desenvolvido pelaUE. A interpretação analítica deste dossierde Lurdes Ferreira aponta para uma reali-dade que não dever ser descurada pela UniãoEuropeia: se a Europa quer ter boa produçãojornalística sobre a realidade europeia, devepromovê-la na raíz, isto é, não pode alienartodo o saber da instituição e muito menos osprocessos específicos da sua divulgação pe-los media. Este é um exemplo claro de que,quando tal é feito - desde a concepção à di-fusão do estudo - o resultado não deixará dese ver.

3.3 ParadoxosCuriosamente, parece ser na área em que aUnião Europeia mantém escritórios de pro-moção das suas actividades - caso dos Me-dia Desk, afectos ao Programa Media, porexemplo, ou os gabinetes da Europa (nas uni-versidades e instituições pública e privadas)que as coisas não correm tão bem como se-ria desejável. A complexa dinâmica do pro-grama Media não encontra por vezes, devidoquer à especialização dos temas, quer à so-breposição de circuitos e de interesses - porvezes nomeando-se gestores que são directaou indirectamente parte interessada nos fi-nanciamentos envolvidos nos programas -,o acolhimento ideal nos meios de comuni-cação. Depois, também, porque os própriosmeios não se adaptaram ainda à integraçãode matérias que configuram umaideia deEuropa.

Outras vezes, haverá certamente deficiên-cias nos serviços dos próprios gabinetes. Ou-tras vezes ainda, matérias que deveriam sertratadas por gabinetes com as característicasdos desks, são tratadas pelo "geral". É o caso

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das quotas europeias, ainda no plano do au-diovisual. De um ponto de vista estratégiconão é possível abordar este género de temas,apenas quando a Comissão os discute (e mal)entre si. Em Portugal há como que uma ne-cessidade de "alfabetizar"o público sobre osassuntos europeus, e este é um dos casos emque isso não é feito. Quer no que concerneao programa Media, quer no que concerne àsestratégias possíveis para a política audiovi-sual europeia.

Assim, é legítimo perguntar qual o in-teresse em pôr o problema das quotasde programação europeia entre "estratégiasliberais"(Alemanha, Reino Unido, Dina-marca, Holanda) e "estratégias proteccio-nistas"(França, Portugal, Bélgica), como ofez Isabel Arriaga e Cunha no seu textodo Público - "Comissão chega a consensocom os Quinze divididos"(23 de Março de1995), quando do que se trata é efectiva-mente de outra questão completamente di-ferente, e que passa por um eufemismo daprópria prática comunitária: a verdade é quenão existe absolutamente interesse nenhumem estabelecer quotas de programação "obri-gatoriamente europeia"se essas quotas inci-direm, como sempre tem acontecido, sobre"programas de estúdio"que, como se sabe,incluem talk-shows, reality shows, soap-operas, sit-com’s, e tutti quanti, de quali-dade muito duvidosa, etc., etc., isto é, sobre a"trash TV"... Será que a Comissão Europeiadefende para os diferentes serviços públi-cos europeus uma programação tablóide emvez da ficção de qualidade norte-americana?Será que a Comissão Europeia pensa emcombater a boa ficção americana com as másproduções europeias e/ou os sub-géneros te-levisivos? São questões que os profissio-nais do sector e os media devem conseguir

levar a Bruxelas, sob pena de se hipotecardesde já a resposta aos sistemas audiovisuale multimedia norte-americano. Questões quea jornalista do Público abordou de formasintética no seu texto, mas que são clara-mente questões a tratar de forma especia-lizada e com o destaque necessário nas pági-nas dos jornais, dado tratar-se de um âmbitodefinido pela própria União Europeia como"estratégico".

Honra seja feita ainda ao Público numaoutra área estratégia para a Europa - as tele-comunicações. Com efeito, nesta área com-plementar e de convergência com o audiovi-sual, o jornal de Lisboa tem vindo a publi-car com regularidade um conjunto de textos,pela sua jornalista Maria Augusta Gonçal-ves, que permitem um amplo acompanha-mento dos problemas do sector. Veja-se porexemplo, os textos "Três anos para agarraro futuro"e "O Mercado Europeu e os Ou-tros"(Suplemento Economia, de 20 de Marçode 1995), onde se concluía, após longa aná-lise descritiva, que“a Europa tem três anospara anular o fosso que a separa dos Esta-dos Unidos e do Japão no que diz respeito aodesenvolvimento da aplicações multimedia edas auto-estradas da informação”.

Ainda na área das comunicações, é de re-ferir que uma das iniciativas da UE levadasa cabo em 1995 - a abertura de um serviçode informação na rede Internet -, não foisuficientemente divulgada pelos media por-tugueses, tendo passada quase despercebidapela comunicação social em Portugal. Oserviço, designado genericamente "Europa",criado por ocasião da reunião do G7 em finsde Fevereiro de 1995, em Bruxelas, contéminformação sobre diversos aspectos da estru-tura comunitária, sobre a União Europeiaem geral, defesa do consumidor, aspectos

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práticos da vida nos países da comunidade,etc. Trata-se, sem dúvida, de uma excelenteopção da UE, mas também aqui de visualizaum paradoxo: como chegar à informaçãoquando ela não é dada a ver/conhecer?

Ainda assim, o Público, mais vez, atra-vés do jornalista Carlos Pessoa, não deixavapassar em claro esta iniciativa da comissáriaEmma Bonino. No seu texto "Consumido-res na Internet"(19 de Março de 1995), o jor-nal destacava a imagem de computador como "European consumer guide to the singlemarket", como sendo a resposta menos dis-pendiosa da comissária para veicular infor-mação, na Europa (e para o mundo) sobre asquestões de consumo.

3.4 Necessidade de editoriassobre a Europa

Daí voltarmos a referirmo-nos à inevitabili-dade das editorias sobre a Europa nos órgãode comunicação social em geral. Como com-preender que as páginas dos jornais se en-cham de notícias e suplementos sobre suces-sos e tragédias do futebol europeu, ou queas curiosidades e o fait-divers ocupem umespaço nobre nas páginas e capas dos jor-nais, por vezes com editoria própria, e aEuropa, que é, para a maior parte de nós,europeus, uma opção estratégica para o sé-culo XXI, seja relegada para a esfera daactualidade-sintoma, para um espaço secun-darizado das notícias cada vez mais transfor-madas em mercadorias?

Parece-nos uma inevitabilidade que aestratégia de comunicação da União Euro-peia se refortaleça, tanto pelo campo daimagem , como no campo da imprensa es-crita. Particularmente neste último caso faz-se sentir a falta de uma ligação mais efectiva

das instituições europeias e das suas práticasao campo jornalístico, através das modalida-des normais de facultação de matéria infor-mativa geral, sobre a própria Europa, e dematéria específica, não descurando a neces-sidade de recriar a esfera pública sobretudono campo da opinião e da motivação para aideia da grande casa europeia. Nessa me-dida, a comunicação social, e em particulara imprensa, é de facto um factor crucial paraa tomada de consciência das novas realida-des que se anunciam neste velho continente.

Aliás, a opção tomada em Janeiro de 1995de lançar um novo serviço de televisão porsatélite da Uniâo Europeia parece-nos vir aoencontro das expectativas do campo dos me-dia e dos cidadãos em geral. É um avançoclaro. Mas deve ser complementar de umbom serviço de comunicação escrita e docu-mental.

Fazem por isso ainda algum sentido as pa-lavras de Francisco Lucas Pires, deputadoportuguês ao Parlamento Europeu, expres-sas há algum tempo já:“(...) Se a inte-gração europeia tem avançado no plano ma-terial e no plano moral, está ainda muito re-traída e longe desse horizonte no plano dodiscurso político e do diálogo multinacio-nal sobre si prórpia. Para a comunicaçãojornalística, amplamente centrada sobre asquestões nacionais em geral, a Comunidadeé ainda mais notícia que mensagem e as ins-tituições e as decisões comunitárias só sãoobjecto de informação quando e na medidaem que incidem sobre a vida concreta de umEstado ou sociedade determinada”4. Estecontinua a ser de facto, ainda hoje, um dosproblemas centrais numa gestão integrada decomunicação por parte das instâncias comu-nitárias. A solução para este estado atra-sado do desenvolvimento da ideia de Eu-

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ropa nos media europeus só poderá ser ul-trapassada, não apenas como pensava LucasPires, “com a imprensa europeia a falar amesma linguagem, isto é, a ver a construçãoeuropeia a partir de dentro e não a partirde fora, como um todo e não como um meroconjunto de partes”5 , mas sobretudo atra-vés de uma reorganização de toda a estraté-gia de comunicação da União Europeia, fa-zendo prevalecer o conceito e as suas ap-licações, encontrando canais e mecanismosmais funcionais para levar a informação docentro à periferia - de Bruxelas às redacçõesdos jornais europeus - coisa que ao fim e aocabo, já os romanos, há dois mil anos atrás,com outros objectivos, é certo, sabiam fa-zer quando estavam presentes na PenínsulaIbérica e em todo o Mediterrâneo - e nãodispunham das modernas tecnologias de co-municação... Como conclui Lucas Pires, notexto citado,“(...) se a Europa sem fron-teiras, mesmo sem política de comunicação,constituirá sempre o nosso caminho naturalpara a "aldeia global"e o apogeu da nossa"sociedade de comunicação", seria bom quedispusesse de meios e capacidades para co-meçar por se representar a si própria”. Estaé sem dúvida a grande questão, e continua,do nosso ponto de vista, e deste canto do su-doeste europeu, a ter, ainda hoje, enorme ac-tualidade.

Em conclusão, importa revitalizar o dis-curso dos media sobre a Europa por forma aaprofundar essa visão simbólica identitária -que se deseja ser a visibilidade do real euro-peu. Dar a ver, portanto, o essencial do queestrutura e enforma a grande Europa, acimadas suas diferenças, não esquecendo, obvia-mente, as suas singularidades.

Importa captar o que está realmente aacontecer, a verdadeira experiência social,

cultural e política europeia. Importa retomaro campo participativo - encontrar alternati-vas ao modelo representativo e aclamativoem crise de legitimação, captar esse "mundoda vida"que todos ambicionamos venha a sero exemplo dado pela Europa aos novos mun-dos que virão para lá deste século. Tal comodantes, a Europa tem para dar novos mundosao mundo. Acreditemos na virtude civil6.Acreditemos que nem tudo está perdido.

4 A propósito da CIG de Turim -que estratégia de comunicaçãopara a União Europeia ?∗ ∗

Alguns dos pontos fundamentais expressosnos relatórios por nós elaborados de 1994e 19957, referentes ao caso português, fo-ram entretanto parcialmente superados, tantopeloDiário de Notíciascomo peloPúblico,ainda que de forma não totalmente satis-fatória. Refiro-me mais em particular àquestão da identificação de uma “editoria”dedicada à problemátca europeia, tanto noplano da opinião, como, sobretudo, no planoda informação operacional dirigida aos ac-tores económicos, sociais e culturais quepretendem enquadrar os seus projectos nasestruturas e acções de apoio da própria UniãoEuropeia.

Apraz-nos verificar, com natural satis-fação, que essa nossa proposta foi de al-guma maneira seguida na imprensa portu-guesa, não tanto em termos de editoria, massobretudo como secção ou sub-secção espe-cial dentro da “política” ou do “internacio-nal”. É o caso, exactamente, doDiário deNotíciase doPúblico, como vamos passar aver.

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4.1 O caso doDiário de NotíciasVejamos então em particular, nesta primeiraparte, o caso doDiário de Notícias, que efec-tivamente, e no que concerne em particularà Conferência Intergovernamental para a re-visão do Tratado de Maastricht (ConselhoEuropeu de Turim de 29 de Março de 1996),inicia a 25 de Março de 1996 uma série deartigos diários sobre aquele “exercício polé-mico e complexo que definirá os contornosda União Europeia na viragem do século”.

Esta secção - integrada na editoria Política- é identificada com o título “Europa emDebate” e tem chamada de primeira página- “Ideias para rever Maastricht”. Na pá-gina 10, dedicada em exclusivo ao tema, An-dré Gonçalves Pereira, professor catedráticoda Faculdade de Direito da Universidade deLisboa e representante português no Grupode Reflexão para a CIG, expunha, em entre-vista, a questão central do debate em curso:por um lado, a questão da revisão institucio-nal, por outro, a remodelação da Política Ex-terna e de Segurança Comum (PECS), mani-festando as suas reservas em relação a umaestratégia de “assimilação cultural”, e de-fendendo, por conseguinte, a “complexidadecomo preço a pagar para manter a diversi-dade.”

Em artigo na mesma página, Marina PintoBarbosa sintetizava o essencial do Grupo deReflexão para o Conselho de Turim: “apro-ximar a Europa dos Cidadãos (...) e testaro nível de vontade política comum existenteentre os Estados membros e o modo comoessa vontade se pode projectar na funciona-lidade institucional.”

A 26 de Março, na mesma secção, oDiário de Notíciasentrevistava Fausto Qua-dros, professor de Direito Comunitário nas

Faculdades de Direito das Universidades deLisboa e de Estrasburgo, que se manifestavatambém no sentido de que, ao contrário deMaastricht, o novo tratado se viesse a tornar“um factor de coesão e de solidariedade entreos Estados membros”, mantendo e actuali-zando a possibilidade de “minoria de blo-queio” e alargando “o uso da regra da maio-ria qualificada em detrimento da regra daunanimidade”, ficando esta para as questõesconsideradas “mais importantes”. Em textopublicado ao lado, Marina Pinto Barbosa sin-tetizava o essencial para a adaptação das ins-tituições a uma União alargada: “Objectivo:eficácia”.

É exactamente a questão da “maioria qua-lificada” que constitui o destaque do texto dajornalista Marina Pinto Barbosa no dia 27,onde se conclui que “a extensão da votaçãopor maioria qualificada no Conselho pareceser a solução para tornar mais eficaz o pro-cesso decisório da União Europeia”. Re-ferência, ainda, na mesma página, para umtexto subordinado ao título “PS admite re-ferendo sobre revisão do Tratado da UE”,que constituía uma previsão do debate par-lamentar em Portugal sobre a CIG de Tu-rim. A possibilidade de referendo haviasido de facto admitida pelos socialistas por-tugueses, desde que “se perspectivassem in-ovações substanciais”. A realização de umForum Europeu anual, no início de cadasessão legislativa, bem como “o lançamentode acções conjuntas de informação regulare sensibilização da opinião pública sobre aCIG” era outra das propostas dos socialistas.

Entretanto, o suplemento Negócios domesmo diário destacava na primeira páginaa abertura do Quadro Comunitário de Apoio(QCA) à sociedade civil, por decisão doministro Cravinho - “Cravinho promete re-

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uniões sistemáticas com o Parlamento e osparceiros sociais sobre as matérias mais rele-vantes dos programas financiados pela UE”.Destaque ainda, no mesmo suplemento, paraa criação de conselhos regionais para oacompanhamento e gestão do II QCA, epara uma notícia com o título “Portugal naUEM antes da Espanha”, onde o secretáriode Estado das Finanças e do Tesouro, Fer-nando Teixeira dos Santos, em entrevista àagência Reuter, referia: “Estamos melhorcolocados, e mesmo que a Espanha não entrena moeda única em 1999, penso que seria donosso interesse aderir”.

Véspera da CIG de Turim:o DN colocano “Tema de Abertura” (páginas 2, 3 e 4),a secção Europa em Debate, destacando ofacto dos dois partidos maioritários - PS ePSD (partido do governo e principal partidoda oposição) se juntarem para criticar o “an-tieuropeísmo” do Partido Popular e dos co-munistas.

Fernando de Sousa, num despacho de Tu-rim, destacava na página 3 que as diferen-tes posições dos diversos Estados membrosda UE para a CIG “deixam bem evidentesas divergências entre os Quinze quanto aofigurino futuro da Europa e as dificuldadespara conseguirem uma plataforma de enten-dimento no fim dos trabalhos”. Referênciaainda para um envio de Fernanda Gabriel,correspondente en Estrasburgo, sobre a po-sição do Parlamento Europeu face à sua nãoparticipação nos trabalhos da CIG. A certaaltura fala-se na questão dos resultados dosreferendos de França e Dinamarca e levanta-se o véu da questão - aliás, do nosso pontode vista, uma das questões estratégicas parao projecto Europeu -, que não tem tido o de-vido destaque, incluindo os múltiplos tópi-cos da CIG de Turim que também a não re-

ferem de forma directa. Trata-se, enfim, daquestão da informação, ou mais em concreto,a questão da consubstanciação do projectoeuropeu suportada por uma estratégia me-diática consequente, quer no plano da “infor-mação” publicitária, quer no plano da distri-buição e publicitação da informação de ca-racterísticas funcionais de forma a que essamesma informação chegue aos seus desti-natários.

O citado dossier do DN fechava, na página4, com dois trabalhos de Marina Pinto Bar-bosa sobre questões de defesa. Na mesmaedição, um outro texto importante: a jorna-lista Céu Neves escreve sobre o Fórum so-bre Política Social que entretanto decorriaem Bruxelas.

No próprio dia em que decorre a CIG,29 de Março, Marina Pinto Barbosa faz oponto da situação (p. 10) e titula: “Quinzequerem resolver questões prioritárias paraos cidadãos - A Europa mais perto” - e oDN aproveitava para entrevistar ainda DurãoBarroso, ex-ministro dos Negócios Estran-geiros e presidente da Comissão Parlamen-tar dos Negócios Estrangeiros, que aliás des-tacava como essencial o seguinte: “Que se-jam dados passos na construção de uma Eu-ropa mais próxima dos cidadãos, na melho-ria da eficácia de funcionamento das insti-tuições comunitárias e na promoção da visi-bilidade externa da União”. Mais uma vezaqui a questão da informação como opçãoestratégica, que não surge, por exemplo, nodocumento final8. Embora no texto de Ma-rina Pinto Barbosa - “A Europa mais perto”- se faça referência à questão da “transparên-cia”, associada à questão da informação - oque do nosso ponto de vista pode iludir, oudescaracterizar o ponto essencial -, mesmoapesar de se dizer no texto que “o acesso

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à informação sobre a União e seu funcio-namento é fundamental para conciliar os ci-dadãos com a Europa”. Questão que, aliás,teria sido incluída nos trabalhos do grupode reflexão, tendo sido proposto que o di-reito de acesso à informação fosse conce-dido no Tratado como um direito dos cida-dãos da união. A própria “publicidade” dasdecisões do Conselho deveria, segundo ou-tros, ser reenquadrada, bem como tornarmais simples o direito e a sua acessibilidade.Questões importantes, sem dúvida, mas quedo nosso ponto de vista iludem de facto aopção estratégica central face ao cidadão: in-formar, informar, informar.

Na página 11 do DN de 29 de Março, odespacho de Fernando de Sousa de Turim -“União Europeia declara guerra ao desem-prego”. E no sábado, 30 de Março, na secçãoEuropa em Debate, o DN titula: “O Empregoacima de tudo - Cimeira de Turim abre pos-sibilidade de cooperação reforçada só entrealguns países”. Fernando de Sousa volta aassinar a reportagem e logo na abertura es-creve: “Com um documento que, na prática,deixa tudo por definir, a UE abriu o ca-minho para o aprofundamento da integraçãopolítica e futuro alargamento, ao lançar, on-tem, em Turim, a Conferência que irá revero Tratado de Maastricht”. Ao lado, em co-mentário, o mesmo Fernando de Sousa es-creve: “O documento produzido nesta ci-meira (...) procurou não estabelecer qualquercompromisso ou limitação para o futuro dasnegociações”. E a terminar: “Se a CIG ti-ver resultados desapontadores, a UE entraránuma crise de identidade (...); se for bem su-cedida, abrir-se-á caminho para um desen-volvimento político importante, que serviráde resposta aos desafios do alargamento e damoeda única.”

Em despacho de Turim, Manuela Paixão,correpondente do DN, reconhece curiosa-mente que, no plano da informação, a Itá-lia está entre os membros “mais informados”(o que entra em contradição com o facto deser um dos Estados que mais subutiliza os fi-nanciamentos) e refere as palavras de SusanaAgnelli, ministra dos Estrangeiros, que “nãohesitou em pôr no banco dos réus os meiosde comunicação social que decretaram umagreve geral para o próprio dia da cimeira”...

Domingo, 31 de Março, o DN destacavana editoria Sociedade o final dos trabalhosdo Forum Europeu de Política Social - quese propõe “construir uma Europa para as pes-soas, baseada na defesa dos direitos cívicose sociais, com o apoio das organizações nãogovernamentais e parceiros sociais”.

Dir-se-ia finalmente que a matéria noti-ciosa imediatamente subsequente ao Con-selho de Turim não revelou nenhum efeitosignificativo no plano do debate público epolítico em relação às grandes questões emdiscussão. Veja-se por exemplo a pequenanotícia dedicada à primeira reunião da CIG,em Bruxelas, no pós-conferência de Turim(DN, 3 de Março, pág. 9). Referência apenaspara um texto de opinião de José MedeirosFerreira9 onde este ex-ministro dos Negó-cios Estrangeiros se refere à crise balcânicacomo sendo a evidência de que a UE devecriar quanto antes a sua “unidade de aná-lise, de previsão, de prevenção e de planifi-cação” que o relatório do Grupo de Reflexãojá propunha no âmbito da CIG/96 - e concluiJosé Medeiros Ferreira: “É pouco mas é ne-cessário. O pior será se a UE, para garantiralgumas medidas de defesa comum, perde ascondições da sua segurança geral”.

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4.2 O caso doPúblicoVoltando ao início do nosso período em aná-lise, vejamos agora o caso doPúblico. Pre-cisamente no início da semana em que iriadecorrer a cimeira de Turim, oPúblico, emexclusivo com oLibération, publica excertosdo texto de Jacques Chirac - “Para um mo-delo social europeu” (25 de Março de 1996),um texto que é todo um programa político noque concerne à presença na cena internacio-nal, à subsidariedade, desemprego, moedaúnica, equlíbrio institucional, etc. Na mesmaedição, ainda um texto de opinião, do colu-nista João Carlos Espada, disserta sobre as“razões europeístas”, criticando o projectofederalista para a União Europeia e conside-rando que “a bem da Europa devemos man-ter as soberanias nacionais e a aliança com aAmérica”.

A publicação de textos de opinião -prática que passará a ser seguida com re-gularidade peloPúblico posteriormente àcimeira de Turim -, exemplifica de al-guma maneira uma espécie de demissãodo jornalismo meramente informativo sobreas matérias práticas, aplicadas, do funcio-namento das próprias estruturas administra-tivas europeias, da informação dos gabinetesda Comissão, dos jornais oficiais, das acçõesde promoção, dos anúncios relativos a con-cursos, etc. A incapacidade da Comissão fa-zer chegar aos media toda essa matéria infor-mativa, deixando-os inundados de opinião éde facto, no nosso ponto de vista, uma daspechas da estratégia de comunicação da UE.

Continuemos, no entanto, a análise des-critiva dos artigos publicados por este diáriode Lisboa. Terça-feira, 26 de Março, oPú-blico, através de Isabel Arriaga e Cunha,correspondente em Bruxelas, destacava em

título uma questão essencialmente política,a propósito da cimeira de Turim e titulava,a abrir o Internacional: “PE excluído dareforma de Maastricht”, reconhecendo noentanto que apesar do PE ter sido “excluídodas negociações de revisão do Tratado deMaastricht”, os parlamentares europeus fica-vam em “’associação estreita’ aos trabalhosatravés de um extenso processo de consul-tas.”

Uma nova questão, agora de política in-terna, domina a manchete superior esquerdado Público de 27 de Março: “Europa hojeem debate na Assembleia - Portas escreve aJaime Gama”. Ao contrário do que anun-ciava a capa, a CIG de Turim é o grandedestaque no interior (“À procura do CIGni-ficado”), ficando o texto sobre a carta do de-putado Portas relativamente secundarizadonas quatro páginas do destaque. No textode abertura fala-se do “Documento de Lis-boa”, aprovado em Conselho de Ministros,que define a posição portuguesa para Tu-rim: princípio de rotatividade da presidên-cia; presença dos Estados-membros em to-das as instituições; em suma, defesa da le-gitimidade face à eficácia. São depois expo-stas as diferentes posições dos partidos comassento parlamentar e a jornalista Teresa deSousa, a fechar este primeiro bloco, assinaum comentário de título genérico: “Auto-exclusão”. A abrir, escreve: “Os trabalhosda reforma de Maastricht vão começar, nasexta-feira, em Turim, num clima de con-fusão e pessimismo que não faz prever umresultado compatível com os desafios que aUnião Europeia vai enfrentar nesta viragemdo século”. E mais à frente considera que oGoverno socialista se encontrava “assustadocom uma opinião pública que, pela primeiravez, começa a mostrar-se desconfiada e reti-

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cente quanto ao balanço da participação dePortugal na construção europeia”, para con-cluir: “Ao auto-excluir-se de qualquer prota-gonismo, Portugal está a auto-excluir-se deum círculo de influência que será determi-nante para o futuro da Europa e que pode-ria ser determinante para o seu próprio fu-turo. Ou então, a render-se ao cenário dadesagregação europeia, no qual só muito di-ficilmente poderá vislumbrar um futuro.” Odestaque desta edição de 27/3 fecha com aspropostas do Benelux para a CIG e com umaentrevista ao primeiro-ministro da Bélgica,Jean-Luc Dehaene, conduzida por Isabel Ar-riaga e Cunha. Para Dehaene, é o “prin-cípio da diferenciação” que deverá presidirao alargamento da UE. Uma leitura oposta àapresentada por Portugal.

Na mesma edição de 27/3, agora na ru-brica Economia, o Público reportava a visitade dois dias da Comissária Wulf-Mathies sobo signo do compromisso entre ambiente e de-senvolvimento.

É também na editoria Internacional quesurge matéria do âmbito da CIG na edição de28 de Março. Com o ante-título “Paris apre-senta memorando para a CIG contra o de-semprego”, Teresa de Sousa titula: “O ’mo-delo social europeu’ francês”, e ironiza cha-mando “socialista” a Chirac, pelo facto destedefender o emprego como prioridade euro-peia, com políticas intervencionistas.

Tal como no DN, a Conferência de Tu-rim era destaque no Público de 29 de Março.Uma pequena chamada à primeira página,no canto inferior esquerdo, titulava: “Euro-pessimismo na revisão de Maastricht”, como seguinte texto: “Os Quinze lançam hoje,em Turim, a Conferência Intergovernamen-tal que, durante um ano ou mais, vai nego-ciar a revisão de Maastricht. São baixas as

expectativas, apesar da dimensão dos desa-fios que a Europa tem de enfrentar nesta vi-ragem de século. E muitas as divisões entreos 15 países da União”. No interior, o textoprincipal deste destaque sobre a ConferênciaIntergovernamental, na página 2, é assinadopor Isabel Arriaga e Cunha e o título, à lar-gura de toda a segunda página, volta a ser“Europessimismo em Turim”. E cita-se um“aviso” de Bruxelas, depois de se exporemas múltiplas divergências entre os Estados-membros: “se a Europa não se fizer comos cidadãos, contra os desempregados e osexcluídos, é natural que não haja Europa”.O destaque fecha a páginas 5 e 6, respec-tivamente com um texto do ministro britâ-nico dos Negócios Estrangeiros, - “O alarga-mento é uma responsabilidade histórica”, e,na página 7, um exclusivo Público/Institutode Estudos Estratégicos Internacionais: “Fi-nanciamento e Defesa da Europa”. Comocuriosidade, em Portugal começava nesta al-tura o Congresso do principal partido da opo-sição, o PSD, tema que ocupava nove pági-nas (8 a 16) desta edição do Público, sin-toma da evidente preponderância do sistemapolítico no conjunto das categorias de con-teúdo do discurso mediático em Portugal.

Sábado, 30 de Março, ainda no canto in-ferior esquerdo da primeira página, oPú-blicovoltava a pôr em pequeno destaque a ci-meira de Turim. Título (algo em contradiçãocom o dossier da véspera): “Todos satisfei-tos, tudo em aberto”. E o texto de chamadaà primeira página: “Os Quinze aprovaramontem, em Turim, um mandato para a Con-ferência Intergovernamental que vai reverMaastricht suficientemente vago para deixartoda a gente satisfeita. Daqui a um anose verá qual foi o rumo traçado para a Eu-ropa do terceiro milénio. Até lá, o primeiro-

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ministro português pode considerar-se satis-feito pelo facto de o emprego ter sido in-cluído na agenda da CIG.” O congresso doPSD continuava a ser o acontecimento emdestaque nesta edição, ocupando o grandedestaque da primeira página, as páginas 2 a6 e parte da página 44. Às conclusões daConferência Intergovernamental, junto como problema das “vacas loucas”, eram dadas2 páginas (10 e 11) na editoria Internacional.

Domingo, 31 de Março, as sete primei-ras páginas voltam a ser sobre o Congressodo PSD e a Conferência tem a metade infe-rior da página 15 (Internacional), onde Isa-bel Arriaga e Cunha se pergunta, em termosdas “grandes questões” da CIG de Turim:“Como reforçar a integração europeia?”. De-pois de referir os próximos grandes “testes”da UE (a PESC, a luta contra o desempregoe contra o crime organizado), a jornalista Ar-riaga e Cunha concluía: “Queiram ou não,e muito antes de terem concluído a reformade Maastricht, os Quinze vão ser obrigadosa provar aos cidadãos a sua determinaçãoreal de transformar a UE em algo mais queo ’gigante económico, mas anão político elarva militar’, como foi classificada pelo an-tigo chefe da diplomacia belga, Mark Eys-kens”. Na mesma edição, Luís Pedro Nu-nes concluía o trabalho sobre o Fórum Eu-ropeu de Política Social e titulava significa-tivamente: “Desempregado e sem reforma:é você”. Segunda-feira, 1 de Abril, a CIGnão tem qualquer referência e o Congressodo PSD ocupa de novo o grande destaque daprimeira página e as páginas 2 a 6.

No período em análise a que nos propuse-mos, referência ainda para os dois trabalhosentretanto publicados: um, na última páginada edição de 3 de Abril, sobre a primeira reu-

nião pós-Turim em Bruxelas, sobre a cidada-nia e a cooperação policial e judiciária.

Finalmente, sexta-feira, 5 de Abril, o Pú-blico abria a sua “sub-secção” Conferên-cia Intergovernamental, nas páginas do In-ternacional, para entrevistar o ministro dosnegócios estrangeiros, Jaime Gama. Teresade Sousa titula palavras do ministro: “Deve-mos fazer tudo para estar no motor da UE”.Gama rectifica a posição portuguesa à luzdos trabalhos de Turim e a certa altura põeo dedo na ferida - à pergunta sobre a trans-parência e a aproximação aos cidadãos, re-sponde sobre a necessidade de “um conhe-cimento maior dos cidadãos sobre o debatepolítico e as decisões do Conselho Europeu,uma maior percepção pela opinião públicado funcionamento das instituições e da ad-ministração comunitárias (...)” para concluir,no final da entrevista “(...) por uma maiorexigência da opinião pública e da imprensaem relação aos membros do Governo queparticipem nas decisões”... Curiosamente,na mesma página, o Público anunciava aosseus leitores (em 5 de Abril de 1996): “Apartir de hoje e todas as sextas-feiras, o Pú-blico dedica duas das suas páginas à infor-mação sistemática sobre as negociações, osproblemas e as dificuldades que vão estarà mesa da Conferência Intergovernamentalconvocada para rever o Tratado da União Eu-ropeia. Estas páginas vão contar com a opi-nião de especialistas portugueses e estrangei-ros e incluirão fichas sobre o que é conve-niente saber sobre as instituições e o modode funcionamento da UE. Uma entrevistacom o ministro dos Negócios Estrangeiros,Jaime Gama, sobre o que Portugal vai de-fender na CIG pareceu-nos a melhor ma-neira de estrear esta nova rubrica”. Dir-se-iaque a promessa em relação a Gama foi cum-

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prida, mas a regularidade da informação pro-metida nem sempre foi seguida e sobretudonão soube chegar à informação eficaz, fun-cional, mobilizadora dos actores económicose sociais, colectivos, individuais, enfim, mo-bilizadora da experiência social,tout court.Com mais crença e menos crítica, ou pelomenos, adequando a eficácia à crença (ou àinformação, no mínimo), e a legitimidade àcrítica.

5 Conclusão

Tal como havíamos referido nos relatóriosde anos anteriores parece-nos que há umgrande trabalho a fazer relativamente à trans-parência da União face ao exterior, desi-gnadamente face ao cidadão, aos grupos so-ciais minoritários, associações, enfim, relati-vamente à sociedade civil, mais do que emrelação aos grupos de interesses e gruposeconómicos que têm em regra os seuslobbyse os seus canais de informação estruturados.

O grande trabalho será portanto dinamizaros media europeus no sentido de se abriremà informação comunitária, de eles própriosse tornarem transparentes face ao que é es-sencial, que releva no fundo do pragmatismoe da eficácia dos objectivos que o cidadãopossa sentir directamente no seu dia-a-da enão tanto da máquina política da União edas suas performances institucionais e buro-cráticas. Enquanto o institucional ocupar oespaço público mediático como uma espé-cie de forum de legitimação permanente daUnião, tudo o resto fica secundarizado, e ocidadão vulgar, porventura não se reconhe-cerá nesse debate.

O papel dos porta-vozes oficiais, dos gabi-netes de comunicação, dos centros de docu-mentação europeia, dos eurogabinetes, etc.,

deve ser de alguma forma repensado dentrodessa estratégia de repôr a transparência e re-novar a informação ao cidadão comum euro-peu, renovando também as estratégias de co-municação no plano dos media e ainda noplano da publicidade. A pergunta é: seráque ele - cidadão comum -alguma vez sen-tiu a transparência e a objectividade da in-formação da União, ou, pelo contrário, sem-pre julgou estar perante um mastodonte bu-rocrático e inacessível?

6 Referências bibliográficas

Bertram, Christoph, “As lições do boicotebritânico”, Público, 28 de Junho de1996.

Pires, Francisco Lucas,Portugal e o Futuroda União Europeia, Difusão Cultural,Lisboa, 1995.

Wright, David e Jacquemin, Alexis (coord.),Os desafios europeus pós-1992: facto-res estruturantes, actores estruturantes,Dom Quixote, Lisboa, 1996.

“As recomendações de Florença para aCIG”, Público, 28 de Junho de 1996.

“Conselho Europeu de Turim - Con-clusões da Presidência”, DOC/96/2, de96/03/96, Centro Jacques Delors, Lis-boa.

Portugal e a Conferência Intergovernamen-tal para a revisão do Tratado da UniãoEuropeia, Lisboa, Ministério dos Negó-cios Estrangeiros, 1996.

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Notas∗ Análise qualitativa de conteúdo do diárioPúblicorealizada ao longo de três meses (de1 de Fevereiro a 30 de Abril de 1994).

1 Alain Touraine, "Communication poli-tique et crise de représentativité",Hermès,Cognition, Communication, Politique, Paris,1989.

2 Bernardo Díaz Nosty, "La Unión Euro-pea en la prensa",La Unión Europea en losmedios de comunicación, Fundesco, Madrid,1994.

3 Paul Virilio, L’ Art du Moteur, Galilée,Paris, 1993.

4 Francisco Lucas Pires,A Imprensa e aEuropa, Lisboa, 1992, Edição de Autor.

5 Francisco Lucas Pires, op. cit., pág. 46.6 Pierre Bourdieu, "A virtude civil",Re-

vista de Comunicação e Linguagens, no 9,Lisboa, Maio de 1989.

∗ ∗ Texto que parte de uma análise qualita-tiva de conteúdo do Diário de Notícias e doPúblico, no período de 25 de Março a 8 deAbril de 1996.

7 “Entre la pasividad y el europesi-mismo”, La Unión Europea en los me-dios de comunicación, Informe anual Fun-desco/Associación de Periodistas Europeos,Fundesco, Madrid, 1994, pp. 211-221;e “Los hechos se imponen a las institu-ciones”, La Unión Europea en los me-dios de comunicación, Informe anual Fun-desco/Associación de Periodistas Europeos,Fundesco, Madrid, 1995, pp. 233-242.

8 Ver designadamente “Declaração de Tu-rim”, Diário de Notícias, 30 de Março de1996.

9 “A União Europeia entre a Segurança ea Defesa”, Diário de Notícias, 2 de Abril de1996.

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