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X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação SEPesq – 20 a 24 de outubro de 2014

A SUBJETIVIDADE NA COMPLEXIDADE: (AUTO) PRODUZINDO-SE ENTRE O EU E O NÓS

JOTZ, Claudia B. Doutora em Psicologia (PUCRS 2012), Mestre em Administração de Empresas (UFRGS,1997), Psicóloga (UFRGS, 1991) Professora na UniRitter [email protected] SEMINOTTI, Nedio Pós Doutorado (Espanha, 2011), Doutorado (Madrid, 2000), Psicologia (PUCRS, 1974) [email protected]

Resumo: Neste artigo abordamos o desenvolvimento da noção de sujeito

e subjetividade a partir da Modernidade, procurando destacar os movimentos históricos e sociais que tiveram influência nas mudanças destes conceitos, bem como apresentamos uma revisão sistemática que assinala o estado da questão na academia e o utilizamos como contraponto de nossa proposta de entendimento, a partir do paradigma sistêmico complexo. Este trabalho se propõe a uma investigação teórica acerca do conceito de sujeito, utilizando como método a revisão sistemática. Neste sentido, começamos, trabalhando a noção de sujeito cartesiano e revisando os movimentos que descentraram este entendimento. Expomos o conceito de sujeito pós-moderno, o qual aparece, na revisão sistemática, como o mais utilizado, para falar de produção de subjetividade, e propomos a sua compreensão como uma reação ao sujeito da Modernidade pelo seu caráter antitético. Através dos pensadores da linha sistêmica complexa, procuramos responder: Quem é o sujeito contemporâneo? Como ele se produz, dialogando dialogicamente com os demais saberes? Concluímos através da tessitura de linhas de atravessamento entre as diferentes visões encontradas na literatura científica, possibilitando novas formas de abordagem do tema.

1 Introdução

Quem fala em cada um de nós? Como podemos nos dizer a mesma

pessoa de vinte anos atrás, considerando que cada corpo mudou muito, que as

células mudaram quase todas, que nossas ideias já não são as mesmas? A

questão que abre este artigo não é nova, ao contrário, ela se impõe ao homem

desde há muito tempo, como iremos demonstrar, percorrendo diferentes

noções de sujeito, presentes na nossa história e cultura. O que propomos é

abrir uma escuta e elaborar diferentes pensamentos entre a teoria sistêmica

complexa, a partir de Edgar Morin e outros pensadores que refletem sobre o

tema da subjetividade na Pós- modernidade.

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A preocupação com o que é subjetividade e como esta tem sido

produzida em nossa sociedade tem sido alvo de estudos, com variados

enfoques teóricos. Fizemos uma revisão sistemática das publicações,

realizadas entre janeiro de 2002 e setembro de 2008, utilizando as palavras

subjectivity e psychology, e obtivemos 76 artigos através dos sites Psycoinfo e

Lilacs e 133 artigos, através do site Pubmed, e, destes artigos, selecionamos

apenas 13 que falavam sobre subjetividade e grupo, subjetividade e sociedade,

e subjetividade e trabalho. Excluímos todos os textos que discorriam sobre a

subjetividade na relação terapêutica, por não ser este o ponto central de nossa

pesquisa. Como resultado, obtivemos seis artigos que se apoiavam em

Foucault ou Guattari, ou ainda, em ambos, para fundamentar o conceito de

subjetividade (VERONESE, 2006; LEITE & DIMENSTEIN, 2006; FONSECA,

2003; NARDI et al., 2005; BARROS, 2002; MACDONALD, 2004). Os outros

textos traziam autores variados, embora três estudos focassem autores da

linha psicanalítica, Lacan e Dejours. Estes resultados confirmam a escolha dos

autores Foucault e Guattari, que trabalham o conceito de subjetividade dentro

da perspectiva pós-moderna, como importantes interlocutores para a discussão

da subjetividade na complexidade. Embora a psicanálise apareça também,

através das citações de Lacan e Dejours, ela não é tomada como um ponto de

interlocução, mas será referida algumas vezes neste artigo.

A psicanálise tem algumas respostas para a pergunta feita no início do

texto, ela também, ao conceber o sujeito, produz uma ciência que, conforme o

próprio Freud (1926/1976), viria a ser reconhecida mais pelo seu caráter de

ciência do inconsciente do que por sua terapêutica. A psicanálise introduz a

complexidade na concepção de sujeito, ao defini-lo como formado por três

instâncias: Id, Ego e Superego. Cada instância traz um âmbito distinto para o

entendimento do sujeito, de forma complexa: biológica, individual e social.

Entretanto, devido ao seu pioneirismo, a complexidade de sua proposta não foi

assimilada por todos, sendo que muitas das psicanálises dos seguidores

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freudianos acabaram por simplificar a sua concepção de sujeito (MORIN,

2008a). Para Morin, Lacan conseguiu transitar entre os três tipos de

interpretações da psicanálise feitas pelos seguidores de Freud. Estes três tipos

foram dentro dos paradigmas da “[...] „Scienza Nuova’ (que concebe a

complexidade da psique e integra o sujeito) e „Scienza Vecchia‟ (reducionismo

biológico, depois estruturalista) e Nova Mitologia (elaboração de mitos

explicativos do inconsciente) [...]” (MORIN, 2008a, p. 142-143).

Com essas palavras introdutórias, queremos situar o diálogo que iremos

propor e abrir a complexidade que existe na noção de sujeito, que joga com o

tangível e o intangível. Ponderamos, além disso, por um lado, acerca do quanto

a apreensão da realidade é influenciada pelo sujeito que a descreve, que

organiza as suas percepções, muitas vezes, preenchendo lacunas perceptivas

com memórias e ideias preexistentes, e, por outro, de que esta realidade pode

ser modificada pela simples presença de um observador. O sujeito, fazendo

parte desse cenário, está em uma posição de troca constante com o meio, e,

nesta interação, ambos se modificam. Salienta-se que Maturana (1997)

escreve o termo “objetividade” sem parênteses ou entre parênteses1. Quando

estamos no primeiro registro, supomos que existe uma realidade independente

do observador, e que esta pode ser apreendida como única realidade que

compõe o universo. Já no registro da objetividade entre parênteses,

percebemos que somos seres que, na experiência, não conseguimos distinguir

entre a ilusão e a percepção e que, muitas vezes, a nossa explicação da

realidade produz realidades. Assim, a objetividade entre parênteses conduz à

noção de que a existência de algo se produz na distinção, diferenciação

1 A palavra “objetividade” entre parênteses aparece em Vasconcellos (2002), na retrospectiva do

pensamento sistêmico, associada ao princípio da incerteza de Heisenberg, ou seja, que, mesmo nas

ciências duras, como a física, a mensuração de valores para posição e velocidade de um elétron é

alterada pela observação, isto é, quando se lança luz sobre um elétron, altera-se a sua velocidade ou

posição. Contudo, a expressão “pôr o mundo” entre parênteses já aparece na fenomenologia

transcendental de Husserl, como uma atitude de abster-se de fazer uso das evidências e certezas que ele

oferece, sem deixar de viver no mundo nem negar a sua realidade (KELKEL & SCHÉRER, 1954).

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operada pelo sujeito, de tal forma, admitindo a existência de muitas realidades,

de uma realidade multiversa.

A noção de sujeito se coloca dentro destas premissas de verdades e, a

partir deste paradigma, perguntamos: Quem é esse sujeito? Como ele se

produz? Nessa perspectiva, pretendemos desenvolver a noção de sujeito e a

autoprodução, a partir do pensamento sistêmico complexo. Falamos em

autoprodução e não, de subjetividade, para marcar uma diferença da noção de

produção de subjetividade de Guattari (1986) que traz este conceito, por

preferi-lo em lugar dos conceitos de indivíduo e sujeito. No entanto, como

trabalhamos com a ideia de que a subjetividade é inerente ao indivíduo-sujeito,

também usaremos esta expressão, mas falaremos a partir de outro lugar, de

uma teoria que entende a subjetividade também como uma emergência, como

em Guattari (1986), porém que, além disto, pressupõe a existência de um

sujeito, como em Morin (2006). Esse sujeito não está descontextualizado, pelo

contrário, ele faz parte de uma sociedade e participa de grupos no local de

trabalho, no lazer, na vizinhança, na família, etc. Nas organizações sociais e,

especialmente em uma microssociedade, como o pequeno grupo, é a

coletividade que exprime a intersubjetividade, o encontro de diferentes lógicas,

individuais, coletiva e do contexto, bem como da recursão destas mesmas

lógicas sobre os seus agentes. Sendo assim, a intersubjetividade que emerge

no pequeno grupo pode ser eliciadora, estimuladora da autoprodução, dotando

este espaço da qualidade de produtor de mudanças individuais.

Em prosseguimento a essa discussão, apresentamos a noção de sujeito

dentro da evolução do pensamento moderno, através da análise e

compreensão crítica do modelo proposto por Hall (2003), dividindo em duas

proposições de sujeito, associadas a diferentes tipos de identidades: sujeito do

Iluminismo e sujeito da Pós-modernidade. Posteriormente, discutiremos a

subjetividade, associada à noção de sujeito de Morin (2006), no pensamento

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sistêmico complexo, procurando distinguir e ligar as diferentes posições

teóricas.

2 O sujeito do iluminismo

O sujeito do Iluminismo é fundamentado em Descartes, cujos escritos

datam da primeira metade do século XVII, sendo o sujeito racional por

excelência. Em “Meditações Metafísicas”, Descartes (1641/2005) põe em ação

o seu método de conhecimento, que é duvidar. A única coisa da qual não pode

duvidar é que o ser que duvida, logo pensa, existe. Este ser, que tem

consciência de si, existe, embora ainda não possa afirmar a existência de mais

nada. Assim, o sujeito cartesiano é imaterial, existe antes mesmo da prova de

qualquer corpo ou materialidade. É somente, na “Sexta Meditação”, que vai

surgir a certeza das coisas corpóreas, quando a noção de sujeito será ligada a

um corpo. Todavia, este corpo é visto como máquina, quase como a máquina

animal, apenas se diferenciando desta última, porque está ligado a uma alma

humana. Esta noção de sujeito, sustentada na produção de Descartes, institui a

separação entre mente e matéria e a ideia de conhecer através da

simplificação aos elementos mais simples e irredutíveis.

Este sujeito do Iluminismo, no entanto, tem sido duramente criticado

desde o século XX, principalmente, porque, em seu paradigma, predomina a

racionalidade, certeza esta que foi profundamente abalada pelos escritos

freudianos. Freud, ao afirmar a existência do inconsciente e a sua interferência

nas atividades diárias do sujeito, como na obra “Psicopatologia da vida

cotidiana” (1901/1976), acaba por fazer ruir a ideia de centralidade da razão,

cunhada por Descartes (1637/1986). Contudo, precisamos creditar a Descartes

a sua importância histórica, devido ao rompimento com o teocentrismo, o que

contribuiu para o desenvolvimento do conhecimento científico humano. Ao

postular a autonomia de um “Eu” que pensa e existe como unidade, Descartes

ajuda a romper com o pensamento medieval, que ainda coexistia com o novo

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mundo da Modernidade. No entanto, ao mesmo tempo em que esta visão abriu

novas possibilidades, ela também propiciou algumas simplificações excessivas

do conhecimento e da visão de mundo humana.

3. O sujeito pós-moderno

Segundo Hall (2003), no sujeito pós-moderno a formação de uma

identidade é fortemente associada com o exterior, com o meio no qual o sujeito

está inserido. Com a aceleração das mudanças e com as profundas

modificações da rotina, trazidas pela tecnologia e a sua disseminação,

percebidas principalmente no processo conhecido como globalização, houve

uma intensa transformação no processo de identificação. Assim, o sujeito pós-

moderno é concebido como constituído por uma multiplicidade de identidades,

muitas vezes antagônicas, podendo predominar uma ou outra, conforme o

contexto. Hall (2003) afirma que, com as constantes mudanças e criações de

novos cenários, bem como de estruturas sociais, muitas possibilidades de

identificação são oferecidas ao sujeito. Muitas destas tornam-se identidades

possíveis e passíveis de serem assumidas pelo sujeito, ao menos

temporariamente. Para o autor, o sujeito da Modernidade tardia não possui

uma centralidade unificadora de suas identidades, antes sofre de uma crise de

impermanência, refletindo uma realidade cultural com múltiplas possibilidades

de identificações. O sujeito é definido culturalmente e não biologicamente, o

que, a nosso ver, fragiliza esta definição, já que radicaliza a posição cultural,

rompendo com as raízes biológicas deste conceito.

O que acontece se compararmos as noções de sujeito do Iluminismo e

da Pós-modernidade? Encontramos um antagonismo quase completo: de um

lado, um interior praticamente fechado, essencialista em Descartes; e, de outro

lado, um predomínio da exterioridade, a tal ponto que a subjetividade é descrita

como uma multiplicidade de identificações (HALL, 2003). Parece uma

formulação reativa, que reage a uma supervalorização da racionalidade com a

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expulsão da centralidade do eu. Assemelha-se a um movimento dialético, no

qual a tese gera a sua própria antítese, por exemplo, tomando a subjetividade

cartesiana como a tese e a multiplicidade de identificações, como a antítese.

Mas não iremos propor uma síntese, que seria o terceiro momento da dialética

e, sim, tecer transversalidades, trabalhar com a dialógica, em que lógicas

discordantes, ao mesmo tempo, complementam-se.

4 A noção de sujeito sistêmico complexo

Morin (2006) discute a noção de sujeito, a partir de dois paradigmas

antagônicos: um reflexivo, compreensivo, no qual o sujeito aparece na reflexão

sobre si mesmo através de um conhecimento intersubjetivo e outro, no qual o

sujeito desaparece, para que aí faça emergir um conhecimento determinista,

objetivista e reducionista sobre homem e sociedade. O autor enfatiza a

importância de apoiar o conceito de sujeito em um conceito de indivíduo. No

primeiro paradigma, o indivíduo é definido a partir de sua existência individual,

por meio de suas particularidades, no segundo, o indivíduo é visto como

compondo uma espécie, e olhamos, portanto, para o grupo, para as suas

características gerais, populacionais. Poderíamos dizer que estas duas

acepções estão contempladas na ideia de um sujeito que se pensa e se

concebe com certa autonomia, aproximando-se de Descartes e de um sujeito

que se mistura e é produzido socialmente, aproximando-se dos pós-

modernistas. Todavia, a autonomia de Morin (2006) é sempre relativa ao seu

meio, seja ele biológico, social ou cultural. Desta forma, temos uma

aproximação maior aos pós-modernistas, pois Morin (2006) traz os princípios

de autonomia e de auto-organização interligados: para ser autônomo, se faz

necessário o meio ambiente, tanto biológico, quanto cultural e social. Isto faz

com que a autonomia seja sempre relativa ao meio, pois existe uma troca

intensa, com o entorno no qual o ser está inserido, sem o qual este não

sobrevive. Essa troca intensa de energia e informação com o meio constitui os

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recursos para a auto-organização, por isto podemos afirmar que ela será

sempre uma auto-eco-organização.

A noção de sujeito é sustentada na noção de indivíduo, que comporta

um caráter bio-lógico: em que bio representa o seu enraizamento na vida

biológica do ser e lógico, a obrigatoriedade do cômputo para todo indivíduo-

sujeito. Segundo o autor, é fundamental retomar uma noção de sujeito que seja

biológica, rejeitando as noções humanista, metafísica e antimetafísica (MORIN,

2005). A noção humanista é rejeitada pelo autor, porque se atém à consciência

de si, colocando a consciência como o fator fundante da qualidade de sujeito e,

ao mesmo tempo, esta é tomada como uma característica exclusiva do homo

sapiens. O fator que define a condição geral de sujeito é o cômputo, entretanto

este sujeito poderá constituir uma subjetividade viva, como a da bactéria

Escherichia coli ou uma subjetividade consciente, como a humana. A noção

metafísica é refutada, por separar corpo e mente, visto que considera o sujeito

transcendente ao próprio corpo, pertencente a outro plano, metafísico e

transcendental, bem representada nas ideias de Descartes. Para Morin (2005),

a fórmula de Descartes deveria ser: computo, logo existo. Isto porque o sujeito

existe a partir do cômputo que é físico, biológico e cognitivo. É importante

assinalar ainda que a bactéria computa, reage ao meio, logo já é um sujeito,

embora seja uma subjetividade viva, sem consciência de si. Por fim, ele rejeita

o sujeito antimetafísico, porque o reduz a praticamente inexistir, eis que este

desaparece frente aos indivíduos de terceiro tipo2, as sociedades. Afinal, as

partes são a verdade do todo, tanto como o todo é a verdade das partes, e é

preciso que a sociedade seja sempre aberta, incompleta, para que seja

possível contemplar a complexidade.

2 Morin (2005b) propõe três tipos de indivíduos: os de primeiro tipo, que são os seres unicelulares, os de

segundo tipo, que são os seres policelulares e os de terceiro tipo, que são as sociedades. “O fenômeno

social emerge quando as interações entre indivíduos de segundo tipo produzem um todo não-redutível

aos indivíduos e que retroage sobre ele, isto é, quando se constitui um sistema” (MORIN, 2005b, p.

264).

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Para se chegar à noção de sujeito, é preciso considerar que a dimensão

biológica, genética, necessita de uma dimensão cognitiva, a qual Morin (2006)

vai chamar de “computacional”. É o cômputo que cada um faz para si mesmo,

de si mesmo e por si mesmo. É lidar com signos, estímulos, dados e

mensagens, tanto para o mundo externo, como para o mundo interno. O

indivíduo só é produzido socialmente, porque possui cômputo, para captar os

estímulos sociais e culturais, constituindo, portanto, um sujeito ou uma

subjetividade. O cômputo inaugura a noção de sujeito, que é esta capacidade

de apreender e guardar informações. Então, no momento em que temos uma

realidade social e cultural, ela produz indivíduos-sujeitos, e o que produz

indivíduos é o ciclo reprodutivo biológico. Por outro lado, como a bactéria mais

simples, a Escherichia coli já possui um cômputo e também constitui uma

subjetividade, a qual Morin (2005) irá chamar de “subjetividade viva”,

diferenciando-a da “subjetividade consciente humana”.

A linguagem está presente em todo sujeito humano e hoje é impossível

separar o cômputo humano da linguagem. Com a descoberta do código

genético, também se encontrou uma linguagem na base biológica deste sujeito

(MORIN, 2008b). Contudo, não nos posicionamos com os teóricos que

acreditam ser a linguagem a estrutura por trás de toda subjetividade humana,

como Lacan propõe. Para o autor, “[...] o inconsciente é estruturado como uma

linguagem [...]” (LACAN, 1979, p. 25). Nessa concepção de sujeito complexo, o

percebemos como atravessado e constituído pela linguagem, ao mesmo tempo

em que a constitui.

Morin (2006) problematiza a produção de fala subjetiva. Se, quando o

“Eu” fala, não é apenas uma ilusão de autonomia, por que o enunciado pelo

sujeito reproduz a sociedade, constituindo-se em um discurso coletivo? Neste

ponto em que Morin (2006) pergunta quem fala pelo sujeito, ele se aproxima

aos que defendem uma concepção de sujeito pós-moderna, que produz mais

enunciações coletivas do que enunciações singularizadas. Entretanto,

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devemos guardar as devidas diferenças, já explicitadas neste ensaio, pois os

pós-modernistas trabalham com uma noção de múltiplas identidades, e Morin,

com a noção de sujeito bio-lógico. Mas temos um ponto de convergência, em

que ambas as linhas de pensamento concebem, na realidade social, a

presença de um processo maquínico que produz subjetividades. Guattari

(1992) denuncia o processo de produção de subjetividade capitalística que se

impõe como uma grande máquina social. Já Morin (2008b) traz a linguagem

como uma polimáquina, que atua tanto em nível da infraestrutura social,

coorganizando o indivíduo-sujeito que compõe a sociedade, como em nível da

superestrutura social, coorganizando mitos, ideias, paradigmas, modelos de

pensar característicos de cada cultura.

5 Considerações finais

Com a afirmação cartesiana – “penso, logo existo” –, é operada uma

ruptura do conceito de indivíduo, antes indiferenciado em uma coletividade, que

passa a ser pressuposto como autônomo e senhor de suas decisões. As

pessoas são chamadas a responder, de forma racional e responsável, por suas

ações e decisões, percebendo-se separadas tanto da coletividade como da

natureza. Esta noção de sujeito começa a ser superada na segunda metade do

século XX, segundo Hall (2003), o qual apoia a nova concepção de sujeito pós-

moderno. Entretanto, o que questionamos é que este sujeito pós-moderno

constitui-se praticamente em um contraponto do anterior, visto que a sua

subjetividade é produzida de fora, não é identificada com uma interioridade, e a

sua autonomia é praticamente nula frente ao processo social. Questionamos se

o profundo antagonismo ao conceito cartesiano não estaria afetado por uma

reatividade a este, tanto quanto o sujeito do iluminismo reagiu ao feudalismo,

no qual o indivíduo não aparecia indiferenciado na coletividade à qual

pertencia. Isto nos leva a pensar na noção de sujeito, proposta por Morin

(2006), que possibilita contemplar efeitos subjetivos, considerados pelos

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autores pós-modernos, bem como a interioridade, que não é a mesma, porém

guarda a história do sujeito do iluminismo.

A noção de sujeito proposta por Morin (2006) procura contemplar a

complexidade sistêmica, bem como a autonomia, a racionalidade e a

instabilidade da contemporaneidade. O que torna esta visão complexa é

entender o sujeito como aquele que dá “[...] unidade e invariância a uma

pluralidade de personagens, de caracteres, de potencialidades” (MORIN, 2006,

p. 128). Podemos agregar a ideia de que o sujeito também dá uma invariância

a uma pluralidade de identidades, aproximando e diferenciando Morin dos pós-

modernistas. É compreender o sujeito dentro de uma perspectiva da inclusão,

daquele que permanece o mesmo, se modificando. Dependendo dos

caminhos, das interações e das redes dais quais fizer parte, ele se constituirá

de formas distintas em um sujeito diferente.

REFERÊNCIAS BARROS, M. E. B. de. (2002). Modos de gestão-produção de subjetividade na sociedade contemporânea. Rev. Dep. Psicol. UFF, v. 14, n. 2, p. 59-74. DESCARTES, R. (1986). Discurso do método – Paixões da alma. (16 ed.) Lisboa: Sá da Costa. (obra original publicada em 1637). DESCARTES, R. (2005). Meditações metafísicas. (2ª. ed.) São Paulo: Martins Fontes.(obra original publicada em 1641). FONSECA, T. M. G. (2003). Trabalho, gestão e subjetividade. Arq. Bras. Psicol. [online], v. 55, n. 1, p. 02-11. _______. (1976). Psicopatologia da Vida Cotidiana. (vol. VI). (coleção Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud). Rio de Janeiro: Imago. (obra original publicada em 1901). _______. (1976). Psicanálise. (vol. XX). (coleção Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud). Rio de Janeiro: Imago. (obra original publicada em 1926). GUATTARI, F. (1986). Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes.

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