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Março 2008 | Relatório de Inflação | 129 Entre as variáveis que compõem o grupo de indicadores econômicos acompanhado de perto pelos bancos centrais, destacam-se aquelas que tentam medir o grau de ociosidade da economia, as quais, em princípio, constituem valiosos indicadores antecedentes da inflação. No conjunto de tais indicadores, a taxa natural de desemprego ou, mais precisamente, o hiato do desemprego, que procura medir as condições em vigor no mercado de trabalho, é elemento muito importante. Note-se que, além da sua relevância intrínseca, a taxa natural de desemprego é um fator fundamental no processo de cálculo do produto potencial da economia. Apesar da sua grande importância teórica e prática, existem diculdades consideráveis para se estimar a taxa natural de desemprego. De um lado, pelo fato de a taxa natural de desemprego ser uma variável não-observável, geralmente estimada com grande imprecisão (ver Staiger et al., 1996) 1 . De outro, porque não há consenso entre os economistas quanto ao seu signicado, portanto, sobre qual a melhor estratégia de estimação. A despeito desses obstáculos, este boxe, em grande parte baseado em da Silva Filho (2008a,b), discorre sobre metodologias de estimação da taxa natural de desemprego, bem como apresenta alguns resultados para a economia brasileira. O conceito de taxa natural de desemprego foi desenvolvido concomitantemente por Friedman (1968) and Phelps (1968). 2 Apesar de a taxa de A Taxa Natural de Desemprego no Brasil 1/ Para se ter idéia do grau de incerteza associado às estimativas da taxa natural de desemprego, vale a pena mencionar os intervalos de conança obtidos por Staiger et al. (1996) para os Estados Unidos. Eles estimaram que o intervalo de conança de 95% para o Nairu, em 1994, atingia quase quatro pontos percentuais (3.9% –7.6%). Além disso, note que os intervalos encontradas na literatura (incluindo Staiger et al., 1996) são baseados apenas na incerteza sobre os parâmetros. Se a incerteza sobre o modelo for levada em consideração, o intervalo será ainda maior. 2/ Phelps (1968) a chamou de taxa de desemprego de equilíbrio de estado estacionário.

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Page 1: A Taxa Natural de Desemprego no Brasil - bcb.gov.br · Phillips (CP), que relaciona ... com outros determinantes da in fl ação, entre os quais ... O Gráfi co 1 mostra como evoluiu

Março 2008 | Relatório de Inflação | 129

Entre as variáveis que compõem o grupo de indicadores econômicos acompanhado de perto pelos bancos centrais, destacam-se aquelas que tentam medir o grau de ociosidade da economia, as quais, em princípio, constituem valiosos indicadores antecedentes da inflação. No conjunto de tais indicadores, a taxa natural de desemprego ou, mais precisamente, o hiato do desemprego, que procura medir as condições em vigor no mercado de trabalho, é elemento muito importante. Note-se que, além da sua relevância intrínseca, a taxa natural de desemprego é um fator fundamental no processo de cálculo do produto potencial da economia.

Apesar da sua grande importância teórica e prática, existem difi culdades consideráveis para se estimar a taxa natural de desemprego. De um lado, pelo fato de a taxa natural de desemprego ser uma variável não-observável, geralmente estimada com grande imprecisão (ver Staiger et al., 1996)1. De outro, porque não há consenso entre os economistas quanto ao seu signifi cado, portanto, sobre qual a melhor estratégia de estimação. A despeito desses obstáculos, este boxe, em grande parte baseado em da Silva Filho (2008a,b), discorre sobre metodologias de estimação da taxa natural de desemprego, bem como apresenta alguns resultados para a economia brasileira.

O conceito de taxa natural de desemprego foi desenvolvido concomitantemente por Friedman (1968) and Phelps (1968).2 Apesar de a taxa de

A Taxa Natural de Desemprego no Brasil

1/ Para se ter idéia do grau de incerteza associado às estimativas da taxa natural de desemprego, vale a pena mencionar os intervalos de confi ança obtidos por Staiger et al. (1996) para os Estados Unidos. Eles estimaram que o intervalo de confi ança de 95% para o Nairu, em 1994, atingia quase quatro pontos percentuais (3.9% –7.6%). Além disso, note que os intervalos encontradas na literatura (incluindo Staiger et al., 1996) são baseados apenas na incerteza sobre os parâmetros. Se a incerteza sobre o modelo for levada em consideração, o intervalo será ainda maior.

2/ Phelps (1968) a chamou de taxa de desemprego de equilíbrio de estado estacionário.

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infl ação não haver sido explicitamente mencionada na defi nição de taxa natural proposta por Friedman – que destaca os determinantes estruturais da taxa natural de desemprego –, dela se infere que, quando os salários reais (ajustados pela produtividade) estiverem mudando, o mercado de trabalho não estará em equilíbrio. De fato, a relação entre a taxa (natural) de desemprego e a taxa de infl ação foi enfatizada por Friedman ao argumentar que, no longo prazo, a Curva de Phillips é vertical, embora exista trade-off entre infl ação e desemprego no curto prazo. Dessa forma, enquanto a Curva de Phillips enfatiza o papel da rigidez salarial nominal e das expectativas de infl ação, a defi nição acima realça os determinantes estruturais – essencialmente microeconômicos – da taxa natural de desemprego. Segundo a teoria econômica, entre os fatores que afetam a taxa natural de desemprego, as variáveis demográfi cas e legais se destacam. Por exemplo, à medida que o perfi l da força de trabalho muda, é provável que a taxa natural de desemprego também mude, dado que os grupos que a compõem não são homogêneos. Em outra perspectiva, a taxa natural também pode repercutir alterações na legislação trabalhista, por exemplo, nas leis que regulam os custos de admissão e demissão, o seguro desemprego e o valor do salário mínimo.

Vários métodos têm sido utilizados para calcular a taxa natural de desemprego, os quais podem ser divididos em três grupos: os estruturais – que procuram modelar explicitamente os determinantes da demanda e oferta de trabalho; os que utilizam formas reduzidas – que modelam diretamente, em apenas uma equação (em geral uma Curva de Phillips), a relação entre infl ação e desemprego; e os univariados – que utilizam apenas a própria taxa de desemprego para determinar a sua taxa natural –, entre os quais se destacam os chamados fi ltros univariados, com destaque para o fi ltro de Hodrick-Prescott (HP).

O método multivariado mais usado para se estimar a taxa natural de desemprego é a Curva de Phillips (CP), que relaciona diretamente a infl ação com o hiato do desemprego.3 Esse arcabouço, além de representar uma alternativa bastante interessante entre

3/ Alguns economistas argumentam que esse método não estima a taxa natural de desemprego (e.g. Tobin, 1998), mas, sim, outra, conhecida pelo acrônimo de Nairu (non-accelrating infl ation rate of unemployment). Contudo, vários economistas consideram ambos conceitos sinônimos. Essa é a visão adotada aqui, portanto, ambos os termos são usados de maneira indiscriminada. Para mais detalhes sobre esse debate, ver Silva Filho (2008b).

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os métodos teóricos – como os métodos univariados – e os métodos estruturais, é bastante fl exível.

De fato, em sua especifi cação geral, uma Curva de Phillips pode ser expressa como:

, εt ~ NID (1)

onde α (L), β (L) e γ (L) são polinômios de defasagens, πt = Δ ln IPCAt é a taxa de infl ação, ut é a taxa (ajustada sazonalmente) de desemprego, é a taxa natural de desemprego (não-observável, e, possivelmente, variável no tempo) e xt é um vetor com outros determinantes da infl ação, entre os quais se destacam os choques de oferta.

Note que a equação (1) incorpora implicitamente a hipótese de que a Curva de Phillips é vertical no longo prazo e que as expectativas são descritas por um processo tipo passeio aleatório (i.e. ). Um caso particular de interesse admite que a taxa natural de desemprego permanece constante ao longo do período analisado, de modo que equação (1) pode ser reescrita como:

(2)

Na equação (2), a taxa natural pode ser estimada pelo método dos mínimos quadrados ordinários (MQO) e se iguala à razão entre a constante e a soma dos coefi cientes das defasagens da taxa de desemprego.

(3)

Como mencionado acima, uma característica atraente do arcabouço da CP é a sua fl exibilidade. De fato, ela pode ser usada, por exemplo, com o método dos componentes não-observáveis quando se quer permitir que a taxa natural varie ao longo do tempo. Nesse caso, ao invés de se fazer uma estimação não-linear em (1), pode-se expressar o modelo na forma de espaço-estado e estimá-lo por máxima verossimilhança, usando o fi ltro de Kalman. Uma vantagem desse arcabouço é que se abre a possibilidade de que a taxa natural possa variar sem, contudo, ter de especifi car os seus determinantes.

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Mesmo assim, é preciso que se especifique um modelo estatístico para a taxa natural.

Um pressuposto largamente utilizado é o de que ela se comporta de maneira compatível com um passeio aleatório (random walk), segundo o qual a melhor previsão para taxa no período t+1 é a taxa observada no período t. As equações (4) e (5) ilustram essa abordagem usando a hipótese de passeio aleatório. Note que se var(ξt) = 0, então o modelo (4)–(5) se reduz ao modelo (2)–(3).

(4)

(5)

O Gráfi co 1 mostra como evoluiu a taxa trimestral de desemprego no Brasil no período 1985.1–2007.4.4 A acentuada alta do desemprego nesse período chama a atenção, assim como sua manutenção em patamares elevados por um longo período, desde a segunda metade da década de 1990. Note-se, contudo, que a longa tendência de alta foi rompida em algum ponto entre os anos de 2006 e 2007 e, desde então, a taxa de desemprego vem mostrando tendência de queda. É essencial, portanto, ter alguma estimativa de onde se encontra a taxa natural de desemprego para o Brasil.

Por sua vez, o Gráfi co 2 fornece evidência preliminar sobre a relação entre infl ação e desemprego no Brasil, no período 1986–20065. Alguns pontos merecem atenção. Primeiro, apesar de a reta de regressão ter inclinação negativa, a inclinação não se apresenta estatisticamente signifi cativa. Segundo, esse exercício sugere que a taxa natural se encontraria por volta de 7,4%. Terceiro, a grande dispersão em torno da reta refl ete a grande incerteza por trás dessa estimativa. A propósito, ao se ignorar o ano de 1994 – ano no qual a infl ação foi fortemente reduzida por causa do Plano Real –, a estimativa deslocar-se-ia para 9,9%.

Finalmente, o Gráfi co 3 indica que, ao se dividir a amostra em dois sub-períodos, houve mudança estrutural na relação entre inflação e

4/ A série mostrada extrapola a atual PME para trás. Para mais detalhes sobre sua construção, ver Silva Filho (2008a). A série constante do gráfi co não está ajustada sazonalmente, ao passo que a considerada nas estimações foi dessazonalidada pelo fi ltro de Kalman.

5/ O eixo vertical mede mudanças da taxa anual de infl ação – medida pelo IPCA – e o eixo vertical mostra a taxa de desemprego defasada em um período.

Gráfi co 2 – Mudanças anuais do IPCA e desemprego defasado

Gráfico 1 – Taxas trimestrais de desemprego

0

2

4

6

8

10

12

14

I 1985

II III IV I 1990

II III IV I 1995

II III IV I 2000

II III IV I 2005

II III

(%)

5,9%

8,1%

10,7%

5.5 6.0 6.5 7.0 7.5 8.0 8.5 9.0 9.5 10.0 10.5 11.0 11.5 12.0 12.5

−200

−150

−100

−50

0

50

100

1986

19871988

1989

1990

1991

1992 1993

1994

1995

1996 199719981999

2000200120022003 200420052006

1986 − 2006Δπt

Ut−1

Δπt = 25.3 − 3.5*Ut−1 (0.4) (−0.5)

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desemprego após o Plano Real. No primeiro período (1986-1995), a reta de regressão não apenas manteve a inclinação negativa, mas a inclinação se mostrou estatisticamente mais signifi cativa. Por outro lado, no segundo período (1996-2006), a inclinação passou a ser positiva. A mudança sugere que no último período houve incidência de importantes choques de oferta na economia brasileira. Com base nessa evidência – e construindo várias proxies para choques de oferta –, Silva Filho (2008) estimou a taxa natural para a economia brasileira – apenas para o segundo período – usando o arcabouço da Curva de Phillips. As estimativas pontuais para a taxa natural variam de 7,5% a 8,5%, valores bem abaixo do desemprego médio do período e de estimativas usando o fi ltro HP.6

Referências

SILVA FILHO, Tito Nícias Teixeira da (2008a). Searching for the Natural Rate of Unemployment in a Large Relative Price Shocks’ Economy: the Brazilian Case. Banco Central do Brasil, Trabalhos para Discussão (a ser publicado).

SILVA FILHO, Tito Nícias Teixeira da (2008b). The Natural Rate of Unemployment in Brazil, Chile, Colombia and Venezuela: Some Results and Challenges. CEMLA (a ser publicado).

FRIEDMAN, Milton (1968). The Role of Monetary Policy. The American Economic Review, vol. 58, no 1.

PHELPS, Edmund S. (1968). Money-Wage Dynamics and Labor-Market Equilibrium. The Journal of Political Economy, vol. 76, nº. 4, part 2.

STAIGER; DOUGLAS, J. H. Stock; WATSON M. W. (1996). How Precise are Estimates of the Natural Rate of Unemployment. NBER Working Paper, nº 5477.

TOBIN, James (1998). Supply Constraints on Employment and Output: NAIRU versus Natural Rate. Cowles Foundation Paper 1150.

6/ Note que, mesmo usando o fi ltro de Kalman – modelo (4)-(5) acima –, a evidência foi favorável ao NAIRU constante durante o período considerado.

Gráfi co 3 – Mudanças na relação entre variações do IPCA e desemprego defasado

8.50 8.75 9.00 9.25 9.50 9.75 10.00 10.25 10.50 10.75 11.00 11.25 11.50 11.75 12.00 12.25

−10.0

−7.5

−5.0

−2.5

0.0

2.5

5.0

1996

19971998

1999

2000

2001

2002

2003

200420052006

Δπt = −24.2 + 2.15*Ut−1 (−2,0) (1.80)

Δπt

Ut−1

1996 − 2006

5.75 6.00 6.25 6.50 6.75 7.00 7.25 7.50 7.75 8.00 8.25 8.50

−200

−150

−100

−50

0

50

100

1986

19871988

1989

1990

1991

1992 1993

1994

1995

Δπt

Ut−1

1986 − 1995

Δπt = 303.2 − 44.3*Ut−1 (1.5) (−1.5)