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1 A SAÚDE DO PROFESSOR A PARTIR DA DÉCADA DE 1990: REFLEXÕES SOBRE A REFORMA DO ESTADO, O MUNDO DO TRABALHO E A REFORMA DA EDUCAÇÃO. Ângela Mara de Barros Lara-UEM/PPE/DFE 1 Luciane Z. Maroneze-UEM/DFE 2 O novo modelo de regulação econômica e social vigente nas sociedades capitalistas contemporâneas em escala global vem requerendo o aprofundamento da análise dos impactos desencadeados no mundo do trabalho, na reforma do Estado e, conseqüentemente, nas políticas sociais. Inúmeras análises mostram a associação entre a crise dos sistemas de proteção social, o aumento do desemprego, a precarização das relações de trabalho e a queda da qualidade de vida do trabalhador em seus diferentes espaços ocupacionais. Com efeito, as transformações ocorridas na sociedade, em especial aquelas vivenciadas no mundo do trabalho e no conjunto de suas relações sociais, tem provocado significativos impactos na saúde do trabalhador, incluindo os próprios professores que cotidianamente tentam adequar as condições reais do exercício profissional à flexibilidade das mudanças no sistema educacional brasileiro, resultante do processo de reestruturação capitalista. Nessa perspectiva, o presente texto visa discutir a saúde do professor, considerando as novas formas de gestão na política educacional empreendidas pelo movimento de reforma educacional evidenciado a partir da década de 1990. Como parte desse universo, particularizamos a discussão analisando a saúde do professor de ensino fundamental do Município de Maringá, procurando identificar na esfera municipal, os caminhos que possam garantir atenção à saúde desse profissional, conforme os respectivos itens que seguem abaixo. 1 [email protected] 2 [email protected]

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A SAÚDE DO PROFESSOR A PARTIR DA DÉCADA DE 1990: REFLEXÕES SOBRE A REFORMA DO ESTADO, O MUNDO DO TRABALHO E A REFORMA DA EDUCAÇÃO.

Ângela Mara de Barros Lara-UEM/PPE/DFE1 Luciane Z. Maroneze-UEM/DFE2

O novo modelo de regulação econômica e social vigente nas sociedades capitalistas

contemporâneas em escala global vem requerendo o aprofundamento da análise dos

impactos desencadeados no mundo do trabalho, na reforma do Estado e,

conseqüentemente, nas políticas sociais. Inúmeras análises mostram a associação entre

a crise dos sistemas de proteção social, o aumento do desemprego, a precarização das

relações de trabalho e a queda da qualidade de vida do trabalhador em seus diferentes

espaços ocupacionais.

Com efeito, as transformações ocorridas na sociedade, em especial aquelas vivenciadas

no mundo do trabalho e no conjunto de suas relações sociais, tem provocado

significativos impactos na saúde do trabalhador, incluindo os próprios professores que

cotidianamente tentam adequar as condições reais do exercício profissional à

flexibilidade das mudanças no sistema educacional brasileiro, resultante do processo de

reestruturação capitalista.

Nessa perspectiva, o presente texto visa discutir a saúde do professor, considerando as

novas formas de gestão na política educacional empreendidas pelo movimento de

reforma educacional evidenciado a partir da década de 1990. Como parte desse

universo, particularizamos a discussão analisando a saúde do professor de ensino

fundamental do Município de Maringá, procurando identificar na esfera municipal, os

caminhos que possam garantir atenção à saúde desse profissional, conforme os

respectivos itens que seguem abaixo.

1 [email protected] 2 [email protected]

2

1 ESTADO, TRABALHO, EDUCAÇÃO E SAÚDE: REFLEXÕES SOBRE A SOCIEDADE BRASILEIRA.

A proposta de analisar a saúde do professor da rede pública de ensino fundamental do

Município de Maringá, a partir das reformas educacionais ocorridas nos anos de 1990,

foi motivada pelo fato de que essas reformas imprimiram um novo padrão de

organização e gestão do sistema educacional, trazendo novas exigências ao trabalho do

professor e por conseqüência, implicações em sua saúde.

Assim, compreender os rebatimentos das novas metas educacionais na saúde do

professor implica inicialmente em considerar as mudanças ocorridas no sistema

capitalista brasileiro, as novas exigências requeridas ao trabalhador e os reflexos da

redefinição do papel do Estado frente às políticas sociais, em especial a política de

educação e saúde do trabalhador. Essas mudanças estão relacionadas ao

desenvolvimento do capitalismo mundial, que, baseado na defesa da capital financeiro,

tem provocado o acirramento dos níveis de empobrecimento dos países periféricos

dependentes dos padrões de desenvolvimento dos países centrais, os quais mantêm a

concentração de riqueza e o domínio sobre o mercado globalizado.

Esse novo cenário, caracterizado por Chesnais (1996) de mundialização do capital3,

determinou mudanças no mundo do trabalho com a introdução de novos modelos

tecnológicos e adoção de medidas de orientação neoliberal que implicou na exigência

de um novo perfil de trabalhador, na precarização das relações de trabalho com a

ampliação do mercado informal, no crescimento do desemprego e na flexibilização do

trabalho, tendo em vista o processo de reestruturação produtiva e a lógica da

acumulação financeira.

Como bem afirma Grave, o maior ônus recai sobre a classe trabalhadora em decorrência

“do reordenamento do padrão de acumulação”. Destarte, para os trabalhadores, a

conseqüência é “um processo crescente de exclusão do mundo do trabalho,

especialmente dos postos de trabalho mais formais e estáveis” (2002, p.85). 3 O termo Mundialização do capital é utilizado por Chesnais para indicar uma nova fase do capitalismo

mundial organizado sob bases financeiras, através da liberdade de mercado. Para saber mais, recomenda-se: CHESNAIS, François. Mundialização: o capital financeiro no comando. São Paulo: Xamã,1996.

3

Isso traz à tona a insegurança, a angústia decorrente da situação de vulnerabilidade que

passa a assolar a sociedade. Os trabalhadores sofrem a insegurança da manutenção e

permanência do emprego e são responsabilizados pela situação de desemprego, expressa

na idéia de que compete ao trabalhador empreender esforços para aumentar suas

expectativas de empregabilidade.

Outra questão que ocorre no bojo das relações capitalista refere-se à desestruturação

dos países subdesenvolvidos, que se colocam numa relação de dependência frente aos

países centrais do capitalismo para se incorporar à economia globalizada, pois se

encontram fragilizados no processo de competição internacional.

Nesse sentido, para os países periféricos se inserirem no movimento de globalização, é

necessário se submeterem à hegemonia do grande capital financeiro que regula as

relações econômicas e restringe o setor produtivo. Com isso, esses países enfrentam

uma globalização periférica, na medida em que sua economia de mercado tem que estar

voltada aos interesses dos países ricos que detêm o poder sobre o Fundo Monetário

Internacional4- FMI. Os países subdesenvolvidos ficam sujeitos à lógica dos países

centrais que mantém o controle da circulação do capital.

A exemplo de outros países periféricos, sujeitos à lógica dos países centrais, o Brasil se

ajustou a economia globalizada seguindo as orientações das instituições financeiras

hegemônicas, representadas pelo FMI, BIRD5 e BID6 que, reunidas no Consenso de

Washington7, traçaram diretrizes visando garantir a reprodução ampliada do capital, o

4 De acordo com Benjamin (2004, p.133), o FMI foi criado a partir da Conferência de Brehon Woods,

ocorrida no final da segunda Guerra Mundial. Trata-se de um padrão monetário internacional, centralizado na moeda americana. Na década de 1980 e 1990, o Fundo passou a ser utilizado para realizar reformas estruturais nos países em desenvolvimento, ou seja, “para promover linhas de crédito de curto prazo a países com dificuldades momentâneas em suas contas externas, para que eles possam superar esses desequilíbrios temporários”.

5 Segundo Rosemberg (2000, p.70), o BIRD, Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento

foi fundado em 1944, com o objetivo de realizar empréstimos financeiros aos países em desenvolvimento, “se capitaliza primordialmente através de capacitação de recursos nos mercados internacionais de capitais”.

6 De acordo com Simionatto; Nogueira (2001), o Banco Interamericano de Desenvolvimento foi fundado

em 1959, com a proposta de financiar projetos e desenvolvimento para América e Caribe. 7 O Consenso de Washington representou um conjunto de medidas econômicas orientadas pela política

neoliberal, direcionado a todos os países, preferencialmente os periféricos nos quais as diretrizes

4

alcance da competitividade global e a modernização da sociedade, direcionando os

interesses dos países periféricos para a implantação de políticas neoliberais.

Diante desse panorama, evidencia-se a redefinição do papel do Estado, por meio do qual

o Brasil, assim como outros países periféricos, buscou articular medidas de ajuste

estruturais visando a sua inserção na nova ordem mundial. Essas medidas foram

acompanhadas da implantação de políticas neoliberais que se tornaram mais evidentes a

partir da década de 1990, no governo FHC, com aprovação do Plano Diretor da

Reforma do Aparelho do Estado, em novembro de 1995, elaborado por Bresser Pereira,

titular do Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE).

A propalada idéia de que o país estava em crise, bem como a crítica dirigida à forma

burocrática, ineficiente e centralizadora do Estado administrar o setor econômico e

social, foram utilizadas para justificar a necessidade de redefinir o seu papel, através de

diretrizes fundamentais que implicam na redução dos custos e racionalização do gasto

público, mais agilidade e eficiência do aparelho do Estado e descentralização8 dos

serviços.

De acordo com o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, “[...] reformar o

Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas

pelo mercado” (BRASIL, 1995, p.12). Propõe-se desta forma, a criação de um Estado

social de caráter liberal que deve impor cortes nas despesas públicas, o que significa que

o Estado deve “[...] reduzir seu papel de executor e prestador direto de serviços,

mantendo-se, entretanto no papel de regulador e provedor ou promotor destes,

principalmente dos serviços sociais como educação e saúde, que são essenciais para o

desenvolvimento” (p.13).

Orientada pelas políticas neoliberais, a reforma propõe centralmente a estratégia de

retração do Estado, ampliando espaços para as relações com o mercado internacional

aplicadas deveriam recair exclusivamente sobre a reforma administrativa, estabilidade monetária e expressivo corte nos gastos sociais.

8 Trata-se de transferir para a sociedade, a responsabilidade do Estado na manutenção dos serviços

públicos. Na realidade, descentralizam-se os serviços, porém, mantém a centralidade em relação ao controle desses serviços.

5

em detrimento dos interesses públicos e dos direitos sociais da maioria dos cidadãos.

Nesse sentido, a responsabilidade com a esfera pública se sustenta no tripé:

descentralização, focalização e privatização, no qual os bens e serviços de natureza

pública foram deslocados para o setor privado, transferindo para a sociedade civil,

representada pelas associações filantrópicas, grupos voluntários, organizações

comunitárias e não-governamentais, a produção e distribuição de serviços, entre os

quais, os de saúde e educação.

Nota-se assim, que uma das principais preocupações da política neoliberal é minimizar

o Estado, tornar o Estado mínimo9 o suficiente para fortalecer a expansão do capital,

visto que para esse se abrem novas possibilidades de mercado com predomínio da

política econômica, porque as pessoas necessitam buscar no mercado as provisões antes

garantidas pelo Estado.

A reforma do Estado, longe de garantir direitos, desmontou os serviços públicos,

entregando-os à iniciativa privada, reestruturou o Estado de acordo com os interesses do

mercado que busca a competitividade internacional. As políticas sociais que levam a

marca de ‘social’, passaram a ter como prioridade exclusiva a rentabilidade econômica

em detrimento das necessidades sociais.

A década de 1990 representou o momento de transição para as formas privadas em

substituição aos serviços de proteção social. As formas de ajuste financeiro e as

restrições orçamentárias afetaram a educação pública. O custo por aluno, ainda hoje,

representa um indicador decisivo, enquanto que os salários docentes um fator

insuficiente do orçamento educacional, a relação custo/benefício são as variáveis que

mais se destacam nos estudos sobre o setor docente. Nessa década se desenvolvem as

reformas educativas na América, favorecendo a transição para um mercado de trabalho

desvalorizado e estabelecendo uma nova relação entre educação e trabalho, que será

discutida no próximo item.

9 De acordo com Paulo Netto (1996) o Estado mínimo refere-se à construção de um Estado mínimo o

suficiente para atender as necessidades da classe trabalhadora, porém, máximo para responder as exigências do capital.

6

O cidadão, figura tão destacada nos discursos dos programas de governo, passou a

contar com o vazio das políticas públicas para a garantia de sua reprodução social, visto

que as mudanças sociais e econômicas, ocorridas particularmente na última década,

modificaram profundamente o cenário social com a redução dos investimentos nos

serviços públicos e cortes nos gastos sociais.

Nesse contexto, a saúde, a exemplo de outras áreas, também acompanhou as medidas

decorrentes das políticas de ajuste estruturais, com redução dos gastos sociais e

limitação em relação à capacidade de intervenção e atendimento às demandas de saúde.

As reformas que ocorreram na área da saúde, especialmente a partir da década de 1990,

refletiram sobremaneira na definição das diretrizes que integram atualmente os serviços

de atendimento à população, cuja meta é atingir o maior número de pessoas com o

mínimo de recursos possíveis, bem como incentivar a ampliação do setor privado para

atender a parcela da população que deve se responsabilizar com os custos de sua própria

saúde. É nesse contexto que deve perpassar a análise sobre a saúde da população e a

saúde do trabalhador10, sendo essa devidamente garantida na Constituição (artigo 200,

inciso II) e na Lei Orgânica da Saúde (artigo 3º e 6º) que regulamenta o Sistema Único

de Saúde- SUS.

Sobre a saúde do trabalhador, é importante destacar que as alterações e a fragilidade dos

parâmetros de proteção social do trabalho, (evidenciadas através do aumento da

informalidade, precarização das condições de inserção no mercado de trabalho) e a

complexidade do processo de trabalho, têm propiciado um terreno fértil para a

ocorrência de situações que comprometem a saúde do trabalhador que enfrenta tanto a

precariedade das condições de trabalho resultantes do processo de reestruturação

produtiva, como a precariedade dos serviços de saúde, evidenciados na sociedade

neoliberal.

10 De acordo com Dias (2001, p. 17) a saúde do trabalhador tem como objetivo “a promoção e a proteção,

por meio do desenvolvimento de ações de vigilância dos riscos presentes nos ambientes e condições de trabalho, dos agravos à saúde do trabalhador e a organização e prestação da assistência aos trabalhadores, compreendendo procedimentos de diagnósticos, tratamento e reabilitação de forma integrada, no SUS”. Nesse sentido, verifica-se que cabe ao SUS atuar na saúde do trabalhador, a Lei 8080/90, dedica um espaço reservado para tratar especificamente da saúde do trabalhador.

7

Desse modo é fácil imaginar o lugar das políticas públicas neste Estado ‘reformado’,

pois elas estão se tornando cada vez mais precárias, pulverizadas, descontínuas, sem

impacto ou efetividade, distante das necessidades sociais. Sendo assim, não visam

concretizar direitos, mas reduzi-los a partir de uma perspectiva que declara o retrocesso

ao pleno exercício da cidadania e a universalização dos direitos.

Diante dos ajustes estruturais provocados pela reforma do Estado, a saúde é de

responsabilidade do trabalhador que deve empreender todos os esforços para evitar o

adoecimento, mantendo a produtividade de sua força de trabalho. Nesse ponto, verifica-

se que o professor é duplamente vitimizado: primeiro, ao buscar tratamento para os

problemas de saúde é vitimizado pelo descaso do Estado com a política de saúde e

segundo, no exercício de sua profissão, acaba por adoecer pelas más condições de

trabalho que lhes são oferecidas em decorrência do sucateamento da política pública de

educação.

2 REFORMAS EDUCACIONAIS NOS ANOS 1990: IMPACTOS SOBRE O TRABALHO E A SAÚDE DO PROFESSOR

É na contemporaneidade do novo modelo de acumulação do capital que deve ser

inserido o entendimento sobre o trabalho do professor bem como as questões que

remetem à desvalorização, perda de autonomia e controle do processo de trabalho, que

vem sofrendo a partir das novas formas de gestão e reestruturação do trabalho escolar.

Desse modo, analisar as condições de trabalho do professor, a partir das novas metas

estabelecidas pela reforma educacional, implica em considerar os elementos sociais que

integram essa totalidade, da qual a saúde do professor não está desconectada.

De fato, a política de ajuste econômico implementada pelas estratégias de governo para

se ajustar à economia globalizada, tem provocado rebatimentos visíveis na área social

com baixos investimentos e redução dos gastos públicos, o limite da falta de recursos é

compensado por medidas que estimulam a participação voluntária da sociedade civil na

provisão dos serviços sociais básicos.

Com efeito, a política educacional adquiriu novos contornos como a priorização da

educação básica e a definição de novas metas, regulada por critérios de mercado que

8

atribui flexibilidade ao sistema de ensino em decorrência das reformas ocorridas no

campo educacional que acompanharam as estratégias de reforma do Estado e as

orientações das agências internacionais, em especial do Banco Mundial.

As reformas foram implantadas com um suposto discurso de que o investimento em

educação, em especial na educação básica, seriam um fator preponderante para que os

países periféricos melhorassem a condição econômica e social, reduzindo os níveis de

desigualdade. Desse modo, fez-se necessário, reformar a educação a fim de garantir um

sistema educacional eficiente e produtivo, capaz de amenizar a pobreza nesses países.

Nessa ótica, observa-se a relação de dependência que se estabelece entre educação e

desenvolvimento econômico e social, a educação sendo considerada estratégia para

incentivar a geração e distribuição de renda e contornar os desequilíbrios provocados

pelo setor econômico, imperando a idéia de que “sem educação não há desenvolvimento

no mundo atual” (OLIVEIRA, 2000, p.114).

No Brasil, essas reformas foram operacionalizadas a partir do Plano Decenal de

Educação Para Todos, em 1993, no governo de Itamar Franco que, seguindo as

orientações das agências internacionais, priorizou os investimentos na Educação básica,

voltada para garantir a qualidade e eqüidade do sistema educacional. As reformas

propostas pelo Plano Decenal foram encaminhadas de acordo com os preceitos da

política básica do Estado, que se concretizou por meio do progressivo descompromisso

com a educação pública, considerada improdutiva e insuficiente para dar conta dos

problemas de acesso e qualidade do sistema educacional, tão almejada pelos projetos de

reforma.

O que importa é ofertar uma educação básica, que inclua conteúdos mínimos,

considerados por Oliveira, (2000, p. 116) como “capacidade de leitura e escrita e

domínio dos cálculos matemáticos elementares”. Daí a importância dos recursos

financeiros serem alocados no ensino de primeiro grau por que: “O banco sabe que o

principal recurso dos pobres é a sua capacidade de trabalho, que aumenta com a

educação” (CORAGIO, 1996, p.100). Quanto aos demais níveis de ensino, a proposta se

dirige à cobrança de taxas e transferência de responsabilidades para a sociedade que é

convocada a compartilhar o financiamento e os gastos para a manutenção do ensino.

9

Como bem coloca Fonseca (1998, p.15), “[...] o ponto central da política do BIRD para

os anos 90 é, sem dúvida, a redução do papel do Estado no financiamento da educação,

bem como a diminuição dos custos do ensino”. É nesse quadro contraditório de ajustes

da demanda do capital que se gestaram as reformas educacionais. A proposta se dirigiu

tanto à reforma do Estado, quanto aos setores sociais, adequando-os às novas tendências

de flexibilização dos mercados e incluindo a educação no rol dos setores de serviços não

exclusivos do Estado. Destaca-se aqui a importância da participação da sociedade civil

que vem acompanhada de um discurso que privilegia a democratização do ensino,

propondo como parte desse processo o envolvimento da família e da comunidade de

modo geral, nas questões educacionais, sendo estas restritas à manutenção de subsídios

financeiros.

Oliveira (2000, p.331) ressalta que as reformas educacionais se submetem à adoção de

“[...] modelos de gestão fundados na descentralização administrativa, na autonomia

financeira e no planejamento flexível, que buscam introjetar na esfera pública as noções

de eficiência, produtividade e racionalidade inerente à lógica capitalista”. Entretanto, se

por um lado esses modelos priorizavam uma educação de excelência, voltada para

atender os padrões de qualidade exigidos pelo mercado, por outro lado, percebe-se que

na contra mão houve uma verdadeira precarização do sistema, com o sucateamento das

condições de infra-estrutura, falta de recursos materiais nas escolas, maximização dos

recursos existentes e baixo investimento e valorização de recursos humanos. Desse

modo, longe de garantir a suposta ‘qualidade’ do ensino público, as reformas, em seu

conjunto, produziram um verdadeiro descaso com o sistema educacional, por meio de

seu não financiamento e da valorização do professor.

De acordo com Gentili (1998, p.19) “[...] a reforma administrativa orienta-se a

despublicizar a educação, a transferi-la para a esfera da competição privada”. Portanto,

reduzido à condição de mercadoria, o sistema educacional substituiu o direito ao acesso

seletivo, contrapondo-se à política de direitos sociais. Nessa lógica, os problemas

educacionais passaram a ser resolvidos a partir da assimilação dos critérios de

competência que regem a economia privada.

Os impactos da nova forma de gestão educacional promovidos pelas reformas podem

ser verificados na análise de Krawczyk (2000). Após uma década da operacionalização

10

da Reforma Educacional no Brasil e nos outros países latino-americanos, a autora

aponta alguns indicadores de avaliação que expressam resultados negativos. Entre eles

destacam-se:

Os baixos níveis de aprendizagem dos alunos e a forte segmentação entre as escolas do sistema, a pouca valorização e profissionalização dos professores, a falta de consenso das ações implementadas, a desatenção com relação à educação infantil e de jovens e adultos, a passagem de uma visão (ampliada) da educação básica para uma mais estreita, a de educação escolar e fundamental (KRAWCZYK, 2000, p.03).

Em contrapartida aos indicadores de avaliação, a mesma autora chama atenção para as

‘conquistas’ da reforma educacional que se limitaram apenas a matrícula das crianças na

escola. Os dados estatísticos apresentados pelo governo nos últimos anos apontam um

crescimento em termos de alunos matriculados no sistema público de ensino, entretanto,

para além da quantidade é importante questionar a qualidade requerida pelas metas

educacionais propostas pela reforma a qual privilegia uma educação voltada a

produtividade e aos princípios defendidos pelo mercado.

Percebe-se que mesmo após uma década de sua implementação, as medidas de ajustes,

operacionalizadas pela reforma educacional, ressoam ainda hoje no campo educacional

que convive diariamente com o acirramento da escassez de recursos e com estratégias

que, na tentativa de garantir a suposta qualidade, procuram imprimir ao sistema de

ensino os critérios de mercado, a fim de torná-lo flexível, produtivo, eficiente e capaz de

ampliar a privatização dos serviços públicos em benefício do capital.

Nesse quadro, verifica-se que os impactos das novas metas educacionais recaem sobre o

trabalho do professor que, a exemplo do que acontece com outros tipos de trabalho que

vêm sofrendo as exigências de um novo perfil requerido pela reestruturação produtiva,

deve se adequar ao novo reordenamento proposto pela reforma. O trabalho do professor

não se distancia da política de redução dos gastos públicos aplicados à educação, sendo,

portanto, alvo das estratégias de reforma que postulam a flexibilização de seu trabalho,

rompendo com a estabilidade e planos de cargos e salários que apenas oneram a

administração pública.

11

Oliveira (2003, p.48), por meio da análise dos documentos do Banco Mundial, retrata

que esse profissional é percebido como um entrave que dificulta a viabilização das

reformas demandadas pelo país. Segundo a autora, os documentos procuram sutilmente

construir a imagem do professor, atribuindo à idéia de ser “corporativista,

desqualificado, obsessivo por reajustes salariais, descompromissado com a educação

dos pobres, partidário da oposição, etc”. Um profissional que necessita passar por

reformas, de modo que possa ser competente o suficiente para atender as novas metas

educacionais.

Os autores Frigotto; Ciavatta, (2003, p. 115) chamam a atenção para os impactos da

reforma educacional no trabalho do professor, ressaltando que “Os professores foram

sendo prostrados por uma avalanche de imposições, reformas sobre reformas e

mudanças sobre mudanças, humilhados nas suas condições de vida e de trabalho e

ignorados e desrespeitados no seu saber e profissão”.

As alterações no currículo, a ênfase atribuída ao desenvolvimento de habilidades e

competências dos alunos, a importância das práticas de aceleração da aprendizagem; as

mudanças no sistema de avaliação e a abertura da escola à comunidade, configuram um

elenco de questões que permeiam o trabalho do professor na atualidade.

Nessa perspectiva, as novas metas educacionais exigem professores com domínio de

novas práticas e saberes que atendam as exigências estabelecidas pelos programas de

reformas, que, na maioria das vezes, estão voltados à articulação de estratégias

imediatistas, para compensar os impactos provocados pela escassez de recursos.

O professor, entendido como a figura ‘catalisadora’ dos êxitos e insucessos dos

programas governamentais e dos desempenhos dos alunos e quando não respondem às

expectativas, são responsabilizados pelo mau preparo no exercício da função. Assim,

para manter a imagem de profissional competente e responsável, o professor deve criar

estratégias, driblar as dificuldades que aparecem no cotidiano, cumprindo a tarefa de

garantir um ensino de qualidade, capaz de responder às exigências do mercado.

Ao professor, também, é exigido o desempenho de papéis que fogem a sua formação

para atender as várias funções assumidas pela escola pública. Assim,

12

[..] muitas vezes esses profissionais são obrigados a desempenhar as funções de agente público, assistente social, enfermeiro, psicólogo, entre outras. Tais exigências contribuem para um sentimento de desprofissionalização, de perda de identidade profissional, da constatação do que ensinar às vezes não é o mais importante. (OLIVEIRA, 2003, p.33).

A desqualificação do papel do professor pode ser observada através da participação da

sociedade civil, que, freqüentemente, é convocada a assumir responsabilidades pelos

problemas educacionais expresso na idéia de que qualquer pessoa, mesmo sem

qualificação, pode desenvolver atividades de competência do professor.

Sem perder de vista esse contexto, é oportuno ressaltar que as agências internacionais

recomendam o investimento em insumos educativos como: compra de equipamentos,

materiais didáticos, livros, entre outros, para contribuir no desempenho individual do

aluno, evitando com isso a evasão e repetência escolar. Se por um lado ocorre uma

priorização no aspecto quantitativo, por outro, percebe-se uma total desatenção em

relação a fatores que envolvem a capacitação, formação, salários e condições de

trabalho do professor. Sobre isso, Fonseca (1998, p.18) esclarece que,

[...] a ênfase no aspecto financeiro submete as reformas da área educacional aos critérios gerenciais e de eficiência que tocam mais na periferia do que no centro dos problemas, isto é, incidem mais sobre a quantificação dos insumos escolares do que sobre os fatores humanos que garantem a qualidade da educação.

Percebe-se que, na ordem de prioridades da reforma, a importância do trabalho do

professor tem ficado em último plano. Além disso, o cenário atual denuncia a

ocorrência de fatores que refletem a precariedade das condições de trabalho desse

profissional, verificando-se dentre eles salas de aula que extrapolam o limite de alunos

matriculados, baixa remuneração, na qual muitos professores acabam ampliando a sua

jornada de trabalho para compensar as freqüentes perdas salariais; intensificação do

trabalho decorrente das exigências burocráticas que levam o professor ao preenchimento

de inúmeros documentos.

Os professores, nessa perspectiva, devem ser criativos e audaciosos para cumprir as

metas educacionais através dos parcos recursos disponíveis e atender aos mecanismos

13

de gestão escolar que acenam para o controle central da escola na operacionalização da

política educacional. Como bem coloca Oliveira (2004, p.131),

[...] tais reformas serão marcadas pela padronização e massificação de certos processos administrativos e pedagógicos, sob o argumento da organização sistêmica, da garantia da suposta universalidade, possibilitando baixar custos ou redefinir gastos e permitir o controle central das políticas implementadas.

É nesse sentido que deve ser analisada a falta de autonomia neoliberal do professor,

uma vez que a ele cabe apenas executar os conteúdos programáticos que são

estabelecidos verticalmente, não lhe oferecendo chances de participar da organização e

desenvolvimento de seu trabalho.

Os estudos na literatura consultada retratam que esses fatores, conforme mencionado

acima, trouxeram novas exigências para os professores que são chamados a lidar com a

incerteza e com o inesperado, pois o novo contexto apresenta um leque variado de

demandas que envolvem a capacidade de lidar com as questões complexas existentes na

sala de aula, garantir a permanência do aluno na escola, suprir a carência de recursos

materiais e outras demandas. Neste sentido, verifica-se que as novas formas de gestão e

organização do trabalho escolar têm rebatimentos visíveis no trabalho do professor, que

para responder às novas exigências, deve mostrar-se um trabalhador flexível, capaz de

se adaptar às diversas situações.

As mudanças no espaço escolar, regidas por esquemas que privilegiam a redução dos

gastos e a intensificação das metas educacionais, se configuram em uma verdadeira

precarização do trabalho do professor. Sobre isso, Oliveira (2004, p.140), chama

atenção no sentido de que “o trabalho pedagógico foi reestruturado, dando lugar a uma

nova organização escolar, e tais transformações, sem as adequações necessárias,

parecem implicar processos de precarização do trabalho docente”.

A análise da configuração de um novo perfil profissional exigido do professor, não pode

deixar de considerar o processo no qual, Oliveira (2004), identifica por teses da

precarização e proletarização. A autora destaca o processo de proletarização do trabalho

do professor à medida que vem sofrendo uma desqualificação e perda de autonomia.

14

O professor já não decide mais sobre o seu trabalho, pois a ele compete apenas à

execução das metas educacionais, não cabe ao professor opinar e ou decidir sobre o

processo de seu trabalho, mas ajustar-se aos regulamentos previstos pelas reformas.

Assim, os currículos centralizados, os indicadores de avaliação que trazem critérios pré-

estabelecidos, definem as competências necessárias que o professor deve ter no

exercício de sua profissão.

As pesquisas realizadas por Oliveira (2004, p.140) apontam as diferenças que existem

entre o trabalho prescrito e o trabalho real da professora. Para a autora, essas diferenças

“expressam a sensação de insegurança e desamparo tanto do ponto de vista objetivo -

faltam-lhes condições de trabalho adequadas, quanto do ponto de vista subjetivo”.

Nacarato; Varani; Carvalho (1998, p.83), apresentam que é exigido do professor,

[...] a responsabilidade de ser um alquimista – transformar metais comuns (ambiente inadequado, classe numerosa e estudantes desinteressados) em ouro (motivação para aprender, prazer diante do conhecimento, construção da cidadania, estudantes com espírito investigativo e criativo).

Diante do conjunto de medidas propostas pelo novo modelo de gestão escolar, verifica-se que

recai sobre o professor uma sobrecarga de trabalho e um esforço muito grande para responder às

novas exigências, sendo que estas, muitas vezes, não são acompanhadas de elementos capazes

de corresponder às condições reais de trabalho, desencadeando situações que afetam a saúde do

professor.

Sobre essa questão, Assunção (2003), ressalta que muitas das dificuldades que afetam a

saúde do professor estão relacionadas à incompatibilidade, entre as mudanças

educacionais e a realidade que os professores enfrentam nas salas de aula, e desse modo,

Os esforços individuais dos professores para compensarem a falta de acomodação das metas educacionais na organização real do trabalho podem explicar as queixas de cansaço, os distúrbios psíquicos menores e os índices de afastamento do trabalho por transtornos mentais (ASSUNÇÃO, 2003, p. 88).

Esteve (1999) utiliza a expressão ‘mal estar docente’ para caracterizar essa situação

marcada pelos efeitos nocivos que recaem sobre a saúde do professor. Trata-se de um

15

fenômeno com repercussões internacionais e manifestações evidenciadas no inicio da

década de 1980 nos países mais desenvolvidos. De acordo com o autor citado, a

expressão retrata os efeitos negativos resultantes das condições psicológicas e sociais

em que o trabalho do professor é desenvolvido, gerando prejuízos a sua saúde. Cabe

destacar que esse mal estar se manifesta em várias formas de esgotamento, situações de

estresse, episódios depressivos, e absenteísmo, sendo esse último à reação mais

freqüente para aliviar as tensões do professor no exercício de seu trabalho.

Como expressão do mal-estar docente, a literatura consultada faz referência a Síndrome

de Burnout9, para caracterizar a situação de esgotamento físico e mental que afeta o

professor. A síndrome refere-se a um estado no qual o trabalhador, diante de uma

situação de esgotamento físico e mental gerada pelo contato direto com outras pessoas,

perde o interesse de seu envolvimento com o trabalho, demonstrando sentimentos de

indiferença, não se importando mais com aquilo que faz ou deixa de fazer, afetando

principalmente aqueles trabalhadores que mantêm contato direto com outras pessoas.

Para Farber10 (1991 apud CODO 1999, p.241) “burnoult é uma síndrome do trabalho,

que se origina na discrepância da percepção individual entre esforço e conseqüência,

percepção esta influenciada por fatores individuais, organizacionais e sociais”. O

trabalhador acometido pela síndrome manifesta sentimentos de indiferença no trato com

outras pessoas, não se envolvendo com as dificuldades e problemas que essas venham a

apresentar. O relacionamento interpessoal é sucumbido, não havendo mais a presença

do vínculo afetivo. Para Codo (1999), a falta de envolvimento pessoal no trabalho

ocorre nessa relação, onde há um enfraquecimento das relações de afetividade.

No caso do professor, os efeitos da síndrome são perceptíveis na relação estabelecida

com os alunos, que são vistos como, mais um objeto entre os vários que compõem a

sala de aula. O que ocorre é um esgotamento físico e emocional do professor por tentar

lutar contra uma situação adversa, resultante das exigências que são atribuídas a sua

prática cotidiana e das dificuldades que enfrenta em realizá-la em função da

precariedade de seu trabalho. 9 Sobre Síndrome de Burnout relacionada especificamente ao trabalho do professor, ver Codo (1999). 10 FARBER, B.A. (1991). Crisis in Education- Stress and Burnaut in the American Teacher. San

Francisco, Oxford: Jossey- Bass Publishus.

16

Este esgotamento, considerado por Codo (1999, p.270), como “exaustão emocional”, é,

segundo o autor, “[...] expressão do sofrimento que os professores e demais

profissionais do cuidado sentem quando não conseguem dar mais de si mesmo, toda

energia e recursos emocionais próprios parecem estar exauridos”. Isso acaba

interferindo negativamente na relação com o trabalho, visto que o entusiasmo,

motivação e a disponibilidade do professor acabam sendo afetados. Nesse sentido, o

“trabalho não o protege, mas sim o denuncia” (MENEZES; SORATTO, 1999, p. 267).

Além desses sintomas, vale apontar a presença de outros, como: elevado índice de

absenteísmo, baixa auto-estima e indiferença para com os problemas educacionais.

Analisar as condições de trabalho do professor implica em identificar não apenas os

fatores que geram tensões de caráter negativo em sua atividade profissional, conforme

exposto acima, mas também em situar o trabalho do professor a partir dos novos

modelos de reestruturação econômica que impõem novo reordenamento das relações de

trabalho com o cumprimento de metas alicerçadas nos pressupostos de ajustes

estruturais.

Verifica-se que as novas metas de reforma, orientadas pelas agências internacionais,

refletem sobremaneira nas condições de trabalho e na saúde do professor, o qual tenta

individualmente compensar as deficiências de recursos, geradas no local de trabalho, em

função da política de cortes nos investimentos educacionais. A bibliografia consultada

aponta que esse esforço despendido para adequar as condições de trabalho às metas

requeridas pela reforma tem provocado o adoecimento de muitos professores. Constata-

se a preocupação de um novo perfil de professor requer ações que assegurem e

promovam a saúde desse profissional, porém, o que se evidencia nesse novo modelo de

gestão educacional engendrado pela reforma é a total ausência dessas ações.

Os documentos oficiais: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, Plano

Nacional de Educação - PNE e Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

Valorização do Magistério - FUNDEF prevê medidas de valorização profissional,

contudo, verifica-se que a implementação dessas medidas depende de condicionantes

socioeconômico e políticos vigentes, tanto em âmbito nacional como internacional.

17

Conforme pode ser constatado, existe uma distância entre o acordado em lei e o

realizado pelo poderes públicos estaduais e municipais e o Governo Federal, pois a

saúde dos trabalhadores da educação não aparece no interesse dos governos nas áreas de

educação e saúde pública, o que nos leva a aferir que a importância atribuída à

valorização de que trata os documentos, está inserida em uma totalidade na qual o

trabalho do professor não está imune à lógica do capital. Assim, os poderes públicos

estaduais, municipais e federais traçam suas políticas com forte acento econômico em

detrimento da escassez de investimento no campo educacional, conforme orientação das

Agências de Financiamento Internacional, em especial do Banco Mundial.

É nesse quadro, marcado pela redução dos custos com educação, que os Estados e

Municípios brasileiros tentam cumprir as metas educacionais, articulando estratégias

para enfrentar a incompatibilidade entre os recursos que são destinados pelo governo e

os gastos necessários para manutenção da rede de ensino. Enfrentam o sucateamento

das instituições escolares, a escassez de recursos materiais e falta de vagas na escola

para suprir a demanda por ensino. Neste ponto, é visível o trabalho que muitas escolas

desenvolvem para complementar o orçamento financeiro, fazendo promoções,

organizando eventos e estimulando o envolvimento da comunidade, na tentativa de

suprir o déficit no orçamento educacional. É nesse contexto que se insere a discussão

sobre a saúde do professor da rede pública de ensino fundamental do município de

Maringá que será trata no próximo item que segue.

3. A SAÚDE DO PROFESSOR NO MUNICÍPIO DE MARINGÁ

Como se pode constatar, o problema de saúde relacionado ao trabalho tem vitimado um

número cada vez maior de professores em todo o país. Os Estados e Municípios

brasileiros presenciam, através das instituições de ensino, particulares ou públicas, o

adoecimento de muitos professores que apresentam queixas de saúde variadas, sendo as

mais recorrentes na literatura consultada, aquelas relacionadas a problemas nas cordas

vocais, dor lombar, problemas digestivos e distúrbios psiquiátricos.

Em Maringá, a exemplo de outros municípios do Estado do Paraná, os problemas de

saúde dos professores da rede pública de ensino é uma realidade a ser enfrentada pela

Secretaria Municipal da Educação. De acordo com dados obtidos através de pesquisa

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quantitativa, verificou-se que no mês de janeiro a setembro de 2005, do total de 895

professores de ensino fundamental, a rede municipal de ensino possuía com 03 (três)

professores afastados por acidente de trabalho11 e 27 (vinte e sete) em disfunção. Nesse

último caso, os professores ficam temporariamente afastados de suas atividades e ou

exercendo outra função, aguardando parecer médico da Coordenadoria de Saúde

Ocupacional da prefeitura para resolução do problema.

Apesar de não ser um número tão expressivo, se comparado com o total de professores

de ensino fundamental, pode ocorrer variações de um mês para outro. Além disso,

foram computados somente os professores que estão em disfunção e que sofreram

acidentes de trabalho, não sendo incluídos aqueles que continuam desempenhando suas

atividades regularmente, mas que, no entanto, estão sob tratamento médico.

Nos casos de acidente de trabalho e doenças ocupacionais, verifica-se que o tratamento

é custeado pela prefeitura municipal, sem acarretar ônus ao professor, entretanto é

necessária a realização de alguns procedimentos burocráticos que são encaminhados

pela própria coordenadoria ocupacional.

Esses procedimentos muitas vezes dificultam o reconhecimento de algumas doenças

como sendo de ordem ocupacional, sendo assim, quando o problema de saúde não é

reconhecido, cabe ao professor arcar com as despesas no tratamento. Um exemplo

citado pela coordenadoria de saúde ocupacional, refere-se aos problemas vocais que

acometem muitos professores e que, na maioria das vezes, não são reconhecidos como

doenças ocupacionais.

Os dados da pesquisa obtidos, junto a Secretaria de Educação e Coordenadoria de Saúde

Ocupacional, chamam atenção para alguns pontos importantes, entre eles: a ocorrência

de um número significativo de professores com problemas vocais e problemas

psiquiátricos, a inexistência de programas preventivos por parte desses órgãos que

muitas vezes não recebem o devido apoio e incentivo do poder público municipal para

11 A Lei complementar nº239/98 que dispõem sobre o Estatuto do Regime Jurídico Único dos

Funcionários Públicos do Município de Maringá, em seu artigo 116, considera acidente de trabalho, “o que ocorre pelo exercício de atividade prestada no serviço público municipal, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou redução da capacidade laborativa, permanente ou temporária”. (MARINGÁ, 1998, p. 33).

19

promover esse tipo de trabalho e a ocorrência de professores, que, em função do

processo burocrático de reconhecimento da doença ocupacional, acabam se

responsabilizando com as despesas do tratamento.

É importante verificar que os professores se tornam vítimas dos problemas de saúde

acometidos no trabalho, que, por serem pouco reconhecidos, inibem o direito à licença e

aos benefícios acidentários. Sobre essa questão, os dados de uma pesquisa nacional

desenvolvida em 2002 pela Universidade de Brasília, envolvendo seis tipos de

profissionais em regime celetista (com benefícios concedidos pelo INSS), afastados do

trabalho por motivos de doenças ocupacionais, revelam que “os trabalhadores da

educação são os que menos têm seus direitos reconhecidos em virtude de acidentes

ocupacionais” (GIL, 2004, p. 46). Desta forma, além de se responsabilizar pelas

despesas decorrentes do tratamento de saúde, os professores devem, também, enfrentar

o problema da garantia de seus direitos no trato das questões relacionadas à saúde.

No município de Maringá, os problemas de saúde do professor da rede de ensino

fundamental são encaminhados à coordenadoria de saúde ocupacional, não há por parte

da Secretaria da Educação e da própria Coordenadoria, a execução de projetos

preventivos que objetivem a atenção à saúde do professor.

Na gestão pública municipal de 2001-2004, a Secretaria Municipal de Educação, através

das deliberações aprovadas na I Conferência Municipal de Educação, elaborou o Plano

Municipal de Educação, no qual se encontra sistematizado ações que prevê a

valorização do professor, incluindo metas que objetivam “favorecer políticas que

identifiquem, previnam e minimizem as doenças típicas do exercício do magistério”

(MARINGÁ, 2004, p.97). Neste ponto, observa-se a evidência em relação ao

reconhecimento das doenças que acometem os professores, bem como a preocupação de

promover iniciativas voltadas à prevenção da saúde do professor.

O Plano Municipal de Educação representa um avanço em relação aos elementos que

restringem à valorização dedicada ao professor, a qual geralmente está condicionada à

melhoria das condições salariais e de trabalho, podendo constituir-se em instrumento

articulador de ações destinadas à priorização da saúde. Essas ações não podem estar

desvinculadas do movimento maior das metas de reforma educacional, ao contrário,

20

devem estar interligadas a esse movimento, buscando nele (movimento contraditório) a

sua própria viabilidade.

Mesmo não apresentando nenhum programa preventivo direcionado à saúde dos

profissionais da educação, percebe-se que há uma preocupação por parte da Secretaria

Municipal frente a essa questão específica, no caso, o Plano Municipal de Educação

contém indicadores que refletem a importância de se propor metas de intervenção nos

problemas de saúde que vêm acometendo um número cada vez mais expressivo de

professores.

Todavia, é preciso considerar que, após quatro anos da elaboração do plano, a meta

dirigida à saúde do professor, definida a partir das reais necessidades detectadas no

cotidiano profissional, não chegou a se efetuar na prática. As políticas de prevenção à

saúde ainda permanecem como propostas que não podem ser esquecidas no tempo, pois

a demanda e as necessidades de intervenção estão presentes, tornando-se imprescindível

a articulação de estratégias que garantam a sua execução.

Considerações Finais

Na análise do balanço dos resultados processados pela mudança no sistema educacional,

não se pode negar que as reformas educacionais ocorridas na década de 1990 foram

estabelecidas para atender as exigências do movimento de rearticulação do capital em

escala global. Essas mudanças imprimiram um novo modelo de gestão nas políticas

educacionais que adequado às medidas de regulação do mercado, produziram um

verdadeiro descaso com a educação, através de seu desfinanciamento e da não

valorização do professor.

As novas metas educacionais propostas pela reforma trouxe a exigência de um novo

perfil docente e a precariedade das condições de trabalho que produzem impactos

nocivos sobre a saúde desse profissional à medida que procura, em circunstâncias nem

sempre favoráveis, compensar individualmente os inúmeros desafios em função dos

baixos investimentos educacionais.

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A expressão ‘mal estar docente’ utilizada por Esteve (1999) retrata muito bem os

diversos sintomas que acometem os professores ao ter que lidar com situações, como:

baixa remuneração, indisciplina dos alunos e falta de condições materiais para a

realização do trabalho, ampliação da jornada de trabalho, que na realidade denunciam a

precariedade das condições de trabalho na qual os professores encontra-se submetidos.

Nesse sentido, a análise da saúde do professor da rede pública no município de

Maringá, expressa a realidade desse cenário atual que deposita no professor a

responsabilidade pela condução do processo de consolidação dos valores e de

construção do conhecimento, por outro lado, não lhes oferece as necessárias condições

de trabalho e de ações voltadas a priorização de sua saúde.

No caso específico dos professores da rede pública de ensino do município de Maringá,

pode-se concluir que o Plano Municipal de Educação traz novos elementos que

possibilitam à Secretaria da Educação a ampliação do debate sobre a saúde do professor

no município de Maringá, pois o professor doente potencializa o gasto público,

contribuindo para a fragilidade do sistema educacional e de seu poder de participação na

sociedade. No entanto, é necessário que a proposta de prevenção à saúde dos

profissionais da educação, contemplada no Plano, seja devidamente efetivada, buscando

superar os desafios produzidos pelas metas de reforma educacional, incluindo, na

valorização do professor, ações que viabilizem e que promovam a sua saúde.

Sendo assim, faz-se necessário a adoção de medidas urgentes capazes de promover a

valorização do professor, fazendo valer a legislação educacional que confere

fundamental importância à formação docente na política educacional. Em suma, a

valorização do professor deve ultrapassar os limites específicos das relações de trabalho,

envolvendo um processo amplo que priorize inclusive a qualidade de vida e a saúde

desse profissional.

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