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A tributação do valor adicionado no Mercosul, em países federados e na União Européia: mecanismos e ajustes de fronteira TEMA ESPECIAL 5. Mercosul 5.6 – Comparação com a União Européia Outubro, 2004.

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A tributação do valor adicionado no Mercosul, em países federados e na União Européia: mecanismos e

ajustes de fronteira

TEMA ESPECIAL 5. Mercosul 5.6 – Comparação com a União Européia

Outubro, 2004.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 4

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E METODOLOGIA

6

2.1 Teoria da Escolha Pública (Public Choice) e a reforma tributária

8

2.2 O IVA orientado pelo princípio do destino

11

2.3 Base de incidência e mecanismos do IVA

14

2.4 IVA versus a tributação do varejo, Retail Sales Tax (RST)

16

3 TRIBUTAÇÃO ATUAL SOBRE O CONSUMO NO MERCOSUL

18

3.1 No Brasil

19

3.1.1 O IVA Híbrido Origem-Destino: Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS

19

3.1.1.1 Guerra Fiscal

23

3.1.2 O IVA nacional parcial: Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI

24

3.1.3 Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS

25

3.1.4 Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS

26

3.1.5 Programa de Integração Social – PIS

27

3.1.6 Problemas do Sistema brasileiro

29

3.2 Na Argentina

30

4 EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS EM OUTROS PAÍSES FEDERADOS E NA UNIÃO EUROPÉIA

32

4.1 O IVA na União Européia

33

4.2 A experiência canadense

40

4.3 A Índia em processo de reforma

42

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4.4 IVA: Benchmarking Internacional

44

5 TIPOS DE IVA E OS MODELOS RACIONAIS

48

5.1 O IVA nacional

48

5.2 Modelos para IVAs estaduais ou países em blocos econômicos

49

5.2.1 O IVA estadual tipo origem puro

50

5.2.2 O IVA estadual tipo origem modificado

51

5.2.3 O IVA origem restrito

52

5.2.4 O IVA híbrido origem-destino (ICMS do Brasil)

52

5.2.5 O IVA do tipo destino com pagamento diferido

52

5.2.6 O IVA integrado viável – Viable Value Added Tax – VIVAT

54

5.2.7 O IVA partilhado

55

5.2.8 O IVA dual – Dual VAT

58

5.2.9 O IVA Compensável ou Compensating Value Added Tax (CVAT)

58

5.2.10 O IVA compartilhado – Shared Value Added Tax - SVAT

59

6 O PROCESSO DE REFORMA TRIBUTÁRIA NO BRASIL

61

6.1 A questão federativa

65

7 CONCLUSÃO

67

REFERÊNCIAS

71

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1 INTRODUÇÃO

O Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) experimentou um crescimento

impressionante nos últimos cinqüenta anos. Hoje, mais de cento e trinta países já

têm o IVA ou similar, nove das dez principais economias, com exceção dos

Estados Unidos da América. O IVA tornou-se a principal forma de tributação do

consumo e é comum a países grandes e pequenos, é uma vitória da inteligência

sobre a evasão. Um IVA moderno deve ser neutro, sua carga deve ser repassada

para o consumidor, para não gerar distorções econômicas. A neutralidade

impositiva é um atributo cada vez mais importante em um mundo interdependente

e competitivo1. Dentro do Mercosul, o Brasil tem um sistema de tributação do valor

adicionado fragmentado e apresenta problemas em relação à neutralidade, à não-

cumulatividade e à evasão. A Argentina também tem problemas a enfrentar.

O IVA foi adotado na União Européia (UE) por sua vantagem na

implementação do princípio do destino e à livre circulação de mercadorias, bens e

serviços entre países-membros. Somente com o método do valor adicionado,

aplicado no destino, os países da União Européia poderiam estar certos de que as

importações seriam tratadas do mesmo modo que os produtos domésticos.

O presente estudo tem por objetivo fazer uma descrição analítica e

comparativa da tributação sobre o valor adicionado (consumo). A Seção 2 aborda

a fundamentação teórica da tributação, chegando à importância da tributação do

consumo, aos principais mecanismos do IVA, a suas vantagens em relação à

tributação sobre vendas no varejo, e às vantagens e virtudes do princípio do

1 Referência importante sobre o IVA e suas características é o livro The Modern VAT, Ebrill (2001).

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destino. A Seção 3 faz uma descrição da atual tributação do valor adicionado no

Mercosul. No Brasil e na Argentina, países federais, enfoca as características e

problemas dos sistemas e das principais espécies que compõem a imposição das

três esferas autônomas de governo. Na Seção 4, far-se-á uma incursão sobre as

experiências na União Européia e em países federais, verificando sistemas e

formas de administração dos tributos sobre o valor adicionado. A Seção 5 discute

os tipos de IVA e os modelos racionais que visam à harmonização e ao seu bom

funcionamento, especialmente os ajustes de fronteira em repúblicas federais,

administrado ou compartilhado entre duas esferas de governo, e também dentro

da União Européia, na qual, se não há uma igualdade, há uma grande similitude

com a problemática enfrentada por estados federais. A Seção 6 analisa o

processo da reforma tributária brasileira. A Seção 7 conclui.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E METODOLOGIA

Um sistema tributário ideal, segundo Lagemann (2003), é concebido de

acordo com os efeitos econômicos de cada um dos impostos e de suas alíquotas,

considerando o bem estar social, a eficiência e a justiça. Como o tributo de valor

único (lump sum)2 não é factível, pois não existem as informações concernentes

às habilidades naturais de cada indivíduo, a segunda melhor opção é chegar o

mais próximo possível por via indireta, ou seja, a tributação da renda e do

consumo. Quanto às funções econômicas, leva-se em conta a influência na

alocação de recursos para a produção de bens e serviços, bem como a

distribuição de renda entre os indivíduos. E, também, a função político-

administrativa de fornecer a receita para o orçamento público. Seria possível

reduzir a tributação indireta, se a eficiência do imposto de renda fosse a ideal. Mas

o imposto de renda tem uma série de limitações que atingem sua produtividade,

principalmente em países em desenvolvimento. A alternativa da tributação do

consumo é a melhor forma de coletar as receitas requeridas. No caso da

tributação do consumo, existe o efeito-substituição, pois o tributo altera a estrutura

dos preços relativos, afetando a alocação de recursos, visto que a demanda do

bem em questão cai. Essa mudança na decisão econômica original é percebida

como uma perda de satisfação pelo contribuinte. Esse efeito é classificado como

uma carga adicional (excess burden), a ser o mais possível evitado, para conferir

maior neutralidade ao sistema, pois nenhum tributo é completamente neutro em

relação às decisões do mercado. Na realidade, verifica-se um trade off entre a

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justiça na distribuição da carga e a eficiência. Seria mais produtiva a tributação

mais gravosa dos bens com menor elasticidade-preço, mas esses bens são

identificados como bens de primeira necessidade. Por outro lado, seria apropriado

que a alíquota sobre determinado bem fosse maior, quanto maior seu consumo

pelas classes detentoras de maior renda. Chega-se, então, a um sistema de

alíquotas diferenciadas, uma para cada bem. Mas isso também não é possível,

devido aos custos elevados de administração e cumprimento. Além disso, existe

uma tendência para impostos específicos, com alíquotas maiores, para fumo,

álcool e petróleo. No caso do ICMS, geralmente, verificamos a alíquota de 12%

para bens de primeira necessidade; 17% para a regra geral; e 25% para bens

supérfluos, como fumo e bebidas, ou bens com maior potencial de coleta, como

combustíveis e serviços de telefonia. Um processo de reforma tributária (tax

reform)3 deve levar em conta o sistema tributário existente; o efeito

demonstração, que é a cópia da experiência bem sucedida de outros países

(especialmente os mais desenvolvidos); e os sistemas tributários racionais,

caracterizados como propostas baseadas em construções teóricas lógicas. A

evolução dos sistemas tributários também é condicionada pelos contextos político,

econômico e social de dado momento histórico. A primeira dificuldade é a fixação

a uma alocação histórica de recursos, mesmo que injusta e distorcida. Qualquer

modificação, tendente a melhorar a eficiência e a distribuição de receitas, pode ser

vista como injusta, por alterar um direito já estabelecido em relação a um volume

de recursos. Em função disso, geralmente, o processo é adiado, e a intensidade

2 Imposto com valor pago por cabeça, não relacionado com atividades econômicas, portanto neutro em relação à alocação de recursos. 3 Tax Design, por outro lado, refere-se à concepção de um sistema completamente novo.

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das alterações é diminuída. Assim, a metodologia deste trabalho consiste em fazer

um estudo comparado, através da pesquisa em documentos e publicações, da

história recente da estrutura da imposição do IVA incidente sobre o consumo,

orientado pelo princípio do destino, em blocos econômicos e países federais.

Serão enfocadas as principais características da tributação referida, os processos

de evolução, bem como seus problemas, em especial, os ajustes de fronteira e as

alíquotas.

2.1 Teoria da Escolha Pública (Public Choice) e o processo de reforma

tributária

Segundo Bobbio (1986, p. 34), “um dos obstáculos da democracia, e que

sobreveio de maneira inesperada, foi o contínuo crescimento do aparato

burocrático, de um aparato de poder ordenado hierarquicamente do vértice à

base, e portanto diametralmente oposto ao sistema de poder democrático”.

De acordo com os interesses em jogo, existe uma possibilidade muito

grande de arranjos. Segundo Abrúcio (1996), internamente, a administração

pública se constitui num sistema em que tarefas e valores pertencem a um

contexto complexo de relações com a esfera política.

Para Pereira (1997), a Teoria da Escolha Pública veio para elucidar os

“fracassos do governo” e os limites da intervenção do estado. A Teoria da Escolha

Pública derivou da democracia e das finanças públicas. Trata da redefinição do

problema das finanças públicas, em termos de uma visão contratualista, pela qual

deve haver uma troca entre os impostos pagos e os bens e serviços recebidos

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através da despesa pública. Essa troca pressupõe a aceitação do cidadão, mas

para isso, os benefícios da despesa pública devem, não somente, serem

superiores aos seus custos, mas também, a melhor aplicação do valor, a melhor

taxa de retorno pelo imposto pago. As decisões do governo e a sua capacidade de

implementação de políticas sofrem a influência de diferentes agentes no sistema

político. Os governos têm mandatos limitados por sufrágios populares, que

também influem no jogo. É um mercado competitivo, onde os agentes, políticos,

cidadãos e funcionários públicos têm basicamente motivações egoístas, em que,

por exemplo, se assume que os políticos pretendem maximizar os votos. E, se

através da despesa pública eles podem ganhar votos, com o aumento da

tributação, esses se perdem. É fácil gerar déficits. Assim, verificam-se ciclos

político-econômicos, com aumento de despesa em ano eleitoral. Seguem-se

pressões inflacionárias e políticas restritivas no período pós-eleitoral. A Escolha

Pública analisa o regramento do jogo democrático e sua determinação na

formação de políticas e suas assimetrias. A partir da década de oitenta, a teoria do

rent-seeking passou a analisar a atuação dos grupos de interesse por um lado, e

do governo por outro. Os grupos procurarão obter rendas, em geral, associadas à

deterioração do bem estar do conjunto. Quanto maiores os grupos, maior será o

custo social. Como o governo não tem claras as preferências dos cidadãos, ele

recorre a intermediários, que são os grupos de interesse e as agências

descentralizadas da administração. Ambos fornecem a informação (distorcida) e

cobram um preço na definição de políticas. Trata-se da incapacidade

governamental de obtenção e tratamento da informação de forma centralizada. O

mercado político não é de concorrência perfeita, tem informação assimétrica, é

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incerto e tem custos de transação. O ideal de eliminação dos poderes invisíveis

são o que Norberto Bobbio definiu como promessas não cumpridas dos regimes

democráticos. A Public Choice veio para desvendar os problemas da tomada de

decisão coletiva e elucidar alguns problemas: ineficiência da administração

pública, ausência de incentivos, problemas com as informações sobre os

cidadãos, rigidez institucional, permeabilidade aos lobbies e o financiamento ilegal

dos partidos. Traz, assim, uma visão mais realista do processo político, vertendo

mais realidade ao ideal democrático. Mas o fato é que muitas democracias

apresentam sinais de ingovernabilidade, sinais estes traduzidos por dificuldades

crescentes em implementar as políticas consideradas como mais corretas,

sobretudo as reformas modernizadoras na gestão, na educação, na saúde, na

segurança social, na política e no sistema fiscal. Além disso, há uma desconfiança

crescente da sociedade em relação à capacidade das instituições. Há um

descrédito que se manifesta no alheamento crescente do exercício da cidadania.

Somente o estudo das regras e instituições do processo democrático, das suas

limitações, mas também das suas potencialidades, poderá fazer frente aos

problemas da democracia e ajudar nos processos de mudança e reforma.

Giambiagi e Além (2000) ressaltam a dificuldade da reforma utilizando o

conceito de “ótimo de Pareto”, por analogia com o processo de aproximação a

esse ótimo, em que “partindo-se de um ponto extremamente distante do ótimo, é

possível se aproximar dele, movendo-se em uma direção tal que todos estejam

melhor que no ponto inicial. Porém, devido à assimetria representativa existente e

à falta de qualidade nas informações, geralmente, as reformas ficam distantes

desse ótimo.

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No Brasil, Júnior (2001) diz que o comportamento estratégico de diferentes

grupos de interesse explica a existência de um viés de déficit na política fiscal e a

demora para a estabilização. Grupos de interesse heterogêneos, que formam o

governo, procuram maximizar seus diferentes objetivos.

Slemrod e Yitzhaki (2000), ao fazerem uma análise bastante completa sobre

elisão, evasão e administração, concluem que seria frutífero incorporar a Public

Choice. Em alguns casos, dificuldades administrativas, bem como o aumento

generalizado da elisão e da evasão, são causadas pela inabilidade de legisladores

comprometidos com grupos que não tem interesse em uma lei tributária bem

definida. Além do mais, aparentemente, não há compromisso político com a

simplicidade e com a formulação de um sistema tributário que seja mais facilmente

administrável. Se forem aplicadas as ferramentas de análise da Public Choice

sobre as estruturas que produzem sistemas tributários, pode-se chegar a um

entendimento mais completo da realidade da tributação, propiciando a elaboração

de melhores estratégias para a edificação mais rápida de um sistema tributário

alicerçado na boa técnica.

2.2 O IVA orientado pelo princípio do destino

Bird e Gendron (2001) relatam que, na concepção inicial, um IVA somente

poderia ser aplicado por unidades subnacionais, se observado o princípio da

origem.4 Mas esse princípio, a menos se aplicado com alíquotas uniformes, causa

4 O Relatório Neumark, publicado em 1963, recomendava que os países-membros da Comunidade Econômica Européia (CEE) adotassem o princípio da origem no comércio intrabloco, e o de destino para o comércio com o resto do mundo, o que ficou conhecido como o princípio da origem restrito.

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distorções e incentiva conflitos tributários. Analisando a aplicação de alíquotas

uniformes, verifica-se o sacrifício da autonomia e da responsabilidade fiscal que

esses impostos podem ajudar a conquistar. Por outro lado, um IVA destino,

aplicado através do método dos créditos destacados na faturas, não teria sucesso

sem controle físico nas fronteiras. Na ausência de barreiras, com cobrança na

origem, seria necessário criar câmaras de compensação, e processar transação a

transação, zerando créditos e débitos com pagamentos interestaduais.

Segundo Bird (1999), o cidadão (eleitor, consumidor), que mora em uma

jurisdição política, paga, pelo que obtém do setor público, através dos impostos

recolhidos àquela jurisdição. Esta relação favorece a transparência e a

responsabilidade fiscal. Quando ocorrem transferências indevidas, o equilíbrio é

rompido, e surge a necessidade de criar mais transferências compensatórias.

Assim, em primeiro lugar, os impostos de competência dos estados

(especialmente os mais ricos) devem produzir receita suficiente para que estes

sejam autônomos. Em segundo lugar, os impostos devem impor responsabilidade

fiscal, e o melhor modo de atingir este objetivo é dar aos governos a faculdade de

estabelecer suas próprias alíquotas.

McLure (1999) revela algumas regras de tributação, quais sejam: (1)

governos estaduais necessitam controlar suas próprias receitas no sentido de

fazer frente e ter o controle dos gastos descentralizados, mas (2) o controle, nesse

sentido, requer que os estados possam decidir sobre o volume de suas receitas,

através de políticas próprias, particularmente, determinando as alíquotas.

O princípio do destino, se encontrado o melhor método de tratamento do

comércio interestadual, tem o mérito de permitir uma tributação do consumo de

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forma independente, preservando a autonomia de cada estado ou país-membro

de bloco econômico, e é menos propenso a causar distorções econômicas

significativas.

Varsano (1979) imaginou um país federado com dois estados, A e B, com

alíquotas diferentes ta e tb (ta > tb), respectivamente, aplicadas segundo o

princípio do destino. Todas as importações, de A ou B, são tributadas a alíquotas

iguais às utilizadas para produtos consumidos e produzidos internamente. Todas

as exportações são feitas sem a incidência de impostos e recebem a devolução de

impostos pagos anteriormente. Os produtores, de A ou de B, podem exportar suas

produções para o resto do mundo (R), livres de impostos, recebendo um preço ao

produtor (Pp) igual ao preço do mercado internacional (P) por unidade de produto,

Pp = P. Este é o menor valor que eles estariam dispostos a receber para destinar

seus produtos aos mercados de A ou de B. Os consumidores de A têm de pagar o

preço ao consumidor (Pc) = P(1 + ta ) para consumir produtos importados de R.

Este seria o preço máximo que pagariam por produtos similares produzidos em A

ou B. Vendendo seus produtos a esses preços, os produtores de A e B recebem

líquido de imposto Pp = P. Em B, os consumidores teriam que pagar por similares

produzidos em A ou B o preço Pc = P ( 1 + tb ). Dado esse preço, os produtores

receberiam, líquido de imposto, Pp = P. Logo, os produtores são indiferentes

quanto ao destino de suas produções, e os consumidores, quanto à fonte dos

produtos que consomem. Assim, o imposto não afeta os fluxos de comércio, que

são determinados pelos padrões de vantagens comparativas. Os preços relativos

e a renda real da economia também não sofrem alterações. Não existem

estímulos artificiais para motivar movimentos de fatores, visto que, a remuneração

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destes fatores é a mesma. Em equilíbrio, o imposto, mesmo com alíquotas

diferentes, não tem qualquer afeito sobre a alocação de recursos. Na verdade, a

neutralidade do princípio do destino não é absoluta.5

2.3 Base de incidência e mecanismos do IVA

Le (2003) classifica a base de incidência para o IVA em três tipos e

demonstra como é feito o cálculo do IVA, tipo Consumo, com a incidência de

isenção ou de alíquota zero, nos diferentes estágios da cadeia produtiva: a) IVA

tipo Produto (PIB), que incide sobre todos os produtos, inclusive o custo dos

investimentos; b) IVA tipo Renda ou Produto Líquido, que exclui da base o

consumo intermediário e a depreciação. Esta base é similar a do imposto de

renda;e, c)IVA tipo Consumo, que exclui da base os insumos intermediários e os

investimentos. Ao contrário dos impostos sobre a renda, um IVA, com base no

consumo, não causa distorções nas decisões de investimento e poupança, porque

esta é excluída da base de incidência. A base exclui o valor dos consumos

intermediários e dos itens de investimento do valor bruto das mercadorias e

serviços. A base, assim definida, aproxima-se da de um imposto sobre vendas a

varejo (RST). No cálculo do IVA, no método subtrativo indireto com base nas

faturas, para efeitos didáticos, serão considerados três estágios, nos quais os

preços serão P1, P2 e P3. As alíquotas serão t1, t2, t3 e zero. Para a demonstração

5 Sobre transações de fronteira motivadas por diferenças de tributação, interessante o trabalho de Keen (2002), Some International Issues in Commodity Taxation.

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que será feita, a alíquota zero considera o crédito das operações anteriores; a

isenção não o considera, rompendo a cadeia.6 Seguem os exemplos:

a) Sem isenção e sem alíquota zero:

Imposto = t1 * P1 + (t2 * P2 – t1 * P1) + (t3 * P3 – t2 * P2) = t3 * P3 (1)

b) Com isenção no primeiro estágio:

Imposto = t2 * P2 + (t3 * P3 – t2 * P2) = t3 * P3 (2)

A receita permanece a mesma.

c) Com isenção no segundo estágio:

Imposto = t1 * P1 + t3 * P3 (3)

Neste caso, a receita será maior do que se não houvesse a isenção, devido

à eliminação de um estágio da cadeia. O operador do segundo estágio fica

impedido de usar o crédito de seus insumos, gerando efeito cascata.

d) Isenção no terceiro (e último) estágio:

Imposto = t1 * P1 + (t2 * P2 – t1 * P1) = t2 * P2 (4)

A receita neste caso é menor, pois o último estágio fica fora e o valor

adicionado por ele escapa da incidência, reduzindo a carga tributária.

e) Alíquota zero no primeiro estágio:

Imposto = t2 * P2 + (t3 * P3 – t2 * P2) = t3 * P3 (5)

Não se altera a receita efetiva.

f) Alíquota zero no segundo estágio:

Imposto = t1 * P1 + (0 * P2 – t1 * P1) + (t3 * P3 – 0 * P2) = t3 * P3 (6)

Não há mudança na receita do IVA.

6 A alíquota zero é referida na literatura internacional quando da saída de mercadoria de um estado-membro para outro ou quando da venda para país de fora do bloco, o que eqüivale à imunidade no Brasil.

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g) Alíquota zero no terceiro (e último) estágio:

Imposto = t1 * P1 + (t2 * P2 – t1 * P1) + (0 * P3 – t2 * P2) = 0 (7)

A receita de toda a cadeia torna-se zero. Isto implica a completa exoneração

das exportações da carga do IVA. Portanto, deve-se aplicar a alíquota zero (ou

imunidade, no Brasil) e não a isenção. Assim, conclui-se que a alíquota zero,

aplicada em qualquer estágio anterior ao final, não afeta a carga tributária da

cadeia. Entretanto, a carga será plenamente eliminada, se a referida alíquota for

aplicada no estágio final. Se algum estágio intermediário for isento, espera-se uma

receita mais elevada devido ao efeito cascata.

2.4 IVA versus a tributação do varejo, Retail Sales Tax (RST)

A tributação do varejo tem sido proposta como uma das alternativas ao IVA.

Contudo, para Le (2003) o RST comporta sérias deficiências. Inicialmente, requer

o registro massificado de todos os varejistas. Além disso, o imposto deve ser

aplicado a todas as vendas para consumo final com alíquota uniforme. Não deve

incidir sobre a poupança, nem sobre o consumo relacionado com a produção. Na

prática, verificam-se muitas alíquotas e isenções. Por outro lado, é muito custoso,

administrativamente, distinguir o consumo, para ser taxado, das compras

destinadas à produção, para isentar, pois existem muitos itens que se prestam

para as duas finalidades. A base tende a erodir. Em geral, a tributação, em um

único estágio, é propensa a sérios riscos de perda de receita. Se algum setor

conseguir escapar da rede impositiva, a receita cairá imediatamente. No IVA, a

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receita, porventura perdida em um estágio, pode ser recuperada no próximo. O

IVA tem ainda vantagens comparativas importantes. Primeiramente, o IVA tem

uma base maior, no sentido de cobrir mercadorias e serviços. Segundo, ele é mais

seguro em termos de risco de perda de receita. O mecanismo de débitos e

créditos forma uma trilha que pode ser seguida, conferindo poder coercitivo ao

sistema e facilitando a coleta. Bickley (2003) conclui que o IVA é um sistema que

confere maior coerção e maiores possibilidades de cruzamento de informações.

Os críticos do IVA dizem que o mesmo é muito complexo para administrar,

levando a custos mais altos. Entretanto, para Ebrill (2001), as alternativas ao IVA

estão longe de serem simples e alcançam uma base menor. Considerando que,

em países em desenvolvimento, o IVA substitui uma rede confusa de vários

impostos incidentes sobre vendas ou faturamento, não se pode falar em aumento

de complexidade, mas em racionalização do sistema tributário.

Além disso, para Grandcolas (2003), ao analisar alguns países (Pacific

Islands Countries – PICs) em que a tributação sobre o valor adicionado foi

implantada, o IVA é um acelerador de mudanças culturais e melhorias

organizacionais, tendo propiciado o desenvolvimento de novos sistemas e

procedimentos de administração tributária. No que concerne às críticas de

aumento de custos para o contribuinte, o mesmo autor salienta que o IVA, ao

padronizar faturas e livros de contabilidade, em relação aos sistemas anteriores,

acabou por reduzir custos e levou a ganhos de qualidade no controle da própria

atividade empresarial privada.

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3 TRIBUTAÇÃO ATUAL SOBRE O CONSUMO NO MERCOSUL

Um processo de integração econômica, que visa a um mercado comum,

deve harmonizar sua legislação de tributos, especialmente os que incidem sobre o

consumo. Mas não se exige que os sistemas sejam idênticos, nem que as

alíquotas sejam iguais. Importante é ter o mesmo regime (origem ou destino).

Assim, os sistemas podem ser comparados, pois estarão seguindo os mesmos

princípios. A harmonização vai além da mera coordenação, mas fica aquém da

uniformização.

Argentina, Paraguai e Uruguai aplicam o IVA através do governo central.

Trata-se de um IVA tipo consumo, orientado pelo princípio do destino nas

trasnferências de bens. As exportações se gravam com alíquota zero, mediante a

devolução dos créditos das etapas anteriores. As importações são gravadas.

Quanto aos serviços, a situação é heterogênea, pois no Paraguai e Uruguai

predomina o princípio da origem.

No que refere a alíquotas, no Paraguai, o IVA tem a incidência única de

10%. O Uruguai tem uma alíquota reduzida de 14% (bens de primeira

necessidade) e uma alíquota geral de 23%. A Argentina tem uma alíquota

reduzida de 10,5% (gado vacum, frutas e verduras), uma alíquota geral de 21% e

uma alíquota máxima de 27% (eletricidade, telefonia e água encanada, quando

esses itens são fornecidos a contribuintes do IVA).

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3.1 No Brasil7

Para determinar a carga tributária sobre o consumo, consideram-se os

tributos que oneram os produtos finais, recaindo sobre o consumidor de bens e

serviços.

Tabela nº 1 – Carga tributária sobre o consumo no Brasil

ANO 2000 2001 Tributo Alíquota R$ bilhões % da CTB % do PIB R$ bilhões % da CTB % do PIB ICMS 20% 82,27 20,22 7,57 94,26 23,17 7,96COFINS 3% 38,49 9,46 3,54 45,43 11,17 3,84IPI Diversas 18,68 4,59 1,72 19,31 4,75 1,63PIS 0,65% 9,53 2,34 0,88 11,14 2,74 0,94ISS Diversas 5,92 1,46 0,55 6,78 1,67 0,57IOF Diversas 3,09 0,76 0,28 3,55 0,87 0,3Total - 157,98 38,83 14,54 180,47 44,36 15,24CTB total - 358,01 100,00 32,95 406,86 100,00 34,36Fonte: Receita Federal, valores correntes.

3.1.1 O IVA Híbrido Origem-Destino: Imposto sobre Operações Relativas à

Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte

Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS

O ICMS é um imposto plurifásico e incide sobre o valor adicionado em

cada etapa da cadeia produtiva. O método de apuração é o subtrativo indireto,

pelo qual, dentro de um determinado período de tempo, geralmente mensal, com

base nas faturas, são computados os créditos, pelo ingresso dos insumos, bem

7 A descrição dos tributos sobre o consumo no Brasil feita por Bins (2001) é referência para a descrição das espécies impositivas no Brasil.

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como os débitos, pela saída de mercadorias, apurando-se o montante a pagar, ou

o excedente de créditos a transferir ao período seguinte. A técnica permite a

tributação sobre o valor adicionado em cada etapa.8 Como a base do imposto não

precisa ser diretamente calculada, o sistema pode trabalhar com uma estrutura de

múltiplas alíquotas de modo mais eficiente. O método permite ainda o efeito de

recuperação (catch up effect), quando houver incidência de alíquotas menores nas

fases iniciais do ciclo.

Nas transações interestaduais, o imposto opera com uma técnica híbrida,

tributando-se parte na origem, parte no destino. Coube ao Senado, através da

Resolução nº 22/89, o estabelecimento das alíquotas interestaduais em 12 %

(doze por cento), com exceção das operações e prestações iniciadas nas

Regiões Sul e Sudeste com destino aos estados das Regiões Norte, Nordeste,

Centro-Oeste e ao estado do Espírito Santo, caso em que a alíquota é 7% (sete

por cento). A diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna é

arrecadada pelo estado de destino, quando o adquirente for contribuinte do

imposto (quando não for, aplica-se a alíquota interna da origem). A partir de 1996,

o Senado estabeleceu a alíquota de 4% (quatro por cento) para as prestações de

serviços aéreos interestaduais de passageiros, carga e mala postal. Quanto às

alíquotas internas, estas não podem ser inferiores às interestaduais e são

estabelecidas pelos estados em cada uma das 27 legislações existentes. O

Senado Federal pode estabelecer limites mínimos e máximos, com o fito de

resolver conflitos. Dado o princípio da seletividade, que instrui o ICMS, largo é o

espectro de alíquotas. Os estados geralmente têm uma alíquota geral de 17%

8 No caso do ICMS, o imposto integra a base tributável, resultando em uma alíquota efetiva maior.

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(dezessete por cento); uma para produtos supérfluos ou de luxo de 25% (vinte e

cinco por cento); e 12% (doze por cento) para mercadorias de primeira

necessidade, a cesta básica.

Varsano (1995) resume o problema da tributação do comércio interestadual

com o ICMS atual ao seguinte:

“Se o imposto fosse totalmente cobrado no estado de destino da mercadoria, haveria uma brecha para a sonegação (para o chamado "passeio da nota fiscal": a mercadoria sairia como se fosse destinada a outra unidade da federação, sem imposto, e seria entregue no próprio estado de origem para comercialização, iniciando uma cadeia de sonegações); se o imposto fosse integralmente cobrado na origem, seria resolvido o problema da sonegação, mas a distribuição da receita entre os estados tornar-se-ia muito injusta, pois as unidades deficitárias no comércio interestadual são, em geral, as mais pobres. Por isso, adotaram-se para o ICMS atual alíquotas interestaduais mais baixas que as internas.

Nesta sistemática, a distribuição da receita entre estados é menos injusta do que no caso de cobrança integral do imposto na origem. A brecha para sonegação continua a existir, embora o ganho do sonegador, que depende da diferença entre as alíquotas interna e interestadual, seja menor. Como no caso de saídas com destino à Zona Franca de Manaus as mercadorias não sofrem tributação, propiciando ganho máximo ao sonegador, é preferencialmente por lá que as notas fiscais costumam passear”.

Segundo Varsano (1999), o princípio híbrido origem-destino foi adotado

para redistribuir renda aos estados mais pobres. Ainda assim, permite ganhos aos

estados exportadores líquidos em relação às operações interestaduais, ou seja, os

estados mais desenvolvidos. No caso dos estados exportadores para o exterior,

com a aplicação do princípio de destino, e a conseqüente desoneração (com

manutenção dos créditos), ocorrem perdas e transferências indevidas de rendas

de um estado para outro. O estado exportador para o exterior garante créditos de

insumos de imposto pago em outros estados. Para Piffano (2001), deveria haver

um sistema de compensações (clearing) entre fiscos, de sorte que a jurisdição da

unidade compradora fosse compensada pela da unidade vendedora, evitando

assim a exportação do imposto.

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Em relação à incidência, é importante frisar que o ICMS incide sobre as

entradas nos territórios dos estados e DF, de energia elétrica e de petróleo, bem

como lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, quando as

operações interestaduais não forem destinadas à comercialização ou à

industrialização. Trata-se da aplicação do princípio do destino, que também rege

fluxo internacional, tributando-se as importações e exonerando-se as exportações.

O imposto não incide, além das imunidades previstas no art. 150, VI da CF/889,

nas operações interestaduais com energia elétrica e petróleo, bem como

lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, quando destinados

à industrialização ou à comercialização. Este procedimento permite que o imposto

seja arrecadado no destino, ou seja, no local onde ocorre o consumo final, sendo

uma medida importante na distribuição de rendas entre as unidades subnacionais,

diminuindo a concentração de renda em alguns estados produtores das

mercadorias em questão, componentes das denominadas Blue Chips Tributárias

(BCT), carros-chefes da arrecadação do ICMS, responsáveis por cerca de 40% do

produto total do imposto, segundo Bordin (2002). Estudo da Receita Federal

(2003b) também identifica a existência de bases excessivamente tributadas no

ICMS. São as operações relativas à energia, telecomunicações, veículos, cigarros

e combustíveis, tributadas a uma alíquota efetiva de até 33 %.

Varsano (1999) assevera que a Lei Complementar nº 87/96, Lei Kandir, deu

mais qualidade ao ICMS, aproximando-o dos impostos similares existentes em

outros países. O ICMS é agora um imposto de consumo do tipo IVA e, do ponto de

vista nacional, embora não no das unidades subnacionais, já se aplica plenamente

9 Imunidade recíproca, templos de qualquer culto, partidos políticos e entidades sindicais, livros, jornais e

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o princípio do destino. Mas, ainda são necessárias reformas e mudanças para

que se possa chamar a esse imposto subnacional de um moderno IVA.

3.1.1.1 Guerra Fiscal

No caso do princípio da origem, ocorre a mobilidade de fatores em função

das alíquotas. Em função disso, a localização, induzida pela tributação, pode

contrariar vantagens locacionais naturais. A economia atinge o equilíbrio em uma

posição menos eficiente.

Viol (2000) também conclui que a competição tributária leva a prejuízos ao

conjunto dos estados e DF. A chamada guerra fiscal foi acirrada pelo incremento

nos investimentos estrangeiros e o crescimento econômico havidos na década de

90, combinados com a crise financeira dos estados. Entretanto, não há estimativas

confiáveis a respeito do custo-benefício incorrido.

Para Alves (2001), a guerra fiscal é um fenômeno que aparece mais

especialmente a partir dos anos 60, com a industrialização do País feita através da

política dos incentivos fiscais. A reforma tributária de 1966 substituiu o IVC pelo

ICM. Em 1975, é criado o CONFAZ, na tentativa de harmonizar a competência

tributária dos estados e DF. Em 1988, o ICM transforma-se em ICMS, dando maior

autonomia aos estados. Aliado a isso, os processos de redemocratização e

descentralização contribuíram para diminuir o poder coercitivo do CONFAZ. Nesse

cenário, na década de 90, o País recebe uma gama de investimentos

automobilísticos, acirrando os conflitos.

periódicos.

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Para Mora e Varsano (2001), quando a prática dos incentivos se dissemina,

ela acaba perdendo sua eficácia, pois a receita cai em todos os estados, e o

incentivo perde o seu poder de alocar a produção. A decisão do investimento leva

em conta o conjunto de condições oferecido pela localização, não só pelos

incentivos fiscais, mas pelo crédito, infra-estrutura, mão-de-obra e acesso a

mercados, de sorte a manter a melhor escala da inversão a ser feita.

Bordin (2003) ressalta que a participação do FUNDOPEN, no ICMS do Rio

Grande do Sul, passou de 0,03% em 1989, para 5% em 2002, representando o

valor de R$ 423 milhões, de janeiro a novembro deste último ano. Estima que o

patamar atual das desonerações fiscais do ICMS, em conjunto, esteja na casa dos

36% do ICMS potencial.

3.1.2 O IVA nacional parcial: Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI

O IPI é um imposto plurifásico, de competência federal, que incide sobre o

espectro de bens resultantes do processo de industrialização. Está previsto no art.

153, IV da CF/88, e foi instruído com os princípios da seletividade e da não-

cumulatividade. Também se lhe aplica o princípio do destino, ou seja, não incide

sobre produtos industrializados destinados ao exterior, mas sobre as importações

dos mesmos produtos. A não-cumulatividade opera pelo método subtrativo

indireto, do mesmo modo que o ICMS. O Regulamento do IPI (RIPI) permite o

crédito quanto ao imposto destacado nos documentos fiscais próprios relativos a

matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, inclusive

produtos que forem consumidos no processo de industrialização, salvo os bens do

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ativo permanente. A partir da Lei nº 9.779/99, os créditos das operações

anteriores passaram a serem admitidos, quando da ocorrência de isenção ou

tributação à alíquota zero.

3.1.3 Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS

O ISS é um imposto de caráter nacional e competência municipal,

plurifásico e cumulativo, incidindo sobre uma gama abrangente de serviços

intermediários e de consumo final. É um imposto significativo, especialmente para

as cidades maiores e capitais dos estados. Segundo publicação do IBAM (2003), a

arrecadação do ISS, em 2002, foi de R$ 8,03 bilhões, representando 42,7% da

arrecadação tributária dos municípios.

Somente com a edição da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de

2003, é que o imposto passou a contar com um diploma mais completo e efetivo.

Previu-se que o imposto não incide sobre as exportações de serviços para o

exterior do País e que incide sobre o serviço proveniente do exterior ou cuja

prestação lá se tenha iniciado.

O ISS incide sobre uma lista taxativa, agora anexa à LC nº 116/03, o que

define um leque bastante amplo de serviços, com exceção dos compreendidos no

campo do ICMS. As alíquotas são ad valorem e têm observado o limite superior de

5% (cinco por cento), limite máximo que agora ficou fixado na Lei Complementar

nº 116/03. Mas há uma diferenciação muito grande de um município para outro, o

que dificulta o controle para contribuintes com estabelecimentos em várias

jurisdições, afetando a neutralidade do tributo.

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A espécie tornou-se campo fértil para guerra fiscal, com as mesmas

conseqüências e de modo mais livre que o ICMS. Os municípios usam

basicamente as alíquotas mais baixas e isenções, pois têm plena liberdade de as

estabelecer mediante lei ordinária municipal, sem qualquer espécie de

coordenação interjurisdicional.

Varsano (1999) destaca que o ISS, por ser cumulativo, não permite

créditos para mercadorias ou serviços que tenham servido de insumo. Do mesmo

modo, produtores de mercadorias não podem se creditar do imposto municipal

contra suas obrigações, seja do IPI, seja do ICMS.

3.1.4 Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS

A COFINS foi introduzida pela Lei Complementar nº 70/91, com base no art.

195, I da Constituição Federal. É de competência da União e sucedeu ao antigo

FINSOCIAL, tendo o produto de sua arrecadação destinado exclusivamente ao

custeio das atividades de saúde, previdência e assistência social.

É o mais produtivo imposto federal incidente sobre o consumo. No exercício

de 2003, sua arrecadação total montou a R$ 59,56 bilhões, a valores correntes,

representando 21,79% (vinte e um inteiros e setenta e nove centésimos por cento)

do total das receitas federais. Se considerada a Carga Tributária Bruta (CTB)

imposta por todas as esferas federativas, com base em dados de 2001, a COFINS

representou 11,17 % (onze inteiros e dezessete centésimos por cento) do total e

3,84% (três inteiros e oitenta e quatro centésimos por cento) do PIB.

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A COFINS é plurifásica. Em 2003, por força da Lei nº 10.833, deixou de ser

cumulativa. O fato gerador é o faturamento mensal, auferido pelas pessoas

jurídicas ou equiparadas a tal pela legislação do Imposto de Renda. O valor do

faturamento constitui a base tributável, sobre a qual incide a alíquota e define-se o

débito. A partir de agora, poderá ser descontado o crédito calculado com a mesma

alíquota incidente sobre o valor dos bens e serviços adquiridos para revenda ou

para utilização como insumo, inclusive lubrificantes e combustíveis, energia

elétrica, aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, despesas financeiras,

bem como máquinas e equipamentos incorporados ao ativo permanente, dentre

outros investimentos relacionados à atividade da organização. A apuração será

feita mensalmente mediante o confronto de débitos e créditos, sendo que, se

houver excesso de créditos, o montante será transferido para o período seguinte.

A alíquota, que era de 3% (três inteiros por cento), com o instituto da não-

cumulatividade, necessitou de calibragem para assegurar o mesmo volume de

receitas, passando para 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento).

3.1.5 Programa de Integração Social – PIS

O PIS, de competência da União, está previsto no art. 239 da Constituição

Federal, foi instituído pela Lei Complementar nº 7, de 07/09/70, e objetiva financiar

o programa de seguro desemprego e o abono anual para os empregados com

renda mensal até 2 (dois) salários mínimos. Para os servidores públicos, existe o

Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP).

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A arrecadação do tributo em 2003, a valores correntes, montou a R$ 17,33

bilhões, equivalentes a 6,34% (seis inteiros e trinta e quatro centésimos por cento)

da receita federal total. Segundo dados de 2001, representou 2,74% (dois inteiros

e setenta e quatro centésimos por cento) da CTB e a 0,94% (noventa e quatro

centésimos por cento) do PIB.

O PIS é plurifásico e sua cobrança passou a ser não-cumulativa a partir da

eficácia da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002.

A contribuição tem como fato gerador o faturamento mensal, entendido

como o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica. A base de cálculo é o

valor deste faturamento, sobre o que incide a alíquota. Do valor apurado, o

contribuinte poderá descontar os créditos calculados sobre o valor dos bens e

serviços adquiridos para revenda ou para insumo na fabricação de produtos, além

de aluguéis, despesas financeiras, máquinas e equipamentos adquiridos para o

ativo imobilizado e edificações, entre outros. Alguns setores ficaram sujeitos ao

regimento anterior, em função de suas peculiaridades, geralmente serviços

prestados em um só estágio, como é o caso da prestação de serviços de

telecomunicações.

A alíquota, que era de 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento), com

a adoção da não-cumulatividade, passou a 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco

centésimos por cento). É digno de notar o crescimento da arrecadação com a

implementação da nova técnica, pois o tributo passou de 5,30% (cinco inteiros e

trinta centésimos) para 6,34% (seis inteiros e trinta e quatro centésimos por cento)

da arrecadação federal total, de 2002 para 2003. Em valores corrigidos pelo IGP-

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DI de dezembro de 2003, verifica-se que a arrecadação cresceu de R$ 16,11

bilhões, em 2002, para R$ 17,72 bilhões em 2003.

A não-cumulatividade permitiu a desoneração das exportações,

constituindo-se em importante avanço na inserção econômica internacional. Foi

resolvido também um problema que afetava a neutralidade. Como a COFINS e o

PIS não incidiam sobre as importações, causavam prejuízo ao produto brasileiro

no mercado interno, caso não existisse o mesmo tributo no país de origem. Agora,

essas contribuições incidem sobre as importações, estando orientadas

plenamente pelo princípio do destino.

3.1.6 Problemas do Sistema brasileiro

Varsano (1999) lista algumas reclamações sobre o sistema: falta de

uniformidade nas regras e nas alíquotas entre os estados, com altos custos e

prejuízos à harmonização internacional; administração complexa e pesada devido

à existência de dois IVAs parciais, um federal e outro estadual; preservação de um

certo grau de cumulatividade, devido à exclusão dos serviços da base (e também

devido aos problemas de interação entre o ICMS e o IPI)10; incapacidade de gerar

um nível razoável de renda para os estados menos industrializados; indesejáveis

transferências de renda entre os estados, nos casos de exportações e transações

com bens de capital; alto nível de evasão, parte devido à diferença entre

alíquotas aplicadas nos âmbitos intra-estadual e interestadual; falta de eqüidade;

10 O ICMS está incluído na própria base; o IPI inclui em sua base o ICMS; O ICMS incide sobre o IPI, nas vendas interestaduais; o IPI é incorporado ao custo dos produtos ao final dos estágios de produção, passando a constituir base do ICMS.

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guerra fiscal, devido à competição por investimentos, o que prejudica o

financiamento dos estados e municípios e a harmonia da federação.

3.2 Na Argentina11

A Argentina tem um IVA federal bem desenhado. A maioria dos impostos é

coletada pelo governo central, e uma parte substancial dessas receitas é

repassada às províncias através de um sistema chamado de coparticipación.

O imposto importante de competência provincial é o imposto sobre o

faturamento bruto. Este imposto, de baixa qualidade, é aplicado a várias alíquotas

e em diferentes atividades. As alíquotas são fixadas independentemente pelas

vinte e quatro províncias e resultam em uma gama variada de incidências e

isenções.

Em 1993, foi feito um acordo entre o governo central e as províncias (Pacto

Fiscal), requerendo-se a substituição do imposto provincial sobre o faturamento

por um imposto provincial sobre vendas no varejo (Retail Sales Tax – RST), a ser

implementado em 1996. Como um primeiro passo, a maioria das províncias aboliu

ou reduziu a incidência sobre o faturamento do setor primário e algumas

atividades industriais. Essa mudança é positiva, pois reduz as distorções.

Entretanto, para que se produzam as receitas requeridas pelas províncias

em reposição ao imposto sobre o ingresso bruto, segundo estimativas do governo

central, será necessária uma alíquota de 3,5% nas vendas a varejo. Mas, outras

estimativas sugerem uma alíquota de 7%, em média, sendo que, na

11 Boa parte da descrição foi tomada de Bird; Gendron (2001) e Fenochietto (2001).

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Municipalidade de Buenos Aires, e algumas outras províncias, seriam requeridos

percentuais de 10%. Isso, se somando ao IVA federal de 21%, expressa uma

carga indesejável. Este processo acabou sendo adiado, mas a discussão ensejou

o surgimento de propostas, como a feita pela Província de Buenos Aires, de um

IVA provincial.

Piffano (2001) conclui que o melhor para a Argentina seria um sistema

combinado por um IVA central exclusivo, com alíquota reduzida, e um imposto

provincial (RST). Esse sistema não exige majoração dos custos administrativos e

evita a complexidade da administração do valor adicionado, experiência que as

províncias não têm. Requer somente cooperação entre os fiscos federal e

provinciais para combater as fraudes em ambos os impostos. Não requer

administração conjunta nem compensações. A coexistência com o IVA federal, por

sua parte, permite contar com a informação sobre toda a cadeia de faturamento,

possibilitando o controle das vendas no final do processo produtivo.

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4 EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS EM OUTROS PAÍSES FEDERADOS E NA

UNIÃO EUROPÉIA

Bird e Gendron (2001) verificaram a existência de dois grupos de países:

a) IVA aplicado somente pelos estados (IVA ou impostos sobre vendas no varejo -

RST). Um exemplo disso são os EUA. Poucos governos centrais abrem mão de

um imposto produtivo sobre o consumo; e, b) IVA aplicado somente por governos

centrais. Este último é o sistema mais simples e mais comum. A Alemanha é um

exemplo, tem um IVA único com um sistema de rateio e transferência de receitas

aos estados (Länder), através de uma fórmula. Na Áustria também é assim, os

estados recebem 18,55% do IVA, e 12,37% vão para os municípios. Outros países

como Austrália (desde 2000), Bélgica e Suíça também têm o IVA central. Esta

alternativa pode ser boa em alguns países em desenvolvimento, com estados

fracos e dependentes da federação, mas não será aceita se houver governos

regionais fortes e importantes.

Segundo os mesmos autores, restam três caminhos para que dois níveis de

governo possam impor um IVA: a) manutenção de duas bases imponíveis

distintas, tal como hoje se verifica no Canadá (cinco províncias aplicam um

imposto sobre vendas no varejo – RST), no Brasil, na Índia, na Argentina e na

Federação Russa; b) manutenção de IVAs independentes, nas duas esferas de

governo, reduzindo custos através de harmonização da base e, até certo grau, das

alíquotas. É possível manter substancial grau de autonomia, ao mesmo tempo em

que se reduz o custo econômico e administrativo. A província de Quebec é um

exemplo disso. Bird e Gendron (2001) sugeriram, com adaptações, essa proposta

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para ser aplicada no contexto da União Européia. Varsano (1995, 1999) e McLure

(1999) têm proposto uma alternativa (discutida mais adiante) apropriada para

grandes países em desenvolvimento; e, c) o IVA pode ser também um imposto

concorrente entre estados e União, sendo administrado por um ou por outro e

aplicado sobre uma base determinada em conjunto, mas com cada governo tendo

liberdade de firmar suas próprias alíquotas. Este modelo é seguido em três

províncias do Canadá.

Para Bird (1999), alguns críticos dizem que o IVA subnacional, se aplicado

com o princípio de origem, causaria distorções; se aplicado com o princípio do

destino, ampliaria a sonegação. Defendem que o melhor, a exemplo da

Alemanha, seria um IVA de competência federal, com uma proporção da receita

sendo distribuída através de uma fórmula aos estados. Em que pese a facilidade

de aplicação da técnica, e seu baixo custo, a proposta, na prática, aumentaria o

volume de transferências intergovernamentais, reduzindo a autonomia da

federação de modo inaceitável, especialmente no Brasil. O IVA pode tornar-se um

imposto conjunto, federal e estadual, como tem sido proposto na Índia e no Brasil,

desde que se desenvolva um sistema adequado de tratamento das transações

interestaduais. O imposto poderia ser administrado em cada esfera de governo,

incidente em uma base conjunta ou harmonizada, mas com cada ente podendo

determinar, até certo grau, suas próprias alíquotas.

4.1 O IVA na União Européia

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O IVA foi introduzido, com base nas Diretivas Primeira e Segunda, na

Comunidade Econômica Européia (CEE), a partir de 1970, substituindo impostos

incidentes sobre a produção, de caráter cumulativo, até então aplicados pelos

estados-membros. Um dos principais objetivos foi a supressão das fronteiras

fiscais. Para isso, mesmo que orientado pelo princípio do destino, no comércio

intracomunitário, o imposto deveria ser cobrado na origem. A Sexta Diretiva teve

como fito garantir a incidência do imposto sobre as mesmas transações, mesma

base imponível, no âmbito do mercado comum. Mas, ainda não foi possível reunir

as condições necessárias para a harmonização das alíquotas, bem como a

instituição de um mecanismo de compensação que propicie a adoção do

recolhimento na origem. Isto presente, foi adotado o atual regime transitório que

permitiu a abolição dos controles do trânsito de fronteira. Assim, as trocas de

mercadorias entre os estados-membros passaram a não ser mais tratadas como

importação e exportação. Desde o Neumark Report (1963), com sua

recomendação de cobrança do imposto na origem, para o comércio interno na UE,

até as propostas recentes da Comissão Européia (1996), muitas alternativas têm

sido estudadas, mas nenhuma logrou ser aceita no contexto europeu. No

presente, a UE aplica o princípio do destino, com o método do pagamento diferido,

quando a venda é feita entre dois contribuintes de países-membros, sem qualquer

tratamento de fronteira, ou seja, com alíquota zero. As importações de outros

países-membros, ao contrário das importações de outros países, não são

tributadas nas fronteiras. Os importadores devem declarar suas importações,

debitando-se e creditando-se ao mesmo tempo. O IVA somente será aplicado

efetivamente quando o produto é revendido ou incorporado como insumo em

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mercadorias pela firma importadora. O sistema funciona com base declaratória.

Como forma de controle, as exportações para outros países dentro da União

Européia devem registrar o número de inscrição no IVA do comprador. O sistema

do pagamento diferido deve ser contrastado com o sistema clearing house no qual

o IVA incidiria na origem, cobrado pelo país exportador (com sua alíquota), com o

crédito sendo suportado pelo país importador, que também receberia a respectiva

receita.

País Alíquota Super

Reduzida

Alíquota Reduzida Alíquota Geral

Bélgica - 6 21

Dinamarca - - 25

Alemanha - 7 16

Grécia 4 8 18

Espanha 4 7 16

França 2,1 5,5 19,6

Irlanda 4,3 13,5 21

Itália 4 10 20

Luxemburgo 3 6 15

Holanda - 6 19

Áustria - 10 20

Portugal - 5/12 19

Finlândia - 8/17 22

Suíça - 6/12 25

Inglaterra - 5 17,5

Quadro nº 1 - Lista de alíquotas aplicadas pelos estados-membros da EU, em outubro de 2003.

Fonte: Quadro elaborado com base em dados da European Commission (DOC/2402/2003-EN).12 As isenções com devolução do crédito do imposto pago em estágios anteriores (alíquota zero), não constam do Quadro.

12 As informações foram fornecidas à Comissão Européia pelas administrações tributárias de cada país.

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Além das faixas de alíquota constantes do Quadro acima, existe uma

alíquota transitória (parking rate), utilizada por Bélgica, Irlanda, Luxemburgo e

Áustria, (12%, 13,5%, 12% e 12%, respectivamente) que são aplicáveis a produtos

que estavam sujeitos a alíquotas super reduzidas, sem serem típicas.

Tabela nº 2 - Aplicação da Alíquota Reduzida por alguns países-membros às categorias de mercadorias e serviços. Categoria Alemanha Inglaterra França Áustria Bélgica Suíça

Alimentação 7 e 16 0 e 17,5 5,5 e 19,6 10 6; 12 e 21 12 e 25

Água (suprimentos) 7 0 5,5 10 6 25

Fármacos 16 0 e 17,5 5,5 e 19,6 20 6 e 21 25 e 0

Transportes 7 e 16 0 5,5 10 6; 0 e [I] 6 e 0

Livros 7 0 5,5 e 19,6 10 6 e 21 6

Jornais 7 0 2,1 e 19,6 10 0; 6 e 21 6

Revistas 7 0 2,1 e 19,6 10 0; 6 e 21 [I] e 6

Shows [I] e 7 17,5 5,5 e 19,6 [I] e 10 [I] e 6 6

TV paga 16 17,5 5,5 10 12 e 21 25

Escritores 7 17,5 5,5 20 e 10 6; 21 e [I] 6

Habitação Social 16 e 7 17,5; 5 e 0 5,5 e 19,6 20 12 25 e [I]

Insumos Agrícolas 7 17,5 5,5 20 e 10 6; 12 e 21 25

Hotel(acomodação) 16 17,5 5,5 10 6 e [I] 12

Servs. Médicos 7 e [I] [I] 5,5 e 19,6 [I] e 10 6; 21 e [I] [I]

Coleta de Lixo [I] e 16 0 e 17,5 5,5 e 19,6 10 21 25

Fonte: Tabela elaborada com base em dados da European Commission (DOC/2402/2003-EN). A alíquota zero implica a restituição do crédito do imposto pago em estágios anteriores; As isenções estão representadas por [I] e desconsideram os créditos.

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Tabela nº 3 - Alíquota geral aplicada a certos produtos ou serviços em alguns países-membros. Categoria Alemanha Inglaterra França Áustria Bélgica Suíça

Destilados 16 17,5 19,6 20 21 25

Vinho 16 17,5 19,6 20 e 12 21 25

Cerveja 16 17,5 19,6 20 21 25

Tabaco 16 17,5 19,6 20 21 25

Telecomunicações 16 17,5 19,6 20 21 25

Energia Elétrica 16 5 5,5 e 19,6 20 21 25

Gás Natural 16 5 5,5 e 19,6 20 21 25

Veículos 16 17,5 19,6 20 6 e 21 25

Gasolina 16 17,5 19,6 20 21 25

Diesel 16 17,5 19,6 20 21 25

GLP 16 17,5 19,6 20 21 25

Lubrificantes 16 17,5 19,6 20 21 25

Jóias 16 17,5 19,6 20 21 25

Casacos de Pele 16 17,5 19,6 20 21 25

Roupas(adultos) 16 17,5 19,6 20 21 25

Roupas(crianças) 16 0 19,6 20 21 25

Calçados(adultos) 16 17,5 19,6 20 21 25

Calçados(crianças) 16 0 19,6 20 21 25

Aparelhos Elétricos 16 17,5 19,6 20 21 25

CD/CD-rooms 16 17,5 19,6 20 21 25

Restaurantes 16 17,5 19,6 10 21 25

Plantas Decorativas 7 17,5 5,5 10 6 25

Plantas (alimentação) 7 0 5,5 10 6 25

Fonte: Tabela elaborada com base em dados da European Commission (DOC/2402/2003-EN). A alíquota zero implica a devolução do crédito do imposto pago em estágios anteriores.

Muito embora tenha havido uma certa convergência nas alíquotas nos

últimos anos, estas ainda são consideradas muito discrepantes para a

neutralidade requerida. Além disso, não há uniformidade na aplicação da

legislação comunitária, devido a divergências de interpretação. Como resultado

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disso, o IVA ainda carrega uma complexidade muito grande para os operadores

públicos e privados. O Quadro abaixo retrata a evasão do IVA na União Européia.

Pais/Ano 1994 1995 1996 Média

Bélgica 18,00 19,9 20,1 19,3

Dinamarca 4,5 4,3 3,8 4,2

França 8,1 8,5 9,8 8,8

Alemanha 1,6 5,2 7,5 4,8

Grécia 19,8 20,5 20,3 20,2

Itália 33,2 35,5 34,9 34,5

Holanda 3,8 1,7 1,6 2,4

Portugal 13,9 13,0 15,6 14,2

Espanha 19,2 24,6 24,0 22,6

Inglaterra 0,4 4,4 6,5 3,8

Média 12,25 13,76 14,4 13,48

Quadro nº 2 - Evasão do IVA em % da Receita Potencial para países selecionados da EU.

Fonte: Nam, Parshe, Schaden, apud ATO (2001) Para França, Itália e Inglaterra, os dados são de 1991, 1992 e 1993.

A Comissão das Comunidades Européias apresentou, em 1996, um

programa de trabalho para a conformação de um sistema comum para o IVA. Os

objetivos eram os seguintes: a) por termo à segmentação do mercado comum em

tantos espaços fiscais diferentes quantos forem o número de estados-membros; b)

ser simples e moderno; c) garantir a igualdade de tratamento para as operações

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dentro da comunidade; e, d) garantir a segurança e o controle da tributação para

manter o nível de receitas.

Estes objetivos definem três ações básicas: a) assegurar a aplicação

uniforme do imposto; b) modernizar o imposto; e, c) alterar o sistema de

tributação, passando para a origem nas operações internas à comunidade.

O programa de trabalho proposto em 1996 mostrou-se difícil de implantar.

Houve resistência dos países membros para aprovar as propostas que levariam

ao regime definitivo. Como na ocasião da passagem ao regime transitório, os

países ainda não estão preparados para aceitar a harmonização das alíquotas do

IVA e das estruturas do imposto. Desse modo, a Comissão está concentrando

seus esforços em passos intermediários, quais sejam, a simplificação, a

modernização e a aplicação mais uniforme das regras existentes, bem como uma

execução mais efetiva da cooperação administrativa.

Cada estado tem sua própria lei do IVA. A União Européia somente

estipulou que a alíquota mínima deverá ser de 15 % (quinze por cento). Como

visto nos Quadros e Tabelas acima, as alíquotas variam entre os estados e entre

determinados tipos de produtos. Ainda que essas alíquotas, em combinação com

os dispositivos do regime transitório, garantam um funcionamento satisfatório,

convinha diminuir as divergências entre os tipos impositivos normais do IVA. Tais

divergências provocam desequilíbrios estruturais na comunidade e em alguns

setores econômicos. Sob essa justificativa, a Comissão julgou adequado manter o

nível mínimo de 15% (quinze por cento), durante um período suficientemente

longo, para permitir a aplicação das estratégias de simplificação e modernização.

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4.2 A experiência canadense

O Canadá é um verdadeiro laboratório para quem deseja estudar o IVA.

Segundo o relato de Bird (1999), existem vários sistemas distintos de impostos

sobre vendas. Há um IVA federal, Goods and Services Tax (GST). Em um estado

(Alberta), o GST é o único imposto sobre vendas. Em quatro estados, além do

GST, existe um imposto separado, do tipo Retail Sales Tax (RST), aplicado sobre

a base do GST, sem incluir o valor deste último. Em um estado pequeno (Prince

Edward Island), o RST estadual é aplicado sobre a base do GST, com o mesmo

incluído. Em três outros estados pequenos (Newfoundland, Nova Scotia and New

Brunswick) existe um IVA conjunto federal-estadual, chamado de Harmonized

Sales Tax - HST, administrado pelo governo federal a uma alíquota uniforme de

15%. Finalmente, em um estado (Quebec), existe um IVA estadual, Quebec Sales

Tax (QST), aplicado à mesma base do GST com o valor do mesmo incluso. O

QST é administrado pelo estado. Este também administra o GST, em conjunto

com o governo federal. Este é um mix de soluções interessantes. O QST e o GST

se constituem em uma operacionalização do IVA dual. As alíquotas dos dois

impostos são fixadas independentemente pelos dois governos. Os dois impostos,

desde de o início, são coletados pela administração tributária do estado de

Quebec.

Nas vendas interestaduais, de um contribuinte para outro, aplica-se o

diferimento, muito similar ao regime vigente na União Européia no regime de

transição. Exportações de Quebec, para outro estado ou país, são feitas com

alíquota zero. Importações, de outros estados ou do exterior, são tributadas, mas

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a arrecadação só ocorre quando há a venda a consumidor final ou comerciante

não registrado. A principal diferença, entre este sistema e o da União Européia, é

a existência de uma esfera federal (GST) que dá mais coerção ao mecanismo. O

governo federal canadense estabelece as prioridades de auditoria, mas o plano

final é acordado com o estado de Quebec, que tem a competência de executar e

informar os resultados através de relatórios. Desde que as bases são comuns (e a

base estadual inclui o valor do imposto federal), o estado tem interesse direto em

monitorar também o GST. Como Quebec não pode fiscalizar as transações

interestaduais, o processo de auditoria normal, feito pela administração tributária

federal do Canadá, serve para o cruzamento de informações e para assegurar que

o QST não sofra evasão. O importante é que, a existência de um imposto federal

sobre vendas, incidente em uma base mais ou menos uniforme, promove um grau

de controle sobre as vendas interjurisdicionais para os impostos dos dois níveis de

governo. Há uma harmonização que respeita a autonomia provincial, em especial

para determinar as alíquotas. Além disso, dentro de certos limites, permite

também a concessão de benefícios a consumidores finais. O acordo de

harmonização com Quebec preserva a autonomia e tem uma administração única.

Para um IVA administrado em conjunto, o sistema atingiu o objetivo de ter custos

relativamente baixos para o contribuinte e administração. A experiência

canadense tem demonstrado que uma jurisdição subnacional pode impor um IVA

com o princípio do destino, com alíquotas diferenciadas, sem a necessidade de

qualquer mecanismo ou estrutura de compensação (clearing house). Contudo, é

necessário fazer-se a ressalva que a administração tributária canadense tem

padrões elevados, o que permite a troca de informações entre as diferentes

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esferas administrativas, e existe uma cultura favorável ao cumprimento das

obrigações tributárias.

4.3 A Índia em processo de reforma13

Segundo Bird e Gendron (2001), em 1992, foi instituído o Comitê de

Reforma Tributária. Inicialmente estudava-se a criação de um IVA único para

substituir o imposto federal sobre vendas, um excise tax, e também o imposto

sobre vendas dos estados, na maior parte dos casos, coletado sobre a indústria. O

Comitê sugeriu a extensão do IVA até o setor das vendas por atacado, com esta

extensão sendo administrada pelos estados, que ficariam com a receita sobre esta

margem. Além dos impostos sobre vendas já referidos, a Índia tem um imposto

especial, chamado de Imposto Central sobre Vendas, que é aplicado pelos

estados exportadores, nas vendas interestaduais, a uma alíquota uniforme de 4%

(quatro por cento) fixada por lei central. Mas, em alguns estados, a alíquota

respectiva interna pode chegar a 10% (dez por cento). O Comitê sugeriu a

instituição de um clearing-house, para que este imposto pudesse ser destinado a

um fundo e então dividido entre estado exportador e importador. Mas

considerando que a União Européia não foi capaz de estabelecer um sistema de

clearing até agora, o Comitê recuou para uma proposta de baixar a alíquota para

1% (um por cento), o que reduziria o efeito cascata do atual sistema. Qualquer

redução nos impostos baseados na origem fica sujeita a fortes resistências por

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parte dos estados produtores. Mais adiante, em 1994, foi recomendada a criação

de um IVA dual, sendo que, o IVA dos estados ficaria restrito ao varejo, e o IVA

central seria aplicado na manufatura, ao modo do IPI no Brasil. Na Índia existem

restrições constitucionais para que o governo central possa tributar o comércio,

serviços e agricultura. Em 1997, um comitê de secretários de fazenda estaduais

recomendou que o Imposto Central sobre Vendas fosse reduzido de 4% (quatro

por cento) para 2% (dois por cento), com a metade da receita indo para o estado

exportador e a outra metade sendo rateada de acordo com indicadores de

consumo. Em outra discussão, sugeriu-se também a introdução de um IVA dual,

com uma base única centralmente determinada, mas com alíquotas fixadas de

forma autônoma pelos entes. Mas, a questão de como resolver o problema do

comércio interestadual ficou em aberto. Nos últimos anos, muito esforço tem sido

feito para a implantação de IVAs estaduais. Foi estabelecido um modelo de lei

estadual, mas permanece ainda inatacado o problema do comércio interestadual.

Em 1999, o excise da União foi transformado em um IVA central (CENVAT), a

uma alíquota básica de 16% (dezesseis por cento) sobre as manufaturas, com

créditos sobre os bens de capital podendo ser compensados ao longo de dois

anos. Nesse mesmo ano, todos os governos estaduais concordaram em introduzir

um sistema de IVA, em troca dos impostos sobre vendas existentes. O fato indutor

do acordo talvez seja a crescente guerra fiscal feita com base na concessão de

isenções e conseqüente erosão de receitas.

13 Segundo Srivastava (2000), do National Institute of Public Finance and Policy, o sistema federal na Índia se compõe de um governo central, 28 estados, dois territórios da união com legislaturas, cinco territórios sem legislatura, e várias regiões autônomas dentro dos estados.

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A Índia está no caminho para a implantação do IVA. Apesar das enormes

dificuldades, a Índia está trilhando o caminho no sentido de mudar para um

sistema de impostos sobre vendas, orientado pelo princípio de destino. Mesmo os

estados produtores começam a entender a necessidade da mudança, em função

da abertura econômica e da competição internacional.

4.4 IVA: Benchmarking Internacional

Nova Zelândia, Noruega e Suécia foram identificados como países que

administram o IVA de forma eficiente e com baixo custo, devido à simplicidade no

design e a integração com o imposto de renda para o controle das obrigações. O

Relatório do Australian Taxation Office - ATO (2001) compilou dados de várias

administrações tributárias, informações do Fundo Monetário Internacional – FMI e

da OCDE, além da European Commission - EC. Ficou evidenciado, com relação

aos tópicos de receita, elisão, evasão e fraude (tax gap), o abaixo descrito.

Receita: o principal indicador é a proporção IVA/PIB. Contudo, é necessário ter

cuidados, pois a evasão e o tamanho da economia informal variam muito. O

IVA/PIB na União Européia 1991/1992 foi de 7%; uma base ampla e uso de

poucas isenções, como na UE, resultam em 0,4% do PIB por ponto percentual de

alíquota. Com base em dados dos anos de 1998 e 1999, para os países

observados, a carga tributária variou de 33 a 52 % do PIB. Em relação ao PIB, a

receita do IVA variou de 2,28 a 10,3% do PIB. A importância do IVA na receita

total variou de 10% a 43%, sendo que a média foi de 25%.

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45

País CTB em % PIB (1997) IVA em % do PIB

(1998/99)

Canadá 37 2,28

Inglaterra 35 6,24

Irlanda 33 7,11

Finlândia 47 7,68

Suécia 52 8,01

Holanda 42 6,87

França 45 7,95

Áustria 44 10,30

Bélgica 46 7,56

Dinamarca 49,5 9,94

Nova Zelândia 36,40 6,14

Alemanha 37,20 6,60

Grécia 33,70 7,90

Espanha 33,70 5,50

Itália 44,40 5,60

Luxemburgo 46,50 6,30

Portugal 34,20 8,00

Média 40,98 7,06

Quadro nº 3 - Carga Tributária em % do PIB e participação do IVA em % do PIB.

Fonte: Australian Taxation Office - ATO (2001).

Tax Gap: o tamanho da evasão, e das fraudes, parece estar aumentando na

União Européia, após a implantação do mercado único. Os principais tipos de

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fraude na UE, em 1994, foram os seguintes: falta de emissão de faturas, faturas

falsas, vendas não declaradas, deduções duplas, deduções sem documentação

probatória, empresas de fachada, uso de números de registro errados ou fictícios

e exportações fictícias. As fraudes mais freqüentes, na UE (57%), foram a

supressão dos débitos e aumento nos créditos do imposto. A diferença entre o IVA

coletado e o IVA potencial é estimada em 70.000 milhões de Euros,

correspondente a 21% da receita dos países membros.

Segundo o documento VAT Collection and Control Procedures in Member

States, European Commission (1998), para controlar fraudes no campo do IVA,

deve-se aumentar a percepção do risco de descoberta das fraudes. O elemento-

chave para isso é a seleção de contribuintes com base em parâmetros de risco. O

efeito multiplicador decorre das ações, que devem ser, genuína e visivelmente,

efetivas. Deve haver rápido acesso a todas as informações tributárias e não

tributárias. Elas devem ser coletadas, preparadas e distribuídas com rapidez. Há

uma tendência à criação de departamentos especializados em analisar e refinar a

informação, bem como a provisão, a todos os departamentos operacionais e de

controle, de sistemas de análise de risco e sistemas de aviso de fraudes

conhecidas ou suspeitas, de forma que os contribuintes com potencial de risco

sejam submetidos à rápida e contínua vigilância. Além disso, deve ser mantido um

número razoável de auditorias aleatórias. Como medidas preventivas, ressalta-se

que o cadastramento do contribuinte é importante para o cumprimento voluntário

das obrigações. É um elemento-chave na análise de risco. Um sistema deve

checar as cadeias de empresas e suas transações, para detectar qualquer indício

de uso de crédito ou declaração indevida. Sempre que possível, os procedimentos

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de controle devem ser baseados em observações feitas in loco, pois estas se têm

mostrado mais efetivas na determinação das atividades realmente praticadas

pelos contribuintes. Os procedimentos devem ser flexíveis para se adaptarem a

várias exigências de controle, pois o IVA tem problemas específicos.

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48

5 TIPOS DE IVA E OS MODELOS RACIONAIS

Esta Seção contempla a concepção de uma tipologia variada para o

funcionamento do imposto sobre o valor adicionado. Muitas das alternativas são

formulações teóricas, ainda não postas em prática, outras já em operação, mas

que podem ser importantes como referência nos processos de evolução e

mudança dos sistemas tributários.

5.1 O IVA nacional

Segundo Piffano (2001), o IVA nacional grava uniformemente, em todo o território

nacional, o Valor Adicionado (VA) por todos os setores, o que eqüivale ao

consumo final agregado ou ao PIB, descartados os consumos intermediários. Sob

o IVA nacional, é indiferente o domicílio do vendedor ou do comprador, bem como

a jurisdição onde se dará o consumo intermediário e o final, devido ao tratamento

uniforme dado aos bens e serviços. Na realidade, o IVA nacional opera como um

IVA origem. As firmas são tratadas quanto a suas vendas (débitos) e suas

compras de insumos (créditos) com base na alíquota vigente no seu lugar de

jurisdição, tanto para vendas dentro de seu estado como vendas para outros

estados. É orientado pelo princípio do destino em relação ao comércio

internacional, incidindo sobre importações e exonerando exportações. Este

tratamento uniforme, tanto espacial quanto setorial, tem os seguintes efeitos:

a) neutralidade, todos os setores são gravados com a mesma pressão tributária,

pois o imposto líquido sobre o valor agregado do setor é sempre o mesmo,

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sendo indiferente a localização do empreendimento, das compras ou das

vendas;

b) não influi nas decisões de localização investimentos em determinado estado;

c) não gera incentivos para o passeio da nota (invoice sightseeing), pois a

mudança no destino não propicia nenhum ganho ao sonegador.

5.2 Modelos para IVAs estaduais ou países em blocos econômicos

Da análise dos três países em desenvolvimento, Argentina, Brasil e Índia,

verifica-se que os principais problemas, com relação à transição para o princípio

do destino, são a resistência dos estados produtores e a falta de uma solução

aceitável para o tratamento do comércio interestadual. O IVA para aplicação

estadual, ou dentro de blocos econômicos, pode ser agrupado de acordo com o

princípio de origem ou de destino. Assim, no lado da origem, analisa-se o IVA

Origem Puro, o IVA Origem Modificado (Comissão Européia), o IVA Origem

Restrito (Comissão Européia) e o IVA Híbrido Origem-Destino (ICMS do Brasil).

Com o princípio do destino tem-se principalmente o IVA Destino com Pagamento

Diferido (União Européia), o IVA Integrado Viável – Viable Value Added Tax -

VIVAT (Keen), o IVA Partilhado (Varsano), o IVA Dual (Bird e Gendron), o IVA

Compensável – Compensating Value Added Tax - CVAT (McLure) e o IVA

Compartido – Shared Value Added Tax – SVAT (Fenochietto e Pessino).

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Origem Destino

- IVA Origem Puro

- IVA Origem Modificado (Comissão

Européia)

- IVA Origem Restrito (Comissão

Européia)

- IVA Híbrido Origem-Destino (ICMS

do Brasil).

- IVA Destino com Pagamento Diferido

(União Européia)

- IVA Integrado Viável – Viable Value

Added Tax – VIVAT (Keen)

- IVA Partilhado (Varsano)

- IVA Dual (Bird e Gendron)

- IVA Compensável – Compensating

Value Added Tax – CVAT (McLure)

- IVA Compartido – Shared Value

Added Tax – SVAT (Fenochietto e

Pessino).

Quadro nº 4 - Tipos de IVA estaduais aplicáveis a países federais e União Européia.

5.2.1 O IVA estadual tipo origem puro

Segundo Piffano (2001), este IVA é estabelecido autonomamente em cada

jurisdição, com critério de origem. Este critério faz com que os ingressos de cada

estado estejam associados ao valor do produto gerado em seu território. Nas

vendas interestaduais, os produtos estarão gravados com a alíquota da jurisdição

onde reside a firma vendedora, sendo indiferente para ela a quem se vendem os

bens, se é um consumo final ou intermediário, nem o local de domicílio do

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comprador. Neste tipo, os créditos fiscais reconhecidos em cada jurisdição

correspondem exclusivamente aos débitos por compras de insumos dentro da

mesma jurisdição. As importações de outros estados não são gravadas nem

geram crédito fiscal, ao passo que as exportações são tributadas. Desta forma, a

base tributada é maior que o valor agregado nacional, pois incide nas vendas

finais e intermediárias entre jurisdições, havendo cumulatividade e exportação de

imposto. Além disso, assumindo que as alíquotas possam ser diferentes de um

estado para outro, os setores serão onerados com diferentes cargas tributárias,

gerando distorções de preços entre setores e firmas, de acordo com a localização

geográfica, incentivando o fenômeno denominado de guerra fiscal. Para evitarem-

se os problemas referidos, somente uniformizando as alíquotas. Outro problema

desse tipo de IVA é que incentiva importações e restringe exportações.

5.2.2 O IVA estadual tipo origem modificado

Neste tipo, os créditos de compras provenientes de outras jurisdições

também são computados e garantidos pelo estado importador. Nesse sistema,

deveria haver um clearing interjurisdicional, com o repasse concomitante do valor

arrecadado ao estado que vai dar o crédito, o que na prática é difícil de ocorrer,

especialmente se o número de estados for muito grande. O resultado fiscal de

cada governo subnacional vai depender de como se distribui o consumo

intermediário entre os estados, multiplicado pelo diferencial de alíquotas

correspondente. Quanto ao âmbito nacional, inobstante a diferença de alíquotas,

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se grava somente o PIB nacional, mas com pressão tributária distinta entre

setores ou firmas de cada estado, gerando distorções de preços.

5.2.3 O IVA origem restrito

Este sistema foi proposto para a Comunidade Européia, hoje União

Européia, no Relatório Neumark, e consiste em não tributar as vendas para países

de fora da Comunidade (princípio do destino). Para as vendas a outros países

integrantes do bloco, aplicar-se-ia a cobrança na origem, devendo haver a

unificação de alíquotas entre os países e o clearing, o que não foi possível de

implementar, passando a vigorar o sistema transitório do IVA destino com

pagamento deferido.

5.2.4 O IVA híbrido origem-destino (ICMS do Brasil)

No caso do ICMS, como já analisado, vigora um sistema misto. Para as

vendas interestaduais, existem duas alíquotas vigentes (12% e 7% de acordo com

o estado de destino), mas que são impostas na origem. A diferença entre esta

alíquota interestadual e a alíquota interna do produto no estado de destino é

arrecadada pelo estado importador. Esse modelo conjuga os problemas, tanto do

destino, quanto da origem.

5.2.5 O IVA do tipo destino com pagamento diferido

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Como descreve Piffano (2001), é um IVA estabelecido de forma autônoma

em cada estado, mas com critério do destino. Este sistema resolve o problema de

tributar as compras provenientes de outros estados e desonerar as vendas

efetuadas para outras unidades, garantindo que a tributação recaia

exclusivamente sobre o consumo final. As vendas dentro da jurisdição são feitas

com a alíquota vigente na mesma, mas as vendas a outras unidades federativas

são efetivadas com alíquota zero. Como as importações de outros países

comunitários não são gravadas na origem, não geram créditos fiscais, tornando

desnecessárias as compensações interjurisdicionais de arrecadação. Este tipo de

IVA grava somente o valor agregado nacional. Mas a pressão tributária difere em

cada setor econômico, segundo o lugar onde se efetue a venda. Isto gera um

incentivo a fraudes nos destinos. A complexidade administrativa é naturalmente

superior, em se comparando com o IVA eminentemente nacional, considerando-se

a necessidade de identificar o destino das vendas (intra/interestaduais) e exigir

coordenação informática entre os fiscos.

Dentre as vantagens do modelo, pode-se citar que não gera incentivo a

guerras fiscais, não gera distorções entre as produções locais e as importadas,

não exige compensações entre fiscos, evitando o clearing house. É um sistema

que já está em operação na União Européia desde 1993. As administrações

fiscais dos países comunitários foram obrigadas a montar uma rede informatizada

de intercâmbio de informações, o VAT Information Exchange System (VIES), que

contém os números de registro dos contribuintes emitidos em cada país

integrante, bem como os volumes de vendas intracomunitárias. No momento da

venda para outro contribuinte, é possível, a cada empresa, consultar o sistema.

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5.2.6 O IVA integrado viável – Viable Value Added Tax - VIVAT

Este sistema foi apresentado por Keen (2000) como uma alternativa para a

União Européia, bloco dentro do qual existem similaridades com um país federal,

mas sem uma estrutura hierárquica sobreposta com poder impositivo tributário que

permita o compartilhamento. A proposta prevê uma alíquota comum uniforme para

as transações entre comerciantes registrados dentro do bloco. Cada país membro

poderá fixar a alíquota incidente nas compras efetuadas para consumo final. Neste

esquema, não é preciso diferenciar o destino da venda (intra/intercomunitária) e

sim a situação do comprador (registrado/não registrado). Como nas transações

intermediárias, entre empresas registradas, os débitos e créditos se anulam, a

produtividade do imposto será o resultado da aplicação da alíquota do país de

consumo incidente sobre a última venda.

Piffano (2001) critica a assimetria de custo do imposto para firmas

registradas e compradores não registrados, para os quais o imposto criará campos

distintos, com alíquotas divergentes. Conforme a diferença de alíquota, pode

haver fraudes de consumidores se passando por firmas registradas. Keen

reconhece o problema, pois a alíquota intermediária, para contribuintes, ficará

abaixo daquelas províncias com alíquotas de consumo final mais altas. Mas

sustenta que as diferenças de alíquotas não deverão ser muito acentuadas a

ponto de causar problemas.

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5.2.7 O IVA partilhado

Varsano (1995) diz que o ideal seria cobrar o imposto na origem, para evitar

a sonegação, e atribuir a receita ao estado de destino. O IVA partilhado teria

somente três alíquotas. Uma para a União, outra para todos os estados (interna) e

a terceira para as transações interestaduais entre contribuintes registrados. A

base de incidência e a administração seriam uniformizadas. Na proposta de

compartilhamento do IVA pela União e estados, a União pode fazer o papel de

intermediário entre o estado de origem e o de destino da mercadoria, com rateio

automático, sem custos adicionais para governos e sem exigir obrigações

acessórias dos contribuintes. O funcionamento seria o seguinte: supondo-se que

as alíquotas de dado produto sejam 20 % (estado) e 5% (União), para vendas

internas, e se queira aplicar o princípio do destino. Nas transações interestaduais,

a alíquota do estado passa a ser zero e a da União fica acrescida da do estado,

resultando na mesma carga, ou seja, 25%. O contribuinte do imposto que adquire

a mercadoria se credita de 25% somente contra a União, que nada ganha com a

operação, somente servindo de intermediária. Quando esta mercadoria for

vendida a consumidor final, no estado de consumo, este arrecadará 20% e a

União, 5%, conforme demonstrado no Apêndice A. Este resultado é possível

graças ao efeito de recuperação propiciado pelo método de apuração do IVA,

conforme já demonstrado anteriormente. Deve-se ressaltar que a alíquota total é

sempre a mesma e incide em qualquer saída, exceto nas exportações para o

exterior. Nas operações internas (20 + 5 = 25%) e nas operações interestaduais (0

+ 25 = 25%), acabando com o espaço para o “passeio da nota”. Quando a

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mercadoria sai do estado de origem, totalmente desonerada do gravame estadual,

o contribuinte que a está vendendo mantém os créditos pagos em operações

anteriores, créditos que correspondem ao imposto já pago ao mesmo estado, que

nada perde. Para o estado de destino, se a saída seguinte for isenta ou imune (por

exemplo, bens de capital ou exportações), a mercadoria ficará completamente

desonerada, não havendo transferências indevidas de recursos do estado de

destino para a origem. O procedimento é simples, pois o contribuinte que vende

apenas debita a mais, no imposto da União, o que debitou a menos no do estado.

O contribuinte adquirente apenas deixa de lançar um crédito contra o estado,

compensando-se com um crédito maior contra a União.

A versão original de Varsano (1995), também chamada de “O Modelo do

Barquinho”, foi posteriormente modificada através da contribuição de McLure

(1999).14 Foi proposto que as alíquotas dos estados pudessem ser diferentes, e a

alíquota do IVA compensável federal seria definida através de uma média.

O sistema proposto previne as fraudes que ocorrem com o atual ICMS e

torna possível a administração de um IVA subnacional, desde que compartilhado

com um IVA do governo central. Assim, os dois IVAs incidiriam sobre uma mesma

base. Mesmo que existam críticas em relação à administração e à cultura

tributária, no Brasil, vale destacar a evolução recente verificada na administração

tributária, na responsabilidade fiscal, bem como na cidadania, embora ainda exista

muito a fazer. Nesse contexto, podem ser aproveitadas as boas qualidades do

sistema canadense, quais sejam: integração, intercâmbio de informações,

14 O trabalho original de Ricardo Varsano é “ A Tributação do Comércio Interestadual: ICMS atual versus ICMS partilhado”, Texto para Discussão nº 382 do IPEA, Setembro de 1995. O trabalho de McLure intitula-se “Protecting Dual VATs from Evasion on Cross-Border Trade: An Addendum to Bird and Gendron, 1999.

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aplicação de inovações e boas idéias em tecnologia fiscal, aproximação nos

procedimentos de auditoria. No Brasil, entre o governo central e os principais

estados, já é possível ter um bom prognóstico a esse respeito.

Contra o método, reconhece Varsano (1995), pode ser dito que haverá

tendência à acumulação de créditos em dadas situações. Empresas com vendas

concentradas em transações interestaduais e compras internas acumularão

créditos contra o estado; de outro lado, empresas que compram

predominantemente fora do estado e vendem internamente acumularão créditos

contra a União. No entanto, esse não será um problema novo, posto que já atinge

severamente as empresas exportadoras, reduzindo a competitividade dos

produtos brasileiros. A melhor solução seria a restituição dos valores aos

contribuintes, já que, no novo sistema, todos os créditos corresponderão a imposto

pago ao mesmo estado. Mas, reconhecendo que a restituição não é uma tradição

em impostos pagos sobre o valor adicionado no Brasil, até que se chegue a uma

solução ideal, seria oportuno estabelecer alternativa, dentro de uma regra geral

que permita a utilização dos créditos, a ser observada por todos os entes

envolvidos, além de um sistema de compensações entre os fiscos.

Piffano (2001) observa que a soma do IVA federal mais o estadual grava,

de forma consolidada, exclusivamente o valor agregado nacional, sendo que, as

vendas intermediárias ficam desoneradas. A solução de fixar uma alíquota geral

igual ou uniforme, ainda que uma alíquota média com uma pequena variação

admitida, + ou – 10% como sugeriu Varsano, fere o princípio da autonomia

federativa.

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5.2.8 O IVA dual – Dual VAT

Segundo a proposta de Bird e Gendron (2001), é um IVA destino que prevê

autonomia na fixação das alíquotas. Essencialmente, é um IVA com pagamento

diferido nas transações interestaduais. Está baseado na experiência canadense

entre o governo central e o de Quebec (GST/QST)15. O pilar do sistema é a

existência de um bem desenhado e desenvolvido IVA no governo central. No caso

do Brasil, Argentina e Índia, verificamos que somente a Argentina cumpre com

esse requisito. Outro fator importante, a coletar da experiência canadense, é a

existência de um elevado grau de confiança na competência dos governos

integrantes do sistema, o que pode não haver em países em desenvolvimento. O

terceiro fator é um sistema unificado de auditoria e um alto nível de troca de

informações para fazer o sistema funcionar bem, com cada governo fixando suas

alíquotas de forma autônoma, com o propósito de criar os incentivos corretos.

5.2.9 O IVA Compensável ou Compensating Value Added Tax (CVAT)

Como Varsano (1995, 1999) e McLure (1999) demonstram, é possível criar

uma imposição extra (o CVAT), a título de suplemento do governo central, com a

finalidade de uniformizar a incidência e corrigir imperfeições que dão azo a

fraudes. Esta proposta tem a virtude de proteger a receita, especialmente quando

existem déficits na qualidade da administração tributária. Ela reduz o risco do

chamado passeio da nota ou de que consumidores finais e comerciantes não

15 A experiência canadense foi analisada com detalhe na Seção 4.

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registrados, em qualquer estado, possam evadir, passando-se por comerciantes

registrados (como ocorre no diferimento). A mudança, introduzida por McLure,

prevê que os estados possam estabelecer suas alíquotas próprias. O CVAT é

ideado como um complemento do IVA federal, imponível nas vendas

interestaduais, suprindo a alíquota estadual que não incide neste caso. Assim, os

estados não incidem seu IVA nas exportações, nem nas vendas interestaduais.

Estas últimas serão tributadas pelo IVA federal mais o CVAT. O CVAT será obtido

através da média ponderada das alíquotas estaduais. Dessa forma, tanto as

vendas internas quanto as interestaduais terão uma carga tributária aproximada.

Não há a necessidade de compensação de créditos entre estados, pois aos

compradores registrados no IVA de outro estado será garantido o crédito (IVA

federal + CVAT) contra o governo central. Os resultados práticos serão os

seguintes: a) a União, que primeiro arrecada o CVAT e depois dá o crédito

correspondente no mesmo valor, não aufere nenhum ganho líquido, a não ser

algum float financeiro; b) o IVA estadual, aplicado na revenda para consumo, será

aquele do estado de destino. O IVA destino subnacional é aplicado. O CVAT

somente atua para proteger o sistema contra fraudes.

5.2.10 O IVA compartilhado – Shared Value Added Tax - SVAT

É uma proposta variante dos modelos de Varsano e McLure. Foi formulada

por Fenochietto e Pessino (2001) para substituir o imposto provincial argentino

incidente sobre o faturamento bruto. Parte do pressuposto que o sistema deve,

além de ser eficiente do ponto de vista econômico, também ser politicamente

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viável. Para esse objetivo, deve-se preservar um elevado grau de autonomia aos

governos intermediários. Destarte, todos os entes devem manter a competência

para determinar a base imponível, as alíquotas e as isenções, além de prever

compensações para os estados que possam perder receita com o novo modelo de

incidência no destino, através de um sistema equalização (transferências

intergovernamentais). De resto, o funcionamento é similar às propostas de

Varsano e McLure. A alíquota federal, aplicável ao comércio interestadual, é

determinada de acordo com a média ponderada entre as alíquotas estaduais e o

consumo de cada jurisdição. Esta alíquota seria atualizada de tempo em tempo

para garantir a proximidade com as mudanças havidas.

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6 O PROCESSO DE REFORMA TRIBUTÁRIA NO BRASIL

Segundo Rezende (2001), em 1988, foram criados dois problemas que não

havia: a) a inclusão no texto constitucional da permissão para os estados

tributarem as exportações dos produtos semi-elaborados; e b) a não reedição da

Lei Complementar que assegurava isenção do imposto para insumos da

agropecuária. A preferência pela garantia de receitas redundou na opção por

maiores transferências, prevalecendo a rejeição ao IVA, contrariando toda a lógica

argumentativa e as estimativas disponíveis à época que apontavam para ganhos

generalizados com a descentralização de receitas. Houve receio que o IVA

provocasse aumento de evasão em virtude de as administrações tributárias não

estarem aparelhadas para exercer um efetivo controle no trânsito de fronteira.

Houve também um sentimento de que a ampliação da base do ICMS, pela

incorporação dos impostos únicos, das bases do IPI e do ISS, iria beneficiar, em

maior grau, os estados mais desenvolvidos, ao passo que os mais pobres

perderiam receitas de transferências com a extinção do IPI. A substituição das

transferências por competência tributária própria foi vista como desvantajosa, pois

a tributação impõe um custo político e administrativo. Com relação aos municípios,

também preocupava a redução das transferências pela extinção do IPI e a

passagem da base do ISS para a competência estadual. Embora as mudanças de

1988 tenham sido importantes no sentido da descentralização de recursos, elas

acabaram gerando distorções que comprometeram a racionalização tributária e o

processo de crescimento econômico auto-sustentado, sem o qual o desequilíbrio

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fiscal dos entes federativos não poderá ser solucionado. O IVA criaria uma

vinculação maior entre o poder aquisitivo da população e a arrecadação, ligando-

os à distribuição do consumo e não mais à produção, como é hoje. Relaciona o

crescimento dos recursos orçamentários ao incremento da renda e do poder

aquisitivo da população. O Brasil foi o primeiro país a adotar um imposto com as

características que se atribuem a um autêntico IVA. A longa experiência que tem o

país, em suas unidades subnacionais, constitui um fator importante para a

modernização de seu sistema tributário. A globalização econômica e financeira, a

formação de blocos regionais, a redefinição do papel do estado e a nova realidade

do mercado de trabalho são os principais fatores que impulsionam as mudanças

tributárias recentes. Além disso, há uma tendência à descentralização, com maior

papel reservado aos governos locais no atendimento das demandas sociais,

especialmente em países de grande território. É fundamental que a

descentralização de despesas venha acompanhada de maior descentralização da

competência impositiva. A descentralização do poder de tributar é uma

conseqüência lógica da busca de maior racionalidade na aplicação de recursos

públicos, conferindo maior autonomia e responsabilidade aos governos locais.

Mas, a concessão aos poderes locais deve estar subordinada aos interesses

maiores do país. E a tendência predominante é a instituição de um imposto geral

sobre o consumo, obedecido ao princípio do destino, como caminho racional para

que a tributação interna de mercadorias e serviços seja neutra do ponto de vista

interno e do comércio internacional. Estudo da Receita Federal (2003a) revela que

pode haver diferenças entre os sistemas tributários, contudo, a liberdade dos

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fatores e a competição internacional têm gerado um processo de convergência

sobre a tributação.

Conforme relata Varsano (1999), desde 1995, está em curso, no Congresso

Nacional, um processo de reforma, através da Proposta de Emenda Constitucional

nº 175/95, mas que apresentou poucos resultados práticos. Foi proposta a criação

de um IVA federal, com os serviços incluídos em sua base, e a substituição do IPI

por um conjunto de excises. Os estados ficariam com um imposto sobre o varejo

de mercadorias e com maiores transferências federais. A proposta sofreu forte

oposição por parte dos estados e municípios. Os impostos sobre o varejo são

muito difíceis de controlar, além de menos produtivos que o ICMS, além do que, o

aumento das transferências é visto como um claro retrocesso. Em 1998, a

proposta foi revista, e o IPEA preparou uma versão ampliada, bem como foi

apresentada uma nova proposta pelo governo. Apesar de diferentes em alguns

aspectos, ambas sugeriam a adoção de um IVA dual (competência federal, com

arrecadação e fiscalização feitas pelos estados), orientado pelo princípio do

destino. No que refere à inclusão dos serviços na base do novo imposto, muito

embora existam fortes razões econômicas, também comporta dificuldades e

argumentos contrários à eliminação do ISS. Primeiramente, a aplicação da técnica

do valor adicionado sobre serviços é bem mais complexa que a incidência sobre

mercadorias. Muitos tipos de serviços requerem normas especiais que, mesmo

existentes em outros países, são desconhecidas no Brasil, devendo demandar

tempo para a importação, aprendizado e adaptação. E, mesmo que o produto do

IVA venha a ser maior, em função da ampliação da base, dando um retorno maior

aos municípios, talvez não seja suficiente para suprir a perda, e será preciso

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buscar uma forma de substituir essa fonte de receita para compensar os

municípios, especialmente os maiores. A resistência dos municípios só poderá ser

vencida com outra fonte tributária própria, de mesmo potencial, o que pode ser

feito pela transferência de todos os tipos de impostos sobre a propriedade, além

de transferências intergovernamentais compensatórias em momentos e casos

específicos.

A versão de 1999 da reforma, a criação do IVA dual, através da fusão do

ICMS e do IPI, regulado por uma lei única federal, previa que os estados

mantivessem a competência de estabelecer suas respectivas alíquotas, dentro de

intervalos válidos para todo o território nacional. O princípio do destino seria

adotado para o tratamento do comércio internacional e interestadual, praticamente

pondo um ponto final na guerra fiscal.

Para Mora e Varsano (2001), em que pese a grande importância dos

estados e municípios como unidades descentralizadas de gasto no contexto

federativo, é provável que venham a sofrer redução na autonomia fiscal, com

relação ao lado da receita de seus orçamentos. Há um consenso crescente de que

o impacto da tributação na eficiência econômica e na competitividade das

empresas privadas deve prevalecer, em vista da crescente abertura econômica,

da integração regional e da harmonização impositiva internacional.

A mais recente proposta de Reforma Tributária, a PEC nº 41/2003 da

Câmara dos Deputados, visava à simplificação do ICMS, através de uma

legislação única e da redução do número de alíquotas para cinco faixas. Esse

regramento único foi criticado como causador de perda de autonomia para os

estados e DF. No caso da tributação do ICMS no destino, os estados do Nordeste

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e Centro-Oeste podem ter interesse. Contudo, a aplicação do princípio afetaria a

arrecadação dos estados que produzem mais do que consomem, caso de São

Paulo. Por ora, continuará vigorando o sistema misto, com o pagamento de

diferença de alíquota nas fronteiras, até que se possa estabelecer uma fórmula

adequada e aceitável de implementação e operacionalização do princípio do

destino. São assuntos que requerem tempo, acumulação e amadurecimento, pois

apesar de envolver questões técnicas, as decisões são políticas. A aplicação do

princípio do destino requer cuidado, conforme já visto no decorrer deste trabalho,

quanto ao mecanismo de funcionamento da arrecadação e os ajustes e controles

de fronteiras interestaduais, pois o sistema não deve aumentar o risco de evasão

e também evitar ao máximo a transferência de recursos arrecadados através de

câmaras de compensação, a não ser que o progresso da informática possibilite o

procedimento.

A não incidência do imposto sobre a exportação de produtos primários e

semi-elaborados passou a ter suporte constitucional (art. 155, § 2º, X, a). Assim,

fica vedado ao ICMS incidir sobre operações que destinem mercadoria ao exterior,

nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a

manutenção e o aproveitamento do crédito de imposto cobrado nas operações e

prestações anteriores.

6.1 A questão federativa

Para Rezende e Afonso (2002), o processo de consolidação de blocos regionais

vem impondo limites na autonomia dos estados-nação. A União Européia revela

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uma experiência de submissão da soberania nacional ao projeto comum de

construir uma Europa forte, na qual as políticas econômicas devem ser

harmonizadas. Os regimes federais serão duplamente afetados pelo processo de

integração. Na questão fiscal, a harmonização tributária implicará perdas de

autonomia na esfera estadual, devido às restrições macroeconômicas que forçam

a um rígido controle orçamentário e de acesso a crédito. No aspecto fiscal, é

preciso harmonizar o sistema tributário doméstico (e depois também no

Continente) trocando velhos antagonismos por bem estabelecidas regras de

cooperação. A maioria das propostas de reforma sugere a necessidade de unificar

regras para a aplicação do imposto sobre o valor adicionado estadual. Muito

embora o assunto tenha sido muito discutido nos últimos quinze anos, não

conseguiu superar os conflitos de interesses envolvidos no jogo. Quanto à

reforma, é bom dizer, não é necessário unificar, mas harmonizar. A harmonização

requer uma base comum de incidência sobre o consumo, mas não

necessariamente alíquotas uniformes. Uma base comum incentiva cooperação

entre governos, como a unificação de cadastros e sistemas de auditoria, reduzindo

os custos e a evasão. Para o contribuinte, uma regra clara e comum para suas

obrigações fiscais reduz os custos de escrituração e cumprimento. As

transferências devem ser restritas. Outra característica, decorrente da divisão de

uma base tributária comum, é a estabilidade do sistema, pois as mudanças

dependerão de apoio majoritário da federação. Essa estabilidade é necessária

para a integração internacional e regional; para atrair investimentos e aumentar a

capacidade produtiva das firmas já instaladas.

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7 CONCLUSÃO

A nova lógica dos mercados, a globalização econômica e financeira, a

formação de blocos econômicos regionais, a redefinição do papel do estado e a

nova realidade do mercado de trabalho são os principais fatores que impulsionam

as mudanças tributárias recentes. Há uma tendência à descentralização, com

maior papel reservado aos governos locais no atendimento das demandas sociais,

especialmente em países de grande território. É fundamental que a

descentralização das responsabilidades venha acompanhada de maior

descentralização da competência impositiva. A descentralização do poder de

tributar pode vir a ser uma conseqüência lógica da busca de maior racionalidade

na aplicação de recursos públicos, conferindo maior autonomia e responsabilidade

aos governos intermediários.

A observação da evolução das melhores práticas internacionais leva à

implantação de um imposto sobre o valor adicionado moderno (IVA), de base

ampla, com poucas alíquotas e isenções, sob o princípio do destino, administrado

pelos estados, podendo ser compartilhado. O Brasil tem um capital importante que

pode garantir o sucesso na implementação de um bom IVA. É o capital da

experiência adquirida com a administração do ICMS pelos estados, fato destacado

por Varsano (1984), ainda na época do ICM, mesmo com todos os seus

problemas e complexidades. Vale ressaltar, no caso do Brasil, a vantagem do IVA

estadual sobre o sistema provincial argentino, traduzindo-se em uma experiência

importante a dar suporte a futuras evoluções do sistema de tributação do valor

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adicionado. Essa experiência será fundamental à implantação de um bom IVA em

substituição ao IPI, ICMS, ISS e contribuições. Esse sistema seria o ideal para a

competitividade e para a inserção do Brasil no Mercosul. Muito embora cada país,

a partir de suas circunstâncias evolutivas, deva encontrar o melhor sistema para

si, os bons resultados, obtidos em outras experiências, podem servir de bom

indicativo. Exemplo disso é a coordenação entre os fiscos da União e estados, no

que refere a auditoria e troca de informações, observável no Canadá e entre

alguns países da União Européia.

No terreno dos sistemas tributários racionais, verifica-se a preocupação

central com a obtenção de uma solução satisfatória para os ajustes de fronteira,

problema até agora não solucionado e crucial para a viabilização da aplicação do

princípio do destino. O IVA compensável de Varsano é uma alternativa que

poderia funcionar bem no Brasil, mas que tem seus problemas de acúmulo de

créditos em determinadas circunstâncias, complexidade, e assimetrias no

tratamento de contribuintes. A proposta do Neumark Report para a União

Européia, ou seja, a cobrança do imposto no estado de origem mediante repasse

ao estado de destino, através de um processo de clearing, tem o mérito de

dificultar a sonegação, mesmo sem o controle de fronteiras, e sem problemas de

acúmulo de créditos. O que impediu a implantação deste sistema até agora foi o

custo da tecnologia do clearing, transação a transação, e o alinhamento de

alíquotas necessário. Contudo, a tecnologia tem evoluído muito rapidamente e, em

breve, poderá ser possível implantar um sistema de compensações entre fiscos a

um custo razoável. É bom lembrar que o Brasil é pioneiro na aplicação de

recursos eletrônicos na tributação.

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Na questão das alíquotas, a reforma do novo ICMS aponta para a

uniformização. Isso representa uma quebra na autonomia dos estados para

determinarem seus níveis de receita, mesmo que essa unificação possa trazer

ganhos para o conjunto. É preciso encontrar uma alternativa que preserve uma

margem de autonomia, mesmo que limitada. Essa margem na determinação de

alíquotas, e mesmo algumas isenções pré-determinadas, deve permitir aos

estados calibrar suas receitas, mas sem comprometer o processo de redução da

guerra fiscal. A ingerência dos estados sobre o nível de receitas deverá se dar

também pela qualidade da administração tributária, com a busca da aproximação

entre a arrecadação real e a arrecadação potencial. A determinação de alíquotas e

mecanismos deverá manter uma pressão tributária tal que, mesmo sendo um

pouco diferente de um estado para outro, não cause distorções na localização de

fatores.

Sob a égide de um sistema mais equilibrado, mesmo que não existam

soluções para todos os problemas de fronteira, será mais fácil de operar as

transações interestaduais. Os custos serão menores dos que os atualmente

enfrentados pelos entes federativos. Não haverá mais transferências indesejadas

de recursos entre estados, como os prejuízos que são incorridos hoje pelos

estados exportadores, o que fará com que diminuam as necessidades de

transferências. Estas deverão se cingir ao mínimo necessário para garantir o

equilíbrio regional e os padrões mínimos de atendimento às populações dos

estados mais pobres da federação.

O reforço dos processos mais importantes das administrações tributárias

subnacionais fará com que se eleve o patamar das receitas próprias. Todos os

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elementos da cadeia devem ser melhorados, pois estão interligados, seja direta ou

indiretamente. O uso do enfoque setorial, desenvolvendo técnicas especializadas

nos setores mais complexos e difíceis de tributar, exige a especialização

crescente da tributação. Administração integrada, organizada com foco no

contribuinte, ao invés do foco nos tipos de impostos, fará uma aproximação para

vários tipos de controle fiscal e propiciará a alocação ótima dos recursos,

melhorando o controle e a prevenção de fraudes. Estados-membros da União

Européia já iniciaram a integração dos controles dos impostos, dos sistemas

computadorizados e dos arquivos de auditoria, dando uma melhor visão geral dos

contribuintes. O elemento-chave é a seleção de contribuintes com base em

parâmetros de risco e os efeitos multiplicadores das ações, que devem ser

visivelmente efetivas. A melhoria das atividades de cadastro de contribuintes,

processamento de dados, aumento da rede de arrecadação (bancos), controle de

omissos e inadimplentes, análise de risco, auditoria, serviços de inteligência,

aplicação de penalidades a sonegadores e a devedores contumazes, cobrança

amigável e forçada, aliado a prestação de um leque diversificado de bons serviços

e informações aos contribuintes, é parte do que pode ser feito de melhor e mais

imediato em direção ao desejado equilíbrio das contas públicas. Para que isso

venha a ocorrer, é condição indispensável que as administrações tributárias, da

União e dos entes federativos, tenham um grau adequado de autonomia,

especialização e coordenação, para que possam desenvolver sua missão com

agilidade e eficiência.

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APÊNDICE A MECANISMOS DO IVA PARTILHADO

Alíquota Estadual = 20%; Alíquota Federal = 5%; Alíquota Federal Interestadual Compensável = 25% Estágio Valor da

Operação Estado A

Estado B

IVA Federal

IVA Federal Compensá-vel

Débito/Crédito Total

Estágio 1 Venda interna no Estado A

100,00

(20,00)

(5,00)

(25,00)

Valor Adicionado

100,00

Crédito Comprador

20,00

5,00

25,00

Estágio 2 Venda interestadual A→B

200,00

(50,00)

(50,00)

Valor Adicionado

100,00

Crédito Comprador

50,00

50,00

Estágio 3 Venda a consumo final no Estado B

300,00

(60,00)

(15,00)

(75,00)

Valor Adicionado

100,00

Imposto a pagar

-0- (60,00) (15,00) -0- (75,00)

Apêndice elaborado pelo autor. Os débitos do imposto estão entre parêntesis. Valores em Reais.