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CARLOS VALE FERRAZ A ÚLTIMA VIÚVA DE ÁFRICA Oo

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CARLOS VALE FERRAZ

A ÚLTIMA VIÚVA DE ÁFRICA

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Aos que se interrogam.Aos que vivem e deixam um rasto.Aos que procuram as nascentes dos rios.Aos que sofreram a inevitável derrota que sempre sucede quando

um tirano esgota a esperança do seu povo e manda os seus soldados combater numa terra de que não é rei.

Aos meus netos e a todos os netos, para que tenham um futuro.

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No livro A PIDE/DGS na Guerra Colonial, a autora, Dalila Ca-brita Mateus, refere a misteriosa figura de Madame X, «uma espécie de Mata Hari portuguesa no antigo Congo Belga». Madame X foi o nome de código de uma informadora residente em Leopoldville, onde os movimentos independentistas angolanos, em particular a UPA/FNLA, tinham a sua base e onde recebiam o apoio político e militar da República Democrática do Congo, de Mobutu.

Sabe-se muito pouco dessa mulher. Deve ter emigrado nos anos cinquenta do século vinte. Pertencia ao reduzido número de por-tugueses que permaneceu na antiga colónia belga após a indepen-dência. Mantinha relações com a nova elite negra congolesa, pois existem informações tendo-a como fonte, onde Madame X dá conta da preparação dos ataques da UPA às fazendas do Norte de Angola, em março de 1961.

Este romance atribui um nome a Madame X e cria a partir dela uma personagem influente na sombra dos conflitos, durante o pe-ríodo decisivo para os europeus em África, o das independências do antigo Congo Belga, em 1960, e de Angola, em 1975, e do fim do apartheid na África do Sul, já nos anos noventa.

Madame X seria a Kisimbi, a mãe dos mercenários que combate-ram pela secessão do Catanga e estiveram envolvidos no conturbado processo que conduziu Mobutu ao poder, e também dos do Batalhão Búfalo, da África do Sul. Ela pretendia ter o direito a, como europeia, viver em África, a fazer de África a sua nova pátria, tal como o seu amigo e aliado Jean Scrame, a figura ficcionada do fazendeiro belga

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Jean Schramme, um dos míticos comandantes das tropas que ficaram conhecidas como Les affreux, os Terríveis. Um homem que foi con-siderado um assassino sem escrúpulos, um cão de guerra e também um romântico que lutava pelo sonho de um paraíso africano onde pudesse continuar a dirigir a sua grande fazenda, nos confins orien-tais do Congo, no território da tribo dos «homens-leopardo», que o acolheram como um dos seus.

Depois de uma vida de aventuras, que a levou de Leopoldville a Luanda e a Pretória, a Madame X, que se considerou a última viúva de África, da sua África, acaba por morrer na Nova Zelândia.

O filho que ela viera entregar ainda bebé aos avós, em Portugal, e que nunca mais viu, pretendeu trazer o seu corpo para a terra natal e depositá-lo numa igreja, consagrada como um panteão particular…

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O silêncio

O silêncio é muito mais do que a ausência de som. Tal como a escuridão e o negro, o silêncio reflete tonalidades e transmite signifi-cados. Para Miguel Barros aquele silêncio, a meio da tarde, significava o seu fim. Pressentia que iniciara a descida final e irrecuperável. Mas nada de solenidades.

Em Lisboa, no apartamento de um incaracterístico prédio de ha-bitação, que Miguel Barros alugara para escritório temporário da produtora Melibeu Filmes, o silêncio tinha a densidade do ar que paira nas antecâmaras dos crematórios, nas salas de audiências após as leituras das decisões dos últimos recursos das sentenças, ou entre os membros de uma família que recebeu ordem de despejo da casa penhorada.

A definitiva perda da ilusão pesava de forma visível e sem pie-dade sobre um velho indefeso, só, como um general derrotado, de longos e lisos cabelos brancos, de pele rosada coberta de rugas, de queixo descaído sobre o pescoço com as veias azuis salientes, a testa alta marcada por uma cicatriz de antiga ferida profunda. Miguel Barros, o histórico e respeitado produtor de cinema, o homem que substituíra as comédias insípidas e conformistas dos últimos tem-pos do Estado Novo pelo filme de autor, do cinema como forma superior de arte, encontrava-se à cabeceira de uma banal mesa de fórmica, coberta por um caos de lixeira, com papéis, jornais, cinzei-ros, copos e até a maqueta de um templo grego em cartolina. Diante dele jazia um sobrescrito castanho de transporte de documentos, aberto como o caixão que expõe o morto num velório. À sua direita,

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a flutuar numa cápsula, de costas dobradas, o realizador conhecido como Herberto Popovic lia o jornal, com o nariz adunco e o ca-belo oleoso e comprido quase sobre as folhas. Do outro lado, a roer as unhas, a guionista Inácia Luz, a namorada de Herberto Popovic. Inácia ganhara a gordura que anuncia o fim da juventude, o rosto mantinha as feições corretas, mas gastas. Cruzou com Miguel Bar-ros um olhar de consummatum est, de «não há nada mais a fazer». Começaram a arrumar os papéis, cabisbaixos, com os gestos sem alma dos vencidos.

– Eureka! – Os vidros baços de pó e fumo tremeram com o grito de Herberto Popovic. Os papéis da mesa voaram quando ele saltou da cadeira e iniciou uma espécie de dança guerreira. – Temos aqui, na coluna de notícias da nossa pitoresca província, a revelação que nos vai salvar!

As palavras de Herberto Popovic produziram um curioso fenó-meno de alternância entre o claro e o escuro nos rostos de Miguel Barros e de Inácia Luz. Como qualquer condenado à forca, acre-ditavam que a corda partiria no último instante ou que, como nos filmes de cobóis, chegaria um John Wayne salvador antes do mo-mento fatal. Haveria uma saída para escapar do mundo dos buro-cratas do Instituto do Cinema, dos censores do gosto oficial que lhes tinham recusado o financiamento do projeto de um grande filme a ser realizado por Herberto Popovic, com argumento escrito por Inácia Luz, que adaptara à realidade nacional os feitos de Tifão, a besta horripilante da mitologia grega, nascida para acabar com Zeus e com o Olimpo?

A voz roufenha de Herberto Popovic leu o título e as primeiras linhas:

– «Polémica na aldeia. Emigrante milionário quer comprar igreja na sua terra e transformá-la num panteão para a mãe»!

Os críticos consideravam Herberto Popovic o mais talentoso, po-lémico, agressivo e imprevisível cineasta português da geração dos que já não viveram os males da ditadura, nem lutaram pela salva-ção do mundo, a dos que não tinham encontrado as estrelas que os orientassem no céu da liberdade individual. Um tipo mal-humo-rado, de mau feitio e relação difícil, excessivo, egocêntrico, que só

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o complacente e cardinalício Miguel Barros apoiava e mantinha em periclitante respeito paternal.

– «Não há caminhos a direito no mundo», disse o camarada Mao Tsé-Tung!  – Miguel Barros vivera a apoteose das frases feitas do grande timoneiro chinês, nos anos sessenta, quando as juventudes católicas europeias substituíram o missal romano pelo Livro Vermelho impresso em Pequim, em papel de arroz.

– Se formos derrotados no ataque frontal… temos de manobrar e envolver pela retaguarda. O inimigo avança, nós retiramos. O ini-migo acampa, nós provocamos. O inimigo descansa, nós atacamos. O inimigo retira-se, nós vamos atrás dele!

– A última frase é do Sun-Tzu, um general chinês…– Para mim, basta-me saber que também era chinês! Estamos nas

mãos deles, são eles que nos fornecem a luz que vem das barragens e das ventoinhas das montanhas, a saúde das clínicas privadas, as dí-vidas aos bancos, os seguros dos automóveis, até os aviõezinhos que nos levam e trazem… sem esquecer a sopa de ninho de andorinha, as refeições baratas e com um número na ementa, as chinesinhas sal-titantes, os pauzinhos que servem para espalhar o arroz e limpar os ouvidos! – Herberto Popovic declamava e Inácia Luz acenava com a cabeça, incrédula. Um modelo da trabalhadora eficiente e humilde que todos os criativos preguiçosos ambicionam ter perto de si.

– Miguel, a seguir ao pedido de subsídio para um filme sobre o que os sacerdotes atenienses deixaram escrito a propósito de Tifão, com um argumento de denúncia do poder político e económico, vais apresentar um folhetim de quezílias familiares e de rixas numa aldeia do Minho por causa do enterro da mãe de um emigrante?

– É uma hipótese…– O nosso objetivo não era fazer um filme de denúncia da atual

situação? – Inácia Luz pedia socorro.– O objetivo era ganhar algum dinheiro. Ou não perder! As fon-

tes secaram!– Quais fontes?– Todas, incluindo a das ilusões! Tenho setenta e cinco anos, as-

sisti à morte das grandes utopias, da Rússia socialista, da China po-pular, da Cuba internacionalista, da guerrilha camponesa na América

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Latina, do progresso do Terceiro Mundo, da libertação da África Negra dos colonos brancos à anarquia dos estudantes de Paris, até à dos militares portugueses fartos da ditadura e da guerra!

– Devias ter aberto uma agência funerária. Em pequeno dese-java ser gato-pingado. Vivia perto do cemitério… É um negócio ga-rantido, mas tu preferiste o cinema para dizer ao povo que as filhas da putice de hoje são velhas, velhíssimas de dois mil e quinhentos anos, pelo menos.

Depois do golpe dos militares, em abril de 1974, Miguel Barros fora o introdutor do filme político, do cinema militante, do docu-mentário social para ilustrar as transformações radicais que Portugal sofreu na época. Correra o país de uma ponta à outra, com equipas de jovens cineastas, improvisando ao sabor dos eventos. Para Inácia Luz, aquele homem, que lhe dera a oportunidade de entrar no mundo da fantasia dos filmes e sair da realidade dos gangues juvenis das escolas, constituía o exemplo de intelectual democrata, progressista, desin-teressado dos bens materiais. O que levara Miguel Barros a falar em lucros e perdas, a preocupar-se com o dinheiro? Só mais tarde Iná-cia Luz entenderia que o desabafo anunciava o fim da extraordinária aventura da vida de Miguel Barros, onde o cinema que produzira em Portugal constituíra um pequeno enfeite. Nada mais. O velho produ-tor inspirou fundo, como um mergulhador no regresso à superfície, e entregou o argumento rejeitado a Inácia Luz.

A sinopse das lutas entre deuses gregos, excluída das graças do Instituto do Cinema, centrava-se no regresso de Zeus, o grande derro-tado, para enfrentar o gigantesco inimigo Tifão e retomar o Olimpo. Os jurados entenderam ser uma referência inapropriada aos esforços do chefe da oposição para derrubar o primeiro-ministro do governo que os nomeara para apreciar os projetos dos filmes a subsidiar. Não fora esse o objetivo de Inácia Luz, que pretendera apenas criticar de forma geral a religião do sucesso, a arte do instantâneo, de reduzir tudo a uma aparência. Abriu as mãos num gesto impotente do cré-dulo que descobre o engano:

– Foi o melhor que consegui, depois de teres recusado as peripé-cias da viagem do herói que padeceu tormentos em África quando lutava pela vida. Porque não quiseste mexer em África, Miguel?

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– Os portugueses estão enjoados de África! A África foi um bu-raco negro que nos engoliu!

– Portugal devia ter descoberto o Bundesbank em vez de se meter em navegações, pimentas e guerras coloniais! – Herberto Po-povic continuava a folhear o jornal e nem levantou os olhos.

Pela expressão que Inácia Luz observou no rosto de Miguel Bar-ros, o produtor não estava convencido de que Herberto Popovic con-seguisse realizar um filme vulgar, uma simples farsa que divertisse o público, sem abcessos na alma, que arrastasse as classes populares sem espantar as impopulares.

– Explica a tua ideia sobre o aproveitamento da notícia do emi-grante que quer comprar uma igreja para enterrar a mãe. Se os mili-tares já venderam quartéis, fortalezas e castelos, se os ministérios do Estado já venderam estradas, pontes e até o espaço aéreo, se a jus-tiça vende tribunais, prisões e sentenças, se os deputados da nação venderam feriados, água, luz e lixo, porque não se hão de vender igrejas, capelas e santuários, com ou sem os santos?

– O povo português aceita que lhe vendam tudo, exceto o sagrado. O povo não tem moral, mas tem fé. Para o povo, o sagrado é como o porco da família, o boi da aldeia… Mata e morre pelo sagrado. O filho que quer santificar a mãe e a mãe que é o objeto da santificação in-cendeiam paixões. São mártires ou heróis e nós vamos mostrá-los ao povo. Nós – tu, eu e a Inácia Luz – vamos ser o polegar do imperador romano no coliseu que decidirá se vivem, se morrem na arena! – Mi-guel Barros rendeu-se pela pusilânime razão de a proposta de Her-berto Popovic ser menos má do que a alternativa de fechar as portas da produtora, entregar a chave ao senhorio e sair com o rabo entre as pernas.

O resto da notícia reforçava a informação de andarem a ferver os ânimos numa povoação do concelho de Vieira do Minho, pela possibilidade da venda de uma das igrejas da terra para panteão da mãe de um emigrante que enriquecera em França.

– Há pouco mais de cento e cinquenta anos o povo revoltou-se porque exigiu enterrar uma velha na igreja e as autoridades que-riam os mortos do regime liberal em seu repouso eterno nos novos

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cemitérios, com atestado da Junta de Saúde. Temos uma nova revolta da Maria da Fonte à vista!

A trama narrativa parecia já em ebulição na cabeça de Herberto Popovic, que as enciclopédias do cinema definiam «como um ta-lentoso realizador de filmes, todos envoltos em polémicas que con-sagram o seu génio inconformista». A experiência ensinara Miguel Barros que o resultado nunca corresponderia ao que idealizara e anunciara. Duvidava da adesão do público a uma intriga com o sa-grado servido ao natural, dentro da anormalidade que os citadinos consideram aceitável nas terras perdidas do interior. Hesitava:

– O enterro de uma velha numa igreja não me parece que provo-que uma grande onda de entusiasmo…

– Não tens visto as reportagens dos cortejos para o Panteão Na-cional? Multidões nas ruas, charangas de música, padres com pa-ramentos de cerimónia, janelas engalanadas, cavalos da Guarda Republicana, foguetes…

– Mas são fadistas, poetisas, um futebolista…– Não sabemos o que esta mulher fez para merecer esta homena-

gem do filho. Não é nada vulgar tanta generosidade filial! Não temos o direito de deixar escapar este trabalho, Miguel! A Inácia Luz é de pouco consumo, mas come todos os dias, tal como eu, e toma banho, o que eu dispenso. Se der para comprar uma roupa, uma lingerie eró-tica… – Herberto Popovic já tinha um plano gizado. – Inácia, vais escrever um guião com base na notícia do jornal. Quem é o emi-grante? Um herói do trabalho ou um tipo de negócios escuros? Quem é a mãe? Uma santa ou uma aventureira? Que voltas deram antes de mãe e filho regressarem ao ponto de partida? Que amores e ódios viveram? Inácia, esta é a grande oportunidade da tua vida, depois de me conheceres!

Ela tinha quarenta anos, licenciara-se em Línguas e Literaturas, dera aulas numa escola secundária classificada como problemática, o que a incentivara a procurar outro modo de vida menos perigoso, que lhe desse algum prazer, ou não a fizesse vomitar de receio todas as manhãs antes de sair de casa para enfrentar os bandos de ado-lescentes. Acolhera em sua casa Herberto Popovic, um homem de excessos, que vivia aos saltos, da euforia ao desespero, como um

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gato encontrado na rua, quando adaptara um romance de mediano sucesso sobre os novos selvagens suburbanos a um guião, que ele destruiu com o génio instável, filmando enquanto passeava nu pelo estúdio. Herberto argumentava como um vendedor de eletrodo-mésticos.

– A notícia diz o que a maioria quer ouvir: a província, o Portugal das vilas e aldeias continua como sempre, com o povo entretido em romarias durante o verão e no inverno encafuado nas tabernas. Há igrejas, padres, emigrantes e uma morta, que são bons materiais para um argumento, mas nem sequer sabemos onde é o local das alterca-ções entre vivos e mortos! Devíamos começar por nos situarmos no terreno… Precisamos de conhecer o ambiente, o que move as perso-nagens, os seus percursos de vida…

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