a seletividade do sistema penal brasileiro - penal - Âmbito jurídico

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Penal A seletividade do sistema penal brasileiro Bruna Peluffo Maglioni Resumo: O presente artigo trata como problemática de investigação, a seletividade do Sistema Penal brasileiro, para tanto buscou‐se juntar considerações importantes sobre esse sistema, bem como sobre seu discurso (des)legitimador e sobre as principais teorias que criticam o modus operandi da máquina coercitiva. Pretende‐se, assim, ressaltar os pontos onde pode‐se verificar claramente o fracasso do sistema penal. São eles: a sua estrutura, o seu discurso, as suas funções e o tratamento.[1] Palavras‐chave: Sistema Penal Brasileiro. Seletividade. Prevenção. Etiquetamento. 1. Sistema Penal: Conceito e Estrutura Trata‐se de um controle social punitivo institucionalizado que atua desde a ocorrência (ou suspeita de ocorrência) de um delito até a execução da pena. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011, p. 69) Basicamente o Sistema Penal divide‐se em três segmentos: policial, judicial e executivo. Segundo Nilo Batista (2007, p. 25), o Sistema Penal compõe‐se pela instituição policial, instituição judiciária e instituição penitenciária, esse grupo de instituições seria o responsável pela materialização do Direito Penal, ainda, seguindo o raciocínio do autor, essas instituições se revelam em três nítidos estágios: a polícia como responsável pela investigação dos crimes, o Promotor representando a Justiça Pública, o Juiz no papel de “aplicador da lei”, e no último estágio, se condenado o réu a uma medida privativa de liberdade, a instituição penitenciária. Em que pese normalmente esses grupos dividirem‐se por etapas, não obedecem necessariamente uma ordem cronológica, nem são totalmente independentes entre si, eis que podem atuar e/ou interferir em diversos momentos uns nos outros. Assim, conforme explicam Zaffaroni e Pierangeli “o judicial pode controlar a execução, o executivo ter a seu cargo a custódia do preso durante o processo, o policial ocupar‐se das transferências de presos condenados” (2011, p. 70‐71). Zaffaroni e Pierangeli irão incluir também, como componentes desse sistema, os legisladores e o público. Os legisladores atuando na configuração do sistema e o público com a faculdade de colocá‐lo em funcionamento através da delação (2011, p. 71). Ainda quanto à divisão do Sistema Penal, a partir dessa visão mais ampla, alguns autores irão falar em Sistema Penal Informal e Sistema Penal Formal. O primeiro tem como agentes a família, a escola, a opinião pública, entre outras, já o segundo seria a divisão básica mencionada no início do capítulo (policial, judicial e executivo). Molina (2002, p. 134) trata dessa divisão: “Os agentes de controle social informal tratam de condicionar o indivíduo, de discipliná‐lo através de um largo e sutil processo [...] Quando as instancias informais do controle social fracassam, entram em funcionamento as instâncias formais, que atuam de modo coercitivo e impõem sanções qualitativamente distintas das sanções sociais: são sanções estigmatizantes que atribuem ao infrator um singular status (de desviados, perigoso ou delinqüente)” Em resumo, o Sistema Penal é composto pelas instâncias informais e formais, as informais são a família, a escola, a opinião pública, entre outras e as formais são os legisladores, os policiais, o Poder Judiciário, o Ministério Público, e as instituições penitenciárias. 2. Discurso e Operacionalidade Analisando o Sistema Penal brasileiro, conforme apresentam os autores, pode‐se, num primeiro momento, ter‐se a idéia de um sistema de controle social justo e eficaz. Assim vejamos: um indivíduo comete um ilícito, é investigado, a investigação é formalizada iniciando‐se pelo inquérito policial, revestida de provas e depoimentos de testemunhas, o inquérito é encaminhado à Promotoria de Justiça, a denúncia é ofertada ao Juiz, o processo é instaurado, resguardados todos os direitos ao acusado, inclusive a ampla defesa e o contraditório, o réu é julgado e condenado, da sentença é possível recurso e quando fixada a pena, se privativa de liberdade, o réu será encaminhado a uma instituição penitenciária, e enquanto sob a tutela estatal todos os seus direitos serão garantidos, de lá o indivíduo regressa à sociedade, devidamente ressocializado e pronto para ter uma vida digna como qualquer outro cidadão, concluindo‐se, dessa forma, um ciclo sistemático. Ocorre que, em apenas uma análise superficial, logo nota‐se que a realidade do Sistema Penal brasileiro não se encaixa aos moldes desse discurso. Como bem diz Zaffaroni “achamo‐nos, em verdade, frente a um discurso que se desarma ao mais leve toque com a realidade” (2001, p. 12). Nilo Batista, também vai falar da falsa operacionalidade do sistema penal, referindo a seletividade, a repressividade e a estigmatização como características nucleares do Sistema Penal: “[...] Assim, o sistema penal é apresentado como igualitário, atingindo igualmente as pessoas em função de suas condutas [...] O Sistema penal é também apresentado como justo, na medida em que buscaria prevenir o delito, restringindo sua intervenção aos limites da necessidade [...] quando de fato seu desempenho é repressivo, seja pela frustração de suas linhas preventivas, seja pela incapacidade de regular a intensidade das respostas penais, legais ou ilegais. Por fim, o sistema penal se apresenta comprometido com a proteção da dignidade humana [...] quando na verdade é estigmatizante, promovendo uma degradação na figura social de sua clientela. [...]” (2007, p. 25‐26)” O discurso jurídico que pretende a legitimação do Sistema Penal apóia‐se na retribuição e ressocialização, como bem observam Zaffaroni e Pierangeli “por um lado buscaria a ‘ressocialização’ do apenado e, por outro, advertiria aos demais sobre a inconveniência de imitar o delinquente” (2011, p. 72). Entretanto, devido à separação de funções entre os grupos que compõem a estrutura do Sistema Penal revela‐se praticamente impossível que esse sistema funcione em sintonia. “[...] a polícia atua ignorando o discurso judicial e a atividade que o justifica; a instrução, quando é judicial, ignora o discurso e a atividade sentenciadora; a segunda instância ignora as considerações da primeira que não coincidem com seu próprio discurso de maior isolamento; o discurso penitenciário ignora todo o resto. Cada um dos segmentos parece pretender apropriar‐se de uma parte maior do sistema, menos o judicial, que vê retalhadas suas funções sem maior alarme” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011, p. 72) Além disso, Zaffaroni e Pierangeli aduzem que a função social desempenhada pelo Sistema Penal é substancialmente simbólica, ou seja, que “a sustentação da estrutura do poder social por meio da via punitiva é fundamentalmente simbólica” (2011, p. 76). Sendo assim, não é difícil inferir que o Sistema Penal de forma alguma alcançará com êxito suas principais funções oficiais quais sejam a prevenção e o tratamento do crime. 3. Prevenção Uma das principais teorias legitimadoras do Sistema Penal é a prevenção do crime, em caráter geral ou especial. A prevenção geral corresponde a uma ameaça abstrata de castigo, prevista na tipificação do crime. Nessa corrente a cominação da pena atua como uma forma de intimidar o cidadão que almeja cometer um crime. Para Feuerbach, (apud BITTENCOURT, 2011, p.107) “a pena é, efetivamente, uma ameaça da lei aos cidadãos para que se abstenham de cometer delito; é, pois, uma ‘coação psicológica’ com a qual se pretende evitar o fenômeno delitivo [...]”. “Esta forma de prevenir, através da intimidação abstrata do castigo nas normas penais que tipificam os fatos delitivos, se chama prevenção geral. O antigo princípio conforme o qual uma pessoa racional castiga o fato injusto cometido para evitar fatos similares no futuro compreende também, portanto, uma teoria preventivo‐geral da pena. O delito futuro não só se pode esperar de quem já o tenha cometido alguma vez e que deve, por isso, ser ressocializado ou inoicuzado para evitar que volte a cometê‐lo, mas também dos demais, sobre os quais deve incidir, para evitar que cheguem a cometê‐lo [...] (CONDE; HASSEMER, 2008, p. 234‐235).” A prevenção especial alcança apenas o delinquente no caso concreto, visando, em suma, evitar a reincidência: “A teoria da prevenção especial individual aduz, em sua vertente positiva, que a finalidade última das sanções penais, bem em sua forma de penas propriamente ditas, bem nas medidas de segurança e reabilitação, deve ser a reinserção social ou a ressocialização do delinqüente, evitando dessa forma que, uma vez cumprida sua pena, volte a delinqüir. Há também uma versão puramente negativa dessa teoria, segundo a qual a pena deve pretender a inocuização (incapacitação) do delinqüente [...] (CONDE; HASSEMER, 2008, p. 179).” Ocorre que há muito tempo essas teorias vêm sofrendo críticas acerca de sua legitimidade: “A norma penal, embora pretenda dissuadir comportamentos delituosos (função de prevenção geral ou especial), não se presta, em verdade, a esse fim, pois ninguém se abstém de praticar crimes em atenção à possibilidade de sofrer a incidência do aparato repressivo, vale dizer, a norma penal não intervém no processo motivacional de formação da vontade de delinqüir, já que, quando alguém se abstém de praticar crime, assim o faz por motivo de outra ordem (moral, religioso, cultural etc.) que não o sistema penal. Já a prevenção especial é um mito, uma vez que a prisão – a mais característica sanção dos sistemas penais contemporâneos – não ressocializa nem redime Você está aqui: Página Inicial Revista Revista Âmbito Jurídico Penal

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Seletividade do Sistema Penal

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  • 01/06/2015 AseletividadedosistemapenalbrasileiroPenalmbitoJurdico

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    Penal

    A seletividade do sistema penal brasileiroBruna Peluffo Maglioni

    Resumo: O presente artigo trata como problemtica de investigao, a seletividade do Sistema Penal brasileiro, para tanto buscouse juntar consideraes importantessobre esse sistema, bem como sobre seu discurso (des)legitimador e sobre as principais teorias que criticam o modus operandi da mquina coercitiva. Pretendese, assim,ressaltar os pontos onde podese verificar claramente o fracasso do sistema penal. So eles: a sua estrutura, o seu discurso, as suas funes e o tratamento.[1]

    Palavraschave: Sistema Penal Brasileiro. Seletividade. Preveno. Etiquetamento.

    1. Sistema Penal: Conceito e Estrutura

    Tratase de um controle social punitivo institucionalizado que atua desde a ocorrncia (ou suspeita de ocorrncia) de um delito at a execuo da pena. (ZAFFARONI;PIERANGELI, 2011, p. 69)

    Basicamente o Sistema Penal dividese em trs segmentos: policial, judicial e executivo. Segundo Nilo Batista (2007, p. 25), o Sistema Penal compese pela instituiopolicial, instituio judiciria e instituio penitenciria, esse grupo de instituies seria o responsvel pela materializao do Direito Penal, ainda, seguindo o raciocniodo autor, essas instituies se revelam em trs ntidos estgios: a polcia como responsvel pela investigao dos crimes, o Promotor representando a Justia Pblica, oJuiz no papel de aplicador da lei, e no ltimo estgio, se condenado o ru a uma medida privativa de liberdade, a instituio penitenciria.

    Em que pese normalmente esses grupos dividiremse por etapas, no obedecem necessariamente uma ordem cronolgica, nem so totalmente independentes entre si,eis que podem atuar e/ou interferir em diversos momentos uns nos outros. Assim, conforme explicam Zaffaroni e Pierangeli o judicial pode controlar a execuo, oexecutivo ter a seu cargo a custdia do preso durante o processo, o policial ocuparse das transferncias de presos condenados (2011, p. 7071).

    Zaffaroni e Pierangeli iro incluir tambm, como componentes desse sistema, os legisladores e o pblico. Os legisladores atuando na configurao do sistema e o pblicocom a faculdade de coloclo em funcionamento atravs da delao (2011, p. 71).

    Ainda quanto diviso do Sistema Penal, a partir dessa viso mais ampla, alguns autores iro falar em Sistema Penal Informal e Sistema Penal Formal. O primeiro temcomo agentes a famlia, a escola, a opinio pblica, entre outras, j o segundo seria a diviso bsica mencionada no incio do captulo (policial, judicial e executivo).Molina (2002, p. 134) trata dessa diviso:

    Os agentes de controle social informal tratam de condicionar o indivduo, de disciplinlo atravs de um largo e sutil processo [...] Quando as instancias informais docontrole social fracassam, entram em funcionamento as instncias formais, que atuam de modo coercitivo e impem sanes qualitativamente distintas das sanessociais: so sanes estigmatizantes que atribuem ao infrator um singular status (de desviados, perigoso ou delinqente)

    Em resumo, o Sistema Penal composto pelas instncias informais e formais, as informais so a famlia, a escola, a opinio pblica, entre outras e as formais so oslegisladores, os policiais, o Poder Judicirio, o Ministrio Pblico, e as instituies penitencirias.

    2. Discurso e Operacionalidade

    Analisando o Sistema Penal brasileiro, conforme apresentam os autores, podese, num primeiro momento, terse a idia de um sistema de controle social justo e eficaz.Assim vejamos: um indivduo comete um ilcito, investigado, a investigao formalizada iniciandose pelo inqurito policial, revestida de provas e depoimentos detestemunhas, o inqurito encaminhado Promotoria de Justia, a denncia ofertada ao Juiz, o processo instaurado, resguardados todos os direitos ao acusado,inclusive a ampla defesa e o contraditrio, o ru julgado e condenado, da sentena possvel recurso e quando fixada a pena, se privativa de liberdade, o ru serencaminhado a uma instituio penitenciria, e enquanto sob a tutela estatal todos os seus direitos sero garantidos, de l o indivduo regressa sociedade, devidamenteressocializado e pronto para ter uma vida digna como qualquer outro cidado, concluindose, dessa forma, um ciclo sistemtico.

    Ocorre que, em apenas uma anlise superficial, logo notase que a realidade do Sistema Penal brasileiro no se encaixa aos moldes desse discurso. Como bem dizZaffaroni achamonos, em verdade, frente a um discurso que se desarma ao mais leve toque com a realidade (2001, p. 12). Nilo Batista, tambm vai falar da falsaoperacionalidade do sistema penal, referindo a seletividade, a repressividade e a estigmatizao como caractersticas nucleares do Sistema Penal:

    [...] Assim, o sistema penal apresentado como igualitrio, atingindo igualmente as pessoas em funo de suas condutas [...] O Sistema penal tambm apresentadocomo justo, na medida em que buscaria prevenir o delito, restringindo sua interveno aos limites da necessidade [...] quando de fato seu desempenho repressivo, sejapela frustrao de suas linhas preventivas, seja pela incapacidade de regular a intensidade das respostas penais, legais ou ilegais. Por fim, o sistema penal se apresentacomprometido com a proteo da dignidade humana [...] quando na verdade estigmatizante, promovendo uma degradao na figura social de sua clientela. [...] (2007,p. 2526)

    O discurso jurdico que pretende a legitimao do Sistema Penal apiase na retribuio e ressocializao, como bem observam Zaffaroni e Pierangeli por um ladobuscaria a ressocializao do apenado e, por outro, advertiria aos demais sobre a inconvenincia de imitar o delinquente (2011, p. 72).

    Entretanto, devido separao de funes entre os grupos que compem a estrutura do Sistema Penal revelase praticamente impossvel que esse sistema funcione emsintonia.

    [...] a polcia atua ignorando o discurso judicial e a atividade que o justifica; a instruo, quando judicial, ignora o discurso e a atividade sentenciadora; a segundainstncia ignora as consideraes da primeira que no coincidem com seu prprio discurso de maior isolamento; o discurso penitencirio ignora todo o resto. Cada um dossegmentos parece pretender apropriarse de uma parte maior do sistema, menos o judicial, que v retalhadas suas funes sem maior alarme (ZAFFARONI; PIERANGELI,2011, p. 72)

    Alm disso, Zaffaroni e Pierangeli aduzem que a funo social desempenhada pelo Sistema Penal substancialmente simblica, ou seja, que a sustentao da estruturado poder social por meio da via punitiva fundamentalmente simblica (2011, p. 76).

    Sendo assim, no difcil inferir que o Sistema Penal de forma alguma alcanar com xito suas principais funes oficiais quais sejam a preveno e o tratamento docrime.

    3. Preveno

    Uma das principais teorias legitimadoras do Sistema Penal a preveno do crime, em carter geral ou especial.

    A preveno geral corresponde a uma ameaa abstrata de castigo, prevista na tipificao do crime. Nessa corrente a cominao da pena atua como uma forma deintimidar o cidado que almeja cometer um crime. Para Feuerbach, (apud BITTENCOURT, 2011, p.107) a pena , efetivamente, uma ameaa da lei aos cidados para quese abstenham de cometer delito; , pois, uma coao psicolgica com a qual se pretende evitar o fenmeno delitivo [...].

    Esta forma de prevenir, atravs da intimidao abstrata do castigo nas normas penais que tipificam os fatos delitivos, se chama preveno geral. O antigo princpioconforme o qual uma pessoa racional castiga o fato injusto cometido para evitar fatos similares no futuro compreende tambm, portanto, uma teoria preventivogeral dapena. O delito futuro no s se pode esperar de quem j o tenha cometido alguma vez e que deve, por isso, ser ressocializado ou inoicuzado para evitar que volte acometlo, mas tambm dos demais, sobre os quais deve incidir, para evitar que cheguem a cometlo [...] (CONDE; HASSEMER, 2008, p. 234235).

    A preveno especial alcana apenas o delinquente no caso concreto, visando, em suma, evitar a reincidncia:

    A teoria da preveno especial individual aduz, em sua vertente positiva, que a finalidade ltima das sanes penais, bem em sua forma de penas propriamente ditas,bem nas medidas de segurana e reabilitao, deve ser a reinsero social ou a ressocializao do delinqente, evitando dessa forma que, uma vez cumprida sua pena,volte a delinqir. H tambm uma verso puramente negativa dessa teoria, segundo a qual a pena deve pretender a inocuizao (incapacitao) do delinqente [...](CONDE; HASSEMER, 2008, p. 179).

    Ocorre que h muito tempo essas teorias vm sofrendo crticas acerca de sua legitimidade:

    A norma penal, embora pretenda dissuadir comportamentos delituosos (funo de preveno geral ou especial), no se presta, em verdade, a esse fim, pois ningum seabstm de praticar crimes em ateno possibilidade de sofrer a incidncia do aparato repressivo, vale dizer, a norma penal no intervm no processo motivacional deformao da vontade de delinqir, j que, quando algum se abstm de praticar crime, assim o faz por motivo de outra ordem (moral, religioso, cultural etc.) que no osistema penal. J a preveno especial um mito, uma vez que a priso a mais caracterstica sano dos sistemas penais contemporneos no ressocializa nem redime

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    o criminoso, antes o dessocializa, embrutece, estigmatiza (QUEIROZ, 2001, p. 62).

    Mesmo pressupondo que as teorias preventivas pudessem ser realmente eficazes, elas no encontram suporte nos segmentos do Sistema Penal. Em se tratando dapreveno geral, notria a tendncia que tem o legislador em direcionar a tipificao dos crimes para as condutas praticadas por determinadas classes, e, no que tangea preveno especial, pelas condies subumanas do nosso sistema prisional, invivel falarse em carter ressocializador.

    [...] a interveno penal revelase claramente inadequada, porque constitutiva de simples castigo, que nada resolve; antes agudiza um processo de excluso emarginalizao social, pois trabalha com falsas imagens da realidade e acaba por coisificar o conflito; desumanizandoo em nome de um sistema que, emboraabstratamente possa parecer coerente e justo; concretamente se autodeslegitima, por encerrar uma resposta maquinal a um problema demasiado humano, e para oqual desserve, simplesmente porque no se destina a mquinas, mas a homens; e o homem, e no o sistema ou a lei, h de ser sempre a medida de todas as coisas(Protgoras)! (QUEIROZ, 2008, p. 137).

    Dessa forma, em lugar de prevenir o crime, obviamente, o Sistema Penal um sistema condicionante e reprodutor de violncia.

    A teoria do labbelling aproach, ou teoria do etiquetamento, aponta isso de forma bastante clara.

    4. Teoria do Etiquetamento

    A teoria do etiquetamento surgiu na dcada de 60, nos Estados Unidos, segundo HERRERO (apud AGUIAR, p. 2) se trata de uma corrente criminolgica prxima criminologia radical de cunho marxista, mas sem compartilhar, ao menos necessariamente, o modelo de sociedade configurado por esta, deslocando a ateno, queantes estava focada no criminoso, para o controle social.

    MOLINA retrata bem esse deslocamento:

    Segundo esta perspectiva interacionista, no se pode compreender o crime prescindindo da prpria reao social, do processo social de definio ou seleo de certaspessoas e condutas etiquetadas como criminosas. Crime e reao social so conceitos interdependentes, recprocos, inseparveis. A infrao no uma qualidadeintrnseca da conduta, seno uma qualidade atribuda mesma atravs de complexos processos de interao social, processos altamente seletivos e discriminatrios. Olabelling approach, consequentemente, supera o paradigma etiolgico tradicional, problematizando a prpria definio da criminalidade. Esta se diz no como umpedao de ferro, um objeto fsico, seno o resultado de um processo social de interao (definio e seleo): existe somente nos pressuposto normativos e valorativos,sempre circunstanciais, dos membros de uma sociedade. No lhe interessam as causas da desviao (primria), seno os processos de criminalizao e mantm que ocontrole social o que cria a criminalidade. Por ele, o interesse da investigao se desloca do infrator e seu meio para aqueles que o definem como infrator, analisandosefundamentalmente os mecanismos e funcionamento do controle social ou a gnesis da norma e no os dficits e carncias do indivduo. Este no seno a vtima dosprocessos de definio e seleo, de acordo com os postulados do denominado paradigma do controle (apud AGUIAR, p. 3).

    Prxima criminologia de cunho marxista porque, para Marx, a delinquncia no era um comportamento anterior a qualquer sistema de controle social ou jurdico, massim um produto desse sistema. Outrossim, as ideias de Marx contriburam para a teoria do etiquetamento, especialmente pela crtica ao mito do Direito Penal comoigualitrio, demonstrando a impossibilidade de existir um direito (penal) que prega igualdade em uma sociedade extremamente desigual (CONDE; HASSEMER, 2008, p.107109).

    Segundo Alessandro Baratta,

    [...] esta direo de pesquisa parte da considerao de que no se pode compreender a criminalidade se no se estuda a ao do sistema penal, que a define e reagecontra ela, comeando pelas normas abstratas at a ao das instncias oficiais (polcia, juzes, instituies penitencirias que as aplicam), e que, por isso, o status socialde delinqente pressupe, necessariamente, o efeito da atividade das instncias oficiais de controle social da delinqncia, enquanto no adquire esse status aqueleque, apesar de ter realizado o mesmo comportamento punvel, no alcanado, todavia, pela ao daquelas instncias. Portanto, este no considerado e tratado pelasociedade como delinquente. Nesse sentido, o labeling approach tem se ocupado principalmente com as reaes das instncias oficiais de controle social, consideradasna sua funo constitutiva em face da criminalidade. Sob este ponto de vista tem estudado o efeito estigmatizante da atividade da polcia, dos rgos de acusao pblicae dos juzes (2002, p. 86).

    Resumidamente essa teoria sustenta que a criminalidade no a qualidade de uma determinada conduta, mas o resultado de um determinado processo deestigmatizao da conduta e daquele que a praticou (CONDE; HASSEMER, 2008, p.110111).

    Importante ressaltar que no so apenas as instncias oficiais as responsveis pelos processos de definio da criminalidade, porque o senso comum tambm produzdefinies. Alessandro Baratta (2002, p. 94) menciona a teoria defendida por Kitsuse, a qual consiste na sustentao de um processo de interpretao, definio etratamento, em que alguns indivduos pertencentes a determinada classe interpretam uma conduta como desviante, definem as pessoas praticantes dessa mesmaconduta como desviantes, e empregam um tratamento que entendem apropriado em face dessas pessoas.

    Dessa forma, podese inferir que a interpretao que define o criminoso e no sua conduta supostamente delituosa.

    Existem duas correntes no labelling approach: uma radical e outra moderada. A radical considera a criminalidade unicamente como resultado do Direito Penal, enquantoque a moderada afirma que a justia penal apenas integra uma mecnica formadora da criminalidade.

    Conde e Hassemer tratam bem essa diviso:

    Segundo uma verso radical dessa teoria, a criminalidade simplesmente a etiqueta que se aplica pelos policiais, pelos promotores de justia e pelos tribunais penais,ou seja, pelas instncias formais de controle social. Outros representantes desta teoria, menos radicais, reconhecem que os mecanismos do etiquetamento no seencontram somente no mbito do controle social formal, mas tambm no informal [...] A direo moderada do intervencionismo simblico admite que a justia penal seintegra na mecnica do controle social geral da conduta desviada. Isso no constitui exculpao do fato da definio seletiva da criminalidade, mas comporta oreconhecimento de que o sistema penal no leva a cabo o processo de estigmatizao margem ou inclusive contrrio aos processos gerais de controle social. Pelocontrrio, a direo radical faz uma crtica muito mais devastadora da prpria Administrao da Justia, sustentando que o Direito Penal que faz o delinqente, semnenhum respeito pelo princpio da igualdade, pois recai mais fortemente sobre as camadas sociais mais baixas que sobre as demais (2008, p.111112).

    Do que foi exposto, podese inferir que considerada desviante apenas a conduta que a sociedade e seus rgos punitivos decidem perseguir como tal.Consequentemente o indivduo passa a ser criminoso a partir da etiqueta que lhe colocada e no exatamente pelo ato por ele praticado.

    No se pode deixar tambm de tecer algumas consideraes acerca da cifra oculta, de forma a revelarse mais claramente a problemtica que a teoria do labelingapproach preocupouse em enfrentar. Conde e Hassemer afirmam que diante de uma fronteira visvel entre delinquentes e no deliquentes, restam vazias, oueticamente insuportveis as teorias que caracterizam especificamente o autor do delito (2008, p. 95).

    Segundo retratam Conde e Hassemer, existe um grande nmero de delitos e de delinqentes que no chegam a ser descobertos ou condenados (2008, p. 95). A cifraoculta um termo que serve para designar essas condutas delituosas que no so perseguidas pelo sistema penal, pois muitas vezes sequer chegam ao conhecimentodas instituies oficiais. Os crimes desvendados constituem apenas uma pequena porcentagem do total de condutas ilcitas efetivamente existentes em uma sociedade.Assim, a teoria do etiquetamento sustenta que o critrio de seleo a marginalizao do individuo.

    Seguindo esse raciocnio, desaparece, para o Sistema Penal, a funo de combate ao crime, e resta apenas a funo de atribuio de etiquetas. A prtica de crimes norotula ningum, o delinquente passa a ser aquele que corresponde aos critrios de seleo e etiquetado pelas instncias punitivas.

    Para que se possa melhor visualizar o comportamento desviado importante fazer a distino entre desvio primrio e desvio secundrio. Desvio primrio aconsequncia de uma srie de fatores socioeconmicos, culturais e psicolgicos e desvio secundrio o resultado do rtulo atribudo ao indivduo pela sociedade, ou seja,a estigmatizao.

    Baratta citando Lemert (2002, p. 9091) diferencia o desvio primrio e o desvio secundrio, sendo que o desvio primrio referese a fatores sociais, culturais ou psicolgicose o desvio secundrio, ou desvios sucessivos reao social (incriminao), esses desvios so fundamentalmente determinados pelos efeitos psicolgicos que tal reaoproduz no indivduo objeto da mesma [...]. E ainda:

    [...] sobre o desvio secundrio e sobre carreiras criminosas, pemse em dvida o princpio do fim ou da preveno e, em particular, a concepo reeducativa da pena.Na verdade esses resultados mostram que a interveno do sistema penal, especialmente as penas detentivas, antes de terem um efeito reeducativo sobre odelinqente determinam, na maioria dos casos, uma consolidao da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e prpria carreira criminosa.[...] podese observar, as teorias do labeling baseadas sobre a distino entre desvio primrio e desvio secundrio, no deixaram de considerar a estigmatizaoocasionada pelo desvio primrio tambm como uma causa, que tem seus efeitos especficos na identidade social e na autodefinio das pessoas objeto de reao social[...] (2002, p. 9091)

    Em que pese essa teoria represente um importante avano para os estudos criminolgicos, obviamente, ela vem sofrendo algumas crticas, como bem destaca Baratta(2002, p. 9899):

    [...] reduzindo, como se viu, a criminalidade definio legal e ao efetivo etiquetamento, exaltam o momento da criminalizao, e deixam fora da anlise a realidade decomportamentos lesivos de interesses merecedores de tutela, ou seja, aqueles comportamentos (criminalizados ou no) que aqui denominamos comportamentossocialmente negativos, em relao s mais relevantes necessidades individuais e coletivas*. A qualidade de desvio efetivo que tais comportamentos problemticos tmem face do funcionamento do sistema scioeconmico, ou a sua natureza expressiva de reais contradies daquele sistema, permanece inteiramente obscurecida,reduzindose o seu significado ao efeito das definies legais e dos mecanismos de estigmatizao e de controle social: a anlise das relaes sociais e econmicas, quedeveria fornecer a chave das diversas dimenses da questo criminal, desenvolvida em um nvel insuficiente, tpico das teorias de mdio alcance, ou seja, das teoriasque fazem parte do setor da realidade social examinada no s o ponto de chegada, mas, tambm, o ponto de partida da anlise. [...]

    Conde e Hassemer (2008, p.116118), ao tratarem dos acertos e desacertos da teoria do etiquetamento, apontam, como desacertos, principalmente a sua incapacidade depropor diretrizes e solues que superem as simples crticas de outras teorias, bem como a falta de resposta para a pergunta: o que fazer para evitar o delito? Os

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    http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10909 3/4

    autores tambm aduzem a falta de conexo com a realidade e o abandono do estudo dos fatores causais da criminalidade. Por fim, alegam que se a condio dedelinquente algo que se atribui externamente ao sujeito, poderseia concluir que, em no havendo quem produzisse tal atribuio, no existiria mais a figura dodelinquente,

    A partir dessa breve anlise acerca da teoria do etiquetamento, podese ter uma noo da evoluo da criminologia, que ampliou o objeto de investigao criminolgica,revelando que a criminalidade no se trata mais de uma entidade ontolgica prconstituda, mas de uma etiqueta afixada a partir de um processo de seleo altamentediscriminatrio.

    5. Tratamento

    Mesmo considerando o Sistema Penal eficaz, em seu discurso, quanto forma de tratamento ao crime, impossvel vislumbrar que o mesmo ainda possa alcanar comxito sua funo prometida de ressocializao.

    Dessa forma, supondo no existir a seletividade no momento da atuao dos segmentos do Sistema Penal, temse que o mesmo acabaria insurgindose, de modoigualitrio, em todas as situaes onde se verificasse a ocorrncia de um delito. Na verdade tratase de uma dinmica inimaginvel. Como bem coloca Zaffaroni:

    [...] O discurso jurdico penal programa um nmero incrvel de hipteses em que, segundo o dever ser, o sistema penal intervm repressivamente de modo natural(ou mecnico). No entanto, as agncias do sistema penal dispem apenas de uma capacidade operacional ridiculamente pequena se comparada magnitude doplanificado. [...] Se todos os furtos, todos os adultrios, todos os abortos, todas as defraudaes, todas as falsidades, todos os subornos, todas as leses, todas as ameaas,etc. fossem concretamente criminalizados, praticamente no haveria habitante que no fosse por diversas vezes, criminalizado (2001, pg. 26).

    Destarte, resta clara a imprescindibilidade do modo de agir seletivo do Sistema Penal.

    Diante da absurda suposio no desejada por ningum de criminalizar reiteradamente toda a populao, tornase bvio que o sistema penal est estruturalmentemontado para que a legalidade processual no opere e, sim, para que exera seu poder com altssimo grau de arbitrariedade seletiva dirigida, naturalmente aos setoresvulnerveis. Esta seleo produto de um exerccio de poder que se encontra, igualmente em mos dos rgos executivos, de modo que tambm no sistema penalformal a incidncia seletiva dos rgos legislativo e judicial mnima (ZAFFARONI, 2001, pg.27).

    Importante apenas salientar que no se quer aqui defender o modo de agir seletivo do Sistema Penal pela sua imprescindibilidade, pelo contrrio, defendese a elisodesse modo de agir, a imprescindibilidade mencionada anteriormente revelase apenas dentro do prprio sistema.

    Apesar desse assunto ser tratado mais adiante, vale aqui destacar a necessidade, retratada por Zaffaroni e Pierangeli, da aplicao do princpio da interveno mnima, oqual consistiria na limitao da interveno punitiva e consequentemente na reduo da violncia exercida pela mesma (2011, p.78).

    6. Seletividade do Sistema

    A partir do que foi abordado nos temas anteriores, podese perceber a dimenso da problemtica que envolve o Sistema Penal. Assim, entendese tratar de um sistemamal estruturado onde seus segmentos no atuam em sintonia, bem como o discurso que o legitima nada tem a ver com seu modus operandi.

    Outrossim, em lugar de prevenir o crime (teorias preventivas) ele um sistema condicionante (teoria do etiquetamento) e, no que concerne ao tratamento dado aocrime/criminoso, o Sistema Penal no consegue sustentar seus fundamentos. Revelase, ento, uma inviabilidade de alcanar a todos da mesma forma, para tanto oprincipal caminho encontrado pelos seus segmentos a seletividade.

    [...] ao menos em boa medida, o sistema penal seleciona pessoas ou aes, como tambm criminaliza certas pessoas segundo sua classe e posio social. [...] H umaclara demonstrao de que no somos todos igualmente vulnerveis ao sistema penal, que costuma orientarse por esteretipos que recolhem os caracteres dossetores marginalizados e humildes, que a criminalizao gera fenmeno de rejeio do etiquetado como tambm daquele que se solidariza ou contata com ele, de formaque a segregao se mantm na sociedade livre. A posterior perseguio por parte das autoridades com rol de suspeitos permanentes, incrementa a estigmatizaosocial do criminalizado (ZAFFARONI;PIERANGELI, 2011, p. 73).

    O processo de criminalizao pode ser dividido em dois, criminalizao primria e criminalizao secundria. Segundo Zaffaroni (2003, p. 43), criminalizao primriaconsiste na criao de uma lei incriminadora direcionada a determinada classe e criminalizao secundria na ao punitiva que recai sobre pessoas concretas, acriminalizao secundria se verifica mais facilmente no segmento das agncias policiais.

    Observase que a criminalizao primria praticada pelo legislador no processo de criao das condutas tipificadas e a criminalizao secundria praticada pela polcia ejudicirio. Importante lembrar que, alm de no momento da elaborao e aplicao da norma a seletividade tambm vai se mostrar presente no momento da execuoda pena.

    Focault retrata a seletividade do Sistema Penal e o falso discurso de que a lei feita para todos:

    [...] processos que encontramos atrs de toda uma srie de afirmaes bem estranhas teoria penal do sculo XVIII: que o crime no uma virtualidade que o interesseou as paixes introduziram no corao de todos os homens, mas que coisa quase exclusiva de uma certa classe social: que os criminosos que antigamente eramencontrados em todas as classes sociais, saem agora quase todos da ltima fileira da ordem social [...] nessas condies seria hipocrisia ou ingenuidade acreditar que alei feita para todo mundo em nome de todo mundo; que mais prudente reconhecer que ela feita para alguns e se aplica a outros; que em princpio ela obriga atodos os cidados, mas se dirige principalmente s classes mais numerosas e menos esclarecidas; que, ao contrrio do que acontece com as leis polticas ou civis, suaaplicao no se refere a todos da mesma forma; que nos tribunais no a sociedade inteira que julga um de seus membros, mas uma categoria social encarregada daordem sanciona outra fadada desordem (2008, p.229)

    Resumidamente o Sistema Penal revelase potencialmente seletivo tanto no momento em que define as condutas que devero ser consideradas ilcitas quanto nomomento em que escolhe quem dever ser responsabilizado por praticar essas condutas, bem como quando escolhe sobre quem incidir a sano estatal.

    Para tanto, para selecionar e criminalizar um indivduo preciso que o mesmo tenha praticado uma ao. Assim as instncias iniciais do Sistema Penal, mais precisamentea polcia, elegem seus candidatos criminalizao e submetemnos ao poder judicirio, que por sua vez, intervm para limitar a violncia seletiva segundo critriosprprios diferentes dos que regem o restante do sistema. Estes requisitos no so capazes de eliminar a seletividade, apenas operam na sua reduo (ZAFFARONI, 2001,p. 245246).

    Esse uso da linguagem jurdica no pode levarnos a perder de vista em momento algum que o sistema penal escolhe pessoas arbitrariamente e que os requisitosde tipicidade e antijuridicidade (sintetizados na categoria de injusto penal) nada mais so que os requisitos mnimos que a agncia judicial deve esforarse porresponder a fim de permitir que o processo de criminalizao, em curso, sobre a pessoa arbitrariamente selecionada, possa avanar (ZAFFARONI, 2001, p. 250)

    Ocorre que h um terceiro requisito, a culpabilidade:

    [...] os requisitos, enquanto limites mximos tolerados no exerccio de um poder legitimado, se acham objetivados, e o esto no sentido de se referirem unicamente existncia real de uma ao conflituosa por sua lesividade (tipicidade e antijuridicidade), com o qual unicamente se diz que h algo ao que talvez se possa responderde forma a no deter a criminalizao em curso. A agncia judicial, no entanto, de modo algum pode pretender extrair da, sem mais nem menos, a respostacriminalizante [...] requer, sem dvida alguma, uma referncia direta e personalizada ao autor, em sua condio pessoal e na situao particular em que teria levadoefeito tal conduta (ZAFFARONI, 2001, p. 258)

    Zaffaroni, ao tratar da deslegitimao do Sistema Penal, traz tona a crise ocasionada por essa seletividade, no conceito de culpabilidade normativa: A seletividade dosistema penal neutraliza a reprovao: Por que a mim? Por que no a outros que fizeram o mesmo?, so perguntas que a reprovao normativa no pode responder"(ZAFFARONI, 2001, p. 259).

    A reprovao pela culpabilidade, diferentemente da tipicidade e ilicitude, que so elementos objetivos, depende muito mais de fundamentos morais e ticos nomomento de sua valorao. No Sistema Penal seletivo esses fundamentos so praticamente inexistentes.

    Referncias:AGUIAR, Leonardo Augusto de Almeida. Da teoria do labeling approach. Disponvel na Internet. URL:http://direito.newtonpaiva.br/revistadireito/professor/professores05.asp. Acesso em: 21 de junho 2011.BATISTA, Nilo. Introduo crtica ao direito penal brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007.BARATTA, Alessandro. Criminologia Crtica e Crtica do Direito Penal: introduo sociologia do direito penal. 3.ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002.BITTENCOURT, Czar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. ed. So Paulo: Saraiva, 2011.CONDE, Francisco Muoz, HASSEMER, Winfried. Introduo Criminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Atualizando o discurso sobre direito e neoliberalismo no Brasil. Porto Alegre: Revista de Estudos Criminais. n.04, 2001.FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da priso. 35.ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2008GRECO, Rogrio. Curso de Direito Penal. 11.ed. NiteriRJ: Impetus, 2009.GRECO, Rogrio. Direito Penal do Equilbrio. 5.ed. NiteriRJ: Impetus, 2010.MOLINA, Antonio GarcaPablos de & GOMES, Luiz Flvio. Criminologia. 4. ed. So Paulo: Editora revista dos tribunias, 2002.QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: introduo crtica. So Paulo: Editora Saraiva, 2001.QUEIROZ, Paulo. Funes do direito penal: legitimao versus deslegitimao do sistema penal. 3. ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.ZAFFARONI, E. Ral; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro e SLOKAR, Alejandro. Dirieto penal brasileiro: teoria geral do direito penal v.1. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2003.ZAFFARONI, Eugenio Ral. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2001.ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, volume 1: Parte Geral. 9. ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.Notas:

  • 01/06/2015 AseletividadedosistemapenalbrasileiroPenalmbitoJurdico

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    [1] Este artigo foi orientado pela Prof. Me. Elisa Celmer.

    Bruna Peluffo MaglioniEstudante de Direito na Universidade Federal do Rio Grande FURG.

    Informaes Bibliogrficas

    MAGLIONI, Bruna Peluffo. A seletividade do sistema penal brasileiro. In: mbito Jurdico, Rio Grande, XIV, n. 95, dez 2011. Disponvel em: . Acesso em jun 2015.

    O mbito Jurdico no se responsabiliza, nem de forma individual, nem de forma solidria, pelas opinies, idias e conceitos emitidos nos textos, por serem de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es).