a torre antiga e a nova torre - x encontro … · a torre antiga e a nova torre waldomiro de souza...

15
A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE e-mail-[email protected] David W. Mocock- UFPE e-mail- [email protected] Mariana L. da silva-UFPE e-mail- [email protected] . INTRODUÇÃO O Recife sendo um dos centros urbanos mais antigos do país, guarda consigo importantes histórias. A cidade dos mascates, que em 1710 protagonizou uma revolta que ocasionou a sua emancipação de Olinda e tornando-se logo após capital da província de Pernambuco. A terra da cana do açúcar, detentora do solo massapé fértil e propício ao seu plantio. O Recife cortado pelos rios Capibaribe e Beberibe, das suas ilhas fluviais que se encontram com o mar numa sintonia quase perfeita. Essa formidável cidade que abrigou durante o século XVII os holandeses, e que foi palco de uma das mais admiráveis gestões administrativas conduzidas pelo conde João Maurício de Nassau. O Recife atual, com seus mais de noventa bairros inicia o processo de busca da história esquecida dessas localidades. O bairro da Torre, será nosso campos de pesquisa, que ora foi desenvolvido junto aos estudantes do ensino médio da Escola publica de Referência em Ensino Médio Martins Junior que se localiza na zona oeste desta referida cidade. Nosso processo de busca pelas informações sobre esse importante bairro na conjuntura da cidade se deu com um levantamento bibliográfico em que fomos conhecendo a história do bairro contada nas obras de historiadores, jornalistas e escritores. A Torre tem uma história que se inicia com um engenho no século XVI de propriedade do senhor, Marcos André Uchôa. Um engenho em seu formato tradicional, na sua estruturação a casa grande, dependências dos negros, e a área para o plantio

Upload: dangbao

Post on 18-Sep-2018

225 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE - X Encontro … · A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE ... disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da

A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE

Waldomiro de Souza Borges- UFPE

[email protected]

David W. Mocock- UFPE

e-mail- [email protected]

Mariana L. da silva-UFPE

e-mail- [email protected]

.

INTRODUÇÃO

O Recife sendo um dos centros urbanos mais antigos do país, guarda

consigo importantes histórias. A cidade dos mascates, que em 1710

protagonizou uma revolta que ocasionou a sua emancipação de Olinda e

tornando-se logo após capital da província de Pernambuco. A terra da cana do

açúcar, detentora do solo massapé fértil e propício ao seu plantio. O Recife

cortado pelos rios Capibaribe e Beberibe, das suas ilhas fluviais que se

encontram com o mar numa sintonia quase perfeita. Essa formidável cidade

que abrigou durante o século XVII os holandeses, e que foi palco de uma das

mais admiráveis gestões administrativas conduzidas pelo conde João Maurício

de Nassau. O Recife atual, com seus mais de noventa bairros inicia o processo

de busca da história esquecida dessas localidades. O bairro da Torre, será

nosso campos de pesquisa, que ora foi desenvolvido junto aos estudantes do

ensino médio da Escola publica de Referência em Ensino Médio Martins Junior

que se localiza na zona oeste desta referida cidade. Nosso processo de busca

pelas informações sobre esse importante bairro na conjuntura da cidade se deu

com um levantamento bibliográfico em que fomos conhecendo a história do

bairro contada nas obras de historiadores, jornalistas e escritores. A Torre tem

uma história que se inicia com um engenho no século XVI de propriedade do

senhor, Marcos André Uchôa. Um engenho em seu formato tradicional, na sua

estruturação a casa grande, dependências dos negros, e a área para o plantio

Page 2: A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE - X Encontro … · A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE ... disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da

do motor econômico da região no período, a cana-de-açúcar, que por estar

próximo ao rio Capibaribe tinha um processo de irrigação propício para seu

desenvolvimento, além da pecuária de pequena escala, unicamente para a

subsistência do engenho.

Essas mesmas terras foram invadidas pelos holandeses que nela

construíram uma fortaleza contra os resistentes à sua invasão, a capela do

engenho em que sua torre forneceu o nome que hoje denomina o bairro. Parte

estrutural desse engenho ainda está de pé, as construções abrigam hoje a

escola publica estadual Maciel Pinheiro, gerenciada pela secretaria estadual de

educação de Pernambuco, e a matriz do bairro em homenagem a nossa

senhora do Rosário que no ano de 1912, em doação pública, uma das

herdeiras da família Campelo, dona das terras, faz à oferta a arquidiocese de

Recife sob ordenação do arcebispo, Dom Luis Raimundo da Silva Brito, o

edifício da capela e das terras próximas, na condição de ser a igreja matriz do

subúrbio, sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário.

Durante o século XIX e XX, o bairro possuiu uma importante fábrica têxtil

em que se tornou pólo atrativo para o desenvolvimento de Pernambuco, que

através do algodão, sua principal matéria-prima, protagonizou uma era de

progresso e abrindo frente ao mercado internacional, essa mesma fábrica se

tornaria o maior incentivo para a ocupação do bairro, que em sua maioria seria

residências de famílias de operários da indústria têxtil. Daí iniciamos a busca

sobre a história dessa fábrica, que colocou o bairro da Torre entre os mais

importantes do Recife. Como estão os ex-funcionários e seus parentes dessa

indústria que fechou suas portas no final do século XX, mas que ainda residem

no bairro e que ajudaram a construir sua história atrelada fortemente a esse

centro industrial.

A história oral vai ser inserida como nossa metodologia de pesquisa, em

que através de entrevistas realizadas com cidadãos que vivenciaram a

dinâmica dessa importante fábrica e dela foram peças de seu enredo histórico.

Através dessa busca de informações, realizamos o reconstrução da memória

ora defendida pelo Ulpiano Bezerra de Menezes, em que aponta a mesma

Page 3: A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE - X Encontro … · A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE ... disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da

como o mecanismo de registro e retenções. O que os livros e documentos

pouco registraram, buscamos em cada uma das vagas lembranças e contos da

população mais antiga da Torre.

O ENSINO DA HISTÓRIA COM A PERSPECTIVA DA HISTÓRIA ORAL E

LOCAL.

Uma parte da aplicação prática das investigações da equipe sobre a

História do Bairro da Torre envolvia os estudantes, uma vez que a implantação

da pesquisa no trabalho da docência tem sido uma de nossas tarefas. O

espírito inquisitivo da pesquisa separada da prática educacional tem pouco ou

nenhum valor, e quando esse braço fundamental falha a Escola passa a sofrer

danos, um desse é a mera reprodução do conhecimento livresco, sem o

cuidado da assimilação e da adaptação de tal saber à realidade dos

estudantes.

Apesar de recentemente a área do ensino da História ser grande alvo de

pesquisas e de buscar-se compreender as suas características e complexidade

e mesmo diante de todo o esforço posto para que a prática docente na História

seja inovadora ainda percebe-se uma grande presença do “conservadorismo”

nas salas de aula. A quebra do modelo tradicionalista de ensino por sua vez

passa pelo professor, uma vez visto como alguém que não tem total

propriedade dos processos de ensino e, por sua vez, não passa de um mero

reprodutor dos conhecimentos já produzidos na universidade. Essa visão

também foi bastante questionada, principalmente na década de 90, os seus

críticos destacavam que a escola é um lugar de disputa de classes, conflitos

esses que desembocam nas relações e nas práticas cotidianas dos

professores. O foque desse ponto de vista era a dimensão política e ideológica,

sem se importar com as práticas pedagógicas propriamente ditas.1

1 LIMA, Maria. “As diferentes concepções de ensino e aprendizagem no ensino da História”. In

Fronteiras, MS, 2009.

Page 4: A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE - X Encontro … · A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE ... disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da

É notada a necessidade de uma análise que se preocupe com os

demais aspectos da educação, a partir de outras ciências como a Sociologia da

Educação é possível se introduzir o debate quanto a História como uma

disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da História Oral em

seu arcabouço metodológico. O sistema tradicional de ensino vê a “disciplina

escolar” como um espaço onde os saberes acadêmicos que foram instituídos,

forjados e corroborados pela Universidade, são levemente moldados, ou

simplesmente deformados, para assim, garantir uma maior facilidade na

aprendizagem dos mesmos.2 A inquirição do grupo quanto às inquietações,

causadas pela demasiada presença desse pensamento, que caracteriza os

saberes escolares como erudição vulgarizada, diz respeito a implantação da

Oralidade na História como forma de quebra de paradigmas educacionais

estabelecidos.

Para quebrar um muro tradicionalista que vê o ensinar História como um

ato de passagem de fatos em uma ordem cronológica, ou mesmo em um eixo

temático, com o objetivo de incutir a memorização nos estudantes, é preciso

instaurar algumas diferenças primordiais entre o “ensinar História” e o “narrar

História”. A oralidade e a História oral são muito freqüentes na humanidade,

desde o início da civilização nós sentimos uma necessidade irremediável de

passar para o futuro as vivências, percursos e experiências de cada um em seu

tempo de vida, na Grécia antiga tal papel era desempenhado pelos “Aedos”,

durante o medievo foi a narrativa da vida dos grandes homens e dos santos

que manteve essa prática de pé. Somente na modernidade a História busca

por todos os fins desvencilhar-se de suas características narrativas,

mergulhando no método e nos documentos escritos, calando assim vozes que

não tinham acesso ao poder.3

A busca da memória no ensino da História está diretamente voltada à

narrativa histórica, que por sua vez, está fortemente imbricada no “Tempo”.

2 LIMA, Maria. “As diferentes concepções de ensino e aprendizagem no ensino da História”. In

Fronteiras, MS, 2009. 3 LIMA, Maria. “As diferentes concepções de ensino e aprendizagem no ensino da História”. In

Fronteiras, MS, 2009.

Page 5: A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE - X Encontro … · A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE ... disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da

Contando histórias os seres humanos articulam suas experiências no tempo,

orientando-se no caos das modalidades potencias de desenvolvimento,

marcam com os enredos e desenlaces o curso muito complicado das ações

reais dos homens. Deste modo o homem narrador torna inteligível para si

mesmo a inconstância das coisas humanas, que tantos sábios, pertencentes a

diversas culturas, opuseram à ordem imutável dos astros.4 Um ensino da

História, que agrega a construção dos estudantes, que por sua vez contribuem

para a formação dos saberes em sala de aula, torna-se em um instrumento de

formação de cidadãos participantes, atuantes em sua comunidade, conscientes

dos processos históricos que forma a sua localidade. Uma vez estilhaçada a

barreira do conservadorismo na sala de aula há um deslocamento no eixo

pedagógico, a pedagogia da História passa de uma pedagogia centrada no

ensino para uma centrada na aprendizagem dos alunos em sala de aula. Esse

deslocamento cria uma maior preocupação na formação do estudante em

cidadão, gerando no governo a necessidade do controle do ensino da História.5

Esse questionamento pode ser dirigido hoje à forma como determinados

conteúdos são retirados da grade curricular de História, enquanto outros são

abordados de forma plenamente superficial, sem nenhum interesse na

fomentação de um debate historiográfico que garanta a contemplação de mais

de uma visão sobre o tema. Mais uma vez cabe ao professor, como baluarte

dos processos pedagógicos, efetivarem essas inquietações quanto ao currículo

proposto.

A narrativa oral tem surgido com uma forma de quebra, também desse

paradigma, uma vez que as vozes históricas trazem um desenterrar dos

conteúdos, mas desta vez mais compromissados com a realidade e as

vivências dos estudantes em sala de aula. Aproximar o conteúdo dos alunos é

uma forma de garantir uma maior identificação do sujeito com o seu tempo

histórico, uma das maneiras de se obter tal aproximação é a abordagem da

4 NUNES,B. “Narrativa histórica e narrativa ficcional”. RJ, Imago. 1998. 5 LAVILLE, Christian. “ A guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do ensino da História”.

Revista Brasileira de História. SP. 1999

Page 6: A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE - X Encontro … · A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE ... disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da

História Local, que juntamente com a oralidade formam uma conexão que se

mostrou produtiva durante a pesquisa em sala de aula.6

A TORRE COMO PÓLO INDUSTRIAl.

O bairro da torre foi o bairro que se caracterizou por nele ter sido

plantado um dos elementos que evocam uma fase importante da

história do nordeste e na do Brasil, que é o processo de

industrialização e um acelerado processo de

urbanização.(Gustavo Krause)7

A breve citação retirada da entrevista que se realizou com o morador do

bairro e figura importante na política pernambucana, Gustavo Krause, retrata

muito bem a discussão em que iremos nortear nosso trabalho. Em que o bairro

passa de um status agrário para um industrial. A torre representa exatamente

esta síntese.

A indústria têxtil pernambucana, em muitos aspectos fazia frente às

demais concorrentes no Brasil e fora dele, o mesmo solo que fora conhecido

por ser responsável pelo sucesso econômico do plantio da cana de açúcar

mostrou-se igualmente produtivo, quando lhe foi introduzido um novo cultivo, o

algodão. A crescente produção da matéria prima para a confecção de tecidos e

a presença de uma infra-estrutura favorável, inspirou o surgimento do espírito

empreendedor, e o aparecimento da fábrica têxtil que marcaria a economia do

bairro da Torre.

Apesar das reformas e crescimento da produção têxtil a primeira

tentativa da implantação desse setor, em 1826, não foi bem sucedida. Somente

duas décadas depois, a produção de tecidos em Pernambuco ganharia

6 SCHMIDT, M. A. O ensino de história local e os desafios da formação da consciência histórica. In:

MONTEIRO, A. M.; GASPARELLO, A. M.; MAGALHÃES, M. de S. (Org.). Ensino de história:

sujeitos, saberes e práticas. Rio Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2007. p. 187-198. 7 Gustavo Krause Gonçalves Sobrinho- Prefeito do Recife entre 1979 a 1982, Governador do estado de Pernambuco em 1986 e Ministro do Meio Ambiente entre 1995 a 1999.

Page 7: A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE - X Encontro … · A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE ... disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da

novamente força suficiente para se consolidar, mesmo assim o motor dessa

produção só seria grandemente estimulado na década de 60 do século XIX, em

grande parte devido a Guerra Civil Americana. Os conflitos nos Estados Unidos

representaram um momento altamente favorável à cultura de algodão

pernambucana, e por sua vez representando um crescimento na produção de

tecidos no estado. A guerra nos Estados Unidos proporcionou uma

oportunidade para a indústria de tecidos em Pernambuco, principalmente

porque o sul desse país era responsável por grande parte da produção de

algodão que alimentava uma das mais importantes indústrias têxtil no mundo,

as fábricas inglesas de tecido eram responsáveis por grande parte das

exportações Estadunidenses de algodão. A facção Norte dos Estados Unidos

era contrária a essa prática, por isso adotou políticas que impedissem a

exportação do produto, juntamente com isso, as fazendas do Sul foram

destruídas na guerra, resultando na abertura dessa oportunidade econômicas.

As exportações pernambucanas de algodão nesse

período (1860) se igualaram as de açúcar. A enorme capacidade

de iniciativa comercial protagonizada pelos filhos da terra

pernambucana, estimulado e impulsionando outras atividades,

modelando um conceito da vida de mobilidade espantosa,

fazendo germinar uma variedade de cultura, sem afasta-se das

condições comerciais que consolidaram no decorrer dos anos,

sua posição de desbravadoras, impondo por tal forma critério

diretor com que pudessem proteger ampliar e desenvolver sua

política econômica protegendo-se e fazendo em face a

concorrência estrangeira.8

Em 1874, um grupo de moços do Recife, embalados pelo entusiasmo

produtivo, estimulados com as notáveis possibilidades da terra, onde sementes

germinavam espantosamente, oferecendo riquezas e prosperidade resolveram

fundar uma pequena industria de tecidos, cujo atividades seriam iniciadas em

1875, com a razão social de Pernambuco Barroca LTDA. Pernambuco a terra

8 Cotonifício da Torre S.A, in documentário ilustrado do tri-cenário da Restauração Pernambucana, 1654-

1954, pg.163

Page 8: A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE - X Encontro … · A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE ... disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da

do ouro branco, como dizia o músico e compositor Luis Gonzaga 9. Foi,

portanto o algodão o veículo por excelência que muito concorreu para nossa

transformação econômica, impondo o crescimento da indústria de tecidos,

produzindo os melhores tipos de fibra, oferecendo concorrência aberta às fibras

estrangeiras o que acarretou uma procura incessante do nosso produto que era

na realidade a representação viva da qualidade das nossas terras.

Em entrevista com o historiador e morador do bairro o senhor Leonardo

Dantas, ele nos relata que a fábrica da torre surgiu na madalena, pertencente

ao comendador Barrocas, diz o entrevistado.

Essa antiga fábrica estava situada aonde hoje é a rua

Demostenes Souza Filho, situada na madalena. A fábrica

chega à Torre em 1892 e recebe uma remodelagem, surgindo

logo após o cotonifício da Torre, a fiação e tecelagem da Torre,

se tornando de propriedade da família Amorin. (Leonardo

Dantas)10

. Devido sua dimensão operariado e consumo da matéria-prima ora

oferecido pelos estados do nordeste do país, e pela sua expansão dos

mercados nacionais ao norte e ao sul do Brasil, a companhia de fiação e

tecidos de Pernambuco, popularmente conhecida como a fábrica da torre,

nome que lhe deu o bairro onde se erguem as suas construções, denominadas

por altas chaminés. Chegada na Torre em 1892 Conhecida por sempre pautar

seu desenvolvimento na eficiência administrativa, cujo a qualidade de sua

produção sempre foi bem vista e procurada por todo país. Uma indústria com

cerca de 1.400 operários, iniciava às 5horas da manhã suas atividades, que

operavam desde o tratamento do algodão até o enfardamento dos tecidos. Os

operários tinham amparo assistencial por parte da indústria, como apoio às

funcionárias com a criação de creches para os seus filhos, assistência médica

e incentivos para que os mesmos residissem nas proximidades da fábrica.

9 Luis Gonzaga- importante compositor cantor da cultura pernambucana e nacional, autor de musica de forró baião, xaxado. Um do seus maiores sucessos é asa branca. 10 Leonardo Dantas- bacharel em direito, foi diretor da fundação de cultura do Recife 1979 a 1983, diretor da editora massangana da fundação Joaquim Nabuco entre 1987 a 2003.

Page 9: A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE - X Encontro … · A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE ... disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da

SANTA LUZIA, PROTETORA DOS OLHOS DO OPERARIADO.

Durante nossas pesquisas nos arquivos do estado encontramos noticiais

sobre as festas cultuadas à santa Luzia, em que os operários a adotaram como

sua padroeira. Segundo o historiador que foi nosso entrevistado, o senhor

Leonardo Dantas, acidentes ocorriam com os operários, em que muitos

perdiam a visão, segundo, as lançadeiras que passavam na frente dos teares

eram amaradas por couro e vez por outra as correias se soltavam ou rompiam

causando danos sérios aos tecelões, lembrando também que as fábricas eram

movidas a vapor e não por energia elétrica, ocasionando dificuldades de

trabalho. A frase extraída do entrevistado sintetiza bem a situação em que os

operários viviam nas industrias de tecidos não só da Torre, mas também em

outras espalhadas pelo estado. (Muitos tecelões perderam suas visões em frente a

um tear). Leonardo Dantas.

O mesmo relata que uma das medidas se deram por decisão do seu

bisavô que era gerente administrativo da fabrica.

Meu bisavô, Antonio Machado Gomes da Silva, que

trabalhou na fabrica da Torre até 1905, quando veio a falecer,

mandou buscar na Europa a imagem de santa Luzia,

conhecida por ser a santa protetora dos olhos. Medidas de

segurança também foram adotadas, mas a vinda da imagem se

misturou com a crença enorme que o povo desse estado

possuía e ainda possuí e atribuiu à diminuição dos acidentes a

intervenção de santa Luzia.

A festa de santa Luzia festejada sempre no dia 13 de Dezembro era

realizada dentro das instalações da fábrica, a imagem vinda da Europa

percorria todas as dependências da fábrica e uma missa campal era realizada

como diz o padre do bairro.

Page 10: A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE - X Encontro … · A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE ... disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da

A festa de santa Luzia era e ainda é a mais famosa do bairro.

Ainda me lembro como os operários eram gratos pelas

intervenções que diminuíram e muito os acidentes. Após o

fechamento da fábrica, a nossa paróquia assumiu a festa e até

hoje fazemos o culto festivo á santa Luzia, com a procissão

que percorre o bairro da Torre em especial a Vila de Santa

Luzia, comunidade esta que foi batizada pelo povo com o nome

da santa. (Pe. Romeu Gusmão).

A VIDA NO BAIRRO

Bem lembrado pelo senhor Gustavo Krause, outro elemento da

economia do bairro eram as olarias, o mesmo morava em frente a uma e

possuía muitos amigos oleiros. (eu possuía muitos amigos que trabalhavam nessas

pequenas fabricas, eram amigos de pelada) As relações existentes no bairro eram de

característica horizontal, em que eram mais próximas entre os vizinhos. O

privilégio de morar próximo ao rio Capibaribe torna a vida de quem morava no

bairro mais próxima com a natureza.

Existia uma relação fraterna com o rio, que naquela época não

era poluído. Nós pescávamos no rio, e fazíamos uma coisa

muito interessante que era a ratoeira, mas não a de pegar

ratos, e sim de pegar o gaiamum, que era engordado pela

turma e depois fazíamos aquela gaiamunzada do domingo

após a pelada. (Gustavo krause)

Esse estilo de vida que existia no bairro o tornava as convivências

harmoniosas, os moradores celebravam festas culturais um na casa do outro,

era comum o estabelecimento das relações de partilha entre os moradores , os

famosos assustados, em que os jovens se reuniam para comemorar um

aniversário na cada do aniversariante, esses práticas compunham essa cultura

da boa vizinhança. A presença da fábrica estava presente na vida dos

moradores desse bairro, o sinal da sirene em que a troca de turnos era

avisada, dava a noção de tempo, e o movimento dos operários chegando e

Page 11: A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE - X Encontro … · A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE ... disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da

saindo da fábrica, era o momento de rever o amigo o namorado ou a namorada

que trabalhava na indústria. Retirada na entrevista do padre da paróquia da

bairro há mais de cinqüenta anos o monsenhor Romeu Gusmão da fonte, ele

diz:

Uma coisa que ainda zoa em meus ouvidos é o apito da

fábrica. Eu me lembro de três apitos da fábrica da Torre. Um às

5 da manhã, o segundo às 14horas e o terceiro as 22 horas.

(Pe. Romeu Gusmão)

.

A fábrica da Torre, o seu entorno gravitava uma sociedade caracterizada

exatamente pela transição do país rural, para o urbano. Em nossas análises

baseadas nas entrevistas já citadas, não se viu um choque de classes, pois é

evidente uma miscigenação, onde a maioria eram amigos e companheiros de

trabalho. O bairro era isolado da cidade, a partir da segunda metade do século

XX , os prefeitos que passaram começam a realizar as interligações do bairro,

com o bairro do zumbi primeiramente, depois com o bairro da iputinga e com o

bairro do Parnamirim, com a ponte-viaduto torre-parnamirim. Ponte esta

inaugurada na gestão do prefeito Gustavo Krause, que serviria como segunda

perimetral ligando à zona sul do Recife a zona norte dando conexão a zona

oeste.

A torre possuía seus cinemas, como meios de entretenimento. Existiam

três, o cinema da Torre, o cine modelo e o cine real. A juventude do bairro,

moradores mais velhos, servidores públicos e operários se juntavam em mais

uma manifestação de boas relações sociais existentes.

Mas a partir de 1970 a situação da indústria têxtil de Pernambuco

começaria a mudar. A crise iniciaria no setor agrário, com o aparecimento da

“praga do bicudo”, também conhecido como “bicudo-do-algodoeiro”

(Anthonomusgrandis). Esse besouro da família dos curculionídeos, perfura o

botão floral e a maçã dos algodoeiros, e tem grande capacidade de se

Page 12: A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE - X Encontro … · A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE ... disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da

reproduzir, podendo existir gerações múltiplas durante uma única safra, o que

pode causar prejuízos fatais à produção. Esses prejuízos no campo logo foram

sentidos na produção de tecidos da capital.

A crise no setor agrícola e têxtil não foi assunto apenas para agricultores

e operários o meio político se manifestou sobre as perdas que afetavam a

economia do Estado (segundo dados obtidos em jornais da época, a indústria

têxtil era responsável por 75% do mercado de trabalho da Região

Metropolitana do Recife. No recife, o vereador Rubem Gamboa (PMDB) fez um

longo requerimento11, advertindo o governo sobre problemas sociais,

financeiros e de infraestrutura, que afetavam direta ou indiretamente os

operários e a indústria: Gamboa apontou a desorganização industrial como

causadora de “distorções” na capital e nas cidades vizinhas, entre eles o

desemprego, os problemas nos setores de habitação, higiene, alimentação,

educação e transportes. O vereador destacou a criação de novos focos

industriais e comerciais no interior do Estado, já que a Região Metropolitana do

Recife já não tinha a mesma capacidade de absorção do incremento

populacional oriundo do interior. Ainda nos argumentos de Rubem, o Governo

Estadual assistia mudo às investidas dos grandes conglomerados estrangeiros,

em detrimento da indústria genuinamente nacional (como as fábricas de

tecidos, que estavam fechando e deixando desempregados mais de 65 mil

pessoas), o que estimularia uma concorrência desleal, já que aquelas

indústrias ocupavam os espaços do mercado nordestino com produtos mais

baratos e, portanto, dificultavam a comercialização local. Essa política, ainda

segundo o vereador, seria a responsável também pelos baixos salários pagos

ao trabalhador nordestino.

Na entrevista concedida, Ana Maria, ex-operária da Fábrica da Torre

durante os anos 80, relatou os cortes nos cargos que os funcionários sofreram,

quando a mesma afirmou que, durante o período de crise, uma parte dos

funcionários continuou trabalhando e, outra parte ainda maior, foi demitida.

Aqueles que continuaram trabalhando, teriam acumulado as funções dos que

11 Diário de Pernambuco, 19 de junho de 1982

Page 13: A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE - X Encontro … · A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE ... disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da

foram exonerados, com um funcionário realizando as funções que antes seriam

feitas por 2 ou 3 operários, como Ana expôs:

[...] eles botaram umas pessoas para casa e umas

ficaram com a gente lá porque se pedissem alguma coisa, eu

sabia trabalhar com camisa, entendeu? A gente ficava fazendo

as duas coisas. Quando não tinha nada o que fazer, a gente ia

pro estoque procurar tecido que batesse pra poder fazer

igualzinho o aviamento. Aí depois eles viram que estava ruim a

crise, aí mandou a gente ficar em casa, para se, por acaso

reabrisse de novo, voltasse o movimento de produto [...] (

Entrevista Ana Maria Alves dos Santos, 2015. )

O debate político sobre a decadência das fábricas em Pernambuco

também atingiu o Senado Nacional; o senador Marcos Freire (PMDB – PE)

responsabilizou diretamente o custo do dinheiro e a fragilidade do mercado

interno como os principais fatores que causaram, até aquele momento, a

desativação de oito fábricas em Pernambuco. 12Em seu discurso, Marcos foi

além do de Rubem, e trouxe problemas enfrentados no campo como

essenciais para a crise vivida. Para o senador, era necessária uma mudança

na filosofia do Governo, para que houvesse uma transformação na orientação e

nas diretrizes política. Freire também ressaltou a necessidade de se prestar

assistência técnica mais eficiente ao agricultor, como forma de promover

melhorias na comercialização de seus produtos.

O Sindicato dos Tecelões também foi matéria dos jornais. Foi possível

perceber discordâncias entre os operários e o sindicato: o operário José

Ferreira dos Santos denunciou o atraso dos pagamentos e demissões sem o

pagamento das indenizações pela fábrica da Macaxeira. Ainda segundo José,

a fábrica estaria demitindo em massa e operando apenas com um terço de sua

capacidade de produção. O operário também expôs discrepâncias entre

aqueles que ocupavam diferentes funções na indústria pernambucana – ele

lamentava que enquanto a maioria dos tecelões passavam fome porque

estavam desempregado, os diretores do sindicato viveriam de mordomias, e 12 Jornal Diário de Pernambuco, 18 de junho de 1982.

Page 14: A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE - X Encontro … · A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE ... disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da

que estes últimos não cumpriam a sua carga horária e, consequentemente, não

resolviam quaisquer problemas da categoria. 13

No que diz respeito à Fábrica da Torre, Ana Maria, em seus relatos,

afirmou que todos os funcionários que moravam na Vila Operária foram

indenizados (apesar da ex-operária não saber responder se a indenização foi

paga por meio de dinheiro ou por meio do imóvel). Apesar das condições nada

fáceis que os jornais expunham, Ana assegura que o período que trabalhou na

Fábrica foi ótimo (apesar da mesma ter iniciado seu trabalho no

estabelecimento durante o período de crise. Sobre as condições de trabalho,

Ana disse que trabalhava das seis da manhã às seis da noite, com uma hora

para almoço, o que caracterizaria sua jornada de trabalho em onze horas

diárias.

No bairro da Torre, houve a ascensão e a queda de uma base

dinâmica da economia que foi o algodão e a industria

beneficiadora, que foi a fábrica da Torre e o cotonifício

Capibaribe. E o inicio de um novo processo do bairro, a sua

verticalização. (Gustavo Krause)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho de pesquisa desenvolvido junto à equipe do programa de

iniciação da docência trouxe ao seu contexto a discussão sobre a história de

um bairro que mesmo estando afastado o centro da capital pernambucana,

palco de vários enredos históricos, possui uma grande riqueza histórica.

Fizemos um panorama sobre à antiga e a nova Torre, em que esse novo bairro

repleto de prédios comerciais e residenciais teve suas bases consolidadas em

uma história de luta e prosperidade. Esse bairro que de um engenho se tornou

um polo industrial e atualmente abriga importantes polos comerciais. Sua

localização bem situada traz os olhares do empreendorismo que agora lança

âncoras sobre os históricos terrenos do bairro, em que o processo de

13 Jornal Diário de Pernambuco, 09 de junho de 1982

Page 15: A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE - X Encontro … · A TORRE ANTIGA E A NOVA TORRE Waldomiro de Souza Borges- UFPE ... disciplina escolar, e assim discutir o papel da introdução da

verticalização da cidade ameaça cada vez espaços antes cenários dessa

dinâmica sofrida pelo bairro.

BIBLIOGRAFIA

CAVALCANTI, Carlos Bezerra .O Recife e seus bairros, CCS gráfica e editora,

Recife 1949. 5º Ed. Pg,167.

COTONIFÍCIO DA TORRE S.A, in documentário ilustrado do tri-cenário da

Restauração Pernambucana, 1654-1954, pg.163.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 19 de junho de 1982.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 18 de junho de 1982.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 09 de junho de 1982.

LAVILLE, Christian. “ A guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do

ensino da História”. Revista Brasileira de História. SP. 1999.

LIMA, Maria. “As diferentes concepções de ensino e aprendizagem no ensino

da História”. In Fronteiras, MS, 2009.

NUNES,B. “Narrativa histórica e narrativa ficcional”. RJ, Imago. 1998.

SCHMIDT, M. A. O ensino de história local e os desafios da formação da

consciência histórica. In: MONTEIRO, A. M.; GASPARELLO, A. M.;

MAGALHÃES, M. de S. (Org.). Ensino de história: sujeitos, saberes e práticas.

Rio Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2007. p. 187-198.

SILVA, Leonardo Dantas. Arruando pelo Recife, por suas ruas, pontes, praias

e sítios históricos- Recife, SEBRAE/PE, 2000.