a televisão me deixou burro

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Universidade Federal do Rio Grande do Sul Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação Social Comunicação, História e Sociedade TELEVISÃO: QUEM DECIDE A PRÓXIMA ATRAÇÃO?

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Page 1: A Televisão Me Deixou Burro

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação Social

Comunicação, História e Sociedade

TELEVISÃO: QUEM DECIDE A PRÓXIMA ATRAÇÃO?

Rafael Caetano Soares

Bianca Seibert

Caroline Borba

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¨A televisão me deixou burro, muito burro demais

Agora todas as coisas que eu vejo me parecem iguais.”

As mídias estão presentes em nosso subconsciente, mesmo quando não estamos diretamente nos relacionando com alguma delas; elas acabam se inserindo no dia-a-dia, formulando novas maneiras de compreender as questões do cotidiano e do bem comum. Algumas mídias mais especificamente podem se introduzir de uma maneira tão sólida na vida das pessoas que acabam exercendo o papel não só de um instrumento para entretenimento, informação e divulgação de anúncios, mas como meio de apresentação ou consolidação de um determinado tipo de comportamento, ideologia, costume, ou utilização de um produto.

No Brasil a televisão demonstra-se claramente como o meio de comunicação de maior alcance, com força para manipular estratos sociais de maneira invasiva e determinante. A televisão no país desde sempre serviu como referência para os brasileiros. A janta é na hora do Jornal Nacional; domingo churrasco, futebol e Faustão. Para os brasileiros a televisão é como um filho, o objeto em torno do qual a família se reúne, seja para assistir a uma novela ou ao acidente do Ayrton Senna, sentindo-se um pouco como parte da história.

A frase da canção de Marcelo Fromer, Tony Bellotto e Arnaldo Antunes sintetiza apenas uma das visões possíveis para o efeito que a televisão pode causar na sociedade. Sim, porque é possível também relembrar grandes feitos e vislumbrar caminhos interessantes para o que pode ser um meio de comunicação tão abrangente quanto a mídia televisiva. Talvez seja interessante relembrar o caminho que a televisão (e assim seus espectadores) percorreu no Brasil para chegar ao que é agora.

A popularização da televisão no Brasil, em fins da década de 50 anunciou o fim da era do rádio e uma nova fase nas formas de alcance de manifestações culturais e das notícias do país. Durante a ditadura a televisão passou por um tortuoso processo de adequação ao que era tido como um comportamento correto perante a sociedade, saudando valores nacionais - que naquele momento estavam deturpados pelo obscuro regime da tortura – e manipulando as mídias de maneira agressiva, por não serem coniventes com os ideais dos militares.

Após esse momento, com a explosão do consumo no mundo inteiro, o aumento do poder aquisitivo no país, através de seus programas, anúncios, e produtos vinculados às suas marcas as mídias televisivas criaram modas, definiram tendências, criaram personagens em nossos meios sociais, através

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do status ou reconhecimento do que suas posturas podem trazer, e, por sua velocidade, que é cada vez mais rápida, acabou por muito até se contradizendo.

A mídia televisiva no Brasil – e no mundo – já alcançou muitas camadas da sociedade em diversos momentos decisivos da vida social, política e cultural do país. A força dos jogos de futebol, seja em programas ou comerciais, a vitória de determinados candidatos a cargos políticos que tem apoio dos grandes grupos midiáticos do país, entre outras coisas que poderíamos citar. Através da televisão, por exemplo, Fernando Collor ganhou uma eleição e saiu de seu cargo, influenciado pelo mesmo grupo social que o apoiara. Ironicamente a mídia tanto esteve a seu lado quanto contra ele; eis a experiência dos grupos sociais definindo a posição dos grupos de mídia.

A troca das experiências vividas pelos consumidores dessas mídias é, basicamente, o que vai determinar o que elas devem explorar e apresentar para seu público e vice-versa, sucessivamente, pois o movimento delas é imprevisível e indeterminado. A possibilidade de explorar o sucesso de uma grande vitória, tragédia ou comportamento faz com que os grupos de comunicação divulguem e beneficiem causas e produtos, os explore massivamente, e os próprios consumidores considerem esses comportamentos adequados e os absorvam e insiram na cultura geral da população.

Há interação entre os discursos midiáticos e os discursos do cotidiano. A grande questão começa quando deparamos com o fato de que a realidade das informações é institucionalizada pela aceitação dos grupos de que aquilo não é algo fantasioso ou fora de determinado padrão, é algo possível de se alcançar, e dessa forma acaba atingindo o cotidiano. Comportamentos por muitas vezes tido como desviados mais adiante são promovidos como corriqueiros, seja pelo costume ou pela forma como são colocados pela sociedade, seus representantes e pelos meios de comunicação, que em muitos momentos acabam levantando questões e sugerindo ou impondo alternativas e soluções.

A moda é um dos campos que tem grande alcance através da televisão. Roupas, acessórios, cortes de cabelo, tudo isso em muitos momentos acaba sendo fomentado através de algum personagem em destaque no momento em algum programa de televisão, telenovela, grupo musical, pessoas que aparecem nos meios e que acabam fazendo parte do nosso cotidiano, trazendo à tona uma busca por parecer-se com eles, como forma de demonstrar sucesso ou contemporaneidade.

A construção de ícones também sempre teve como sua aliada a televisão, pois nela grandes nomes da dramaturgia, da música, tiveram sua alavanca e sustentáculo para o alcance popular. Em muitos casos a arte desenvolvida pela ¨estrela da vez¨ pode ter origem em sua veracidade e

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reconhecimento, mas em outros pode ser apenas detalhadamente manipulada para agradar o gosto do grande público.

Não há como deixar de pensar nos grandes grupos empresariais que estão envolvidos na manipulação de determinadas informações e constituição de imagens positivas para obtenção do lucro, tornando corriqueira a ideia de que o padrão criado para seus produtos e personagens seja convencional e assim aceito pela sociedade.

A telenovela é um dos produtos da mídia de maior alcance no país. Por muitas vezes a grande questão nacional foi quem era o assassino ou se a mocinha voltaria para os braços do mocinho. Por causa das telenovelas o Brasil já dançou disco, lambada, usou roupas indianas e de caubói, assumiu comportamentos excêntricos com o aval da população, por influência do apoio a manifestações culturais que acabam servindo como produto que tem por objetivo o êxito comercial, deixando de lado o papel social que poderia exercer ao criar um hábito ou destacar algum comportamento.

Em alguns momentos esses padrões são impostos agressivamente a acabam até descaracterizando aspectos culturais importantes de uma sociedade. No caso do Brasil, recordo até de um filme chamado Muito Além do Cidadão Kane, de Simon Hartog, onde o repórter, ao questionar a uma pessoa quem era um político importante na época, não obteve resposta, mas teve êxito quando perguntou se a mesma pessoa conhecia o Pelé. Ele conhecia, da televisão. Ao mesmo tempo que isso mostra o poder do veículo também pode-se afirmar que evidencia qual o interesse do espectador em relação a assuntos tão distintos como política e futebol.

No Brasil, nos lugares onde o acesso às modernidades do século XXI não é fácil, a televisão é o meio principal de informação e formação cultural da população e da identidade dos cidadãos brasileiros. Até mesmo os objetivos das pessoas acabam sendo baseados muitas vezes em fantasias que se propõem como verdades absolutas. O alcance da fama, de objetos valiosos, tudo isso acaba sendo gerado – e com grande eficiência – pelos meios de comunicação, e no Brasil, principalmente, pela televisão.

Ao mesmo tempo existe, por outro lado, uma conscientização do poder de alcance e importância da televisão, e do papel transformador que ela pode ter na vida das pessoas. Se existe um Big Brother Brasil para quem está disposto a alienar-se a uma série de fatos da vida real e sentir-se conectado a um mundo particular, privado, que acaba aproximando para si, também há quem entenda e apoie que a televisão pode e deve ser um meio de educar as pessoas através da informação real, do levantamento de questões políticas, sociais e culturais, em programas voltados para essas áreas, ou mesmo no caso das telenovelas que, como forma de conectar-se a essa tendência,

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acabam trazendo à tona questões polêmicas e fundamentais do momento vivido pela sociedade.

Se a mídia era instrumento de veiculação de campanhas incentivando o consumo de cigarros, refrigerantes, fast-foods, e produtos culturais banais, hoje em dia ela busca, de alguma forma, deixar transparecer uma postura mais ética em relação aos fatos causados pelo consumo dos mesmos, ou pelo menos assemelhar-se a uma, por muitas vezes readequando sua imagem ao que o mercado exige.

Antigamente comercias de cigarro eram vinculados a eventos culturais e atividades esportivas, seus fabricantes eram grandes incentivadores dessas áreas, não pela ideologia que traziam, mas pela exposição que suas marcas alcançavam e a familiaridade que a vinculação de sua imagem a elas poderia trazer, com benefícios financeiros e culturais, simulando uma postura de comprometimento com esses interesses. Hoje em dia, essas mesmas empresas já não possuem tais privilégios, e existem tantos outros grupos que se beneficiam dessa ausência para consolidar uma postura contrária.

Também há o caso de empresas que acabam elas mesmas construindo imagens às avessas, numa tentativa de aproximação com outros públicos ou adequação a padrões exigidos pela sociedade, criando produtos diferenciados para públicos específicos, para vincular sua imagem a algo aceito e não deixar de alcançar seus objetivos mercadológicos, ou até mesmo recriando seus produtos para isso. Uma mesma empresa de comunicação pode ter um produto de um anunciante divulgado em um momento e no posterior esse mesmo produto é criticado em sua programação, ou é incentivado o uso de meios alternativos para não consumí-lo.

Sendo assim, hoje em dia a mídia aproveita-se e apropria-se de ideias benevolentes, saudáveis, de caráter social, para ainda colocar seus produtos de consumo dentro desse padrão que a sociedade cobra. Claro que ainda assim sabe-se que isso é apenas uma pequena parte do que seria possível, pois deveria haver não apenas uma conscientização de quem produz os programas de entretenimento e divulgação de notícias e artes e as peças publicitárias, mas de quem as consome.

A televisão é uma forma de mídia que apresenta um alcance talvez não tão eficiente – em termos de velocidade da divulgação da informação - quanto a Internet nos tempos de hoje, pois considera-se que a notícia mais rápida é mais eficiente (aí talvez outra postura criada pelas mídias – essa, no caso, pela própria internet), porém para isso é necessário deixar de lado a condição de que essa mesma notícia pode estar, por questão da ¨pressa¨ exigida pelo meio virtual, deturpada ou incompleta e que, ainda assim, a televisão, por ter por trás de si grandes grupos que acabam caracterizando a autenticidade das informações, é o grande meio de institucionalização de padrões de

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comportamento e posturas sociais do país, tendo por vezes um alcance maior que o próprio sistema educacional para definir posturas da sociedade.

A mídia pode definir se um comportamento, produto ou manifestação artística é boa ou ruim, seja através do poder que possui, por ter por trás de si poderosos grupos econômicos e interesses políticos envolvidos, para persuadir seus espectadores a adequarem-se àquelas concepções ou mesmo através da força proveniente dos costumes sociais e da exigência da população da afirmação de posturas entendidas como coerentes.

Proponho pensar no interesse social, na forma como o apoio a determinada ideia pode ser proveniente do desejo de atingir uma parte da sociedade que venha a considerar aquilo uma coisa do cotidiano, que estará inserida em suas vidas, e que definirá novos caminhos para um grupo social. A televisão como meio de divulgação de políticas, campanhas, produtos e comportamentos aponta um caminho cada vez mais voltado para o que a sociedade deseja consumir, pra dessa forma não perder sua maestria no domínio da comunicação com grandes massas.

Por fim, compreender que a influência desta sociedade, através da cobrança de demonstrações mais profundas de comprometimento com as causas anunciadas em suas programações por parte das emissoras e grupos de comunicação, pode fazer que a televisão não seja somente um instrumento a mais para a intensificação do consumo, mas para a divulgação do conhecimento, o levantamento de questões fundamentais para o destino dos grupos sociais e como espaço para propor manifestações culturais interessantes e que tragam desenvolvimento e consciência política, social e comportamental, alimentando costumes que gerem desenvolvimento e que não degenere características essências de nossa cultura e costumes.

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Referência Bibliográfica:

SILVERSTONE, Roger. A textura da experiência. In: Porque estudar a mídia? Tradução de Milton Camargo Mota. Edições Loyola.