a tocha dos puritanos

73

Upload: ediocpc5509

Post on 21-Jul-2016

141 views

Category:

Documents


25 download

TRANSCRIPT

Page 1: A Tocha Dos Puritanos
Page 2: A Tocha Dos Puritanos

2

Palestras proferidas no simpósio

OS PURITANOS

em 1995

Joel R. Beeke

PES

PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS

Caixa Postal 1287 10159-970-São Paulo-SP

Page 3: A Tocha Dos Puritanos

3

Ao irmão, amigo e conselheiro, Olin Coleman, grande incentivador da literatura reformada e puritana.

Aos que batalham pela fé reformada, que desejam ver um dia estabelecidas, nesta nação, as antigas doutrinas da graça, uma reforma na igreja brasileira e a prática de uma evangelização bíblica sem adições ou subtrações.

Page 4: A Tocha Dos Puritanos

4

ÍNDICE

Prefácio

1. A Tocha da Evangelização Acesa no Novo Testamento

2. A Tocha da Evangelização Reacesa pela Reforma

3. A Tocha Levada pelos Puritanos

(A Mensagem da Evangelização Puritana)

4. A Tocha Levada pelos Puritanos

(O Método da Evangelização Puritana e a Disposição Interna do Coração) 5. A Tocha da Evangelização Passada para Nós

Page 5: A Tocha Dos Puritanos

5

PREFÁCIO

Após 40 anos no evangelho, defrontei-me com a literatura

puritana e reformada. Tal foi o impacto em minha vida que me senti

como alguém que vai reclamar seus supostos direitos e se depara,

para sua surpresa, com a realidade de que estava errado, e que seus

direitos eram falsos. Senti-me envergonhado do movimento

evangélico superficial, humanista, vivenciado há tanto tempo em

nosso meio e que não considera a soberania de Deus, mas coloca no

homem o poder de realizar.

Ao ler a literatura puritana e reformada os meus olhos foram

abertos para ver o caminho que trilhava. Percebi logo que boa parte

do movimento evangélico moderno, mesmo falando da graça de

Deus, não a compreende como ela é apresentada na bíblia. Afirma

que, pela graça, todos os homens têm a capacidade de crer e aceitar o

evangelho; é uma decisão deles. Por isso Dr. M. Lloyd-Jones

afirmou: "Embora comecem com a graça, na seqüência a negam".

Percebi que o movimento evangélico moderno fala da Bíblia como a

única regra de fé e prática, mas não compreende o significado de

Sola Scriptura, como os reformadores a ensinavam, e era vivida

pelos puritanos de forma madura.

Muito do movimento evangélico moderno tem feito

acréscimos, adições às Escrituras, como fizeram os judeus na época

de Jesus, quando citavam mais de 600 leis que não estavam na

Torah, ou mesmo como a igreja católica romana, com toda sua

tradição maligna, que tem levado milhões de pessoas à condenação,

por causa de ensinos apócrifos, antibíblicos, esquecendo-se de que

Deus trará maior juízo àqueles que ensinam falsidade (Tg 3:1).

Recentemente um grupo de congressistas questionou um famoso

líder americano e professor de missiologia sobre suas práticas na área

de batalha espiritual e missões. Sua resposta foi: "É verdade que não

Page 6: A Tocha Dos Puritanos

6

está na Bíblia, mas funciona". Creio que é exatamente este

pragmatismo religioso, não bíblico, que domina em grande parte

nosso movimento evangélico, nossa prática cristã e especialmente

nossa evangelização. Os métodos evangelísticos não bíblicos, se

estão funcionando, são considerados válidos. Será que estamos

esquecidos das palavras de Jesus que serão proferidas no dia do juízo

contra aqueles que evangelizaram de forma condenável, mesmo que

bem sucedidos: "Nunca vos conheci"? (Mt 7:23).

Um dia comecei a ler sobre Pelágio, o herege dos séculos IV

e V, que fora tão combatido por Agostinho e por fim condenado pelo

Concilio de Éfeso. Pelágio não só ficou conhecido por negar o

pecado original, mas especialmente pelas suas idéias do livre-arbítrio

fundamental do homem, que o faz capaz de querer e fazer (até

mesmo o bem espiritual). Pelágio pensava a respeito da graça como

sendo apenas uma ajuda externa de Deus, do Espírito Santo, para a

alma humana; um tipo de ação que persuade o homem pela razão e o

faz usar seu livre-arbítrio, sua capacidade de obedecer ou não a lei de

Moisés e os ensinos de Jesus. Para Pelágio, a predestinação divina é

algo que opera apenas de acordo com as qualidades das pessoas, as

quais Deus prevê que terão. É algo baseado no mérito das pessoas.

Dessa forma a fé não é um dom, e sim, uma obra meritória para levá-

las à salvação. Assim, o homem pode tomar uma decisão por Cristo

na dependência apenas de sua própria vontade, independente de

Deus. Ou seja, tudo depende do homem.

Quando tomei conhecimento de tudo isso, comecei aperceber

que muita da nossa evangelização é calcada em cima desses

princípios, com apenas algumas mudanças (semipelagianismo),

como o reconhecimento do pecado original do homem, sua

enfermidade moral. Entretanto, continua defendendo que o homem é

que dá o primeiro passo em direção a Deus, com suas próprias forças

e, que por isso, Deus o recompensará. Todo o sistema de apelo por

decisões está baseado nestes princípios, e não foi sem razão que

Finney (pelagiano declarado) tenha sido o iniciador desse sistema de

Page 7: A Tocha Dos Puritanos

7

convidar pessoas a virem à frente, usando o livre-arbítrio, como

demonstração de fé e conversão. Falar contra estas coisas hoje é

provocar a ira de muitos. Os grandes pregadores e missionários

batistas, congregacionais e presbiterianos do passado sempre

condenaram estes princípios não bíblicos, e a Igreja foi

tremendamente abençoada por serem defensores das antigas

doutrinas da graça, defensores de um evangelho centralizado na

soberania de Deus, um evangelho que diz ser Deus o iniciador e

consumador da nossa fé e da nossa salvação.

Infelizmente o semipelagianismo defendido por Armínio

espalha-se no nosso meio e é praticado por quase a totalidade da

evangelização moderna. A situação é tão grave que raramente se

vêem programas de rádio e televisão, ou mensagens (com raras

exceções) que pudessem ser aprovados pelos reformadores e

puritanos (congregacionais, batistas e presbiterianos) do passado;

nossos pais espirituais. Percebo que é algo natural, que vem da

natureza humana corrompida, da "sabedoria da carne", como dizia

Martinho Lutero, a idéia de que o homem pode exercer fé por si

mesmo para ser justificado; que pode usar seu livre-arbítrio para ser

salvo; que Deus não pediria algo de nós (crer, arrepender--se), se nós

não pudéssemos realizá-lo. Isto é pensar como Pelágio (esquecem do

Sl 127:1-2; Mt l6:17; 19:26; Jo l:13; 3:27; 6:44-65). Toda esta visão

doutrinária e prática é incompatível com o pensamento do maior

pregador da Inglaterra no século XVIII, George Whitefield, que não

temia afirmar que o homem natural já nasce arminiano.

Preocupado com esta visão distorcida da evangelização, e a

ironia e desprezo da parte de muitos para com o ensino bíblico

calvinista, praticado pelos grandes missionários batistas como

William Carey ou congregacionais como Robert Kalley (chamado de

"O Lobo Calvinista") e presbiterianos como Ashbel Green Simonton

e os grandes pregadores do passado, o projeto “Os Puritanos”

realizou o seu simpósio anual em 1995 sobre o tema da

evangelização bíblica e puritana. Para isso foi convidado o Dr. Joel

Page 8: A Tocha Dos Puritanos

8

Beeke, pastor reformado em Grand Rapids, Michigan, Estados

Unidos, doutor e mestre, estudioso da história e do ensino

reformados desde os nove anos de idade, para abordar este tema tão

importante que é a evangelização reformada.

O Dr. Joel Beeke apresenta de forma simples e piedosa, a

necessidade da evangelização fundamentada na soberania de Deus, e

que enfatize a responsabilidade do homem. Neste aspecto Calvino

nos ensina a sermos evangelistas e que a doutrina da eleição não leva

à passividade na evangelização; pelo contrário, nos leva à atividade.

O autor afirma que nós não somos responsáveis pelos resultados da

nossa evangelização, e sim, pela fidelidade da mensagem e pelos

métodos que usamos. Disso prestaremos conta. Portanto, o que

devemos fazer é lançar a semente e esperar no Senhor. Os resultados

pertencem a Deus, é verdade, mas temos de ir em busca das ovelhas

de Cristo. A eleição não exclui os meios pelos quais Deus chama os

Seus de forma eficaz. No túmulo de David Livingstone está escrito o

que o motivou ser missionário na África: "Ainda tenho outras

ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las" (Jo

10:16). Assim como Jesus veio ao mundo em busca de Suas ovelhas

e por elas morreu, Livingstone foi à África em busca das ovelhas do

Senhor.

Este livro pode ser um grande orientador de como podemos

evangelizar para a glória de Deus e nos despertar para sermos

verdadeiros evangelistas, obedientes a Cristo e ganhadores de almas.

Que possamos levar esta tocha da evangelização como os cristãos

primitivos, como os reformadores e puritanos fizeram.

Agradeço a Deus ter conhecido e ouvido o Dr. Joel Beeke;

suas palavras eram carregadas de amor, piedade e firmeza

doutrinária. Todos nós do Projeto Os Puritanos aprendemos muito

com o Dr. Beeke sobre o que é ser um evangelista como a Bíblia

recomenda.

Page 9: A Tocha Dos Puritanos

9

Caro leitor, aproveite das palavras escritas neste livro e, com

a ajuda de Deus, seja um evangelista fiel.

Manoel Canuto

Coordenador do Projeto Os Puritanos

Page 10: A Tocha Dos Puritanos

10

1

A TOCHA DA EVANGELIZAÇÃO ACESA

NO NOVO TESTAMENTO

"Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: toda a autoridade me

foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as

nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo;

ensinando-os a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado. E

eis que estou convosco todos os dias até à consumação dos séculos."

- Mateus 28:18-20

"E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura: as coisas

antigas já passaram; eis que se fizeram novas. Ora, tudo provém de

Deus que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo, e nos

deu o ministério da reconciliação, a saber, que Deus estava em

Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens

as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. De

sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus

exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois rogamos

que vos reconcilieis com Deus. Àquele que não conheceu pecado, ele

o fez pecado por nós; para que nele fossemos feitos justiça de Deus."

- 2 Coríntios 5:17-21

Introdução

Evangelização Reformada é um tema bastante vasto. Muitas

pessoas chegam a negar a sua existência, pois não crêem que exista

tal coisa. Nossa esperança é, por um lado, não exagerar a força da

evangelização reformada, e por outro, não diminuir as suas

Page 11: A Tocha Dos Puritanos

11

fraquezas. Este assunto pode melhor ser apresentado através de uma

ilustração. Na América existiu um pastor que era um homem de

Deus, mas tinha um problema terrível. Gostava de constantemente

exagerar nas suas afirmações. Seu conselho se reuniu, e procurou

conversar com ele sobre o problema. O pastor estava consciente

desta sua falha e via que precisava de ajuda. Após conversarem,

chegaram ao seguinte acordo: quando o pastor, do púlpito,

exagerasse em alguma coisa, um dos presbíteros daria uma leve

tossida. Então o pastor saberia que deveria "maneirar" um pouco nas

suas afirmações, pois estaria além dos limites da realidade. Quando

chegou o domingo ele teve a sua chance de ser testado com este

sistema. O pastor começou a pregar sobre Sansão. Descrevia como

ele pegara trezentas raposas e como amarrou suas caudas. Estava

muito envolvido na descrição desta cena e disse que quando Sansão

tomou as caudas das raposas para amarrá-las, estas caudas eram do

tamanho dos braços abertos de um homem (ele fez este gesto). Nesta

hora o presbítero deu uma tossidinha. O pastor, então diminuiu o

gesto na tentativa de dizer que as caudas eram menores, mas mesmo

assim ainda exagerava. O presbítero novamente tossiu. Ele diminuiu

o tamanho, porém ainda estava exagerando. Nova tossidinha. O

pastor, então, não se contendo, perguntou: "Irmão, afinal de contas

qual era o tamanho das caudas das raposas?".

Algumas pessoas dizem que a evangelização reformada não

tem "cauda" e outros dizem que sua "cauda" é imensa. Queremos

lidar de uma forma bem realista com os pontos fortes e os pontos

fracos da evangelização reformada. Focalizaremos alguns princípios

neo-testamentários de evangelização. Eles estão de fato no Novo

Testamento. Como foi que Calvino construiu em cima destes

princípios a sua própria evangelização, sendo pai da sistematização

da verdade reformada e também da sistematização da evangelização

reformada? O que os puritanos têm a nos dizer sobre a

evangelização reformada? Como podemos tomar esta tocha da

evangelização reformada, hoje, e passá-la adiante às nossas

comunidades e à nação?

Page 12: A Tocha Dos Puritanos

12

Definindo a evangelização

O que é a evangelização? Há muitas definições que são

dadas. Poderíamos passar muito tempo só definindo-a. Mas quero

dizer algumas coisas. Em primeiro lugar não devemos definir a

evangelização nos termos daqueles que vão receber a mensagem.

Isso pode nos levar a comprometer a mensagem e a mudá-la. Em

segundo lugar, também não devemos definir a evangelização em

termos dos seus resultados. Pois dessa forma, você diria que William

Carey não estava fazendo evangelização nos primeiros anos em que

ele esteve na índia, porque por muitos anos ele não viu nenhum

convertido. Em terceiro lugar, não devemos definir a evangelização

em termos dos métodos usados. Dessa forma, se pensarmos assim, os

fins vão justificar os meios e nós vamos terminar naquilo que é tão

comum hoje, a chamada "evangelização pragmática". Essa

"evangelização" está mais preocupada com os números do que com a

verdade. Nós precisamos definir a evangelização em termos do

significado da própria palavra.

Evangelização vem de uma palavra grega que significa "boas

novas". Assim, poderíamos definir a evangelização como sendo a

proclamação das boas novas, a proclamação do evangelho. Nele

buscamos, pela graça de Deus, a conversão de pecadores. Num

sentido mais amplo podemos dizer que inclui a edificação dos filhos

de Deus. Inicialmente, a evangelização procura a conversão de

pecadores e no sentido mais amplo, procura o discipulado daqueles

que já nasceram de novo. Esta palavra grega aqui referida,

euaggélion, está registrada 124 vezes no Novo Testamento. Portanto,

a Bíblia é um livro evangelístico. Nosso Deus é um Deus

evangelístico.

A tocha acesa no Velho Testamento

Na verdade, a tocha da evangelização foi acesa

originalmente, no Velho Testamento. Em primeiro lugar foi acesa

Page 13: A Tocha Dos Puritanos

13

pelo próprio Deus na primeira promessa messiânica que Ele deu a

Adão e Eva, lá no Éden. Vemos isso em Gênesis 3:15: "Porei

inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu

descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu Ihe ferirás o calcanhar".

Aqui, Deus Jeová está agindo como um Deus evangelista. Ele está

interceptando Adão e Eva numa relação pactuai que eles estavam

tendo com satanás e traz para eles a promessa do Messias que

haveria de vir: a semente da mulher que haveria de esmagar a cabeça

da serpente. Assim, Deus acendeu a tocha antes mesmo de Adão

deixar o paraíso e, ainda lá, Ele revela Seu Filho que haveria de vir.

Ele próprio é essa tocha!

Para que nós possamos lançar um bom alicerce, devemos

dizer que o próprio Deus é o evangelizador por excelência. Através

do Seu próprio Filho, e por meio dEle, o coração de Deus bate de

uma forma evangelística. Ele não pode negar-Se a Si mesmo. Dessa

forma Deus demonstra que tem os meios para levar avante este

projeto evangelístico. Ele leva à frente estas boas novas através de

todo o Velho Testamento. Através de toda a linhagem de Sete, Noé e

de todos os patriarcas; por sua vez, esses patriarcas passam essa

tocha para os filhos de Israel. A nação de Israel leva a tocha como

quem leva a alma da evangelização. Israel é a alma que conduz à

evangelização nos tempos do Velho Testamento, no meio do mundo

gentio. Por fim, o último profeta do Velho Testamento, João Batista,

foi privilegiado porque ele levou a tocha da evangelização à era do

Novo Testamento.

A tocha acesa no Novo Testamento

Logo que o Novo Testamento se abre, nós encontramos a

tocha, a Pessoa do Senhor Jesus Cristo, que é "as boas novas", o

evangelho; Ele é tanto o Salvador quanto a salvação. Quando Cristo

começa a realizar o Seu ministério, bem cedo, ele começa a dar aos

Seus discípulos instruções bem específicas quanto ao levar a tocha da

evangelização. Quando Jesus ressuscitou dos mortos, deu-lhes a

Page 14: A Tocha Dos Puritanos

14

grande comissão como vemos em Mateus, capítulo 28. Esta grande

comissão pergunta e responde importantes questões.

Por que e como evangelizamos?

A nossa resposta é esta: evangelizamos por compaixão aos

homens e mulheres que estão perecendo. Evangelizamos como

Cristo, pois Ele chorou sobre a cidade de Jerusalém e nós devemos

chorar sobre Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e sobre todo o Brasil.

Quando vemos milhões que estão morrendo em nossa volta,

estranhos a Cristo, sem Deus e sem esperança no mundo, alienados

de Deus, inimigos de Deus, rebeldes como outrora nós também

fomos, nossos corações precisam sangrar; nossos olhos, chorar;

nossas orações, subir aos céus e assim seremos motivados a

evangelizar por causa da compaixão.

Há outros motivos profundos que nos impelem à

evangelização. Mateus, capítulo 28, deixa de forma absoluta e clara a

grande motivação que é uma ordem de Jesus. Se nós amamos

alguém, desejamos agradar-lhe e obedecer-lhe. Se amamos a Cristo

queremos obedecer à Sua ordem e fazer a Sua vontade. Quando

Cristo diz, "ide e ensinai", a Sua ordem em si é a nossa grande

motivação. Naturalmente essa grande motivação é uma lição que nos

vem através do conceito da soberania de Deus. Sempre fomos uma

minoria na tradição reformada e uma outra minoria procura usar a

soberania de Deus de uma forma, às vezes, não bíblica. Calvino diria

que isso é como um "veneno" que está sobre, o conceito da soberania

de Deus. Esta minoria, às vezes, procura diminuir a importância e o

papel da soberania na salvação das pessoas. A ilustração clássica

disso é o exemplo de William Carey. Quando ele explicou seu

chamado para ir para a Índia, um dos que estavam naquela reunião

lhe disse: "Sente-se, jovem, se Deus quer realmente salvar a Índia,

Ele pode salvá-la sem a ajuda de William Carey ou de qualquer

outro". Esta é uma afirmação terrível. Percebam que aquelas pessoas

estavam separando a doutrina da soberania de Deus dos meios

Page 15: A Tocha Dos Puritanos

15

através dos quais essa soberania é exercida.

Os meios que Deus usa no exercício da Sua soberania são

homens pecadores como nós. Jesus disse: "Ide e ensinai". Jesus não

está dizendo que se deixe a evangelização na esfera da soberania de

Seu Pai. Também não está dizendo que devemos ficar apenas em

uma sala ensinando. Há pessoas que têm um grande dom de ensinar,

mas não saem para levar a mensagem de boas novas. Por outro lado,

uma das grandes calamidades da Igreja hoje, é o fato de igrejas, que

têm grandes alvos evangelísticos, possuírem líderes com tão pouca

capacidade de ensino. Da mesma forma, igrejas que têm muitos com

o dom de ensinar, freqüentemente apresentam baixos alvos

evangelísticos. Precisamos voltar à ênfase de Jesus, que era a

colocação das duas coisas juntas - ir e ensinar! Estas duas ações

precisam estar juntos. Precisamos ser motivados à evangelização

reformada pela obediência ao nosso Mestre.

Quero citar mais um motivo. Devemos ser impelidos pelo

nosso relacionamento com Deus. Paulo diz que se conhecemos a ira

de Deus, nós precisamos persuadir os homens, pois ele sabia como

são os homens e mulheres sem Deus. O apóstolo Paulo foi um deles,

mas sabia o que significava ser salvo e ter um novo relacionamento

com Jesus. Sabia a terrível realidade de uma alienação de Deus;

também sabia o poder da reconciliação com Deus. Em 2 Coríntios,

capítulo 5, ele fala de uma forma poderosa desta reconciliação. Nos

versículos 20-21 ele diz: "De sorte que somos embaixadores em

nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em

nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus.

Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que

nele fôssemos feitos justiça de Deus". Paulo estava, pois, motivado

por aquela paixão e pelo desejo ardente de agradar a Cristo, como

uma criança em profunda reverência por seu pai. Como fruto de uma

grande apreciação e amor por Cristo.

Todos os diferentes aspectos dos atributos de Deus e o

Page 16: A Tocha Dos Puritanos

16

relacionamento daqueles que crêem neles, motivaram Paulo a

evangelizar. Ele sempre procurou glorificar a Deus em todas estas

coisas: a soberania de Deus, o amor de Deus, a graça de Deus. Esta

foi a motivação mais profunda da evangelização de Paulo. Não

somente uma compaixão humana, não somente a ordem de Cristo,

mas um desejo ardente de glorificar a Deus a quem ele conhecia. Ele

tinha absoluta certeza de que qualquer um que cruzasse o caminho de

Cristo, um dia estaria perante o julgamento de Deus e teria de

responder diante dEle por todo o bem ou mal que fizera no seu

corpo, nesta vida.

Quando nós, pastores, ficamos de pé diante da nossa

congregação, semana após semana, quão prontos estamos para

esquecer que, mesmo que se passem cem anos, se o Senhor demorar

a voltar, nenhuma pessoa na nossa congregação vai escapar do

julgamento final de Cristo? Em toda a nossa evangelização, estamos

lidando com almas viventes que poderão estar alienadas de Deus

para sempre, ou que irão usufruir da presença gloriosa de Jesus

eternamente. Há uma diferença radical entre estas duas coisas. A

grande gloria que Deus recebe na conversão de pecadores motivava

Paulo a fazer missões e evangelizar.

A quem evangelizar?

A grande comissão responde a uma segunda pergunta. A

quem devemos evangelizar? Mateus nos diz que devemos ir a todas

as nações. Ide e ensinai a todas as nações. Há algo maravilhoso neste

mandamento para a evangelização reformada, porque o evangelista

reformado não fica apenas vendo a soberania de Deus no ato de

eleger, pois este ato não é algo que impede o sucesso da

evangelização, e sim, algo que o confirma. Quando Cristo nos envia

a todas as nações, Ele vai reunir delas, aqueles que vão servi-lo e

temê-lo na Sua própria Palavra. Ele vai usar a loucura da pregação

para salvar aqueles que devem e precisam crer. Que encorajamento

maravilhoso para nós evangelizarmos, pois onde formos passando no

Page 17: A Tocha Dos Puritanos

17

meio desta torrente de depravação humana, não há nenhuma

expectativa em nós ou na semente em si. Algumas sementes vão cair

em solo rochoso ou à beira do caminho, e a nossa única esperança de

que Deus Se agrade é que Ele venha a usar-nos como barro em Suas

mãos para cumprir o Seu propósito de amor e soberania em termos

da eleição. Dessa forma, Deus vai atrair pecadores a Si mesmo.

Em Marcos 16:15 ("Ide por todo o mundo e pregai o

evangelho a toda criatura") a grande comissão diz algo um pouco

diferente. Pregar o evangelho a toda criatura! Mateus disse, "a todas

as nações". Marcos particulariza a grande comissão. A ênfase é que o

evangelho deve, não só ser levado a todas as nações, mas a todo

homem, mulher, moço e moça que habitam nelas. O evangelho é o

oferecimento de Deus aos pecadores. São as boas novas de Cristo e

está disponível para todos. São boas novas de que Cristo os está

convidando a virem a Ele como estão. As boas novas, entretanto, não

consideram que cada pessoa tem força em si mesma para ir a Deus.

As boas novas não afirmam que a pessoa é salva meramente por uma

"decisão" por Cristo. A mensagem das boas novas não é que você vai

declarar a cada um que ele está salvo. Não significa contar a cada

um, que definitivamente Cristo morreu por você, não é simplesmente

levar as pessoas a saberem que Cristo morreu por elas. Muitos

pregadores pregam assim. Eles dizem: "Jesus morreu por todos e

tudo que você tem de saber é crer que Ele morreu por você". O que

está errado com isso? No momento em que eu creio que Cristo

morreu por cada um, então, eu posso concluir que há uma espécie de

acordo que afirma: se Ele morreu por todos, então, morreu também

por mim. Os pregadores que pregam assim, persuadem as pessoas a

pensarem que estão salvas, mesmo sem ter recebido nenhum toque

do Senhor. Contudo, apenas um assentimento intelectual sem essa

bênção da fé salvadora, não salva.

Uma fé salvadora pessoal, um arrependimento pessoal, uma

convicção pessoal dos pecados e uma rendição diante de Deus de

todas as suas justiças que são trapos diante de Deus, são ingredientes

Page 18: A Tocha Dos Puritanos

18

necessários para que você encontre a real salvação. Se você não

compreende o que é ser um pecador perdido e condenado perante

Deus, como pode apreciar a riqueza do evangelho? Dessa forma, a

grande comissão nos encoraja a levar o evangelho a todas as nações,

ao homem como um ser integral. Não leve o evangelho a pressionar

apenas a vontade do homem, pois o evangelho afeta a vontade, as

afeições, a totalidade do ser humano. Posteriormente veremos como

os reformadores e puritanos praticaram esse tipo de evangelização.

Quando eles apresentavam a Cristo de uma forma integral para um

ser integral, acabavam proclamando todo o conselho de Deus.

Onde iniciar?

Finalmente, a grande comissão certamente inclui que o

evangelho precisa ser levado de preferência às ovelhas perdidas da

casa de Israel, como lemos em Mateus 10:6. Assim, quando Jesus

deu a ordem de evangelizar aos Seus discípulos, Ele começou com

Jerusalém e de lá deviam levar o evangelho a Samaria, Judéia e até

os confins da terra. Traduzindo a idéia para os dias de hoje, esta

ordem diz que nós não devemos apenas evangelizar os judeus mas

devemos começar em nossos lares, em nossas igrejas. Dentro do

ministério pastoral devemos enfrentar o fato de que dentro da Igreja

de Deus há muitas pessoas que não São verdadeiramente salvas.

Talvez tenham até sido batizadas, talvez sejam membros

comungantes, vivam uma vida decente, todavia não foram salvas.

Podem até ter um bom conhecimento bíblico e até serem professores

de Seminários, pastores, ou presbíteros, mas não são diferentes de

Nicodemus que foi um mestre em Israel e no entanto não havia

nascido de novo. Jesus diz ainda hoje a cada um de nós e a nossas

igrejas: "vocês precisam nascer de novo". É possível que nossa a

evangelização, às vezes, seja muito fraca porque há pouca

experiência do que significa nascer de novo.

Jesus passou a Sua tocha da evangelização para Seus

apóstolos e discípulos e a acendeu de forma maravilhosa no dia de

Page 19: A Tocha Dos Puritanos

19

Pentecoste e nas semanas que se seguiram. O mundo precisa ser

colocado em chamas por esta tocha da evangelização. No dia de

Pentecoste Deus vindicou a Sua própria Palavra conforme lemos em

João 3:16: "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu

Filho unigênito para que todo aquele que nele crê não pereça mas

tenha a vida eterna". Milhares de pessoas foram feridas nas suas

consciências e foram levadas a um arrependimento autêntico naquele

dia, depositando sua fé em Cristo. Mas a novidade que começou no

dia de Pentecoste foi disseminada e começou a usar de uma forma

poderosa o apóstolo Paulo para levar avante a tocha da

evangelização.

Paulo, o evangelista

Paulo foi de modo peculiar qualificado para esta tarefa, talvez

mais do que qualquer pessoa da sua época. Ele entendia tanto a —

mentalidade hebraica, quanto a mentalidade helênica. Ele teve um

"seminário" de três anos na Arábia, durante o qual Deus o treinou e o

moldou para ser o apóstolo dos gentios. A atividade evangelística de

Paulo, levando a tocha da evangelização, foi e ainda é amplamente

expandida hoje. Ele levou o evangelho aos seus irmãos na carne,

levou-o até a Ásia, Europa, e pela inspiração do Espírito Santo,

trouxe a tocha até nós em suas Epístolas. É muito importante

tomarmos um pouco da evangelização de Paulo. A evangelização é

algo muito importante no ministério de Paulo e precisamos nos

"agarrar" ao seu padrão de evangelizar. De uma coisa nós não

podemos fugir, quando lemos suas cartas: Paulo evangelizava de

uma forma doutrinária e teológica. Não evangelizava contando

anedotas ou pequenas histórias. Há, hoje, pessoas que afirmam que

temos de colocar a doutrina de lado para podermos evangelizar.

Pensam que quando evangelizamos não devemos ser didáticos. Paulo

rejeitou isso de forma prática. Grandes porções de suas Epístolas

estão preocupadas, por exemplo, com a lei. Ele faz com que uma

apresentação da lei seja seguida pela apresentação do evangelho e

então aplica esta realidade à vida dos seus leitores com ensinamentos

Page 20: A Tocha Dos Puritanos

20

éticos e experimentais. Esse é o padrão da evangelização de Paulo.

Queremos apresentar aqui algumas ramificações deste padrão

de evangelização que Paulo usava.

Consciência teísta

O primeiro resultado do seu padrão evangelístico é: Paulo

pressupõe, em todas as suas cartas, uma consciência teista em cada

pessoa. Na tradição reformada, somos profundamente devedores a

João Calvino e a Cornelius Van Til porque eles estabeleceram o que

nós hoje chamamos de teologia pressuposicional. Calvino afirma que

a semente da religião está em cada homem. Dessa forma, o

pensamento reformado sempre entendeu que cada pessoa no mundo

tem certo sentimento de Deus. Este conhecimento nato pode ser

muito distorcido, misturado com pecado, mas aquela semente, no

entanto, está lá. Tanto Calvino quanto Van Til tiram estes

pressupostos teológicos de Paulo. Paulo argumenta de forma muito

clara, por exemplo, na sua carta aos Romanos e ele parte de uma

posição de pressuposição que afirma que, mesmo os pagãos têm

alguma consciência de um ser supremo. O que aprendemos disso é o

seguinte: nós não devemos gastar muito tempo discutindo com uma

pessoa sobre a existência de Deus. Antes, enquanto evangelizamos,

pressupomos que, no fundo do coração, eles têm consciência da

existência de Deus. Os reformados afirmam que não existe a

condição do ateu genuíno. Um ateu é alguém que deseja se

convencer que não existe Deus. Já tive duas vezes oportunidade de

conversar com duas pessoas que afirmavam que eram atéias. No

entanto, o que era estranho é que exatamente os dois queriam

conversar sobre Deus. Dessa forma estavam querendo se convencer

de que Deus não existia.

O que Paulo está dizendo é o seguinte: quando você estiver

lidando com uma pessoa que não crê e fala do seu relacionamento

com Deus, o que você precisa fazer é apresentar a Deus, como está

Page 21: A Tocha Dos Puritanos

21

em Romanos, capítulo primeiro. Você não deve colocar como alvo

provar filosoficamente que Deus existe. O que deve ser feito é apelar

para a consciência da pessoa. Paulo diz em Romanos, capítulo 1, que

esta consciência está apertando, fazendo desaparecer o conhecimento

de Deus. Quando nós pregamos o evangelho, evangelizamos pessoas

que têm uma consciência teista como seres humanos.

Mensagem de despertamento

Em segundo lugar, Paulo ensina que nossa mensagem

evangelística precisa ser uma mensagem de despertamento. Quando

Paulo dirige-se a alguém que está evangelizando, ele começa a falar a

respeito do pecado e da grande necessidade do ser humano. Ele

sempre procura construir um sentimento de necessidade por parte da

pessoa. Então, seu alvo é a consciência. Esta não é uma tarefa fácil e

sem o Espírito Santo é uma tarefa impossível, porque é necessário o

poder divino, o Todo-poderoso, para quebrar um homem e reduzi-lo

a nada. Assim o homem vê o seu pecado e enxerga que não é outra

coisa senão um grande pecador e não pode dizer outra coisa senão:

"Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!".

Isso é exatamente o que Paulo procura fazer em Romanos,

capítulos 1, 2 e 3, trazendo, tanto judeu como gentio, a um

sentimento de culpa diante de Deus, para que toda boca seja fechada

e todo o mundo seja considerado culpado perante Deus. Por isso,

Paulo pregava a lei a fim de trazer o evangelho. Com a evangelização

eficaz nós vamos levar pecadores, pelo Espírito, a serem

confrontados face a face com a realidade de um Deus vivo e santo,

que Se ira e que executa julgamento; na realidade da maldição da lei

que vem contra todos que a transgridem. Precisamos levar pecadores

ao Deus do Sinai, ao Deus de Isaías, capítulo 6, para podermos levá-

los ao Deus do Calvário. Nosso alvo, portanto, é levá-los a Cristo e a

única maneira de levá-los a Cristo é mostrar a maneira como Cristo

Se torna apreciado e válido no coração daqueles que dEle precisam.

Page 22: A Tocha Dos Puritanos

22

Pregar Cristo - a reconciliação

Finalmente, Paulo prega não apenas de forma que usa

pressupostos, de uma forma que desperta e aviva, mas prega de

forma cristológica. Ele proclama a realidade gloriosa do evangelho.

No Novo Testamento, no grego, há uma palavra (paralambanó) que

expressa a idéia de receber alguma coisa e passá-la adiante. Todas as

vezes que esta palavra é utilizada (paralambanó), ele sempre a usa

em conexão com Jesus. A sua idéia é a de que Cristo precisa ser

recebido pela fé e passado à frente. Ele precisa ser "tradição". Paulo

quer fazer a passagem desta "tradição", ou seja, deste evangelho; ele

quer passar especialmente a mensagem da reconciliação. Ele está

com tal peso na alma, que o amor de Cristo o constrange. Esta

reconciliação é absolutamente necessária. Sem ela os pecadores

estarão alienados no inferno, para sempre, e alienados do Seu

criador. Esta reconciliação encontra a sua realização na cruz por

Cristo, e agora precisa ser realizada no coração dos pecadores pelo

poder do Espírito Santo. Ele aplica esta reconciliação, advinda da

cruz, aos corações dos pecadores.

A idéia de reconciliação é uma idéia de troca. Paulo volta a

este assunto várias vezes na sua teologia. Jesus é aquele que troca de

lugar com o pecador carente, em necessidade. O evangelho diz que

nós é que merecíamos estar naquela cruz e sermos punidos por

nossos pecados. Entretanto o que é glorioso é que Jesus vem e toma

o nosso lugar naquela cruz. O apóstolo Paulo diz em 2 Cor.5:21:

"Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para

que nele fôssemos feitos justiça de Deus". Cristo toma os nossos

pecados, toma para Si próprio a morte que nós merecíamos e paga o

preço plenamente. Ele dá ao pecador a Sua salvação, a Sua santidade,

todos os benefícios gloriosos e, acima de tudo a Sua própria Pessoa.

Na reconciliação Cristo faz duas coisas para cada um dos filhos de

Deus, os quais eles jamais poderiam fazer por si próprios. Estas duas

coisas são feitas por nós, doutra forma não seríamos salvos.

Page 23: A Tocha Dos Puritanos

23

Em primeiro lugar, a nossa dívida completa precisa ser paga.

Pecado é uma coisa tão séria, que traz a morte, conforme nos diz a

Bíblia, em Romanos, capítulo 6. Jesus disse que estava pronto para

morrer pelos pecadores. Jesus, nesta obediência passiva, suportou a

ira de Deus por causa dos nossos pecados. Paulo diz que Ele Se deu a

Si mesmo por Sua Igreja - sofrendo a morte na cruz. A segunda coisa

que Ele faz e que nós não podemos fazer, é que Ele, de forma

perfeita, obedece à lei em nosso lugar. A lei exige que amemos a

Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Cristo

fez isso, de forma perfeita, por 33 anos. Não por Ele mesmo, mas por

aqueles pecadores a quem salvará. Chamamos a isso de Sua

obediência ativa e dinâmica, pois dessa forma ele obedeceu a lei. Por

Sua obediência ativa e passiva, obedecendo à lei e pagando o preço

do pecado, Ele satisfez a justiça de Deus. Dessa forma Deus está

reconciliado com o pecador. Ele concede o Seu Espírito para que

esse mesmo Espírito opere a Sua salvação na mente e no coração dos

pecadores e o pecador perca todo seu sentimento de justiça

rendendo-se inteiramente ao caminho da salvação de Deus, aos pés

da cruz. Ao serem assim reconciliados com Deus, lá na cruz, Deus

está reconciliado com o homem e o homem com Deus. Através da

cruz Deus leva os pecadores a se reconciliarem com Ele mesmo.

Percebe que tudo está centralizado na cruz? O apóstolo Paulo diz que

a cruz exige uma vida que produza frutos.

Se você já esteve ali na cruz e já experimentou a

reconciliação com Deus, por Jesus Cristo, você já percebeu que

deveria estar onde Jesus esteve, percebeu que merecia os cravos nas

mãos e pés. Você que merecia aquela coroa de espinhos e suas costas

sangrando, agora sabe que, ao invés de você, foram seus pecados que

foram cravados naquela cruz. Ele experimentou a morte e você

compreenderá que Ele permitiu que você, pelos seus pecados, O

pregasse na cruz do Calvário, como resultado de um amor puro a

pecadores que não são dignos nem merecedores desse amor, por

causa do Seu amor ao Pai, à vontade soberana do Seu Pai. Como

você pode viver sem estar fervendo de amor pelo Pai, Filho e

Page 24: A Tocha Dos Puritanos

24

Espírito Santo? Acaso você poderia dizer como Samuel Rutherford:

"Eu não sei qual das três pessoas da Trindade eu mais amo, porém

isso eu sei, eu amo a todas três"?

Quando estamos motivados pelo grande amor de um Pai que

deu Seu único Filho, e somos movidos pelo Filho que Se deu a Si

mesmo, e somos movidos pelo Espírito Santo que tem a paciência de

operar em pecadores tão difíceis como nós, somente podemos

caminhar de uma forma gostosa e desejosa com este Deus Triúno.

Em Colossenses 2:6-7, o apóstolo Paulo diz: "Ora, como recebeste a

Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele, nele radicados e

edificados, e confirmados na fé, tal como fostes instruídos, crescendo

em ações de graça". Para Paulo, a mensagem da evangelização é a

mensagem da reconciliação que prega um Cristo completo -

mensagem que envolve o Seu senhorio, envolve ser salvo do pecado

e ser salvo para servir. O pecador recebe esta salvação gloriosa, tão -

somente pela obra salvadora do Espírito. Justificação pela fé

somente, para aqueles que estão vivendo sem Deus, produz neles o

fruto de serem pessoas de Deus.

Vamos, portanto, levar em nossa evangelização todas estas

coisas. Como pode a fé despojar o pecador de todo o seu sentimento

de justiça? Como pode levá-lo ao Senhor Jesus Cristo? Como a fé

leva este pecador a viver uma nova vida em Cristo? Assim,

percebemos que Cristo é o alfa e o ômega de toda a nossa pregação,

de toda a nossa evangelização. É somente nEle que temos Shalom,

paz. Este foi o grande chamado de Paulo. Este foi seu alvo, que

envolve todas as Escrituras, e Cristo, para o homem como ser total.

Page 25: A Tocha Dos Puritanos

25

2

A TOCHA DA EVANGELIZAÇÃO

REACESA PELA REFORMA

O destaque de Calvino

Entre os reformadores, João Calvino teve um destaque

especial. No primeiro capítulo, falamos daquele pregador que

exagerava no tamanho da "cauda da raposa", na história de Sansão.

No caso de Calvino, muitas pessoas acham que ele não teve nenhuma

"cauda de raposa", no que diz respeito à pregação do evangelho.

Com isso querem dizer que ele não teve destaque algum em

evangelização. Outros estudiosos, entretanto, dizem que Calvino

tinha uma "cauda de raposa" muito grande, falando de sua

evangelização. Chegam a dizer que ele foi o pai teológico de todo o

movimento missionário moderno. O ponto de vista de Calvino

quanto à evangelização tem sido obscurecido, especialmente por três

tipos de estudiosos:

O primeiro grupo falha porque, ao invés de ler os escritos de

Calvino, lê o que outros escreveram sobre ele. O segundo grupo,

quando analisa Calvino, não compreende o contexto no qual Calvino

exerceu sua evangelização. O terceiro grupo, que joga também uma

luz negativa na evangelização de Calvino, traz seus próprios

pressupostos negativos ao ler Calvino e conclui que ele não deu

ênfase à evangelização. Estes estudiosos, partem da doutrina da

eleição e concluem desta doutrina, que é um ato soberano de Deus,

que Calvino negou qualquer ênfase à evangelização, a qualquer

esforço evangelístico. Desse modo, para avaliar o verdadeiro

calvinismo em relação à evangelização, queremos fazer três coisas.

Ao fazer estas três coisas, espero ter o quadro completo da posição

Page 26: A Tocha Dos Puritanos

26

de João Calvino quanto à evangelização.

Primeiro vamos dar uma "olhada" rápida na vida de João

Calvino. Em segundo lugar vamos olhar seus ensinamentos quanto à

evangelização, nos seus próprios escritos (as Institutas, seus

comentários, seus sermões, e suas cartas). Em terceiro lugar

olharemos Calvino como um praticante da evangelização reformada.

Vamos analisar isso em quatro círculos concêntricos: no seu próprio

pensamento, na cidade de Genebra, na França e no Brasil. Espero

que, quando chegarmos ao fim, tenhamos uma visão mais correta do

pensamento de Calvino sobre a evangelização.

Sua vida

Primeiramente iniciemos com uma visão rápida da sua vida.

Lutero tinha 25 anos de idade quando Calvino nasceu. Em certo

sentido, Calvino representa quase que uma segunda geração de

reformadores. Ele teve a vantagem de poder usar os escritos de

Lutero e de outros pensadores reformados antes de escrever o seu

próprio pensamento. Calvino foi além de Lutero pelo menos em

quatro áreas. Em primeiro lugar, em relação à Ceia do Senhor.

Calvino negou a presença corporal de Jesus na ordenança, nos

elementos da Ceia. Em relação à vida da Igreja, Calvino concluiu que

aquilo que não estiver na Bíblia, não deve estar na vida de adoração

da Igreja. Lutero admitia que, o que não fosse expressamente

condenado na Bíblia, podia ser usado no culto. Calvino esteve

também à frente de Lutero, na maior interrogação que todos eles

fizeram. A grande pergunta de Martinho Lutero era esta: como pode

um homem ser feito justo perante Deus? Calvino também fez essa

pergunta, mas foi além e fez a seguinte indagação: como pode,

aquele que já foi declarado justo pela graça, viver agora uma vida

para a glória de Deus? Finalmente, Calvino foi além de Lutero

porque ele começou a olhar como seria possível evangelizar todos os

povos, em toda a terra.

Page 27: A Tocha Dos Puritanos

27

Calvino viu um exemplar da Bíblia pela primeira vez em sua

vida quando tinha 14 anos de idade. Era seu desejo, como

adolescente, tornar-se um padre, um sacerdote. Ele ficou muito

interessado, enquanto ainda jovem, no debate que estava em

andamento entre católicos e protestantes. Seu pai, no entanto,

interrompeu os seus planos, pois teve uma discussão muito séria com

um padre na escola onde Calvino estudava. Isso motivou a retirada

dele daquela escola e o seu pai o colocou para estudar direito. Aos

vinte anos de idade Calvino já tinha se formado em advocacia. Na

Sua providência, Deus usou esse treinamento para que ele pudesse

ter um pensamento claro e lógico em sua teologia. Quando Calvino

tinha 21 anos seu pai morreu e ele matriculou-se novamente numa

escola de teologia.

Calvino foi convertido quando tinha entre 24 e 25 anos de

idade. Diferentemente de Lutero ele falou muito pouco a respeito de

si próprio. Em mais de cem volumes escritos, Calvino fala a respeito

de si uma ou duas vezes. O lugar onde ele fala com maior detalhe a

seu respeito é no prefácio aos seus comentários dos Salmos. Ali ele

escreve o seguinte, lembrando os dias de sua conversão: "Eu comecei

a entender como se alguém me houvesse trazido uma luz, revelando

em que tipo de erro eu tinha estado laborando até então. Eu me

tornava cada vez mais sujo, e percebi que estava num estado

deplorável, mas Deus, por uma conversão súbita, me elevou e me

colocou dentro de um paradigma no qual eu me tornava ensinavel,

educável. Eu tive de desistir de mim mesmo e entregar-me aos

caminhos de Deus". A vida de Calvino mudou completamente de

uma forma imediata. Um ano ou dois mais tarde, ele escreveu a

primeira edição da sua famosa obra, As Institutas. Esse foi o livro

mais famoso em termos de teologia reformada que jamais havia sido

publicado. Calvino desenvolveu sua teologia bíblica durante toda a

sua vida. A primeira edição das Institutas tinha apenas 6 capítulos,

com cerca de 120 páginas. A última edição tinha 80 capítulos e 1200

páginas.

Page 28: A Tocha Dos Puritanos

28

Calvino deixou a França por causa de uma perseguição em

potencial e foi para Basiléia na Suíça. No seu caminho a Basiléia, ele

foi interceptado por Guilherme Farei. Farei persuadiu Calvino a ficar

com ele em Genebra para que juntos pudessem reformar a cidade.

Eles trabalharam arduamente por três anos e foram rejeitados pelo

povo de Genebra, pelo menos pela maioria do povo e a maioria dos

que compunham o Conselho da cidade. Assim, em 1538 ele foi

banido da cidade de Genebra por decisão do Conselho daquela

cidade. Foi para Estrasburgo onde passou os quatro anos mais

silenciosos e quietos de toda sua vida. Lá foi pastor de uma igreja

reformada. Em 1541 foi chamado de volta a Genebra pela primeira

vez. Naturalmente ele rejeitou esse chamado - mas insistiram. Ele

escreveu dizendo que jamais voltaria a um lugar de tanta

perseguição. Eles o chamaram pela terceira vez. Depois de muita luta

Calvino aceitou e escreveu o seguinte: "Quando considero que não

estou debaixo da minha própria autoridade, eu quero oferecer o meu

coração como uma vítima a ser morta em sacrifício para o Senhor".

Nos últimos 24 anos de sua vida Calvino trabalhou em

Genebra. Os primeiros 15 anos de seu trabalho foram uma batalha

contra seus inimigos. Lutou como quem luta contra um inimigo que

vem colina abaixo, e ele lutava de baixo para cima. Somente nos

últimos nove anos do seu ministério a maioria do Conselho da cidade

e o povo, estava ao seu lado. Calvino suportou muita perseguição. As

pessoas jogavam armas e objetos dentro de sua casa e até colocavam

o nome Calvino em seus cachorros. Todavia ele perseverou com a

graça de Deus. Foi nos últimos nove anos que a Reforma progrediu

de uma forma notável. A Academia de Genebra foi estabelecida por

Calvino com a ajuda de seu sucessor, Teodoro de Beza. Nos últimos

nove anos da vida de Calvino, 1600 jovens foram treinados para o

ministério reformado. Muitos deles foram queimados vivos na

França, mas outros foram espalhados pela Europa divulgando a fé

reformada. Alguns deles, como John Knox e Gaspar Olevianus, se

tornaram famosos.

Page 29: A Tocha Dos Puritanos

29

Calvino trabalhou de forma dedicada e formou um

movimento em Genebra que veio a influenciar toda a Europa. Ele

trabalhou até o último dia da sua vida e com 55 anos de idade

morreu. Certo estudioso e pesquisador analisou que 83 diferentes

enfermidades estavam "minando" seu corpo. Esta afirmação é uma

"cauda de raposa" muito comprida, deste pesquisador. Contudo, o

ponto é que Calvino, mesmo sofrendo grandes dores, perseverou até

o fim. Ele disse àqueles que estavam ao redor do seu leito de morte:

"Senhor, eu retenho a minha língua porque sei que isto vem de Ti. Eu

estou chorando como um cão. Tu tens me moído e me transformado

em pó, mas isto me basta porque compreendo que é a Tua vontade.

Quero oferecer-Te meu corpo e minha alma de forma pronta e

sincera". Calvino fez apenas um pedido ao morrer: não colocarem

nenhuma na sua sepultura, porque dizia que não era digno e

merecedor de nenhuma honra, de nenhuma glória. Assim viveu,

assim morreu defendendo as doutrinas da graça soberana de Deus.

Ele teve suas falhas como qualquer um de nós. Teve seus erros, mas

foi um homem de Deus, salvo pela graça de Cristo

Seu ensino

Vejamos, em segundo lugar, seus ensinos sobre a

evangelização. Façamos esta pergunta: será que seus ensinos trazem

aquela dinâmica interna que leva os seus leitores e seguidores à

evangelização? Nossa resposta é "sim", e bastante. Em todos os seus

ensinos Calvino enfatiza a universalidade do reino de Cristo e a

responsabilidade dos crentes em colocarem como alvo a expansão

deste reino. Calvino ensinou que a motivação para isso está no

próprio Deus triúno. Todas as três pessoas da santíssima Trindade

estão envolvidas na expansão do reino, assim ensinou Calvino. Ele

disse: "O Pai, não apenas mandou a Sua vontade para uma parte da

terra, mas também para a outra extensão da terra". Sobre Jesus,

escreveu que Jesus estende Sua graça sobre todos. Em um sermão

sobre o Espírito Santo ele disse que este Espírito deseja alcançar até

às extremidades da terra. Ele escreveu: "O triunfo de Cristo será

Page 30: A Tocha Dos Puritanos

30

manifesto em todos os lugares da terra". Como pode Deus estender o

Seu reino maravilhoso em toda a extensão da terra? A resposta de

Calvino conjuga a soberania de Deus e a responsabilidade humana. O

trabalho de um evangelista, disse Calvino, é o trabalho de Deus e não

do homem. Mas Deus derrama sobre Seu povo a honra e o privilégio

de serem usados como o barro na mão do Oleiro. Dessa forma,

Calvino chama o povo de Deus de cooperadores com Ele. Calvino

inclui no seu ensino sobre a soberania de Deus, os meios pelos quais

Ele cumpre essa soberania. Esses meios seriam aqueles que crêem e

que são usados para expansão do reino de Deus. Assim, no ensino de

Calvino sobre a evangelização, o esforço humano nunca tem a última

palavra, mas Deus Se agrada em usar seres humanos, simples, para

levar o Seu reino. Esta inter-relação entre soberania e a participação

da responsabilidade humana tem pelo menos quatro inferências.

Em primeiro lugar, dizia Calvino, isso nos chama à oração.

Ele disse que o cristão deve orar e desejar que Deus reúna, em torno

de Si mesmo, igrejas em toda a face da terra. Em segundo lugar, não

devemos ficar desanimados pela falta de sinais visíveis de sucesso.

Calvino escreve: "O nosso Senhor exercita a fé dos Seus filhos

quando Ele não realiza imediatamente as coisas que prometeu. Se

Deus passa um dia ou um ano sem proporcionar frutos, não devemos

desistir, porém devemos orar mais e não duvidar que Ele está

ouvindo a nossa voz, mesmo quando não vemos os frutos" . Em

terceiro lugar, Calvino ensinava que devíamos trabalhar

diligentemente pela extensão do reino de Cristo sabendo que, no

Senhor, nosso trabalho não é vão. Podemos colocar isso de outra

forma. A nossa salvação nos obriga a evangelizar. Calvino disse:

"Não é suficiente, para qualquer homem ocupar-se consigo mesmo.

O nosso zelo deve ir além de nós mesmos e atrair outras pessoas a

Cristo. Precisamos atrair todos os homens à Pessoa de Jesus Cristo

com todo nosso esforço". Será que isso não é uma indicação do

tamanho da "cauda de raposa" do evangelista que era Calvino? Para

Calvino, a evangelização não era uma coisa opcional, era parte de

sermos cristãos. Em quarto lugar, nesse relacionamento entre

Page 31: A Tocha Dos Puritanos

31

soberania e responsabilidade humana, Calvino mostra muitos

motivos pelos quais devemos evangelizar. Já consideramos algumas

motivações no capítulo anterior, e vou, portanto, apenas relacionar

estas sem fazer referência a todas as citações de Calvino, para sermos

sucintos.

Nos seus sermões e comentários, Calvino apresenta sete

motivos diferentes para evangelizar:

1. Jesus nos mandou evangelizar.

2. Devemos estar motivados pelo exemplo do próprio Deus

como evangelista.

3. O nosso desejo de manifestar a glória de Deus deve nos

motivar a evangelizar.

4. Já que o cristão valoriza aquilo que agrada a Deus, e

evangelizar agrada a Deus, então devemos evangelizar.

5. É nossa responsabilidade e nosso dever evangelizar.

6. Uma forte compaixão pela condição dos pecadores deve

motivar-nos a evangelizar.

7. Profundamente gratos a Deus pela alegria da nossa própria

salvação, nós devemos evangelizar em amor ao próximo.

O cristão, diz Calvino, é aquele que diz assim: "Já que Deus

pôde me salvar Ele pode salvar a qualquer um na face da terra".

Calvino disse: "Nada é mais incoerente com a natureza da fé do que

aquela mortificação que leva a pessoa a desconsiderar seus

semelhantes, e assim, de uma forma errônea, guardar a luz e a graça

de Cristo somente no seu peito". Portanto, Calvino ensinou que a

evangelização é a tarefa de todo cristão. Assim, cada cristão deve

trabalhar e buscar pecadores para Cristo; essa é a sua tarefa

Page 32: A Tocha Dos Puritanos

32

sacerdotal. Cada cristão deve instruir outros no caminho da

salvação; essa é a sua tarefa profética. Cada cristão é chamado a

discipular outros; essa é a sua tarefa real. Calvino, no entanto,

pensou e ensinou que essa tarefa, que é sacerdotal, profética e real, é

preferencialmente ligada àqueles que foram chamados e ordenados

por Deus para o ministério. Calvino sempre desejou ligar a

evangelização com a Igreja. Dessa forma, cristãos que ainda não

tinham conhecimento próprio, completo, não iriam evangelizar de

forma correta, agindo como se não devessem prestar contas a

ninguém e acabariam ensinando coisas erradas ao povo. O que

Calvino jamais fez, foi pegar o novo convertido e dizer que ele

estava por "conta própria", e que devia partir para evangelizar. Esta

alerta de Calvino tem feito com que ele receba um "rótulo", da parte

de alguns, como se ele fosse contrário à evangelização. Calvino não

era contra à evangelização, mas era contra à evangelização errada.

Era contrário, por exemplo, à evangelização individualista que

pudesse levar a um caminho errôneo.

Aspectos práticos

Vejamos em terceiro lugar, os aspectos práticos de Calvino

quanto à evangelização reformada. Calvino operava a partir do

seguinte princípio básico: onde quer que o Senhor abra uma porta,

ainda que seja uma pequena brecha, precisamos ver a necessidade de

atravessarmos esta abertura para levar a mensagem do Seu reino. Ele

diz que não devemos rejeitar qualquer convite que Deus nos faça. Se

porventura Deus nos lança lá fora e fecha a porta, não devemos

resistir a Sua soberania tentando abrir uma porta que foi trancada por

Deus. Calvino não ensinaria, todavia, que deveríamos simplesmente

deixar de olhar as diferentes oportunidades e seguir aquelas que nós

julgamos ser as melhores. Ele estava simplesmente falando de

situações, quando as portas estão completamente trancadas. Sem

dúvida ele estava pensando, no fundo da sua mente, na sua

experiência em Genebra, quando foi expulso da cidade. Vejamos os

quatro círculos onde Calvino exercitou a sua evangelização. Assim

Page 33: A Tocha Dos Puritanos

33

como quando você joga uma pedra dentro de um rio e as pequenas

ondas formam aqueles círculos concêntricos, da mesma forma

Calvino operou em quatro círculos concêntricos diferentes.

Círculos concêntricos - áreas de atuação

Sendo um pastor, ele concentrou em primeiro lugar, o seu

esforço evangelístico na sua própria congregação. A sua ênfase sobre

a conversão como um processo contínuo na vida da pessoa o levou a

ver a evangelização como um chamado constante na vida da igreja.

Para Calvino, a evangelização envolve não apenas chamar as pessoas

a Jesus, mas também edificá-las em Jesus. Desta maneira, Calvino

foi um destacado evangelista para o seu próprio rebanho. Ele pregou

170 vezes por ano. Ele pregava cada domingo de manhã do Velho

Testamento e todo domingo, à noite, pregava do Novo Testamento.

Nos domingos à tarde pregava dos Salmos. Ele pregou ao rebanho de

Genebra de forma expositiva, praticamente através de todos os livros

da Bíblia. Seu sermão, em média, tinha por base 4 a 5 versículos do

Velho Testamento, ou 2 a 3 do Novo Testamento. Seu método

consistia em pegar uma pequena parte de um versículo, fazer um

pouco de exegese e exposição dela, e, então, fazer a aplicação com

uma exortação ou um chamado à obediência. Nunca faltavam

aplicações nos sermões de Calvino. Ele dizia que os pregadores

deviam ser como pais. Precisam pegar o pão grande e parti-lo em

pedacinhos pequenos para alimentar as suas crianças. Ele trabalhou

arduamente na prática da pregação. Mas também "trabalhou" a sua

congregação para ensinar-lhe como ouvir um sermão. Ensinou o que

eles deveriam buscar numa pregação; ensinou em que espírito

deveriam vir aos sermões; ensinou o que se esperava dos que

estavam ouvindo a mensagem. Disse à sua congregação: "Vocês

devem estar participando de forma tão ativa no sermão, quanto o

pregador mesmo". A sua participação precisa ser construída em cima

do viver a mensagem na sua vida diária, quando você mostra o

desejo de obedecer à vontade de Deus, sem nenhuma reserva.

Quando Calvino falava à sua congregação, falava às pessoas como

Page 34: A Tocha Dos Puritanos

34

crentes. Poucos estudiosos pensam que Calvino admitia que toda a

sua congregação era formada de pessoas já convertidas. Entretanto

não era isso que Calvino acreditava. Quando estudei Calvino por um

bom período, fiz uma lista de trinta vezes, nos seus comentários e

nove vezes nas Institutas, de quão pouco eram aqueles que realmente

tinham recebido e aceito a Palavra na sua própria congregação. Eis

uma citação sua: "Se um sermão é pregado para cem pessoas, mais

ou menos vinte vão receber este sermão com fé obediente. O restante

receberá o mesmo como se fosse uma coisa sem muito valor".

Calvino se dirigia à sua congregação como a pessoas já

crentes porque ele exercitava a caridade na sua avaliação. A

avaliação caridosa é que, enquanto o membro da igreja está vivendo

uma vida externamente reta e ouvindo o evangelho, o pastor não

deve julgar essa pessoa de forma negativa, porque somente o Senhor

pode olhar por dentro do coração. Gostaria que guardassem o

seguinte. Calvino acreditava que a evangelização era evangelizar

cada um do seu próprio rebanho e o alvo era edificar os crentes em

uma vida cada vez mais santa. Tinha também o alvo de convencer as

consciências dos não regenerados, para que eles pudessem ver a sua

culpa do pecado e ser conduzidos à liberdade em Jesus Cristo como o

único Redentor.

O segundo círculo de evangelização de Calvino, depois da

congregação local, era a cidade de Genebra. A pregação foi parte do

seu plano de estabelecer o sistema reformado em toda a cidade. No

ano em que ele morreu havia um sermão em cada igreja, em cada dia

da semana. Ele estabeleceu o seu programa de igrejas espalhadas por

toda a cidade, organizando pelo menos três ministérios além da

pregação da Palavra. Um era o ofício de doutores, que era usado

especialmente na Academia de Genebra, onde pastores eram

treinados. O outro ministério era o dos presbíteros, que estabeleciam

a disciplina cristã. O terceiro ministério era o diaconato, que tinha

como alvo receber ofertas e distribuir o socorro aos pobres. Sob

Calvino, Genebra se tornou um lugar seguro para o refúgio de

Page 35: A Tocha Dos Puritanos

35

protestantes perseguidos em toda a Europa. Calvino estava

absolutamente consciente de que o mundo europeu estava olhando

para Genebra. Ele escreveu a um dos seus amigos o seguinte: "A

minha oração por Genebra é que ela se torne um lugar de empatia em

relação à divulgação do evangelho para todo o mundo". E foi

exatamente o que aconteceu. Os homens que Calvino treinou foram

para a França, Escócia, Inglaterra, Holanda, parte da Alemanha

Ocidental, e alguns segmentos da Polônia, Checoslováquia e

Hungria. A igreja de Genebra e a própria cidade de Genebra se

tornaram mãe e modelo para todo o movimento reformado.

Em círculos mais amplos vemos os esforços missionários de

Calvino na França e até mesmo no Brasil. Seria fácil para Calvino

treinar ministros apenas para a França e esperar que de outro lugar

alguém mandasse missionários para outras partes do mundo. Muitos

daqueles que foram treinados em Genebra e voltaram à França foram

mortos por causa da perseguição. Mas Calvino perseverou em

evangelizar a França apesar de todas as perseguições. Em 1555 havia

apenas uma igreja realmente reformada na França. Sete anos mais

tarde havia 1500 igrejas reformadas organizadas na França. A tocha

da evangelização reformada foi reacesa através do ministério de

Calvino na França e tornou-se um dos exemplos notáveis de missões

nacionais de toda a história da Igreja. Eventualmente a Igreja

Reformada da França foi forçada a sair. A França chamou os

refugiados da perseguição religiosa de Huguenotes. Estes

Huguenotes se espalharam por várias partes do mundo e se

transformaram numa bênção de Deus onde quer que andaram.

Calvino esteve também envolvido no primeiro esforço missionário

além-mar, numa missão que foi mandada especificamente para o

Brasil. Um homem chamado de Villegaignon sendo um simpatizante

do movimento Huguenote, trouxe uma expedição colonizadora em

1555. Quando surgiram alguns problemas aqui na colônia, numa ilha

perto do Rio de Janeiro, Villegaignon voltou-se para os Huguenotes

na França pedindo que mandassem melhores colonizadores. Ele

mandou uma carta a Calvino, à Igreja de Genebra, pedindo ajuda.

Page 36: A Tocha Dos Puritanos

36

Com a aprovação de Calvino, a companhia de pastores de Genebra

escolheu dois pastores para mandar ao Brasil, junto com onze leigos.

Infelizmente o resultado final foi trágico. Villegaignon mudou seu

pensamento em relação a Calvino e ao próprio movimento da

Reforma.

Em 1558 ele estrangulou e jogou ao mar três desses

calvinistas. Os que restaram foram depois, atacados e destruídos

pelos portugueses. Desse modo, essa missão de vida tão curta,

terminou. Será que chegou mesmo ao fim? Quando a história dos

mártires do Rio de Janeiro foi publicada pela primeira vez nos jornais

da Europa, seis anos mais tarde, a sua introdução foi com as

seguintes palavras: "É uma terra estranha, distante, e é de certa forma

surpreendente para nós, saber que ali alguns mártires morreram. Mas

nós veremos um dia os frutos que aquele sangue tão precioso

produziu". Um dos pais da Igreja primitiva, Tertuliano, disse há tanto

tempo atrás: "O sangue dos mártires é a sementeira da Igreja". A

Igreja é comparada com a grama, quanto mais se corta, mais ela

cresce. Nossa oração para todos os brasileiros é que vocês façam

parte deste plano de Deus.

Conclusões

Quero fazer algumas observações:

É muito claro que Calvino tinha o coração abundantemente

voltado para a evangelização. A idéia de que Calvino e o calvinismo

não estão voltados para a evangelização e para a expansão do reino

de Deus é um pensamento totalmente falso. De fato, percebemos que

Calvino se tornou exatamente o oposto disso. A Doutrina da eleição

leva à evangelização. Deus, soberanamente, liga a eleição aos meios

da graça. Sendo assim, a eleição não é um estímulo à passividade,

mas para a atividade.

A vida e ministério de Calvino precisam nos encorajar a

Page 37: A Tocha Dos Puritanos

37

manter as nossas mãos no arado e a pensar menos no que os outros

pensam a nosso respeito. Calvino trabalhava vinte horas por dia por

causa da evangelização. Todavia não é isso o que as pessoas falam

sobre ele. Afirmam que ele não era um evangelista. Se ele fosse vivo

hoje certamente diria: "Não importa o que os homens pensam de

mim, e sim, o que Deus pensa a meu respeito. Um dia eu

comparecerei na presença de Deus, não na presença de homens". Isso

não quer dizer que devemos passar por cima do sentimento das

pessoas, pois devemos trabalhar para que tenhamos uma consciência

boa e clara diante dos homens e diante de Deus. Mas nós não vamos

cair nessa idéia de evangelizar pensando no que as pessoas pensam

sobre a nossa evangelização. O que devemos fazer é olhar para Deus

e perguntar o que Ele pensa sobre o que estamos fazendo.

Não conheço bem o que os brasileiros fazem em termos de

evangelização, porém sei que vocês não são responsáveis pelos

resultados da sua evangelização. Vocês são responsáveis pela

mensagem e pelos métodos que usam. Esperem em Deus e em Sua

graça soberana na produção dos frutos, dos resultados. Na China há

um bambuzeiro que não cresce nos primeiros quatro anos, mesmo

que você cuide bem dele. Contudo, quando no quinto ano ele começa

a brotar, em noventa dias fica com cinco a seis metros de altura.

Você diria que esta árvore cresceu em noventa dias ou que ela

cresceu potencialmente nos cinco anos? Trabalhem, esperem em

Deus, lancem a semente e esperem no Senhor. Os tempos hoje são às

vezes desencorajadores, mas houve tempos mais desencorajadores

antes. Às vezes ficamos prevendo a ruína da Igreja, no entanto o que

devemos fazer é planejar a renovação da Igreja. John Flavel, um

grande puritano, disse: "Não sepultem a Igreja antes que ela esteja

morta". Espero que vocês possam suportar firmes como bons

soldados de Cristo, estando prontos para serem chamados de loucos

por amor a Cristo. Deixem que as suas vidas falem mais alto do que

dizem ou pregam. Que Deus nos ajude a sermos verdadeiros

evangelistas.

Page 38: A Tocha Dos Puritanos

38

3

A TOCHA DA EVANGELIZAÇÃO

LEVADA PELOS PURITANOS

A MENSAGEM DA EVANGELIZAÇÃO PURITANA

A preocupação evangelística puritana

Quais os métodos que os puritanos usaram para comunicar a

sua mensagem? Qual a disposição interior do evangelista puritano?

Ao analisarmos a mensagem da evangelização puritana,

procuraremos cobrir pelo menos quatro características e, assim

fazendo, procuraremos contrastar a evangelização puritano com a

evangelização moderna.

Antes disso, quero, de forma sumária, definir o que entendo

por puritano. Estou usando a palavra "puritano" no sentido geral da

palavra, que inclui aqueles piedosos ministros e teólogos ingleses do

século XVI e XVII, que estavam preocupados com uma vida pura de

acordo com as doutrinas da graça soberana de Deus. Eles estavam

preocupados com as seguintes áreas:

1. Com a manutenção do ensino das Escrituras e do pensamento

reformado sadio.

2. Com a necessidade de desenvolver um padrão pessoal de piedade,

conforme as prescrições das Escrituras, que flui do correto

entendimento de doutrina, e que dá ênfase à conversão pessoal e se

manifesta numa religião experimental resultante do poder

transformador do Espírito Santo.

Page 39: A Tocha Dos Puritanos

39

3. Com a necessidade de uma vida eclesiástica baseada nas

Escrituras, onde o Deus triúno é adorado conforme as determinações

de Sua Palavra.

Quando me refiro à evangelização puritana estou focalizando

a proclamação que era efetivada pelos puritanos de todo o conselho

de Deus como revelado em Sua Palavra. Percebe-se que a palavra

Escritura está presente e inferida nos três itens. Por isso queremos

considerar quatro características bem abrangentes da pregação

puritana. Dentro de cada característica veremos o contraste com a

evangelização moderna.

Característica da pregação puritana - contraste com a

evangelização moderna

Em primeiro lugar, os puritanos, por serem profundamente

embasados nas Escrituras Sagradas, apresentavam sermões

extensamente baseados nas Escrituras. Para o puritano, o sermão

nunca estava só ligado às Escrituras, mas ele saía e crescia de dentro

da Palavra de Deus. Para o pregador puritano o texto não estava no

sermão, mas o sermão estava no texto. Por isso, um velho membro de

uma igreja puritana poderia dizer: "Ouvir um sermão, para mim, é

como estar dentro da Bíblia".

Se você abrir um livro de sermões puritanos, encontrará de

dez a quinze versículos citados em cada página, além de encontrar

dez a doze referências textuais. Os pastores puritanos sabiam como

usar suas Bíblias. Eles viviam e respiravam os textos da Palavra de

Deus. Eles tinham centenas e até milhares de textos das Escrituras

memorizados e sabiam como citá-los para os problemas da alma ou

para qualquer outro problema pessoal. Eles usavam as Escrituras de

forma sábia, não passando por elas de forma superficial, porém

trazendo o texto e fazendo-o permanecer de acordo com a doutrina

que estava sendo enfocada. Os sermões evangelísticos de hoje muitas

vezes são perturbadores, não porque não citem as Escrituras, mas

Page 40: A Tocha Dos Puritanos

40

porque o fazem de modo repetitivo, superficial. Quando alguém saía

da igreja, após um sermão puritano, nunca esquecia o texto que fora

usado, pois aquele texto lhe fora colocado inteiramente aberto, tendo

sido levado até o seu coração.

Hoje, na evangelização moderna, temos toda razão para

ficarmos perturbados quando testemunhamos que há uma seleção

muito pequena dos textos bíblicos utilizados, além de textos que são

tirados do seu contexto bíblico. Nós pregadores sabemos que

podemos citar uma porção de textos sem estarmos sendo bíblicos

nestas citações. Uma seqüência de textos intercalados por anedotas

não faz, de maneira alguma, com que um sermão seja bíblico em si.

Os puritanos acreditavam fortemente em Sola Scriptura.

Você pode procurar nos seus escritos e sermões, qualquer história ou

referência pessoal e não as encontrará. Pelo fato de pensarem que o

púlpito era um lugar de grande importância, este não podia ser

degenerado com uma pregação egocêntrica. Eles sabiam que só uma

coisa pode salvar pecadores: o Espírito Santo ligando-Se à semente

incorruptível da Palavra de Deus. Por isso a tarefa deles era

exatamente expor a Palavra de Deus incorruptível, orando para que o

Espírito a aplicasse aos corações dos ouvintes. Se estamos

convencidos de que conhecemos bem as nossas Bíblias e abrirmos

um livro puritano, logo ficaremos muito humilhados. Eles foram

gigantes espirituais nas Escrituras e nós somos anões, pigmeus

perante eles. Por isso é muito importante lermos os puritanos. Eles

são nossos mentores para nos ensinar como usar a Bíblia de uma

forma pastoral, evangelística e na nossa pregação. Você sem dúvida

seria um evangelista mais sábio e útil se buscasse mais as Escrituras

como faziam os puritanos. Ame a Palavra de Deus de maneira mais

calorosa. Pesquise a Palavra de Deus em suas devoções pessoais.

Busque a bênção de pensar biblicamente, de falar biblicamente, viver

biblicamente e perceberá que sua palavra contém uma autoridade

divina. Você não precisará persuadir as pessoas pela sua

personalidade ou por você mesmo, mas a Palavra de Deus é que vai

Page 41: A Tocha Dos Puritanos

41

persuadi-las. A Palavra quando exposta, passo a passo, abre as

Escrituras perante nós. Esse é o primeiro ponto da pregação puritana.

Eram profundamente bíblicos.

Em segundo lugar, o pregador puritano era doutrinador.

A mensagem puritana não pedia desculpas por apresentar doutrina. O

puritano não temia pregar todo o conselho de Deus para o povo. Os

puritanos achavam que você não podia contar uma história qualquer,

sem que esta tivesse doutrina. Doutrina é simplesmente a

apresentação das verdades de Deus trazidas das Escrituras numa

forma que pode ser entendida e que se relaciona com as nossas vidas.

Não diluíam suas mensagens com anedotas, humor, histórias triviais

e levianas durante a pregação. Eram profundamente sérios,

verdadeiros e austeros no púlpito, pois sabiam que ao chegar ali

estariam lidando com verdades eternas e almas eternas. Sentiam a

realidade solene do seu chamado divino. Pregavam a verdade de

Deus como um homem que está morrendo para homens que estão

morrendo.

Vejamos alguns exemplos:

1. Quando pregavam a doutrina do pecado tinham a coragem de

chamar pecado de pecado mesmo. Eles pregavam o pecado como

uma rebelião moral contra Deus, uma rebelião que traz um

sentimento de culpa e, se não houver arrependimento e perdão, a

conseqüência será a condenação eterna certamente. Pregavam a

respeito de pecados específicos; pecados de omissão e pecados de

comissão; pecados por palavras e ações; falavam do quanto foi

horroroso o nosso pecado original em Adão e Eva; falavam à

congregação que eles tinham um referencial muito ruim e um

coração mal por natureza; que o homem natural não pode amar a

Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo;

ensinavam de forma "aberta" que uma reforma, apenas externa na

nossa vida, não é suficiente para salvação eterna; a reforma interna

produzida pelo Espírito Santo é absolutamente necessária e por isso

Page 42: A Tocha Dos Puritanos

42

pregavam como aquela regeneração podia ser experimentada e então

vivida.

2. Outro exemplo se vê na sua pregação. Pregavam de uma

maneira muito forte a doutrina de Deus. A evangelização deles era

construída em cima de forte base teísta; pregavam Deus no Seu ser

majestoso e em todos os Seus atributos gloriosos. Não só deixavam

Deus ser Deus, mas declaravam que Deus é Deus. Os puritanos

colocavam Deus em uma posição bem elevada - como deve ser.

Quando se aproximavam de Deus em oração não falavam com Ele

como quem fala com o vizinho pela janela, ou como um vizinho que

pode ajustar seus atributos de acordo com suas necessidades e

desejos pessoais. O puritano sempre exaltou a majestade de Deus e,

quando se aproximava de Deus, você podia perceber aquele

sentimento profundo de reverência. O Deus que o puritano pregava

era o Deus da Bíblia. Talvez um dos versículos mais importantes, na

Bíblia, para um puritano, seria exatamente Gênesis 1:1 - "No

princípio, Deus". E de Deus que emanam e se desdobram todas as

coisas neste mundo. Todas as coisas são preparadas, iniciadas,

projetadas e feitas para a glória de Deus!

3. A evangelização puritano também proclamava de forma

completa e plena a doutrina de Jesus Cristo. Pregavam o Cristo

integral para o homem integral. Recusavam-se em separar os

benefícios que advêm de Cristo, da própria Pessoa de Cristo. Um dos

grandes puritanos, Joseph Alleine, em seu clássico livro

originalmente intitulado, An Alarm to the Unconverted (Publicado no

Brasil pela PES, como Um Guia Seguro para o Céu), disse que o ser

de Cristo integral é aceito por aquele que é realmente convertido. Os

verdadeiros convertidos não aceitam apenas as recompensas de

Cristo, mas a própria obra de Cristo. Não amam apenas os benefícios

de Cristo, e sim também o "fardo" de Cristo ("... tomai sobre vós o

meu jugo..."). Amam não só tomar os mandamentos, mas também, a

cruz de Cristo. Por outro lado, o falso convertido recebe Cristo pela

"metade". Ele quer os privilégios de Cristo, porém não quer se

Page 43: A Tocha Dos Puritanos

43

inclinar diante do senhorio de Cristo. Ele divide os ofícios de Cristo e

os benefícios de Cristo. Esse é o problema dos "crentes" de hoje.

Freqüentemente Jesus tem sido apresentado na evangelização

de hoje como alguém que está aí para satisfazer todas as

necessidades e desejos dos homens. Na pregação de hoje, Jesus é

apresentado como alguém que não exige que o homem ofereça o seu

coração completo e a sua vida completa. Quando os puritanos

pregavam, instavam com os pecadores a se voltarem para Jesus e

avisavam que eles precisavam avaliar o preço de seguir a Jesus, e o

preço era perder a sua vida; morrer diariamente por amor a Cristo,

negar-se a si mesmo, tomar a cruz e segui-lO. Os puritanos tinham

horror àquilo que hoje é chamada "a graça barata", porque, na

verdade, essa não é uma graça verdadeira. Graça barata significa que

eu aceito Jesus na minha própria força; Ele reforma um pouco a

minha vida por fora, porém eu continuo agindo com os princípios

egocêntricos no meu ser interior. A graça barata me leva a pensar

que, por um lado, eu tenho a Jesus, que estou a caminho para o céu,

mas, por outro lado me permite continuar vivendo uma vida

mundana. Na verdade, eu estou mesmo no meu caminho para o

inferno. Os puritanos apresentavam Jesus como um Salvador

completo para um pecador completo. Um puritano disse: "O

pregador que é o seu melhor amigo, é aquele que vai dizer mais

verdades sobre você mesmo". Eles não estavam preocupados em

causar dano ao amor próprio dos ouvintes das suas congregações.

Eles estavam mais preocupados com Cristo do que com os ouvintes.

Estavam preocupados com a Trindade. O cristão encontra o seu amor

próprio a medida que ele ama ao Pai que o criou, ao Filho que o

restaurou através da cruz, e no amor ao Espírito Santo que mora nele

e que faz com que sua alma e seu corpo sejam templo do Espírito

Santo.

4. A doutrina puritana expandia e explanava com detalhes a

doutrina da santificação. A vida inteira do crente era para ser

colocada aos pés de Deus. Ele tinha que trilhar a vereda do Rei no

Page 44: A Tocha Dos Puritanos

44

caminho da justiça. Ele precisava conhecer a vida de uma forma

experimental. Precisava conhecer essas "irmãs siamesas" que são, a

vida e a experiência. Quando o ministro prega sobre santificação,

você precisa saber o que está sendo requerido de sua parte. Você não

pode entender estas coisas sem doutrina e isso nos traz à terceira

característica da pregação dos puritanos.

Em terceiro lugar, destacamos que a pregação puritana era

experimentalmente prática. A ausência de uma pregação

experimental e prática é uma das grandes falhas no culto e na

evangelização de hoje. O que significa uma pregação experimental?

A palavra experimental vem da palavra experiência. Em termos de

cristianismo, a religião experimental significa que a Palavra de Deus

e suas doutrinas precisam ser recebidas não apenas na mente (os

puritanos chamavam isso de conhecimento na cabeça, apenas), mas

também precisam ser experimentadas e vividas no coração. Isso eles

chamavam de "conhecimento do coração". Eles baseavam este tipo

de ensinamento, por exemplo, em Provérbios 4:23: "Sobre tudo o que

se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as

fontes da vida".

Para os puritanos os pensamentos precisam fluir das

Escrituras e as experiências do coração, fluem do ensino da doutrina

e das Escrituras. Dessa forma, experiência não é alguma coisa

mística, separada da Bíblia. Isso eles rejeitavam totalmente! Ao

mesmo tempo, eles também rejeitavam completamente o tipo de

religião que se satisfaz com o conhecimento apenas na cabeça, que é

só racional. Estas doutrinas sobre as quais falamos resumidamente, a

doutrina de Deus, de Cristo e do pecado, para os puritanos deviam

ser tão reais quanto as cadeiras em que sentamos. Estas doutrinas

precisam ser transformadas numa realidade que queime dentro de

minha alma. Elas precisam influenciar toda a minha vida, todo o meu

estilo de vida. Dessa forma, os puritanos acreditavam em viver, na

prática, o que eles experimentavam. Sempre eles traziam suas

experiências às Escrituras para terem a certeza de que estavam sendo

Page 45: A Tocha Dos Puritanos

45

totalmente bíblicos - até nas suas experiências. Para os puritanos

doutrina seria algo vazio se não fosse acompanhada pela experiência.

Toda experiência verdadeira leva a uma experiência pessoal com

Cristo. Por isso é necessária a pregação da Pessoa de Cristo e esta

pregação será honrada pelo Espírito Santo, porque Ele toma estas

coisas e as aplica aos pecadores.

Os puritanos, na sua pregação, incluíam o que chamavam de

"marcas de um auto exame". Estas marcas de exame eram os sinais

que distinguiam a Igreja do mundo. Distinguiam os verdadeiros

crentes daqueles que eram crentes nominais ou apenas por

professarem a fé. Os puritanos faziam distinção entre fé salvadora e

fé temporária. Muitos livros têm sido escritos a respeito deste

assunto. O mais famoso deles foi escrito por Jonathan Edwards:

Afeições Religiosas. Também o livro de João Bunyan, O Peregrino,

contém tais marcas. O que nós hoje, desesperadamente precisamos, é

de uma volta a este estilo de evangelização reformado-puritano que

sempre está pesquisando e sondando o coração. Os puritanos nunca

diziam de uma forma "leviana" que os pecados do povo estavam

perdoados, mas pregavam de forma profunda o que realmente o

pecado é e como ele tem afetado as pessoas. Eles procuravam tirar do

pecador todo o seu sentimento de justiça própria para, então, levá-lo

ao Senhor Jesus Cristo.

Alguém disse que a religião da América, hoje, tem 2.000 km

de comprimento por 3.500 Km de largura (essas são as dimensões do

país), mas com uma profundidade de mais ou menos 12 centímetros,

apenas! O problema, em todos os lugares no mundo, hoje, é que a

evangelização freqüentemente começa num lugar errado. Poderíamos

dizer muitas coisas sobre as diferenças entre a evangelização

moderna e a puritana, em relação à experiência do povo de Deus.

Pois bem, quero apenas destacar um ponto e este é a resposta a uma

pergunta: quando olhamos atrás para a história da Igreja, e também

na história bíblica, observando as épocas de avivamento verdadeiro,

não produzido pelo homem, qual era o elemento evidente naquela

Page 46: A Tocha Dos Puritanos

46

época que hoje está claramente ausente? Respondemos sem hesitação

que é a ausência de profunda convicção de pecado. Este é um grande

problema nos nossos dias.

Convicção de pecado

Hoje há muito pouca convicção de pecado entre os não

salvos. A maioria dos chamados "cristãos" contemporâneos, vive de

maneira tão descuidada em sua vida, que é muito difícil alguém

diferenciá-los de homens não convertidos. O problema é que

freqüentemente o pecado não é pregado como pecado para as

pessoas; o horror do pecado não é enfatizado às pessoas. Isso nos

leva a uma pergunta ainda mais profunda: por que as épocas de

avivamento realizado pelo Espírito Santo foram períodos de

profunda convicção de pecado? A resposta é que o Espírito Santo,

como Jesus nos diz, vem para convencer do pecado, da justiça e do

juízo. Assim, o convencimento do pecado é o caminho pelo qual

Deus age para abrir espaço no coração do pecador. Quando o homem

vê a realidade de Deus e a realidade do pecado contra Deus, ele se

humilha até o pó. Só então, ele vai apreciar o que aquele Deus-

homem, Jesus Cristo, fez por nós pecadores. Foi o que aconteceu

com Isaías quando ele chegou à presença de Deus: "Ai de mim

porque sou um homem de lábios impuros..." O mesmo aconteceu

com Jó ao chegar à presença de Deus. Por cerca de quarenta

capítulos no livro de Jó ele estava mais ou menos se defendendo,

estava lutando para entender o que Deus havia feito com ele. Mas ao

se sentir na presença de Deus, o Senhor Se tornou tão grande e Jó

tornou-se tão pequeno, que perdeu todas as suas defesas. Então Jó

falou: "Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem.

Por isso me abomino, e me arrependo no pó e na cinza" (Jó 42:5-6).

Ele já havia ouvido falar de Deus antes, porém agora ele "viu a

Deus", pela fé e perdeu tudo que estava do seu lado e se lançou como

um pobre pecador, tão somente na misericórdia de Deus. É isso que

está faltando na evangelização moderna. Não se vêem pecadores

Page 47: A Tocha Dos Puritanos

47

chegando até a cruz e clamando como aquele publicano que disse em

sua oração: "Ó Deus, tem misericórdia de mim pecador".

Vocês vêem o que é realmente o pecado, e quem é Deus? Se

assim acontecer seremos levados à cruz e, quando experimentarmos

pela fé a beleza e plenitude de Cristo na cruz, não precisaremos de

nenhuma explicação da parte de Deus por aquilo que Ele está

fazendo em nossa vida. Nós nos inclinamos diante dEle e dizemos

que seja feita a Sua vontade. Deus nunca explicou a Jó por que Ele

fez tudo aquilo com sua vida. Entretanto, veio de Deus o poder para

que Jó fosse justo aos Seus olhos.

Avivamento

Isso nos leva a outra questão. Se a falta de convicção de

pecado é um problema tão sério, como pode esse tipo de convicção

ser restaurado à Igreja hoje? Novamente aqui a história da Igreja nos

dá uma resposta muito clara. O Espírito Santo encontra um homem

caído, quebrantado; este homem chega diante da cruz e encontra a

plenitude da salvação em Cristo Jesus, e o Espírito envia esse tipo de

homem para pregar o pecado e a conversão aos outros. Em outras

palavras, Deus está levantando homens que sejam santos, que sejam

humildes, homens de oração para usá-los; homens que odeiam o

pecado e que amem a Deus; homens que estejam tremendamente

convictos da necessidade da salvação de almas; homens que estejam

orando sempre por um avivamento bíblico, um avivamento do

Espírito Santo. Deus usa este tipo de homem para trazer avivamento.

Lembrem-se que o avivamento começa com uma convicção

experimental de pecado.

Arrependimento

Isso nos leva a outra questão. Quando Deus Se agrada em

levantar esse tipo de homem, será que alguma coisa específica em

sua pregação tem conexão com a convicção de pecado? Creio que a

Page 48: A Tocha Dos Puritanos

48

resposta é sim! É esse tipo de homem, que de forma incisiva, se

dirige à convicção da consciência, de uma forma bem aguçada. Eles

mostram aos pecadores de forma clara a necessidade de

arrependimento e o Espírito Santo Se agrada em honrar e abençoar a

Sua Palavra quando este homem prega de forma convincente. O que

aconteceu com João Batista quando ele começou a pregar com

convicção? Os homens começaram a fugir da ira vindoura. O que

aconteceu quando Pedro pregou com profunda convicção no dia de

Pentecoste? O Espírito Santo desceu sobre os que ouviam a sua

palavra.

Evangelização moderna

Por isso minha tese é: a evangelização moderna está se

levantando como um obstáculo frontal, com raras exceções, à

verdadeira convicção de pecado, ao arrependimento e ao verdadeiro

avivamento. A evangelização moderna tem uma visão superficial de

pecado; fala tão pouco de um assunto que a Bíblia tanto menciona.

Por que a evangelização moderna fala tão pouco a respeito do

pecado? A evangelização moderna tem medo de falar às pessoas as

verdades a respeito delas mesmas; tem medo de perdê-las. Ensina

que nós não devemos ofender as pessoas, e sim, sempre conquistá -

las. A razão humana diz que não vamos ganhar as pessoas se lhes

falarmos do pecado. A evangelização moderna não nega que o

homem esteja morto nos seus delitos e pecados; não nega que a

Bíblia diz em Romanos 8:7, que a mente carnal está em inimizade

contra Deus; não nega que está escrito em 1 Coríntios, capítulo 2,

que o homem natural não aceita, não compreende as coisas de Deus,

mas a evangelização moderna diz que textos assim são apenas

afirmações doutrinárias. Diz que esses textos são relevantes para os

crentes, todavia não seriam relevantes para os não salvos. Dizem:

"Como podemos ganhar as pessoas se dissermos que elas não podem

se salvar a si próprias?" Concluem, assim, que qualquer ensino que

retira da mente dos ouvintes a capacidade de responder

Page 49: A Tocha Dos Puritanos

49

imediatamente ao evangelho, na verdade é alguma coisa que impede

a evangelização.

Dessa forma fazem do cristianismo alguma coisa bem

simples e fácil. Dizem: "aceite a Jesus hoje, é simples, não precisa

se preocupar com seus pecados, Ele já lhe perdoou. " Mas eles não

somam aí o que é que significa realmente ser perdoado e quais os

frutos de uma vida verdadeiramente perdoada. Por isso, a

evangelização moderna produz cristãos muito superficiais, com uma

religiosidade de apenas "12 centímetros" de profundidade. O pastor

batista, Erroll Hulse, trabalhou certa vez em uma cruzada

evangelística de massa com o Dr. Billy Graham e logo após, teve de

escrever um livro intitulado, O Dilema do Pastor, onde esclarece que

menos de cinco por cento dos que vinham à frente, no apelo,

mostravam frutos subseqüentes em suas vidas. Se formos comparar

por um momento, tudo isso, com o ministério do puritano Richard

Baxter, que teve 600 pessoas convertidas na pequenina cidade de

Kidderminster onde foi pastor, fazendo-o dizer no fim de sua vida

que ele não sabia de nenhum que tivesse caído ao longo do caminho,

perceberemos que há uma grande diferença. Há uma diferença entre

uma pregação superficial a respeito de Jesus e que ignora o pecado, e

uma pregação que diz ao pecador que ele não vai saber valorizar a

Jesus enquanto não souber claramente o que é pecado. A

evangelização moderna põe toda a pressão em cima da vontade do

pecador e o pecador precisa tomar uma decisão imediata. Um ato de

decisão feito pelo homem usurpa o papel do Espírito Santo em salvar

pecadores.

Evangelização puritana

A evangelização puritana tem uma mensagem bem mais

ampla sobre o que é o evangelho. O dever da fé é enfatizado, mas

outros deveres também são ressaltados. Os evangelistas puritanos

vão dizer aos seus ouvintes, não salvos, que eles precisam se

arrepender, precisam parar de fazer o mal, precisam ser santos como

Page 50: A Tocha Dos Puritanos

50

Deus é santo, precisam amar a Deus de todo o coração e precisam

entrar pela porta estreita. Tudo isso é enfatizado na evangelização

puritana. Noutras palavras,a evangelização puritana apresenta a

Bíblia como um todo para confrontar o incrédulo. Contudo, sejamos

cuidadosos aqui. Eles não pregavam que o incrédulo tinha

capacidade de fazer estas coisas, mas pregavam a seus ouvintes as

exigências das Escrituras, sabendo que o Espírito Santo é quem faz

tudo isso para mostrar aos pecadores que eles não podem cumpri-las

por sua própria força.

O alvo do puritano era levar a alma não salva a uma

encruzilhada, quando duas estradas se cruzam. Uma dessas estradas

poderia ser chamada a estrada da necessidade e o pecador realmente

convencido diria: "Eu preciso ser salvo, salvação é minha

necessidade!" A outra estrada poderia ser chamada a estrada da

impossibilidade. O pecador diria: "Eu não posso ser salvo; eu não

consigo ser santo como Deus é santo; não posso ir a Jesus e me

dobrar diante dEle por minha própria força". Qual era o alvo do

puritano? Era o de levar o pecador a esta encruzilhada e ao chegar lá

descobrir que precisa ser salvo mas não pode. Dessa forma ele vai

clamar ao Deus todo-poderoso: "Faze por mim ó Senhor, o que eu

não posso fazer por mim mesmo!". É isso que Paulo faz nos capítulos

1,2 e 3 de Romanos; o mesmo fez João Batista quando pregava

assim: "Arrependei-vos porque o reino de Deus está próximo". João

Batista não começou dizendo: "Eis o Cordeiro de Deus...", porém

começou dizendo "arrependei-vos". Quando Jesus começou Seu

ministério pastoral, Ele não disse "tome uma decisão por mim", mas

também começou dizendo "arrependei-vos porque o reino de Deus é

chegado". Como foi que Jesus evangelizou Nicodemus?Ele disse:

"você precisa nascer de novo". Como Jesus evangelizou o jovem

rico? Ele disse: "Guarde os mandamentos". Por que Jesus lhe disse

isso? Ele sabia que o jovem não podia guardar todos os

mandamentos no seu coração. Jesus estava colocando como alvo a

convicção de pecado.

Page 51: A Tocha Dos Puritanos

51

Os puritanos não faziam na sua evangelização nada que os

apóstolos e o próprio Senhor Jesus não fizesse. Eles pregavam a lei

para que os pecadores se sentissem culpados perante Deus e aí

pregavam Cristo, não um Cristo de 12 centímetros de profundidade,

e sim, Cristo completo na Sua altitude, na Sua amplitude e na Sua

profundidade. Pregavam Cristo destacando Seus ofícios, Seus nomes

e Seus títulos. Pregavam Sua natureza e Sua Pessoa,pregavam-no

plenamente. Isso nos leva a uma conclusão: o que nós estamos

precisando desesperadamente é de uma evangelização centralizada

em Deus; uma evangelização centralizada na mensagem; centralizada

na Bíblia; não uma evangelização feita pelo homem, mas uma

evangelização onde o Espírito Santo está agindo na Palavra e por

meio dela. Para este fim você e eu, como evangelistas, nós mesmos

fomos restaurados para um relacionamento mais vital e íntimo com

Deus por Jesus Cristo. O que nós precisamos desesperadamente é de

carregadores da tocha, homens e mulheres que estejam em chamas

por Deus. Não de homens que estejam em fogo por ensinos não

bíblicos, mas de homens inflamados pelo ensino da Palavra de Deus

- sim, de homens cheios daquele temor filial a Deus. Você já

percebeu que todas as vezes que Paulo fala a pastores e presbíteros

para dar-lhes algum conselho ele sempre diz, "Tem cuidado de ti

mesmo e depois do rebanho"?

Conclusão

Querido irmão, se você não odiar o pecado, se você não amar

a Deus, se não estiver cheio do poder de Cristo, não deve ficar

surpreso de seu ministério ser tão infrutífero. Se as pessoas

perceberem que viver religiosamente não é viver a realidade da nossa

vida, elas vão ser levadas a desobedecer as nossas mensagens. Um

dos nossos grandes problemas hoje é que a nossa própria casa não

está em ordem. Que Deus nos leve a conhecê-lo de uma forma íntima

e pessoal, seguindo-0 de forma incondicional e pregando todo o

conselho de Deus.

Page 52: A Tocha Dos Puritanos

52

Queridos amigos, o tempo está curto, muito cedo vamos

pregar nosso último sermão, fazer a nossa última oração, participar

da nossa última conferência, e a única coisa que realmente vai contar

é a seguinte: conhecemos realmente a Deus e a Jesus Cristo a quem

Ele levou assunto aos céus? Que Deus nos faça portadores da tocha

da evangelização puritana em nossa geração.

Page 53: A Tocha Dos Puritanos

53

4

A TOCHA DA EVANGELIZAÇÃO

LEVADA PELOS PURITANOS

O MÉTODO DA EVANGELIZAÇÃO PURITANA E A DISPOSIÇÃO INTERNA

DO CORAÇÃO

Raízes da evangelização moderna

A fim de compreendermos estes dois pensamentos (o método

da evangelização Puritana e a disposição interna do coração)

precisamos contrastá-los com a evangelização moderna. Só assim

poderemos apreciar o aspecto característico da evangelização

puritana. Para isso vamos voltar um pouco ao século XIX para

considerarmos as raízes da evangelização moderna.

A evangelização moderna tem as suas raízes nos anos 1820

sob a liderança de Charles Finney, que freqüentemente é chamado de

"o pai" da evangelização moderna. Finney foi criado em Nova Iorque

e tinha o grau de advogado. Começou sua prática como advogado

nos anos de 1820 em Nova Iorque. No ano seguinte teve uma

experiência religiosa muito profunda e isso o influenciou para que

deixasse seu escritório de advocacia e se dedicasse inteiramente ao

ministério. Foi ordenado pastor presbiteriano em 1824 e por 8 anos

liderou eventos e reuniões de avivamento no leste dos E.U.A. Por

quatro anos trabalhou como pastor em Nova Iorque e nos últimos

quarenta anos de sua vida foi professor na Universidade de Oberlin

no estado de Ohio. Através dessas décadas ele continuou fazendo

reuniões de avivamento. Ele inventou aquilo que se chama de "novas

medidas" para avivamento que incluem: (a) reuniões com muita

emoção e (b) o banco dos "ansiosos". Eram reuniões evangelísticas

Page 54: A Tocha Dos Puritanos

54

caracterizadas por uma atividade intensa, que duravam dois ou três

dias e nos quais Finney pregava duas vezes ao dia. O banco dos

"ansiosos" era o primeiro banco da igreja que era deixado vazio para

que as pessoas ansiosas pudessem vir e se assentar ali, recebendo

uma ministração individual. No final dos seus sermões Finney diria:

"Aqui está o banco dos "ansiosos", se vocês estiverem do lado do

Senhor, venham à frente." Hoje a evangelização de massa, é um

desenvolvimento das chamadas "novas medidas" dos avivamentos de

Finney.

Em suas campanhas evangelísticas, Billy Graham apresenta

um estilo polido destas cruzadas feitas por Finney. Essas chamadas

ao altar para que as pessoas venham à frente e confessem Jesus

Cristo, é uma versão moderna do banco dos "ansiosos". Hoje nós

estamos tão acostumados com este estilo de evangelização moderna,

que dificilmente percebemos que é uma inovação na história da

Igreja. Com freqüência nos esquecemos de quão distante está da

evangelização bíblica. Tanto Finney, quanto a evangelização

moderna, cometeram alguns erros básicos em diferentes aspectos das

Escrituras. Vamos mencionar quatro áreas em que se afastaram dos

princípios bíblicos.

Deficiências da evangelização moderna

1. Aceitação do pelagianismo. Embora certos elementos calvinistas

estejam presentes, a evangelização moderna, seguindo a teologia de

Fnney, é essencialmente arminiana na sua apresentação do

evangelho. Finney era confessadamente um pelagiano (Pelágio foi

um herege do século IV que sofreu dura oposição de Agostinho). Ele

negava que o homem caído fosse incapaz de se arrepender. Dizia que

cada pessoa tem a liberdade e a vontade livre de arrepender-se e

voltar-se para Deus; que cada pecador pode resistir ao chamado do

Espírito Santo, e que este Espírito apenas apresenta-lhe razões pelas

quais ele deve ir a Deus. O pecador, entretanto, é livre para aceitar ou

rejeitar as razões apresentadas. Dessa forma, em última análise, a

Page 55: A Tocha Dos Puritanos

55

salvação não é uma obra de Deus, é realmente um trabalho do

próprio homem. Finney escreveu o seguinte: "Pecadores vão para o

inferno apesar de Deus". Finney negou os cinco pontos do

calvinismo, e não subscreveu os ensinamentos de Jesus de que o

homem precisa nascer de novo, nascer do alto, doutra forma ele não

pode entrar no reino de Deus.

2. Finney e a evangelização moderna colocam uma pressão

indevida sobre a vontade humana. Se a vontade humana, pecadora,

é livre, segundo os evangelistas semipelagianos afirmam, apregação

é reduzida simplesmente a uma batalha entre a vontade dos ouvintes

e a vontade do pregador. O resultado disso é que todos os meios que

o pregador puder usar para persuadir os seus ouvintes a aceitar a

Cristo, acabam se tornando lícitos, mesmo que sejam baseados num

excesso de emocionalismo do auditório. O alvo principal nestes

casos é mover a vontade do homem, e levá-lo a fazer uma decisão

imediata. O contrário disso, vemos no ensino de João 1:13: "... os

quais não nasceram do sangue nem da vontade da carne, nem da

vontade do homem, mas de Deus."

3. Finney e a evangelização moderna reduzem o processo de

conversão a um espaço curto de tempo. Isso não é bíblico! A

Bíblia apresenta a conversão como sendo um processo por vezes

demorado. Entretanto, para a evangelização moderna, a conversão é

um processo de mais ou menos dez minutos. Recentemente foi

escrito um livro sobre evangelização que faz com que o evangelista

caia em profundo sentimento de culpa, se demorar mais de dez

minutos para converter alguém. Chegamos a conclusão que, para

muitos evangelistas modernos, a salvação não é mais aquele trabalho

miraculoso, soberano e misterioso do Espírito Santo de Deus, e sim,

o trabalho calculável da ação do homem. Isso é contrário ao que

lemos em João 3:8: "O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas

não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é

nascido do Espírito". O que realmente tem acontecido nos últimos

175 anos, é o seguinte: Finney e a evangelização moderna perderam

Page 56: A Tocha Dos Puritanos

56

o sentido de conversão bíblica; perderam o conceito de conversão

como uma obra miraculosa; perderam o sentimento daquela

dependência total do homem em Deus, na sua conversão.

4. Grande parte dos resultados da evangelização moderna é

questionável. Diversos estudos têm provado que a evangelização de

massa, utilizado em grande parte nas cruzadas, em que o próprio

homem decide a sua salvação, leva, finalmente, a um cristianismo

muito superficial, que quase não dá fruto. Isso não quer dizer que não

existam certos indivíduos a quem Deus realmente converteu em tais

tipos de reuniões. A Bíblia diz que Deus pode fazer com que uma

vara torta se torne reta. Entretanto, esse fato não nos isenta da

responsabilidade em apresentar aos nossos ouvintes uma

evangelização bíblico e saudável, uma evangelização que tenha uma

profundidade maior, uma evangelização que começa, centraliza-se e

termina em Deus. É isso que descobrimos quando nos voltamos para

o método dos puritanos.

Estilo direto de pregar

Quando nos referimos aos métodos da evangelização

puritana, não estamos dizendo que devemos copiar cada detalhe dos

puritanos. Muito da linguagem dos puritanos, por exemplo, está fora

de época. Ainda assim os seus métodos têm muito para nos ensinar.

O método puritano foi chamado pelos próprios puritanos, e por

estudiosos hoje, de o "estilo direto de pregação". Um dos pais do

puritanismo, William Perkins, escreveu o seguinte: "A nossa

pregação precisa ser direta e evidente. É um dito comum entre nós:

"este foi um sermão direto." Eu digo que quanto mais incisivo e

simples for o sermão, melhor". Um dos grande pregadores puritanos

chamado Henry Smith disse o seguinte: "Pregar de uma maneira

direta, não é pregar de uma maneira dura e cruel". Também não

significa pregar de qualquer forma, sem estudo. Significa pregar o

sentido pleno das Escrituras de uma maneira tão clara que o homem

Page 57: A Tocha Dos Puritanos

57

mais simples possa entender o que esteja sendo ensinado, como se

ele estivesse ouvindo seu próprio nome ser chamado.

Implementando este estilo simples e incisivo de pregação, os

puritanos seguem um processo de três passos:

(1) Escolhem e estudam seu texto. (2) Fazem uma exegese desse

texto, dando o seu sentido básico, e em seguida coletam do texto

duas ou três doutrinas, que fluem dele. (3) Em seguida, aplicam estas

doutrinas de uma forma prática ao coração dos seus ouvintes. Dessa

forma, a primeira parte do sermão é exegética, a segunda parte é

doutrinária e a terceira é aplicativa. À quarta parte eles chamavam

de "como usar", que é a parte prática do sermão, como usar os

ensinos na vida diária. Eles dividem a aplicação em duas partes, uma

para os ouvintes que são salvos, e a outra para os não salvos.

Aplicam a cada indivíduo o que o texto pregado tem a dizer para ele.

Dessa forma, o ouvinte, ao sair da igreja, sabia com toda clareza o

que aquele texto do sermão tinha a dizer a si em particular.

Vamos focalizar quatro qualidades deste estilo direto de

pregar.

1. Usavam um método racional de pregar. Eles pregavam a

criaturas racionais. Trabalhavam arduamente para mostrar aos

pecadores a loucura de não buscar o Senhor. Eles procuravam

mostrar às suas congregações o aspecto racional de todas as

doutrinas da graça. John Owen, por exemplo, expunha à sua

congregação como a doutrina da eleição era racional e lógica.

Eleição é a primeira coisa do lado de Deus, mas é a última coisa que

é conhecida do lado daquele que crê. Eles usavam este tipo de ensino

para alcançar a mente e também a consciência. Labutavam para

conduzir cada ouvinte a esta conclusão. Seria totalmente ridículo não

buscar o Senhor. Ridículo em função do julgamento que há de vir,

mas também em termos da maneira como vivemos nesta vida

presente.

Page 58: A Tocha Dos Puritanos

58

2. Tinham uma pregação afetuosa, apaixonada. É uma coisa rara

nos nossos dias encontrar um pregador que tanto alimenta a mente

dos ouvintes com substância bíblica sólida, quanto também mova os

seus corações, com um calor afetivo. Mas, esta combinação era coisa

comum aos pregadores puritanos. Falavam com amor e com

convicção. Pregavam com uma chamada clara à fé e ao

arrependimento. Pregavam com paixão o terror do pecado. Pregavam

com calor a respeito de Jesus Cristo. Derramavam do púlpito suas

próprias almas em seus sermões. Eles praticamente davam suas vidas

pelo seu povo. Suplicavam aos seus ouvintes que se reconciliassem

com Deus, não porque pensassem que eles podiam se reconciliar com

um Deus santo, mas porque eles sabiam que o Deus todo-poderoso

usa a loucura da pregação para salvar aqueles que realmente vão crer.

Sabiam, pelas Escrituras, que somente o Cristo onipotente podia

vivificar um pecador espiritualmente morto e mortificar a sua

pecaminosidade, separá-lo dele mesmo, fazendo -o desejoso de

abandonar o seu pecado e voltar-se para Deus e para a salvação

completa por Ele oferecida. A pregação puritana apresentava todas

estas verdades com paixão.

3. A evangelização puritana era reverente e sóbria. Os puritanos

geralmente não usavam humor nos seus sermões; não acreditavam

em contar histórias engraçadas com a finalidade de levar pessoas ase

interessarem por Cristo. O alvo deles era exatamente o oposto. Eles

procuravam fazer as pessoas se tornarem mais sóbrias diante das

grandes exigências do Criador e diante do grande juízo que está

chegando. Diante da eternidade, Deus é digno de ser adorado; digno

por causa dEle mesmo e por causa de Seu Filho.

4. A evangelização puritana se caracterizava por fazer uma

análise específica de temas bíblicos. Se um puritano pregasse sobre

o inferno, o sermão inteiro seria sobre o inferno. O mesmo

aconteceria se pregasse sobre o céu, todo o sermão seria sobre o céu.

Noutras palavras, eles pregavam o seu texto o tempo todo.

Calculavam que assim, após certo período de tempo, teriam coberto

Page 59: A Tocha Dos Puritanos

59

cada assunto principal da Bíblia. Assim, procuravam edificar o seu

povo em todo o conselho de Deus, demonstrando sua apreciação por

todo o ensinamento das Escrituras. Quero dar alguns exemplos. Os

títulos que vou dar agora são de um livro de um puritano: "Quantos

Já Experimentaram Uma Vida Seriamente Identificada com

Deus?"; "Qual o Melhor Preservativo Contra a Depressão

Espiritual"; "Como Podemos Crescer no Conhecimento de Cristo?";

"O Que Precisamos Fazer Para Evitar Orgulho Espiritual?"; "Como

Devemos Lidar Com Doutrinas Que Não Podemos Compreender

Completamente?"; "Como Podemos Conhecer de Uma Forma

Melhor o Valor Real da Nossa Alma?". Espero que vocês estejam

percebendo quão específicos eram os puritanos ao pregarem o seu

texto bíblico, e como depois de certo período de tempo eles

conseguiam falar a respeito de todo o conjunto de verdades

espirituais.

Os puritanos reforçavam os seus sermões com uma

evangelização catequética. O pastor puritano típico visitava o lar dos

membros da sua igreja pelo menos uma ou duas vezes ao ano. Eles

catequizavam cada criança em cada lar e estas crianças também

vinham para a aula de catecismo na igreja. Eles treinavam os pais em

cada família para que também fizessem o estudo do catecismo com

suas crianças no culto doméstico. Normalmente levavam 30 a 40

minutos por dia para essa atividade. No domingo à noite davam

treinamento aos pais para que pudessem analisar o sermão do dia

com as crianças por duas razões: para levar o sermão ao nível de uma

criança e também para levar o pai a lembrar o sermão. Os puritanos

tinham como alvo evangelizar a família inteira. Eles não estavam

buscando convertidos de "dez minutos'' ou uma decisão momentânea

do coração. Eles procuravam convertidos que permanecessem

convertidos a vida inteira, cujas mentes e corações tivessem sido

vencidos, tornando-se cativos pela Palavra de Deus.

Page 60: A Tocha Dos Puritanos

60

Disposição interna do evangelista puritano

Um outro ingrediente muito importante na evangelização

puritana era a disposição interna do evangelista.

Em primeiro lugar, ele vivia comum sentimento de

dependência do Espírito Santo. O pregador puritano estava

plenamente consciente da sua incapacidade de salvar uma alma e da

grandeza da conversão. Ao mesmo tempo, ele estava convicto que é

agradável a Deus usar a pregação como o meio principal para salvar

os eleitos. O pastor puritano trabalhava no espírito de dependência do

Senhor, convicto de que não podia fazer nada por suas próprias

forças e que o seu trabalho no Senhor não era vão.

Em segundo lugar, o puritano tinha uma constante disposição

interior de orar. Eram grandes pregadores porque em primeiro lugar

eram grandes suplicantes. Eram pessoas que lutavam com Deus e

sabiam muito bem o que significava "agonizar" pedindo a bênção

divina sobre a palavra que eles acabavam de pregar. Quero dar uma

ilustração com a vida de Robert Murray McCheyne. Ele veio depois

dos puritanos, mas em essência era um puritano. Certa vez chegou à

igreja onde McCheyne havia pastoreado um visitante admirando o

edifício, que era muito bonito. O zelador perguntou-lhe se podia

ajudá-lo em alguma coisa. Ele respondeu que sim, pois tinha vindo

de longe até àquela igreja, para ver se conseguia descobrir o grande

segredo do ministério de McCheyne (McCheyne foi um pregador

escocês que morreu com 29 anos, mas Deus o usou para a

conversão de centenas de pessoas). O zelador convidou o visitante

para ir com ele, pois lhe mostraria o "segredo". Levou-o para o

escritório de McCheyne, onde, no passado ele costumava ficar.

Disse-lhe: "Amigo, sente-se atrás daquela escrivaninha e ponha sua

cabeça em cima dela; ponha sua mão na sua cabeça e chore... depois

venha comigo Posteriormente, os dois voltaram ao templo e foram ao

púlpito. O zelador disse ao visitante: "Agora incline-se sobre este

púlpito... estire bem os seus braços... ore... chore... agora você sabe

Page 61: A Tocha Dos Puritanos

61

qual era o segredo de Robert Murray McCheyne". Não é nenhum

choro provocado pelo homem, não é um emocionalismo sem as

Escrituras; é, antes, um mover do coração, bíblico, pelo Espírito

Santo de Deus. É disso que precisamos hoje, da ênfase dos puritano

em uma mente e um coração voltados para Deus. Reunindo estas

duas coisas teremos uma vida que agrada a Deus.

Vida coerente

Os puritanos buscavam uma vida coerente com a Palavra de

Deus em qualquer lugar que estivessem. Um pastor puritano

escreveu o seguinte: "A minha oração diária é que eu possa ser tão

santo na minha família, e nos momentos que eu passo sozinho com

Deus, como eu pareço ser quando eu estou em frente ao meu povo,

no púlpito da minha igreja". Os puritanos buscavam santidade em

todas as áreas da sua vida, todavia uma santidade que não era

baseada em méritos pessoais. Eles sabiam que não possuíam tais

méritos. Eles buscavam, uma santidade que era fruto daquilo que

Deus fizera por eles. Por isso se destacaram na história da Igreja

como inigualáveis na vida particular de oração, na perseverança em

manter o culto doméstico, nas orações em público, e na pregação.

Perguntamos: será que costumamos orar individualmente

como McCheyne e os puritanos? Será que nós, de forma zelosa, até

ciumenta, cuidamos de nossa vida de comunhão com Deus? Será que

estamos convictos que parar de vigiar e de orar é estar esperando um

desastre espiritual na nossa vida? Será que estamos submissos com

nosso coração e mente à disciplina da Palavra de Deus? Será que

temos em nossa vida diária aquele mesmo espírito dos puritanos que

os tirou do mundo, colocando seus corações nas coisas eternas,

especialmente no próprio Deus? Será que estamos movidos, como os

puritanos, com aquela paixão que eles tinham de glorificar a Deus

e magnificar o nome de Jesus Cristo, falando contra o pecado e

buscando a santidade? Será que temos sede da glória de Deus? Não é

suficiente ter livros puritanos nas nossas prateleiras, nem mesmo é

Page 62: A Tocha Dos Puritanos

62

suficiente lê-los. Espero que sejam lidos, pois são amigos

maravilhosos e grandes mentores espirituais. São aquilo que Lutero

disse: "Alguns dos meus melhores amigos já morreram há muito

tempo, mas eles ainda falam comigo através da página impressa".

Eu sei pessoalmente o que isso significa, pois comecei a ler

os puritanos quando tinha nove anos de idade. Costumava ficar até

tarde da noite lendo-os. Freqüentemente minha mãe determinava que

eu parasse de ler para dormir. Eu desligava a luz do meu quarto,

porém ia para a escada para observar a luz que saia por baixo da

porta do quarto dos meus pais. Quando ela se apagava, eu voltava ao

meu quarto e continuava a ler! Lia com um livro dos puritanos aberto

diante de mim e a Bíblia aberta, ao lado. Lia devagar, fazendo cinco

ou seis orações por cada página que lia. Conferia nas Escrituras

cada texto que eles citavam. Os puritanos acabavam me levando

sempre de volta à Bíblia - e ela sempre me levava aos puritanos.

Muitas vezes estava chorando enquanto lia, um choro de alegria pela

salvação plena que se acha em Jesus, mesmo um pecador como eu

era e ainda sou. Eu chorava com aquele desejo imenso de ser mais

santo, de ser mais parecido com Cristo e de ter mais daquela

disposição interna dos puritanos. Precisamos desta religião

vivenciada por eles. Eles tinham suas falhas, e seus escritos não são a

Bíblia, mas eles nos ajudam a entender a Bíblia, e a sua piedade vital

é um grande exemplo para nós.

Conclusão

Dessa forma vamos nos desafiar uns aos outros para crermos

no Deus dos puritanos. Quem tem a coragem de ir além de uma

simples leitura dos escritos dos puritanos? De ir além de uma

apreciação das idéias dos puritanos e viver uma vida como eles

viveram, levando avante a obediência e a santidade a Deus? Embora

amemos a Cristo, como os puritanos O amaram, será que estamos

servindo a Deus como eles O serviram? O Senhor nos fala em

Jeremias 6:16: "Assim diz o Senhor: ponde-vos à margem no

Page 63: A Tocha Dos Puritanos

63

caminho e vede, perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom

caminho; andai por ele e achareis descanso para as vossas almas".

Page 64: A Tocha Dos Puritanos

64

5

A TOCHA DA EVANGELIZAÇÃO PASSADA PARA NÓS

"Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote

que penetrou os céus, conservemos firmes a nossa confissão. Porque

não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas

fraquezas, antes foi ele tentado em todas as coisas, à nossa

semelhança, mas sem pecado. Acheguemo-nos, portanto,

confiadamente, junto ao trono da graça, afim de recebermos

misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna."

- Hebreus 4:14-16

Motivos para o desânimo

Em Hebreus 4:11-16, o escritor encoraja os cristãos hebreus a

carregarem a tocha do evangelho. Ele os encoraja em meio ao

profundo desalento que enfrentavam. Havia muitos motivos para

desencorajá-los. Alguns deles haviam sido lançados na prisão por

causa do evangelho, outros estavam perdendo seus empregos, tinham

seus bens espoliados, enfim, todos passavam por dias difíceis. Não

estavam apenas sendo grandemente provados em assuntos e coisas

superficiais, mas estavam sendo desafiados quanto ao cerne da sua

religião. Os seus patrícios judeus estavam lhes dizendo que o

cristianismo não tinha nada para oferecer e que tinha apenas um

"edifício" sem cerimoniais, sem rituais, sem Sumo Sacerdotes. Hoje,

também há muitas pessoas que nos desafiam e nos desencorajam.

Não é fácil ser um evangelista reformado no mundo moderno

e secularizado que é o nosso. Há desencorajamento em volta e entre

nós todos, que pode tomar conta do nosso coração. Ficamos

desencorajados quando vemos verdades doutrinárias sendo

negligenciadas, e, o pior ainda, até rejeitadas. Podemos, também,

Page 65: A Tocha Dos Puritanos

65

ficar desencorajados pela perseguição movida por pessoas que

estão dentro da igreja, que são nossos irmãos. Às vezes você pode ter

algum irmão, companheiro de ministério, que se opõe a você. É

possível, às vezes, encontrar maior oposição dentro da igreja do que

fora dela. Quando você vê todas as técnicas da evangelização

moderna invadindo a sua própria igreja, pode ficar desencorajado,

pois pessoas estão clamando por coisas que não são bíblicas. Você

pode ficar desencorajado quando o crescimento da igreja for

pequeno, tanto internamente quanto externamente. Ficamos

desencorajados ao ver tão pouca piedade que venha realmente de

Deus e, como aumenta o número daqueles que se chamam Seu povo,

vivendo vida mundana, cheios de ignorância, apatia, indiferença e

vivendo um estilo de vida centrado neles mesmos, egocêntricos; não

estão lutando com Deus em oração, não levam o culto doméstico

avante, não exercitam aquela expectativa santa em Deus. Podemos

ficar desencorajados em não ver o reino de Deus expandir-se em

nossa nação, quando, apesar de todos os nossos esforços, o clima

moral e o espiritual estão se degenerando. Quando não vemos o

braço de Deus ser revelado trazendo salvação, estamos sempre

inclinados a nos sentar e chorar desencorajados, dizendo como

Isaías: "Senhor, quem creu na nossa pregação e a quem foi revelado

o braço do Senhor".

Além de tudo isso, podemos ficar desencorajados por certas

motivações dentro de nós mesmos. Talvez tenhamos muito o que

fazer e o excesso de trabalho pode nos levar ao desencorajamento,

aliado ao fato de podermos estar dando muito aos outros, mas sem

tempo de meditar, estudar e receber algo para nós mesmos. Isso pode

nos desencorajar também. Ficamos com nossa alma em agonia, como

Paulo, por não estarmos vendo muitas pessoas serem conduzidas a

Jesus Cristo. Assim como aconteceu com Moisés, nossos braços

estão pesados na hora da intercessão. Isso pode ficar tão ruim, às

vezes, que a nossa própria visão de ministério e de evangelização

reformada acaba caindo e se quebrando aos nossos pés. O

pessimismo e a nossa dúvida podem prevalecer. Podemos tornar-nos

Page 66: A Tocha Dos Puritanos

66

exauridos, desiludidos com nosso trabalho e às vezes sentir-nos

muito sozinhos.

Em 1989 foi feita uma pesquisa na América sobre cem

profissões diferentes. O ponto enfocado era qual profissão

provocava mais solidão. O ministério pastoral foi o segundo lugar

dessa lista. Isso revela alguma coisa sobre os tempos modernos que

atravessamos. E quando consideramos qual foi o primeiro lugar na

lista não ficamos muito encorajados também. O primeiro lugar da

lista foi dos guardas-noturnos.

Alguns de nós ficamos desencorajados por causa da nossa

falta de espiritualidade. Podemos ficar tão ocupados em

evangelizar, que acabamos não nos conhecendo bem e ficamos muito

alienados do próprio Deus. Podemos esquecer o nosso primeiro

amor. Poderemos também fracassar, cair no engano do nosso

coração, perder aquele senso de urgência da necessidade de oração.

Por fim, terminamos entristecendo o Espírito Santo de Deus com

nossa vida devocional fria. Estamos apenas falando, sem conseguir

que nossa oração seja uma oração de fato. Dessa forma, um tipo de fé

superficial começa a dominar o nosso coração e descobrimos, para

vergonha nossa, que já nos tornamos o nosso maior obstáculo.

Jesus, a fonte de encorajamento

Podemos dizer que o desencorajamento é uma infelicidade

ocupacional do próprio ministério. Todavia o escritor de Hebreus

tem uma solução para tudo isso. Ele diz aos cristãos hebreus que

eles tinham todas as razões necessárias para estarem encorajados, e

nunca desencorajados. Isso acontecia, porque os amigos judeus

estavam entendendo mal sua própria religião. É isso que nos diz no

capítulo 4, versículo 14: "Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus,

como grande sumo sacerdote que penetrou os céus, conservemos

firmes a nossa confissão". A palavra "sumo sacerdote" é precedido

como artigo "o",na língua original, "como o grande sumo

Page 67: A Tocha Dos Puritanos

67

sacerdote". Jesus é o Sumo Sacerdote de todos os sumo sacerdotes.

O Sumo Sacerdote ao qual todos os sumo sacerdotes do Velho

Testamento estavam ligados. Ali está a fonte de encorajamento:

Jesus vive como o grande Sumo Sacerdote. Grande pelo que Ele

sacrificou. Ele sacrificou-Se a Si mesmo, por pecadores como você e

eu; grande, porque o Seu sacrifício é o mérito e a força para a

salvação e para a evangelização reformada. Ele é grande ainda pelo

motivo do Seu sacrifício, para quem Ele Se sacrificou. Ele fez um

sacrifício para o Seu Pai, para satisfazer a Sua justiça. Ainda é

grande pelo direcionamento do Seu sacrifício, por quem Ele Se

sacrificou. Por pessoas rebeldes e indignas como você e eu. O

escritor está dizendo: "Este sacerdote é o Filho de Deus, todo-

poderoso". Ele entrou nos céus. Na língua original, a idéia é

"penetrou" nos céus e Se assentou à direita de Deus Pai. Vocês não

precisam de rituais e sacerdotes terrenos, não precisam dos tipos e

sombras do Velho Testamento, pois têm tudo à direita de Deus Pai,

porque Jesus ali vive, intercedendo por vocês. Portanto,

"conservemos firmes a nossa confissão" de fé. Quando o autor de

Hebreus diz "conservemos firmes a nossa confissão", ele chega ao

clímax de toda a Epístola. Neste clímax prático há uma mensagem

para nós, hoje. Há quatro encorajamentos aqui que nos devem

animar a levar avante a tocha da evangelização. Todos quatro estão

sob um mesmo tema: mantenha-se firme, seguro em Cristo porque

Ele lhe está sustentando firme. A iniciativa é dEle. Esta é a grande

força da verdadeira evangelização reformada. Esta força nos encoraja

em quatro formas:

Segurando firme em Cristo

1. Mantenha firme seu chamado evangelístico

Considere que Jesus o está mantendo firme neste chamado.

Nosso chamado divino, como pastores ou crentes individualmente,

precisa ser uma grande rocha em cima da qual nós descansemos,

especialmente se você está tendo o chamado de tempo integral. A

Page 68: A Tocha Dos Puritanos

68

nossa chamada original para esse ministério, leva-nos a nos

agarrarmos a ele na força de Cristo, mesmo que estejamos

inundados em desencorajamento, mesmo ao pensar que o nosso

ministério já acabou, mesmo quando tudo rolou de morro abaixo. O

que fez João ao ser banido para a ilha de Patmos? Ele estava ficando

velho, parecia que seu ministério havia acabado. Será que ele desistiu

de tudo? Não, ele se refugiou em Cristo que anda entre os castiçais

de ouro da Igreja, que segura as estrelas na Sua mão direita. Você

sabe que estrelas são essas? São servos de Deus. João recebeu sua

força, porque creu que Jesus segurava firme o seu chamado, mesmo

havendo sido banido, e porque olhava para Jesus que também o

segurou firme na Sua mão. Quando Deus nos chama para o

ministério de tempo integral, Ele dá-nos a graça para continuar nos

mantendo fiéis a Ele e à Sua Palavra. Mas a nossa força para fazer

isso descansa no Seu Filho Jesus Cristo. Quero lembrar-lhes que nós

não somos responsáveis por falta de fruto no nosso ministério, porém

somos responsáveis por negarmos a nós mesmos para que possamos

render-nos e o nosso chamado ao serviço do nosso Senhor e Mestre,

pois Ele é digno. Ele é digno de receber a nossa vida por inteiro.

Você percebe que, quando vemos o nosso chamado nessa dimensão,

também recebemos mais coragem para render o nosso trabalho

também ao Senhor.

Martinho Lutero tinha um hábito de toda noite, nas suas

orações, dizer algo mais ou menos assim: "Senhor, eu carreguei o

fardo da Tua Igreja hoje e sei que és o Rei dela. O meu corpo

cansado precisa de um pouco de sono, portanto quero rolar a Igreja,

que é Tua, e entregá-la em Tuas mãos para, como Rei dela, guardá-

la esta noite e permita-me descansar um pouco; amanhã pela

manhã, volto a retomar o fardo". Não há mãos melhores para

entregarmos a Igreja como um todo, do que as mãos do Senhor

Jesus Cristo. Fique encorajado porque você tem um chamado

extraordinário. Meu pai costumava me dizer, quando eu era um

adolescente: "Seu chamado para o ministério é um ofício mais

importante do que a presidência dos Estados Unidos da América.". É

Page 69: A Tocha Dos Puritanos

69

um chamado excelente, tremendo! Seja encorajado por isso: você

nunca terá de acordar pela manhã e dizer que a vida não tem sentido.

Você tem um grande propósito, você é marcado por Deus e por isso

faça o trabalho dEle! Tome o seu chamado e use-o como seu

alimento, a sua comida diária, da qual depende para viver. Se fizer

isso, o Senhor vai acrescentar no tempo próprio, a sobremesa e a

melhor comida para sua refeição. Fique contente em realizar esse

trabalho. Já houve tempo em minha vida em que agarrar o meu

chamado original em Jesus Cristo foi a única coisa que sobrou.

Quando pensei que tudo era impossível e não podia prosseguir, vi

que não podia abandonar aquela chamada porque era uma chamada

vinda de Jesus Cristo. Assim, eu caí diante de Cristo como Ester caiu

diante do rei Assuero, confessando que se perecesse, pereceria; mas

eu não vou perecer, Senhor, e se perecer, perecerei no Teu serviço e a

Teus pés. Se Tu me rejeitares, Tu és justo pois sou indigno e Tu és

digno. Assim Senhor, eu prefiro morrer aos Teus pés e responder ao

Teu chamado. O Senhor nunca nos prometeu uma vida fácil mas nos

prometeu uma vida abençoada. Posso afirmar que, se você se colocar

aos pés do Senhor, como um servo em necessidade, pobre e

quebrado, sem nada em você mesmo, suplicando, o Senhor não

passará por cima do que pede. Ele vai usar você e todo o seu

quebrantamento, em todo o seu esvaziamento. Segure firme o seu

chamado porque Cristo o chamou.

2. Segure firme em Cristo através da oração

Cristo nos sustenta firmemente através das Suas orações

intercessórias. As orações de Cristo nunca falham. Elas são sempre

respondidas. Ele chama você e a mim a uma vida de oração. Em

Atos, capítulo 6, lemos sobre o ofício do diaconato, que foi

instituído a fim de que os apóstolos pudessem dedicar-se à oração e

à pregação da Palavra. Atos 6.4: "...e, quanto a nós, nos

consagraremos à oração e ao ministério da Palavra ". A nossa

primeira tarefa é orar. Não é somente orar a respeito do nosso

trabalho, a oração é o nosso trabalho. Há uma diferença importante

Page 70: A Tocha Dos Puritanos

70

aqui. É minha convicção de que uma das grandes razões para o

fracasso da evangelização reformada é a falta de oração secreta. Na

América, houve um pastor puritano chamado Thomas Shepard. Certo

dia o seu arquiteto lhe trouxe a planta de sua futura casa pastoral.

Shepard olhou para aquela planta e disse: "Está faltando uma coisa

aqui. Onde está o quarto de oração da minha casa pastoral?". Na casa

dos puritanos primitivos havia uma salinha separada, só para oração.

Por causa disso, Shepard escreveu no seu diário: "Eu tive hoje um

dos dias mais tristes da minha vida, porque percebi que, quando o

meu povo parar de construir quartos de oração, isso demonstrará que

estaremos na decadência da América". Você tem um lugarzinho

especial onde você ora? Você tem intimidade com Deus? Sabe o que

significa derramar o seu coração na presença de Deus? Percebe que

esta é a grande diferença entre a época da Reforma, dos puritanos e a

nossa época? Eles eram homens de oração. Uma vez Martinho

Lutero disse a Melanchthon: "Tenho tanta coisa para fazer amanhã

que terei de acordar mais cedo e orar uma hora a mais do que

normalmente oro". O que fazemos quando estamos muito ocupados?

Fazemos orações curtas (talvez) e dizemos: "Estou tão ocupado!".

Nós tratamos o Senhor como se Ele fosse nosso cachorrinho de

estimação. Nós damos o que sobra do nosso tempo e Ele não tem o

primeiro lugar na nossa vida. John Elsh, o genro de John Knox,

costumava passar sete horas por dia em oração. Não estou dizendo

que devemos fazer isso, entretanto se considerarmos como essas

pessoas oravam, precisaremos balançar nossa cabeça de vergonha.

John Elsh mantinha sempre sua toga ao lado de sua cama por causa

do frio. A sua esposa disse, depois que ele morreu, que seu marido

nunca passou uma só noite, durante todo o seu casamento, sem que

se levantasse pelo menos uma vez para orar. Uma noite ela o seguiu

quando ele ia para um quarto próximo. Ela estava com receio que

ele se resfriasse. Ela escreveu a respeito do que ouviu orar: " O

Deus, dá-me a Escócia!". Quando a esposa lhe disse que era melhor

voltar para cama, ele respondeu: "Minha querida esposa, eu tenho

três mil pessoas na minha igreja e não posso descansar enquanto cada

Page 71: A Tocha Dos Puritanos

71

uma delas não conhecer bem ao Senhor". Precisamos orar e

precisamos pedir graça para ter uma vida verdadeira de oração.

3. Segure firme em Cristo para a santificação

Nossa santificação está em Cristo. É isso que Paulo nos diz

em 1 Cor. 1:30: "Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos

tornou da parte de Deus sabedoria, e justiça, e santificação, 1

redenção." Em Hebreus 2:9-11 nos é dito que Jesus Cristo foi

santificado por Seu sofrimento e que Ele, por Sua vez, santifica o

Seu povo através dos Seus próprios méritos. Esse conceito é crucial.

Se tentarmos nos santificar à parte da santificação de Cristo, vamos

terminar no legalismo ou vamos nos sentir frustrados e derrotados.

Em Cristo está a nossa força. É isso que o escritor prossegue dizendo

em Hebreus, capítulo 4, que devemos conservar-nos firmes não

apenas em nossa confissão de que Jesus penetrou os céus (v.14),

mas, como está no versículo 15, devemos considerar que Ele foi

tentado em todas as coisas como nós somos, mas sem pecado. Aí

está a nossa força! Toda provação que atravessamos, Ele já

atravessou. Ele foi tentado em todas as áreas. Todas as áreas significa

em todas as coisas. Não há uma só coisa que possa vir sobre você

que surpreenderia a Cristo. Podemos ler isso em 1 Cor. 10:13. Ali

Ele nos diz basicamente que, para cada provação, Ele prove o escape.

Assim, Ele vai santificar cada caminho, cada forma como Ele lida

conosco. Todos os nossos desencorajamentos, todas as coisas

cooperam para o bem daqueles que amam a Deus (Rom.8:28). Como

os puritanos diziam: "o Senhor não mede nossas aflições segundo

nossas fraquezas, porém de acordo com nossa força". Fique

encorajado e animado, quando Ele permite muitas aflições sobre

você, por que isso significa que Ele está dizendo que você tem

"costas largas". Ele não vai colocar sobre seus ombros um fardo mais

pesado do que você possa suportar. É como alguém que levanta

peso para se exercitar, para se tornar cada vez mais forte. O Senhor

exercita o Seu povo em Sua santa academia, em nosso exercício

diário de santificação. Assim como o alfaiate corta o seu terno, assim

Page 72: A Tocha Dos Puritanos

72

também o Senhor faz sob medida as nossas aflições. Isso é

exatamente o que o escritor diz em Hebreus 12:11: "Toda disciplina,

com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de

tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm

sido por ela exercitados, fruto de justiça".

Você poderia perguntar: por que Deus faz isso? Por que Ele

nos santifica através da aflição? Por muitas razões. Uma aflição

santificadora leva-nos para mais perto de Jesus Cristo. Quando

Estêvão ia ser apedrejado, ele elevou os olhos e viu o céu aberto.

Uma aflição santificadora faz com que caminhemos pela fé. Uma

aflição santificadora faz com que fiquemos contentes por não

termos nada de nós mesmos. Faz com que nos inclinemos perante o

Senhor dizendo: seja feita a Tua vontade. Uma aflição santificadora

também nos conduz à oração. Torna-nos úteis de várias maneiras.

Por isso o grande pregador batista calvinista, Spurgeon, disse para

alguns estudantes de teologia: "Preparem-se, meus irmãos, para se

tornarem cada vez mais fracos; preparem-se para se afundarem cada

vez mais em vocês mesmos. Preparem-se a vocês mesmos para uma

auto-aniquilação e orem a Deus para que Ele apresse o processo".

Que oração surpreendente! Orar para que você se torne nada, para

que Deus seja tudo em todos. Isso é que é santificação genuína.

4. Segure firme em Cristo para sua perseverança

Jesus é perseverante em relação a você. Se você é um servo

de Deus, lembre-se que Ele "tendo amado os seus, amou-os até o

fim". Agora, está à direita de Deus, como está escrito em Hebreus

7:25: "...vivendo sempre para interceder por eles"(Seu povo). Ele

não parou de sofrer pelo Seu povo até o ponto em que esvaziou o

cálice de sofrimento; e agora não vai parar de orar pelos Seus até que

reúna a todos na glória. Jesus perseverou na Sua humilhação e agora

persevera na Sua exaltação. O caminho para que você possa

perseverar é através da perseverança de Cristo. Jesus ama tanto Seu

povo que Ele não permitirá que escapemos do Seu propósito, que é

Page 73: A Tocha Dos Puritanos

73

nos levar à glória. Ele não perseverou longamente para agora deixá-

lo escapar pelos Seus dedos. Ele diz em João 10:28: "Eu lhes dou a

vida eterna; jamais perecerão eternamente, e ninguém as arrebatará

da minha mão". Olhemos mais para Cristo, seguremo-nos firmes

nEle, vamos ser encorajados e Ele não irá nos desertar. As coisas

podem ficar "pretas" e nossa perplexidade aumentar, pode haver

inimigos dentro e fora, mas Ele diz na grande comissão aos

verdadeiros evangelistas: "Eis que estou convosco sempre até a

consumação dos séculos". Dessa forma, segure-se firme em Cristo,

no seu chamado, nas suas orações, na sua santificação e na sua

perseverança porque Ele está segurando firme em você. Vamos reter

firmes a nossa confissão em Cristo Jesus.